CONTEÚDO LOCAL QUE POSTURA ADOPTAR NUM ANO EM QUE COMEÇA A EXPLORAÇÃO DO GÁS NATURAL? INOVAÇÕES DAQUI COMO A ERA DIGITAL ESTÁ A MUDAR A CONCEPÇÃO DA CONFIANÇA NAS SOCIEDADES RETOMA STANDARD BANK PREVÊ RECUPERAÇÃO LENTA DA ECONOMIA E COM INFLAÇÃO ELEVADA
A BOLSA CHEGA À BOLA
Os clubes poderão tranformar-se em SAD, jogadores tornarem-se commodities e a transmissão dos jogos objecto de marketing... Como chegar a este patamar? EDIÇÃO MAIO - JUNHO 15/05 a 15/06 • Ano 05 • Nº 49 2022 • Preço 250MZN
MOÇAMBIQUE
RENOVÁVEIS CONFERÊNCIA MMEC DEBATE POTENCIAL DO PAÍS NO CONTEXTO DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
6
OBSERVAÇÃO
Inflação Subida dos Combustíveis e Alimentos Ameaça Estabilidade das Famílias e Empresas em 2022 e 2023
10 OPINIÃO EY “O Cenário Económico de Moçambique: Sinais de Nácar”, Gonçalo Arroja, Manager EY Moçambique
73ÓCIO 74 Escape À Descoberta de Bordéus, a Cidade dos Monumentos 76 Gourmet Uma Vigem Pelas Índias do Moksha 77 Adega Vinhos Brancos de 2021: Difíceis na Vinha, Frescos no Copo 78 Empreendedorismo Zero Waste Moz, a Arte de Fertilizar a Terra Através da Compostagem 81 Arte “Três Dedos e Três Cores” que Deram vida à Exposição do Artista Plástico Diogo Luís Daniel 82 Ao volante do Triumph Tiger 1200, o Mais Novo Símbolo da Revolução dos Motociclos
13 ESPECIAL ENERGIAS RENOVÁVEIS 14 8ª Edição MMEC Conferência Sobre Mineração, Petróleo, Gás e Energia Discute Estratégia do País para a Transição Energética 20 R Solution’s Engenharia Um Investimento Cubano voltado para a Gestão e Consultoria nas Renováveis e Eficiência Energética
22 OPINIÃO Absa “Uma Política de Conteúdo Local Robusta para a Nova Era dos Megaprojectos”, Hermano Juvane, Responsável pelo Sector de Oil & Gas do Absa Bank
24 CONTEÚDO LOCAL Pontos nos “is” Sobre um Tema sem Consensos
30 NAÇÃO FUTEBOL 32 Criação das SAD Como Transformar Clubes em Empresas? Família do Desporto Aponta os Obstáculos para Levar Avante a Proposta da Bolsa de Valores 38 BIG “O Retorno do FMI a Moçambique”, Líria das Dores Álvaro Nhavotso, Directora de Tesouraria e Mercados do Absa Bank Moçambique 40 Clubes na Bolsa Salim Valá, PCA da BVM, Descreve o Processo Que Possibilitaria a Rentabilização do Futebol e o Impacto na Economia 44 SAD no Mundo O Poder que o Futebol Foi Adquirindo de Produzir Riqueza Para as Economias
48 OPINIÃO “Vai negociar sem um “Plano” B? João Gomes - Partner @ JASON Moçambique
51 ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI 52 Confiança na Era Digital As Sociedades Estão a Mudar a Forma Como Estabelecem a Confiança Entre Si e Com as Instituições 56 Proinco A Plataforma que Faz a Diferença na Captação de Investimentos Internos e Externos
60 OPINIÃO “A Importância da Integração dos Softwares de Gestão na Gestão do Risco das Organizações”, Ricardo Velho, da Insite, e Paulo Borges, Consultor em Cibersegurança
62 MERCADO E FINANÇAS Standard Bank Moçambique Prevê Uma Tímida Recuperação da Economia a Partir do Presente e Com Elevadas Perspectivas de Aceleração da Inflação
66 MERCADO E FINANÇAS Responsáveis do Representante Oficial da Toyota Moçambique, CFAO, Antevêm Aumento de Vendas e Lançamento de Novas Marcas no País
70 BAZARKETING “prESSENCIAL”, Thiago Fonseca, Sócio e Director de Criação da Agência GOLO, PCA do Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
EDITORIAL
Celso Chambisso Editor da Economia & Mercado
Uma Nova (Entre Nós) Indústria. É o Que se Espera
A
o longo das últimas três décadas, o futebol (bem como alguns outros desportos) foi-se transformando em algo muito maior do que apenas um motor de inclusão e igualdade através do espectáculo. Tornou-se num dos mais importantes factores de criação de riqueza e desenvolvimento. Os clubes desportivos mais competitivos do mundo, principalmente os da Europa, acumulam centenas de milhões de dólares de receitas anuais com a venda de passes de jogadores, constroem infra-estruturas imponentes, firmam contratos de patrocínio com marcas de renome acumulando mais e mais riqueza e gerando biliões em dividendos. Por fora, o futebol também contribui para o fortalecimento de outros mercados, como o das transmissões televisivas e das apostas, e estabelece um importante cordão com o resto da economia. Tudo isto não acontece por acaso. É resultado de um trabalho que consiste em identificar, no futebol, o potencial com força suficiente para criar interesse dos detentores de capital para investir. Em várias partes do mundo, os clubes converteram-se em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), isto é, deixaram de se preocupar apenas com o espectáculo proporcionado pelo bom futebol e em ganhar jogos, passando a agregar a componente empresarial que os tornou empresas. Os clubes estão, hoje, envolvidos em negócios tão bem-sucedidos que, pelo volume de capital que movimentam, existem federações que já equacionam que passem a ser tutelados pelos ministérios da Economia ou das Finanças, e não pelos do Desporto. Cá, toda esta realidade é ainda um sonho recente,
4
que ganhou forma em 2015, quando foi aprovado o Regime Jurídico das SAD. Mas a intenção só ganhou força nas últimas semanas, quando a Bolsa de Valores de Moçambique elaborou uma proposta detalhada e dirigida aos clubes, incentivando a sua transformação em SAD. A ideia é replicar a experiência internacional, em que estes passam a ser cotados em bolsa e ficam acessíveis a pequenos ou grandes investidores. Sucede, entretanto, que os clubes nacionais, grosso modo, estão tão longe dessa realidade que eles mesmos não depositam muita fé na transformação. A E&M ouviu diversas entidades ligadas ao futebol nacional, que deixaram clara a sua dúvida, dada a sua condição actual — não formam atletas, a maior parte dos clubes não tem infra-estruturas em dia, outros nem as têm, e também não existe a cultura de gestão dentro dos padrões requeridos. Tudo isto torna longa a distância para o pleno aproveitamento do potencial do futebol como fonte de receita para a economia nacioanl. Mas a BVM, mesmo ciente dos obstáculos, acredita na transformação e já trabalha para tornar real a criação das SAD no desporto nacional, naquilo que o respectivo PCA, Salim Valá, considera tratar-se de uma “missão bem estudada”. Há falta de preparação dos agentes desportivos, sim, mas também existe, cada vez mais, um sentido de urgência em entrar neste novo mundo que a Bolsa de Valores de Moçambique pretende abrir, tendo já iniciado o caminho para que os clubes, as federações, o Executivo e todos os tomadores de decisão estejam integrados neste sonho. Aguardemos para ver se a jogada termina em golo.
15 MAIO | 15 JUNHO 2022 • Nº 49
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos pedro.cativelos@media4development.com EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso JORNALISTAS Ana Mangana, Hermenegildo Langa, Ricardo David Lopes, Rogério Macambize, Rui Trindade, Yana de Almeida, Filomena Bande PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Mariano Silva REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos ÁREA COMERCIAL Nádia Pene nadia.pene@media4development.com CONSELHO CONSULTIVO Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Narciso Matos, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Media4Development Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com IMPRESSÃO E ACABAMENTO Minerva Print - Maputo - Moçambique TIRAGEM 4 500 exemplares EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE Media4Development NÚMERO DE REGISTO 01/GABINFO-DEPC/2018
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
OBSERVAÇÃO
Moçambique, 2022
Inflação Ainda Vai Disparar Uma combinação de factores poderá expor o País a uma cada vez maior subida do nível geral de preços e do custo de vida ao longo deste ano. Os receios de aumento da inflação são alimentados pelos preços globais do petróleo, 70% mais elevados numa base anual, e pelos preços inflacionados dos alimentos — ambos acentuados pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Em Moçambique, o fenómeno está já a gerar pressão para mais um agravamento do custo dos combustíveis, o que poderá ocasionar a subida contínua do nível geral de preços, a começar pelos transportes, e depois afectar os custos de produção das empresas e o poder de compra das famílias. Analistas mundiais acreditam que o barril de petróleo deve ficar nos 100 dólares em média neste ano, podendo elevar ainda mais os custos de abastecimento das empresas, daí que não se possa esperar, para tão já, o alívio da pressão inflacionária. Recorde-se que, recentemente, o FMI também anunciou a previsão de uma subida acentuada da inflação (de uma média em torno de 5% para 9%). Mas estimativas do Rand Merchant Bank (RMB), parceiro bancário corporativo e de investimento do Banco FirstRand (do qual o FNB Moçambique é parte integrante), acredita que a inflação deverá média de 2022 deve ultrapassar a barreira dos 10%. FOTOGRAFIA D.R.
6
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
7
RADAR
Finanças
Taxa de juro de referência em Moçambique sobe para 19,1%
Economia
FMI e Banco Mundial poderão financiar o Estado moçambicano com 770 milhões USD em 2022 É o regresso de duas das principais instituições financeiras internacionais que, em 2016, decidiram suspender a assistência financeira ao Orçamento do Estado, devido à descoberta das “dívidas ocultas”. Da parte do FMI já há uma certeza. O Conselho de Administração da instituição financeira internacional aprovou um pacote de financiamento de 470 milhões de dólares norte-americanos que deve ser pago dentro de dez anos a uma taxa de juro de zero por cento. “O juro a ser pago é basicamente zero. Existem algumas taxas e isso também é uma questão transparente que pode ser vista na página (electrónica) do Fundo”, explicou o representante residente do Fundo Monetário Internacional em Moçambique, Alexis Meyer-Cirkel. O valor emprestado ao Estado moçambicano será disponibilizado a partir do próximo mês de Junho e terá uma duração de três anos, acompanhados de reformas a serem feitas pelo Governo, que, na verdade, são a condição do empréstimo. Mas o Governo espera que o Banco Mundial retome o financiamento do Orçamento de Estado ainda este ano. O valor inicial a ser disponibilizado, de acordo com o Ministro da Economia e Finanças, poderá ser de 300 milhões de dólares. “Esperamos, para breve, que o Banco Mundial já venha apoiar directamente o Orçamento do Estado com o pacote inicial de 300 milhões de dólares a partir deste ano e estamos também em processo de mobilização de mais parceiros, que precisavam deste sinal para formalizarem os apoios que temos em carteira”, anunciou, recentemente, o Ministro da Economia e Finanças, Max Tonela. A expectativa, agora, é que outros parceiros de apoio se juntem a estas duas instituições em breve.
8
A taxa de juro de referência para as operações de crédito em Moçambique sobe 50 pontos base para 19,1% a partir de Maio corrente, após sete meses sem alterações, anunciou a Associação Moçambicana de Bancos (AMB). A taxa calculada pela AMB e pelo Banco de Moçambique tem por base um indexante único (calculado pelo Banco Central), que passa de 13,3% para 13,8%, e um prémio de custo de 5,3% (definido pela AMB), que se mantém inalterado. A subida acontece depois de o Banco de Moçambique ter decidido
aumentar a taxa de juro de política monetária no final de Março, o que influencia a fórmula de cálculo. A criação de uma taxa única de juro de referência para as operações de crédito, conhecida por ‘prime rate’, foi acordada entre o Banco Central e a AMB em Junho de 2017, para eliminar a proliferação de taxas de referência no custo do dinheiro. Na altura, foi lançada com um valor de 27,75%, que desceu 865 pontos base desde então. O objectivo é que todas as operações de crédito sejam baseadas numa taxa única.
Extractivas
Câmara Africana de Energia diz que gás nacional pode satisfazer a procura global
Segundo a Câmara Africana de Energia, o gás de Moçambique tem potencial para satisfazer a procura regional e internacional. No entanto, os atrasos no desenvolvimento de projectos de gás, causados pela instabilidade militar no País, continuam a travar a expansão deste mercado. O crescimento do mercado de gás do País em 2022 e nos anos seguintes será uma mudança de jogo para o mercado africano de hidrocarbonetos e ajudará a
colocar o continente numa trajectória de se tornar um centro energético mundial, de acordo com as Perspectivas da Câmara Africana de Energia 2022. Numa altura em que a produção de gás em toda a África precisa de aumentar para satisfazer a crescente procura de energia, factores como o financiamento inadequado em novas actividades de exploração e produção (E&P) e a diminuição da produção em projectos antigos estão a desafiar a capacidade dos países africanos produtores de hidrocarbonetos para expandir a produção de gás. A Coral FLNG permitirá produzir 3,4 milhões de toneladas por ano (mtpa) de gás para exportar para a Europa e Ásia em 2022. Além disso, os projectos de 12,8 mtpa de GNL da TotalEnergies Moçambique e de 15,2 mtpa de GNL da Eni e ExxonMobil Rovuma têm o potencial de transformar o mercado regional de gás.
Divisas
Aprovada a revisão da Lei Cambial em Moçambique O Governo apreciou e aprovou a proposta de revisão da Lei Cambial a submeter à Assembleia da República. Trata-se de um instrumento que visa ajustar o regime jurídico vigente ao estágio actual de crescimento económico do País com o objectivo de reduzir a burocracia existente na realização de operações cambiais, tornando o mercado cada vez mais célere e alinhado com as mudanças tecnológicas a favor da fluidez do tráfego das re-
lações comerciais internacionais. A Lei Cambial actual, n.º 11/2009, de 11 de Março, vigora há 13 anos após ser revista de modo a adequá-la aos padrões de funcionamento de um mercado de livre circulação de pessoas, bens e serviços e permitindo pagamentos e transferências nas transacções correntes internacionais e demais aspectos correlacionados. A Lei Cambial anterior a 2009 vinha vigorando desde 04 de Janeiro de 1996. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Negócios
Governo desembolsa 690 milhões de meticais para conter quedas de receitas em empresas participadas
O Ministério da Economia e Finanças (MEF) afirma que o Governo desembolsou, para as empresas do ramo dos transportes do sector empresarial do Estado, 690 milhões de meticais para fazer a compensação da redução drástica das receitas devido ao Covid-19. No seu Relatório de Gestão dos Fundos do Covid-19,
referente ao exercício económico de 2020, recentemente divulgado, o MEF explica que o desembolso foi feito em função das medidas tomadas em observância do limite de passageiros com base no número de assentos, tendo sido pagos subsídios às empresas de transportes público e aéreo. De acordo com o jornal Notícias, o MEF informa que houve a canalização de outros 690 milhões de meticais para a Agricultura, tendo o valor sido usado na compra de insumos agrícolas para Pequenas e Médias Empresas (PME). O valor foi transferido para o Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável (FNDS) que estabeleceu uma parceria com o banco Moza, assumindo este o papel de instituição financeira responsável pela linha de crédito.
Investimento
Duas empresas lançam empresa conjunta para 29 países africanos em negócio de mais de 3 Mil milhões
A Sanlam, maior companhia africana no sector financeiro não bancário, e com presença no mercado moçambicano, e a Allianz, um dos líderes globais de seguros e gestão de activos, decidiram combinar as operações no continente africano, com o objectivo de construir a maior entidade pan-africana de serviços financeiros não bancários. As duas marcas associam-se para actuação conjunta em 29 países africanos – a Namíbia será acrescentada numa fase mais adiante e a África do Sul fica excluída da parceria –, www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
criando uma joint-venture com valorização combinada (equity value) estimada em 2 mil milhões de euros. Além de condicionada à obtenção das devidas autorizações regulatórias em diversas jurisdições, a empresa resultante deste acordo ainda não foi denominada, o que será anunciado na altura devida. Segundo adianta ainda um comunicado no website da Sanlam, a nova entidade será presidida em regime rotativo, a cada dois anos, por representantes de uma e outra sócia.
9
OPINIÃO
O Cenário Económico de Moçambique: Sinais de Nácar?
