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figura 6: Impacto de experiências traumáticas e idade de início do uso de cocaína e crack

pelo alívio do desconforto subjacente às experiências negativas, sendo também utilizada como forma de automedicação. Isso não se verifica de igual maneira entre os homens, uma vez que os fatores que motivam seu uso devem-se pela busca do reforço positivo associado aos efeitos da droga ou pela curiosidade em experimentar determinadas sensações8,17-20 .

O início de uso de determinada substância pode estar relacionado à sua progressão e desenvolvimento do TUS. Sugere-se que a primeira droga de uso, mesmo que não leve à dependência, pode ser considerada um potencial de risco para a experimentação de outras drogas e, consequentemente, desenvolvimento de dependência25. Tal hipótese é conhecida como “hipótese da porta de entrada” e sugere uma sequência de acontecimentos nos quais o uso de drogas como álcool e a maconha pode conduzir ao uso de outras drogas, incluindo a cocaína, crack, heroína e meta-anfetamina. Assim, o uso precoce de tabaco ou álcool, que geralmente está associada à influência de um ambiente familiar ou de grupo de amigos, aumenta a probabilidade de usar maconha e, consequentemente, segundo a hipótese da porta de entrada, passar para o uso de outras drogas como a cocaína e o crack. Embora a maioria dos estudos que investigaram essa hipótese incluíram participantes de ambos os sexos, achados específicos com amostras de mulheres sugerem que usuárias de crack possuem um comum histórico de uso de álcool e/ou maconha antecedentes ao início de uso de crack, confirmando essa hipótese24,26,27 .

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O curso e a progressão do uso evidenciam diferenças biológicas entre mulheres e homens. Observa-se que mulheres manifestam sintomas de abstinência, tolerância e fissura em um período de tempo de uso inferior ao dos homens7,15. Em usuárias de crack, por exemplo, isso pode ser exemplificado pela diferença significativa em comparação aos usuários homens no que se refere à quantidade da droga consumida. Percebe-se que mulheres consomem maior quantidade de pedras de crack do que os homens dentro do mesmo período de uso3, o que sugere a maior necessidade em usar a droga possivelmente em resposta aos sintomas de abstinência experienciados.

Além disso, do ponto de vista neurobiológico, mulheres parecem ter mais reatividade cerebral quando estimuladas pelo uso de drogas em comparação a homens28,29. A influência dos hormônios, como a progesterona e o estrógeno, bem como os respectivos níveis desses hormônios nas diferentes fases do ciclo menstrual, parecem desempenhar papel importante tanto para uma diferente ativação cerebral, quanto para a intensidade dos sintomas decorrentes do uso da droga28,30. Dreher et al.31 investigaram essa relação, demonstrando que sintomas de fissura e maiores ativações de regiões cerebrais do sistema de recompensa (área fundamental para a motivação ao uso de drogas) estavam associados à fase folicular do ciclo menstrual feminino.

O fato de a experiência com a droga ter papel distinto para homens e mulheres faz com que seja necessário entender o curso da dependência como um aspecto que envolve desde as motivações iniciais até as questões envolvidas na vulnerabilidade para a progressão e desenvolvimento da dependência. Compreender essas questões pode possibilitar a construção de propostas preventivas na área da saúde5,8 .

Experiências adversas de vida ao longo do desenvolvimento

Situações potencialmente estressoras e traumáticas que ocorrem ao longo do desenvolvimento, principalmente na infância e adolescência, podem interferir de forma significativa na saúde dos indivíduos e ter consequências duradouras e de longo prazo. Maus-

tratos (MT) na infância referem-se a situações na qual a criança ou adolescente é exposto de forma repetida ou continuada a eventos que incluem situações de abuso sexual, físico, emocional e negligência de cuidados básicos de saúde, higiene e afeto32. Observa-se crescente número de estudos que reforçam os achados de que tais situações poderiam estar associadas ao aumento da vulnerabilidade, bem como do risco de desenvolver condições psiquiátricas, sendo o TUS um dos transtornos mais prevalentes32-34 .

figura 6: Impacto de experiências traumáticas e idade de início do uso de cocaína e crack (A) Observa-se a ocorrência de algum trauma no ínterim do primeiro uso de maconha e o primeiro uso de cocaína, indicando que um desfecho da experiência traumática pode ser a busca por cocaína e posteriormente pelo crack. (B) Comparação entre grupos de usuários de cocaína-crack com trauma precoce e trauma na idade adulta quanto à idade do primeiro uso de diferentes drogas. *: p<0,05.

AB

Álcool Maconha Trauma Cocaína

Adaptado de Tractenberg27.

Crack

Álcool MaconhaCocaínaCrack

No que diz respeito ao prognóstico, alguns estudos têm revelado que mulheres expostas aos MT apresentam elevados níveis de ansiedade, depressão e fissura no processo de desintoxicação quando comparadas às mulheres sem exposição aos MT33,40. Nesse sentido, é possível observar que mulheres usuárias de drogas com histórico de situações adversas na infância manifestam sintomas psiquiátricos mais intensos que mulheres usuárias sem o mesmo histórico. A vitimização também implica prognóstico clínico mais reservado33 . Não somente diferenciações no curso e prognóstico do tratamento têm sido identificadas em mulheres que passaram por situações adversas, alguns estudos mostram alterações relacionadas à visão de si e de mundo. Mulheres vítimas de MT têm baixo autoconceito, sentimentos de desvalia e visão negativa em relação ao mundo e sua perspectiva32,41 . Além disso, essas mulheres estão mais propensas a mostrar diminuída expectativa de que receberão o apoio necessário, bem como acentuada dificuldade de regulação emocional frente a situações estressoras42 .

Além do histórico de MT na infância presente em muitas mulheres usuárias de drogas, identificam-se outras situações de violência ao longo do desenvolvimento. Estudos ressaltam que mulheres usuárias de álcool e outras drogas ilícitas, tais como maconha, cocaína e crack, possuem histórico de revitimização na vida adulta, vivenciando situações de violência conjugal43,44. Uma das hipóteses para a revitimização é a dificuldade das mulheres em reconhecerem as situações de violência como tal, devido à “normalização” que ocorre quando se vive recorrentemente situações dessa ordem45 .

A reexposição a situações de violência acentua a baixa autoestima dessas mulheres, sentindo-se menos valorizadas e vulneráveis. Aliado a isso, o sentimento de vergonha presente em usuárias de drogas contribui para a subnotificação das situações de violência sofridas na vida adulta na rua ou no contexto familiar. Em estudo qualitativo que buscou avaliar a percepção de mulheres em tratamento para TUS sobre a violência, identificou-se que para essas mulheres a violência que sofriam estava associada à sua condição socioeconômica e com a sua maior “disponibilidade” sexual quando intoxicadas pelo uso de crack46. No que diz respeito à violência sofrida na rua, estudos com usuárias de crack mostram que mulheres que praticam a prostituição como forma de sustentar o vício sofrem ameaças e situações de violência física e sexual com mais frequência quando comparadas aos homens47,48 .

Outros achados reforçam a importância de investigações que relacionem tais aspectos. Por exemplo, mulheres que sofrem violência conjugal têm risco dobrado para o abuso de álcool e cocaína comparada com mulheres que não foram expostas a esse tipo de violência49,50. O uso de álcool e drogas pode surgir como uma tentativa de alívio ao sofrimento advindo do cenário de violência51 .

Percebe-se que a violência é um fator presente na realidade de mulheres usuárias de drogas. Entende-se que essas questões devem ser contempladas no atendimento e plano de tratamento individualizado, pois potencializam o risco para a recaída do uso de substâncias. Terapias integrativas desenvolvidas para abarcar concomitantemente os problemas relacionados ao uso de substância e os sintomas pós-traumáticos, bem como as alterações cognitivas e de regulação emocional subjacentes à coocorrência de ambos os diagnósticos, constituem uma proposta promissora52 .

