MARANHAY - Revista Lazeirenta - 69 - janeiro 2022

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TOK

MARANHAY “ÁGUAS REVOLTAS QUE CORREM CONTRA A CORRENTE”

REVISTA LAZEIRENTA NUMERO 69 – JANEIRO - 2022

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ - EDITOR Prefixo Editorial 917536

MIGANVILLE – MARANHÃO


A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE MARANHAY REVISTA LAZEIRENTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com Rua Titânia, 88 – Recanto de Vinhais 65070-580 – São Luis – Maranhão (98) 3236-2076 CHANCELA

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da FEI (1977/1979); Titular da FESM/UEMA (1979/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IFMA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem 14 livros e capítulos de livros publicados, e mais de 405 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Membro da Academia Poética Brasileira; Sóciocorrespondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luis (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Premio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Premio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Foi editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; Editor da “ALL em Revista”, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras; Editor da Revista do Léo, a que esta substitui (2017-2019), hoje MARANHAY – Revista Lazeirenta. Condutor da Tocha Olímpica – Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.


MARANHAY REVISTA LAZEIRENTA “ÁGUAS REVOLTAS QUE CORREM CONTRA A CORRENTE”

NUMERO 69 – JANEIRO - 2022 “PRESIDENCIA”

“DIRETORIA”

“SÓCIOS-ATLETA EM CAMPO”


EDITORIAL

A “MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA” é sucessora da “REVISTA DO LÉO”, e continua em seu formato eletrônico, disponibilizada através da plataforma ISSUU – https://issuu.com/home/publisher. Desde aqui, de Miganville – Vinhais Velho -, dentro em breve, quem sabe? A partir de Dois Vizinhos-Pr... Retomo a capa da “Revista do Léo”, com o Leo carregando a tocha olímpica... e uma segunda capa, com a “presidência”, a “diretoria”, e os “sócios-atletas em campo”... tanto a presidência quanto a diretoria têm lugar cativo, escrevem aqui mensalmente, ou não!; os sócios-atletas, quando matéria de interesse aparece, então está aqui... Continuamos com os – vamos dizer assim – aspectos do Lazer: dai revista lazeirenta, termo criado pelo Bramante e adotado pelo Giuliano e dissiminado entre os ‘lazeirentos” deste Brasil varonil... Esportes e Cultura, até o momento aquelas do Maranhão/São Luis, preferencialmente... Na parte das ciências dos esportes e/ou motricidade humana – embora preferia Educação Física – a chancela é do CENTRO ESPORTIVO VIRTUAL – cev.org.br -; a parte cultural, da Academia Ludovicense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, e da Academia Poética Brasileira... A ‘sede” fica em Miganville, também conhecido – ou mais conhecido... – como Vinhais Velho – já foi Vila Nova de Vinhais, São João Batista dos Poções, Aldeia da Doutrina, Uçaguaba, quando indígena, Miganville quando da chegada dos primeiros franceses que aqui se estabeleceram: Riffault, DesVaux, Migan... 1594!!! Precedendo a França Equinocial, de DeLaTouche, e depois, portuguesa... Continuamos com a “Presidencia” formada pelo escrevinhador que vos fala, o Mestre GuruGeek Pereira (presidente do CEV), e o Fran... Temos uma “Diretoria” formada por sócios-atletas colunistas – base de sustentação – permanentes: o Mhário (Presidente da APB), o Jorge (lá do outro lado, do Atlantivo, do Porto, nordestino de Trás-os Montes), a Ceres, o Fernando Braga ( de Brasília), o Ramssés (Faraó), e lógico, o antonio Aílton... a seguir, os “Sócios-Atletas”: os que enviam/copio seus trabalhos, quando de interesse para o público leitor... Temos a chancela das Academia Poética brasileira, Academia Ludovicense de letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão... A Revista é dividida em duas partes: Esporte(s) & Educação Física & Lazer; com as notícias e trabalhos de resgate de memória dessas ‘atividades”, terminando com a Coluna do Navegante Jorge Bento e seu pensamento filosófico, sobre os desportos e a vida...


A segunda parte é dedicada à literatura ludovicense/maranhense, e ao resgate da memória dos escrevinhadores, sobre a cidade, e as regiões maranhenses, terminando com os novos alnçamentos, críticas, artigos, memórias, contos... e o que mais aparecer... Por fim, sobre Fran Paxeco... recortes e memórias... Sim, é uma revista de recortes e memórias... LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO 2 4 6

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO

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ESPORTE(S) & EDUCAÇÃO FÍSICA & LAZER JOELMA DOS SANTOS FOCA EM PARIS E SE PREPARA PARA A APOSENTADORIA JONNY FIGUEIREDO, DO JP MAPEAMENTO DOS ESPAÇOS ESPORTIVOS E DE LAZER E A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA NO LAZER EM UMA POPULAÇÃO UNIVERSITÁRIA UTILIZANDO TÉCNICAS DO GEOPROCESSAMENTO* MICHELE MARIA DE OLIVEIRA ESPORTE E CULTURA: DOS SAPATOS ÁS CHUTEIRAS. LEO LASAN SANTANA

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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO ACONTECENDO:

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CÂNTICOS VISCERAIS – O terceiro livro de João Batista do Lago LENINHA BARROS TACON PRECONCEITOS LINGUISTICOS NÁDIMA NASCIMENTO AS CUECAS DE COPINHO E O TAMANCO DO DR. SCHOLL. HAMILTON RAPOSO GAL. CARLOS EDUARDO SAULNIER DE PIERRELEVÉE E O DUQUE DE CAXIAS SUENILSON SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ THIAGO DE MELLO: ‘FAZ ESCURO, MAS EU CANTO’! FERNANDO BRAGA SANTA ESPERANÇA VIRIATO GASPAR HUMBERTO DE CAMPOS O JORNALISTA - O escritor carismático CERES COSTA FERNANDES O CAXIENSE QUE CONCORREU AO NOBEL EZIQUIO BARROS NETO II - ORAÇÃO A UM POETA MORTO FERNANDO BRAGA

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POSSE NA APB EVAS REFLETIDAS NOS ESPELHOS DA VIDA JOSÉ NERES DRIBLANDO BONDES E A HISTÓRIA MHARIO LINCOLN A POÉTICA DE EDUARDO JÚLIO E O MAR PAULO RODRIGUES COLAR DE SPINAS: UM OLHAR POÉTICO SOBRE A INSPIRADORA OBRA "A BULA DOS SETE PECADOS" DE MHÁRIO LINCOLN. MAURA LUZA FRAZÃO O ENCONTRO COM MUITOS TONS SHARLENE SERRA

FRAN PAXECO: MEMÓRIAS & RECORTES NÚMEROS PUBLICADOS

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EDUCAÇÃO FÍSICA ESPORTE(s) LAZER NO MARANHÃO


JONNY FIGUEIREDO – JP ESPORTES 09/01/2022


MAPEAMENTO DOS ESPAÇOS ESPORTIVOS E DE LAZER E A PRÁTICA DE ATIVIDADE FÍSICA NO LAZER EM UMA POPULAÇÃO UNIVERSITÁRIA UTILIZANDO TÉCNICAS DO GEOPROCESSAMENTO* *Ministrante: Michele Maria de Oliveira* Data: 12/01/2022 Horário: 14h Local: Formato Remoto (Plataforma Google Meet) Link: meet.google.com/eoa-qyxp-qbn Disciplina: Formação e Atuação Profissional em Lazer e Cultura (2021.2) Prof. Dr. Sérgio Souza - @mestresanhaco Monitora Alberlinha Santos - @alberlinha *Michele Maria de Oliveira* Graduanda do curso de Licenciatura em Educação na Universidade Federal do Maranhão - UFMA; Membra do Laboratório de Estudos e Pesquisa Epidemiológica em Atividade Física, Exercício e Esporte LAPAES; Membra do Grupo de Estudos e Pesquisas Pedagógicas em Educação Física - GEPPEF; Membra do Laboratório de Análises Espaciais e Geotecnologias - GEOPRO. Ex bolsista Foco Acadêmico UFMA, CAPES e FAPEMA. E-mail: wmicheleoliveira@gmail.com


ESPORTE E CULTURA: DOS SAPATOS ÁS CHUTEIRAS. LEO LASAN SANTANA Neste sábado 29 de janeiro de 2022, faz um ano do falecimento de Joaquim Pedrosa Silva, conhecido em Paraibano como Quinôr. Considerado pela geração com mais de 60 anos como um dos maiores jogadores de futebol da região. Segundo informou sua esposa dona Maria Lucena, desde criança Quinôr era tão apaixonado pelo esporte que batia bola dentro de casa, a ponto de sua mãe reclamar. A primeira profissão de Quinor foi de sapateiro, na época em que as chuteiras para jogar bola ainda eram feitas de couro e as travas de sola com taxa. Se a disputa do lance fosse um pouquinho acima do pé, era corte certo na canela. O futebol era “bruto”, mesmo com jogadas espetaculares de craques como Quinôr. POR AMOR, ADEUS GRANDES CLUBES. Dona Maria Lucena conheceu Quinor desde os quatro anos, eram vizinhos e foram crescendo, e aos 14 anos começaram a namorar. Ele Quinôr, tinha 17 e já se destacava como futebolista a ponto de times de Floriano e o River de Teresina o convidarem para jogar profissionalmente. Não foi. O motivo? O amor por Maria. Casaram-se em 1966. A trajetória do craque mudou de campo. Mas essa é outra história para quem gosta de romances. Vamos à história de futebol em Paraibano, que teve início, digamos assim, mais organizado, na década de 60, quando o Sr. José de Ribamar Carneiro (in memoriam) em 1965 a 1970 foi vice-prefeito de João Furtado, que conforme entrevista do próprio Zé Carneiro (como ficou conhecido) ao jornalista Leo Lasan em 2015, foi organizado o primeiro campeonato com os times do Comercial Futebol Clube, comandado por Zé Carneiro, Maranhão Atlético Clube comandado por Raimundo Ari Furtado e o Paraibanense Futebol Clube, comandado por Onildo de Brito Lira, sendo esse último clube o mais organizado, inclusive sendo registrado em cartório de Pastos Bons-MA, segundo afirmou Onildo em entrevista a Leo Lasan em 2015. Quinôr ainda era adolescente quando esses times surgiram, mas não perdia nenhuma partida desses primeiros times, jogados no campinho de bola construído onde hoje se localiza a Travessa Coelho Neto. Na época haviam poucas casas na Rua São Francisco e Boa Vista, a maioria construída de palha e o terreno do campinho era uma área de matos onde foi limpo e construído, que em poucos anos cedeu o espaço para a construção do poço e caixa d’água da CAEMA. Em entrevista concedida ao jornalista Leo Lasan em 2015, Quinôr revelou que não havia um time com jogadores exclusivos, dependendo da partida, os jogadores eram convidados indiferente a qual time pertencesse. O negócio era jogar. Quando raramente Paraibano era convidado para jogar em outra cidade, formava-se uma seleção. As viagens eram feitas em caminhões do Antonio Castor ou do Guilhermino Brito. Para o amigo Arnaldo Santana, Quinôr foi o melhor jogador que Paraibano já teve, principalmente pelo seu engajamento, desde sair às madrugadas chamando os colegas para fazer preparo físico, como treinar e também angariar ajuda para comprar bolas “Na época, vinha de São João dos Patos, uma Rural (veículo) buscar o Quinôr para jogar no time do Sr. Olímpio Sá, ou de Colinas, até Presidente Dutra, era um jogador já famoso na região, junto com o Zé Carlos de São João dos Patos, ambos sendo convidados por times do Piauí e Maranhão para jogar” revelou Arnaldo, ex-goleiro da Seleção de Paraibano. Quinôr jogou em várias cidades a convites dos donos de clubes de futebol.


Quinôr disse que na época (década de 60) não havia a figura do técnico de futebol, geralmente quem comandava uma equipe era o dono da bola. Zé Carneiro em entrevista confirmou isso e acrescentou que era muito difícil, pois tinha que dar equipe completa, bola e depois a famosa “resenha”, bebida com tira-gosto ou churrasco após cada vitória “Era difícil e trabalhoso gerenciar um clube” afirmou. A história do futebol em Paraibano, faz parte do acervo de entrevista de Leo Lasan realizada em 2015, a pedido do jornalista e historiador Leopoldo Gil para fazer parte do livro sobre a História de Paraibano. As entrevistas foram gravadas com os primeiros donos de equipes, chamadas de clubes, nos anos de 50 a 70, a exemplo de Zé Carneiro, Onildo Brito, Quinôr, Lôrão, Toquinha entre outros. O propósito dessa matéria postada hoje, é homenagear um dos grandes futebolistas de Paraibano, na data em que se passa 1 ano de seu falecimento, por infarto, acontecido na madrugada de uma sexta-feira, 29/01/2021 em São Luis. Aos familiares de Seu Quinôr, dedico essa contribuição para fazer parte da cultura histórica de nosso município. Continua nossos desejos que o mesmo esteja descansando na paz celestial. Matéria Especial: Leo Lasan Santana Paraibanonews Fotos: Acervo da Família



NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO "As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".

A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido. Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.


VINHOS PARA A CEIA DA PASSAGEM DE ANO É bom de ver, o vinho é a bebida da minha eleição. Cristo abençoou-o, deu-o a beber e aconselhou que O imitássemos. É o que faço, porquanto sigo os Seus preceitos. Para a ceia de hoje sugiro líquidos doirados de Trás-Os-Montes e do Alentejo: Touriga Nacional, Grande Escolha da Quinta do Lombo (Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros); uma alternativa magnífica pode ser Reserva do Comendador, da Adega Mayor (Família Nabeiro). No tocante a espumante, recomendo Super Reserva do Casal do Lombo (também da Santa Casa da Misericórdia de Macedo de Cavaleiros). Quando as sobremesas entrarem em cena, será a hora do vinho do Porto, vintage ou tawny, para acompanhar os queijos e afogar os doces e frutos secos. Pouco há a acrescer à afirmação de Percy Croft: “Todo o tempo que não é gasto a beber vinho do Porto é tempo mal gasto”. É excecional e milagroso: o octogenário Frank Yetman confessava ter saúde de ferro, por beber uma pipa (550 litros!) desse precioso néctar por ano! Bem comidos e bebidos, o ano de 2022 vai acolher-nos no seu regaço de bênçãos. ADEUS AO ANO VELHO Os anos, meses e dias têm perna apressada; são muito eficazes a passar e ir-se embora. A altura é de balanço, de arrumar a vida e deitar fora o que está gasto. Convém varrer tudo, do fundo da alma até à porta da casa. Livrar-nos de toda a poalha, das mágoas e rancores, das caras e nomes incomodativos. Entremos lavados, asseados e escarolados em 2022! Depositemos no lixo tudo o que se quebrou e não dá para consertar. Guardar o que não presta, além de estultice, é perder espaço e tempo. Tinjamo-nos de cores alegres, por dentro e por fora. Ajudam na criação de um ambiente favorável. Renovemos a roupa interior; não ponhamos em contacto com a pele tecidos coçados, desbotados e encardidos, porque se entranham no ser. No vestuário exterior, mesmo sendo inverno, usemos tons da primavera. Por exemplo, o amarelo fica bem numa malha; atrai fortuna e prosperidade, pelo menos no ciclismo. Quanto a comidas e bebidas, prefiramos as que avivam memórias de lugares e pessoas, e despertam o paladar da afeição e saudade. Entreguemo-nos e lambuzemo-nos nesses manjares e sabores, sem restrições! Boas refeições pedem o complemento de exercícios recomendáveis. Não contemos o tempo de andar e caminhar na natureza e nas páginas dos livros. Se nos perdermos, deixemo-nos guiar pelo pensamento, que mora nos passos dados e nas frases lidas. O deus Jano já está à nossa espera, pronto para abrir a janela do novo ano. Este não promete milagres ou exige sucessos; pede apenas que façamos o melhor possível, com o cinzel da coragem e o esmeril das atitudes. AÇÃO DE GRAÇAS Benditos sejam os que se abeiram de nós com passos silenciosos para não acordar as dores e angústias, os fantasmas e medos! Benditos sejam os que estendem as mãos fraternas e doadoras, e estão ao nosso lado, como girassóis, para partilhar energia, suavizar as feridas, desfazer nós e tecer laços! Benditos sejam os que tocam o nosso coração com o dom da suavidade, nos olham com respeito e aceitam como somos, eivados de erros e imperfeições! Benditos sejam os anjos e pássaros, que nos acompanham pelos caminhos da existência e dão asas e guarida aos nossos sonhos e anseios!


Benditas sejam as pessoas que, ao longo de 2021, me cumularam de atenções, carinho e solidariedade, e saciaram de ilusão! Peço a Deus que, em 2022, não falte a nenhuma destas criaturas, as cubra de bênçãos e ilumine os seus dias. CELEBREMOS A ARTE DE CONVIVER! Para trás ficaram 12 meses de convivência neste espaço. Fomos, por vezes, excessivos ou pouco comedidos. Ainda bem! Rousseau (1712-1778), autor do Contrato Social que os sacripantas neoliberais vêm queimando na fogueira da indiferença face ao Outro, foi perentório: “Sempre notei que as pessoas falsas são sóbrias; a grande moderação à mesa geralmente anuncia costumes dissimulados e almas duplas.” Iniciemos 2022 com alegria, que é coisa séria, sem ódio escondido. E voltemo-nos para o porvir com a disposição de celebrar a vida, que é a arte da conviver, de estar juntos sem construir o inferno. Para tanto enchamos a alma e os dias com música e poesia, e com palavras e atos que ampliem os sonhos, a esperança e os horizontes.

LUX INDEFICIENS O Professor (com letra maiúscula) é uma vela que arde até ao fim para alumiar os caminhos dos outros. Cria assim o futuro e a eternidade. Daí a admiração e a gratidão. LIBERALISMO FALSIFICADO Andam por aí filhos de 'boas' famílias, mascarados de liberais. A naftalina esbate, mas não anula o mofo de resquícios do feudalismo e da monarquia. Os meninos de ouro são iliberais; seguem um guião libertário avesso ao liberalismo filosófico e republicano. Os saudosos cavaleiros da troika não ambicionam um mundo melhor para todos, libertá-lo da pobreza, exclusão, indecência, injustiça e das aberrantes desigualdades. Almejam reforçar o neoliberalismo economês e os privilégios, agir sem freios de nenhum tipo, livrar-se de obrigações fiscais e sociais, repor os servos da gleba, abolir leis trabalhistas, cortar salários e pensões, aumentar a carga laboral, arrasar serviços públicos, instaurar a egolatria absoluta, derreter a sociedade. Eis o necrocapitalismo e os seus abutres! Os nobres barões exaltam o êxito resultante da competência e do empreendedorismo. Logo, não deviam precisar do benefício das heranças. Portanto, deitem fora os favores do nascimento e da linhagem! Vamos todos começar do zero. Ver-se-á assim quem se desunha e sobe ao pódio, mediante o respetivo mérito. NÃO SE DISTRAIA, NEM FAÇA DE CONTA QUE NÃO VÊ! O vírus anda por aí e tende a alastrar. Não afrouxe a vigilância no período das eleições - e para além delas. Este vírus dissimula-se de várias formas, mas nunca morre. A única vacina contra ele são a lucidez, a boa vontade e reta intenção. O sono da razão produz monstros. Depois não se queixe; Inês é morta! PLAGIADORES Somos um plágio dos nossos progenitores. Plagiamos o verbo dos mestres, dos livros e dos autores. Plagiamos o passado e o que ocorre ao nosso lado. Plagiamos os afagos e beijos dos amores. Plagiamos as circunstâncias, os campos e as flores. Plagiamos os pássaros e os poetas voadores. Plagiamos os rios vindos da fundura com a água que mata a secura.