N Gonçalo Arroja • Manager | Assurance Services | EY Moçambique
Os primeiros sinais de nácar parecem ser o regresso do FMI a Moçambique... Este apoio terá, contudo, novas condições que visam evitar a repetição dos erros do passado, nomeadamente condições assentes na transparência da gestão e aplicação dos fundos e um foco no aumento da robustez das entidades públicas
10
a Natureza, a formação de uma pérola no interior de uma ostra é espoletada por um contexto de adversidade. Quando “invadida” por grãos de areia, a reacção de uma ostra consiste na produção de nácar. Acumulado em diversas camadas esféricas concêntricas, o nácar forma uma pérola. A formação do actual modelo económico moçambicano teve início em 1984. A adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) foi um dos factores que sustentou a adopção de um modelo económico centralizado. Estes foram os alicerces que potenciaram o lançamento, em 1987, do Programa de Reabilitação Económica. Nas décadas seguintes, o apoio e influência do FMI permitiram a inclusão do País no Programa de Alívio a Países Pobres Altamente Endividados. A inclusão de Moçambique neste Programa revelou-se como essencial na redução da dívida pública de cerca de 6 mil milhões de dólares em 1998 (153% do PIB) para 3,5 mil milhões de dólares em 2006 (49% do PIB). “Os grãos de areia” Em 2008 teve início o programa de financiamento e apoio às políticas nacionais, que visava consolidar a recuperação económica de Moçambique. Apesar do arranque promissor do programa (que permitiu ao País atingir uma taxa de crescimento do PIB de 6,7% em 2015), o mesmo acabou por ser suspenso com a saída do FMI em 2016. Os impactos deste primeiro grão de areia geraram uma desaceleração do crescimento económico nos anos seguintes, que em 2019 se situou nos 2,3%. Neste contexto de adversidade económica, o surgimento da pandemia Covid-19 intensificou os desafios e dificuldades que o País atravessava, sendo que as restrições e medidas preventivas observadas a nível mundial impactaram os níveis de produção globais e limitaram as cadeias de fornecimento por todo o Globo. Como consequência deste no-
vo grão de areia, Moçambique observou em 2020 uma redução de -1,2% do PIB, e o défice na balança comercial agravou-se para -2,29 mil milhões de dólares. Quando, no final de 2021, a economia moçambicana parecia demonstrar os primeiros sinais de recuperação das sucessivas vagas pandémicas, surge o mais recente grão de areia: a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Num cenário já turbulento de pressões inflacionistas globais, no meio do aumento dos preços dos produtos alimentares e da energia e da perturbação das cadeias de abastecimento na sequência da pandemia coronavírus, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia veio agravar as tensões da oferta e da procura mundial, ameaçando a recuperação e o crescimento económico global. “Sinais de nácar?” Os primeiros sinais de nácar parecem ser o regresso do FMI a Moçambique. No âmbito do programa Extended Credit Facility (ECF), celebrado recentemente entre o FMI e o Governo, o FMI prevê disponibilizar um montante até 470 milhões de dólares nos próximos três anos para efeitos de apoio à economia. Este apoio terá, contudo, novas condições que visam evitar a repetição dos erros do passado, nomeadamente condições assentes na transparência da gestão e aplicação dos fundos e um foco no aumento da robustez das entidades públicas. Alexis Meyer-Cirkel, representante do FMI em Moçambique, confirma que o programa ECF visa apoiar a estabilidade macroeconómica, potenciando um crescimento sustentado e inclusivo que reduza os níveis de pobreza no País. Por um lado, as condições definidas pelo FMI prevêem reformas ao nível da receita pública, por via de alterações na Administração Fiscal e no código do IVA, que estimulem o investimento directo do estrangeiro. Por outro, existe um foco na contenção da despesa pública, que assenta parcialmente na recém-aprovada reforma da massa salarial do Estado e na aprovação de uma Lei do Fundo Soberano. Os sinais de nácar parecem manifestar-se também com a confirmação da rewww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O FMI retoma o apoio ao País com foco numa série de mudanças na cooperação bilateral toma do projecto de cerca de 20 mil milhões de dólares anunciada pela multinacional francesa TotalEnergies. O projecto localizado na costa Norte do País foi inicialmente suspenso em virtude da instabilidade gerada pelo conflito político-militar na Província de Cabo Delgado, estando agora prevista a sua retoma no final de 2022. O aparente aumento da estabilidade na região, alavancado no apoio militar internacional demonstrado pelo Ruanda e pelos países membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), parece suportar a decisão da retoma do projecto, que se estima vir a produzir anualmente cerca de 13,1 milhões de toneladas de gás natural liquefeito (GNL). O desenrolar da realidade deste projecto poderá ainda suportar a decisão final da ExxonMobbil em desenvolver um projecto de maior dimensão no futuro próximo. A acumulação concêntrica de ambas as camadas de nácar parece estar, contudo, condicionada à conjugação das condições definidas pelo FMI com o potencial dos projectos de GNL. Acelerada pewww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
lo aumento global dos preços do gás, a aprovação de uma Lei do Fundo Soberano será essencial para gerir e aplicar, de forma transparente, a receita gerada pelo gás natural. Recentemente, Max Tonela, Ministro das Finanças de Moçambique, confirmou que o Governo se encontra a finalizar a proposta de Legislação para o Fundo Soberano que irá assegurar a gestão da receita de cerca de 96 mil milhões de dólares associada à exportação de GNL. Estima-se que o Fundo inicie as suas operações em Outubro de 2022, e que, do total das receitas do fundo, 50% sejam reaplicadas no mesmo, enquanto os restantes 50% sejam alocados ao Orçamento Geral do Estado (OGE) durante os primeiros 20 anos de produção de gás natural. “Visões de pérola” No presente cenário torna-se assim fulcral que os apoios do FMI e as receitas do gás natural alocadas ao OGE sejam direccionados para a estimulação do investimento directo estrangeiro e ao combate de temas estruturais como a pobreza,
a criação de emprego e no sector da educação. Embora o potencial para a formação de uma pérola Moçambicana seja claro, a sua materialização irá, em último lugar, residir na capacidade dos líderes nacionais se elevarem aos erros cometidos no passado e na sua habilidade de potenciar o nácar existente na criação de um ecossistema económico robusto, que permita endereçar os principais temas estruturais que o País enfrenta. Fruto de uma longa experiência no mercado Moçambicano, e de uma vasta presença no continente Africano, conhecemos bem a realidade e os desafios das economias emergentes. Na EY, temos vindo a acompanhar, com crescente expectativa, as perspectivas de futuro para Moçambique, contribuindo activamente no apoio ao tecido empresarial privado e do Estado. Cientes de que a visão de uma pérola moçambicana é um desafio conjunto para o País, encaramos com entusiasmo a oportunidade de reforçar o nosso apoio à capacitação e desenvolvimento dos recursos nacionais, em prol do futuro que todos ansiamos para Moçambique.
11
RANKING
12
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
especial energias renováveis 14
RENOVÁVEIS EM DESTAQUE NA MMEC
Na antevisão da 8ª Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo, Gás e Energia (MMEC), o representante do evento para Moçambique, Daúd Jamal, assegura que as renováveis serão tema de destaque, na perspectiva da estratégia nacional para a transição energética
18
OPINIÃO
A Importância da Gestão de Risco das Organizações”, Ricardo Velho e Paulo Borges
20
LOGOS INDÚSTRIA
Um Empreendimento que Prioriza o Acesso e a Eficiência Energética
22
PANORAMA
As Notícias Sobre Energias Renováveis no País e lá Fora
8ª EDIÇÃO MMEC
“Somos Chamados a Pensar na Transição Energética” A 8ª Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo, Gás e Energia, nos dias 2 e 3 de Junho, tem como pano de fundo o desenvolvimento sustentável em toda a cadeia de valor mineral e energética, mas com foco específico num futuro cada vez mais dominado pelas renováveis TEXTO Celso Chambisso • FOTOGRAFIA Mariano Silva
A
E&M falou com o representante nacional da Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo, Gás e Energia (MMEC, na sigla em inglês), Daúd Jamal, não só para uma antevisão dos aspectos referentes à organização e aos temas que serão levados à mesa dos debates, como para entender o espaço que será atribuído à implementação das energias renováveis no País perante a corrida pela redução das emissões do carbono. A MMEC é uma reunião que, desde a sua génese, foi bastante concorrida, reunindo stakeholders do sector energético e da mineração de todas as partes do mundo. No ano passado, por exemplo, e apesar da pande-
Quando se concebeu a ideia de realizar o MMEC, qual era o objectivo que se pretendia? Como é que o País estava no que diz respeito à exploração de recursos minerais e energéticos e como estamos agora, depois de sete edições desta conferência?
É preciso lembrar que aquando da primeira edição, em 2008, nem mesmo as minas de carvão de Moatize, em Tete, tinham sido inauguradas. O País acabava de sair de um Projecto sobre cartografia, financiado pelo Banco Mundial e outros parceiros, que foi importante em termos de transmissão de conhecimento geológico adquirido e deu a conhecer as potencialidades geo-
“A transição energética é uma oportunidade para que as empresas, seguindo as tendências recentes, introduzam tecnologias mais limpas para uma actividade mineira limpa”, Daúd Jamal mia, registou uma participação significativa com temas que reuniram até 300 participantes. Este ano, a previsão é de que a participação seja ainda maior a avaliar pela manifestação de interesse e pelas confirmações recebidas pelos organizadores. Em termos organizativos, este evento, que se realiza bienalmente desde 2008, voltará a ser presencial, depois de no ano passado ter sido realizado virtualmente devido ao Covid-19, sendo que será simultaneamente transmitido nas plataformas virtuais. Daúd Jamal, representante nacional da MMEC e geólogo de profissão, garante que as discussões sobre a expansão das renováveis no País não passarão ao lado deste grande evento.
14
lógicas nacionais. Era preciso, numa primeira fase, dar a conhecer ao mundo sobre essas potencialidades e mostrar, paralelamente, que o quadro regulatório moçambicano é favorável. Portanto, embora não tenhamos dados oficiais, é possível ver e constatar que de lá para cá a indústria mineira cresceu bastante. Então, o nosso foco inicialmente era mostrar o potencial moçambicano, o quadro fiscal regulatório da indústria extractiva e energética e depois fomos evoluindo para questões relativas ao ambiente de negócios. E à medida que fomos progredindo, as temáticas sobre a Energia foram ganhando mais destaque. Com a descoberta do gás, a tendência dos últimos anos foi de trazer temáticas sobre Conteúdo www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
15
8ª EDIÇÃO MMEC Local, cadeias de valor e Sustentabilidade Ambiental. Desde o início estivemos em sintonia com o Governo porque esta conferência nasceu da parceria com a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos e com a Associação Geológica - Mineira de Moçambique. As temáticas eram discutidas com essas instituições nacionais e também com consultas ao Ministério dos Recursos Minerais e Energia.
Pela abrangência da própria conferência nota-se uma transversalidade temática desde a Mineração à Energia, que inclui recursos como o petróleo e o gás. Quais são os desafios que se pretende atacar dentro dessas áreas, cujas soluções se vão discutir neste encontro?
Em termos energéticos temos um grande desafio não só para Moçambique, mas ao nível global que é a substituição das fontes de combustíveis fósseis. Como organizadores da conferência vemos um potencial bastante elevado. Sabemos que entre as grandes fontes energéticas do País, além das fontes renováveis, temos o carvão e o gás e somos chamados a pensar na transição energética. Por isso, queremos trazer ao debate ideias sobre como o País pode entrar nesse desafio global. Temos também questões locais para esta conferência, ligadas à indústria extractiva, porque esta também consome energia e é bastante intensiva, pelo que precisa de energia de fontes renováveis. Queremos levar estes temas à discussão porque a transição energética assenta também em tecnologia, elevado consumo e utilização de minerais. Moçambique detém grandes reservas mundiais de grafite e tem potencial para a produção de lítio. Então, temos o dilema de querer participar desta transição ao mesmo tempo que temos o desafio de saber como extrair todos os recursos disponíveis. Na conferência vamos discutir a avaliação do ciclo de vida dos projectos mineiros para aferir como é que estes podem enquadrar componentes das energias renováveis. Poder-se-á discutir o ciclo de vida de projectos mineiros, como por exemplo da grafite, e as oportunidades de adição de valor à produção nacional. Se conseguirmos acrescentar valor aqui e transportar produtos acabados, integrando fontes alternativas de energia renováveis, poderemos contribuir para este grande desafio da transição energética.
16
“ Temos muito potencial, temos energia solar, eólica, hídrica, biomassas... penso que os sinais são claros de que o Governo moçambicano está engajado na transição energética” Que lugar será atribuído ao carvão neste momento em que as organizações ambientais internacionais começam a limitar a sua utilização para reduzir as emissões de carbono?
A situação em Tete talvez seja um pouco mais complexa porque sabemos que as minas de carvão, geralmente pela natureza orgânica, contêm quantidades elevadas de gases que podem escapar para a atmosfera. A própria queima do carvão gera gases de estufa e eventuais problemas ambientais. Se aprofundarmos a avaliação
dos ciclos de vida dos projectos mineiros, podemos introduzir componentes e processos tecnológicos de forma a que esses problemas de emissões de carbono sejam minorados. Essa transição energética é uma oportunidade também para que as empresas, seguindo as tendências recentes, introduzam tecnologias mais limpas para uma actividade mineira mais limpa. São necessários minerais e elementos químicos, como a grafite, o lítio, cobre, cobalto, etc, para alimentar as novas tecnológias da transição energética, mas também temos o problema do próprio consumo energético desse processo extracção e processawww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
mento deste mineral. Então, se fizermos uma análise clara e adoptarmos tecnologias mais apropriadas e mais limpas, podemos participar de melhor forma no processo de transição.
Mas a solução tecnológica para utilizar as energias fósseis com menores índices de emissão de carbono deve sair cara.
Se olharmos o ciclo de vida de uma mina (25 a 30 anos, podendo ser muito mais), o investimento inicial é elevado, pois as tecnologias e equipamentos são caros. A utilização de painéis solares ao nível doméstico também ainda é cara para a maior parte da população. Mas, olhando para o tempo de vida de uma mina, pode ser uma aposta de longo prazo bastante rentável sob o ponto de vista económico e de sustentabilidade.
Qual é o estágio de preparação deMoçambiqueparaassegurar www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
a auto-suficiência energética, quer por fonte solar ou outras fontes?
Acho que o País está a dar passos bastante estruturantes. A aposta nas energias renováveis é bastante clara, principalmente no que toca a energia fotovoltaica. Assistimos, nos últimos dois ou três meses, à inauguração de projectos para a produção de energia e a lançamentos de concursos para a construção e exploração de sistemas fotovoltaicos. Isso é um sinal de que o País está a entrar ou a preparar-se para o desafio da transição. Se a memória não me trai, o Presidente da República disse que faz parte dos desafios de Moçambique para os próximos 15 anos fazer com que, na matriz energética, 20% seja de energias renováveis. Temos muito potencial, temos energia solar, eólica, hídrica, biomassas... penso que os sinais são claros de que o Governo está engajado na transição.
Como é que o Governo e as empresas privadas podem incentivar a inclusão das PME dentro da cadeia de valor quer da mineração, quer das energias? Primeiro, aqui em Moçambique não se fala muito, mas pelo mundo fala-se do conceito do life Cycle Assetments, que tem que ver com o ciclo de vida do projecto. Se isto for feito nos grandes projectos, será possível identificar fases do processo produtivo e componentes que vão permitir integração e aproveitamento pelas PME. E porque tudo isso é feito no contexto de sustentabilidade ambiental, biofísica, social, etc, é possível nessa análise integrar as PME no contexto do debate sobre Conteúdo Local. Acredito que uma análise criteriosa de cada uma das fases do processo produtivo, principalmente a identificação das componentes que podem ser colocadas à disposição das PME para a sua exploração, pode ajudar a indústria local a participar no desenvolvimento da cadeia de valor da industria extractiva.
17
EMPRESA RANKING
R SOLUTION’S ENGENHARIA
Quando as Renováveis Vão ao Encontro de Quem não tem Luz A R Solution’s Engenharia é especializada em projectos de energia renovável, com foco no desenvolvimento, gestão e consultoria de projectos de eficiência energética TEXTO Filomena Bande • FOTOGRAFIA Mariano Silva
D
e investimento cubano, o seu fundador e administrador, Adrián Suárez Olivares, aposta nas renováveis pela constatação de que estas têm, actualmente, um mercado bastante amplo ao nível global e, em especial, em Moçambique, onde grande parte da região não tem cobertura da rede de energia. Mas não é apenas por isso. É uma oportunidade, digamos, que acabou por também ser inspirada pelo seu percurso profissional.
18
Logo após a sua criação, em 2017, a empresa buscou ligações a outras do mesmo ramo e foi graças a estes consórcios que começou a executar projectos que permitiram a sua consolidação como um dos actores de relevo no ramo das renováveis com apenas um ano de existência. A empresa faz a instalação de centrais fotovoltaicas e redes para alimentar comunidades que não são abrangidas pela rede empresa pública da Electricidade de Moçambique (EDM). Já ao nível doméstico, trabalha mais com clientes que
já têm algum sistema de energia renovável e que querem remodelá-lo. Entre os maiores projectos da R Solution’s consta a execução de uma central fotovoltaica em Kalanga, distrito da Manhiça, em 2019. No ano seguinte trabalhou com outra empresa num projecto de rede de distribuição de uma central fotovoltaica com impacto sobre centenas de milhares de consumidores daquele distrito. Ou seja, trabalha de acordo com a especificação e o pedido de clientes e parceiros. Na componente de consultoria, www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
B
EMPRESA R Solution’s Engenharia FUNDADOR E ADMINISTRADOR Adrián Suárez Olivares ANO DE FUNDAÇÃO 2017 COBERTURA Sul do País TRABALHADORES Dez fixos e dez sazonais
atende apenas às necessidades de privados que não tenham formação na área ou pessoal qualificado para os projectos que lhes são encarregues. Sobre a existência de cada vez maior número de provedores de serviços no ramo das renováveis, Adrián Suárez Olivares não vê qualquer ameaça por entender que permite a oferta de uma gama diferenciada de produtos e serviços. “Não devemos fazer essa análise olhando apenas para Maputo. Fora da Capital é onde há mais pessoas que precisam desses serviços. Se se pudesse posiciowww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
nar um operador em cada ponto do País seria muito bom. Há espaço suficiente para todos e, dentro desse espaço, há diversos serviços, alguns que só comercializam produtos e não entram no campo para executar, outros que executam projectos, mas não fornecem materiais, outros só fazem consultorias e por aí em diante. Portanto, isso abre espaço para todos”, argumentou. Até agora, a R Solution’s cobre apenas a zona sul do País, visto que só tem presença física em Maputo. Mas Adrián Olivares garante que a empresa está prepa-
rada para, de acordo com a solicitação, ir ao encontro dos clientes em qualquer ponto dentro e fora de Moçambique. O administrador da R Solution’s conta que a maior dificuldade que enfrenta no exercício da sua actividade está na logística. “Há projectos que precisam de material específico e temos grandes dificuldades na sua importação, sobretudo porque grande parte dos projectos que executámos foi em plena pandemia. Há projectos que acabam levando mais do que o tempo previsto pela demora na importação do material”, lamentou.
19
RANKING PANORAMA POWERED BY
Produção
EDM entra no negócio de energias renováveis para ampliar a oferta A empresa pública Electricidade de Moçambique (EDM) está a investir na diversificação da matriz energética através do fomento de projectos de energias limpas e renováveis. O objectivo da empresa é aumentar os níveis de produção de energia e garantir a sua qualidade, fiabilidade e segurança. Segundo Marcelino Gildo, Presidente do Conselho de Administração da EDM, com apoio dos parceiros de cooperação e de negócios, está-se a
viabilizar a implementação do projecto da Central Térmica de Temane de 450MW, a maior a ser construída no País após a independência. Com esta central, a EDM acredita que estão a ser criadas condições para a ocorrência de investimentos industriais em Moçambique, consolidando-se também o posicionamento do País como pólo regional de geração de energia eléctrica na África Austral, sem contar com a aceleração da meta de cobertura universal até 2030.
Sustentabilidade Renováveis
Mina de grafite Balama aposta na transição energética A mina de Balama, uma das maiores minas de grafite do mundo, localizada na província de Cabo Delgado, e que tem reservas estimadas em 1,15 mil milhões de toneladas de minério com 10,2% de grafite, é o primeiro grupo de minas a concentrar-se na prioridade da transição energética, aprovando a instalação de um sistema de energia híbrida de baterias solares, a ser implementado em breve. Em média, o sistema de armazenamento de energia solar de 11,25 MWh e a bateria de 8,5 MW/MWh (BESS) a ser instalada em Balama reduzirá o consumo de gasóleo para produção de energia em 35%. Durante as horas de pico do dia, o sistema de baterias solares será capaz de fornecer até 100% das necessidades energéticas da mina, aproveitando o elevado potencial de irradiação solar. Espera-se que o sistema de energia renovável poupe aproximadamente 510,64 meticais por tonelada. O sistema de bateria solar foi aprovado pelo Conselho de Administração da Syrah Resources, actual detentor do conceito de exploração, e está programado para entrar em funcionamento e estar operacional antes do final de Março de 2023. Para este projecto, conta-se com a intervenção do CrossBoundary Energy, financiado pelo ARCH Emerging Markets Partners’ Africa Renewable Power Fund (ARCH ARPF).