Aspectos socioeconômicos

Na vida adulta, as dificuldades econômicas e sociais, como o desemprego e falta de recursos financeiros, também são fatores ligados ao início de uso de drogas. Sabe-se que mulheres tendem a fazer uso de drogas quando confrontadas com cenários de isolamento social, pressão profissional ou familiar. Identifica-se que as condições de vulnerabilidade social relacionadas à pobreza, exploração e aspectos culturais interferem de maneira significativa na dinâmica familiar53. Nesse panorama, percebe-se aumento de famílias que são chefiadas por mulheres. Essa mudança na estrutura da família tem consequências, uma vez que essa situação pode se configurar como uma vulnerabilidade econômica. A mulher se torna provedora, além de assumir funções domésticas, cuidado com os filhos e engajamento em trabalhos mal remunerados e informais, gerando dificuldades para garantir o sustento da família e sobrecarga de responsabilidades. Significativa parcela dessas mulheres possui histórias de gravidez precoce, instabilidade familiar, uso de drogas e abandono do cônjuge. Algumas também relatam histórico de violência conjugal53 .

Apesar de o uso de drogas não estar limitado a determinada classe socioeconômica, reconhece-se significativa parcela de indivíduos com TUS entre populações de baixa renda. Sugere-se que ambientes desfavoráveis e com poucas condições e oportunidades para o sustento podem levar o indivíduo a desenvolver estratégias de enfrentamento inadequadas para lidar com as adversidades e, por consequência, tornar-se mais suscetível ao desenvolvimento de TUS54 .

Entre as diferentes substâncias psicoativas, o consumo de crack está relacionado a uma série de condições socioeconômicas que favorecem a manutenção do uso. Por ser um

derivado da cocaína, possuir alto potencial de dependência e ter baixo custo e fácil acesso, o crack ganhou mais visibilidade e destaque no Brasil55. Por essa razão, estudos nacionais têm dado mais ênfase aos aspectos socioeconômicos relacionados ao uso de crack56,57 .

Indicadores socioeconômicos revelam distinções entre mulheres que fazem uso de crack em comparação a homens, como também em relação a mulheres que fazem uso de cocaína. Por exemplo, foi identificado que a proporção de mulheres usuárias de crack que vivem em situação de rua é maior em comparação a homens (51,61% e 27,67%, respectivamente); a média de escolaridade é baixa, 50% das usuárias de cocaína possuem ensino médio completo, porém 76,6% das usuárias de crack possuem apenas o ensino fundamental; 74,9% não têm vínculo empregatício devido à incompatibilidade do uso de crack com as exigências das atividades laborais, ao passo que 25% se encontram na mesma situação; o envolvimento em atividades ilegais como forma de sustento é prevalente, sendo a prostituição e os serviços de entrega de droga (aviãozinho) as atividades mais recorrentes entre as usuárias de crack24,58 .

No que diz respeito à constituição familiar, grande parte das mulheres usuárias de drogas possui histórico de saída da casa dos pais ainda jovens. Estudos que buscaram avaliar a situação familiar anterior ao uso de drogas sugerem vínculos familiares complicados. Evidencia-se histórico de desentendimentos com a família – anterior ou posterior ao início de uso de drogas – bem como situações de maus-tratos10,24,27. O casamento surge em idade prematura, assim como a primeira gravidez. A justificativa do casamento deve-se pela vontade de sair de casa ainda na adolescência. Após a dependência de crack, mulheres tendem a engravidar por manter relações sexuais com diferentes parceiros e com prática não segura, isto é, sem preservativo. Os filhos, em geral, são provenientes de pais diferentes e, em muitas situações, desconhecidos pelas próprias mulheres24 . Tendo em vista que os estudos exibem um perfil de usuária de crack caracterizado por fatores socioeconômicos específicos, é possível perceber que essas condições contribuem para mais vulnerabilidade dessa usuária no que diz respeito ao uso e à manutenção do consumo de crack. O contexto ambiental torna-se, portanto, um facilitador para o acesso e uso dessa substância.

Comorbidades clínicas e psiquiátricas

O uso de drogas é considerado um comportamento com consequências negativas para a saúde. Diversas evidências mostram complicações clínicas e psiquiátricas decorrentes do uso4,5. Estudos com usuários internados em unidades de desintoxicação indicam que mulheres manifestam mais comorbidades psiquiátricas quando comparadas aos homens. Mulheres com TUS são mais propensas a apresentar critérios diagnósticos para transtornos de humor e de ansiedade, transtornos alimentares, transtornos relacionados a trauma e estresse, além de transtorno de personalidade borderline59,60. Esses transtornos psiquiátricos também parecem ter associação com o início de uso de drogas, uma vez que são considerados antecedentes ao desenvolvimento de TUS61, embora essa relação causal não possa ser afirmada5,62 .

Estudo demonstrou que mulheres com episódio depressivo maior (EPM) têm risco sete vezes maior de desenvolver TUA no período de dois anos quando comparadas com mulheres sem EPM. A mesma relação não foi evidenciada nos participantes homens60. Outros achados revelaram que entre 30% e 50% das mulheres usuárias de drogas relatavam histórico de eventos traumáticos e/ou sintomas de transtorno do estresse pós-traumático

(TEPT)63,64. Prevalências superiores são encontradas quando avaliados apenas sintomas de humor e ansiedade sem necessariamente um diagnóstico associado27. Além disso, esses sintomas refletem mais impacto global de saúde em mulheres em comparação a homens65 .

A escolha do tipo de droga para lidar com sintomas psiquiátricos também é um aspecto que deve ser considerado. A escolha por determinada droga quando o indivíduo é acometido por comorbidades psiquiátricas pode ter associação com seu mecanismo de ação farmacológico66, indicando a hipótese de automedicação. Tal hipótese sugere que a dependência por determinada substância pode ser motivada pela tentativa de aliviar o sofrimento subjacente aos sintomas psiquiátricos experienciados. Não somente o uso de drogas ilícitas é identificado quando se refere à hipótese da automedicação. No Brasil, o consumo de medicamentos entre mulheres, principalmente estimulantes, benzodiazepínicos e analgésicos, é superior em comparação a homens, sendo seu uso justificado como uma tentativa de solucionar problemas de ordem física e mental que afetariam a saúde da mulher14 .

Ainda, algumas condições clínicas crônicas, como doenças cardiovasculares, respiratórias e diabetes, entre outras, têm sido associadas ao uso crônico de drogas32. Mulheres usuárias de tabaco, por exemplo, apresentam prejuízos acentuados no sistema imunológico que podem predispor o aparecimento de câncer de pulmão, ovário, mama, colo do útero e bexiga quando comparadas a homens fumantes67. Os danos na saúde global tendem a aparecer mais rapidamente entre as mulheres. Em usuárias de álcool têm sido identificadas taxas mais elevadas de cirrose hepática, hipertensão arterial, anemia, desnutrição, úlceras gastrintestinais e cardiopatias em comparação a homens que ingerem álcool em excesso4,10. Outras drogas como cocaína, maconha, tranquilizantes e estimulantes também revelam efeitos clinicamente mais prejudiciais em mulheres4. Como o uso de drogas tem relação direta com mais exposição a comportamentos de risco, como sexo sem proteção e prostituição, observa-se ainda uma relação entre tais comportamentos e o surgimento de doenças infeccionas como HIV e hepatite45,46. Portanto, as evidências indicam que a mulher com TUS não somente se encontra em vulnerabilidade para a manifestação de transtornos psiquiátricos adjacentes, como também apresenta efeitos deletérios sobre sua condição de saúde global. Ao pensar em uma avaliação geral da mulher usuária de droga, esses aspectos devem ser contemplados, uma vez que são agravantes que devem receber acompanhamento e tratamento adequado.

Prostituição e HIV

Quando se fala em comportamentos de risco deve-se considerar o uso de drogas, por si só, como um comportamento dessa natureza. Mesmo que não leve a quadro clínico de dependência, o usuário encontra-se exposto a diversas situações de risco em potencial, incluindo envolvimento com tráfico, criminalidade, situações de vitimização, prostituição e risco de contrair doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Sabe-se que o uso de substância é capaz de alterar a capacidade do indivíduo para avaliar o risco frente a uma situação. Para tal avaliação, é necessário o funcionamento íntegro de determinadas funções cognitivas essenciais para a inibição de comportamentos, percepção e processamento da informação e tomada de decisão que podem estar prejudicadas pelo efeito das substâncias68 .