Plagiamos santos e pecadores, afortunados e perdedores. Plagiamos Dionísio e Odisseu desmedidos. Não somos devidamente agradecidos. AUTENTICIDADE Não são raras as vezes em que nos sentimos perdidos. Mas não faz mal; está tudo bem, porque essa sensação é uma pequena faísca que continua a iluminar e desafiar a nossa vontade. Enquanto a tivermos conosco, podemos voltar a acender a chama da vida. Não somos exceção. Ninguém está totalmente bem. Todos se enganam no caminho e têm que o recomeçar. Somente esta autenticidade abre vias para vivências da felicidade. EM DESAGRAVO DA MODERNIDADE A Antiguidade Grega constituiu um período áureo do ócio criativo, com fascinantes interpretações e explicações mitológicas e filosóficas sobre o universo e o sentido da vida. Na Modernidade o pensamento filosófico assumiu compromissos políticos com a Humanidade, projetando utopias que, então, iniciaram a realização e garantiram um assinalável avanço civilizacional, expresso em vários domínios. Os caminhos abertos pelo espírito da Modernidade (procura da verdade, equidade cívica, dignidade e decência, busca da beleza e felicidade, primado do direito e da justiça, cidadania universal, etc.) clamam por urgente continuidade; mas vêem-se traídos pelo abastardamento intelectual do relativismo pós-moderno, vigente nesta era. Os pensadores modernos, na esteira dos gregos, possuíam a profunda convicção de que pouco ou nada sabiam, por mais que estudassem, observassem e refletissem. Ao invés, os deturpadores dos seus conceitos e propostas têm a certeza de que sabem tudo. É assim que emitem ‘achismos’ iguais às fake news difundidas pelos arautos do fanatismo, obscurantismo e negacionismo, acolhidas e aplaudidas pelo rebanho da ignorância. O DESPORTO MAIS POPULAR DO MUNDO Bater nos fracos é o desporto mais praticado, aliciante e compensador do mundo. Os seus aficionados escrevinham artigos de opinião nos jornais e tecem comentários na televisão, que lhes douram o nome e garantem fama e proventos. Com razão, porque são os vulneráveis que desgraçam os países, fogem ao fisco, causam o défice, levam à falência os bancos, esvaziam os cofres públicos, tornam insolventes as empresas e as caixas de aposentação. Enfim, os desvalidos são uma quadrilha de corruptos e larápios. Em contraponto e para equilibrar a situação, beija-se o cu aos tubarões e penduram-se comendas no seu peito. Assim, o panorama fica asseado e decente, limpo e saudável; e prevalece a justiça. COMPETÊNCIAS Caro Professor: A lengalenga das competências é música celestial. Dizem que algumas garantem sucesso na terra e glorificação no céu. A promessa é aliciante para os amantes de ‘o quê’. Pouco se fala nas que são básicas para ‘o quem’ da pessoa e da educação; constituem a escala das notas indispensáveis para cantar a convivência. Ensina os alunos a olhar para o lado, a reparar nos que estão sozinhos, a abeirar-se deles, a escutá-los, a conversar e jogar com eles. Ensina-os a cultivar a amizade e solidariedade, a colocar-se no lugar do outro, a perceber as suas circunstâncias, a ajudá-lo e encorajá-lo a superá-las.


Ensina-os a subir, sem empurrar ou pisar alguém, a ser e compartilhar o bem. Não sei se assim modificam o mundo; mas ganham a vida. DEUS QUER, O HOMEM SONHA, A OBRA NASCE! A hora é de gratidão a quem não deserta e está ao nosso lado. Nem os ventos evadidos da Caixa de Pandora afundam o barco, porque o anjo da esperança conduz a embarcação para além do cabo das tormentas. Éolo tem que procurar outras paragens; connosco não leva a melhor. Muito obrigado, caríssimos Amigos da utopia da Lusofonia! Isto vai, isto vai.

DESPORTO, ARTE E CULTURA: A VIAGEM PERFORMATIVA Teve lugar, ao fim da tarde de ontem, no Museu do Oriente, Lisboa, a apresentação da obra-prima acima referenciada. Trata-se de uma fantástica peça pictórica, da autoria do artista Mário Vitória, e de um livro com 247 páginas, em português e japonês. A peça e o livro foram elaborados para os Jogos de Tóquio por iniciativa da Federação Portuguesa de Natação, sob a magistral batuta do Prof. Doutor António José Silva, com a patrocínio do Comité Olímpico e do Comité Paralímpico de Portugal. A empreitada teve ainda o congraçamento da Embaixada do Japão e da Câmara Municipal de Nagasaki. O fito da obra foi o de resgatar a chegada dos portugueses ao Japão na primeira metade do século XVI, bem como as marcas indeléveis que lá deixaram, tentando associar o mito desportivo, o messianismo lusitano e o ecumenismo dos Jogos. A obra é ímpar e constitui um padrão que congrega o passado, o presente e o futuro. Ademais religa o desporto ao universo da arte e da cultura, de cujo ventre nasceu. Sempre que abandona esse berço matricial, o desporto perde a paternidade e o sentido. Aprendi, na escola primária de Bragada e na casa paterna, que no mundo havia pessoas admiráveis. Não imaginava na altura que algum dia conviveria com elas. Mais uma vez as encontrei nos estaleiros da peça e do livro. Também nunca pensei ver um texto da minha autoria traduzido em japonês. Não se estranhe que, nos lábios e nos olhos, tenha a doçura e o brilho da gratidão. Esta colheita de frutos não caiu do céu. Por debaixo dela há muito sofrimento mitigado e sublimado. Igualmente não é o resultado de uma corrida a solo. Sem a retaguarda da família e sem os inúmeros benfeitores que encontrei ao longo da caminhada, esta teria sido curta e quiçá inexistente.


Desculpai o tom de contentamento e de balanço destas linhas. Há dias em que a alma se excede e põe a cantar; hoje é um deles. Por favor, caríssimos Amigos, cantai comigo, porque vós fazeis parte deste caminho e canto polifónico! DA GRATIDÃO A gratidão nunca é bastante para reconhecer o bem que nos é feito. Os benfeitores não calculam o alcance e a importância das atitudes e gestos que derramam, como bênçãos, sobre nós; agem desinteressada e generosamente. Jamais conseguimos retribuir em igual medida; mas é imperioso expressar-lhes reconhecimento, sob pena de alargarmos o caminho da perdição. Os atos são a fôrma de quem os pratica. O ingrato é um sujeito medíocre, reles e vulgar, desprovido de valor. GOSTAS DE SER ‘TROIKADO’ E ATÉ DIZIMADO?! Tens vários açougueiros e raticidas à disposição, com diferente graduação do fio do cutelo e do teor do veneno, bem como dos respetivos efeitos. Basta, portanto, escolher aquele que melhor se adequa aos teus propósitos. Vai em frente, segue a voz do instinto. Depois, não te esqueças de enviar um relatório da situação! PONDEREMOS AS ESCOLHAS! Eis a dificuldade da vida: a toda a hora temos que escolher! Acresce que não vivemos numa cápsula; somos animais sociais. Logo, as escolhas excedem a esfera individual; antes de serem feitas, exigem a ponderação das consequências para nós e os outros. A importância das opções decorre igualmente da mortalidade. Por serem imortais, os deuses não têm que se preocupar com o presente e o futuro. Mas nós somos mortais; sim, vamos morrer. Por isso interessa-nos fazer boas escolhas durante a nossa precária existência. Talvez assim alcancemos alguma forma de perenidade entre os vivos. EM QUEM VOTO?! A fronteira fixada pela Revolução Francesa continua em vigor: de um lado os arautos da manutenção dos privilégios de casta; do outro os que se opõem a tal aberração. Tenho memória e consciência; não fico sentado em cima do muro. Não voto nos defensores da 'liberdade do privilégio' de impedir que o bem da 'Liberdade de jure e de facto' seja acessível a toda a gente. Não voto nos surdos ao sentido da justiça social, sequiosos de perpetuar a cleptocracia, os brasões e as heranças. Não acompanho os que tomam a egolatria e a ganância por elevador social, e assim sobem e roubam sem quaisquer inibições éticas. Não voto nos que veneram o mercado dos ambiciosos e inescrupulosos, da competitividade, dos empreendedorismos, dos rankings e do sucesso, com guetos para os 'falhados' e condomínios amuralhados e guardados para a elite. Não voto em partidos com designações encobridoras dos seus propósitos obscenos. Não voto em quem corta salários e pensões, alija um parte da sociedade, abandona os idosos e excluídos, e acalenta o desejo sórdido de destruir serviços públicos essenciais. Enfim, não voto nos manhosos oráculos da 'democracia iliberal', por mais que encham a boca e poluam o ambiente com ardis e 'neoliberalismos' enganadores das multidões. Voto pelo Outro País! Pelo que não perturba nem merece a atenção dos comentadores encartados e encaretados, pagos pelos donos das televisões e dos jornais. Voto pelo país desejado pelos que votam contra si mesmos, ingénuos e aldrabados por uma linguagem melada e envernizadora de perversas intenções. Voto pelo país dos que não se encerram em si, colocam as ideias e a voz ao serviço da comunidade. E põem, acima do PIB, dos interesses da banca e das teorias económicas serventuárias do sistema financeiro, o défice de vida de que são credores, há muitas gerações, milhões de cidadãos. Voto por um país belo e bom, com


Lua, Sol, Música e Poesia para todos, feito deste jeito por convicção e vontade interior, sem necessidade de crispações e imposições, de confrontos e revoluções. PARA NÃO ESQUECER A evocação é como uma cimitarra afiada que decepa as mãos e retalha o coração. A dor arrepia a alma, a consciência e a razão. No dia 27 de janeiro de 1945, o exército soviético libertou o Campo de Concentração e Extermínio de Auschwitz. Encontravam-se lá sete mil prisioneiros (judeus e opositores do fascismo e nazismo). O mundo tomou então pleno conhecimento de um dos mais pavorosos símbolos da barbárie nazi. Tinham morrido naquele inferno, em consequência de sevícias, trabalho-escravo, fome, frio, doenças, experiências macabras e assassinatos em câmaras de gás, um milhão e setecentos mil homens, mulheres e crianças. As vítimas foram enterradas em valas comuns ou reduzidas a cinzas em fornos crematórios. O nazismo não foi obra do acaso. Foi cria das elites económicas, financeiras e outras, apoiadas pelo gado do povo. Foram elas que elegeram e moldaram Hitler e os seus comparsas. A conduta das horrendas criaturas teve amplo suporte. A sombra do horror persiste na atualidade. O ventre imundo continua fértil. Canalhas de idêntico teor são eleitos e levados ao poder, da mesma maneira. Os trastes são rebentos da monstruosa cepa da crueldade, agora envernizada; as circunstâncias não lhes permitem usar os métodos de antanho, mas mora neles essa vontade.


ACONTECENDO...


CÂNTICOS VISCERAIS – O terceiro livro de João Batista do Lago LENINHA BARROS TACON CÂNTICOS VISCERAIS é o terceiro livro de João Batista do Lago que, acertadamente, em suas próprias palavras o define como seu "ponto ideal". Não se trata de mais um livro de poesias; são poesias de um novo espírito poético, poesias que se esteiam na polêmica da razão…ou das razões. São arguições profundas que se ultrapassam num devir poético. Simpatizante das concepções bachelardianas, João Batista sente ser necessário adentrar os caminhos de uma poética que recorde à razão sua função agressiva, turbulenta em que se multiplicam as "ocasiões de pensar". Esta razão necessariamente há de ser polêmica, há de provocar, de desancorar do local onde naufragou – este, já agora, inútil destroço. Há uma tensão dinâmica, fluida e não uma cisão entre a poética de João e seu pensar racional sobre o real. Para além de uma inserção advém uma complementariedade, há um poeta no racional extraindo insights, compreensões retiradas a fórceps, dores "viscerais" por trás da persona alegre… Trata-se aqui de uma construção que desfragmenta, fractaliza e se recria a partir de blocos de uma linguagem assimétrica : a obra? Estética harmoniosa, cromática ferina de palavras-sílex, suaves e fertilizadas flores beijadas por beija-flores… A crise inserta na Pós-Modernidade (leia-se aqui a ruptura da legitimidade das meta-narrativas) gerou um mal-estar na confiabilidade, na credibilidade dos grandes discursos. João não consegue esconder esse malestar e, para além disso, revela-o pela – metaforicamente – face mareada, pré-emética, deixando-se ver sinal e sintoma. A dor em João é-lhe tão "visceral", que por vezes beira a impotência de um moribundo. Quais as dores que o exasperam? São as dores do (des)conhecimento e mesmo do conhecimento, as dores da inconformação frente às ideologias que espalham subserviência e misérias, as dores que se mimetizam em prazeres, que se escondem por trás das máscaras assépticas, as dores da inocência perdida, do abuso criminoso da inocência de si; as dores de abortos covardes das utopias felizes; de caminhar solitário num mar de dores anestesiadas. Com uma pitada de Bachelard, diria que João vê o estrume, mas também vê a flor! E de ambos aspira-lhes a essência do perfume…mesmo que fatal. Aspira convicto, consciente do mal que pode evolar da flor ou do bem que pode estar mimetizado no estrume. Porque o João se debruça sobre ambos – independente, objetivo e total no seu conhecer, na sua contemplação. E, por isso, apreende no instante…e retifica a apreensão – dolorido – no próximo apreender… A apreensão causa dor. A noção de dor em João, como já foi dito, é dilacerante: do fundo de suas entranhas, no estranho ventre algo chegou a termo! O concepto, pronto para vir à luz, tem de rasgar-lhe por dentro e não é possível adiar…Há dor no concepto e no parturiente. O pós-parto exige recuperação; o recém nato, adaptação. É João a sentir a ferida de si a doer, a dor dos feridos todos, a dor de ser e de existir consciente, a dor da inconsciência no outro de que lhe crescem feridas… or que o "visceral"? Porque a dura palavra coaduna-se com o real; é-lhe velha irmã conhecida, companheira do dia-a-dia. Porque a estética virtuosa já carece de sentido, já não mais perturba a desvirtuose em que estamos imersos, já não é mais capaz de perfumar o que se apresenta pútrido na ausência de virtude das cidades, dos países, dos escravos felizes de senhores vis.


João, voyeur de si, artífice de metáforas como pendular meta-fora de si, delator nobre do injusto/covarde/levitânico grande outro…Seu escancaramento de si e do real, apesar do que lhe causa, tão bem expresso nas suas viscerais palavras, não lhe é obstáculo, não lhe convida a participar do banquete dos acomodados. São, antes, "pontos vélicos" bergsonianos a lhe impulsionar a busca. João Batista evidencia nas contradições, nas antíteses tão bem insertas, a dualidade mal encoberta que se revela à análise crítica – do olho que quer ver. Assim, enriquece seus gritos-denúncia contra uma exploração de ideologias e dogmas, deixando a descoberto o amontoado de inúteis discursos desumanizados, desarraigados… Há no poeta uma inquietação tanto com a tentativa de reencontro de sua dimensão universal, quanto com a miserável condição humana que se esconde nos becos das cidades, ou que escoa a céu aberto, onde caminham outros homens-cidades – humanos poluídos de exploração homo homini lupus na alcatéia de um "deus mercado"…Nosso poeta, de tímpanos feridos, mostra o grito calado, ouvido dentro de si que é abafado pelo ensurdecedor ruído uníssono de caducos filosofares, que deixa proscritos os quereres, que torna impossível os pensares… Lembra-me um rebelde aluno em casarões-escolas mofados a distrair a atenção para o principal – que não é ensinado; bêbado feliz que faz escárnio da abstinência alheia: ora bandeira de si, ora fractal bandeira de todas as cores. Tal qual o pintor que se utiliza das cores na criação de suas obras, João vai customizando, ao buscar novos matizes, dentre os espectros visíveis do real, vai decompondo fractais sintonizado na frequência espectral de tons monocromáticos, vai tingindo os degradês de braços, pernas e pés explorados com cores carregadas – irônicas, sarcásticas linhas poéticas viscerais… Essa visceralização ocorre no instante instintual, onde o experienciar converte-se em impressão-explosão poética. Há um grito em João que o ensurdece e berra para a Ágora sonolenta; um grito que quer que seja pública, não rês, bovina resignação de homens tangidos por uma sorte não pressentida. Falo de um João que se insurge primeiro dentro de si e, aos poucos, transborda para o outro que também carrega em si. Assim como quer a este outro desperto, desperta atônito de seu próprio despertar. Na sua orfandade de origens, é um homem distanciado de si, na miserabilidade de se contemplar em uma vida que é um reflexo de sua condição atual, numa época desarraigada, inconsciente, repetidora (de iguais !). Ao carregar nos ombros seu próprio sofrimento de ser dor e de ver as dores do mundo, imola-se em cada verso que destrincha com os talheres baratos e descartáveis que lhe são oferecidos tão "gentilmente". Cada palavra que liberta, cada frase que solta das brancas e suadas páginas é um pedido sempre último de que se nidifique fertilizado em úteros-mentes que gestarão versos vivos. E, pelo amor de Deus, ou dos deuses, que não se aborte a Poesia! É visceral a dor da certeza de que é humana a mão (de carne e ossos que irão apodrecer); que, à semelhança do conto da árvore a reconhecer ser de madeira o cabo do machado que lhe abaterá, também são humanas as mãos que distribuem a fome, os sermões que excomungam, que expõem mãos diferentes em circos de horrores modernos… E por isso, a fumaça dos turíbulos já não sobe aos céus: seus ductos e ictos apenas conduzem às profundezas torpes do ser (des)humano. Há um lobo no altar da ovelha; há filhotes de lobos a beijar ovelhas… "Poeta maldito", herege a blasfemar contra seu alienofágico "deus mercado"…Bendito rebelde que incita, concita seus pares, excita-se com o sonho de se acabarem os matadouros onde se preparam o banquete de duras carnes humanas. É dilacerante a dor que calcina os ossos, a dor de se sentir brasa viva de si, a dor nos ouvidos onde ecoa o tropéu dos cascos a espezinhar as dignidades, onde se escuta centauros chicoteando os direitos… O sujeito da poética de João é um João cognoscente, ávido e árido de si; é um João que se oferece sacrificialmente, que faz libações ao sensório cru – e nu – de seu próprio experienciar…irrepetível


conhecimento. João oferece o que não é de se oferecer; se angustia por oferecer o que, neste carecer do ofertar, não será compreendido, será mesmo até inconveniente: será um choque visceral…algo, por certo, a ser evitado… A poesia lá está, às vezes, pregada no âmago da cruz-poeta; quando ele a desprende, há a sensação de um chute "na boca do estômago"; há uma dor visceral, que parte das entranhas da cruz e perpassa – dolorida e pulsante – pelas veias do real. E o que é este real? É o instante no homem que jaz liberto na cruz… Do alto de seu madeiro, não se queda – alheio e surdo – aos choros: vê tanto a funcionalidade deste como o despropósito de chorar. Do alto de sua cruz implora a morte: que a todos iguala, que revela e retira as algemas da verdade, tão insistentemente escondida no viver; a morte que é símbolo do fim da procrastinação da procura, da morte dos regimes, sistemas, filosofias, dogmas, ideologias, procuras de João… Jaz na cruz um João, pássaro na mira do caçador de si… É o nosso poeta um buscador de si. Na busca de seu perfil esbarra nos obstáculos – seus perfis escondidos. É, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do conhecimento de si e por isso, inevitáveis são o conflito e a dor oriundos do próprio ato de conhecer. No enfrentamento de seus obstáculos, de certa forma, sentimento de caos, supera-se avançando para outro caos. Ao mesmo tempo que retifica seus perfis, alarga sua via crucis e segue na "intensidade de presença" de um novo João. Sua poética, qual bisturi a lhe cortar o corpus, desfolha-lhe as camadas, textos de si mesmo, expondo-lhe à luz do dia os nervos-análise que se permitiu dissecar. A cortar-lhe: um insensível bisturi; a ser cortado: já um meta-corpus. Na alcova fértil de seu "quarto", seus frios/quentes suores são rimas, por vezes ásperas; ei-las avesso do cetim, doloridos chutes que a esperança lhe dá do âmago de seu ventre grávido. A poesia aqui é um pensamento que se aventura, uma aventura que se pensou. Dinâmica e intuída, insights de si, direcionase redirecionando, compreende-se além de si. Em sua alcova, João biparte-se, reformula seus signos: há significado e significados, há mais nulos significantes…João decifra-se e devora-se… A vertente "noturna" de João revela-se na poesia que, ora o faz precipitar-se nos abismos, ora o leva a despencar ele mesmo, impelido e seduzido pelo abismo de sua (in)compreensão. O lado "noturno" ri-se do lado "diurno" de João e o provoca no leito de seu "quarto"…E as palavras, situações, estupefações, ao passarem pelo crivo de um João racional, amalgamam-se no instante – amante – capturado e traduzem-se no verso em gozo… Caminhante – dos irmãos, o caçula de Dante -, o poeta vai tropeçando sobre si, por entre as ruínas de suas construções mentais, coletando as cinzas-amostras, material de estudo em seu laboratório de cientistapoeta… Já de outras vezes, João navega turbulento, singrando os mares cheios dos monstros dos erros e ilusões. Açoitam-lhe os ventos da linguagem que, racionalmente tenta usar, fustigam-lhe as tempestades de incoerência…mas continua a proteger a bússola sonhando com o farol (gedankens) que, intui, está a se ocultar por trás do vagalhão de suas ancestrais paixões…Por vezes a vontade louca de se lançar ao mar, de se oferecer ao altar de Netuno como um lobo a se redimir perante a ovelha cobiçada outrora: seu intuito é o de libertar rebanhos. A tentativa de desconstrução na palavra da dor embutida nas guerras, nas misérias cotidianas coloca na face do poeta um olhar que irrompe da noite, ao modo do Sol, e escancara à luz (razão) do dia as mazelas, a podridão mal encoberta, o fétido cheiro que já não mais incomoda, pois que os olfatos já se acostumaram e as máscaras também fedem… Uma preocupação assola a alma: será possível ser a si mesmo se há moldes em todo lugar? Na família, na escola, na igreja, no trabalho, na sociedade? Será que tudo já foi dito, será possível a desalienação, libertarse do jugo ideologizante e ideologizado?