20
Startup quer produzir hidrogénio verde a partir do ar do deserto
A Aqua Aerem, uma startup australiana, consegue transformar o ar do deserto em água, obtendo hidrogénio verde. De acordo com a Aqua Aerem, o seu projecto, que está ainda numa fase experimental, utiliza tecnologia comprovada para produzir uma quantidade de hidrogénio verde suficiente para ser comercializada. De forma muito simplificada, a empresa pretende aspirar o ar quente do deserto para uma máquina e arrefecê-lo para que o vapor de água condense e passe ao estado líquido. A tecnologia da startup será alimentada por energia solar, facilitando o processo, uma vez que se trata de uma fonte
renovável e abundante no deserto. Apesar de parecer que o ar do deserto não resulta numa boa quantidade de água, a média em Outubro, o mês mais seco, é de 23%, aumentando este valor para 45%, em Janeiro. A partir de agora, o projecto da Aqua Aerem, designado Desert Bloom, conta com o apoio do gigante do petróleo japonês, Osaka Gas, que juntar-se-á à startup no desenvolvimento das instalações. O acordo entre as duas empresas inclui a gestão do projecto, engenharia, apoio técnico e identificação de clientes para negociação da venda do hidrogénio verde. A startup conta ainda com o apoio do Governo australiano e o financiamento do Sanguine Impact Investment, baseado em Singapura. A Desert Bloom será construída utilizando unidades modulares portáteis de produção de hidrogénio de 2 MW. Além disso, ser-lhe-ão adicionadas unidades de produção de água, painéis fotovoltaicos, um electrolisador e um aquecedor solar térmico – quanto mais quente estiver o ar, mais humidade este reterá.
Expansão
Distrito de Marrupa terá central fotovoltaica Iniciam, em Junho próximo, as obras de construção de uma central de energia solar fotovoltaica de 15 megawatts, no bairro do aeroporto, município de Marrupa, na província do Niassa. Orçado em cerca de 44 milhões de dólares, o projecto visa impulsionar o desenvolvimento do distrito de Marrupa. Financiado pelo Governo de Israel, o pro-
jecto é executado pela Diocese Anglicana de Lichinga, e a fase construção poderá empregar 140 trabalhadores, sendo 25 na fase de operação da central. Segundo a Administradora do distrito de Marrupa, Isabela Jemisse, o projecto vai aumentar a oferta de energia e melhoria do ambiente de negócio para as comunidades. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
21
OPINIÃO
Hermano Juvane • Responsável pelo Sector de Oil & Gas do Absa Bank Moçambique
A
elaboração de uma política de conteúdo local e o desenvolvimento de empresas locais continuam a ser temáticas pertinentes na economia moçambicana. Embora existam definições ambíguas e conflituantes de conteúdo local no seio das diferentes instituições, a maioria concorda que isso deve traduzir-se em valor económico agregado. Do ponto de vista do valor económico agregado, o facto de um subcontratado de um mega projecto estar a pagar salários a funcionários locais, adquirindo bens e serviços de fornecedores locais e a desenvolver talentos locais para exercerem funções executivas e de gestão sénior seria o factor mais importante. Para além disso, os esforços devem traduzir-se em benefícios económicos para as mulheres e para os jovens. Isso não deve de forma alguma minimizar a importância de garantir que as participações das entidades subcontratadas sejam maioritariamente detidas por pessoas locais. Embora não seja realista esperar que a indústria local esteja já pronta para atender à maioria dos contratos mais complexos dos mega projectos, os marcos foram muito encorajadores. Antes da declaração de “Força Maior”, após o agravamento das insurgências na província de Cabo Delgado, a TotalEnergies havia se comprometido em adquirir até US$ 2 mil milhões em bens e serviços por via de empresas locais durante a fase de desenvolvimento nos cinco anos do campo de Gás Natural Liquefeito (GNL) de Moçambique. O sector financeiro testemunhou o benefício económico das empresas durante o processo, com a transformação das pequenas empresas em empresas de médio porte devido ao volume de negócios. Antes da declaração de “Força Maior”, a história do mega projecto de Petróleo e Gás do País estava centrada principalmente na Bacia do Rovuma, o qual pre-
22
Uma Política de Conteúdo Local Robusta Para a Nova Era dos Megaprojectos via uma expansão por toda a costa dos países da Africa Subsaariana. Em economias africanas mais desenvolvidas, como o Ghana, vimos o projecto de petróleo Jubilee de US $ 8 mil milhões impactar positivamente a economia, com uma visível contribuição dos sectores Agrícola, Industrial e de Serviços, para o PIB do país. Uma das histórias de sucesso de conteúdo local do Ghana é a Flat C Marine Services, a primeira embarcação marítima de propriedade integral do Ghana no sector de petróleo e gás. O Absa Bank tem sido um parceiro fundamental no desenvolvimento desta embarcação, que atende ao projeto da Tullow Oil. Esta história de sucesso da Flat C Marine poderá estimular a nossa economia a
A maioria dos contratos para as obras mais complexas e altamente especializadas... são adjudicados a subcontratados internacionalmente considerar o próximo nível de desenvolvimento de conteúdo local. Como exemplo, projectos complexos de Petróleo e Gás exigem estruturas internas e externas de plantas de processamento. O desenvolvimento de fabricantes de aço locais em provedores de serviços especializados pode tornar os players locais elegíveis para contratos superiores a US$ 50 milhões. Muitas histórias de sucesso semelhantes nos esperam também no nosso País. O anúncio de mais de 120 trilhões de pés cúbicos (TCF) na Bacia do Rovuma colocou o País no mapa. O Mozambique GNL e o Rovuma GNL estimam custos de investimento total entre 45 a 50 mil milhões de dólares, muito superiores ao PIB da economia. Desde en-
tão, o Governo de Moçambique e entidades do sector de Petróleo e Gás estão comprometidos com a criação de ideias e projectos para o desenvolvimento de programas que impulsionem a indústria local para atender os megaprojectos. Nos últimos dois a três anos, houve anúncios de entidades de propriedade local que adquiriram certificações internacionais para os bens e serviços que fornecem. Isto dá-lhes vantagem competitiva e permite-lhes competir internacionalmente por vários projectos além do sector de Petróleo e Gás. Dito isto, ainda haverá obstáculos relacionados com o know-how e com a capacitação que deverão ser superados. A jornada de Moçambique para se tornar um dos principais exportadores mundiais de gás natural ainda se irá estender para além dos principais blocos da Bacia do Rovuma. O anúncio da 6ª ronda de licenciamento ocorreu em Novembro de 2021 para 16 blocos, distribuídos pelas bacias do Rovuma, Angoche, Zambeze, Delta e Save. Os seis operadores pré-seleccionados para os respectivos blocos são a ExxonMobil, TotalEnergies EP, ENI, Petro China, Sinopec International Energy e China National Offshore Oil Corporation. A maioria dos candidatos licenciados para os novos blocos de O&G (não operacionais) são entidades que já desempenham um papel no sector da economia, como Qatar Petroleum, ONGC Videsh e Sasol Africa. Espera-se que os licitantes enviem as suas propostas finais até Agosto de 2022, pois os licenciados vencedores serão publicados a 30 de Novembro de 2022. Antes disso, houve anúncios públicos sobre os eventuais projectos de perfuração de exploração no bloco A5A de Angoche liderados pela ENI e a Energi Mega Persada (EMP) atingiu marcos positivos durante a fase de perfuração de exploração no bloco do Búzi. Estes desenvolvimentos recentes apontam pawww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Os projetos de Oil & Gas pagam cerca de 10% do investimento a fornecedores locais ra os anúncios esperados de mais reservas comprovadas de hidrocarbonetos ao longo da costa do País. Depois disso, ocorrerão os anúncios das decisões finais de investimento (FID) entre centenas de milhões e biliões de dólares para o desenvolvimento desses futuros campos de petróleo e gás. Para honrar o seu compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em 30% até 2030 e emissões líquidas zero até 2050, o Grupo Sasol aprovou um investimento a rondar os 20 a 23 mil milhões de randes para a transição do carvão para o gás na sua planta petroquímica de Secunda. Além da demanda existente de cerca de 292 bilhões de pés cúbicos (BCF) de gás natural liquefeito (GNL) do reservatório de Inhassoro PSA da Sasol na Província de Inhambane, a última transição Secunda deverá desencadear a decisão de investimento de $420 milhões na Matola GNL, terminal operado pela Beluluane Gas Company (BGC), uma joint venture entre Gigajoule e TotalEnergies. Os programas de desenvolvimento de conteúdo local existentes traduziram-se em contratos de empresas locais para serviços menos especializados, como restauração, fornecimento de produtos consumíveis, Equipamentos de Protecção Individual (EPI), bem como a distribuição de equipamentos e máquinas fabricadas fora de Moçambique. Embora isso possa ser percebido como um marco, a preocupação permanece, do ponto de vista económico, de agregação de www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
valor, pois o destino dos recursos será para fornecedores no exterior. O crescimento da demanda de longo prazo por esses bens deve levar as empresas locais a considerarem investir em fábricas e linhas de montagem de produtos, como os EPI, e produtos de consumo local. O que iria gerar mais emprego e aumentar as receitas fiscais geradas para o Governo. Este é um exemplo de micro e pequena escala de como fomentar empresas e indústrias locais. A maioria dos contratos para as obras mais complexas e altamente especializadas, como o projecto e engenharia das plantas de liquefacção de GNL, fornecimento de turbinas a gás, engenharia e construção dos sistemas submarinos dos megaprojectos complexos, são adjudicados a subcontratados internacionalmente. Em muitos casos, o facto de as indústrias locais não estarem preparadas para fornecer esse nível de especialização abriu espaço para que as operadoras de Petróleo e Gás sejam concedidas num regime específico, que permite que uma percentagem considerável das transacções do projecto ocorram no exterior. Em termos práticos, isso significaria que contratos de biliões de dólares seriam concedidos a entidades sediadas no exterior, onde tanto o operador de petróleo e gás como o principal subcontratado são não residentes e os pagamentos seriam feitos a partir de jurisdições no exterior. Se Moçambique fosse tão industrializado quanto o que classificamos como uma economia de ren-
da média, isso significaria que uma percentagem significativamente maior dessas actividades económicas passariam a ocorrer dentro da indústria local. Esse é, obviamente, o resultado desejado da implementação das iniciativas de desenvolvimento de conteúdo local. Em jeito de conclusão, há muitas lições a serem aprendidas e muitas áreas a desenvolver e melhorar rumo à implementação do conteúdo local, que, por sua vez, se traduzirão no desenvolvimento da economia do País. Dos megaprojectos de Petróleo e Gás existentes, cerca de 10% do capital de investimento é pago a fornecedores locais. Os desenvolvimentos recentes nas rondas de licenciamento indicam que veremos aprovações de investimentos de megaprojectos multibilionários nas próximas décadas. Algumas medidas que poderão ser tidas para melhorar o nosso cenário de conteúdo local são: • Os fazedores de políticas de conteúdo local deverão pensar numa abordagem de capacitação das empresas nacionais para que possam fornecer bens e serviços ao sector; • Criação de programas para transferência da manufactura e produção de bens e serviços para a economia local, para bens como PPE, produtos de consumo. As linhas de montagem de máquinas também poderão ser um caminho a percorrer; • Embora as empresas estrangeiras do Oil Field Service (OFS) tenham formado joint ventures com entidades locais, incentivos governamentais mais fortes para tais parcerias podem resultar em mais conhecimento e no surgimento de empresas OFS de propriedade moçambicana; • Metas anuais de volumes de contratação local específicas por megaprojecto, emprego de recursos nacionais para funções semiqualificadas, qualificadas e executivas. Definição de metas realistas, dada a capacidade da indústria local, e o progresso deve ser monitorado anualmente; • Aprovação de regulamentos de controle de câmbio que incentivam mais capital relacionado com o projecto a circular dentro da economia local versus transacções offshore entre operadores e fornecedores do projecto. Os resultados desejados das medidas acima mencionadas é o emergir de indústrias especializadas locais, redução da pressão sobre a balanço de pagamentos da economia devido à redução das importações e maiores efeitos em cadeia na economia local.
23
CONTEÚDO LOCAL
Criar Competências... Para Poder Competir. O Primeiro Passo de um Longo Caminho A exploração do gás arranca já este ano, mas ainda há pontas soltas sobre o que deve a estratégia nacional deve contemplar no âmbito do Conteúdo Local. Empresas, Sociedade Civil e Economistas apresentam ideias desencontradas, numa altura em que se reclama a demora na aprovação de um instrumento legal agregador de estratégias. Texto Anderson Cossa • Fotografia Shutterstock
A
descoberta dos recursos minerais em Moçambique criou enormes expectativa tanto para o empresariado local, que vê de perto as oportunidades de investimento, como para a população no geral que anseia por melhorias na qualidade de vida. Estamos a falar, por exemplo, de cerca de 20 mil milhões de barris de gás natural na bacia do Rovuma com potencial de acrescentar 85 mil milhões de dólares à economia moçambicananas próximas duas décadas, de acordo com as estimativas do Governo. Com este volume de receita, milhares de empresas, a maioria PME, começaram a sonhar com a grande janela de oportunidades que se abre, e o tema ganhou relevância, a discussão abriu-se, mas a tal janela continua fechada, há já vários anos. Claro que é positivo o surgimento do conceito de Conteúdo Local associado aos mega projectos, ou o fomento de capacidade localizada de integração de pessoas e empresas nacionais nos grandes projectos de gás natural, mas o debate, não tem passado para lá disso mesmo, porque o quadro legal que irá estabelecer uma política de conteúdo local continua por estar encerrado e definido. E a realidade, também, pouco mudou. Apesar dos esforços e de programas específicos que quase todas as petrolíferas envolvidas na exploração de gás já têm direccionados para que as empresas moçambicanas possam concorrer a serem seus fornecedores, a verdade é que a larga maioria das PME nacionais não reúnem as condições organizacionais, contabilísticas
24
e de garantia de entraga que lhes permita sequer preencher os cadernos de encargo dos concursos abertos pelas multinacionais que seguem, como se sabe, padrões internacionais. No entanto, nem por isso empresas e empresários nacionais deixam de reivindicar um lugar à mesa no banquete dos petrodólares. “Primeiro, os recursos são nossos e não faz sentido que os moçambicanos passem mal no seu próprio país, sendo que os recursos estão a ser extraídos e a beneficiarem empresas estrangeiras. Isso cria descontentamento em qualquer parte do mundo”, alerta Feito Tudo Male, presidente da Associação das Pequenas e Médias Empresas (APME). Perante o que considera “uma injustiça”, o sector privado sugere que sejam as multinacionais que exploram o gás natural a organizar as PME nacionais “a custo zero”, para depois contratá-las e pagar pelos serviços que poderão prestar. “O que temos hoje é que o sector privado moçambicano não tinha experiência para lidar com esta nova realidade e não podemos ficar reféns do facto de não termos experiência. Estas multinacionais sabem como é que se faz para envolver as comunidades e as empresas locais nesse negócio. O nosso conselho, como associação, é envolver as PME moçambicanas nos megaprojectos. Nós vamos seleccionar empresas com contabilidade organizada e minimamente estruturadas. E as multinacionais vão capacitá-las no modelo das suas exigências para criar um padrão e uma cadeia de valor, o que fará com que a componente de Conteúdo Local seja aproveitada ao máximo”, explica. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
CONTEÚDO LOCAL Legislação em falta Por outro lado, a classe empresarial sente que o Governo não está a criar facilidades e exemplificam com o facto de, “estando em Moçambique, as multinacionais lançarem concursos em inglês, uma forma de nos excluir. Por que motivo, aqui no País, é na língua inglesa que se preenchem os cadernos de encargos? Se assim tiver de ser é bom que nos tragam um tradutor”, pede, com ironia, a APME que exige, igualmente, que tais concursos sejam lançados com maior antecedência, ao contrário do que se assiste actualmente. “O tempo que o concurso leva é curto, porque não permite que os operadores legalizem a sua condição relativa à obtenção de garantias bancárias para se financiar junto da banca, sem falar na dos adiantamentos de pagamento para obter a matéria-prima. Tudo isso leva tempo, mas as exigências dos concursos têm de ser respondidas em apenas um mês”, protesta Feito Tudo Male, assegurando que a execução do objecto de um concurso público “não revela desorganização das PME”, já que estas, diz, “estão dotadas de capacidade de fornecimento de bens e serviços às multinacionais”. No entanto reconhece que “as multinacionais exigem mão-de-obra qualificada, certificada, e nós não temos ainda essa capacidade”, mas acredita que “não será necessária muita especialização para serviços específicos como, por exemplo, fornecer um bloco de notas, papel higiénico, máscaras, luvas, jardinagem, limpezas e serviços de catering”. A esperança de dias melhores para as PME pode estar na aprovação da Lei de Conteúdo Local, mas a mudança não deveria começar na legislação. “Precisamos, também, como empresas, de ter capacidade de governança, gestão, contabilidade organizada. Esses são alguns dos requisitos. A Lei vai ser um incentivo porque, psicologicamente, ficaremos aliviados por ter um espaço para nos podermos defender e exigir os nossos direitos. Incentivamos as empresas que se organizem de modo a que estas oportunidades, quando vierem, não nos encontrem totalmente desprevenidos, enfatizou o presidente da AMPE. Mudança começa na base O economista Elcídio Bachita entende o posicionamento da APME mas contrapõe: “a exigência das PME não faz sentido, porque se eu quero atingir um determinado objectivo devo
26
fazer um investimento para alcançá-lo e não exigir que a entidade a que pretendo prestar serviços crie condições para que tal aconteça”, defende. Para fazer face a isso, na opinião do economista, “as PME devem investir na formação e capacitação profissional dos seus técnicos para poderem competir com as empresas estrangeiras, até porque as próprias multinacionais não vão aceitar fazer isso. A capacitação implica custos para as multinacionais e de onde virá esse dinheiro? Não faz sentido que as multinacionais paguem a consultores externos para capacitar as empresas locais”, defende. Quanto à questão dos concursos públicos lançados em língua inglesa, outra reclamação das PME, Elcídio Bachita concorda que o Governo deve procurar soluções junto das multinacionais. “O sector privado não tem como obrigar ou convencer as multinacionais a ter de lançar concursos ou cadernos de encargo em língua portuguesa. Isto porque os contratos para a exploração de áreas que têm recursos naturais são assinados em língua
inglesa entre o Governo e as multinacionais. Este é um problema que o Governo deve resolver, de facto”, argumenta, concordando que, “se tratados em português, estes processos podem promover uma maior participação do sector privado nacional”. Mesmo assim, chama a atenção para que os nacionais também invistam no idioma global. “O sector privado tem de investir na formação dos seus quadros, tendo em conta que o inglês é a língua mais falada no mundo”. Um novo mindset Bachita também entende que, quando o sector privado aparece a pedir mais tempo para executar o objecto de um concurso público, lançado pelas multinacionais, está a revelar alguma falta de noção de como toda a dinâmica dos grandes projectos funciona porque, explica, “não faz sentido lançar um concurso público hoje para que a sua implementação ou execução aconteça um ano depois. As multinacionais trabalham com metas. Se se lança um concurso hoje espera-se que, em média, dentro www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
co em Agosto de 2019 e aguarda, ainda, pela análise, revisão e aprovação do Conselho de Ministros para, posteriormente, ser encaminhada para a Assembleia da República. O Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD) reconhece a importância do instrumento legal para um maior envolvimento do empresariado nacional nos megaprojectos e sabe por que a Lei de Conteúdo Local demora a sair do papel. “Um dos principais desafios para o avanço da Lei é o equilíbrio entre o interesse das empresas multinacionais e o interesse do Estado. Há, de certa forma, alguma relutância, por parte das empresas internacionais, em avançar mais rapidamente com este instrumento”, revelou Américo Maluana, pesquisador no Centro para Democracia e Desenvolvimento. O pesquisador argumenta a sua visão com o facto de, por exemplo, depois de cinco anos e num cenário em que já se tinha uma luz verde para a Proposta de Lei do Conteúdo Local
franco e com mais contributos para que a aprovação da Lei de Conteúdo Local seja útil para o nosso contexto”. Os “pecados” do Executivo O Centro de Integridade Pública (CIP) sente, também, que as Pequenas e Médias Empresas moçambicanas estão a ser excluídas dos megaprojectos porque não alcançam a dinâmica e o desenvolvimento que se esperava com a descoberta dos recursos minerais. Este facto é, segundo o CIP, “agravado pela inexistência de uma legislação específica que obrigue as multinacionais a serem mais inclusivas.” “A culpa, em primeira instância, é do Governo, porque faz parte das atribuições do Executivo criar incentivos para o desenvolvimento do sector privado e um desses (incentivos) não é fazer um investimento directo nessas empresas ou dar dinheiro, mas sim criar um ambiente propício para que elas operem e tenham lucros. Agora, se não existe uma legislação que
Maioria das PME nacionais não estão preparadas para trabalhar com os mega projectos. Isso é um problema delas ou dos investidores estrangeiros? de três ou quatro meses os trabalhos já estejam a arrancar e não depois de seis meses ou um ano. Isso revela que as nossas empresas não estão capacitadas para fazerem a prestação de serviços às multinacionais. E isso é uma grande fragilidade”. Sobre a Lei de Conteúdo Local que ainda está “na gaveta”, o economista manifesta “pouco optimismo” quanto à sua utilidade, mesmo que seja aprovada, a avaliar pelo nível de despreparação das PME nacionais. “O Governo devia trabalhar em parceria com o sector privado de modo a fazer uma consciencialização deste, para se melhorar a qualidade da prestação de serviços e, também, a médio e longo prazos, investir fortemente na qualidade de formação dos nossos técnicos. Só com essa aposta, feita já hoje poderemos tirar maiores benefícios dos projectos de exploração dos recursos naturais em Moçambique”, assevera. Desconfiança mútua A Proposta de Lei de Conteúdo Local foi aprovada pelo Conselho Económiwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
avançar para Assembleia da República, “não houve uma explicação clara que nos permitisse perceber as razões de este instrumento não avançar de forma célere, mesmo tendo em conta a sua importância estratégica”. Outro aspecto apontado passa pelo facto de de o sector privado não ter alinhado no produto final da proposta de lei que lhes era apresentada. “O empresariado nacional, representado pela CTA, posicionou-se de forma crítica em relação ao instrumento no sentido de que eles, como sector privado, não se reviam em relação ao que foi aprovado. Isso mostra que há um debate muito profundo que se deve aprofundar em torno destas questões, porque a partir do momento em que se está a discutir uma Lei que deve permitir a participação do sector privado nos projectos, e este não se revê nela, significa que estamos a dar um passo não qualitativo como seria de esperar”, assinala Américo Maluana. Assim, o CDD sugere que se envolvam mais actores da classe empresarial nacional e da sociedade civil, de modo a ter-se um debate
garanta um ambiente favorável para as PME operarem, a culpa é do Governo e de mais ninguém”, aponta Rui Mate, pesquisador do CIP. Antes de se correr para a aprovação da Lei do Conteúdo Local, o CIP sugere que “haja uma definição de estratégia nacional do que queremos com o desenvolvimento do sector extractivo, e como as multinacionais incluíram as empresas nacionais. Fazendo isso, já é mais fácil ter um instrumento legal que possibilite regular essas orientações”. O pesquisador do Centro de Integridade Pública alerta ainda “para a possibilidade de as multinacionais tornarem os concursos públicos complexos só para excluir as empresas.” E, uma vez mais, destaca, “o Governo é chamado a travar este fenómeno.Nos concursos públicos multinacionais, há inúmeros requisitos que muitas empresas não podem cumprir. Isso deve ser estudado pelo Governo no sentido de verificar até que ponto os critérios exigidos fazem sentido porque alguns podem ser, pura e simplesmente, para excluir”, conclui.