As mulheres usuárias de drogas, diferentemente dos homens, possuem mais propensão a comportamentos sexuais de risco. Tanto o sexo sem proteção quanto os comportamentos

promíscuos estão presentes entre as mulheres em igual ou maior grau em comparação aos homens usuários. Somado a isso, a prostituição é vista pelas usuárias como uma forma de sustento para a dependência por drogas e pode potencializar situações de risco10,47 .

Em estudo realizado em São Paulo, 75 mulheres usuárias de crack foram entrevistadas e os resultados revelaram que a maioria delas não se recordava de quando havia iniciado a prática da prostituição. No entanto, recordavam que iniciaram com o objetivo de sustentar o uso do crack. Para manter o consumo diário, as mulheres relataram um a cinco programas, em média, por dia. A prostituição é percebida por muitas usuárias como um meio mais seguro (do ponto de vista legal) e rentável para garantir seu sustento quando comparada a alternativas ilegais, tais como assaltos e furtos24 .

Os comportamentos sexuais de risco explicam a associação entre consumo de drogas como o crack e a infecção pelo HIV. Na prática de prostituição, não há uma conscientização sobre a necessidade de uso de preservativos para prevenir a contaminação de DSTs, em especial o HIV24,58. O principal argumento para a não utilização de preservativos após a dependência do crack é o maior valor cobrado pelo programa24 .

É possível observar que o número de parceiros, a baixa escolaridade e o transtorno por uso de crack constituem-se como fatores de risco para a infecção pelo HIV. Em relação à saúde, por exemplo, a prevalência do HIV em usuário de crack é de 5%, o que representa oito vezes mais do que é encontrado na população geral, sendo uma das principais complicações relacionadas às altas taxas de mortalidade nessa população24 .

Adesão ao tratamento e desigualdade de gênero

Recentemente percebe-se mais conscientização dos profissionais e pesquisadores da área da saúde em relação à importância de se considerar questões de gênero nos planos para tratamento de saúde. O reconhecimento das diferenças biopsicossociais entre homens e mulheres e de suas implicações sobre a prevalência, comorbidades e tratamento de usuários de drogas fez com que o número de estudos com mulheres usuárias aumentasse nos últimos 15 anos69 . Apesar disso, ainda são encontradas dificuldades na adesão e manutenção do tratamento de usuárias com TUS, principalmente em programas de tratamento especializados para atender tais populações. Sabe-se que mulheres possuem menos probabilidade de ingressarem em programas de tratamento para TUS em comparação a homens69. Em vez de ingressarem em serviços especializados, o que se percebe é uma tendência entre essas mulheres a buscar tratamentos voltados para a saúde mental ou cuidados clínicos primários, salientando a importância de investigações sobre histórico pregresso e atual de uso de substância nesses serviços70 . Uma das razões que podem influenciar a reduzida adesão entre mulheres com TUS em unidades de tratamento específicas refere às lacunas existentes na saúde pública nacional. As estratégias de intervenção planejadas especificamente para a mulher usuária de drogas, bem como políticas públicas voltadas para o atendimento e melhoria do bem-estar da mulher, ainda são incipientes. As usuárias que desejam realizar um tratamento na rede pública, por exemplo, precisam enfrentar vários desafios durante o processo. Entre os desafios, pode-se destacar que não há núcleos de atendimento exclusivamente para a população feminina4, o que faz com que essas usuárias sejam obrigadas a compartilhar o espaço com usuários homens (sendo muitos deles responsáveis por expor essas mulheres

à violência física e sexual). Além disso, o atendimento prestado pelos profissionais muitas vezes revela déficits de capacitação71. Identifica-se também que o estigma social por parte dos profissionais é um fator que colabora para a desistência dessas mulheres à adesão ao tratamento, bem como dificulta o vínculo dessas mulheres com os serviços de saúde9 .

Os fatores de risco e vulnerabilidade apresentados ao longo deste capítulo contribuem para a baixa taxa de ingresso em unidades de tratamentos. Fatores socioculturais (estigma social, falta de apoio do companheiro e da família), familiares (cuidados com os filhos), gravidez, aspectos legais (problemas em relação à guarda dos filhos) e as complexidades frente a vários diagnósticos psiquiátricos acabam por afastar as mulheres de tratamentos adequados para o TUS5,58. Não incluir tais aspectos secundários ao TUS interfere na continuidade do tratamento. Assim, pesquisas que visam promover alternativas para proteger a usuária de drogas, compreendendo o fenômeno de vulnerabilidade psicossocial e de gênero, podem contribuir para um planejamento mais preciso de intervenções em saúde eficazes para essa população.

Conclusão

Este capítulo teve como objetivo explicitar os avanços do conhecimento científico sobre a dependência química e o cenário desse transtorno aplicado à população feminina. Percebe-se que ser mulher, por si só, já pode ser considerado um fator de risco e de vulnerabilidade para o início de uso e progressão para a dependência de drogas. Os aspectos que contribuem para isso são inúmeros, desde os sociais e culturais até diferenças biológicas e psicológicas inerentes ao sexo. Entender os TUS na população feminina ainda se mostra como um desafio para os estudiosos da área, pois se apresenta como um campo de investigação em potencial. Estudos voltados para a questão de gênero possibilitam melhor compreensão desse fenômeno e, mais que isso, permitem o desenvolvimento de estratégias de tratamento eficazes para atender a população feminina. O impacto da lacuna de conhecimento em relação ao tratamento de usuárias de drogas é percebido diretamente nas dificuldades em lidar com tal população tanto no que se refere ao tratamento quanto à manutenção da abstinência.

Compreender os fatores de risco e vulnerabilidade que expõem as mulheres ao uso drogas torna-se fundamental. É preciso avançar o conhecimento sobre esses fatores para desfechos clínicos, bem como para o prognóstico do transtorno e adesão ao tratamento. Diversos aspectos foram abordados ao longo deste capítulo, elucidando uma fragilidade psicossocial relacionada ao sexo feminino. Por fim, é importante ressaltar que existe um número limitado de estudos nacionais que contemplam mulheres e TUS. A literatura internacional possibilita mais acesso a informações relacionadas às especificidades relacionadas ao sexo, principalmente nos aspectos biológicos e psicológicos. Nesse sentido, mesmo que haja respaldo da comunidade cientifica internacional, é importante fomentar estudos nacionais capazes de proporcionar um panorama mais fidedigno sobre os fatores de risco e vulnerabilidade de nosso contexto sociocultural, bem como a realidade de tratamento e melhorias necessárias para essa população.

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Gestação e vulnerabilidade

Monica Zilberman Cynthia Wolle

O consumo excessivo de álcool e de outras substâncias tornou-se um problema global de saúde pública. Ele está relacionado a diversas doenças, lesões e envolvimento em situações de violência, como agressões, violência doméstica e acidentes automobilísticos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 3,3 milhões de pessoas morrem todo ano devido a problemas relacionados ao álcool. Além disso, o consumo prejudicial de bebidas alcoólicas está relacionado a mais de 200 doenças1 .

Historicamente, o consumo excessivo de álcool e de outras substâncias é considerado um hábito masculino, sendo incompatível com o papel doméstico tradicional da mulher. Pode-se notar significativa transformação dos papéis femininos na sociedade a partir da Segunda Guerra Mundial, quando houve expressiva entrada das mulheres no mercado de trabalho. Além disso, os movimentos feministas subsequentes trouxeram reivindicações pelos mesmos direitos e escolhas entre homens e mulheres, o que favoreceu a adoção de novos comportamentos femininos, como o de frequentar bares, aumentando as oportunidades de beber. Consequentemente, houve aumento na prevalência de mulheres com problemas relacionados ao uso do álcool e de outras substâncias, como o tabaco2 .

Os primeiros estudos sobre os transtornos relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas e outras substâncias foram realizados em amostras compostas prioritariamente de homens, o que prejudicou a compreensão do uso abusivo no universo feminino. Contudo, nas últimas décadas foram publicadas pesquisas abordando as taxas de incidência e de prevalência do consumo de substâncias entre as mulheres, além dos fatores físicos e psíquicos específicos dessa população.

Infelizmente, os resultados das pesquisas têm sido preocupantes. Nota-se aumento do consumo de bebidas e outras substâncias entre as mulheres, levando à convergência entre os padrões de consumo entre os sexos, principalmente entre os adolescentes3 .