E surge, por vezes, o medo de abrir "as gavetas do Eu", o medo de se ver desnudo, sem máscaras frente a si mesmo, o medo do confronto consigo mesmo, das fragilidades visceralmente expostas…é um medo que queima e enregela qual arrepio de alma… Os olhos – janelas d’alma – refletem tanto a visão de si, interno-olhar, quanto releituras, (re)visões do que se apresenta ao olhar. Se leitura hoje, re-leitura amanhã e, para além do amanhã, leituras outras existirão…Quais olhares surgirão? Existirão olhares? Será pura e vã inquietação?… Existem as leituras dos vencedores; as esquecidas estórias dos vencidos; há espaços reais aos seus tempos; há verdades forjadas, mentiras transmutadas em verdade única; há vidas ceifadas cheias de verdades amordaçadas… De onde o direito de espalhar o ódio que contamina os inocentes, os civis que ainda não estão na guerra? Por ser um buscador, o poeta recorda-se do realismo ingênuo, subjetivo e egocêntrico e passa lépido por um empirismo "claro", qualitativo e quantitativo de si. Do racionalismo tradicional extrai-se como noção de um João relativo inserto num paradigma racional e, refeito de si, pulando as pedras limosas da razão, ainda meio zonzo já escorrega em seus referenciais e se estatela na grande pedra…surracionalmente feliz. Já agora é um João simultâneo a se olhar; não mais absoluto, nem relativo. Compõe-se (ou fragmenta-se?) a partir do dual na dimensão quadridimensional do espaço-tempo. Seduz-lhe a pedra, por ora. E maravilha-se, angustia-se, devaneia, filosofa oniricamente na poesia! Sente-se arquetípico, pressente um meta-João a ferir-lhe as entranhas feita de todos os "Joões". A taça não transbordou. Saboreia-se pressentindo a dor da cicuta que ingere e, digere – antropofágico – cada um de seus pedaços, enquanto o "dia" não vem. João sonha desperto (devaneia) enquanto é tecida a "noite" em que cabem seus versos mas, serve-se destes para antever o pesadelo do diurno sonhar… A cada nova poesia: a experiência do instante, do tapa do real na ilusão, do novo e do velho, do profundo que diz Não ao Sim da razão. E o poeta se alarga, se retifica dolorido, "visceral" eternuum retorno e perda de si, lato e strictu sensu João… Ah, João, já a pensar em outras pedras ou está a pedra a golpear por Amor? São feitas nesta poética várias alusões aos quatro elementos: água, ar, fogo, terra. Podem ser escritos tratados (e já foram) sobre a simbologia oculta nesses elementos alquímicos, elementos de criação, elementos poéticos. Mas, num recorte, que nos interessa aqui, cabe atentar para a decomposição que o poeta faz criando desses símbolos metáforas de metáforas. Assim, na busca do ouro alquímico de seu próprio ser e de sua consciência no real, o fogo tanto pode servirse de seu papel de nilificador (uma espécie de redução a cinzas), quanto de purificador (uma espécie de lapidação das imperfeições). Poderá ser símbolo de paixão, do íntimo, do instintual que queima, de corporificação do desejo que consome. Há, porém, um sentido maior, não excludente dos demais, o de transcendência: o fogo, ao consumir matéria (e, aqui também, espírito) dialetiza o sujeito e o objeto João, purifica-o e lapida-o em suas arestas antagônicas…e que dor inevitável, que luz que cega! Já da água nos vem à mente a noção de fluidez, de uma poesia que é afluente (deságua e compõe rios), que João faz fluidicamente, como fecundante rio a fertilizar margens. Mas na água se lavam também os pecados originais, nela nasce o novo homem… Ecce homo…; dela bebe-se iniciaticamente a "Verdade" que sustenta. Águas há assassinas, violentas, profundas nas quais submergem homens que convivem com as águas primaveris e claras em que se banham despreocupados os jovens corpus amantes… Já aqui, em meio às águas, João até pensa no peixe-poeta, crístico símbolo a se deixar pescar, pois que peixes e água são partes de um todo só… Do ar, capta-lhe, em seu movimento ascensional, a dupla face da queda e do voo. Sobe assim, pleno em devoção, buscando o elevado Olimpo no qual fará uma oblação de si. Há vestígios arqueológicos de deuses no Olimpo? E como se livrar das impurezas que o alçaram lá? Já agora é a terra, pois, a lhe avisar de suas raízes; do repouso e do ventre que lhe germina e sepulta. É a terra a lhe fazer brotar uma nostalgia do vivido e do que poderia ser… Saudade menina de um menino João… um bem querer de Pátria amada distante no tempo, de chão natal amado, inocente pandoravelmente a


espiar… E assim as antíteses diurno/noturno (racional/onírico) amam-se despudoradas e inocentes no universo alquímico de João... Penso (será que realmente existo no meu pensar?) agora (serei mais uma na Ágora sonolenta?), por fim, na impressão que me fica após a leitura deste livro. Pareceu-me que o poeta envia aos seus leitores a seguinte mensagem: – "É preciso re-aprender a capacidade de se espantar; é urgente adentrar, pela iniciação poética, o umbral do conhecimento; é imperioso o despertar consciente e atuante diante do que é dado, do que é imposto, levantar o véu da essência que a aparência encobre. É necessário também sentir que há sangue tanto nas próprias veias quanto na história da humanização; é urgente também re-descobrir-se numa reinserção. Porque é um desrespeito valer-se da poesia de uma forma vil…é proibido alienar-se a poesia !" Obrigada pelos mergulhos no abismo, por dar voz aos gritos tão nossos, pela denúncia (porém atente: Si no pacem para bellum… Se queres a Paz, prepara-te para a guerra! ), pelo fogo, pela água…e pelo ar e pela terra… Obrigada pelo ocaso-interregno; pelas primaveras que estão contidas nas geleiras. Obrigada, mais que simplesmente, visceralmente… Lembrei-me de um trecho de um imortal, nosso poeta Carlos Drummond de Andrade, de sua magnífica poesia intitulada Procura da poesia; dizia ele: – "Chega mais perto e contempla as palavras/ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a face neutra/ e te pergunta, sem interesse pela resposta/ pobre ou terrível que lhe deres:/ Trouxeste a chave?!" Creio que João Batista do Lago a tem…


NÁDIMA NASCIMENTO

O R caipira do interior de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina deve-se ao fato de que os indígenas que aqui moravam não conseguiam falar o R dos portugueses, não havia o som da letra R em muitos dos mais de 1200 idiomas que falavam aqui. Então na tentativa de se pronunciar o R, acabou-se criando essa jabuticaba brasileira, que não existe em Portugal. A isso também se deve o fato de muitas pessoas até hoje em dia trocarem L por R, como em farta (falta), frecha (flecha) e firme (filme). Com a chegada de mais de 1,5 milhão de italianos à capital de São Paulo o sotaque do paulistano incorporou o R vibrante atrás dos dentes, porta como "porita", e em alguns casos até incorporando mais Rs do que existem: carro como "caRRRo", se quem fala for de Mooca, Brás e Bexiga, bairros paulistanos com bastante influência italiana. O R falado no Rio de Janeiro deve-se ao fato de que quando a corte portuguesa pisou aqui, a moda era falar o R como dos franceses, saindo do fundo da garganta, como em roquêfoRRRRt, paRRRRRi. A elite carioca tratou de copiar a nobreza, e assim, na contramão do R caipira e 100% brasileiro, o Rio importou seu som de R dos franceses. Do mesmo modo a corte portuguesa trouxe o S chiado dos cariocas, sendo hoje o Rio o lugar que mais se chia no Brasil, 97% dos cariocas chiam no meio das palavras e 94% chiam no final. Belém do Pará ocupa o segundo lugar e Florianópolis em terceiro. As regiões Norte e Sul receberam a partir do século 17 imigrantes dos Açores e ilha da Madeira, lugares onde o S também vira SH. Viviam mais de 15 mil portugueses no Pará, quarta maior população portuguesa no Brasil à época, o que fez os paraenses também incorporarem o S chiado. Já Porto Alegre misturava indígenas, portugueses, espanhois e depois alemães e italianos, toda essa mistura resultou num sotaque sem chiamento.


Curitiba recebeu muitos ucranianos e poloneses, a falta de vogais nos idiomas desses povos acabou estimulando uma pronúncia mais pausada de vogais como o E, para que se fizessem entender, dando origem ao folclórico "leitE quentE". Em Cuiabá e outras cidades do interior do Mato Grosso preservou-se o sotaque de Cabral, não sendo incomum os moradores falando de um "djeito diferentE". Os portugueses que se instalaram ali vieram do norte de Portugal e inseriam T antes de CH e D antes de J. E até "hodje os cuiabanos tchamam feijão de fedjão". Junto com os 800 mil escravos também foram trazidos seus falares, e sua influência que perdura até hoje em se comer o R no final das palavras: Salvadô, amô, calô e a destruição de vogal em ditongos: lavôra, chêro, bêjo, pôco, que aparece em muitos dialetos africanos. A falta de plurais, o uso do gerúndio sem falar o D (andano, fazeno), a ligação de fonemas em som de z (ozóio, foi simbora) e a simplificação da terceira pessoa do plural (disséro, cantaro) também são heranças africanas. do livro "Mapa Linguístico do Brasil" de Renato Mendonça e da Superinteressante desse mês. O livro abaixo, boa referência para contextualizar essa nossa mania de norma culta. Hoje a moda é falar como os americanos, importando palavras como bike, game, know how, feedback, selfie, entre outras... em breve estaremos falando uma espécie de "portuinglês"... texto explica detalhadamente como imigrantes vindo de várias partes do mundo podem influenciar no idioma oficial de um país, cuja a principal característica é a mistura de raças e culturas diferentes!


AS CUECAS DE COPINHO E O TAMANCO DO DR. SCHOLL. HAMILTON RAPOSO Acho que quem viveu antes das marcas Nike ou Adidas sempre vai ter uma história para contar. A palavra short era conhecida como calção e sunga seria uma peça íntima feminina. Calção era calção e quem se aventurasse a praticar algum esporte, usava um desconfortável suporte por baixo do calção, talvez servisse para proteger o sensível órgão genital masculino. E o calção tinha que ser da marca Elite, por sinal muito desconfortável. Os pés deveriam estar protegidos pelos eficientes “bambas”, “conga” ou o inesquecível e inigualável ki-chute”. E quem nunca usou, não sabe o que perdeu! O atleta Neymar Junior ex-jogador do Barcelona e atualmente no PSG e craque da Seleção Brasileira é o maior fenômeno de marketing da atualidade no Brasil, e faz propaganda de tudo, inclusive de cuecas. A marca apresentada pelo atleta realça tudo de maneira muito confortável. A minha dúvida é sobre a eficiência desta cueca quando comparada com aquelas cuecas coloridas de nylon vendidas em pequenos potes plásticos. Estas cuecas de gosto duvidoso foram usadas e abusadas pela minha geração, tinha uma característica peculiar, a irritação que causava na virilha de quem usava. Camisa de grife nem pensar, o bom mesmo era a camisa “volta ao mundo” ou camisa “ballon” antecessora das camisas “polo”, comercializadas na Arpaso, Loja Seta ou Ocapana. Todas eram impróprias para clima quente de São Luís, e ninguém se importava com o calor, valia mesmo era o estilo do usuário, que geralmente se fazia acompanhar com uma calça “Lee” comprada clandestinamente em uma loja do Edifício Colonial e com o uso inconfundível perfume “Vitesse”, também adquirido no mercado clandestino. O biótipo maranhense é de estatura mediana, alguns desejosos por uma maior altura, costumavam usar um sapato muito estranho, o “Motinha salto carrapeta”. Este eu nunca usei. Usava para ir à escola e para a vida social o sapato “Vulcabrás”. Era resistente e muito feio, mais era o que minha mãe comprava na Sapataria Mendes ou na Sapataria Silva na Rua Grande. A velocidade das mudanças acontecidas no universo masculino a partir da década de 1970 deve-se principalmente a Loja Arpaso, a primeira boutique masculina com estilo contemporâneo. Entretanto o fim dos limites entre São Luís e o Sudeste, foi marcado pela invasão dos tamancos ortopédicos de Dr. Scholl, que acabaram com os confortáveis chamatós marca registrada das férias de julho em São José. A febre dos tamancos do Dr. Scholl deu a impressão de que todo mundo ficou de pé chato em São Luís. Foi uma febre nacional. Muitos eram adquiridos por encomenda, quando algum “portador”, assim que se chamava o “sacoleiro” ou o turista que trazia a esperada encomenda. Uma verdadeira invasão colonialista nos pés!


GAL. CARLOS EDUARDO SAULNIER DE PIERRELEVÉE E O DUQUE DE CAXIAS SUENILSON SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ Visitando o famoso Forte de Copacabana aqui no Rio de Janeiro, me deparei com uma exposição (que é permanente), do fardamento, honrarias, e de diversos pertences do Duque de Caxias. Foi então que "puxando da memória", que já nem é tão boa assim (risos), que percebi alguns episódios e destaques militares que unem o Duque, e um antepassado nosso, o Gal. Saulnier. Vamos lá: ambos receberam a Medalha Geral da Campanha do Paraguay; Medalha Comemorativa da Rendição de Uruguaiana, e foram agraciados pelo Imperador D. Pedro II (em graus diferentes) com a Imperial Ordem de São Bento de Avis. Outros fatos mais do que relevantes, foram que além de inúmeras outras batalhas, eles lutaram juntos em Humaitá, e Uruguaiana. Não posso negar a satisfação de ter um antepassado que defendeu o Brasil, ao lado do inigualável Duque de Caxias. Abaixo deixo consignado um pequeno trabalho sobre o Gal. Saulnier. General-de-Brigada Carlos Eduardo Saulnier de Pierrelevée Um dos patronos da artilharia do Exército Brasileiro, e herói das guerras do Uruguai, e do Paraguai. Autor da pesquisa: Dr. Suenilson Saulnier de Pierrelevée Sá: Sobrinho-trineto do biografado. Carlos Eduardo Saulnier de Pierrelevée (São Luís do Maranhão, 3 de abril de 1839 - Fortaleza CE 1909) foi um militar brasileiro. Alcançou o posto de Brigadeiro (atual General-de-Brigada). Biografia Membro de tradicional família francesa[1], foi filho de Paulo Eulálio Francisco Saulnier de Pierrelevée e Maria Henriqueta Josefa Benisabodo Malagon. Era irmão mais novo do médico Afonso Saulnier de Pierrelevée. Carlos Eduardo sentou praça no Exército Brasileiro em 12 de fevereiro de 1861, aos 22 anos de idade. Formou-se no curso de Engenharia Militar e Civil - Regulamento de 1863 -, bacharel em Matemáticas e Ciências Físicas pela Faculdade de Paris, e Artilharia. Ao longo de sua carreira recebeu as seguintes promoções: Alferes-Aluno: 29/07/1864 2º Tenente: 16/01/1864 1º Tenente: Comissionado: 14/12/1865; Efetivo: 22/01/1866 Capitão: Comissionado: 04/09/1866; Efetivo: 01/06/1867 Major: 05/07/1876 Antiguidade Tenente-Coronel: Graduado: 02/05/1885; Efetivo: 15/05/1886 com antiguidade de 08/11/1884, Coronel: 17/03/1890 e General-de Brigada: 09/03/1894 – Reformado. Serviu nas seguintes guarnições: 5º Batalhão de Infantaria (adido); 5º Batalhão de Artilharia a Pé; 2º Corpo de Pontoneiros; 1º Batalhão de Artilharia a Pé; 4º Batalhão de Artilharia a Pé;


Regimento Provisório de Artilharia a Cavalo; Arquivo Militar; Diretor de Obras Militares, onde orçou e projetou o Colégio Militar de Fortaleza (Ceará) Comandante da Guarnição do Ceará. O General Saulnier esteve nas seguintes campanhas militares: Guerra do Uruguai – 09/01/1865 a 20/02/1865 Guerra da Tríplice Aliança - 21/02/1865 - 12/03/1870 Como capitão, participou da conquista do Forte de Curuzú (2 de setembro de 1866). Participou ainda da batalha de Curupaiti em 22 de setembro de 1866. Recebeu as seguintes medalhas: Medalha Geral da Campanha do Paraguay – 5 anos de Campanha[2] Medalha Comemorativa da Rendição de Uruguaiana[3] Medalha Comemorativa da Terminação da Guerra do Paraguai concedida pela Argentina. Foi também agraciado cavaleiro da Imperial Ordem de São Bento de Avis.[4] Carlos Saulnier padeceu de fortes dores provocadas por um reumatismo articular crônico, que o conduziu à reserva em 1894. Segundo informações familiares, o militar tornou-se, pelos longos anos de batalha, um homem solitário, melancólico e que vivia em meio aos “fantasmas” da guerra. Em Fortaleza, isolou-se totalmente do convívio familiar, residindo, segundo consta, em uma casa de muros altos e escuros, onde se recusava a receber até mesmos companheiros de farda, dos tempos das campanhas militares. Notas: 1.http://pagesperso-orange.fr/jm.../armor/fami/s/saunier.htm 2. A medalha foi instituída cinco meses após o fim da conflito, pelo Governo Imperial, por Decreto nº 4560 de 6 de agosto de 1870, referendado pelo Barão de Muritiba, Ministro de Estado dos Negócios da Guerra, atendendo aos relevantes serviços prestados pelo Exército em Operações Contra o Governo do Paraguai, pelos Oficiais Generais, Oficiais Superiores, capitães e subalternos, e praças. 3. A medalha foi instituída pelo decreto nº 3515 de 20 de Setembro de 1865, firmado pelo Ministro da Guerra, Senador do Império, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, porque houve por bem Dom Pedro II conceder uma medalha a todos os oficiais, praças, magistrados, empregados e pessoas de sua comitiva que assistiram e tomaram parte da rendição do Exército da República do Paraguai que ocupava a Vila de Uruguaiana 4.http://www.institutodoceara.org.br/.../1901... Bibliografia Coleção de Requerimentos de Militares: Letra C Maço nº 31 Pasta nº 899, Almanaques de Oficiais do Exército-1865-1894 Acervo de Reconhecimentos de Cadetes Cx nº 71 Pasta nº 164.