27
NÚMEROS EM CONTA
Como os Preços do Petróleo e a Evolução do Mundo Andam Ligados Em plena invasão russa da Ucrânia, o preço ajustado da inflação do petróleo atingiu máximos de há sete anos. A Rússia é um dos maiores produtores mundiais de petróleo bruto, e muitos países anunciaram uma proibição das importações de petróleo russo no meio da guerra. Esta situação levou a incertezas de abastecimento e, por conseguinte, a um aumento dos preços. Custo do petróleo refinado
Antes de mergulhar nos dados, vale a pena explicar porque é que os preços históricos do petróleo têm visto tanta volatilidade. Tal acontece, principalmente, pelo facto de a oferta e a procura de petróleo tenderem a ter uma baixa capacidade de resposta às alterações de preços a curto prazo. Mas como é que o aumento dos preços se compara com anteriores acontecimentos políticos e económicos desde 1968?
West Texas Intermediate
2008
Preço do barril de crude ($ por barril em 2010)
2015
Crise financeira global
2001 Ataques do 11 de Setembro
1980
1990
Guerra Irão Iraque
1986 1973
1978
Embargo Revolução árabe iraniana
2009
1997
2022
OPEC corta a produção em 4,2 milhões de barris por dia
Invasão da Ucrânia pela Rússia
2020
2005
Iraque invade Crise financeira o Kuwait asiática
Sauditas deixam de ser os “swing producers” mundiais
OPEC mantém a produção apesar dos preços baixos
Pandemia de Covid-19 reduz drasticamente a procura.
Capacidade de armazenamento reduzida
1999 OPEC reduz produção em 1,7 milhões de barris por dia
1971 Capacidade de armazenamento dos EUA esgotada
Fonte US Energy Administration, Visual Capitalist
28
Os retornos ajustados do petróleo têm variado nas últimas décadas
Recuperações económicas têm levado, tipicamente, ao aumento das taxas de juro, mas também ao aumento da procura por energia. Em resposta a isto, o petróleo tem mostrado um bom desempenho.
Medido de Q1 do ano inicial a Q4 do ano final
As devoluções são ajustadas pela inflação
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
OPINIÃO
Líria das Dores Álvaro Nhavotso • Directora de Tesouraria e Mercados do Banco BIG
S
eis anos após a suspensão da ajuda financeira a Moçambique, o Conselho de Administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou, no início do mês de Maio, a aprovação da retoma do apoio ao Orçamento do Estado de Moçambique através de um Programa de Financiamento Ampliado até 2025. Desde Junho de 2016 que o FMI foi um dos parceiros internacionais que suspenderam os apoios financeiros directos ao Orçamento do Estado na sequência da descoberta de dívidas não declaradas do Estado e Empresas Públicas, no valor de USD 2,7 mil milhões. Desde então, o FMI apenas concedeu ajuda na sequência dos ciclones em 2019 e, mais tarde, durante a pandemia do covid-19 em 2020, com o intuito de apoiar o Governo a mitigar o impacto socioeconómico destes eventos extraordinários. O valor do Programa de Financiamento Ampliando ascende a cerca de USD 470 milhões, que serão disponibilizados ao Estado durante os próximos três anos (20222025). Este Programa irá centrar-se no crescimento económico, na sustentabilidade fiscal e nas reformas de gestão e governação das Finanças Públicas, pilares importantes para o desenvolvimento económico e combate à desigualdade. A aprovação deste programa esteve condicionada pela implementação de um conjunto de reformas na administração pública, nomeadamente: • Criação de reformas na massa salarial dos funcionários públicos, levando à convergência do seu peso sobre o PIB para níveis observados noutros países da região; • Criação de reformas que permitam endereçar os desafios estruturais a longo prazo de gestão dos recursos públicos e da governação, bem como reformas estruturais na gestão dos recursos fiscais, onde um passo importante deverá ser a implementação de um Fundo Soberano
30
O Retorno do FMI a Moçambique e a respectiva regulamentação; • Publicação de um relatório de auditoria relativamente à aplicação dos fundos recebidos para o apoio no combate à pandemia do covid-19; • Alterações às leis de Probidade Pública e de Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo; • Transparência na gestão da dívida e das receitas de exploração dos recursos naturais, que são as áreas-chave identificadas no Relatório de Diagnóstico sobre Transparência, Governação e Corrupção de 2019, elaborado pelo Governo com o apoio do FMI. Em resumo, o Programa pretende apoiar a promoção da boa governação através de reformas públicas que abordem os de-
Abrem-se portas para outros doadores, que aos poucos vão anunciando a retoma do apoio ao Orçamento safios estruturais a longo prazo na gestão dos recursos públicos . Pretende também manter o ritmo das reformas estruturais para melhorar a gestão dos recursos fiscais provenientes da exploração dos recursos naturais, combate à corrupção, estabilidade macroeconómica e controlo da dívida pública. Adicionalmente, este Programa de Financiamento Ampliado poderá ainda ajudar a aliviar as pressões financeiras num contexto de recuperação económica, apoiar a agenda das autoridades na redução da pobreza e na restauração de um crescimento equitativo e sustentável. Perspectivas com a retoma do FMI É entendimento geral que, com o anúncio deste acordo, abrem-se portas para outros doadores, que aos poucos vão anunciando a retoma do apoio ao Orçamento, como é
o caso do Banco Mundial, União Europeia e Banco Africano de Desenvolvimento. Este programa que fortalece a confiança do FMI no actual Governo poderá contribuir para a alavancagem da economia num cenário económico ainda caracterizado por elevadas incertezas. Paralelamente, até ao final do mês de Março, foram ratificados diversos acordos de financiamento através de donativos por parte do Banco Mundial, no montante de USD 1,2 mil milhões. Parte destes apoios já se encontravam contemplados no Orçamento de Estado para 2022, com o Executivo a estimar um aumento na rubrica de donativos para mais de 7% do PIB, que compara com valores inferiores a 2% em 2021. Espera-se que a retoma do FMI impulsione a implementação de projectos de maior valor acrescentado, que terão maior potencial de ajudar a reconstruir a credibilidade de longo prazo junto dos parceiros internacionais. O retorno dos restantes parceiros ajudará a ampliar as fontes de financiamento do Governo, melhorando assim a liquidez das contas nacionais, e contribuir para reduzir a pressão no serviço de dívida actual. Embora seja difícil de quantificar o impacto económico indirecto do retorno do FMI, a realidade é que este deverá ser muito superior aos USD 470 milhões anunciados. Em particular, o acompanhamento técnico e financeiro do FMI, no âmbito deste programa, deverá acelerar na implementação das reformas estruturais que o País necessita e ajudar a restabelecer um ambiente de estabilidade e confiança até ao arranque definitivo dos projectos de gás na Bacia do Rovuma. Por fim, a melhoria das perspectivas futuras deverão conduzir a melhorias nas perspectivas de rating por parte das agências internacionais, tendo sido notória a alteração recente do Outlook de ‘estável’ para ‘positivo’ por parte da Moody’s, o que irá contribuir para a redução da percepção de risco por parte dos investidores, a redução dos custos de financiamento e, eventualmente, a retoma do Tesouro ao financiamento nos mercados externos. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
31
NAÇÃO | FUTEBOL
Da Bolsa à Bola. Um Golo Que Pode Valer Milhões O futebol mundial movimenta mais de 300 mil milhões de dólares por ano, cerca de 21 vezes o PIB de Moçambique, de acordo com uma pesquisa da consultora EY. A World Football Summit, plataforma que reúne as principais entidades da indústria do futebol, concluiu que, se fosse uma nação, o futebol representaria a 17ª maior economia mundial. Será por aqui que se explica que enquanto os países mais organizados, principalmente da Europa, fazem desta modalidade a sua mina de ouro, os que estão à margem tentam seguir o exemplo, numa corrida em que Moçambique começa antes da linha de partida, mas não quer ficar de fora Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock & D.R.
33
NAÇÃO | FUTEBOL
N
a inglaterra, a principal liga de futebol, e a mais valiosa competição doméstica do mundo, a Premier League, contribuiu com mais de 7 mil milhões de libras (8,8 mil milhões de dólares) para a economia de todo o Reino Unido na temporada 2019/2020. De acordo com o Estudo da consultora Ernst & Young (EY), a Liga e os seus clubes geraram, nesse período, uma contribuição fiscal total de 3,6 mil milhões de libras (mais de 4,5 mil milhões de dólares) para o Reino Unido. O mesmo estudo refere que a Premier League e os clubes apresentaram um crescimento considerável de emprego, com 94 mil postos de trabalhos. Um bom exemplo é também o de Portugal, país cujo campeonato principal está entre os melhores do mundo. Uma pesquisa recente, igualmente realizada pela consultora EY, concluiu que a Liga Portugal Bwin contribuiu com 550 milhões de euros (578,5 milhões de dólares) para o PIB na temporada de 2020/21, mais 11,3% face à época anterior. Este desempenho foi visto como uma “resistência da indústria do futebol numa época completamente marcada pela pandemia do Covid-19, com os estádios vazios e com muitas receitas perdidas”. Nesse período, a Liga Portugal e as 34 sociedades desportivas representadas neste estudo pagaram mais 2,5% de impostos ao Estado, em termos homólogos, num total de 192 milhões de euros (202 milhões de dólares), com o volume de negócios global a ascender a 792 milhões de euros (833 milhões de dólares). E em Moçambique, quanto vale o futebol? Qual é o seu peso no PIB, nos impostos e no emprego? Não se sabe. Nunca houve pesquisas a esse respeito. Mas, a avaliar pelas crises cíclicas nos campeonatos e na maior parte dos cerca de 300 clubes inscritos na Federação Moçambicana de Futebol (FMF), a bola oferece muito pouco ou nada ao desenvolvimento. Não há dinheiro… “Faltam recursos, falta tudo!”. Dizem, unânimes, os especialistas entrevistados pela E&M. E é por isso que a Bolsa de Valores Moçambique (BVM) decidiu dar o pontapé inicial propondo, recentemente, a transformação de clubes desportivos em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), com a intenção de incutir a visão empresarial que, por aqui, ainda está
34
adormecida. Para começar, os clubes desportivos em Moçambique são constituídos como associações desportivas sem fins lucrativos, onde as suas principais receitas provêm das quotas dos associados, de patrocínios, da rentabilização do seu património e alguns negócios de pequena e média dimensão. No entanto, muitos clubes possuem património que não está a ser rentabilizado e têm uma situação financeira crítica. Esta constatação, feita pela BVM, é confirmada pelos próprios clubes e pelas entidades ligadas à gestão desportiva. À E&M, Inácio Bernardo, experiente gestor desportivo que, entre vários cargos, foi Presidente do Clube Desportivo de Maputo entre 2017 e 2020, assume que “os nossos clubes estão praticamente falidos, a nossa economia, no seu todo, não está bem e as prioridades do Governo são muitas”, daí que não seja fácil produzir um futebol que gere ganhos económicos. David Nhassengo, director desportivo da Liga Desportiva de Maputo, também admite que “neste momento, os clubes enfrentam uma grave crise
financeira que foi agravada pela pandemia do Covid-19, principalmente os clubes que não dependem de investimento de empresas públicas, e que têm de enfrentar a redução ou suspensão da injecção financeira por parte dos patrocinadores. É que, com cerca de dois anos de interrupção das competições, os clubes não tiveram como manter a exposição e visibilidade das marcas dos seus patrocinadores, o que passou a configurar um custo para estes”. …Não há visão empresarial… Faltam entidades que olhem para o futebol como meio para ganhar dinheiro, dentro e fora dos relvados. Mas, felizmente, e embora pouquíssimos — senão o único exemplo — existem aqui dentro provas de que é possível transformar o futebol na indústria que é, hoje, pelo mundo. A Associação Black Bulls é a referência reconhecida por todos os especialistas que falaram à E&M sobre este tema. Na curta entrevista a Nuno Souza, do Departamento de Marketing e Comunicação e apoio às equipas dos Black Bulls, ficou saliente www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
para o crescimento do PIB”, explicou, deixando claro que este será um caminho inevitável que Moçambique deve trilhar, não só para se tornar desportivamente competitivo, como também para gerar receitas que ajudem a economia a crescer e a desenvolver. “Não é possível mudar de um dia para o outro. É preciso capacitação de recursos humanos, que os clubes tenham ligação com as massas associativas e que consigam gerar receitas, ter uma estratégia de desenvolvimento da juventude desde a camada jovem até à camada de elite e depois, obviamente, transferência para campeonatos mais poderosos. Tudo isto é o que vemos, actualmente, a acontecer e que tem de ser feito também aqui”, esclareceu o consultor. …Falta organização? Uma vez comprovado que a maior parte dos benefícios económicos estão associados à venda de passes dos atletas, é na falta de jogadores de qualidade
Mexer (defesa do Bordeaux da França) e Zainadine Júnior (Defesa do Marítimo de Portugal) —, ou porque saíram e foram preparados fora — caso de Reinildo Mandava (do Atlético Madrid da Espanha). Victor Matine, também gestor desportivo e com passagem pelo Ferroviário da Beira e pela Selecção Nacional, complementa este posicionamento ao revelar que só os clubes formadores resistem nos mercados internacionais. Matine também defende investimento em infra-estruturas desportivas para reduzir o fosso de competitividade com os jogadores que nascem e são formados em países desenvolvidos, sobretudo europeus, que, logo no início de carreira, dispõem de condições apropriadas para desenvolverem habilidades técnicas. E Inácio Bernardo remata: “Quanto mais cedo os jogadores forem preparados para adquirir capacidade competitiva, mais facilmente chegarão aos níveis pretendidos. Então, a questão das in-
A criação de academias de formação de futebolistas é o ponto de partida para tirar vantagens económicas do futebol algo que não é comum ouvir: “Quando lido com os jovens que estão a ser formados nas nossas academias, mais do que fixar os seus nomes, vejo-os como potencial para fazer dinheiro, como se em cada um deles estivesse incrustado o seu valor comercial”, revelou. A E&M ouviu também Pedro Correia, Consultor da UEFA, que emprestou o seu saber sobre várias realidades dos países por onde passou, alguns dos quais africanos. Para este responsável, o futebol, hoje em dia, concorre com uma série de outras oportunidades de lazer, que captam e dão oportunidades de rendimento às famílias, jovens etc., e que necessita de profissionalização. Em muitos casos — prosseguiu — isso consegue-se através de uma lei nacional de desportos como aconteceu em Portugal, onde houve uma transição de associações para sociedades anónimas com maior responsabilização e transparência. Ou seja, “o futebol deixa de ser visto meramente como sendo de cariz de responsabilidade social e passa a ser um negócio que contribui com postos de trabalho, com impostos e www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
que se começa a perder a oportunidade de encaixe dos milhares de milhões que o futebol tem potencial de gerar. Mas nesta equação entram também as infra-estruturas dos clubes (estádios, salões desportivos, academias, lojas de venda de material desportivo, etc.). Na realidade moçambicana, todos os sinais indicam que nenhum destes componentes está em dia. Quanto às infra-estruturas, o estudo da BVM concluiu que a maioria dos clubes não as tem ou estão obsoletas e em desuso. No que diz respeito à formação de jogadores, David Nhassengo, da Liga Desportiva de Maputo, confessa que “os clubes desportivos fazem a formação de atletas só para cumprir com os regulamentos da FMF, que obrigam a ter, pelo menos, dois escalões de formação. Mas, na prática, esta é feita de maneira tão deficitária que os jogadores chegam aos seniores sem qualidade suficiente para ser vendável”. Esta é, afinal, a razão por que o País vende muito poucos jogadores, sendo que “os que brilham no estrangeiro não é por mérito da formação, mas por talento próprio — casos de
fra-estruturas é bastante importante senão decisiva”. FMF pouco activa? Para Pedro Correia, consultor da UEFA, a mudança pode acontecer quando houver uma sensibilização geral dos stakeholders, incluindo o Governo, por parte da Liga Moçambicana De Futebol (LMF) e da FMF, enquanto organismo que gere e que deve definir estratégias a este nível. E a E&M ouviu a FMF, na voz do respectivo Secretário-Geral. Ciente da crise que atravessam os clubes e a incapacidade de torná-los num catalisador do desenvolvimento, Hilário Madeira avançou que uma das armas que a FMF pretende utilizar para ajudar os clubes a se profissionalizarem e, em último plano, a se tornarem sustentáveis é apertar cada vez mais na obrigatoriedade de, gradualmente, adicionarem mais escalões de formação. Mas a confissão do Director Desportivo da Liga Desportiva de Maputo, de que os clubes cumprem com esta obrigação sem o devido engajamento, denuncia a fraca
35
NAÇÃO | OUTLOOK 2022
fiscalização dos clubes por parte da FMF e uma possível descoordenação entre as partes, o que põe em causa os objectivos que se pretendem com a formação de atletas. A par da formação, a FMF também obriga os clubes a apresentarem os seus planos de marketing para ajudá-los a melhorar a sua rentabilidade tendo em vista o público-alvo, que são potenciais investidores, e todos os seus adeptos, embora reconheça e lamente que “muitos clubes não tenham infra-estruturas, havendo equipas a competirem no campeonato principal de futebol sem sequer um estádio próprio e com a maior parte dos contratos de trabalho com duração de menos de um ano”. Hilário Madeira também deu a conhecer mais um ponto fraco para a rentabilização do futebol: em todos os indicadores de classificação, que incluem a organização, a saúde financeira e a sustentabilidade, os clubes
36
A competitividade da selecção nacional é um importante sinalizador dos investidores sobre a qualidade do futebol que se pratica no País
nacionais são de categoria 4 ao nível da Confederação Africana de Futebol (CAF). Isto é, agrupam-se na categoria mais baixa, que é designada por “clubes amadores organizados”, portanto, longe do patamar de profissionalismo que se ambiciona.Hilário Madeira sublinhou, entretanto, que grande parte do que se deve fazer para a rentabilizar o futebol é responsabilidade dos próprios clubes e não da FMF. Mas, “felizmente, estes já se aperceberam que o futebol se joga para além dos 90 minutos e que a bola é um instrumento capaz de gerar fundos que mobilizam toda uma economia”.
