FERNANDA DE ALMEIDA PINHEIRO
Assédio Pandémico
E
m tempo de pandemia é importante refletir sobre uma das mais graves (e mais tristes), que ainda assolam a patriarcal sociedade portuguesa. Invariavelmente, quando são suscitadas questões de assédio sexual perpetrado contras as mulheres, recebemos sempre o mesmo conjunto de comentários clichê, por parte de muitos homens, mas também por parte de ainda demasiadas mulheres. São comentários, que nos “explicam”, basicamente, que hoje em dia “tudo é assédio”, que “muitas delas se metem a jeito”, que “também homens são assediados”, que “muitas mulheres mentem”, que “as vitimas acusam, mas depois não nomeiam o seu agressor” e por aí fora. Pese embora reconheça que este tipo de desvalorização da conduta se prende, essencialmente, com questões educacionais (especialmente no que tange as mulheres), esta representação da realidade (que é falsa), tem de ser vigorosamente combatida. Estou convencida que, salvo raras e honrosas exceções (que apenas confirmam a regra), todas as mulheres já foram, em algum momento nas suas vidas, durante a
infância, adolescência, juventude, quando adultas e até em idades mais avançadas, confrontadas, com situações de assédio sexual. Convicta desta factualidade, coloquei a questão, de forma direta, num grupo da rede social Facebook, exclusivo de advogados, com mais de 6.600 membros, dos quais a maioria até exerce em prática individual, não dependendo, por isso, de hierarquias (que são campo fértil para o assédio laboral). Ainda assim (e como era de esperar), passadas pouco mais de 3 horas e logo após os clichés habituais, a resposta das advogadas do grupo em causa foi arrasadora. Com exceção de uma única advogada que não tinha conseguido identificar, até àquele momento da sua vida, nenhuma situação concreta - todas as demais (e foram cerca de meia centena as que responderam à questão), afirmaram perentoriamente já ter passado por situações várias de assédio (algumas delas por mais que uma vez), na rua, em ambiente de trabalho, nas escolas, nas universidades, por parte de colegas advogados, clientes, magistrados, patronos e outros.
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