THIAGO DE MELLO: ‘FAZ ESCURO, MAS EU CANTO’! FERNANDO BRAGA

Silêncio, o poeta está morto! Amadeu Thiago de Mello nasceu em Barreirinha-Amazonas, em 30 de março de 1926, é um poeta, prosador e tradutor brasileiro, cujos livros já foram traduzidos para mais de trinta idiomas. Thiago, por ironia, nasceu no mesmo dia da Revolução de 64 [30 de março] e por ela preso por algumas vezes, até que se exilou no Chile, Argentina, Portugal, França e Alemanha. Em 1977 voltou para o Brasil, aconchegando-se em Barreirinha, sua cidade natal, no Amazonas, onde vive até hoje. Seu poema mais conhecido é ‘Os Estatutos do Homem’, onde o poeta canta de forma lírica os valores humanos. Thiago de Mello, conhecido como ‘O Poeta da Floresta’ é um dos nomes mais fortes da famosa ‘Geração de 45’. Sua bibliografia é extensa como sua alma. Em poesia publicou: Silêncio e Palavra, 1951; Narciso Cego, 1952; A Lenda da Rosa, 1956; Faz Escuro, mas eu Canto: porque a manhã vai chegar, 1966; Poesia comprometida com a minha e a tua vida, 1975; Os Estatutos do Homem, 1964, dentre outros. Em prosa: A Estrela da Manhã, 1968; Arte e Ciência de Empinar Papagaio, 1983; Manaus, Amor e Memória, 1984; Amazonas, Pátria da Água, 1991; Amazônia — A Menina dos Olhos do Mundo, 1992; Borges na Luz de Borges, 1993. Era 31 de outubro de 1977, o Jornal do Brasil publicava uma matéria sobre o regresso do exílio do poeta Thiago de Mello, em cujo nariz de cera dizia: “O sonho de retornar ao Brasil contado num de seus poemas escritos em 1975 na Alemanha, um dos países – além do Chile e Portugal – onde residiu nos últimos oito anos, tornou-se realidade, ontem, para o poeta Thiago de Mello. Mas, entre a alegria da volta e os abraços de parentes, foi detido pela Policia Federal após chegar ao Rio, às 8h, 22’, procedente de Lisboa. Só foi liberado às 21h. Com 50 anos e vestindo camisa e calças brancas – cor de sua preferência pelo significado de “festa e tranquilidade”, segundo uma das irmãs que o aguardavam no aeroporto – ele disse ter sérios problemas de saúde: já sofreu dois enfartes – o último há três meses – e está com angina” Ao saber da notícia da anunciada chegada de Thiago de Mello ao Brasil, vindo doente do exílio, o escritor Nunes Pereira, naquele instante meu hóspede em Brasília, apressou-se para seguir viagem para o Rio de Janeiro, já que era ligadíssimo por laços afetivos e intelectuais ao poeta, avisando-me que assim que chegasse ao ‘Santo Dumont’ rumaria direto para o Hospital Silvestre em Santa Teresa, para visitar o estimado amigo, seu confrade na Academia Amazonense de Letras, e um dos ‘mestres-salas’ do seu ‘O Morunguetá: um Decamaron Indígena’, trabalho de fôlego em dois volumes e prêmio ‘Roquette Pinto’, da Academia Brasileira de Letras; pedi ao velho etnólogo que levasse consigo a página do suplemento literário de ‘A Tribuna de Brasília’, dirigida pelo querido amigo E. D’Almeida Victor com um poema meu, recém-escrito, em saudação ao poeta e lhe entregasse com meu abraço. E assim foi. Disse-me depois Nunes Pereira que o poeta leu no desassossego de sua cama hospitalar. Aqui, apenas um excerto do poema devido ao espaço: “[...] Eu sei meu velho Thiago,/ que ninguém chegou remando canoa/ para saudar teu aniversário./ Só as barrancas do Bom Socorro/ te apertaram as mãos/ por seres poeta e empinador de papagaios [...] / Canta Thiago no teu escuro,/canta tua canção de amor armado,/ mais terna e mais precisa [...] / Eu sei que voltarás numa outra madrugada,/ num outro tempo/ em que os poetas não precisarão de documentos,/ assim como todos que trabalham com o tecer dessa claridão,/ dessa clara-idade de ouro/ que se foi para sempre com Pablo Neruda,/ mas que ficou contigo no amor maior de Anamaria!...”


E numa folha solta, escreveu este bilhete, pedindo ao mítico e místico autor de ‘A Casa das Minas’ que me fizesse chegar: “Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1977, Companheiro Fernando, “Não te agradeço, porque solidariedade é gesto de amor, e amor não se agradece. Mas celebro o teu cântico, não por me ver dedicado, mas porque ele ajuda na construção da alegria geral. O meu reencontro com mestre Nunes Pereira, um dos brasileiros a quem mais respeito e amo, foi fortalecido – neste momento luminoso, conquanto áspero, de meu retorno ao chão da infância e à vida do meu povo – foi fortalecido, te digo, pela claridão do teu poema. Já nos encontraremos. Sigamos fazendo a nossa parte, por mais que nos pareça pouca. Conta com o amigo, Thiago de Mello”. Com o ‘encantamento’ de Nunes Pereira, o silêncio... E nada mais dissemos... Sabendo que o poeta é conhecido pela sua generosidade, sendo essa, segundo amigos, uma das suas principais características, sempre atribuindo a outros poetas uma poesia maior que a sua, enaltecendo e declamando em diversas ocasiões textos de Ferreira Gullar e outros muitos... Recebi aquelas loas com a plena convicção de que valeu a generosidade do poeta, e como valeu, para certificar-me cada vez mais de que “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena!” E hoje, 14 de janeiro de 2022, o poeta Thiago de Mello retornou ao Pai!


SANTA ESPERANÇA VIRIATO GASPAR Naquele chão agreste, espremidos entre a secura implacável do chão e a sequidão mais inclemente ainda dos corações dos donos das terras e das vidas, a comida era sempre uma incerteza, que muitas vezes ficava apenas na nossa vontade de comer. Muitas vezes, ao fim de um dia inteiro de trabalho, nos cabia um litro de feijão, pra dividir por doze bocas varadas pela fome, esta sim, a convidada assídua, sempre presente em nossa casa. Nenhum de nós, doze bruguelos magros e de olhos sempre atentos a alguma coisa mastigável, se lembra com certeza de como ela apareceu em nosso rancho. Apenas, um certo dia, lá estava ela à nossa porta. Uma viralata amarela, grande, magra como nós, e como nós, de olhos atentos e alertas. O Pai logo a fez correr, à custa de pedradas, receoso de mais uma boca para alimentar. Mas ela sempre voltava e se deitava o mais longe possível no terreiro, de olhos atentos e observadores, como que vigiando em nossa proteção. Como, mesmo corrida a pedradas, sempre voltava para nós, a Mãe lhe colocou o nome de Esperança. Talvez, lá no fundo, na esperança teimosa, de que todo pobre padece, de que as coisas melhorassem e ela não tivesse, tantas noites, de ir dormir sem comer, para que a gente, os doze filhos, ganhasse mais um punhado do feijão suado que nos cabia ao final de um dia inteiro do Pai no cabo da enxada. Com tantas crianças, logo Esperança tornou-se membro da família. Ninguém nunca apareceu para reivindicar sua posse ou pedi-la de volta. E logo caiu nas graças do Pai, porque nunca comia. E o mais estranho e inusitado: quando as coisas estavam mais pesadas, a comida mais rara e mais difícil, Esperança deu pra trazer litro de óleo, cheio, lata de banha de porco, que depositava, silenciosamente, aos pés da Mãe, e se retirava para longe, mais para lá no terreiro. O Pai, no início, achava que ela tava roubando de algum lugar, talvez lá da venda, mas nunca, nem uma só pessoa apareceu pra reclamar ter dado falta desses óleos ou banhas. E Esperança nunca vinha comer, quando a chamávamos. A pouca comida que a Mãe punha para ela no terreiro, ela só cheirava e deixava intacta, como se dissesse: vocês precisam mais. Um dia, o Pai machucou a mão, nós todos no desespero da fome, que gania e gemia no saco vazio da barriga, Esperança chegou, de repente, com uma paca gorda na boca, que silenciosamente depôs aos pés da Mãe. Naquela rotina de fome e precisão, naquela incerteza de levantar todo dia sem saber se conseguiríamos alguma coisa pra comer, perdemos a conta das vezes em que Esperança matou a nossa fome. Uma latinha de banha, uma lata de óleo, uma paca gorda, um preá, um tatu, volta e meia, quando a fome apertava mais ainda, Esperança trazia alguma coisa, que depositava em silêncio aos pés da Mãe, como um fiel aos pés de sua deusa. Crianças que éramos, entretidos entre as brincadeiras, os banhos de rio e a voracidade insaciável por comida, nem percebemos que Esperança parecia a cada dia mais cansada, mais magra, de olhos cada vez mais acesos e tristes. Até que um dia, quando o Pai abriu a porta, manhãzinha, Esperança não estava no terreiro. Um, dois, três, quatro, cinco, seis dias, e nada de Esperança. No sétimo dia, a caminho da roça, o Pai viu a revoada dos urubus, lá pras bandas do coronel dono das terras e de todos nós.


Só no dia do enterro da Vó, eu tinha visto aquela névoa nos olhos duros e secos do Pai, quando contou pra Mãe, naquela noite, que tinha morrido de fome a Esperança que tantas vezes nos dera de comer. Por muito tempo, muitos dias e meses ainda, dei com a Mãe parada ali, à porta do rancho, de tardezinha, com seu velho vestido remendado, a assuntar o terreiro, como que a esperar, a qualquer momento, sua devota vir depositar a seus pés uma oferenda para matar a fome das crianças. Em toda a minha vida, ao longo de todos esses anos que já andarilhei pelas terras e corações do mundo, nunca conheci - nem padre, nem pastor, nem bispo, nem beata ou sacristão - cristão nenhum que trouxesse tão dentro de si a alma de Jesus. Como Ele mesmo disse: "Não há amor maior que dar a vida pelos seus amigos". Na dureza da vida no sertão, na secura da terra e dos corações, uma cachorra nos ensinou a maior lição de todas. Morreu de fome para que sobrevivêssemos. Viriato Gaspar Literatura Limite: O ANTROPONAUTA VIRIATO GASPAR


HUMBERTO DE CAMPOS O JORNALISTA O escritor carismático CERES COSTA FERNANDES O público leitor de hoje, mormente os mais jovens, não conhece quem foi e o que escreveu Humberto de Campos. Um restrito número de leitores da outrora multidão de admiradores ainda o lê. Posto de lado pela crítica, pouco se ouve falar no escritor que convocava e comovia milhares de leitores, diariamente, por meio dos jornais. Ainda mais, quando sabemos que, durante apenas um semestre do ano de 1934, o ano de sua morte, foram publicados e vendidos, pela José Olympio 62.800 exemplares de diversos de seus títulos. A importância desse número pode ser mais bem aferida, se nos reportarmos ao incipiente mercado editorial brasileiro dos anos 30, que enfrentava a competição com o livro estrangeiro, particularmente os franceses e os portugueses, e a dificuldade da aquisição de livros fora do âmbito das grandes cidades. Após a sua morte, ainda foram editados Memórias inacabadas (1935), Diário secreto (1954) e alguns inéditos. Aproveitando o impacto da morte do escritor mais querido do público, até tendas espíritas começaram a receber dele mensagens psicografadas. Com o passar do tempo, os leitores e as publicações foram minguando e os sebos acumulando as sobras de edições não vendidas. Até a edição comemorativa do centenário de seu nascimento, em 1986, com a reedição de Obras escolhidas de Humberto de Campos, em 10 vol., pela Editora Opus, não produziu o boom esperado. O sebo foi novamente o seu destino de grande parte da edição. Partindo dessas considerações sobre a ascensão e a queda editorial de HB, caminhemos rumo ao entendimento das causas que as motivaram. A fase decisiva da vida do escritor Humberto de Campos começa quando ele aporta no Rio de Janeiro, no ano de 1912, fugido das intrigas da feroz política paraense. Humberto encontra a Capital Federal vivendo um momento neutro de sua história política e social, após terem passado as agitações da Abolição e estar consolidada a República, sem a expectativa de outros grandes feitos. A par disso, o clima que imperava na Capital Federal era o da Belle Époque francesa. Os modismos europeus, o gosto pela literatura ligeira, herdada dos novos gêneros importados da França – em especial a reportagem, a entrevista e a crônica – o dandismo, tudo favorecia ao encorajamento da superficialidade e do culto ao prazer em todas as áreas. Nas letras, surge a possibilidade da profissionalização do escritor por meio do jornalismo literário. A novidade propiciava ao escritor jornalista chegar à fama mais rapidamente do que o escritor que não contasse com a poderosa divulgação dos periódicos. Com a volta da efervescência política e da liberdade de imprensa, que vicejou até a Revolução de 1930, a máquina jornalística prospera e os jornais espalham-se por todo o país. Os jornais dos estados transcrevem notícias e artigos dos grandes periódicos do Rio de Janeiro e São Paulo. Os jornalistas atuantes nestas cidades tornam-se bastante conhecidos nas capitais mais importantes do Brasil. É possível, assim, a um escritor, viver exclusivamente do que escreve na imprensa. NOTA DA AUTORA Trabalhamos com a condição de jornalista de Humberto de Campos e com as suas obras divulgadas através dos jornais e revistas, cuja capilaridade direcionou toda a trajetória pessoal, profissional e de sucesso literário do autor, inclusas , também, as Memórias e Memórias inacabadas, que consolidaram, em nível mais alto sua fama e que Alcides Maia classifica como uma “epopeia do jornalismo”.


A esse respeito, nos informa Sérgio Micelli (1977) que: “O Jornal do Comércio pagava trinta, cinquenta e até sessenta mil réis por uma colaboração literária”1 Ao chegar a esse novo mundo, Humberto de Campos, que tinha sido redator de um grande jornal paraense, A Província do Pará, se encaminha, contrariando as tendências dos intelectuais da época que buscavam abrigo no serviço público, para os grandes periódicos da Capital Federal e começa a trabalhar em O Imparcial. Não tarda, já colabora em vários jornais diários e semanais do Rio de Janeiro, expandindo suas colaborações a várias outras capitais brasileiras. Escreve ensaios políticos, contos, críticas, poemas e principalmente crônicas, gênero que popularizou através do país. Ambicioso, vindo de uma infância miserável, Humberto tenta recuperar o tempo perdido, lançando-se na conquista da fama. O caminho mais seguro lhe aparece no aproveitamento do espírito frívolo e cosmopolita da época. Cria, então, o Conselheiro XX, personagem que encenará as suas crônicas galantes. Seus contos fesceninos ganham tamanha notoriedade, a ponto de as pessoas, pertencentes a círculos sociais distintos, desde a alta sociedade ao povo das ruas, perguntarem ao se encontrar: “Sabe da última do Conselheiro XX?” A produção acerca do Conselheiro ocupa vários volumes de sua obra. Maria de Lourdes Lebert (1965 ) ,a respeito da atividade jornalística do autor, nos diz: Tinha colunas diárias, semanais ou bissemanais nos seguintes jornais: A Tarde (Bahia); Diário de Notícias (Porto alegre); Jornal do Recife (Pernambuco); São Paulo - Jornal, Correio Paulistano, A Gazeta (São Paulo); O Jornal, Gazeta de Notícias, O Imparcial, Correio da Manhã (Rio de Janeiro). Escrevia na revista O cruzeiro, no semanário Dom Quixote e ainda fundou, por conta própria a revista, A Maçã, que foi aceita com particular agrado pelo povo..”2 Humberto de Campos cria assim o primeiro grande público para a crônica no Brasil, iniciando uma época em que, segundo Miceli: “os grandes cronistas tomam o lugar dos grandes críticos da geração anterior e assumem o encargo de selecionar os novos pretendentes.”3. Na vida profissional Humberto de Campos foi, acima de tudo, um jornalista. Em razão de sua atuação na imprensa do Pará, é convidado para Secretário da Prefeitura de Belém, com apenas 21 anos. A cadeira na Academia Brasileira de letras, em 1920, veio-lhe em decorrência da conquista dos milhares de leitores, da disputa de sua colaboração como cronista, contista e comentarista político, pelos jornais de várias capitais e, por que não dizer, em razão do enorme sucesso do Conselheiro XX. A partir desta data, publica de dois a três livros por ano. Tem já o seu público leitor assegurado. Contudo, esse público continua, primordialmente, a ser arrebanhado pelo jornalista: os seus livros são uma reunião das suas colaborações em jornais e se compõem, principalmente, do Conselheiro XX e de suas crônicas diárias publicadas na imprensa. A sua ascensão política foi também uma derivação da fama jornalístico-literária. Endeusado em sua terra natal, é, insistentemente, convidado a participar da política maranhense. Ainda, segundo Maria de Lourdes Lebert : “ Em 1926, Magalhães de Almeida vence a resistência de Humberto de Campos e fá-lo Deputado Federal pelo Maranhão.”4. Em 1929 é reeleito deputado, e, em 1930, tem os seus direitos políticos cassados por cinco anos pelo Governo Provisório.

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MICELI, Sérgio. Poder, Sexo e Letras na República Velha p. 62 LEBERT, Maria de Lourdes. Humberto de Campos, p.39 3 MICELI, Sérgio, Id.Ibid. p.75 4 LEBERT, Maria de Lourdes. Humberto de Campos, p 4 2


Consagrada a sua fama e, já na ABL, sua produção fescenina é violentamente combatida por Carlos de Laet, Eloy Pontes e Jackson de Figueiredo, entre outros críticos católicos e moralistas da época. HC considera filtrar os seus textos e abandona o Conselheiro XX e escritos que não se coadunassem com a sua importância literária e seu recente ingresso na política. Apesar de duas vezes deputado, nunca se integrou totalmente na política. Sentia-se deslocado no meio parlamentar para o qual não tinha inclinação. Pouco participante das disputas da Câmara, ele se realiza nas discussões literárias da Academia Brasileira de Letras, onde participa de inúmeras comissões e da Reforma Ortográfica de 1933, da qual foi um dos signatários. É sintomática sua referência, em Reminiscências, ao período parlamentar: “andei fantasiado de deputado três anos”. Até a sua obra máxima, Memórias, a única que não foi escrita para o consumo imediato em periódicos, não escapa à influência do jornalista que foi. Humberto. Alcides Maia, em comentário da obra, revela: As próprias Memórias, cujo êxito nacionalizou definitivamente o nome do autor, lícito será ao periodismo brasileiro reivindicá-las como um trabalho influenciado pelos seus processos de composição, diário interno que bem podemos considerar como uma epopeia jornalística”5 Cassado o seu mandato de deputado com a Revolução de 30, Humberto de Campos volta a depender exclusivamente de sua pena para sobreviver. Contando com a simpatia de membros do governo revolucionário, é nomeado Inspetor de Ensino e, mais a frente, Diretor da Casa de Rui Barbosa. Famoso, mas endividado com as suas enfermidades e a numerosa família, volta às colaborações diárias como jornalista. A BUSCA DA PERMANÊNCIA – A exemplaridade Passada a fase de produzir para se tornar conhecido e consolidar-se como escritor, Humberto de Campos, consciente da perecibilidade do gênero ligeiro de que se compunha sua obra literária, construída, na sua maior parte, de apólogos, anedotas, crônicas extraídas do cotidiano, preocupa-se com a transitoriedade de suas criações. Escritas para consumo imediato – às vezes publicava seis crônicas em um só dia –, obviamente padeciam de imperfeições de estilo e superficialidade de assunto. As crônicas, sabemos, são o gênero literário (ou paraliterário), que mais perde a sua atualidade. Honrando o nome, são escritas com base em acontecimentos ou estados de espírito próprios de um determinado espaço de tempo sociocultural, para serem apreciadas e entendidas nele. Facilmente assimiláveis, são, da mesma forma, descartáveis, se considerarmos que podem se tornar desinteressantes ou até ininteligíveis para aqueles que as leem fora do contexto temporal em que foram escritas. Podemos entender a preocupação do autor, se considerarmos que a maior parte de sua obra é composta de crônicas diárias, ligeiras, publicadas na imprensa de todo o Brasil. Humberto de Campos se sente obrigado a escrever uma obra definitiva, que lhe sobrevivesse, talvez um romance. Outra forma de pressão, no mesmo sentido, surge através do novo momento político que atravessa o país, após o meado da década de 20 do século passado. Os sucessivos movimentos militares de 22 e 24 vão aumentar, progressivamente, a decadência das oligarquias dominantes e abrir caminho para a vitoriosa Revolução de 30. É uma época de decisões. O clima é de efervescência política, a frivolidade e o cosmopolitismo da sociedade vão dando lugar a uma consciência mais nacionalista, para o que muito contribuiu a Semana de Arte Moderna de 22 e as polêmicas travadas entre os modernistas e tradicionalistas. Há uma necessidade de tomada de posições, seja na política, na literatura ou nas artes. A grande responsabilidade de ser um autor ungido pelo público leva HC ao impasse do posicionamento frente ao novo contexto que emerge.