Por onde começar? Todos concordam que o caminho passa por transformar clubes desportivos em empresas. Mas, lembrando que falta o essencial (infra-estruturas desportivas e formação de atletas competitivos), o que é que essa transição implica? Quem deve tomar a dianteira? O que fazer? Como? A BVM, proponente desta ideia, dá as respostas na entrevista ao respectivo PCA, Salim Valá, nas próximas páginas. Mas o que pensam e vivem, na prática, os clubes e outros especialistas? Para começar importa referir que, em Moçambique, há três grupos de www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O QUE MUDA A CRIAÇÃO DAS SAD? É unânime, entre os analistas nacionais, que uma abordagem empresarial da gestão dos clubes desportivos faz toda a diferença não só na sustentabilidade dos clubes, como na economia no seu tudo. Como?
Os clubes ganham uma gestão mais profissional adoptando a contabilidade organizada e, por via disso, a possibilidade de se financiarem no mercado de capitais e obterem boas condições financeiras para o seu funcionamento e expansão das suas actividades competitivas e de negócios.
1
2 3 4 5
Torna-se possível os clubes investirem na construção ou reconstrução de estádios e outras infra-estruturas desportivas, lúdicas e sociais, para o seu funcionamento, o que, actualmente, poucos clubes nacionais têm capacidade de fazer. Os clubes que conseguirem transformar-se em SAD também têm a possibilidade de investir melhor na formação e na valorização de atletas, treinadores e outros profissionais do desporto, lembrando que a venda do passe dos jogadores é a mais importante fonte de receitas. Abre-se a possibilidade de lançar academias de formação para as camadas de jovens atletas, e atrair ou lapidar mais talentos, dando visibilidade ao clube e ao mercado nos campeonatos mais competitivos do mundo.
Atrair novos investidores, nacionais e estrangeiros, através da compra de acções no clube, que injectam capital para garantir a auto-sustentabilidade. Quanto mais competitivo for o campeonato e melhor for a imagem do clube, maior será o retorno do investimento. FONTE BVM
clubes no que diz respeito a fontes de rendimento: os de natureza associativa, em que os sócios são os que pagam as quotas e ajudam a mantê-los; os que estão integrados em grandes empresas públicas como os Ferroviários, o Costa do Sol, União Desportiva do Songo, ENH de Vilanculos, entre outros que beneficiam do suporte dessas empresas; e os clubes privados como a Associação Black Bulls ou a Liga Desportiva de Maputo, entre outros. “Para qualquer dos três modelos, o caminho será a transformação dos clubes em Sociedades Anónimas Desportivas porque, na realidade, se não conseguirmos fazer isso, qualquer modelo poderá tender a fracassar, a não ser que o associativismo consiga voltar aos tempos antigos em que os sócios pagavam o suficiente para manter os clubes, ao contrário do que se passa agora, em que a contribuição ronda os 100 meticais por mês”, observou Inácio Bernardo. www.economiaemercado.co.mz | Maio2022
Exemplo disso são as necessidades financeiras do Desportivo de Maputo na altura em que era presidente entre 2017 e 2020. “Precisava de, aproximadamente, 1,5 milhão de meticais por mês para manter o clube sem grandes ambições. Se tivesse grandes ambições precisaria de até 3 milhões por mês, o que está distante da capacidade dos clubes moçambicanos hoje”, explicou. Victor Matine e David Nhassengo, por seu turno, entendem que é possível que os chamados “clubes grandes”, com suporte financeiro das empresas públicas, não se interessem pela transformação em SAD, uma vez que, mensalmente, cai-lhes um cheque na mesa. Ao contrário, esta tendência pode ser seguida pelos clubes que dependem de patrocinadores privados, como a Liga Desportiva de Maputo, o Desportivo de Maputo. Mas há um problema: ambos admitem que desconhecem os requisitos para a sua admissão no mercado de capitais, nomeadamente a
compreensão do que deve ser feito do negócio desportivo. Acreditam haver o desconhecimento dos activos comerciais que os clubes detêm e que podem ser registados no mercado de capitais, entre outros pontos. Contrapondo o presidente da BVM, que defende já haver um trabalho avançado de auscultação dos clubes e exposição das condições da sua transformação em empresas, David Nhassengo entende que “é preciso que alguém nos venha dizer todas as condições e requisitos a preencher para nos transformarmos em SAD e isso não está a acontecer. Ninguém vai aos clubes mostrar isso”. O papel de cada um e de todos Conhecedor da realidade dos mercados bem-sucedidos, Pedro Correia aconselha a que o caminho pela construção de um futebol rentável seja trilhado em conjunto entre a Liga, a FMF e o Governo, sendo a este último
37
BUSINESS SEM LIMITES O impacto económico do futebol é também determinado pela distribuição dos direitos televisivos. Na Espanha, por exemplo, a Mediapro (um conglomerado de media sediado em Barcelona) comprou os direitos da Liga dos Campeões e da Liga Europa até 2021 por quase 1,1 mil milhões de euros. A Movistar também adquiriu os direitos de transmissão da La Liga espanhola por três temporadas por 2,94 mil milhões de euros. Há rumores constantes sobre o interesse dos gigantes da Internet (Google, Amazon e Facebook) em adquirir esses direitos, mas a economia do futebol não parece ser uma prioridade para essas empresas. Futebol é uma indústria que alimenta também o mercado das apostas, que movimenta muito dinheiro. Mas em Moçambique, e um pouco por toda a África, por causa de todas as fragilidades já mencionadas, nem os direitos de transmissão do Moçambola (principal campeonato de futebol do País) são alvos de disputa, o que reduz ainda mais o potencial que esta modalidade tem para servir para o desenvolvimento socioeconómico.
atribuída a tarefa de legislar, como fez em 2015 quando aprovou o Regime Jurídico das Sociedades Anónimas Desportivas. Os gestores desportivos Victor Matine e Inácio Bernardo chamam à classe dos profissionais da sua área e aos fazedores do desporto a responsabilidade de dar o salto pela transformação, por serem detentores do know how. “O grande problema para nós é não termos implementado ainda o que sabemos fazer e que já está escrito. O salto para a implementação não é só um problema nosso, mas de todo o País. Creio que precisamos de tomar decisões para mudar o rumo das coisas”, defende o antigo presidente do Desportivo de Maputo, apontando que outro obstáculo é o facto de que as empresas não se sentirem estimuladas a abraçarem projectos desportivos devido às fragilidades dos clubes que elevam os riscos de investimentos. Um percurso longo e complicado Em tudo, incluindo no futebol, o dinheiro flui onde há qualidade. Em Moçambique, infelizmente, a qualidade do futebol é fraca, incapaz de encher estádios. Nem a bilheteira, cujo peso nas receitas dos clubes é ínfimo, consegue ser plena.
38
O campeonato principal de futebol não é competitivo. Mas uma visão empresarial de gestão dos clubes é capaz de mudar este quadro Transposta a barreira da formação, e uma vez respondida a questão da qualidade do espectáculo que está associada à formação de jogadores e de técnicos, o passo seguinte, segundo o consultor da UEFA, Pedro Correia, é a criação de ligas autónomas para acelerar a profissionalização do futebol e maximizar as receitas no sentido de buscar sustentabilidade. Mas nem sempre esta estratégia pode ser bem-sucedida. “Por exemplo, Moçambique tem uma liga autónoma há 20 anos. Cabe-vos a vocês fazer uma análise, passadas duas décadas, de quais são os resultados, como é que está o vosso futebol, o que obtiveram e o que não obtiveram, e tirar as vossas ilações”, explicou o responsável. Neste quadro, é também chamada a componente da Governança. “Estou a falar, na realidade, da organização e gestão de empresas e, olhando para os clubes, independentemente de serem ou não associações sem fins lucrativos,
têm a obrigação de garantir a sustentabilidade, senão vão desaparecer, de acordo com as leis do mercado”, esclareceu o consultor da UEFA. Em África, uma das iniciativas de sucesso na rentabilização do desporto para a economia é a da Tanzânia, que está em processo de separação da liga para gerar receitas e buscar a sustentabilidade. Também há clubes a investirem em academias e no desenvolvimento de jovens. Noutros países, inclusive na Europa, há clubes mais pequenos e modestos que investiram na formação onde não se conseguem ganhos imediatos, sendo necessário levar entre cinco e dez anos, mas conseguiram fazer vendas significativas de jogadores. E, com as receitas, em lugar de gastar pagando mais salários aos jogadores, etc., investiram em melhores infra-estruturas, capacitação de pessoas, serviços, entre outros, algo que, no médio ou longo prazo, fez a diferença. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
NAÇÃO | FUTEBOL
“A Bolsa, os Clubes e Toda a Economia Vão Ganhar” Enquanto muitos desacreditam, Salim Valá, Presidente da Bolsa de Valores de Moçambique, não tem dúvidas do impacto no crescimento económico da transformação dos clubes em empresas. Assume ser difícil, mas garante que é possível e explica como… Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva e Jay Garrido
“
S
alim Valá entende que por mais que um clube tenha boas infra-estruturas e bons jogadores não alcançará sucesso económico se a sua gestão não for criteriosa, racional e não permita a sua perenidade no tempo, ou seja, se não for possível depois melhorar a formação das camadas jovens, criar boas infra-estruturas para treinos, academias, bons campos, centros de estágios, etc., como acontece, por exemplo, na Associação Black Bulls. Mas tudo isto deve ter lugar dentro da perspectiva de que os clubes sejam geridos como empresas, pondo fim àquela visão “arcaica e ultrapassada” e que periga os próprios
A BVM propõe a transformação de clubes desportivos em SAD, cuja experiência internacional já provou ser um modelo com bons resultados para a sustentabilidade dos clubes e para a economia. Olhando para o panorama nacional de clubes, grosso modo, desestruturados ao nível financeiro e da organização das contas, o que inspira a Bolsa a acreditar no sucesso desta solução? O nosso ponto de partida foi a constatação de que o País está a desperdiçar uma oportunidade económica. Isto é, os clubes, o sistema financeiro e o País no seu todo estão a desperdiçar a janela de oportunidade que já existe, porque o Governo criou, há sete anos,
Em concreto, a transformação dos clubes em SAD é uma inovação em Moçambique, já que a visão tradicional dos clubes é a de servirem como associações sem fins lucrativos resultados desportivos, em que os clubes, enquanto associações sem fins lucrativos, perseguem objectivos ligados à massificação da prática do desporto, ou culturais, ou de outro cariz. A Bolsa de Valores de Moçambique (BVM), que está a desenvolver esta iniciativa em conjunto com a Secretaria de Estado do Desporto, foca-se em dois objectivos fundamentais. O primeiro consiste em que, ao apostarem em Sociedades Anónimas Desportivas (SAD), os clubes conseguirão obter financiamento. Segundo, mas não menos importante, na assimilação das melhores práticas de gestão dos clubes, condição para que os seus recursos sejam bem aplicados e possam ter impacto na economia.
40
através do Decreto Lei 1/2015, o Regime Jurídico das SAD, um instrumento já aprovado. A BVM já estava atenta a esta oportunidade e procurámos a liderança da nova Secretaria de Estado do Desporto, na pessoa do respectivo presidente, Gilberto Mendes, com o qual discutimos como poderíamos operacionalizar o Regime Jurídico das SAD que, apesar de existir desde 2015, não está a ser utilizado nem pelas federações, nem pelos clubes. Assim, iniciámos o diálogo sobre o assunto, analisámos o instrumento, auscultámos os agentes desportivos e consultámos o que está a acontecer noutras geografias, principalmente na Europa, onde a experiência está enraizada e com sucesso. A seguir decidimos cristalizar este interesse www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
mútuo com um memorando de entendimento, que foi rubricado para assegurar que este instrumento jurídico possa ser implementado na prática pelos clubes moçambicanos. Se o Regime Jurídico das SAD existe desde 2015, o que pesou para que só agora esteja a ser alvo de atenção? Isso tem que ver com o processo de elaboração legislativa. Temos, no País, referências de que o facto de existir uma lei, norma ou regulamento não é suficiente para a sua implementação. É preciso que existam instituições e mecanismos práticos concretos para a sua operacionalização. Em concreto, a transformação dos clubes em SAD é uma inovação em Moçambique, já que a visão tradicional dos clubes é a de servirem como associações sem fins lucrativos. Esta inovação, mesmo na Europa, começou a emergir na década de 1990. O facto de ser uma abordagem nova, desconhecida na realidade moçambicana e pela própria BVM, é que justifica que não tenha havido avanços desde a aprovação do Regime Jurídico das SAD. Mas, do nosso lado (BVM), começámos a reflectir sobre este assunto em 2017 e só encontrámos terreno fértil na visão do próprio Governo através da Secretaria de Estado do Desporto. Ou seja, durante este tempo, tivemos de estudar a realidade internacional, as especificidades de Moçambique e a situação concreta em que se encontram os cerca de 300 clubes espalhados pelo País. Foi preciso muito trabalho de campo para se ter o panorama actual dos clubes e depois desenhar a proposta de transformação, supomos. Em que consistiu? Nós, BVM, e a Secretaria de Estado do Desporto, realizámos, em conjunto, diversas acções que não se circunscreveram apenas à elaboração e assinatura do memorando de entendimento, mas incluíram a consciencialização, a formação e capacitação de quadros da Secretaria de Estado do Desporto em Maputo e noutros pontos do País. As sessões de formação estenderam-se para as federações e clubes em Maputo, Beira e Nampula. Toda esta movimentação é determinada pela procura. Por exemplo, os clubes da província de Sofala convidaram-nos e tivemos de deslocar uma equipa para dialogar, consciencializar e capacitar pessoas sobre assuntos relativos aos www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
41
NAÇÃO | FUTEBOL requisitos e práticas de gestão financeira, contabilidade, etc., e que abrem espaço para beneficiar das vantagens da Bolsa. Na prossecução destas acções também dialogámos com clubes da Cidade de Maputo, como o 1º de Maio, Estrela Vermelha, Black Bulls, entre outros, assim como com clubes de províncias como Inhambane. Neste momento estamos a ser procurados por clubes de Tete. E como é que se desenvolve este processo? As federações provinciais convidam a Bolsa para as sessões de esclarecimento envolvendo os interesses de vários clubes, mas sempre com janelas abertas para a interacção com um clube específico. Isto mostra que há interesse dos clubes em adquirir uma visão empresarial e trilhar por este caminho. Do trabalho feito chegaram à conclusão de que, de facto, existe potencial para esta “aventura” que parece tão distante da realidade do País. O que existe, em concreto, que faz acreditar no sucesso desta ambição? Podemos fazer o aproveitamento do grande potencial que muitos clubes têm de infra-estruturas que se estão a danificar, e a mobilização do empresariado para apoiar clubes nos vários pontos do País, aproveitando a vasta massa associativa de moçambicanos, que gostam do desporto, e que se podem transformar nos futuros accionistas de clubes. Infelizmente, temos a tendência de descredibilizar ideias inovadoras ainda na fase de concepção. No início, tive conversas com pessoas ligadas ao desporto que defendiam que a transformação de clubes em SAD é um projecto de elite, um sonho longe da realidade de um país pobre como o nosso. Esquecem-se que, por exemplo, hoje, o sistema financeiro nacional tem produtos e soluções de base tecnológica que se usam nos países desenvolvidos. Com isto quero dizer que não devemos limitar a nossa ambição. Também não devemos olhar para as SAD como a panaceia que vai resolver todos os problemas de gestão dos clubes, mas, se bem usada, vai resolver alguns problemas dos clubes que apostarem nesta estratégia. É preciso ter a consciência de que há clubes que, pela sua situação financeira, não podem transitar de imediato para SAD, mas também há aqueles que estão preparados, bastando apenas uma tomada de decisão para avançarem.