Este artigo visa revisar os principais fatores associados aos transtornos relacionados ao uso de substâncias entre as mulheres, incluindo os aspectos biológicos, psicossociais e de intervenção, além das complicações na gestação e consequências ao feto.

Fatores Biológicos

Quando se comparam homens e mulheres no que se refere ao consumo de substâncias, notam-se várias diferenças. Em relação ao álcool, essas diferenças são explicadas, em parte, por fatores biológicos. As mulheres apresentam menos volume de água no corpo, levando à maior concentração de álcool no sangue. Além disso, elas possuem menos quantidade da enzima metabolizadora do álcool (álcool desidrogenase), contribuindo para o metabolismo mais lento da bebida e efeitos mais intensos4. A concentração do álcool no sangue também varia de maneira mais instável nas mulheres5. Portanto, mesmo ingerindo a mesma quantidade de bebida, as mulheres serão mais vulneráveis aos efeitos do álcool quando comparadas aos homens, com mais probabilidade de elas sofrerem reações desagradáveis e colaterais com a ingestão da mesma dose. Substâncias lipossolúveis, como o diazepam, também têm meia-vida mais duradoura nas mulheres6 .

Pode-se encontrar na literatura o “efeito telescópio”, fenômeno que descreve a tendência feminina a desenvolver a dependência do álcool de forma mais rápida e progressiva do que os homens, mesmo que elas comecem a beber em idade mais avançada do que eles7 .

Além da dependência propriamente dita, a maior sensibilidade ao álcool pode acarretar o desenvolvimento de doenças relacionadas ao uso abusivo (doenças cardíacas, gástricas, hepáticas, entre outras) de forma mais rápida nas mulheres, com mais morbidade e mortalidade do que as dos homens8 .

Em relação ao tabaco e outros estimulantes, as mulheres também desenvolvem a dependência de maneira mais rápida do que os homens. Alguns autores sugeriram haver relação entre os níveis de cortisol e os sintomas depressivos em usuários de cocaína e heroína, sendo essa associação mais pronunciada em mulheres, já que elas exibem maior concentração de cortisol9. A depressão é o transtorno afetivo mais encontrado nas mulheres usuárias. Também há evidências de efeitos de gênero na ação da metanfetamina, sendo as mulheres mais suscetíveis aos efeitos da substância na atividade locomotora. Essa diferença possivelmente ocorre devido à função receptora de dopamina, que se manifesta de forma distinta em homens e mulheres10 .

Fatores Psicossociais

Os fatores psicológicos estão fortemente associados ao consumo de álcool e drogas. A preocupação com a imagem e os sentimentos de ansiedade e timidez são alguns dos principais fatores relatados pelas mulheres usuárias. Entre as adolescentes, pode-se enfatizar o papel dos padrões de beleza impostos pela sociedade, contrastando com o momento de mudanças no corpo e de insegurança pelo quais elas passam. A preocupação com o peso induz ao aumento do uso de tabaco e de pílulas para emagrecer. O próprio medo de voltar a engordar pode ser um entrave à interrupção do uso. Os meninos, por sua vez, tendem a iniciar o uso por influência dos amigos e pelo sentimento de curiosidade11 .

A família também exerce papel importante em relação ao uso de substâncias entre os adolescentes. Famílias disfuncionais, com problemas de comunicação e de imposição de regras e limites favorecem o consumo de substâncias, enquanto as famílias mais estruturadas e afetivas geralmente são um fator de proteção contra o uso, principalmente entre as meninas; elas tendem a buscar nas famílias o apoio emocional diante de suas dificuldades pessoais, enquanto os meninos geralmente buscam apoio em seus pares12 . Já as mulheres adultas podem aumentar o consumo de substâncias por influência do parceiro amoroso, principalmente quando se trata de usuário de substâncias. O apoio do parceiro e da família é preponderante ao sucesso do tratamento, assim como a sua oposição pode levar a mulher a desistir do tratamento13 .

As meninas também tendem a se automonitorar mais quando bebem, com menos envolvimento em situações de violência, como brigas e atos de vandalismo, comparadas aos meninos. Além disso, elas geralmente expressam mais sentimentos de vergonha, culpa e depressão do que os seus correspondentes do sexo masculino após beber11 .

A vitimização é relatada com mais frequência entre as mulheres e está intimamente relacionada ao consumo de substâncias entre elas. No Brasil, foi demonstrado que há mais incidência de abuso emocional, físico e sexual nas mulheres dependentes de álcool. De acordo com os autores, a dependência de drogas em geral está mais associada ao abuso sexual do que à dependência de álcool14. Além disso, mulheres sob o efeito de álcool e/ ou substâncias muitas vezes são vistas como promíscuas, tornando-se mais vulneráveis ao abuso sexual e situações de violência, o que evidencia o julgamento moral ainda existente em relação ao consumo de álcool e outras drogas. Quando bebem, as mulheres tendem ao comportamento autoagressivo e a tentativas de suicídio, contrastando com a maior

propensão ao comportamento agressivo e altas taxas de homicídios observadas entre os homens11 .

Em relação aos idosos, as mudanças corporais, tornando-os mais vulneráveis a fraturas e quedas, e a “síndrome do ninho vazio” podem aumentar os quadros de depressão e, consequentemente, o aumento do consumo de álcool e do abuso de medicações (benzodiazepínicos), principalmente entre as mulheres15 .

Em países latinos como o Brasil, Peru, México e Colômbia, o uso de álcool está significantemente associado à relação sexual sem proteção. No Brasil, homens e mulheres exibem taxas semelhantes de relação sexual sem proteção quando estão sob o efeito do álcool. Entre as adolescentes brasileiras, podem-se notar associações significantes entre o uso de álcool e gravidez, além de mais probabilidade de contrair DSTs16 .

Em relação às comorbidades psiquiátricas, as mulheres usuárias de substâncias relatam taxas mais altas de transtornos do humor (por exemplo, mania e depressão), transtornos de ansiedade (por exemplo, fobias e transtorno do estresse pós-traumático) e transtornos alimentares, além de uso abusivo de tranquilizantes4,5 .

Mulheres usuárias de cocaína tendem a ter mais problemas psicológicos (e físicos) do que os homens17. Elas geralmente apresentam mais reatividade subjetiva e maiores escalas de estresse, nervosismo e dor do que homens usuários de cocaína, sugerindo possível especificidade de sexo quanto à reatividade de estresse17. O uso de cocaína foi identificado como um dos principais fatores relacionados ao início da prostituição18 .

Tanto as meninas como as mulheres estão mais propensas a ter transtornos psiquiátricos primários com dependência de substâncias secundária, em oposição à tendência masculina a apresentar dependência de substâncias como transtorno psiquiátrico primário4 .

As situações traumáticas também podem desencadear o consumo abusivo de substâncias entre as mulheres, eventos esses que podem envolver violência sofrida, separação, perda de filhos ou mesmo a sua saída de casa, perda de emprego, entre outros que envolvam sofrimento emocional exacerbado13 .

Consequências à saúde

O uso abusivo de álcool e de outras drogas pode trazer consequências nocivas à saúde das mulheres. Conforme descrito anteriormente, as mulheres usuárias de álcool estão em alto risco de desenvolver doenças cardiovasculares, hepáticas, gástricas, cognitivas e oncológicas. Com o comprometimento do fígado, aumenta a conversão de androstenodiona em testosterona, elevando seus níveis plasmáticos. As funções reprodutivas e sexuais ficam mais prejudicadas, com ausência da ovulação, diminuição dos ovários e infertilidade, além de diminuição na intensidade do orgasmo2 .

As mulheres usuárias de tabaco têm mais riscos de danos ao sistema imunológico, doenças cardiovasculares e câncer. A nicotina também pode interferir no ciclo menstrual e na produção de hormônios7 .

O uso de cocaína e de crack foi relacionado a alterações nos hormônios femininos, no ciclo menstrual e na fertilidade. As mulheres usuárias, em sua maioria, queixam-se de dores de cabeça, enquanto os homens usuários costumam relatar paranoia e agressividade7 .