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MAIA, Alcides. Duas crônicas póstumas. Correio do Povo, Rio de Janeiro, 9/12/1934


É uma situação difícil. A sua prosa, desataviada de preciosismos, atenta aos temas do cotidiano, de estilo simples quase coloquial, o afasta do parnasianismo, escola de sua formação poética. Com esta escola e com a literatura de Coelho Neto, “o último dos helenos”, de quem se considerava discípulo, o único ponto de contato é o uso excessivo de topos mitológicos. Tampouco lhe agrada o Modernismo, com o qual não reconhece afinidades. Por outro lado, a falta de um maior respaldo cultural, proveniente de sua formação autodidata, para incursionar pelos meios da filosofia e de outras ciências, o faz desistir de se posicionar polemicamente contra o mesmo. E continua explorando o filão do aconselhamento, o contato mais íntimo com a alma humana, o uso do sentimentalismo e da exemplaridade como recursos constantes. A constante preocupação com a notoriedade, tornar-se conhecido e colocar- se como modelo para futuras gerações, é parte da obsessão de Humberto na busca da glória. E ele a declara, ainda em Parnaíba, quando, adolescente, se encantava com os livros de Samuel Smiles : Smiles foi o melhor amigo que encontrei na adolescência. Os seus livros ricos de exemplos, coloridos com a vida de homens eminentes que haviam, pelo próprio esforço e pela tenacidade, subido do anonimato mais escuro aos esplendores da glória mais límpida, constituíram o maior incentivo do meu espírito e da minha vontade. Ao ler a história daqueles inventores, daqueles poetas, daqueles homens de Estado que haviam marchado para a notoriedade como os Reis Magos marcharam para Belém de Judá, isto é, com os olhos fixos em uma estrela, eu me enchia de coragem, e uma alegria intensa e nova se apossava de mim. O dever, O poder da vontade, O caráter, Ajuda-te a ti mesmo, A vida e o trabalho, tornaram-se a minha Bíblia. (Memórias inacabadas, p 158-0) Sergio Miceli, no seu livro Poder, sexo e letras na República Velha, p 79, enfatizando a cultura folhetinesca do autor, à lista acima acrescenta apenas a leitura dos evolucionistas Haeckel e Buchner, omitindo Laplace, com quem Humberto diz compreender a harmonia das esferas e, sobretudo, Augusto Comte – cujo primeiro contato é tomado por intermédio de Teixeira Bastos – que vai transformar as convicções religiosas do adolescente Humberto e torná-lo positivista. De resto, mais tarde, Humberto de Campos vai percorrer o caminho de todos os rapazes intelectualizados da época, cultuando Taine, Comte, Renan, Darwin, abundantemente referidos por ele ao longo de sua obra. O constante emprego de ideias e citações de filósofos, críticos e literatos em seus escritos, nos leva a crer que, contrariando Miceli, a cultura de Humberto de Campos não foi adquirida nos “almanaques”. Ressalvamos apenas o modo de aquisição desse conhecimento, feito de modo desordenado, esparso, e que deixou, por certo, lacunas indeléveis na cultura do autor. Trabalho e tenacidade o levam a tornar-se o escritor mais lido do Brasil, quando da vascularização de sua obra por todo o país. A permanência desse status, obtido com o sacrifício da sua saúde, da vida familiar e de uma obra mais cuidada e menos superficial, vai ser buscada, entre outros recursos, com a exemplaridade. O objetivo declarado pelo autor de construir uma obra de exemplo, vamos encontrá-lo logo no prefácio de Memórias, quando expõe as razões da obra: A confissão pública das faltas particulares, numa penitência de possíveis pecados de egoísmo e orgulho, e a demonstração de como pode um homem, pela simples força de vontade, desajudado de todos os atributos físicos e morais para a vitória, libertar-se da ignorância absoluta e de defeitos aparentemente incorrigíveis, desviando-se dos caminhos que o levariam ao crime e à prisão para outros que o poderão conduzir a uma poltrona de academia ou a uma cadeira de Parlamento (Memórias, p 8).


E mais adiante, ainda no prefácio: Escrevo a história da minha vida não porque se trate de mim, mas porque ela constitui uma lição de coragem aos tímidos, de audácia aos pobres, de esperança aos desenganados, e, dessa maneira, um roteiro útil à mocidade que o manuseie. .Os vícios que a afeiam, os erros que a singularizam e que proclamo com inteira tranquilidade de alma, os rochedos, em suma, em que bati, mesmos esses me foram proveitosos, e sê-lo-ão, talvez, aos que me lerem. (Memórias, 8). Na busca da consagração, e do seu selo, a exemplaridade se estende ao estilo literário. As crônicas e os capítulos da obra memorialista, na sua quase totalidade, possuem estrutura fabular, com a indefectível moral, implícita ou explícita, à guisa de fechamento. Suprir a lacuna da cultura autorizada, utilizando um prétexto tirado da tradição, inserido no corpo de seu próprio texto, demonstra isso. Esse pré-texto pode aparecer em forma de citações, historietas ou provérbios. Para tanto, usa o artifício de interpor uma narrativa à outra. A primeira narrativa, a da tradição, respaldando a criada pelo autor. A exemplaridade é conseguida através da contraposição paradigmática da história herdada com a nova história apresentada. Dentre inúmeros modelos podemos citar a crônica em que, querendo colocar o exemplo de vida de dois velhinhos do Asilo São Luís, visitado por ele, narra primeiro a lenda de Filemon e Baucis, retirada da mitologia grega, contrapondo as duas histórias para dar maior respaldo á lição tirada da narrativa contemporânea. (Os párias, p. 102-106 ). Humberto de Campos é seu próprio modelo Obtido o selo da autoridade, de modo particular, nas Memórias e Memórias inacabadas, o processo evolui e o exemplo dado passa a vir unicamente da experiência vivida pelo autor. Sem ter lido Walter Benjamin, ele é o protótipo do narrador clássico benjaminiano: “O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada dos outros. E incorpora as coisas narradas às experiências de seus ouvintes”[..]. “Ela [a narrativa] tem sempre em si, às vezes, de forma latente, uma dimensão utilitária. Essa utilidade pode consistir seja num ensinamento moral, seja numa sugestão prática, seja num provérbio ou uma norma de vida, de qualquer maneira o narrador é um homem que sabe dar conselhos.” 6 Enfim, Humberto de Campos é o seu próprio modelo. Para nos transmitir essa exemplaridade, HC não abandona os artifícios estilísticos anteriores, ele os transforma. Mesmo em uma obra de fôlego como as Memórias, as pequenas histórias, contidas no livro sob a forma de capítulos, preservam a apreciada estrutura fabular. Ressaltamos em Memórias, três capítulos que se prestam para ilustrar, com propriedade o que dizemos. São eles, “O Brinquedo Roubado”, “Um Amigo de Infância” e “Nossa Casinha”. Qualquer deles, se excluído do contexto do livro, não implica na quebra da narrativa e se constitui um conto de exemplo completo em si mesmo (todos os mencionados aqui foram fartamente publicados, isoladamente em livros didáticos). Há uma troca sutil de modelo. Nesses capítulos, o autor se utiliza da comparação dos sujeitos inanimados da narrativa, no caso o brinquedo, o cajueiro e a casa, contrapostos a ele próprio, à sua experiência de vida: Nesse estágio, já tendo adquirido a autoridade total, abandona o texto da tradição. Por que não tivera eu, também raízes como ele (o cajueiro), para não me afastar nunca, jamais do quintal em que havíamos crescido juntos, da terra em que eu, ignorando que o era.” (“Um 6

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. vol. 1 pp 200-1


Amigo de Infância”, Memórias, p 24)). Ou: “E que tem sido para mim, pelo resto da vida, a felicidade, senão um brinquedo roubado, que eu escondo, que dissimulo, assustadamente no coração, e que, no entanto, descobrem, e me tomam, quando custaria tão pouco me deixarem com ele?” (“O Brinquedo Roubado”, Memórias, p 169). Ou ainda, utilizando também as comparações, à moda de apólogo machadiano: E lá vou eu outra vez e para sempre pelo mundo largo, onde eu vivo, como ele [ o cajueiro] com os pés na lama, dando, às vezes, sombra aos porcos, mas, também, às vezes doirado ao sol, lá em cima, oferecendo frutos aos pássaros e pólen ao vento, e, no milagre divino do meu sonho, sangrando resina cheirosa, com o espírito enfeitado de flores que o vento leva, e o coração, aqui dentro, cheio de mel, e todo ressoante de abelhas...”(“Um Amigo de Infância”, Memórias). A autopiedade e a autoridade da morte E é, talvez, em busca de mais crédito que, ao escrever os seus últimos volumes de crônica, e, sobretudo, ao se preparar para redigir as suas memórias, anotadas desde a juventude, ele se confessa doente incurável e mostra, sem dó, os seus males ao público. Humberto de Campos é acusado por alguns escritores e jornalistas, seus contemporâneos, de expor suas enfermidades e a indigência financeira com o propósito de tirar proveito dos seus leitores. A respeito, mostra-se implacável Eduardo Frieiro, um desses críticos, quando nos diz: [...] mesmo doente, e às portas da morte não renuncia a aparecer interessante. Sabe como exibir as suas chagas ao sol, provocando a compaixão dos leitores sentimentais. Sua desgraça nada teve de excepcional...7 Esse é, sem dúvida, um comentário maldoso e exagerado, minimizando o sofrimento da longa e dolorosa doença que o acometeu. Humberto de Campos irritava seus críticos, quando, em suas crônicas, referia-se a si próprio como o “deserdado da sorte”, mesmo após ter conquistado “uma poltrona na Academia e uma cadeira no Parlamento.” Doente, quase cego, Humberto de Campos, acentua a gravidade do seu mal e a predestinação trágica do seu fado, atraindo poderosamente a simpatia e identificação do público leitor, que mais e mais lhe escreve, compartilhando seus males e pedindo-lhe conselhos. A inexorabilidade da aproximação da morte dá novo peso a cada palavra do autor. Esse fenômeno, vivenciado por Humberto de Campos é, também, arrolado por Walter Benjamin. : Ora é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem pela primeira vez uma forma transmissível.[...] A morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar. É da morte que deriva a sua autoridade. Em outras palavras suas histórias remetem à história natural. 88 E Humberto de Campos, que não leu O Narrador, publicado pela primeira vez, dois anos após sua morte, nem Philippe Ariès, em O Homem diante da morte ( 1977), tinha perfeita consciência da autoridade que emana do homem que fala do alto de sua experiência final. Ao se dispor a escrever suas Memórias – aos 46 anos de idade – não o faz apenas como um escritor que, tendo atingido a maturidade, sente a necessidade 7 8

FRIEIRO, Eduardo. Páginas de crítica. p 283. BENJAMIN,Walter. Obras escolhidas.vol 1 pp200-1.


de recompor sua infância sofrida e suas lutas para galgar uma posição na sociedade dos homens, mas também para se oferecer como exemplo de vida para as novas gerações. E para a consecução desses objetivos pretende que suas palavras tenham o selo e a veracidade do discurso do homem que vai morrer. O prefácio de Memórias confirma essa intenção Chego aos quarenta e seis anos ao fim da minha vida. Chego vencido, e fatigado, quando outros se encontram no apogeu da saúde e da força. [...] E, chegando onde me encontro, faço como aqueles gregos antigos, que cansados de peregrinar pelo mundo, sentavam-se um dia, para morrer, à porta dos templos, oferecendo aos deuses, uma última benção à vida, as suas sandálias, o seu cinto e o seu bordão. (Memórias, p 10). Embora opte por esse conteúdo, próprio de uma forma artesanal de expressão, HC continua a escrevê-lo sob a forma de comunicação jornalística. Não se trata, como parece, de paradoxo literário, mas de necessidade financeira. Apesar de sonhar cada vez mais com a obra definitiva, ele volta, após a Revolução. de 1930 – ocasião em que perde o mandato de deputado –já quase cego, a escrever matéria para sobreviver. Justo “quando sentia o espírito melhor provido para a realização de uma obra que me sobrevivesse” (fragmentos de um diário). Memórias e Memórias inacabadas não são ainda essa obra, embora não sendo escritas com o objetivo do consumo diário nos jornais, elas sofrem por outro lado, mais uma vez, da premência editorial decorrente da indigência financeira de HC, necessitado de sua rápida publicação. Em que pesem essas considerações, Memórias e Memórias inacabadas são, em tudo, superiores às outras obras do autor. E embora seu processo de composição básica seja ainda jornalístico, elas se constituem obras de um autêntico mestre da narrativa. Sabe como tocar fundo a corda da emotividade, com leveza de estilo, simplicidade e despojamento da linguagem. A substituição do pré-texto da tradição pela vida real torna o texto mais vivo e mais dinâmico. O público, pouco preocupado com o excesso de produções ligeiras que foi passado aos seus livros sem o cuidado da triagem; com a obsessão de Humberto pela exemplaridade e a luta insana pela glória ou a exposição de suas “chagas ao sol”, queria mais e mais Humberto perto dele, compartilhando seus sofrimentos e identificando-se com suas desventuras. Humberto de Campos, pois, a despeito de todas as correntes vanguardistas, surgidas até 1934, data de sua morte, continua a ser muito lido nos anos que a seguem, e permanece assim até por volta dos anos 50, quando as edições de suas obras completas pela Jackson Editores ainda alcançavam grande sucesso. Quem afastou Humberto de Campos de seus leitores não foram os críticos literários, aqueles que dizem quais os autores devem ou não permanecer; quais deverão constar das antologias, participar das seleções de títulos a serem estudados nas escolas, ou serem incluídos nas listas de vestibular. Estes afastaram Humberto de Campos dos manuais de literatura, do reconhecimento das academias. O leitor foi minguando gradualmente por conta do excesso de envolvimento com as mídias, a começar da televisão, a partir dos anos 60 até chegar à Internet e suas filhas, as redes sociais. Esse processo, de resto, chegou para todos os grandes e médios escritores. Os campeões de “leitores”, ou melhor, de “seguidores”, são, hoje, os ”blogueiros”. Espanta-nos o olvido de Humberto de Campos, só não percebemos que outros campeões de vendas de livros estão, mais rapidamente que ele, caminhando para o esquecimento. Quantas coleções estão sendo lançadas no mercado editorial, falo de coleções, não de livros esparsos, Para falar apenas dos campeões de vendas que morreram há pouco tempo. Quem manterá acesa a chama


O que lemos agora? Ser escritor é, talvez, a mais ingrata das profissões. Quem é o autor, de hoje, que arrasta multidões? Qual é aquele que a critica aplaude e o público lê? Quantas novas coleções de grandes escritores, ungidos pela crítica, são publicadas a cada ano? O assunto mereceria um longo e complexo ensaio. E quanto a Humberto de Campos? Salvo alguns laivos de pieguice e o excesso de exemplaridade, muitas de suas obras são obras que ainda se leem com prazer. Trouxe o grande público leitor para crônica, hoje o gênero mais disseminado no Brasil, tornando-se o elo entre José de Alencar, Machado de Assis e cronistas modernos tais como Rubem Braga, João Ubaldo, por via jornalística também. As Memórias e Memórias inacabadas dão-nos uma segura amostra do que poderia ter escrito Humberto de Campos, não fosse ele um autor de tanto sucesso.. BIBLIOGRAFIA BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. vol 1 São Paulo, Brasiliense, 1985. CAMPOS, Humberto. Crítica, 1ª série. Obras completas. v.21. Rio de Janeiro, Jackson Editores, 1951. ---------------- Crítica, 2ª série. vol 22 IBIDEM ----------------Contrastes. vol 13, IBIDEM ----------------Fragmentos de um diário. vol 19 IBIDEM ----------------Memórias vol 17. IBIDEM--------------- Memórias inacabadas. vol 18 IBIDEM ---------------- Notas de um diarista. 1ªsérie, vol 9 IBIDEM -----------------Notas de um diarista 2ªsérie, vol 10 IBIDEM -----------------Os párias. vol 4 IBIDEM -----------------O tonel de Diógenes. vol 13 IBIDEM -----------------Poesias completas. vol 1 IBIDEM -----------------Reminiscências. vol 11 IBIDEM -----------------Seara de Booz. vol 2 IBIDEM -----------------Sombras que sofrem. vol 6 IBIDEM FRIEIRO, Eduardo. Páginas de crítica. Itatiaia, Belo Horizonte, s.d. LLEBERT, Maria de Lourdes,Humberto de Campos.São Paulo , Melhoramentos,1965. MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil. (1920-1945), São Paulo, DIFEL,1879. ------------ Sérgio .Poder, sexo e letras na velha república. São Paulo. Perspectiva, 1977. RIBEIRO, João Clímaco, Crítica. v. IV , publicação da Academia Brasileira de Letras. 1969. SANTIAGO, Silviano, Vale quanto pesa. Rio, Paz e Terra, 1982.


O CAXIENSE QUE CONCORREU AO NOBEL EZIQUIO BARROS NETO O caxiense que concorreu ao Nobel (nossacaxiasma.blogspot.com)

Coelho Neto no escritório de sua residência em foto após sua indicação ao Nobel. Imagem: A Noite (RJ), Ed. nº 144 de 1932. Dando continuidade a um mês dedicado ao nosso Coelho Neto, Patrono da Academia Caxiense de Letras que neste ano completa 25 anos de fundação, trago no artigo desta semana um dos pontos mais altos de sua carreira: a indicação ao Prêmio Nobel de Literatura. O Brasil nunca ganhou um prêmio Nobel. Não que não houvesse concorrentes ou dignos de tal honraria, pelo contrário, desde que o prêmio fora criado, ilustres brasileiros ou foram indicados ou cotados para essa conquista. Nossa nação tem grandes personalidades nas áreas científicas, literais e sociais de reconhecimento mundial. Para citar alguns inventores e cientistas, basta recordar Santos Dumont que embora não reconhecido no mundo como o inventor do avião, tem diversas patentes como o relógio de pulso. Ou então Roberto Landell de Moura, um dos pioneiros na radiodifusão e inventor do telefone sem fio. Esses dois não foram indicados ou cotados. Já outros que foram incluídos na premiação não ganharam: Vital Brazil, Oswaldo Cruz, César Lattes, Jorge Amado e Guimarães Rosa, só para citar alguns. O Prêmio Nobel foi criado pelo sueco Alfred Nobel (1833/1896), o inventor da dinamite. Temendo ser lembrado após seu falecimento como inventor de um instrumento de destruição e morte deixou quase toda sua fortuna a ser repartida a pessoas que contribuíram para o engrandecimento da humanidade através de uma premiação que acabou levando seu nome. De acordo com sua vontade o Nobel possui cinco categorias de premiação: da Paz, Literatura, Física, Medicina e Química. O primeiro Prêmio aconteceu em 1901, e até hoje ocorre em seu país natal, a Suécia. Cada categoria tem seu comitê que solicita anualmente indicações a todos os professores, cientistas e acadêmicos do mundo, onde dessa lista é escolhido o vencedor. O primeiro brasileiro indicado ao Nobel foi José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, indicado ao Nobel da Paz em 1911 devido a suas negociações entre a fronteira brasileira com nossos vizinhos


latino-americanos. Outros indicados foram: Carlos Chagas, indicado ao Nobel de Medicina por duas vezes, em 1913 e 1921 e Marechal Rondon, recebendo uma indicação ao Nobel da Paz, em 1925. O 5º brasileiro indicado ao Prêmio Nobel foi o escritor Coelho Neto. O polêmico ano de 1932 Desde 1930 o nome do escritor caxiense fora ventilado para a premiação de literatura mundial em que nenhum brasileiro tinha sido indicado até então. O jornalista e crítico literário João Ribeiro, em artigo ao Jornal do Brasil (Ed.39 de 14/02/1930), intitulado “O Prêmio Nobel”, levanta o questionamento se um dia o Brasil ganharia o afamado prêmio da literatura e destacava o nome de Coelho Neto como um dos possíveis brasileiros merecedores da indicação. No ano de 1931 um movimento acadêmico em nosso país vizinho a Argentina, indicou o escritor Manuel Galvez (1882/1962) considerado o primeiro romancista argentino e pediu aos países sul-americanos que apoiassem seu nome ao Nobel de Literatura. No ano seguinte o embaixador argentino no Brasil foi a campo na busca de apoio da intelectualidade brasileira entrando em contato com o acadêmico Félix Pacheco, exministro das relações exteriores do Brasil. Em solidariedade e demonstração de respeito a nossa região, o intelectual piauiense passou a buscar apoio a candidatura de Galvez entre seus pares da Academia Brasileira de Letras, criando uma lista com assinaturas dos imortais a ser remetida ao comitê sueco. Logo esse assunto sairia dos corredores acadêmicos e acabaria nas colunas dos jornais. Por volta do mês de maio daquele 1932, em um gesto patriótico e nacionalista, jornalistas passaram a acusar a Academia Brasileira de apoiar um argentino e não um brasileiro a um prêmio literário. Surgiu então uma inquietação nacional até descobrirem nos livros de Galvez textos não muito amigáveis sobre a atuação do Brasil durante a campanha na Guerra do Paraguai (1864/1870). A confusão estava formada.