42
“Não devemos limitar a nossa ambição. Também não devemos olhar para as SAD como a panaceia que vai resolver todos os problemas de gestão dos clubes, mas, se bem usada, vai resolver alguns problemas...”
Nos próximos dois ou três anos, Moçambique tem condições para ter duas, três ou mais SAD, pelos sinais que estamos a ver tendo em conta os requisitos e interesses dos clubes. É possível termos SAD que usam o mercado de capitais como mecanismo de financiamento, para dar visibilidade aos clubes e para absorver investidores estrangeiros. Nesta estratégia, que possibilidades há para os clubes mais pequenos, que estão mais distantes de preencher os requisitos financeiros e organizacionais ajustados a uma visão empresarial? Vão merecer algum tipo de apoio da Bolsa e da Secretaria de Estado do Desporto para não perderem este barco, ou nem por isso? Como disse, a nossa abordagem é ditada pela procura. Os clubes manifestam interesse e nós respondemos,
e já visitámos vários clubes com capacidades diferentes em termos de infra-estruturas, capital, gestão, etc. Ouvimos as suas preocupações e informámo-nos sobre o que estão a fazer em todas as vertentes e depois mostrámos os requisitos necessários para poderem trabalhar connosco. Os requisitos são os tradicionais, pelo que não há os que são específicos para a transformação em SAD. Isto é, além dos jurídico-legais, existem os económico-financeiros (contas organizadas e auditadas, capitais próprios de 4 milhões de meticais para pequenas e médias empresas e 16 milhões para grandes empresas) e os requisitos de mercado (dispersão accionista suficiente e livre transmissibilidade das acções). A par da fraca qualidade de infra-estruturas, os agentes desportivos manifestam reservas www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O QUE A BVM TEM A OFERECER? Os benefícios de uma transformação dos clubes desportivos em SAD são transversais, segundo a Bolsa de Valores de Moçambique, que considera, igualmente, infalível o seu impacto na economia no seu todo Como Sociedade Anónima, a SAD tem acesso às alternativas de financiamento exclusivas do Mercado de Capitais e da Bolsa de Valores (Equity e Dívida).
A SAD pode financiar-se através de empréstimos obrigacionistas no mercado de capitais, e, uma vez cotadas na BVM, as acções podem valorizar-se.
A cotação na BVM atrai investidores nacionais e estrangeiros e o investimento estrangeiro tem facilidade no expatriamento do capital investido e dos rendimentos
A SAD pode obter receita financeira pela venda de acções próprias ou pela emissão de novas acções para investidores nacionais e estrangeiros.
(dividendos, juros).
Os dividendos da SAD cotadas na BVM têm uma poupança fiscal de 50%.
quanto à capacidade de formação de talentos, tomados como o principal activo dos clubes. Isto parece constituir uma barreira importante para a transformação que se pretende… Quando fizemos o diagnóstico constatámos que estes problemas não são apenas de Moçambique. Angola, Botsuana, Maláui, Cabo Verde, por exemplo, enfrentam os mesmos obstáculos. Em Moçambique, alguns clubes como os Ferroviários têm boas infra-estruturas desportivas implantadas pelo País já desde o tempo colonial. Hoje estão a degradar-se. E este é o nosso ponto fraco. Uma experiência boa sobre como revitalizar as infra-estruturas vem da cidade de Chimoio, onde o Conselho Municipal fez uma parceria com empresários privados com este propósito. Mas o importante é que depois sejam geridas dentro de uma perspectiva económica. A formação é também um elemento vital para garantir a sustentabilidade dos clubes. Temos gente com potencial, jovens que gostam de desporto e têm talento nas diversas modalidades. O que se deve fazer, agora, é dar novo ímpeto a esta vontade de fazer as coisas através de um trabalho conjunto envolvendo o Governo, as escolas, www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
as federações e as comunidades nos bairros. É importante não perder de vista esta ligação institucional que vai permitir identificar e lapidar talentos. Existem, em África, histórias bem-sucedidas de uma experiência como esta que queremos perseguir? Quais? Existem alguns casos, mas não podem ser considerados como experiências consolidadas. E é por isso que este trabalho é liderado pessoalmente pelo PCA da Bolsa. É uma oportunidade para Moçambique fazer a diferença no continente. Ponderamos tornar-nos num dos melhores países a utilizarem a Bolsa de Valores como instrumento catalisador e dinamizador do desenvolvimento desportivo. Temos estado a explorar experiências bem-sucedidas de outras partes do mundo fora de África, como de Portugal, Inglaterra, Países Baixos, França, etc. Até onde a economia, no seu todo, pode chegar se conseguir materializar a ideia de transformar clubes desportivos em empresas? Estamos a fazer isto como oportunidade de negócio. A Bolsa vai ganhar, os clubes vão ganhar e toda a econo-
mia vai ganhar. Isto vai mexer na roda da economia, não só por haver clubes bem geridos, mas porque o consumo vai aumentar significativamente e a venda de jogadores é uma fonte de divisas que faz toda a diferença, sem falar no aumento do número de empresas, de emprego e do alargamento da base tributária. E porque a poupança interna do País é baixa, clubes que apresentem bons resultados têm o potencial de atrair investidores individuais ou institucionais de todo o mundo e isso é uma oportunidade para o crescimento económico. Transformando-se em empresa, o clube é, obrigatoriamente, submetido ao escrutínio público. Periodicamente, terá de prestar contas não só aos sócios, como ao público através dos canais existentes na Bolsa, nomeadamente o boletim de cotações e o site. Assim, o clube passa a ser uma marca registada porque passa a realizar negócios dentro dos princípios de transparência e ética. Além disso, possibilita qualquer cidadão a investir em mais do que um clube e ampliar a sua base de geração de retornos. Ou seja, é possível, neste modelo, ser sócio de um clube e, ao mesmo tempo, ser accionista de outros clubes.
43
NAÇÃO | FUTEBOL
Nas Melhores Ligas… as Multinacionais da Bola A Goldman Sachs acaba de lançar títulos de dívida de 900 milhões de dólares para o futebol espanhol, o primeiro negócio na Europa a permitir que um investidor compre uma participação num negócio ligado a uma Liga em vez de um ou mais clubes. Esta é a prova de que, lá fora, o patamar de produção de riqueza através do futebol evolui continuamente Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock
E
nquanto a Consultora Ernst & Young avalia em cerca de 300 mil milhões de dólares o valor total que circula no futebol mundial, a Deloitte estima que o futebol profissional no mundo movimentava, antes da pandemia, 40 mil milhões de dólares e agora cerca de 35 mil milhões. Esta diferença estará, provavelmente, no facto de a Delloite não considerar, nas suas pesquisas, o valor das transferências dos jogadores — que é a parte mais significativa do negócio do futebol — por entender que não faz parte dos custos operacionais dos clubes desportivos. Mas, mesmo seguindo a lógica “reducionista” da Delloite, o futebol consegue fazer dos clubes verdadeiras multinacionais. Por exemplo, a elite das cinco melhores ligas de futebol — Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália e França — facturava, antes da pandemia, 19 mil milhões de dólares ao ano.
44
Em 2020, o valor caiu para 17 mil milhões. Se, nessa análise, se acrescentar o valor da transferência dos jogadores chega-se a valores estratosféricos. Numa década, de 2011 a 2020, só no mercado das transferências, a Espanha transaccionou o passe de 4400 jogadores e arrecadou receitas no valor de 6,2 mil milhões de dólares. No mesmo período, a Inglaterra transaccionou passes de 6500 atletas e obteve uma receita de 5,2 mil milhões de dólares. As receitas da França, Itália e Alemanha foram de 4,9 mil milhões de dólares, 4,2 mil milhões e 3,4 mil milhões de dólares, respectivamente. Contudo, o estudo não é específico quanto ao valor arrecadado pelos clubes considerando todas as componentes do seu negócio, nomeadamente os direitos de transmissão televisiva, marketing e patrocínios das grandes marcas. Ainda assim, não escasseiam estudos que façam menção a esses dados. Por exemplo, a Deloit-
te Football Money League, um ranking dos clubes de futebol pela receita gerada a partir das suas operações, e que é lançado em Fevereiro de cada ano, indica que o Manchester City da Inglaterra é o clube mais rico com 644,9 milhões de euros. Cerca de 48% do seu valor total vem de patrocínios e marketing e os outros 52% de direitos de transmissão. O segundo mais poderoso é o Real Madrid da Espanha com 640,7 milhões de euros (50% provêm de patrocínios, 49% da transmissão e os outros 1% são bilheteira), e o top 10 é completo pelo o Bayern de Munique da Alemanha (611,4 milhões de euros), Barcelona da Espanha (582,1 milhões de euros), Manchester United da Inglaterra (558 milhões de euros), Paris Saint Germain da França (556,2 milhões de euros), Liverpool da Inglaterra (550,4 milhões de euros), Chelsea da Inglaterra (493,1 milhões de euros), Juventus da Itália (433,5 milhões de euros) e Tottenham www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
CASOS DE SUCESSO DAS COTAÇÕES EM BOLSA Clubes-empresas ganham dinheiro de várias maneiras, todas directa e indirectamente relacionadas com o facto de estarem filiadas em bolsas de valores. Eis alguns exemlos:
JUVENTUS (ITÁLIA) Cotada na Bolsa Italiana há quase 20 anos, com a entrada de Cristiano Ronaldo em meados de 2018 (proveniente do Real Madrid), as acções do clube subiram 130%.
ATLÉTICO DE MADRID (ESPANHA) Recentemente, a corretora Plus500 e o Real Madrid firmaram um acordo de patrocínio. Especula-se que o valor esteja em torno de um milhão de libras esterlinas.
BORUSSIA DORTMUND (ALEMANHA) Cotado na Bolsa de Frankfurt, foi recentemente considerado um exemplo de bem investir ao lucrar 312 milhões de euros com a venda de quatro jogadores.
COLO-COLO (CHILE) Cotado na Bolsa de Santiago em 2005, foi o primeiro depois de o Governo incentivar as SAD. Reconstruiu o seu estádio e regularizou as dívidas.
MANCHESTER UNITED (INGLATERRA) Cotado na NYSE, para reconstruir o seu estádio e investir em jogadores, entre 1991/95, viu as suas acções valorizaram 500%.
da Inglaterra (406,2 milhões de euros). Mas, por trás da riqueza dos clubes, há uma história de organização que foi sendo escrita ao longo do tempo. Um caminho semelhante ao que os clubes moçambicanos agora se preparam para trilhar – a criação das SAD. Experiências internacionais das SAD Um levantamento feito pela BVM, e que serve de estudo para a implementação de ideias transformadoras no futebol moçambicano, indica que a visão empresarial do futebol começou com a sua profissionalização, isto é, quando passou de mera actividade recreativa e de entretenimento e foi considerado como emprego dos seus praticantes. Os pioneiros na profissionalização foram os ingleses (o Arsenal em 1891, o Liverpool em 1892, o Tottenham em 1898, o Chelsea em 1905 e o Manchester United em 1907). No entanto, só no início da década de 1990 entraram na www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Bolsa de Londres, com o Manchester United a ser o primeiro a ser cotado, em Junho de 1991. E, hoje, o fenómeno da cotação em bolsa dos clubes desportivos abrange, além da Inglaterra, a Turquia, Dinamarca, Itália, Holanda, Alemanha, Escócia, Portugal, cotadas numa diversidade de bolsas como as de Londres, Istambul, Copenhaga, Milão, Amesterdão, Frankfurt, Lisboa, tendo sido criado um índice que inclui 28 clubes de todas as divisões das oito nações mencionadas, denominado “Dow Jones Stoxx Football Index”, que funciona como um barómetro bolsista do sector desportivo. Do índice “Dow Jones Stoxx Football Index” fazem parte clubes tão diversos como o Galatasaray e o Besiktas da Turquia, o Borussia Dortmund da Alemanha, o Olympique Lyonnais da França, a Juventus, o AS Roma e a Lazio da Itália, o Celtic da Escócia, o AFC Ajax da Holanda, o Tottenham,
Birmingham City e Sheffield United de Inglaterra, o Sporting CP, SL Benfica e FC Porto de Portugal, entre outros. Hoje, a filiação dos clubes em bolsa popularizou-se e é prática em todos os continentes, sendo África o mais atrasado. Uma tendência que cresce nas ligas emergentes Um estudo feito a partir da compilação de dados dos relatórios anuais da UEFA, Deloitte, FIFA, Forbes, clubes e ligas mostra o crescente interesse em fazer do futebol um dos motores da economia. A pesquisa avança que a Rússia sempre apresentou um bom nível de facturação. O modelo de clubes com donos bilionários impulsionou o mercado. O Zenit St. Petersburg é o seu maior expoente e já factura 260 milhões de dólares. A Turquia foi uma das ligas emergentes que mais cresceu nos últimos anos. A força dos gigantes Fenerbahçe, Galatasaray,
45
NAÇÃO | FUTEBOL Besiktas, que já têm facturação próxima dos 135 milhões de dólares, são um diferencial. Na Holanda, o Ajax é um grande modelo de gestão entre os clubes das ligas emergentes. Atingiu receitas recorde de 219 milhões de dólares em 2019. Além do Ajax, o PSV e Feyenoord são destaque. Segundo dados da FIFA, na última década, a Holanda facturou 2 mil milhões de dólares com a transferência de 2 mil jogadores. O Brasil é uma indústria de mais de 8 mil milhões de dólares com grandes clubes a facturarem 970 milhões de dólares só com transferências. Quando estar na Bolsa vale a pena… São vários os casos em que a cotação dos clubes desportivos em Bolsa se traduzem em sucesso. Por exemplo, o Manchester United, cotado na Bolsa de Valores de New York (NYSE), com o objectivo de reconstruir o seu estádio e investir em jogadores, viu as suas acções valorizarem 500% entre 1991 e 1995. A Juventus está cotada na Bolsa Italiana desde 2001, sendo que 25% das suas acções estão disponíveis para que qualquer investidor possa ser accionista do clube. O objectivo é garantir a boa gestão do futebol, em função das rígidas obrigatoriedades impostas pelo sistema da Bolsa de Valores, em termos de governança e transparência, do que efectivamente pela vontade de conseguir recursos por meio de ofertas públicas ou operações similares. Mas não são só os clubes muito conhecidos que se beneficiaram da sua cotação na Bolsa de Valores. O clube chileno Colo-colo, cotado em 2005 na Bolsa de Santiago, reconstruiu o seu estádio e regularizou o seu défice financeiro; a Universidade del Chile, cotada em 2008, vendeu 55% das suas acções por 15 milhões de dólares; a Universidade Católica do mesmo país, cotada em 2008, vendeu 100% das suas acções por 25 milhões de dólares. … E quando é preciso ter cuidado Como em tudo, o modelo das SAD também apresenta aspectos que inspiram cuidados e que devem ser acautelados. Os problemas começam quando os resultados desportivos da equipa principal de futebol começam a não ser os esperados ou prometidos pela SAD. Os sócios do clube que, muitas vezes, têm um reduzido poder de voto nas SAD, começam, frequentemente, a ver o futebol enquanto principal impulsionador do clube a
46
Não são só os clubes muito conhecidos que beneficiam da sua cotação na Bolsa de Valores... aliás, estes também são exemplo de riscos a que a cotação em Bolsa pode expor, como o recente caso do Chelsea da Inglaterra
tomar um rumo que não é o que pretendiam, surgindo daí uma potencial fonte de conflito entre o Clube e a SAD. Esta questão é vista como a “nova guerra do futebol”. Outro exemplo, muito recente, é o do Chelsea. O actual campeão da Europa, que ganhou, recentemente, o título do Mundial de Clubes, está a atravessar uma crise sem precedentes. Desde Março passado que tem as contas bancárias temporariamente suspensas pelo Banco Barclays e não pode fazer nenhuma despesa, seja para pagar viagens ou pagar funcionários e jogadores. Além disso, pode tornar-se insolvente, tudo porque o oligarca russo Roman Abramovich, ex-presidente do Chelsea, e outros seis magnatas ligados ao clube são acusados de terem ligações com o Presidente Vladimir Putin, muito criticado pela invasão à Ucrânia. A situação do Chelsea leva alguns analistas do Brasil (país com uma experiência muito recente de transformação de clubes em SAD) a considerarem-no como sinal de alerta para os clubes, no sentido de tomarem
o máximo cuidado com os sócios que estão a adquirir as suas acções. Os mais valiosos de África África tem pouco a dizer sobre posse de riqueza, de um modo geral, e é, sem surpresa, a parte do mundo onde o futebol gera pouco dinheiro. Ainda assim, há clubes bem posicionados, segundo o Relatório da Consultoria Transfermarkt, um site que analisa o valor de mercado do futebol de clubes e atletas, divulgado em Setembro de 2021. O top cinco em termos de preço do plantel inclui o Al Ahly do Egipto (27 milhões de euros), o Sundowns da África do Sul (24 milhões de euros), o Esperance de Tunis da Tunísia (22 milhões de euros), Pyramids do Egipto (20 milhões de euros) e Orlando Pirates da África do Sul (19 milhões de euros). Dado comum destas equipas é que são assíduas participantes da Liga dos Campeões Africanos e outras taças continentais, e são quase sempre estas a representarem o continente nos mundiais de clubes. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
47
OPINIÃO
Vai Negociar Sem um ‘Plano B’?
V
em este artigo expandir um tema que referi na edição de Março de 2022 da Revista Economia & Mercado, no meu artigo “É (Im)possível negociar com um Bully?”. Nele dizia que uma das formas de ultrapassar a (im)possibilidade de negociar com um bully, e passo a citar, “seria a de construir e manter uma melhor alternativa ao presente negócio (‘Ter um Plano B’)”. João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
Neste artigo, convido o meu leitor@ a tentar responder à pergunta: O que acontece quando se negoceia sem um ‘Plano B’? Vejamos sucessivamente: 1. O que é um ‘Plano B’ em negociação? 2. Para que serve e quais são as consequências de não se ter, de todo, ou de ter um fraco ‘Plano B’ negocial? 3. Quando e como se deve criar um ‘Plano B’ negocial atractivo, prático e viável?
Negociar sem um ‘Plano B’ é planear, falhar, navegar às cegas, reduzir a principal fonte do poder negocial e comprometer a sua (in)dependência face à contraparte e de dizer NÃO
48
1. O que é um ‘Plano B’ em negociação? Lá diz o ditado que “não devemos colocar todos os ovos no mesmo cesto”. Este aforismo popular, aplicado ao campo da negociação, significa, na minha opinião, que: - Sejam as contrapartes negociais i) indivíduos, ii) ou famílias, iii) ou empresas, iv) ou organizações; v) ou nações, ou vi) blocos económicos, - Estas [Contrapartes] devem estar sempre, - E em todas as fases de uma negociação1, - Munidas de outras alternativas ao negócio em causa, - Alternativas essas que não dependendo da vontade (directa ou indirecta) da contraparte negocial, - Constituem hipóteses atractivas, práticas e viáveis2, - Para satisfazerem os seus interesses.