Em relação ao uso de esteroides19, geralmente observado em adolescentes, os efeitos são diferentes entre os sexos. Mulheres tendem ao engrossamento da voz, irregularidade

menstrual e aumento do clitóris, sendo esses efeitos irreversíveis, mesmo com o cessar do uso. Já nos homens, os efeitos fisiológicos compreendem a diminuição da produção de esperma, a atrofia testicular e o aumento do busto. A saúde emocional das mulheres usuárias frequentemente é prejudicada, pois elas podem perder a guarda dos filhos e sofrer rejeição dos familiares e amigos. A busca pelo tratamento se torna mais difícil, considerando o preconceito ainda bastante evidente em relação a elas13 .

Gestantes

O consumo de álcool e de outras substâncias na gestação traz malefícios tanto à mulher gestante como ao feto. As substâncias mais consumidas no Brasil, como álcool, tabaco, maconha e cocaína, têm alto potencial de passagem pela barreira placentária, atingindo o feto em níveis séricos semelhantes aos da mãe. Além de prejuízos no desenvolvimento intrauterino e perinatal, a mãe também sofre danos decorrentes do uso abusivo de substâncias, como aumento da pressão arterial, alterações no comportamento e no humor e prejuízo na produção do leite materno20 .

Os dados epidemiológicos sobre o consumo durante a gravidez são mais difíceis de serem coletados, uma vez que a mulher geralmente omite as informações por vergonha de usar algo proibido ou medo das consequências legais decorrentes do uso. A falta desses estudos prejudica a elaboração de estratégias efetivas de prevenção e tratamento.

Um dos fatores de risco mais importantes é o status socioeconômico; as mulheres que vivem em contextos mais pobres, com falta de recursos e acesso mais fácil às drogas são mais propensas a usar substâncias durante a gravidez. A chance de recaída após o nascimento é grande e pode prejudicar o vínculo entre a mãe e o bebê. Entre as substâncias mais consumidas durante o período gestacional, o tabaco e o álcool são as mais relatadas21 .

Tabaco

O consumo de tabaco durante a gestação aumenta o risco de nascimento prematuro, retardo no crescimento, aborto espontâneo, síndrome da morte súbita do recém-nascido, além de complicações respiratórias na criança após o seu nascimento e déficit intelectual e de atenção. A nicotina possui efeitos cardiovasculares e vasoativos que interferem na liberação de oxigênio no tecido fetal, prejudicando o feto. Deve-se lembrar que o fumo passivo também prejudica a mãe e o recém-nascido, evidenciando a importância de se orientar tanto a gestante como seus familiares22 .

Álcool

Em relação ao álcool, não há consenso sobre qual o nível seguro para ingestão de bebidas durante a gestação. Contudo, há relatos de prejuízos ao feto mesmo com o consumo baixo. Algumas vezes, a mulher ainda não sabe que está grávida nas primeiras semanas, conferindo mais riscos à criança devido ao consumo mais elevado. Mulheres dependentes tendem a se manter abstinentes no início da gravidez, mas com recaídas no evoluir da gestação22. Os efeitos danosos ao recém-nascido incluem peso baixo ao nascimento, retardo do crescimento intrauterino, prematuridade e aborto espontâneo23, além de prejuízo cognitivo.

A principal consequência adversa do consumo de álcool durante a gestação é o transtorno do espectro alcoólico fetal, condição clínica que abrange a síndrome alcoólica fetal (SAF), a SAF parcial, transtornos do neurodesenvolvimento e defeitos congênitos relacionados ao álcool.

A SAF é caracterizada por:

• Retardo no crescimento tanto no útero como após o nascimento; • características físicas típicas, incluindo fissura palpebral curta, prega epicântica, nariz curto, microcefalia, lábio superior fino, entre outros; e • alterações no sistema nervoso central, com deficiência intelectual, retardo no desenvolvimento neuropsicomotor e comportamento irritadiço na primeira infância, prejudicando a amamentação e o vínculo entre a mãe e o recém-nascido24 .

As pessoas com SAF podem apresentar prejuízo nas áreas do controle emocional, coordenação, desempenho acadêmico, socialização e manutenção do emprego. Além disso, elas geralmente têm dificuldade em tomar decisões acertadas, repetem os mesmos erros, confiam nas pessoas erradas e não entendem as consequências dos seus atos25. Além da quantidade, da frequência e do estágio da gestação em que a mulher bebe, podem-se citar outros fatores de risco que influenciam a forma como a SAF irá afetar as crianças: o status socioeconômico baixo e a nutrição insuficiente, viver em cultura na qual o consumo de álcool em binge é comum e aceito, o cuidado pré-natal inadequado, o isolamento social e a exposição a altos níveis de estresse26 .

Maconha

No tocante à maconha, há relatos envolvendo principalmente prejuízos cerebrais ao feto, levando a déficit cognitivo, transtornos de conduta e distúrbios do sono. Já a cocaína, pelo seu alto potencial de transpor a barreira placentária, pode trazer efeitos adversos à mãe e ao recém-nascido. A gestante pode sofrer crises hipertensivas, aumentando o risco de pré-eclâmpsia. Também pode haver parto prematuro, aborto espontâneo e retardo no crescimento intrauterino. O uso de algumas substâncias, como a cocaína e os opioides, pode levar à síndrome de abstinência no recém-nascido durante os primeiros dias de vida, caracterizada por dificuldade de amamentação, problemas respiratórios, peso baixo ao nascimento, irritabilidade, hipertonia e óbito22,27 .

Intervenção

Quanto mais cedo forem detectados os problemas relacionados ao consumo de substâncias, melhores serão as chances de bons resultados. Infelizmente, até hoje esse problema ainda permanece subdiagnosticado entre as mulheres. Apesar de a busca pelos centros de tratamento ter começado a partir da segunda metade do século XX, até hoje as mulheres usuárias de drogas buscam menos o atendimento especializado do que os homens; essas dificuldades envolvem desde o preconceito social e o sentimento de vergonha e de culpa até as dificuldades de não ter com quem deixar os filhos e a falta de recursos financeiros2. Além disso, muitas mulheres acabam recorrendo ao atendimento de saúde mais generalizado e sendo atendidas por profissionais de saúde pouco preparados em relação ao consumo de substâncias, deixando o problema subdiagnosticado7 .

A detecção das diferenças entre os sexos em relação ao uso de substâncias pode melhorar a eficácia do tratamento. Alguns autores sugerem a criação de serviços especializados para as mulheres usuárias, considerando as diferenças na etiologia e no curso da dependência. Além disso, nos grupos de tratamento, detectou-se que os homens priorizam os assuntos legais e empregatícios, enquanto as mulheres priorizam os assuntos familiares e de saúde7,13.

Preditores do sucesso do tratamento

Há elementos que possivelmente estão ligados à falha ou ao sucesso do tratamento: gravidade do caso; motivação do paciente e apoio que ele recebe; qualidade do corpo clínico e programa do tratamento. No caso das mulheres, algumas barreiras prejudicam o sucesso do tratamento, contribuindo para as elevadas taxas de abandono do tratamento: fatores sociodemográficos (pobreza e idade mais nova), gravidade do uso e implicações legais severas e pior funcionamento psicológico. Por outro lado, as mulheres que recebem apoio da família e do seu parceiro amoroso tendem a mais adesão e ao sucesso do tratamento13. Profissionais do sexo feminino frequentemente são mais bem aceitas entre as mulheres usuárias, que se sentem mais confiantes e as recebem como um modelo positivo para a internalização de novos papéis. As adolescentes podem se beneficiar de tratamentos que promovam o envolvimento positivo dos pais e a integração com atividades das quais elas participem, como na escola e os esportes, e que reconheçam a importância das relações com os pares. O apoio dos amigos e dos familiares é fundamental para o sucesso do tratamento e os serviços de apoio e orientação à família são essenciais.

O questionário Tweak para avaliação do uso de álcool e outras substâncias em mulheres

A investigação sobre o uso de álcool e de outras substâncias é fundamental para que esse problema seja detectado o quanto antes. Uma ferramenta simples, mas extremamente útil, é o questionário TWEAK (acrônimo de tolerance, worry, eye-opener, amnésia e cut-down)28 , composto de cinco questões, sendo uma quantitativa e as demais com resposta do tipo sim/não. O Quadro 1 ilustra as questões e método de pontuação. Quando o entrevistado atinge dois ou mais pontos, ele é considerado possível de ter problemas relacionados ao consumo de álcool.

Fator de risco Você ingere bebidas alcoólicas?