Jornal O Radical denuncia o apoio da ABL ao argentino. Imagem: O Radical (RJ), Ed. 18 de 21 de junho de 1932. No calor da polêmica o acadêmico Ribeiro Couto lança a candidatura de Coelho Neto ao mesmo prêmio, recebendo apoio de alguns escritores. Mas essa candidatura acabou não logrando êxito por falta de interesse ou intrigas políticas e literárias. Ele lamentaria o ocorrido na revista Vida Literária: “É simplesmente lamentável o caminho tomado pelos acontecimentos. E aos homens de letras, que foram sempre os melhores diplomatas em todas as aproximações, caberá amanhã uma inculpação sinistra: a de haverem


transformado um momento de cordialidade numa contenta de amor próprio”. (Vida Literária, nº12, Rio de Janeiro, 1932). Gustavo Barroso em artigo para a revista O Cruzeiro (1933, Ed.07), tratou de esclarecer a questão: “A Academia nada teve com o apoio dado no Brasil a candidatura de Galvez. Nenhuma proposta ou sugestão lhe foi apresentada nesse sentido. [...] Um amigo de Manoel Galvez organizou uma lista de homens de letras brasileiros, a fim de corroborarem a proposta do escritor argentino. [...] (A Academia) nada tem a ver com as atitudes pessoais de seus membros”. De fato, a atitude de apoiar o romancista argentino não partiu e nem foi oficializada pela ABL como saiu na imprensa, mas sim de uma ação pessoal de um de seus acadêmicos, Félix Pacheco. Importante frisar que quando Pacheco iniciou o abaixo assinado, não havia a sondagem do nome de Coelho Neto ou outro brasileiro. Outro detalhe é que o próprio imortal maranhense assinou a lista em favor do argentino. Manuel Galvez em um gesto nobre e buscando apoio brasileiro, lamentava a dificuldade de um latinoamericano chegar a vencer o Nobel e que todos deveriam se apoiar para vencer essa dificuldade, indicando um nome único a cada dois anos. “Vou pensar em iniciar uma campanha em favor de outro sul-americano, que seria Coelho Neto, por quem tenho uma grande admiração”, afirmou o escritor argentino. Para buscar uma solução ao imbróglio, firmou-se um “acordo de cavalheiros”: Naquele ano o Brasil apoiaria Galvez e no ano seguinte, os Hermanos apoiariam o nome de Coelho Neto. A candidatura de Galvez não teve sucesso sendo o vencedor do Nobel naquele ano o dramaturgo britânico John Galsworthy. O argentino ainda concorreria mais duas vezes ao Nobel de Literatura, ambas sem ser o escolhido.

Durante a polêmica do apoio da ABL ao argentino, um repórter foi até a sede da ABL a fim de realizar uma entrevista com os acadêmicos sobre as obras da literatura nacional. Na porta encontrou um apressado Coelho Neto saindo e entrando em um taxi se recusando a falar. Assistiu outro repórter perguntando a Constâncio Alves se tinha votado em Coelho Neto ou no argentino, porém, como o imortal era quase surdo não entendera nada naquela gritaria. A charge representa esse momento cômico. Notícia - A pitoresca questão do prêmio Nobel de Literatura: uma hora divertida de convivo com os imortais da Avenida das Nações. Texto de Garcia de Rezende. Legenda da charge: Coelho Neto, polidamente recusa a dar sua opinião sobre as melhores obras da literatura nacional. Constâncio Alves dentro do seu fraque preto e do seu chapéu de coco, não forma uma ideia para estudar a questão. Imagem: Diário de Notícias (RJ), Ed. 700 de 22 de maio de 1932.


Coelho Neto se torna oficialmente candidato Meses depois do resultado da premiação, Afrânio Peixoto propôs novamente o nome de Coelho Neto ao Nobel de Literatura. Era consenso entre a intelectualidade que nenhum brasileiro tinha mais competência e chances para ser indicado e vencer esta categoria. Escritor mais lido no Brasil e Portugal, Coelho Neto era também um dos brasileiros mais publicados com cerca de 120 livros, alguns traduzidos para o alemão, inglês, francês, espanhol e italiano. Em sessão na ABL no mês de dezembro, Humberto de Campos apresentou uma moção em apoio ao nome de Coelho Neto e de forma unânime os imortais apoiaram a indicação. Coube ao próprio Humberto de Campos redigir a comunicação oficial e sua indicação. Coelho Neto se tornara o primeiro brasileiro a ser indicado ao Prêmio Nobel de Literatura e o segundo sulamericano (O primeiro foi o argentino Galvez).

Notícias sobre a candidatura de Coelho Neto. Imagens: A Manhã (RJ), Ed. nº 51 de 31/12/1932; Diário da Noite (RJ), Ed. 972 de 01/07/1933 Enquanto isso, acadêmicos argentinos faziam o mesmo escolhendo o nome do poeta Leopoldo Lugones a ser indicado ao Nobel. Ao saber que Coelho Neto teve sua indicação aprovada pela Academia Brasileira, Lugones desistiu da sua indicação e aconselhou a todos seus apoiadores a aderirem a candidatura do brasileiro. Ao ser procurado por um jornalista do Diário de Notícias (RJ) sobre sua indicação, ele respondeu: “Não me candidatei; fui candidatado. Mas não creio na possibilidade de uma vitória”. E durante a entrevista afirmara: “Pela minha parte, eu me considero premiado pelas provas de generosidade simpática que tenho recebido dos meus colegas da Academia, aos quais nada pedi, do mundo intelectual e da imprensa brasileira que tem prestigiado unanimemente a indicação do meu nome. Isso prova, quando não que eu seja um escritor de mérito, pelo menos que sou um homem benquisto no seu país. Não me interesso pelo prêmio pecuniário adjudicado aos escritores distinguidos. Com o prazo de apenas um mês para se cumprir todas as exigências, o imortal caxiense mostrava-se pessimista que sua própria inscrição não fosse efetivada devido à grande burocracia, além de ter que remeter o máximo de suas obras possíveis ao comitê. O problema era que muitas delas estavam esgotadas, incluindo as traduções que ele possuía apenas uma de cada, não querendo se desfazer de sua coleção intima e rara. Solucionando esse problema o seu conterrâneo Humberto de Campos ofertou 30 volumes de sua coleção particular para a Suécia, acompanhado de outros acadêmicos que também doaram outra quantidade de livros.


A ABL conseguiu juntar toda a documentação necessária no início de 1933 e como candidato oficial pelo Brasil, Coelho Neto foi apadrinhado pelo Ministério das Relações Exteriores que ajudou durante o envio da documentação e o pedido de inscrição até o comitê oficial na Suécia. A partir de então começou uma verdadeira campanha nacional pelos jornais, revistas, no meio intelectual e também nos bastidores do governo, em favor da candidatura de Coelho Neto. A Liga Esperantista Brasileira, organização nacional de divulgação da língua internacional Esperanto, enviou a Federação Esperantista Sueca a indicação traduzida em sua linguagem. Era uma forma de divulgação das obras de Coelho Neto naquele país. O pedido foi acatado e a obra do brasileiro traduzida para o idioma sueco e publicada nos jornais de Estocolmo e demais cidades do país, recebendo calorosa recepção e elogios. O escritor maranhense não conseguiu levar o prêmio, saindo como vencedor do Nobel de Literatura de 1933, o escritor russo Ivan Bunin, por seu “domínio estrito com o qual ele desenvolve as tradições da prosa clássica russa”. Nenhum dos ganhadores levaram o prêmio em sua primeira indicação, sendo que o brasileiro era pouco conhecido naquela região do mundo e poderia ganhar popularidade a partir de então. Infelizmente nosso conterrâneo falecera no ano seguinte e o Nobel não dá premiação póstuma. Coelho Neto na entrevista ao Diário de Notícias, a encerrada desta forma: “A satisfação intima que eu tive com tão expressivas provas de carinho, vale, para mim, mais que tudo. Sei que não serei premiado. E acho que só o fato de ter sido indicado o meu nome constitui uma honra alta demais para mim”. Depois de Coelho Neto, mais 25 brasileiros foram indicados ou cotados as diversas categorias do Nobel, mas nenhum conseguindo conquistar a premiação. Texto e pesquisa: Eziquio Barros Neto


II - ORAÇÃO A UM POETA MORTO FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’ [Toda prosa], antologia de textos do autor. Ilustração [A Loreley Moraes Fernandes, filha e herdeira intelectual de Nascimento Moraes Filho] Há dias, respondi um questionário elaborado por Natércia, neta de Nascimento Moraes Filho, que me perguntava qual era o real sentimento que eu sentia pelo autor de ‘Pé de conversa’. Respondi que o meu sentimento era ao mesmo tempo filial e fraterno, porque foi ele que me arrancou das mãos os originais do meu livro ‘Silêncio Branco’ e fê-lo editar pelo Departament6o de Cultura do Estado, sob a direção na época do querido Dominguinhos Viera Filho, que de pronto escreveu as orelhas, com a apresentação de Erasmo Dias, e os endossos de Fernando Viana, Bacelar Portela e Rubem Almeida, e mais a capa de Pedro Paiva Filho... Batismo excelente para um jovem de 20 anos... E é justamente a ele, o meu Cerineu, a quem escrevo estes apontamentos para jornal, porque foi por suas mãos, repito, que um dia cheguei aos valores reais de minha terra. Este poeta, ensaísta e folclorista chama-se José Nascimento Moraes Filho, São Luís, 15 de julho de 1922 São Luís, 22 de fevereiro de 2009. Deixei o verbo no presente, porque homens como ele não morrem nunca, e nunca saem de cenário, principalmente quando seu grito também de jovem arrancou da crítica brasileira, e do outro lado do Atlântico, os crivos merecidos. “Poetas meus irmãos, acompanhai o meu grito! Eu sou o sofrimento dos sem nome! Eu sou a voz dos oprimidos”. Assim ecoava o grito libertário de Nascimento Moraes Filho através do seu “Clamor da Hora Presente”, a estilhaçar métodos e conceitos, com sua poesia social e participativa. Era um poeta que já nascia maduro, egresso do Centro Cultural Gonçalves Dias, ao lado de Clóvis Sena, Vera Cruz Santana, Agnor Lincoln da Costa, Clineu César Coelho, e outros talentos, que ao tempo se reuniam nas escadarias da Igreja do Carmo, bem antes do movimento “Ilha”, que se reunia na “Movelaria”, de propriedade do pintor Pedro Paiva, que congregava José Sarney, Bandeira Tribuzi, Lago Burnett, Ferreira Gullar, Floriano Teixeira, Cadmo Silva, Antônio Luís Oliveira, Yêdo Saldanha, José Bento Neves, dentre outros... Era essa a plêiade dos jovens intelectuais da época que viriam a formar a famosa geração maranhense de 45. Sobre esse seu canto de estreia de Nascimento Moraes Filho, disse Otto Maria Carpeaux, numa página inteira do ‘Correio da Manhã’, do Rio de Janeiro, de onde este excerto diz tudo: “Inspirou-me grande simpatia. Agradeço a oportunidade de entrar em contato com a alma de um poeta realmente generoso e forte”. Zé Moraes, como era conhecido, não despontava apenas por ser filho do mestre Nascimento Moraes, “O lutador”, catedrático do Liceu Maranhense e um dos maiores intelectuais do seu tempo; nascia ele da espontaneidade do seu talento, da explosão dos seus gestos de revolta, como címbalos a retinir no bronze, como era sua voz grave a trovejar sempre ao lado da equidade e da justiça. Nascimento Moraes Filho pertenceu a nossa mais autêntica ‘Bélle Époque’ a se reunir costumeiramente no ‘Atena Bar’, na Rua de Nazaré, onde numa das paredes, à direita de entrada do boteco, na Rua de Nazaré, estavam as mais nobres assinaturas de intelectuais do Maranhão e deste velho Brasil, os quais, de passagem por São Luís, e quase sempre hospedados no Hotel Central, ali perto, eram chamados para participar daquele tradicional rito. Se o Raimundo, dono do bar, soubesse o valor daquele patrimônio, teria inventariado a parede em separada, antes de negociar o estabelecimento.


Vejam esse lance de boêmia e generosidade: Nascimento Mores Filho chegou ao ponto de organizar uma caixinha de contribuição de todos que frequentavam o ‘Atena Bar’ para pagar os ‘tragos e cervejas’ de poetas e pensadores menos afortunados... Foi numa dessas ocasiões que Zé Moraes apresentou ao Maranhão (lê-se São Luís), um dos seus filhos ilustres, mas que, infelizmente, não era conhecido ainda pela maioria de seus conterrâneos, vez que saiu de São Luís muito moço com destino aos mistérios amazônicos, atraído, já ao tempo, pelos estudos da etnologia, e depois se transferindo em definitivo para o Rio de Janeiro. Essa figura era Nunes Pereira, etnólogo e botânico, um cientista do mesmo porte intelectual de Roger Bastide, de Arthur Ramos e de Levy Straus; no entanto, Nunes Pereira, fora nascido e criado bem ali na Casa das Minas, na Rua de São Pantaleão, filho de mãe Almerinda e afilhado da Nochê da Casa, Mãe Andreza Maria, nome que, com emoção, dei à minha filha, exclusivamente em sua homenagem. Nunes Pereira dá nome hoje a uma das alas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, pertenceu as Academias Maranhense e Amazonense de Letras... Deixou grande bibliografia nesse campo científico, e mais outorgas brasileiras e estrangeiras e o Prêmio Roquette Pinto, da Academia Brasileira de Letras, pelo seu trabalho ‘Morunguetá: um Decameron indígena’. Honrou-me muito ter o velho Nunes Pereira como querido amigo e mestre... Quanto aprendi com ele! E se mais soubera...mais teria aprendido! Voltando o fio à meada, sobre os quefazeres literários de Zé Moraes, disse o velho Nunes ser ele um “escritor maranhense cuja obra merece minha admiração e o meu apreço, como nenhum outro aqui já por mim lido e analisado (...) sua capacidade de pesquisador e de verdadeiro mestre, senão discípulo de Smith Thompson...” Já eu estava fora de São Luís, quando o contingente boêmio e literário, egresso do “Atenas Bar” que fora demolido, mudara-se para o “Restaurante e Bar Aliança”, tendo, ele, Zé Moraes, estabelecendo-se de corpo presente na ‘Esquina do protesto’ ou do ‘fuxico’, nas imediações da Praça Benedito Leite para ‘bater’ forte’ em defesa da conservação ecológica da Ilha ameaçada. Se essa derrocada não aflorou como ele a construíra no seu imaginário de homem de bom senso, plantou para os pósteros aquela revolução de ideias eternizada por Santo Tomás de Aquino quando diz que se protesta quando o bem comum está seriamente ameaçado; quando o alvo da contestação é tido como desnecessário pelos homens prudentes na organização social em que vivem; quando houver forte probabilidade de êxito e quando o provável dano feito pelo protesto não seja maior que o provável dano feito pela ausência dele, e finalmente, quando não houver outro remédio que conjure o perigo que ameaça o bem comum... Foi isso que ele fez! Foi Zé Moraes o descobridor de Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista maranhense, depois de longa e constante pesquisa em jornais e documentos pertencentes ao acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite; foi ele, Zé Moraes, que ao buscar no folclore maranhense, encontrou preciosidades e as fez publicadas no seu ‘Pé de Conversa’; foi ele que, em numa antologia, selecionou poesias, contos e cantares do Natal, de autores maranhenses e os enfeixou no seu ‘Esperando a Missa do Galo’; foi ele quem escreveu ‘Esfinge do Azul’, onde se transforma num moleque lírico que briga por uma estrela, a mostrar a beleza da poesia em sua simplicidade. Como funcionário público [Fiscal de Rendas do Estado] entrou em disponibilidade por não aceitar ser impelido a certas práticas viciosas do sistema, na época, institucionalizadas, em prejuízo ao fisco que defendia. E nunca mais assentou os pés na tal repartição, tendo morrido com seus proventos reduzidos. Aqui está o homem em frente da ética e da moral para dizer: Presente! Este é meu grito de saudade a José Nascimento Moraes Filho que esbravejava o presente, a orgulhar-se do passado e a esverdear-se numa indomável esperança no futuro... Honra-me muito ter José Nascimento Moraes Filho, como patrono na Cadeira que ocupo na Academia Maranhense de Letras Jurídicas, Social e Política.




JOSÉ NERES ESCREVE SOBRE O NOVO LIVRO DE SHARLENE SERRA: "ESPELHOS DE EVA" Por: Mhario LincolnFonte: José Neres

Sarlene Serra (Academia Poética Brasileira) e José Neres (Academia Maranhense de Letras).

NOTA DO EDITOR do Facetubes: "Caríssimo professor José Neres. Publico mais esta resenha sobre o livro de Sharlene Serra, na certeza de que este texto é profundamente espistemiológico, haja vista assemelhar-se abissalmente a um estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas observâncias que você fez, com seu olhar lógico e de alto valor assertivo, atribuindo ao livro, uma importância objetiva e humana. Parabéns". (Mhario Lincoln).

EVAS REFLETIDAS NOS ESPELHOS DA VIDA José Neres – Professor e membro da AML, ALL e da Sobrames-MA Em um tempo nem tão distante assim, talentosas e criativas escritoras como Xaviera Hollander (1943), Cassandra Rios (1932-2002), Adelaide Carraro (1926-1992) e Anaïs Nin (1903-1977), por exemplo, foram recriminadas e até publicamente execradas por utilizarem uma linguagem considerada obscena e por insistirem em escrever sobre temas que incomodavam pessoas teoricamente mais sensíveis aos escritos nos quais a libido da mulher era tratada de modo mais explícito. Esse caminho foi trilhado também por algumas outras escritoras que viram no universo íntimo feminino um campo a ser explorado e, embora muitas vezes tenham sido mal interpretadas, conseguiram produzir uma obra na qual erotismo, sensualidade e liberdade para explorar as possibilidades do corpo, da alma e das múltiplas formas de vivenciar o amor são evidenciados e transformados em arte. Autoras como Marguerite Duras (1914-1996) e Hilda Hilst (1930-2004) constantemente têm o nome associado a uma literatura que mescla o bom gosto estético e boa dose de elementos picantes em seus textos.