E a melhor e mais atractiva, prática e viável alternativa, de entre todas as alternativas disponíveis, constitui o ‘Plano B’ ou, na linguagem da ‘Escola de Harvard’, a MAPAN3 - Melhor Alternativa Para o Negócio. 2. Para que serve e quais são as consequências de não se ter de todo, ou de ter um fraco “Plano B” negocial? Um ‘Plano B’, ou a MAPAN, representa o poder de ter opções. E o que significa isso? Significa que a parte detentora de um ‘Plano B’, independentemente do seu estatuto, da sua riqueza, da sua posição social ou hierárquica, ou da vontade da outra contraparte, está em condições, a todo o tempo de: - Efeito de benchmarking: Ser capaz de avaliar e comparar as vantagens e desvantagens, para si, de toda e cada uma das propostas e acordos concretos apresentados na mesa das negociações e, bem assim, - Efeito de linha de resistência: Ser capaz de identificar o ponto em que, em situações de impasse e/ou de becos sem saída, prefere “não negociar mais”, do que continuar a fazê-lo e em piores termos. Saber quando e como sair da negociação. Um ‘Plano B’ traduz a justa medida do poder negocial das partes. Ou, de outro modo, e na minha opinião, reflecte a (in)capacidade das partes: - Poderem dizer NÃO às propostas e acordos que sejam piores do que a sua MAPAN, - Terem alternativas atractivas, práticas e viáveis ao negócio actual, - Evitarem estar demasiado empenhadas em conseguir qualquer acordo e a qualquer custo, - E, não menos importante, de serem (in)dependentes da contraparte, e daquele negócio em particular, no processo de obtenção de recursos que melhor satisfaçam os seus interesses. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Qualquer negociação feita entre duas ou mais partes, e em qualquer sector de actividade, exige cuidados a dobrar para o alcance dos resultados pretendidos
3. Quando e como e se deve criar um ‘Plano B’ negocial atractivo, prático e viável? Um bom ‘Plano B’ deve ser criado antes das negociações darem início e deve ser flexível. O processo de criação de um ‘Plano B’ consiste nas seguintes tarefas: i) Inventariar uma lista de ideias de eventuais acções a tomar para o caso de não se conseguir um acordo na presente negociação. ii) Melhorar algumas das ideias mais promissoras e transformá-las em alternativas práticas. iii) Seleccionar, provisoriamente, a melhor alternativa, i.e. (sistema de scoring) aquela que: - Apresente o menor custo. - Que seja a mais fazível. - E que tenha um impacto directo e imediato e cujas consequências na actual relação com a contraparte sejam controláveis. iv) Rever continuamente, mantê-lo vivo e actualizado e evitar sobrestimar a sua importância. v) Manter o ‘Plano B’ bem escondido da contraparte, e de preferência no www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
bolso onde se guarda a carteira, perto do coração! vi) E (tarefa difícil, mas não impossível) pesquisar e conhecer o ‘Plano B’ da contraparte. Em conclusão Negociar sem um ‘Plano B’ é planear falhar, navegar às cegas, reduzir a principal fonte do poder negocial e comprometer a sua (in)dependência face à contraparte, e de dizer NÃO. Mais objectivamente, significará i) ficar sem opções; ii) ser incapaz de avaliar e comparar as vantagens e desvantagens, para si, de toda e cada uma das propostas e acordos concretos apresentadas na mesa das negociações e, bem assim; iii) ser incapaz de identificar o ponto em que, em situações de impasse e/ou de becos sem saída preferiria “não negociar mais”, do que continuar a fazê-lo e em piores termos. Criar a Melhor Alternativa Para o Negócio (MAPAN) passará por ser criativo, prático, flexível e ser capaz de seleccionar a opção com menor custo, mais fazível, com impacto directo e imediato, com consequências que não compro-
metam a continuidade da relação com a contraparte no futuro. E conhecer a MAPAN da contraparte será tarefa decisiva também. No limite, um ‘Plano B’, em situações de grande stress e pânico negociais, sempre nos permitirá, porque bem guardado na nossa carteira, tocar nele e dizer: “Eu vou estar bem quando tudo não estiver bem”.
Ciclo da proposta negocial (Framework dos 5 C): Consulta, Contacto, Conflito, Conciliação e Conclusão, in MORGADO, Paulo, “O Processo Negocial – 10 Etapas para o Sucesso”, McGraw Hill. 2 São características de um bom ‘Plano B’: ser atractivo, prático e viável significa. Tal significa que este está ‘vivo’, é imediatamente accionável (i.e. não é um ‘Plano B’ Fantasma), gera na contraparte uma percepção de valor maior do que na realidade é, indica claramente quando deve sair do negócio e não quando deve assinar o contrato. 3 Os investigadores de negociação FISHER, Roger e URY, William inventaram o termo BATNA no seu best-seller de 1981 ‘Getting to Yes: Negotiating Agreement Without Give In’, Penguin Books. 1
49
POWERED BY
especial inovações daqui 50
CONFIANÇA NA ERA DIGITAL
Estudos sugerem que a tecnologia está a mudar os critérios que a sociedade usa para escolher em quem ou em que confiar. Há uma clara tendência de confiar mais em estranhos do que nas instituições.
54 PROINCO
Uma Plataforma que Faz a Diferença na Captação de Investimentos
56 PANORAMA As Notícias da Inovação em Moçambique, África e no Mundo
TECNOLOGIA
Como a Era Digital Está a Mudar a Concepção da Confiança Assim como a definição da ‘verdade’ mudou radicalmente com o advento da Internet e das redes sociais, a definição de ‘confiança’ no século XXI será reescrita por novas tecnologias como a Blockchain. Uma pesquisa da escritora e professora da Universidade de Oxford, Rachel Botsman, faz menção a profundas mudanças que o avanço tecnológico está a trazer no comportamento das sociedades. Perigo à solta! TEXTO Celso Chambisso • FOTOGRAFIA D.R.
“
D
eixámos de confiar nas instituições e começámos a confiar em estranhos”, resume a escritora e especialista em assuntos relacionados com o estabelecimento de relações de confiança nos diversos domínios da vida da sociedade. Autora de um livro intitulado “Em quem vocês confiam?”, Rachel Botsman elucida que as pessoas, agora, confiam menos em grandes empresas, bancos, governos e grupos religiosos, e estão a transferir as suas crenças e confiança para outras pessoas, muitas vezes, nas que não se devia confiar facilidade.
que a confiança é algo que podem criar ao realizar certas acções ou que é um valor”. Mas, no seu entender, “não se pode criar confiança”. Isto é, “a confiança é algo que as pessoas oferecem, geralmente às pessoas erradas”, enfatizou. Um dos exemplos que avança sobre a influência da era digital na postura dos indivíduos em relação à confiança ocorreu dentro da sua própria casa. Conta que os seus pais, certa vez, contrataram uma babá cujo perfil tinha sido extraído de um anúncio na The Lady, uma publicação inglesa da alta sociedade. A mulher falava com sotaque escocês, usava óculos e disse que perten-
Quem imaginava que entraríamos no carro de um desconhecido ao invés de chamar um táxi (Uber)? Ou que aceitaríamos receber ou nos hospedar na casa de alguém que nunca vimos O exemplo vai para as plataformas Airbnb e Uber, accionadas através de tecnologias como a cadeia de blocos (Blockchain). “Quem imaginava que entraríamos no carro de um desconhecido ao invés de chamar um táxi (Uber) confiando num ranking? Ou que aceitaríamos receber ou hospedar-nos na casa de alguém que nunca vimos na vida no lugar de escolher um hotel (Airbnb)? E o que leva milhões de investidores a acreditarem numa moeda virtual sem lastro com nenhum activo financeiro tradicional?”, questiona. Resposta: Confiança. A autora critica o facto de que “muitos pensam
52
cia ao Exército de Salvação. Todos esses atributos eram sinais de confiança, os tipos de indicadores que as pessoas utilizam para avaliar a confiabilidade de alguém. Após dez meses, a babá desapareceu. Mais tarde, a família soube que ela dirigia uma das maiores operações de tráfico de drogas. Ou seja, a confiança na plataforma que permitiu a contratação da babá não deixou margens para o devido cuidado em averiguar o perfil de uma pessoa que chegou a oferecer perigo à estabilidade da família por tanto tempo. E isto aplica-se a diversas áreas da vida da sociedade, em que a tecnologia “cega” as pessoas, www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
53
inibindo-as de observar o perigo. “Estamos a atravessar um vácuo de confiança que surge quando a nossa crença em factos e na verdade é continuamente questionada… Neste vácuo tornamo-nos mais susceptíveis e vulneráveis a teorias da conspiração, a diferentes vozes que sabem falar com os sentimentos da pessoa acima dos factos. É uma nova forma tóxica de transparência”, conclui Rachel Botsman. Ainda assim, para a pesquisadora, a falta de confiança nas instituições “não é sinal de crise de confiança”. Isto é, “as interacções de hoje reflectem as mudanças da era tecnológica”.
‘Confiança’ não é tema de hoje
Esta questão começou a ganhar destaque em 2018 quando Mark Zuckerberg declarou guerra às “fake news”, anunciando que o Facebook passaria a dar prioridade aos posts dos seus amigos no feed em detrimento dos posts de notícias. A ideia era evitar que mentiras
mente ligada ao ambiente laboral, partindo do princípio de que há cada vez mais pessoas a questionarem a gestão da sua carreira, a exigirem líderes mais preparados para diálogos e a não aceitar mais o modelo de obediência “cega”. Nesse cenário, surge um novo contrato psicológico. O funcionário da empresa não é mais um recurso que vai sendo utilizado de acordo com o projecto empresarial. Ele passa a avaliar o impacto do trabalho no desenho da sua vida, com temas de carreira, como saúde, família e propósito. E aí a confiança é a chave. Num estudo da consultora norte-americana Gartner, entre os factores de perda de talentos na organização está a falta de perspectiva e diálogos de carreira. A pesquisadora norte-americana Rachel Botsman afirma que essa será a chave para as relações de consumo e de trabalho. Num dos seus levantamentos, concluiu que apenas 20% dos profissionais sentem liberdade para dialogar de
Neste novo mundo, segundo o levantamento da EY, compartilhar dados pessoais tornou-se vital, mas as pessoas começaram a se questionar e entender o contexto e a segurança necessários antes de permitir a troca de informações (ou falsas verdades) fossem espalhadas pela Internet. Quando as redes sociais deram vez e voz aos usuários, a verdade entrou em xeque e gerou uma crise de confiança, abrindo um terreno fértil para infestar as timelines dos usuários com as mais variadas ‘verdades’. “Creio que, depois da Internet e das redes sociais, a verdade nunca mais foi ou será a mesma. Foi exterminada no momento em que cada um de nós passou a ser um novo media. Por isso, a verdade nunca mais será monopólio dos meios de comunicação. Agora, cada um constrói e conta a verdade que quer. Não há mais o que fazer. As novas gerações confiam mais no youtuber do que no jornal, na revista ou na TV. Os seus influenciadoras já não são os colunistas, professores ou experts diplomados, mas blogueiros, tuiteiros, facebookeiros, celebridades digitais”, exemplificou Botsman.
Confiança é a nova moeda organizacional
Outro ângulo de análise sobre a questão da confiança na era digital está directa-
54
maneira transparente com os seus líderes. E 56% preferem ter conversas de carreira com outras pessoas, porque sentem que o líder directo não irá ouvir ou poderá fazer retaliações, dependendo do rumo da conversa. Assim, e pela falta de confiança, o indivíduo diz ao seu chefe o que este gostaria de ouvir sobre a sua carreira. “Além de deprimente, isso significa o oposto do ambiente de trabalho ideal”, constatou, concluindo que “boa parte das pessoas não sente confiança para dialogar sobre as suas expectativas e tem receio dos seus chefes, que ainda são viciados no modelo de comando e controlo”.
Défice de confiança, a outra face da moeda
Afinal, a questão da confiança pode ser interpretada sob diversos ângulos. Enquanto o estudo de Rachel Botsman aponta mudanças sobre “em quem confiar”, outras abordagens estudam o que se considera ser “défice de confiança” induzida pela própria era digital, em
áreas específicas e sensíveis. Em 2020, a Ernst & Young realizou uma pesquisa global sobre a privacidade do consumidor cujo objecto girava em torno da questão “O lockdown tornou os consumidores mais abertos para a privacidade?”. Explorando um mundo impactado pela pandemia do coronavírus e as medidas governamentais de isolamento social, o estudo tem por contexto um mundo hiperconectado, sem planeamento nem reflexões sobre impactos da digitalização total, com excesso de viwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
deoconferências e eventos online, conversações profissionais e pessoais quase que exclusivamente através de mensagens instantâneas e com a imposição governamental de aplicativos de rastreamento do coronavírus. Neste novo mundo, segundo o levantamento da EY, compartilhar dados pessoais tornou-se vital, mas as pessoas começaram a questionar-se e entender o contexto e a segurança necessários antes de permitir a troca de informações: 61% estavam confortáveis em compartilhar dados de contacto quanwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
do cientes de que os seus dados pessoais estariam seguros, contra 26%, que aceitariam conceder acesso aos seus dados pessoais mesmo a organizações com má reputação em privacidade. No ano passado, já num mundo em recuperação lenta dos efeitos sociais e económicos da pandemia, outro estudo revelou que 72% dos entrevistados ainda encontram dificuldades em obter informações sobre as práticas de tratamento de dados pessoais na internet, indicando falta de transparência nos serviços online. 60% dos parti-
cipantes disseram ter abandonado contas em serviços online por questões de privacidade, sendo que 46% já o fizeram mais de uma vez. Ainda segundo essa pesquisa, 33% dos entrevistados desistiram de criar contas num website por razões como a recolha excessiva de informações. A resposta para o problema da confiança, neste caso, está, de alguma forma, ligada aos princípios e exigências da cibersegurança, nomeadamente a transparência, privacidade e segurança, especialmente com o uso de dados sensíveis.
55
FINTECH
PROINCO
A Plataforma Que Faz a Diferença na Captação de Investimento Atrair investidores para o desenvolvimento do País é tarefa habitualmente assumida pelo Governo. Mas, afinal, os privados podem (e devem) fazer parte, e a PROINCO procura fazer isso mesmo TEXTO Hélio Nguane • FOTOGRAFIA Mariano Silva
M
oçambique já esteve entre os três maiores receptores de Investimento Directo Estrangeiro (IDE) de África, depois da Nigéria e da África do Sul, em 2014, quando recebeu cerca de cinco mil milhões de dólares. Mas uma combinação de factores veio baixar, gradualmente, estes números para os actuais dois mil milhões de dólares. Apesar de ser verdade que a maior parte destes fluxos provêm da indústria extractiva, Eugénio Dombo, mestre em gestão de negócios, usou a sua experiência como antigo funcionário de uma instituição pública ligada à atracção de investimentos para criar uma plataforma que, ao mesmo tempo que é rentável, ajuda a aumentar o volume de investimentos em diversas áreas. Trata-se da Agência Privada de Promoção de Investimentos e Comércio (PROINCO), que congrega uma rede de projectos de investimento com uma base de dados composta por mais de 3000 empresas nacionais e estrangeiras de todas as dimensões, que procuram estabelecer negócios em diversas áreas. Além de ter um portal acessível em mandarim, inglês e português, o aspecto inovador desta empresa é o facto de ter identificado uma oportunidade, que aparentemente nenhuma outra empresa privada apostou até agora em Moçambique, segundo o respectivo proprietário. Ou seja, Eugénio Dombo acredita ser pioneiro nesta área, detendo as instituições públicas ligadas à promoção de investimentos como parceiras estratégicas. Como funciona? Com uma equipa de profissionais jovens, a agência avalia as vastas oportunidades de ne-
56
gócios que o País oferece, bem como na promoção do comércio internacional de diversos produtos e commodities. “A consultoria que prestamos ajuda os clientes na tomada de decisões de investimento precisas, com uma visão de oportunidades mais consistente para optimizar os seus negócios, gerir riscos e maximizar lucros”, explicou Eugénio Dombo. A PROINCO trabalha com parceirosde empresas privadas asiáticas, multinacionais árabes, da União Europeia, representações diplomáticas e empresas locais. “Da lista de empresas com que trabalhamos podemos destacar as chinesas Lian Feng, do sector da agricultura, e a Qing An Construction Internacional, a indiana Varenyam, a sul-africana Unitrans Africa, a inglesa Power Blox e a empresa moçambicana Trans Mazenga”. Ao longo dos quatro anos de existência, conseguiu captar investimentos em sectores como o Agro-negócio, Pescas, Turismo, Oil & Gas, Mineração, Construção, Infra-estruturas, Tecnologia, Energia e Transporte. Mas não revela o valor total. A empresa cobra uma taxa pela assistência que presta aos clientes para investirem, sendo que para as grandes empresas somam-se grandes valores e para os pequenos cobra taxas correspondentes, comprometendo-se, também, a fazer uma avaliação contínua dos resultados obtidos pelos seus clientes. Em resultado da credibilidade que vem ganhando no mercado, a sua base de dados cresce a olhos vistos e a ambição, segundo Eugénio Dombo, é que nos próximos cinco anos a agência aumente a carteira de clientes e cimente o seu nome como referência no sector.
B
EMPRESA PROINCO SECTOR Promoção de Investimentos CRIAÇÃO 2018 TRABALHADORES seis fixos e oito sazonais PROPRIETÁRIO Eugénio Dombo
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
www.economiaemercado.co.mz |Maio 2022
55
PANORAMA
Empreendedorismo
Vodacom e ideiaLab lançam iniciativa para fomentar negócios digitais de jovens moçambicanos A Vodacom Moçambique, em parceria com a ideiaLab, lançou, em Maputo, o programa “Vodacom PUXAP”, uma iniciativa que tem por objectivo desenvolver negócios inovadores de jovens e apoiar o seu crescimento no mercado. O referido programa está alinhado com o propósito da operadora de telefonia móvel e do seu parceiro, ideiaLab, em promover a inovação centrada em soluções tecnológicas para jovens, com foco na promoção do
empreendedorismo digital. Foram anunciadas, no quadro desta iniciativa, 11 startups seleccionadas para o programa que irá decorrer em duas fases: os primeiros sete meses para a aceleração dos negócios através de workshops de capacitação em empreendedorismo, acompanhados por especialistas em várias áreas, e os restantes 11 meses, durante os quais será feito o acompanhamento, a monitoria e a avaliação do progresso das várias startups.
