Glitterbug: corpos e espaços como fragmentos da memória Alexandre Figueirôa
Com o filme Glitterbug (1994), o cineasta britânico Derek Jarman (19421994) nos deixou uma autobiografia centrada nos anos de sua juventude, construída a partir de trechos dos filmes em Super-8 rodados por ele entre 1971 e 1986, paralela à sua atividade como diretor de filmes, entre os quais Sebastiane (1976), Jubilee (1978) e Caravaggio (1986). O filme, em formato de diário íntimo e com música de Brian Eno, propõe uma crônica dos amigos de Jarman e das comunidades de artistas da cena underground por onde ele circulava. A obra gravita em torno de reminiscências visuais registradas pelo cineasta, e vão revelar não só aspectos de sua vida cotidiana como o ambiente cultural londrino dos anos setenta e a cena punk e gay do período. Glitterbug é composto de centenas de fragmentos de filmes em preto e branco e em cores. A reunião desse material teve como objetivo integrar o projeto Arena, programa exibido pela BBC. Jarman participou parcialmente de sua elaboração, mas quando o resultado foi ao ar ele já estava à beira da morte por complicações provocadas pela AIDS. Os finalizadores do filme foram o seu assistente David Lewis e o seu editor Andy Crabb. Jarman, como sabemos, tinha uma profunda admiração com o formato Super-8. É instigante imaginar que foi, exatamente, com o material de pequenos filmes domésticos que ele estruturou esse testemunho poético audiovisual, flagrando a si mesmo e outros corpos masculinos e femininos para transmitir sua visão pessoal e o sentimento em torno de uma época. O cineasta, nesse mergulho no passado composto de fragmentos marcados pelo efêmero, interage com as imagens desse outro tempo e revê o percurso de sua própria existência para articular um discurso no presente, um discurso de despedida, cujo objetivo é perpetuar as suas convicções em torno dos laços de amizade e do amor. Amor e amizade evidenciados sobretudo pelas relações afetivas homoeróticas, um traço que reflete um dos aspectos centrais dos empreendimentos de sua vida artística e está presente em toda sua filmografia. Ver Glitterbug é portanto uma experiência sensitiva marcada pelo lirismo. Jarman nos seduz pela delicada articulação que ele desenvolve a partir de imagens aparentemente dispersas. Uma janela de um grande galpão que se abre para uma vista do rio Tâmisa, a fachada de uma casa de chá por
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