Quase no final do século XX, principalmente após o estrondoso sucesso de escritora inglesa Erika Leonard James, com sua trilogia iniciada com o romance 50 tons de cinza, que foi logo roteirizado e vertido para o cinema, esse gênero, antes tão discriminado, acabou ganhando novos seguidores e chamando a atenção do mercado editorial em todo o mundo. A partir de então, livros que antes ficavam escondidos em uma prateleira estrategicamente reservada no fundo de algumas livrarias começaram a ser expostos na vitrine principal, comprados, lidos e comentados abertamente, para horror de algumas pessoas que consideram que a literatura de cunho erótico escrita por mulheres não tem valor estético suficiente para ser discutida em público. Quanta ignorância!… Hoje, embora ainda tenhamos que conviver com preconceitos e desconfiança por parte de quem acredita que esse tipo de conteúdo não deveria ser publicado, ninguém, nem os leitores nem as escritoras, precisam esconder-se por trás de uma diáfana capa de moralismo, de pseudônimos ou de qualquer outro subterfúgio para produzir ou apreciar a chamada literatura erótica de autoria feminina. No Brasil, alguns nomes vêm se destacando, como é o caso de Ariela Pereira (Redenção e desejo), Tamires Vasconcelos (O astro pornô), Tatiana Amaral (A descoberta do Prazer), Camila Moreira (O amor não tem leis) e Rita Queiroz (Confissões de Afrodite), para citar apenas alguns nomes de destaque na literatura nacional contemporânea. Essa vertente literária também tem expoentes nas letras maranhenses, como, por exemplo, Ahtange Ferreira (Marcas indeléveis, Psicopatia, Teu olhar, Clandestino Amor), Eliane Morais (Comensais, Rol das faces), Dorinha Marinho (As diferentes formas do amor), Mônica Moreira Lima (Sexo para maiores de 18 cm, Pirocadas avulsas) e Sharlene Serra (Espelhos de Eva), entre outras que têm surgido nos campos das letras. Claro que há inúmeras diferenças entre os estilos dessas escritoras maranhenses. Cada uma trabalha personagens e enredos de forma peculiar e carrega mais ou menos nas cores do erotismo, nas ironias e até mesmo na carga de romantismo que permeia seus contos e romances. Mas o importante é que todas elas estão conquistando um merecido espaço, tiveram coragem de romper com uma bolha e tomaram a decisão de disponibilizar seus trabalhos para uma sociedade que, muitas vezes, mais julga o autor do que lê os frutos do trabalho desses mesmos autores. Caso especial é o de Sharlene Serra, que é bastante conhecida por seus trabalhos anteriores voltados para o público infanto-juvenil, pensando na inclusão e na denúncia social. Então, com esse histórico, pode ter causado espanto para muitas pessoas a decisão dessa escritora de publicar um livro com temática destoante das demais. Mas isso não tem o menor sentido, pois todo escritor tem o direito de alterar as rotas de sua produção e tentar atingir outros públicos sem que isso signifique abandono de alguma causa ou incoerência. E isso deve ser respeitado. Em “Espelhos de Eva” (editora Estampa: Imperatriz, 90 páginas), sua mais recente produção, que teve uma edição anterior em 2019 e voltou repaginada, em 2021, com novo projeto gráfico, a escritora transita pelo universo dos contos de fada, mas agora com um olhar voltado para o público adulto e com alguns questionamentos que já apareceram em livros anteriores, mas que são retomados sob outros prismas e em uma linguagem que oscila entre as metáforas e o desejo de transformar o entorno. O enredo do livro é aparentemente simples: depois de um dia de intenso trabalho, Eva tem uma noite insone e isso a faz pensar na vida, em seus desejos e possibilidades. Misteriosamente, seu espelho quebra e, após recolher os cacos, Eva repassa mentalmente algumas situações corriqueiras e mergulha em um mar de desejos represados. Sem ter o que fazer e por já haver percorridos as redes sociais, Eva se refugia nas páginas de um livro que traz como figura central Bianka Fernandes das Neves, uma jovem que traz em seu passado diversos casos de abusos, preconceitos e perseguições. A leitura desse livro leva Eva a diversas reflexões que são revistas página a página. Nesse livro, Sharlene Serra aposta na retomada de arquétipos que ressaltam a visão maniqueísta na qual o mundo está dividido em duas partes que se opões e ao mesmo tempo se completam: o bem e o mal. As relações intertextuais são bastante explícitas e se revelam desde o título e perpassam pela metáfora que relaciona o ato de morder o fruto proibido (simbolicamente uma maçã) e logo depois sair da zona de conforto para adentrar em um terreno no qual os pecados imperam e corrompem uma pureza que deveria carecer de proteção. Muitas são as referências intertextuais que permeiam a obra, desde o mise em abyme, (que lembra as Mil e uma noites e que serve como base estrutural da narrativa), até a identificação das personagens: Bianka das Neves (que remete à Branca de Neve), Dona Angelina (lembrando pureza angelical de uma genitora); Maria Luíza (referência icônica a Lúcifer, mas que também simboliza os arquétipos da bruxa, da madrasta e da rainha má), Eulália (a madrinha que aparece para trazer não apenas um presenta, mas também revelações), Martha (a mulher que está morta em plena vida), Vinícius (o príncipe encantado capaz de qualquer sacrifício para salvar sua amada), o uso do espelho como


forma de passagem para a descoberta de novas realidades, como ocorre com a Alice de Lewis Carroll e outras tantas metáforas utilizadas na construção do texto. Ao longo da narrativa, Eva, ao entrar em contato com as histórias contadas por Bianka, acaba conhecendo fatos que se multiplicam no tempo e no espaço e que refletem nos fragmentos do espelho quebrado algumas situações tão corriqueiras que acabam sendo vistas como normais e comuns, mas que não deveriam acontecer e que são constantemente eclipsadas por outras tantas cargas de sofrimento que rondam a humanidade como um todo. Dessa forma, a autora aproveita o enredo de seu livro não apenas para denunciar casos de pedofilia, abusos sexuais, relações abusivas etc., mas também para explorar as diversas fases da sexualidade da mulher e como isso pode ser visto e (pior) julgado por uma sociedade que nem sempre está disposta a compreender e auxiliar o próximo, mas que encontra tempo para colocar na berlinda quem tenha a ousadia de tentar sair de um padrão estabelecido por quem se julga dono de uma verdade inconteste. Uma excelente ideia da autora foi mesclar poemas com trechos da narrativa. Um e outro se completam e formam um todo bastante interessante, mas que podem também, em alguns momentos da obra, ganhar ares de independência, sendo, porém, melhor aproveitados em seu conjunto. A preocupação da autora mais com o conteúdo e com o ritmo do que com as formas clássicas e com os jogos rímicos deu maior naturalidade aos trechos e valorizaram o olhar prismático do livro. O diálogo entre as formas é essencial para a tessitura do texto e das malhas que entrelaça ações e pensamentos. É possível perceber claramente ao longo do texto a intenção de valorizar a figura feminina em sua integridade. Isso se reflete no tom pedagógico que a obra assume em alguns momentos, mas que poderiam ser diluídos dentro da experiência de vida das diversas personagens ou trabalhadas de modo menos condensado, para não assumirem o tom de propaganda ideológica pessoal, mas sim de tomada de atitude das personagens ou da narradora. Isso, porém, não afeta a leitura nem a experiência oportunizada pelo contato do leitor com as diversas facetas femininas que atravessam a obra. No todo, Espelhos de Eva é um livro de agradável leitura. em suas páginas é possível encontrar um equilíbrio entre erotismo, crítica social, ficção, aspectos da realidade circundante, elementos simbólicos e muitos, muitos questionamentos acerca da forma como a mulher é vista, explorada e até mesmo usada pela sociedade ao longo da história da humanidade, sendo, inclusive, a Rainha uma personagem que explora diversos aspectos contraditórios, pois ela, que apresenta sempre um perfil de força e empoderamento, é questionada em suas ações por personagens que querem cultivar valores, mas que não conseguem visualizar na Rainha uma determinação de saber-se proprietária de seu próprio corpo, de seus desejos e de sua história. Sharlene Serra, neste seu livro, levanta questionamentos que fazem parte da temática de outros de seus trabalhos voltados para crianças e adolescentes. Aqui podem ser encontradas denúncias contra o abuso de menores, defesa das pessoas com deficiência, preocupação com a educação, reconhecimento do valor das mulheres… Mas agora dialogando um público diferenciado e que já tem discernimento suficiente para não confundir a substância com a forma nem a autora com sua obra.


DRIBLANDO BONDES E A HISTÓRIA MHARIO LINCOLN Nesta história, Mhario Lincoln envolve os velhos bondes de São Luís e ex-amores (facetubes.com.br)

Todas as vezes que chego ao Maranhão e tento renegociar meus novos costumes aprendidos (e apreendidos) lá pelo sul, saio perdendo. E perco com muita felicidade. Exemplo: "caboco de sorte o senhor, seu Mhario, escapulir dessa doidiça, rodeando pelos becos", me disse a funcionária de minha irmã, há anos com ela. Que beleza de autenticidade. Nada mais original para meus ouvidos. Outra coisa é voltar a dormir numa 'rede de vara', (nas palavras de meu avô Sírio), isso, quando a gente coloca um cabo de vassoura para abrir a cabeceira da rede, em dias de muito calor. E mais outra: usar 'japonesa' (sandálias havaianas), tomar banho no chuveiro de água fria, sem se preocupar com termostato, e ter no café da manhã uma porção generosa de bolo de macaxeira, beiju e cuscuz "IDEAL", (de milho), fumegante. Isso quando 'tô' preguiçoso para ir até a Padaria 'Santa Maria' - de japonesa, camisa regatas no ombro e calção de pano (com aquela listinha branca do lado), para buscar as bolachinhas de trigo salgado ou o delicioso 'pão baiano', com manteiga de lata, escorrendo pelo papel do mesmo nome, em razão da temperatura, lá pelos 35°, quando está (meio) quente. Na verdade, eu vivo cada minuto nesta Ilha de São Luís pulando entre um paralelepípedo e outro, atento aos limos da pedra e fotografando restos de fita colorida, deixadas pelo chapéu de algum vaqueiro catuabento, ao longo do caminho pela Praia Grande, sedento por uma juçara fresquinha, um punhado de camarão seco e muita farinha dágua de quebrar o dente. Tudo misturado e em temperatura ambiente. Isso,quando gazeio uma outra atividade: andar na praia. Andar pela beira do mar, chutando as ondinhas que vêm molhar seus pés cansados de botinas. Muitas vezes nem me faz bem avançar mais na água, com medo de pisar num 'chama-maré', nem correr na areia, para não atrapalhar o sossego do bando de maçarico da perna fina, no afã de almoçarem os moluscos que sobram das cascas quebradas dos sarnambis. Tenho caminhado até o forte de "Santo Antonio", de onde vislumbro as ilhas 'Duas Irmãs', sentado em um dos canhões dessa antiga fortaleza, na Ponta D'áreia. De lá o obra de Deus. Um dos poentes mais bonitos que já fitei. Aliás, nestes dias atuais, foi lá que encontrei meu parceiro e amigo Wellington Reis, na mesma frequência de paz, em que estava. Que assim seja, sempre, amigo! E quando estou só, em minha pseuda-solidão, começo a rememorar antanhos e lembrar da 'croa' (areia que aflora na baixa da maré, onde, no time de futebol formado no 'aponta', eu sempre era escolhido para o gol). Lembrei das alvarengas do Sr. 'Chocolate' (quantas vezes atravessei da Beira-Mar para a Ponta D'áreia, até a quebrada do forte). Lembrei também dos domingos ensolarados, onde encontrava as alunas do Rosa Castro, sem aquelas fardas de 'bombeiro', com bermudinhas, saiotes e bustiers, pedalando bicicletas com cestinhas no guidão. Foi exatamente nesse cenário que conheci Dolores, morena de olhos verdes - na época até pensei que morreria por ela. E também sem ela. Aliás, quem me apresentou Dolores foi 'Mocinha', meu amigo. Ele era funcionário graduado da VASP e havia prometido para Dolores levá-la para ser aeromoça, aos 18 anos.


O tempo passou. 'Mocinha' e Dolores se foram. Em vida, todavia, Dolores preferiu ser Assistente Social e trabalhar em instituições de caridade. Mesmo assim, quando estou à solta no Forte, a vejo pedalando nas nuvens cinzas, por sobre o amurado da praia. E isso me faz falta lá pelos ares do sul. E vai me enchendo de muita saudade quando chega perto a hora de voltar para Curitiba, no Paraná. Porém, eu nunca volto para o sul, sozinho! Sempre subo as escadas do asa dura cantando "Haja Deus" e lembrando Augusto Tampinha (meu amigo querido). E cada pessoa que vejo, ao atravessar o espremido corredor do avião (para mim, quase um corredor polonês), vou transformando aqueles rostos desconhecidos em pessoas que marcaram a minha vida na Ilha de São Luís, como Marcio Fogueteiro, Zezé Caveira, Badu, Sarita 'Motel' (assisti na minha adolescência, dançar na 'Gaiola de Ouro), Rita Baiana, Rei dos Homens, "João Pessoa", Zulu, Jafé, Caluca, "seu" Moisés, do Baile de Máscaras, Cabo Zé, do Clube dos Sargentos, Faísca, Boca de Fenda, Cusuado, Cristóvão Alô Brasil, Zé Hemetério, a Louca da Sé, Jurandi Caçapa, 'Companheiro', do Cachorro-Quente, Ziza Tripa, Mata-Onça, Bafo-de-Chila, Seu Lilico (o deficiente visual do trompete da Rua Grande), 'Raimundão do Mocotó', no Mercado Central, filial do "Come em Pé", da Av. Magalhães de Almeida, Zé Farinha, 'Espicha', do Casino, Coroa Trinta, da Corsário, 'Piriquito', da Boite Maré, Jumentinho, do 'Carrinho', Luquinha, da Pedrita... e por aí vai. Pronto, lotação completa. Portas fechando! Eu sento, aperto o cinto, faço minha oração. Aí, esse negócio de 'portas fechando' imediatamente me faz lembrar do velho Juarez (nada a ver, mas sempre lembro), o cobrador de bonde (sem portas) da São Pantaleão. Juarez estava mais para trapezista de circo, haja vista as acrobacias que fazia para impedir os meninos (como eu) da época, de driblarem o transporte. Ele era uma figura. Um cobrador 'hábil e astuto', desde quando ingressou no DMTU - Departamento Municipal de Transportes Urbanos, indicado por um Senador, usuário de um terno de linho branco, sempre amassado. E quando se perguntava sobre isso, respondia: "Isso é trabalho. Quem não trabalha anda engomadinho". Pois bem, permita-me contar rapidinho essa história, antes do asa dura alçar voo. Seu 'Jura' tinha muita habilidade. Quando notava que alguém queria driblar o bonde, ele pulava perigosamente do corrimão da frente e vinha segurar o corrimão do meio (sem deixar cair as notas de papel enfiadas no anelar e apoiadas entre os dedos mindinho médio, além de ter na mão fechada, as moedinhas de centavos. No pulo, ele, acrobaticamente, se colocava em frente ao suspeito - praticamente abraçado. Só que a gente sempre enganava seu 'Jura'. Mandava esse menino (não lembro o nome agora, tipo 'Boi de Piranha'), fazer malabarismos como se quisesse enganar o cobrador até ele vir 'abraçá-lo'. Assim, o espaço ficava livre para nós, os outros, pularmos fora, antes da parada. Gente, nem era uma infração. Era, na verdade, uma grande brincadeira, perigosa, às vezes. Vamos dizer, perigosa, sim. Uma vez, Zé Antonio 'Pelado' (porque era lourinho e no sol não se enxergava os cabelos, nem os pelos), filho do seu Cabral, sapateiro da praça da Macaúba, escorregou, e por pouco não teve a perna amputada pelas rodas de aço do bonde. Repito: antes de ser infração, era uma grande alegria. Porém, de alto risco. Acho que não faria isso novamente. A história ainda não terminou. Eu aperto ainda mais o sinto, olho o aviso de 'não fumar', em desuso, acho, e me lembro do quanto seu Jura fumava. Mas, vale lembrar: alguns anos depois, seu 'Jura', o cobrador, foi internado no 'Hospital Nina Rodrigues', para doentes mentais. Quantas vezes fomos lá (eu e minha patota), levar mantimentos para ele. Desde o pagamento de alguns remédios, até mesmo maçãs e peras. Uma das amizades bacanas que fiz na puberdade. Seu Jura nunca esqueceu de nossos nomes, até falecer em 1987.


Enfim, esta é um pouco de minha cidade. Incrível como isso fica latente. Quanto mais o tempo passa, mais aviva a minha memória. De repente, ainda aguardando a decolagem, abro os panfletos técnicos no bolsão a frente a minha poltrona e me deparo com um grande mapa colorido, com as rotas da companhia aérea. Bastou isso para relembrar minha inesquecível professora primária, D. Zuleide Bogea. Então limpa os óculos que lá vem a história final: todas as manhãs a professora Zuleide reunia os alunos e alunas na sala principal, cheia de mapas em alto relevo, e ela mesma puxava o Hino do Maranhão (lembro o estribilho: "Salve Pátria, Pátria amada/ Maranhão, Maranhão berço de heróis/ Por divisa tens a glória/ Por nume nossos avós (...)". E depois o Hino Nacional. Aí foi que o bicho pegou. Certo dia, nessa hora solene, não a vi atrás de mim. E comecei a cantar o Hino brasileiro, em ritmo de samba, com uma galerinha (dessa, dois são juízes aposentados), da minha turma. Adivinha quem foi o prejudicado? Euzinho. Daí, durante uma semana inteira, nas aulas dela, fiquei em pé, de costas para a turma e de frente para um Mapa Mundi gigantesco, em alto relevo, com cores sóbrias, principal decoração da sala da 4° série. E foi lá durante essa semana de castigo, que descobri onde era a Groenlândia, a União Soviética (à época), o Mar Morto.... Portanto, todas as vezes que me deparo com um Mapa Mundi, seja virtual ou físico, ou, ainda, num bolsão de aeronave, minha doce e amável diretora-professora Zuleide Bogea, do Colégio 'São Luíz Gonzaga', na rua do Sol, vem a minha cabeça. Sinceramente? Sinto muitas saudades dessa que, com certeza, foi uma mãe. E está no Céu por ter-me aguentado por 3 anos consecutivos. -----------------------------*Mhario Lincoln é presidente da Academia Poética Brasileira.


A POÉTICA DE EDUARDO JÚLIO E O MAR PAULO RODRIGUES9 “navios passam pelo horizonte como passageiros por um terminal”. Janeiro e as primeiras leituras do ano de 2022 trazem na maresia o livro O MAR QUE RESTOU NOS OLHOS do Eduardo Júlio. Lançado pela Editora 7 Letras em 2020. São quarenta e três poemas que navegam o mar do humano com uma capacidade discursiva impressionante. Eduardo é maranhense de São Luís. Passou a infância no Iraque. Jornalista com larga experiência, foi finalista do Prêmio Jabuti 2021 (com o livro citado). Os poemas versam sobre amores, histórias, solidão, miragens e os mistérios do mar. A poeta Ariana Gama comenta no texto de orelha: “esse extravasamento nos imerge, no corpo criado por Eduardo Júlio, de olhos abertos e nele prendemos e soltamos a respiração à medida que chegamos ao abismo iluminado, ao centro de cada poema, o mar onde nos encontramos”. É verdade, há um centro irradiador que aponta para o oceano da criação linguística e imagética na obra. No poema MEMÓRIA, o poeta usa a imagem da travessia como maneira de buscar a água escorrendo nas mãos do pretérito: naquele tempo felicidade era receber uma carta naqueles dias plenitude era atravessar a baía (JÚLIO, 2020, p.30) O poema aborda a temática da memória, de maneira que evidencia a alegria entre dois acontecimentos: carta e baía. É o receber palavras num ato solitário e individual marcando o afloramento do poético. Na outra ponta, o alargamento do espaço e da metáfora. LONGITUDE traz a lembrança de uma cidade destruída pela modernidade. A angústia de presenciar a metamorfose da urbe e do eu lírico: quando a cidade experimentava os primeiros traços ainda não havia ponto de partida nem de chegada apenas a espera o mar com sua implacável dispersão e um lúcido pressentimento 9

Paulo Rodrigues (Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia. Especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista. É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018). Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia. É membro da Academia Poética Brasileira.


insistindo em avistar aquele limite claro e contínuo como um fragmento de uma existência em permanente estado de isolamento e distração (JÚLIO, 2020, p.17) O ponto de equilíbrio do texto é o mar com sua lucidez bem construída, na quarta estrofe. Dando limite para as reflexões, do texto. As águas inundam os versos de Eduardo Júlio. Ele é bom timoneiro. Consegue passar pelas tormentas da linguagem. Produz versos sintéticos, num trabalho de valorização dos corais mais profundos. O livro tem muitas qualidades. Há uma musicalidade atravessando tal qual um fio de algodão entre os poemas que atraem o leitor como bem notou o poeta Fernando Abreu no prefácio: “de voz serena e musical, destinado a tornar mais rica a travessia de todos os que tiverem a felicidade de navegar por suas páginas”. Encerro, olhando a embarcação, o horizonte, o resgate. Os dedos tocam o final do poema CLIMA: “chegou a hora de adernar o barco/ sonhar que seremos salvos”.


