Os ensaios em Super-8 de Derek Jarman Cecília Mello
Derek Jarman atuou no cinema inglês nos anos 1970, 1980 e início dos anos 1990, e foi talvez o mais radical dos cineastas de seu tempo. Seu cinema altamente idiossincrático, marcado por elementos reflexivos e intertextuais, possui características que permitem relacioná-lo à ideia fluida de “filmeensaio”. O emprego consistente de uma forma aberta ao novo, dotada de coragem para enfrentar o risco; o desejo de abordar temas que estão postos na cultura, principalmente a questão homossexual e a conjuntura social e política de seu país; a quebra de fronteiras entre o cinema, o vídeo e as artes visuais; a intensa heterogeneidade de sua mistura de gêneros e estilos; todos os elementos que pautaram as escolhas estéticas de Jarman desde o início de sua carreira corroboram sua afinidade com a ideia mais livre e independente da produção ensaística. Derek Jarman entra para o universo cinematográfico por duas vias quase opostas no início dos anos 1970. Por um lado, passa a trabalhar, a convite do diretor Ken Russell, como production designer em seu filme Os demônios (The Devils), de 1971. Por outro, na mesma época, adquire uma câmera Super-8 Nizo e passa a realizar pequenos filmes com amigos e outros artistas de seu círculo pessoal. Jarman passa assim pela experiência de uma grande produção comercial ao mesmo tempo em que se sente atraído pelo Super-8 e seu caráter doméstico. Creio que um dos principais veículos para o aparecimento das marcas ensaísticas na obra de Derek Jarman tenha sido justamente o uso desse formato. Derivado da bitola mais antiga 8 mm, o Super-8 foi lançado em 1965 pela Kodak como um formato para vídeos caseiros, com qualidade inferior ao 16 mm. A câmera Super-8 foi projetada para ser usada por amadores, e oferecia uma série de facilidades se comparada às bitolas 35 mm e 16 mm. Se antes se exigia do cineasta amador uma certa cultura técnica para a filmagem, a Super-8 facilitava operações tais como o foco, vinha equipada com uma lente zoom, além de ser de fácil manuseio devido a seu formato e ao fato de poder ser facilmente carregada com o uso dos cartuchos de filmes, que eliminavam a difícil operação de carregamento do chassi das câmeras maiores. Nos anos 1970, o Super-8, inicialmente reservado ao estilo doméstico, ganha força e aparece como formato ligado à experimentação e à resistência a um
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