Tolerance

Worry Eye Opener Amnesia K Cut Down Escores

Prejuízo cognitivo dos pais

Resultado de Pesquisas: Influências familiares alcoólico-específicas*

Se sim, por favor, responda

Quantas doses você bebe até começar a sentir os primeiros efeitos do álcool? Parentes e amigos têm se preocupado/reclamado de sua forma de beber? Você bebe logo pela manhã, às vezes? Às vezes, após beber, não consegue lembrar o que falou ou fez? Você às vezes sente que precisa controlar seu consumo de álcool? T: 2 pontos para 3 ou + doses; W: 2 pontos; E, A, K: 1 ponto. Dois ou mais pontos indicam potencial problema com álcool. Filhos de alcoolistas são mais prováveis de terem sido criados por pais com habilidades cognitivas empobrecidas e em ambiente sem estimulação. Fonte: adaptado de Russel et al.28.

Uma vez detectado o problema, a mulher poderá passar por intervenção breve caracterizada por orientação de médio e longo prazo. A avaliação dos problemas clínicos e de comorbidades psiquiátricas faz-se fundamental, bem como se deve evitar a prescrição de medicamentos com potencial de dependência (por exemplo, benzodiazepínicos) e a ingestão de grandes quantidades de medicação13 .

O primeiro passo do tratamento é a desintoxicação, realizada em nível ambulatorial ou de internação, dependendo da gravidade do caso. Nesse período em que deve ser promovida a motivação do paciente, técnicas como a entrevista motivacional, abordagens psicoeducativas e psicoterapia individual podem auxiliar. Temas como os principais transtornos decorrentes do uso, fatores de risco e de proteção, sintomas de abstinência, gatilhos para a recaída e técnicas para a sua prevenção devem ser abordados. A mulher muitas vezes terá de encontrar novas formas de lazer, recursos de enfrentamento e novos grupos de amigos. A autoimagem e a autoestima devem ser promovidas, pois muitas vezes estão prejudicadas nessa fase29 .

Os grupos de mútua ajuda para mulheres

Os grupos de apoio, como Alcoólicos Anônimos (AA – www.aa.org.br) e Narcóticos Anônimos (NA – www.na.org.br), já contam com grupos exclusivos para as mulheres em muitas cidades, além de haver grupos também voltados para os familiares. Ainda nesta fase, é comum haver recaídas e deve-se propiciar uma reflexão sobre as possíveis causas, para que sejam traçadas estratégias de prevenção. Caso as recaídas tornem-se muito frequentes, deve-se considerar tratamento mais intenso29 .

A última fase do tratamento envolve a manutenção da abstinência, ou seja, o tratamento de longo prazo. A mulher terá de aplicar todo o seu aprendizado, incluindo as novas formas para lidar com as situações adversas e adoção de um plano de emergência em caso de alguma mudança brusca. O apoio dos familiares e das pessoas próximas continua importante, principalmente nos momentos de crise13,29 .

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Infância e vulnerabilidade

Nina Roth Mota Sérgio de Paula Ramos Ângelo Americo Martinez Campana Claiton Henrique Dotto Bau

Quando, em 1895, Freud1 postulou sua primeira teoria sobre a natureza das neuroses, sustentou que elas eram decorrentes de possível somatório da constituição do indivíduo, suas vivências infantis e a existência de fator precipitante.

A consolidação da genética quantitativa, ainda na primeira metade do século XX, trouxe a representação matemática das inter-relações entre os múltiplos fatores de risco, explicando como genes e ambientes atuam de maneira complementar e não determinista. Percebe-se hoje que o progresso das neurociências a cada dia revela mais e mais não só a exatidão da assertiva freudiana, como avança na explicação dos mecanismos moleculares que permeiam o processo.

O presente capítulo irá discorrer sobre os fatores de vulnerabilidades (e de resiliência) para o desenvolvimento (ou não) de dependência química. Para tanto, em nome da didática, será dividido em (1) fatores constitucionais, aqueles herdados ou que nasceram com o indivíduo e (2) fatores que incidem na infância e adolescência, onde será examinado tanto o impacto de determinadas experiências infantis e sua associação com o ulterior envolvimento com drogas, quanto a existência ou não de comorbidades. Como o álcool é a droga mais usada no país, a ênfase recairá sobre ele.

Fatores constitucionais

Genéticos

Ao longo de décadas de pesquisa, acumularam-se evidências de que a suscetibilidade aos diferentes tipos de transtornos por uso de substâncias (TUS) resulta de influências genéticas e do ambiente. Quanto ao componente genético, parte dele é comum a várias substâncias, mas também há fatores genéticos de risco que são substância-específicos2-3 . Os mais estudados quanto ao aspecto genético são os transtornos por uso de álcool (TUA) e por uso de tabaco, daqui em diante referidos como alcoolismo e tabagismo, respectivamente.

Os estudos em famílias demonstram aumento de três a quatro vezes na prevalência do alcoolismo em parentes de primeiro grau de dependentes quando comparado a indivíduos da população geral4-5. Esse risco é aumentado mesmo quando a criança não foi criada pelos seus pais biológicos dependentes de álcool, tendo sido adotada por uma família em que não havia alcoolismo6. Além disso, as taxas de concordância de dependência de álcool (ou alcoolismo) são maiores em gêmeos monozigóticos do que em gêmeos dizigóticos7-8. A metanálise mais recente sobre herdabilidade estima a contribuição genética para a variação da suscetibilidade ao alcoolismo em torno de 50%9 .

Da mesma forma, pessoas adotadas têm probabilidade duas a cincos vezes maior de se tornarem fumantes se os irmãos biológicos (mesmo criados em ambientes separados) forem fumantes. Observou-se também que homens adotados têm mais probabilidade de se tornarem fumantes se sua mãe biológica for fumante10. No caso do tabagismo, a herdabilidade foi estimada em 75%11, enquanto para a dependência de cocaína, as estimativas variam entre 65 e 79%12-13. Os estudos com gêmeos e pessoas adotadas, embora demonstrem a existência de um componente genético, não permitem a identificação do mecanismo fisiopatológico e dos genes predisponentes aos TUS. Vale destacar que, no caso de proble-

mas multifatoriais, presume-se que existam muitos genes participantes, a maioria deles com pequeno efeito. Esse fato, aliado à grande heterogeneidade clínica, representa grande desafio para a identificação dos genes envolvidos. Apesar disso, os estudos genéticos de associação têm revelado resultados cada vez mais promissores.

Estudos de associação com genes candidatos

Os primeiros resultados robustos de associação genética com o alcoolismo vieram há mais de quatro décadas14, com variações nas enzimas responsáveis pelo metabolismo do álcool relacionadas a diferenças interpopulacionais na prevalência do alcoolismo. A enzima aldeído-desidrogenase (ALDH) converte o acetaldeído, o primeiro produto do metabolismo do álcool, em ácido acético. A deficiência dessa enzima provoca aumento no nível sérico de acetaldeído, composto tóxico, após o consumo de álcool. Indivíduos com variações genéticas afetando a ALDH tendem a beber menos, já que esse aumento do acetaldeído provoca uma reação desagradável, que inclui vasodilatação periférica, náusea, cefaleia e taquicardia. Metanálise sobre o papel dos genes ALDH2 e ADH1B incluiu 15 estudos, somando aproximadamente 2.000 casos e 2.500 controles chineses, japoneses, coreanos e tailandeses. O maior fator de proteção contra o alcoolismo foi uma variante do gene ALDH2, que em homozigose torna as pessoas nove vezes menos suscetíveis a desenvolver o TUA15. Também são muito importantes as variações genéticas nos genes responsáveis pela enzima álcool-desidrogenase (ADH), em especial o gene ADH1B.

A partir de 1990, ampliou-se a investigação de variações em outros genes candidatos, sobretudo aqueles expressos no cérebro. Uma das variantes genéticas mais estudadas na genética psiquiátrica, principalmente em relação ao TUS, é o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) Taq1A (T/C; rs1800497)16. Identificou-se pela primeira vez a associação do SNP Taq1A, identificado então como polimorfismo do gene do receptor de dopamina D2 (DRD2), com o alcoolismo. Essa foi a primeira evidência da associação entre genes de receptores de neurotransmissores e suscetibilidade ao TUS. Após esse achado inicial, centenas de outros estudos investigaram não só o papel desse polimorfismo em relação ao TUS e outros transtornos, mas também o seu possível efeito neurofisiológico para explicar tais associações.