'SPINA', SOBRE A "BULA DOS SETE PECADOS" O livro, ainda inédito, é de Mhario Lincoln Nota de Mhario Lincoln: "Sem dúvida, um belo e incomensurável presente. Esse, abaixo, é um "Colar de Spinas", elaborado com muito carinho e inteligência pela escritora, poeta e professora Maura Luza Frazão. Algo realmente inédito, até hoje, desde a criação da lírica Spina, no Brasil. E o que é a poesia em forma Spina? O SPINA é um poema de duas estrofes, sendo a primeira estrofe composta por três versos com três palavras em cada verso e iniciada obrigatoriamente com uma palavra trissílaba: pa/la/vra/. Ob/ser/vo/. A segunda estrofe tem cinco versos com cinco palavras em cada, e não há nela a exigência da trissílaba. Até aí, tudo bem. Mas, o mais difícil é o 'colar de Spina". Muito mais quando é temático. E Maura Luza Frazão fez esse colar com base no que leu no livro "A Bula dos Sete Pecados". Com certeza, ainda mais difícil. Quer ver as regras do "Colar de Spina"? Anote: "O Colar de Spina é constituído por um único título, o primeiro, e ele terá que fazer referência ao assunto (conteúdo) abordado nos oito Spinas que formarão o Colar. Os Spinas precisam ser numerados e com espaço entre um e outro. A primeira palavra do segundo Spina deverá ser uma trissílaba retirada da segunda estrofe do texto anterior, eassim se sucederá até o último. O último Spina, além de seriniciado por uma acepção trissílaba retirada de um dos versosda segunda estrofe do Spina anterior, sua última rima deveráser a palavra trissílaba que começou o primeiro Spina do Colar. No exemplo abaixo perceberemos que Atraque iniciou o primeiro Spina e finalizou o último". Como se vê e lê, Maura Luza Frazão merece todos os elogios. De minha parte, meu agradecimento sincero por este trabalho inédito que marca uma nova e importante fase na literatura brasileira. O 'Spina' veio pra ficar e sua representante maior, sem dúvida, é Maura Luza. Parabéns!

COLAR DE SPINAS: UM OLHAR POÉTICO SOBRE A INSPIRADORA OBRA "A BULA DOS SETE PECADOS" DE MHÁRIO LINCOLN. MAURA LUZA FRAZÃO Pecados versus antídoto, Ou seriam absolvições? Uma indelével incumbência. Meus olhos ávidos mergulharam nas páginas enriquecidas de sublime ensaio regado a memórias. Quanta sapiência! Linhas tecidas com capciosas mensagens, Ou seriam nas entrelinhas? Excelência! II


Páginas de “Releituras” em amargas colheitas versus “Estranhas frutas”. Envolvida me vi pelas conjecturas de uma alma enobrecida, reações advindas das amargas correntes, lutas. Decantada em versos, prosas, sabores sangrentos, marcados por árduas labutas. III Sabores poéticos reverberando em liberdade desmistificada... "Sem pensamentos levianos”. Impressionante seu olhar de erudita despido de prepotência, orgulho ou preconceitos. Uma dádiva dos anos vividos em meditações. Daí, senti-me agraciada. Um convite sem enganos. VI Convite poético inspirador perceptível nas entrelinhas, amores, anseios, tentações. Fascinante passeio em cenário lírico bucólico, empreendi ao me aventurar pela história escrita, narrada. Emoções retiradas das páginas literárias, outrora decantadas em fábulas, odes, canções. V Cenário poético imaginário repaginado em fascinante celebração, lirismo latente. A poeticidade de Mhário Lincoln não cabe definição, uma iguaria de fino trato, elucubracão pungente. Quanto mais me aprofundava, presença sutil sentia, uma inspiração ardente. VI Presença maranhense na literatura brasileira, Mhário Lincoln, ícone jornalístico. Ilustre erudita poético singular, destaca-se por seus dons, promovendo verdadeira ebulição no universo literário publicístico. Visionário por natureza! Nasceu agraciado de incrível percepção, intrinsecamente holístico.


VII Singular ornamento literário pincelado em conjecturas poético filosóficas. Rendi-me. "Instinto ou loucura" envolvem meus sentidos em "Metamorfose" ao pousar meus olhos naquela "Lagarta". Prendi-me em "Suspiros de Agonia" orvalhando "Ode a Pandora”, “Amantes". Transcendi-me. VIII Lagarta, borboleta, casulo, remetem a transformação. Mudanças, amplos significados. Lembranças de amores, amantes, segredos, pulsantes sentires, "Saudades, que nada”. Arquétipo cigano revelando desejos marcados, elevando a temperatura desse apetitoso cenário místico de incandescentes pecados. Maura Luza Frazão. São Luís. MA/Brasil.


"O ENCONTRO COM MUITOS TONS", resenha de Sharlene Serra. Livro: "50 Tons de Palavras" "50 Tons de Palavras" é do poema João Batista do Lago. Por: Mhario LincolnFonte: Sharlene Serra

Resenha:Sharlene Serra O ENCONTRO COM MUITOS TONS *Sharlene Serra Poesia é assim: feita de encontros. Seja ela vista, lida ou sentida, tem vozes, sorrisos, silêncios, sons, tem inúmeros tons. E nos encontros multicoloridos, deparo-me com as palavras colhidas pelo poeta João Batista do Lago, e elas nos convidam a um passeio filosófico, passeio não! Nos convidam para uma viagem com olhos atentos as paisagens que sobrevoam nossa existência, onde o tempo conversa com o hoje, e o poeta reflete a necessidade do grito Carpe Diem: Aproveita teu tempo/Dá asas a tua loucura plena/Deseja sempre o teu hoje/Esquece-te do ontem e do amanhã [...] E é no hoje que ele nos entrega não apenas “50 tons de palavras”, mas infinitos tons de sentimentos e inspirações, e as inspirações do poeta, atravessam nossos olhos, fazem morada na nossa alma, tomamos posse do sentido e absorvemos o poema como parte de nós: Tenho apenas um jeito de amar/Arrancar das minhas formas as visões de mundo/Ficado a partir duma colina de olhares irisados/Donde vejo todas as nascentes correrem em minha veia/Sob uma perspectiva dos instintos e dos instantes [...]


Eu, uma recém apresentada a dona poesia, adentro a uma sala, a existência poética exalava, a arte se misturava entre si, cinema, poesia, livros, histórias, elas conversavam com entusiasmo divino, e de repente, o poeta João Batista do Lago chega, as mãos seguravam os tons das palavras, que por hora já estava impregnada de poesia e generoso ele nos doa seus tons, para que também possamos sentir a sua palavra, e nos impregnarmos com o que ali está escrito. Já em posse dos tons, folheio página por página, sorvendo o escrito. Os olhos passeiam por uma poesia social, visceral, poesias extraídas também da alma. A palavra é a protagonista e ele a disseca, absorvendo toda sua energia: [...] nela tudo se decompõe/numa razão assimétrica / incoerente e disfuncional/de toda metafisica que ela se impõe/ não conheço qualquer ser/ que dela não dependa [...] Chega à noite, na companhia do silêncio, abro uma nova página e início uma leitura, que me inunda, inevitavelmente mesmo sem saber nadar, mergulho no poema. E o poeta revela um rio profundo, extraído da alma, uma metáfora viva que nos fez materializar em áudio o lido, com a sensibilidade própria contida naquele rio que era sua própria existência. E meus olhos sedentos navegando no poema de João Batista do Lago, relembro de outro rio de Manoel de Barros... O corpo do rio prateia/ quando a lua se abre [...] Cresci brincando no chão/ Entre formigas / Meu quintal é maior /Do que o mundo /Por dentro de nossa casa passava um rio inventado. / Tudo que não invento é falso /Era o menino e os bichinhos /Era o menino e o Sol /O menino e o rio /Era o menino e as árvores E ao mergulhar nestes rios de sensibilidades, eu pesquei a vontade de eternizar o lido, o sentido, sabendo que cada leitor vai extrair da profundeza, a essência que existe entre o seu eu e o poema. E essa relação é mágica, onde o poeta Joao Batista do Lago se doa e nos presenteia, acionando sensibilidades individuais, que remetem a uma lembrança enraizada, humanizada de tempos pretéritos existentes em cada um de nós. Assim como descrito pelo próprio poeta, onde ele nos revela no poema: [...]Ah! O rio da minha casa não me deixava em solidão[...], finalizo dizendo, a tua poesia João Batista do Lago, também não nos deixa em solidão, ela nos faz companhia com os infinitos tons existentes na tua própria palavra. * Sharlene Serra nasceu em São Luís do Maranhão. Graduada em Desenho Industrial pela Universidade Federal do Maranhão, Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, especialista em Educação Especial em uma perspectiva inclusiva pela Faculdade Santa Fé. Palestrante, formadora educacional. Escritora e Poeta. Crítica Literária.


LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

FRAN PAXECO:

recortes & memórias


ACADEMIA MARANHENSE DE CIÊNCIAS, LETRAS E ARTES MILITARES - AMCLAM PATRONO

Manuel Fran Paxeco Cadeira nº 16 Português, natural de Setúbal, e que adotou o heterônimo FRANCISCO PAXECO, oficialmente reconhecido na repartição consular de Portugal em São Luís, nasceu a 9 de março de 1874, e faleceu em Lisboa, a 17 de setembro de 1952, aos 78 anos de idade. Precocemente vocacionado para as letras, aos 14 anos de idade fundou o jornal Gazeta Setubalense, e ano depois passou a colaborar assiduamente em diversos órgãos da imprensa portuguesa. Republicano ardoroso, por seu engajamento político, viu-se compelido a emigrar de seu país, escolhendo vir para o Brasil. Aportou primeiramente no Rio de Janeiro, e a seguir viajou para o Norte: esteve em Belém, depois em Manaus, havendo atuado culturalmente nessas duas cidades, com intensa colaboração na imprensa. Chegado a São Luís no último ano do século XIX – a 2 de maio de 1900 – Fran Paxeco, sem prejuízo de suas atividades práticas, logo passou a desempenhar importante e decisivo papel na vida cultural em nossa cidade, que então tomava corpo, como reação auspiciosa à apatia que, durante anos seguidos, mantivera, entre pesadas nuvens de desânimo e frustração, o glorioso sol de Atenas, que sobre nós refulgira, graças a uma constelação de talentos realmente privilegiados. A juventude maranhense, ainda vivamente impulsionada pela força arrebatadora do verbo de Coelho Neto, que aqui falara às multidões como um profeta anunciador da ressurreição que era imperativo promover, teve, no entusiasmo inquebrantável de Fran Paxeco, uma das colunas-mestras – a outra foi Antônio Lobo – da grande obra que se iniciava. Jovem, Fran Paxeco aliava ao vigor dos seus 26 anos de idade, um tirocínio, uma visão de mundo e uma cultura que se revelaram imprescindíveis à movimentação da vida são-luisense, sob os mais diversos aspectos. Em todas as iniciativas relevantes tomou parte e de muitas foi o impulsionador: fundação da Oficina dos Novos, da Academia Maranhense de Letras, da Legião dos Atenienses e de numerosas outras instituições culturais; palestras literárias, cortejos e homenagens cívico-culturais, instituição da Universidade Popular, do Curso de Direito, revigoramento e reorganização da Associação Comercial do Maranhão, luta por modernos meios de transporte, pelo incentivo à agropecuária, pela criação de um parque industrial, pela melhoria dos serviços de saúde, pela urbanização da cidade. E tudo isso de par com atividades no magistério público e particular, com diuturna atuação na imprensa, com viagens e trabalhos na Amazônia, com a publicação de livros, com idas ao Rio de Janeiro e a Portugal.


Na imprensa maranhense deixou uma colaboração tão diversificada e ao mesmo tempo copiosa, que ainda hoje aguarda e reclama a seleção temática da qual resultarão seguidos volumes de interesse para o estudo da vida maranhense. Tais volumes viriam somar-se às obras maranhenses desse autor de vasta bibliografia que compreende assuntos tão variados quanto foram os campos de interesse de seus estudos. A Biblioteca do Grémio Literário Português em Belém do Pará e a Praça do Comércio em São Luís do Maranhão têm o seu nome. O seu nome encontra-se presente nas toponímias do Cruzeiro do Sul - Acre, Setúbal, São Luís do Maranhão e São Paulo. Rua Fran Paxeco, em Setúbal, Portugal Associações científicas de que foi membro Sociedade de Geografia de Lisboa; Sócio correspondente, admitido em 1 de Fevereiro de 1897. Academia Maranhense de Letras, de que foi sócio fundador; Academia Alagoana de Letras; (sócio correspondente); Academia Piauiense de Letras; (sócio correspondente); Société Académique d'Histoire Internationale; Medalha de Ouro. Paris, 27 de Junho de 1912. Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano; Sócio correspondente, eleito em 24 de Novembro de 1913. Academia de Ciências de Portugal; Sócio correspondente, eleito em 13 de Janeiro de 1915. Associação de Imprensa do Amazonas; Associação de Imprensa do Pará; Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (São Paulo); Grémio Literário e Comercial Português, hoje, Grêmio Literário e Recreativo Português, Belém do Pará; Instituto Geográfico e Histórico da Bahia; Instituto Histórico e Geográfico do Pará; Sócio Honorário,eleito em 12 de Maio de 1920. Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, nascido de uma ideia sua, em Agosto de 1918; Sócio correspondente, primeiro ocupante da cadeira 14, investido em 20 de Novembro de 1925. Liga Portuguesa de Repatriação; Belém do Pará: Sócio Benemérito, eleito em 26 de Junho de 1925. Sociedade Portuguesa Beneficente; Belém do Pará: Sócio Benfeitor, eleito em 26 de Março de 1925. Associação Dramática Recreativa e Beneficente; Belém do Pará: Sócio Beneficente, eleito em 5 de Julho de 1927. Instituto Histórico de Pernambuco; Instituto Histórico do Piauí; Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Algumas obras O Uruguai, prefácio a este poema de Basílio da Gama. Rio de Janeiro, Livraria Clássica de Alves & Comp, 1895. O Guarani, proêmio ao libreto da ópera de Carlos Gomes. Belém-Pará, 1896. O Centenário Indiano, manifesto das associações portuguesas do Pará. Belém-Pará, 1897. O Sangue Latino. Lisboa, 1897. O Album Amazônico. Genova, 1898. Os escritores portuguezes: Teófilo Braga. Manaus, Tipografia do Diário de Noticias, 1899. Jubileu de João de Deus - folheto. Manaus, 1899. Os Escândalos do Amazonas. Manaus, 1900. A Questão do Acre, manifesto dos chefes acreanos. Belém-Pará, 1900. O Sr. Sílvio Romero e a literatura portugueza. São Luís do Maranhão, A. P. Ramos d'Almeida, 1900. Mensagem do Centro Caixeiral do Dr. Teófilo Braga. São Luís, 1900. Juiz sem Juizo, comédia de A. Bisson, versão com Antônio Lôbo.


O Porvir Brasileiro (série de longos artigos em vários números d'A Revista do Norte). São Luís, 1901. O Maranhão e os Seus Recursos. São Luís do Maranhão, 1902. A Literatura da língua portuguesa. São Luís do Maranhão, A Revista do Norte, 1902-1903. O Sonho de Tiradentes, peça num ato. São Luís do Maranhão, 1903. O Comércio maranhense, relatório da Associação Comercial do Maranhão. São Luís do Maranhão, 1903. Os interesses maranhenses. São Luís do Maranhão, A Revista do Norte, 1904, XXVIII. O Departamento do Juruá. Cruzeiro do Sul, 1906. A literatura portugueza na Idade Média: conferência. São Luís do Maranhão, Universidade Popular do Maranhão, 1909. O Processo de Camila (La rencontre), tradução da comédia de Pierre Berton, 1910. O Maranhão: subsídios históricos e corográficos. São Luís do Maranhão, 1912. Portugal e a Renascença. São Luís do Maranhão, 1912. Os Braganças e a restauração. São Luís do Maranhão, Tipografia da Pacotilha, 1912. O Maranhão. São Luís do Maranhão, 1913. As normas ortográficas, na Revista da Academia Maranhense. São Luís do Maranhão, 1913. A Língua portuguesa, por Filipe Franco de Sá, organização e posfácio. São Luís do Maranhão, 1915. Angola e os alemães. Maranhão, 1916. O trabalho maranhense. São Luís do Maranhão, Imprensa Oficial, 1916. A escola de Coimbra e a dissolução do romantismo. Lisboa, Ventura Abrantes, 1917. A visão dos tempos. Coimbra, 1917. Teófilo no Brasil. Lisboa, Ventura Abrantes, 1917. Visão dos tempos - epopeia da humanidade: conferência realizada em 21 de Fevereiro de 1917. Lisboa, Academia das Ciências de Portugal, 1917. Separata dos Trabalhos da Academia das Ciências de Portugal A cortiça em Portugal (resumo de informações do ministério dos estrangeiros). Lisboa, 1917. As normas ortográficas, in Revista da Academia Maranhense. São Luís do Maranhão, 1918. João Lisboa: livro comemorativo da inauguração da sua estátua contendo estudos críticos de vários autores (org. da Academia Maranhense). São Luís de Maranhão, Imprensa Oficial, 1918. Portugal e o equilíbrio europeu, conferência, na Pacotilha. São Luís do Maranhão, 1918 (I-XII). Portugal e o Maranhão (As suas relações comerciais). São Luís do Maranhão, 1919. O Pará e a colónia portuguesa, folheto. Belém do Pará, 1920. Geografia do Maranhão. São Luís do Maranhão, 1923. Trabalhos do congresso pedagógico do Maranhão. São Luís do Maranhão, 1923. Cartas de Teófilo Braga (com um definitivo trecho autobiográfico do mestre e duas "confissões" de Camilo) (prefácio e compilação). Lisboa, Tip. da Emp. Diário de Noticias, 1924. O Portugal primitivo, folheto. Belém do Pará, Tip. Grafarina, 1925. Sobre Teófilo Braga, genealogia, folheto. Belém do Pará, 1925. O século português (1415-1520), conferência longa, proferida na capital do Pará e publicada no País, do Rio de Janeiro. 1926. Setúbal e as suas celebridades. Lisboa, Sociedade Nacional de Tipografia, 1930/1931. Portugal não é ibérico (antelóquio de Teófilo Braga). Lisboa, Tipografia Tôrres, 1932. O poema do Amadis de Gaula, conferência lida em 10-11-1932, na Universidade de Cardiff. Coimbra, Coimbra Editora, 1934 (separata da Biblos). The intellectual relations between Portugal and Great Britain. Lisboa, Império, 1937. Para além da tradução de diversas comédias e dramas, Fran Paxeco escreveu numerosos artigos em jornais e revistas, proferiu conferências e elaborou extensos relatórios consulares. Deixou oito livros concluídos, inéditos, sobre vários assuntos. Deixou igualmente no prelo Setúbal e a Província do Sado (desaparecido).


Referências: AA VV. Fran Paxeco: homenagens que lhe prestaram, a 9 de Março de 1922, os seus amigos e admiradores. S. Luiz do Maranhão, Imprensa Oficial, 1922. Academia Maranhense de Letras. Fran Paxeco. ALDEIA, João. «Fran Paxeco» in Setúbal na Rede de 12 de setembro de 2006. BERNARDO, António e PINTO, José dos Santos. Dicionário de Autores Casapianos . Lisboa, Biblioteca-Museu Luz Soriano,1982. s.v. «Fran Paxeco», pg. 102. BRITO, Eugênio Leitão de. Fran Paxeco no Brasil. Belém-Pará: Grêmio Literário e Recreativo Português, 1994. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, s. v. «Fran Paxeco». vol. 20, pgs. 797-798. Lello Universal: Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro. Porto: Lello & Irmão, 1980, 2 vols., s.v. «Fran Paxeco», II vol. pg. 487. LUZ, Joaquim Vieira da. Fran Paxeco e as Figuras Maranhenses. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1957. LUZ, Joaquim Vieira da. Fran Paxeco e sua influência no Maranhão. Rio de Janeiro, 1953. LUZ, Joaquim Vieira da e ALMEIDA, Ruben Ribeiro. Fran Paxeco. São Luís, 1949. MARTINS, Manoel de Jesus Barros Martins. Rachaduras Solarescas e Epigonismos Provincianos: Sociedade e Cultura no Maranhão Neo-Ateniense: 1890-1930. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2002 PORBASE, base nacional de dados bibliográficos. Dicionário de Ruas de São Paulo. Trabalhos do Congresso Pedagógico. São Luís do Maranhão: Imprensa Oficial, 1920.


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