DEREK JARMAN: CINEMA É LIBERDADE

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Nostalgia e vanguarda nos vídeos musicais de Derek Jarman Angela Prysthon

“Et je tremble délicieusement au souvenir charmant du premier jour d’amour!” (Depuis le jour, Louise, Gustave Charpentier)

Em 1987, no auge do videoclipe e da estética MTV, dez diretores de cinema foram convidados pelo produtor Don Boyd a participar de um filme omnibus com suas versões para árias célebres de óperas do repertório clássico canônico (algumas bem mais canônicas e célebres que outras, é bem verdade). Como costuma acontecer com essas antologias, os episódios de Aria eram desiguais, irregulares. Oscilavam entre o delírio kitsch de Ken Russell e sua interpretação de Nessun dorma (Aida), a mise en scène absurda de Godard para Armide, o esteticismo quase piegas da Liebestod (Tristan und Isolde) de Franc Roddam, a simplicidade pop de Julien Temple para Rigoletto, a abordagem Grand Guignol de Robert Altman para Les Boréades, a pretensão de Charles Sturridge com sua versão de La Vergine degli angeli (La forza del destino) e resultados bem mais medíocres ou desinteressantes como os de Nicholas Roeg, Bill Bryden e Bruce Beresford. O exercício de estilo mais interessante, contudo, parece-me ser o de Derek Jarman com Depuis le jour, o penúltimo episódio do filme, com cerca de sete minutos de duração, sobre a ária da ópera Louise de Gustave Charpentier. Jarman havia se tornado internacionalmente conhecido um ano antes com o longa Caravaggio, mas de certo modo frustrado com o formato 35 mm (pelos custos, pelas demoras, pelas dificuldades do processo), voltara-se mais uma vez para suas experiências com o Super-8 (formato que, aliás, nunca havia abandonado de fato, desde o início da carreira) e com 16 mm. Sua participação em Aria reflete de modo exemplar esse período. É sua obra imediatamente anterior a The Last of England (1989), filme no qual abraça mais radicalmente a mistura de texturas fílmicas para lançar sua versão alternativa e crítica da história recente do Reino Unido, com uma inclinação especial para os planos filmados em Super-8 e pela subsequente visualidade nostálgica, obsoleta e arcaica resultante desse formato, a justaposição de imagens, as figuras nas paisagens de decadência urbana e violência pós-punk. Depuis le jour é uma figuração talvez menos extrema dessa abordagem, mas seguramente faz parte de um mesmo horizonte estilístico que tem como principal método a pouco

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