Estudos de neuroimagem têm consistentemente indicado que indivíduos com TUS (incluindo dependentes de álcool, nicotina, cocaína, heroína, entre outros) apresentam diminuição significativa da disponibilidade de receptores de dopamina D2 na região estriatal do cérebro, a qual persiste mesmo após meses de desintoxicação17. Há também forte conjunto de evidências indicando que portadores do alelo A1 (T) do Taq1A têm a função dopaminérgica reduzida. Diversos estudos indicam que a presença desse alelo confere significativa redução (entre 10% e 40%) do número de receptores D2 em diferentes áreas cerebrais relacionadas ao estriado18-21. Esses achados sugerem que essa possa ser uma característica neurobiológica de predisposição ao TUS e que alterações relacionadas ao gene DRD2 poderiam estar associadas a processos comportamentais específicos que conferem vulnerabilidade ao abuso de drogas em geral.

Acreditava-se, até 2004, que o SNP Taq1A situava-se em uma região não traduzida a 3’ do gene DRD2. Revelou-se, posteriormente, que o polimorfismo Taq1A na verdade está situado em um gene próximo do DRD2, o ANKK1, desconhecido até então. Ainda que não esteja situado no DRD2, mas sim em sua vizinhança, há quatro metanálises corroborando a

associação entre Taq1A e o alcoolismo22-25. A mais recente metanálise incluiu dados de 61 estudos publicados entre 1990 e agosto de 2012, totalizando 9.590 casos e 9.140 controles25. Em relação ao tabagismo, três metanálises avaliando o papel do Taq1A obtiveram resultados conflitantes26-28, sugerindo que outros fatores podem influenciar essa associação.

Uma característica recorrente das metanálises em TUS é a evidência de heterogeneidade significativa entre os estudos incluídos. Diferenças quanto a sexo, idade, histórico familiar, gravidade da dependência, comorbidades e características de personalidade entre as amostras dos diferentes estudos são alguns dos fatores que podem estar contribuindo para tais achados. Outro fator importante identificado por Wang et al.25, que pode levar a tal heterogeneidade, é o efeito de possíveis interações gene-gene e gene-ambiente envolvendo o gene DRD2 (ou mesmo o ANKK1).

Além do sistema dopaminérgico, outros sistemas e genes candidatos também têm sido implicados. Merece destaque no TUA o gene que codifica a subunidade alfa 2 do receptor de ácido gama-aminobutírico (GABRA2), tendo uma metanálise recente apurado resultado significativo29. Na dependência de nicotina, há metanálises implicando os genes da proteína transportadora de serotonina (5-HTT/SLC6A4), da enzima de metabolização da nicotina CYP2A627 e do receptor nicotínico CHRNA530 .

Estudos de associação por varreduras genômicas

Nos últimos anos, o surgimento de novas tecnologias de análise genética permitiu o desenvolvimento dos estudos de associação por varredura genômica (GWAS – do inglês Genome-Wide Association Study). Essa tecnologia permite a análise simultânea de centenas de milhares a milhões de SNPs, favorecendo, assim, estudos em larga escala. Entretanto, por realizar número tão alto de testes estatísticos, as varreduras genômicas precisam de uma interpretação muito conservadora e convencionalmente adota-se um limiar de significância de p<5 x 10-8 . Vários GWAS já foram conduzidos na tentativa de identificar fatores genéticos associados à suscetibilidade ou a medidas quantitativas relacionadas ao alcoolismo31. Novamente aqui os principais achados envolvem genes relacionados a enzimas metabolizadoras de álcool, corroborando resultados prévios de estudos por genes candidatos. Associações significativas implicando o gene ADH1B no alcoolismo foram encontradas ao investigar tanto o diagnóstico de dependência de álcool em coreanos32 quanto medidas quantitativas baseadas no número de sintomas do transtorno em descendentes de europeus e de africanos33. Outro estudo indicou associação significativa com polimorfismos da região entre os genes ADH1B e ADH1C em amostra de homens alemães34. Além disso, GWAS conduzido em pequena amostra de homens chineses identificou associação significativa de dois SNPs do gene ALDH2 com o alcoolismo35. Além desses resultados relacionados às enzimas metabolizadoras de álcool, o primeiro GWAS de alcoolismo revelou associação significativa com SNPs na região cromossômica 2q35, a qual já havia sido implicada no transtorno por estudos tradicionais de ligação36 .

Os GWAS para tabagismo também têm corroborado os resultados de estudos prévios de associação por genes candidatos, especialmente em relação aos genes de receptores nicotínicos e com CYP2A6. A região cromossômica 8p11.21, onde se situam os genes de receptores nicotínicos CHRNB3 e CHRNA6, tem sido implicada no tabagismo por GWAS devido a associações significativas com dependência de nicotina37 e com a quantidade de ci-

garros consumidos por dia38. Diversos outros GWAS identificaram associações entre o agrupamento de genes de receptores nicotínicos CHRNA5-CHRNA3-CHRNB4, situado na região cromossômica 15q25.1, com dependência de nicotina39 e com quantidade de cigarros40,41 .

A associação do gene CYP2A6 no tabagismo também foi replicada em dois GWAS40-42. Além destes, GWAS relacionados ao tabagismo já implicaram outros genes, como, por exemplo, o BDNF (fumantes vs. nunca-fumantes)40, o DBH (fumantes vs. ex-fumantes)40; e mesmo uma região do cromossomo X em mulheres (Xp11.21; fumantes vs. nunca-fumantes)43 .

Exposição às drogas durante a gestação

Está bem documentado na literatura o impacto do uso de drogas durante a gravidez, ou seja, o seu efeito teratogênico. A síndrome fetal pelo álcool44, o baixo peso dos recémnascidos associado ao uso de tabaco, a inquietação e a irritabilidade associados ao uso de estimulantes e heroína são exemplos disso45. Trabalhos dos últimos 20 anos tentam esclarecer, no entanto, se a exposição a drogas durante a gravidez funcionaria como fator de risco para o desenvolvimento de dependência química no futuro.

Foltran et al.46, em sua revisão sistemática sobre exposição ao álcool durante a gravidez, concluíram que a mesma se associa a aumento de TUA na adolescência, possivelmente por ser capaz de “programar o cérebro” [as aspas são dos autores] na circuitaria do sistema cerebral de recompensa. Provavelmente fruto dessa “programação”47, encontraram que crianças de 11 anos, que foram expostas ao álcool durante a gravidez, tinham mais transtornos mentais, principalmente transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), e menos desempenho acadêmico que os controles. Mesmo em se tratando de ingestão baixa a moderada de álcool durante o período pré-natal48, encontraram aumento do risco de consumo regular de álcool e de usar drogas ilícitas em adolescentes de 11 a 17 anos (idade média=14,3).

Lester et al.49, ao estudar o uso de cocaína durante a gestação, sugerem três vias de ação: a) a toxicidade da droga sobre o sistema nervoso central do feto; b) a vasoconstrição das artérias placentárias; c) a alteração da expressão gênica que levaria à exposição do feto ao aumento de catecolaminas.

Este acarretaria uma alteração do funcionamento do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), resultando em aumento nas taxas de cortisol, redundando dessa ocorrência crianças com dificuldade em se controlar, portadoras de transtornos externalizantes que são fatores de risco para o uso precoce de drogas. Nessa mesma linha, Accomero et al.50 encontraram que crianças que tinham sido expostas à cocaína durante a gestação apresentavam menos controle sobre seu comportamento, aos sete anos, do que as demais. Min Mo et al.51 corroboram que a exposição à cocaína durante a gravidez associa-se ao ulterior desenvolvimento de transtornos externalizantes e, em meninas, ao início precoce da vida sexual; ambos, fatores de risco para o uso de drogas.

O panorama desses achados indica que a exposição, durante a gestação, ao álcool e outras drogas acarretaria impacto sobre o funcionamento do eixo HPA. Isso facilitaria o surgimento de crianças com baixo poder de controle, portadoras de transtornos externalizantes, tais como TDAH, transtorno de oposição desafiante e transtorno de conduta, os

quais são, por si sós, fatores de risco tanto para o consumo de álcool precoce, quanto para o uso de drogas.

Fatores que incidem na infância e na adolescência

Cuidados parentais

A psicologia psicanalítica teve o mérito do pioneirismo ao chamar a atenção sobre a relevância das funções maternas e paternas no desenvolvimento infantil. Assim, Freud52 , ao descrever o complexo de Édipo, destacou tanto a importância da mãe quanto do pai. Klein53 aprofundou essa investigação enfatizando o estudo das relações primitivas da mãe com seu recém-nascido, enquanto Winnicott54 e Mahler55 sistematizaram os diferentes papéis de cada figura parental e a complementaridade entre eles. É prudente, entretanto, enfatizar que o desempenho de tais papéis é independente de sexo/gênero do indivíduo, podendo assim, em princípio, tanto homens quanto mulheres desempenhar funções maternas e paternas.

Trabalhos das últimas décadas têm se concentrado em investigar o efeito de traumas ocorridos na infância e sua associação com o surgimento de doenças mentais. O modelo desse tipo de investigação compara crianças que foram negligenciadas ou mesmo abusadas, com crianças que não passaram por tais situações. Na maioria, os achados sinalizam tanto para associações com dependência química quanto com outras doenças mentais56 .

Crianças separadas de suas mães ao nascer tiveram prejuízo em seu desenvolvimento psicológico e mais associação com subsequente consumo de drogas57. Do mesmo modo, percebeu-se que pacientes dependentes de cocaína e heroína apresentaram altos níveis de negligência na infância, sintomas depressivos e níveis elevados de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) em relação ao grupo-controle. No mesmo estudo concluiu-se que tais resultados sugerem a possibilidade de que a experiência de negligência na infância e vínculo malconstruído mãe-bebê pudessem ter efeito persistente na função do eixo HPA, contribuindo para o desenvolvimento de dependência química58. Nessa mesma direção foram Lukasiewicz et al.59 e Gerra et al.60, que também encontraram associação entre negligência na infância e dependência de drogas ilícitas na vida adulta.

Molina et al.61, acompanhando crianças em famílias com alcoolismo presente em sua genealogia, concluíram que há associação entre densidade de alcoolismo na família e conduta externalizante dos filhos, tais como TDAH, transtorno de controle de impulso e de conduta e agressividade. Também conseguiram evidenciar que tais desfechos são mediados pelo tipo de maternagem e paternagem. Cuidados ativos por parte dos genitores reduziram a prevalência de alcoolismo nos filhos, neutralizando parcialmente o impacto de fatores de risco genéticos. Além disso, Gerra et al.62 demonstraram que a percepção, por parte das crianças, de baixo cuidado materno associou-se ao uso de drogas ilícitas. Já Bohnert et al.63 encontraram que melhor monitoramento, por parte dos pais, na infância resultou em menos experimentação de maconha na adolescência.

Ryan et al.64 , em revisão sistemática em que foram avaliados 77 trabalhos, verificaram que a redução do consumo de álcool por adolescentes é mediada pelo adequado monitoramento parental (disciplina e acolhimento caloroso), limitação na disponibilidade de álcool para a criança e desaprovação familiar para o beber na adolescência.

Portanto, há robusta evidência na associação existente, por um lado, entre crianças negligenciadas/abusadas e o ulterior envolvimento com drogas lícitas e ilícitas. Por outro, que o monitoramento adequado por parte dos pais, na infância, funciona como fator de proteção contra esse desfecho.

Transtornos externalizantes

Agrupam-se sob o título de transtornos externalizantes, na infância e na adolescência, aqueles evidenciados por determinadas características do comportamento em relação ao meio capazes de serem percebidas por um observador. Seu espectro varia desde um incremento da impulsividade e agressividade, passando por TDAH até transtorno de oposição desafiante e de conduta.

Ruiz et al.65 demonstraram, examinando 66 trabalhos em sua metanálise, que há robusta associação, em crianças e adolescentes, entre os transtornos externalizantes e o envolvimento ulterior com drogas. Posteriormente, Griffith-Lendering et al.66 comprovaram também que os transtornos externalizantes estão associados ao aumento do risco de se envolver com maconha na adolescência. E Storr et al.67 enfatizaram que problemas de conduta, em sala de aula, predizem uso de maconha na adolescência.

Bayrami et al.68 propõem que crianças com TDAH manifestam mais tendência ao uso de drogas na adolescência que os controles. E Harty et al.69, por seu turno, encontraram o mesmo, mas a associação foi mais forte entre aquelas com transtorno de conduta. Além disso, van Emmerik-van Oortmerssen et al.70, em metanálise, encontraram prevalência de 23,1% de TDAH em pacientes com TUS. O que esses achados têm em comum são deficiências no autocontrole emocional de seus portadores. Wilens et al.71 conseguiram demonstrar que tais crianças são mais propensas ao abuso de drogas. Por outro lado, Copeland et al.72, em estudo acompanhando indivíduos desde a infância até o início da vida adulta (até os 24-26 anos, aproximadamente), indicam que a presença de transtornos psiquiátricos em geral na infância levam a um aumento significativo do risco de desenvolver TUS na vida adulta (razão de chances = 5,1)72 .

Vão na mesma direção tanto os trabalhos que avaliam prevalência de TUS entre os portadores de outros diagnósticos psiquiátricos, como os que verificam taxas de outros diagnósticos psiquiátricos em portadores de TUS. Cerullo et al.73 haviam encontrado prevalência de 40% de TUS entre os bipolares. E Goldstein et al.74, em metanálise, constataram que as crianças com diagnóstico de transtorno bipolar, quando chegam à adolescência, passam a apresentar prevalência de TUS que varia conforme a amostra, de 16 a 39%. Confirmando, Frias et al.75, em recente trabalho, encontraram 31%.

O transtorno de ansiedade potencializa os de humor na associação com TUS. Assim, Wolitzky-Taylor et al.76 encontraram que ter transtorno de ansiedade relacionou-se, no seguimento, ao TUS numa razão de chance de 1,98 e a ter transtorno depressivo unipolar em 2,35. Quando ambos estão presentes, Boschloo et al.77 registraram que a razão de chance para que jovens com transtorno depressivo e ansioso tenham um TUS é de 2,69.

A precocidade do primeiro uso de álcool (antes dos 13 anos) e sua consequência

Zucker et al 56, em revisão sistemática sobre o tema, sintetizaram que o uso precoce de álcool está associado a prejuízo nos cuidados parentais, transtornos externalizantes, deficiências nas habilidades sociais, pertencimento a grupos de colegas com conduta des-

viante, uso de drogas por parte deles, uso de drogas pelos pais e morar com apenas um dos genitores.

A precocidade da experimentação de álcool, é um dos principais fatores de risco para o alcoolismo78, mesmo quando controlamos para outros fatores de risco. Isso provavelmente ocorre porque o álcool e as demais drogas, agindo sobre um cérebro imaturo, são capazes de promover alterações nos sistemas frontolímbico e frontoestriatal, que se relacionam ao controle de impulsos78,79. Esse fato explica por que o início precoce do uso de álcool (antes dos 13 anos) tem sido considerado forte preditor de TUA aos 16 anos81. E também por Hingson et al.82 terem identificado praticamente cinco vezes mais alcoolismo em indivíduos que tiveram sua primeira experiência com álcool antes dos 14 anos (48%) se comparados com os que o fizeram depois dos 21 anos (9%). Tais achados foram confirmados por uma variedade de outros estudos que também relacionaram uso precoce de álcool a ulterior transtorno por uso de álcool, tabaco e cannabis83-85 .

Conclusão

A vulnerabilidade para o desenvolvimento de TUS se dá por uma inter-relação complexa entre fatores genéticos e do ambiente, desde o período pré-natal, perdurando até a vida adulta. Os fatores de risco abordados neste capítulo atuam de maneira probabilística, e não determinística. Ou seja, em qualquer situação existe espaço para a prevenção ou, tendo o problema já se instalado, tratamento. Merecem destaque a necessidade de limitar a exposição precoce ao álcool, na infância e na adolescência, além do monitoramento dos pais e manejo de transtornos externalizantes.

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População em situação de rua e vulnerabilidade

Michelle Ralil da Costa Marianne Leal Nathalie Fantoni Leonardo Alves Ferreira Almeida Frederico Garcia

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