Healthtechs
Startup queniana utiliza Inteligência Artificial para diagnóstico de doenças em tempo real Ciência
Moçambique cria ‘Sala do Futuro’ que serve de oficina pedagógica para o ensino integrado A ‘Sala do Futuro’ é aplicada para Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática (STEM), equipada com kits de ciências, robótica e equipamento digital e irá permitir a integração de várias áreas do saber no mesmo espaço com novos métodos de ensino para o desenvolvimento de competências de aprendizagem baseada na resolução de problemas reais. Esta inovação foi desenhada para a aplicação de novas técnicas de ensino integrado e permitirá a rápida comutatividade entre o sistema clássico de ensino, a utilização de tecnologias, o ensino experimental e a promoção de práticas cooperativas e colaborativas tão necessárias para a maximização dos resultados de aprendizagem e de resposta aos novos estímulos com que a juventude se depara. Com esta visão, pretende-se, segundo o ministro da tutela, Daniel Nivagara, melhorar a aprendizagem dos estudantes de todos os sistemas (Ensino Superior, Educação Profissional e Ensino Geral) e níveis, promover o gosto pela área STEM e aumentar a investigação e a sua relevância na vida dos moçambicanos. A ‘Sala do Futuro’ foi estabelecida no campus da Universidade Pedagógica de Maputo e é a primeira das quatro previstas no País.
58
A Neural Labs Kenyan startup está a utilizar imagens médicas habilitadas para Inteligência Artificial (IA) para facilitar o diagnóstico em tempo real de várias doenças respiratórias, cardíacas e mamárias. Fundada em Janeiro de 2021 por Tom Kinyanjui e Paul Mwaura Ndirangu, dois engenheiros mecânicos, a Neural Labs desenvolveu uma plataforma chamada NeuralSight numa tentativa de reduzir a carga de doenças e a carga de trabalho hospitalar em África, com melhores resultados para os pacientes e acesso democratiza-
do aos cuidados de saúde. A Neural Sight pode, assim, identificar, rotular e destacar mais de 20 doenças respiratórias, cardíacas e mamárias e patologias, incluindo pneumonia, tuberculose, covid-19, enfisema e mais. Os co-fundadores têm vindo a trabalhar em diferentes tecnologias centradas na gripe aviária desde 2020, acabando por zerar na resposta aos desafios dos cuidados de saúde. No continente africano, os serviços de cuidados de saúde são excessivamente utilizados, mas com poucos recursos, o que significa que o tempo de espera de um doente para receber os resultados laboratoriais analisados é muitas vezes superior a 72 horas. Isto resulta em tratamentos tardios, reduzindo as hipóteses de sobrevivência. A plataforma de imagiologia médica habilitada para IA da NeuralSight acelera este processo, sendo que a fase de testes está actualmente a decorrer em Nairobi.
Pagamentos
Homem cria chip que permite efectuar pagamentos com a mão Os pagamentos com cartões bancários, telemóveis e relógios tornaram-se comuns com a pandemia mas, pelos vistos, o acto de pagar em lojas ou restaurantes poderá tornar-se ainda mais rápido. Tão rápido quanto passar com a mão por um terminal de pagamentos. É esta a proposta de uma empresa de nome Walletmor, que diz ter-se tornado, no ano passado, a primeira a implantar um chip de pagamento numa pessoa. O chip em questão pesa menos do que um grama, é pouco maior do que um grão de arroz e faz uso de tecnologia NFC, que está presente em dispositivos capazes de realizar pagamentos ‘contactless’.“O implan-
te pode ser usado para pagar uma bebida na praia em Maputo, um café em Nova Iorque, um corte de cabelo em Paris – ou na sua mercearia. Pode ser usado onde quer que sejam aceites pagamentos ‘contactless’”, afirmou à BBC o fundador e CEO da Walletmor, Wojtek Paprota. O primeiro cliente da Walletmor foi Patrick Paumen, um segurança de 37 anos que não usa cartão bancário ou telemóvel para pagar. Basta-lhe passar a mão num terminal de pagamento. “São impagáveis as reacções que obtenho dos caixas”, diz Paumen, adiantando que “o procedimento para implantar não dói muito, é como quando alguém nos belisca”. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
POWERED BY
59
OPINIÃO
Ricardo Velho • Business Development Manager, Insite & Paulo Borges • Consultor em Cibersegurança, Segurti
O
s sistemas de gestão consistem num conjunto de políticas, processos e procedimentos implementados segundo um modelo de melhoria contínua. A gestão do risco das organizações é um destes processos, sendo composto por diversas etapas que permitem a identificação das ameaças e das vulnerabilidades que exploram; a definição dos riscos e respectivos níveis em função quer da probabilidade de ocorrência das ameaças, quer do impacto nos serviços críticos de suporte ao negócio; e a definição dos tratamentos necessários para baixar, o mais possível, os níveis de risco. Actualmente, as organizações encontram grandes desafios face às diversas fontes de risco que se podem identificar no contexto das suas actividades de negócio, tais como o risco financeiro, o risco de segurança da informação crítica, o risco da disrupção de serviços, risco de falhas de conformidade legal, regulamentar ou normativa, entre muitos outros. Para fazer face a tais desafios, as organizações necessitam de melhorar a gestão e tratamento de todas as variantes de risco, sendo, para tal, imperativa uma abordagem mais abrangente pela gestão de topo das organizações, que permitirá uma correcta identificação e gestão de múltiplos cenários de risco. Por outro lado, muitas organizações identificam desafios para a implementação de sistemas de gestão ISO, que podem incluir a gestão da qualidade (ISO 9001), gestão ambiental (ISO 14001), gestão de saúde e segurança no trabalho (ISO 45001), gestão da continuidade de negócio (ISO 22301), gestão da segurança da informação (ISO 27001), gestão da Cibersegurança (ISO 27032), gestão da conformidade (ISO 37301), entre vários outros. Apostando tipicamente num dos
60
A Importância da Integração dos Sistemas de Gestão na Gestão do Risco das Organizações sistemas de gestão e procurando gerir os restantes desafios de uma forma desagregada, infelizmente obtém, em geral, uma taxa de sucesso muito baixa, que gera uma desmotivação crescente e que se expande à comunidade empresarial que a envolve. Neste contexto, a integração dos sistemas de gestão tem-se revelado internacionalmente como uma alternativa com bons resultados. Como funciona? Muito simples: nos últimos seis anos, a ISO (International Standard Organization) tem feito um alinhamento das normas que suportam a certificação dos sistemas de gestão de modo a que tenham um tronco comum, permitindo assim um melhor retorno do investimento por parte das organizações.
Assim, a integração dos sistemas de gestão promove uma abordagem orientada para a unificação do esforço/investimento que é exigido às Organizações em tempo, recursos humanos, financeiros e tecnológicos, e em custos, permitindo o completo aproveitamento de sinergias na definição e implementação de políticas, processos e procedimentos. Tal inclui, de uma forma muito particular, a gestão e tratamento do risco, uma vez que em todos os sistemas de gestão esta está integrada na cláusula 6 (Planeamento) e a cláusula 8 (Operações). Assim, a aposta na integração dos sistemas de gestão, adoptando planos de implementação e melhoria plurianais devidamente coordenados com a estratégia da gestão de topo, resulta em Orga-
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Como nunca na História, as organizações precisam de implementar a cibersegurança nizações mais protegidas, credíveis, seguras e resilientes. Os benefícios da integração dos sistemas de gestão incluem: 1. A diminuição do custo e tempo de implementação devido ao uso mais eficiente do tempo de execução de documentos e à ausência de duplicação de certas actividades, tais como acções de formação, auditorias internas, criação e operacionalização de processos, análises de risco, gestão do projecto, etc. 2. Benefícios operacionais, do ponto de vista de controlo de documentos e na medida em que permitem uma gestão mais harmonizada, simplificada e eficiente. Os requisitos dos diferentes sistemas estão alinhados e são apresentados por um mesmo documento, por exemplo, uma Política Integrada da Segurança ou um Manual de Gestão integrado de Qualidade e Saúde e Segurança no Trabalho. 3. Melhoria da eficácia da comunicação interna e externa com as partes interessadas, utilizando um único procedimento com mensagens pré-definidas e coordenadas. 4. Atribuição mais racional da alocação de tempos dos colaboradores para as necessárias funções e responsabilidades. 5. Realização de uma análise do risco com várias fontes em simultâneo (Organizativa, Financeira, Humana, Tecnológica, Natureza, Cibersegurança, etc...), permitindo a identificação mais abrangente dos riscos, dos respectivos tratamentos e
dos controlos de segurança a implementar. 6. Implementação de uma única ferramenta para gestão de incidentes, utilizando um único processo para resposta a diversos tipos de acontecimentos, melhorando a maturidade e o tempo que a organização necessita para retomar o modo normal dos seus serviços, em especial no caso de falhas de disponibilidade geradas por eventos disruptivos. 7. Realização de auditorias integradas num programa anual, diminuindo o tempo necessário para recolha de evidências, para a produção de constatações de conformidade e dos respectivos relatórios de auditoria, e promovendo um catálogo de melhorias o mais abrangente possível. 8. Permitir a melhor sustentabilidade da organização, focando não só a redução de custos, mas também o maior envolvimento e responsabilização dos colaboradores, contribuindo para a sua eficácia, auto-motivação e fidelização à organização. 9. Maior eficácia na demonstração de conformidade legal, normativa, regulamentar e contratual, a vários níveis da organização. Um exemplo práctico da necessidade e benefícios da integração de sistemas de gestão pode ser dado no contexto da implementação de um S.G.C.N - Sistema de gestão de continuidade de negócio, que tem como objectivo assegurar a capacidade de a organização continuar a disponibilizar os seus produtos e serviços
“Os desafios que as organizações mundiais encontram actualmente estão relacionados com mercados globais e altamente competitivos... com evolução muito dinâmica” www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
em caso de incidente disruptivo, de forma planeada e adequada aos limites temporais pré-definidos. Para assegurar esta capacidade, devem ser conhecidos quais os activos críticos que queremos proteger de modo a assegurarmos a referida continuidade. Após a identificação dos serviços críticos a proteger, deverão ser tidos em consideração quais os riscos que poderão afectar a organização e, em particular, os activos identificados. A título de exemplo, imaginemos que, para além de outros riscos, a organização tem uma elevada exposição no ciberespaço e/ou que existem elevados riscos associados à informação sensível com que lida diariamente. Como resposta, no contexto da implementação do sistema de gestão de continuidade do negócio, considera-se necessário proceder, também, à implementação integrada da gestão da Cibersegurança e da gestão da Segurança da Informação – trata-se de uma resposta adequada e alinhada com as necessidades da organização, imperativos contratuais e/ou legais e que contribui de forma efectiva para a resiliência da organização. No que diz respeito à Cibersegurança, serão identificadas e implementadas medidas e acções de prevenção, monitorização, detecção, reacção, análise e correcção que visarão manter o estado de segurança desejado e garantir a confidencialidade, integridade e disponibilidade da informação, redes digitais e dos sistemas de informação no ciberespaço, assim como das pessoas que nele interagem. No caso concreto da segurança da informação protege-se o activo identificado como crítico – a informação, do ponto de vista da sua confidencialidade, integridade e disponibilidade. Os desafios que as organizações mundiais encontram actualmente estão relacionados com mercados globais e altamente competitivos, caracterizados por estados de mudança e evolução muito dinâmicos, assentes numa forte digitalização de processos de negócio. Assim, os riscos gerados, cada vez mais impactantes e globais, convidam a que a gestão de topo adopte uma estratégia mais abrangente, eficaz e integrada, na gestão da sua segurança. Fazer bem, à primeira, com menos custos e usando menos recursos, protegendo o que é crítico e mitigando a probabilidade de disrupções de serviços e perda de informação é a chave do sucesso para as organizações públicas e privadas em todo o Mundo e, em particular, em Moçambique.
61
MERCADO & FINANÇAS
Da Inflação Assumida à Tímida Retoma. O Caminho do Meio Tem um Princípio e um Fim: Prudência Com as previsões, nomeadamente da inflação, a mudarem todos os dias, e com o impacto que tal tem em tudo o resto, no mais recente briefing do Standard Bank sobre as perspectivas da economia moçambicana, o ano de 2022 continua a ser o ponto focal de uma recuperação económica esperada depois de dois anos de pandemia e de alguns meses de guerra na Ucrânia. Mas será mais lenta do que se previa e estará refém das grandes incertezas impostas, principalmente pela instabilidade macroeconómica global. Texto Pedro Cativelos & Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
O
Standard Bank Moçambique apresentou, no início de Maio, em Maputo, como habitualmente ao longo dos últimos anos, embora num formato diferente, o seu Economic Briefing no qual ‘desenha’ o panorama expectável para a economia nacional, fruto da conjugação do enquadramento global com o panorama local. Se há momento em que se pode utilizar o termo ‘spoiler alert’ em textos sobre macroeconomia, ele será aqui bem situado: sim, não será ainda este ano, e também não no próximo, nem do seguinte, que Moçambique irá crescer como todos os agentes económicos esperam desde 2010. No entanto, para lá da constatação mais ou menos óbvia face aos dois últimos anos e meio, há boas e más notícias. A recuperação está aí, o FMI também, mas a inflação veio para durar e complicar. Fica mais caro o preço da retoma e mais longe o crescimento exponencial. Mas chegará. Espera-se.
O que justifica um ano a ‘dois tempos’? O Standard Bank prevê um segundo semestre mais fulgurante e uma recuperação do crescimento económico para um ritmo final anual de 2,8% em 2022, uma melhoria após os 2,2% registados em 2021. Se, no primeiro semestre, o crescimento será tímido, o segundo semestre promete alguma agitação económica. No bom sentido. Fáusio Mussá, Economista-Chefe do Standard Bank em Moçambique, acredita que a economia nacional vai experimentar, agora, alguma recuperação da produção agrícola, apesar de o primeiro trimestre ter sido caracterizado por chuvas acima do normal e por uma época de ciclones que provo-
62
caram prejuízos em várias culturas. E, claro, o início da exploração de gás liquefeito na Área 4, na unidade de FLNG da ENI, terá algum peso, até simbólico, no caso. No campo das expectativas, o anúncio do retorno da TotalEnergies aos trabalhos, que só deverá acontecer mesmo no fim do ano, porventura apenas no próximo, colocam alguma água numa fervura que não chegará a levantar. “Provavelmente haverá agora uma retoma da produção agrícola que pode ajudar a baixar o preço dos alimentos. Também estamos a olhar para a possibilidade de um recomeço da economia moçambicana, o que significa uma retoma dos números de IDE (Investimento Directo Estrangeiro), sem o qual vai ser difícil experimentarmos uma grande aceleração do crescimento económico”, argumentou. Mas, ao mesmo tempo que se espera que aumentem os influxos de IDE (primeiro, directamente relacionados com os projectos de gás e, depois, com um conjunto de outros projectos que começam a avistar-se no horizonte, maioritariamente relacionados com a cadeia de valor do gás), e com o programa de financiamento do FMI para Moçambique, mais a possibilidade de retorno do Banco Mundial que se tem aventado, tudo junto terá, certamente, impacto no acesso a fontes de financiamento que alavanquem, ou ajudem a mitigar, os anos em que o País não teve, como agora terá, acesso aos grandes mercados internacionais para financiar projectos. “A nossa expectativa é de que este programa [do FMI], com foco em reformas fiscais, vá ajudar a melhorar a governação e o uso eficiente dos recursos do Estado, bem como restaurar a confiança dos doadores e investidores naquilo que é fazer negócios em Moçambique, permitindo que o País experimente avanços
nos principais indicadores macroeconómicos”, justificou o economista.
O papel do gás... enquanto o gás não sai do papel Entre os pressupostos que o Standard Bank usou para concluir que “haverá crescimento mesmo em ambiente global conturbado” está também a esperança de que a produção de gás no projecto Coral Sul arranque já no segundo semestre deste ano — o Ministério da Economia e Finanças prevê que o projecto canalize receitas avaliadas em 34 milhões de dólares no Orçamento do Estado de 2022, provenientes da produção e exportação de GNL — , e que a situação de segurança no norte do País possa permitir à Total retomar a construção do projecto de gás. “Obviamente que, assim que tivermos mais elementos, iremos actualizar as nossas projecções à medida que informações relevantes se tornarem disponíveis. Por agora, estas projecções consideram uma retoma gradual do investimento em Moçambique” vincou o responsável.
Desenvolvimento... em desenvolvimento É a maior preocupação que os economistas têm levantado (há décadas), mas para a qual dificilmente se chega a respostas conclusivas, ou melhor, acções concretas. Fáusio Mussá chama a atenção para o facto de que “é preciso sermos muito cautelosos porque estamos a falar de um PIB que, nos próximos três a quatro anos, vai crescer em média 3,7% ao ano. Este nível de crescimento é ainda inferior ao que o País necessita para reduzir a pobreza e as desigualdades sociais”. E acrescenta que “uma crítica que acompanhamos e ouvimos em vários fówww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O banco apresentou as perspectivas económicas do País perante uma plateia concorrida por representantes de importantes instituições públicas e privadas do País runs é que o crescimento que Moçambique tem experimentado nos últimos anos não tem sido bem-sucedido sob o ponto de vista de criação de emprego. Se calhar, temos uma oportunidade única para incentivar certos actores da economia através de programas que são mais propensos a gerar emprego do que os grandes projectos. Estes são importantes para a estabilização macroeconómica e para ajudar a trazer moeda externa, mas o impacto dos mesmos na criação de emprego ainda é muito reduzido”, enfatizou. Ainda assim, “penso que o País está a entrar numa fase de reformas estruturais para, essencialmente, ajudar a tornar o crescimento mais inclusivo”, repisou. Bernardo Aparício, novo CEO do Banco, complementou de forma mais precisa ainda: “Para além de tudo, há desafios, e não são pequenos, no crescimento do agro-negócio, na industriawww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
lização e, a este nível, é preciso perceber como baixar os custos de industrializar no País, no desenvolvimento das cadeias de logística, nos impactos de tudo isso para as PME que têm de ser fomentadas. O que vai formalizar a economia é a criação de emprego, de forma transversal. Do nosso lado, estamos aqui para contribuir para esse debate”, anuiu.
A inflação e os riscos da guerra na Ucrânia As medidas para miscigenar crescimento e desenvolvimento passarão por conjugar todas estas variáveis e criar condições macroeconómicas para que a estabilidade ajude a reduzir o impacto negativo da inflação na população. Olhando para fora, a conjuntura macroeconómica do mundo tem, obviamente, impacto na economia nacional. E o Economista-Chefe do Standard Bank, Fáusio Mussá, fala precisamente
de como isso pode ter um peso decisivo em vários aspectos ao longo dos próximos meses, em Moçambique. Regista-se, desde o período pandémico, uma tendência inflacionista, que se agravou e de que maneira, com a guerra na Ucrânia, aumentando o preço das commodities, sobretudo o petróleo e o gás natural, e de importantes produtos alimentares, como são os casos do milho e do trigo, “não só porque a Ucrânia e a Rússia produzem uma importante quantidade de trigo que é exportada e consumida no mundo, mas também por causa da sua contribuição na agricultura, uma vez que são grandes fornecedores ao nível global de fertilizantes”. Então, este choque pressiona os preços a nível mundial e a resposta dos bancos centrais tem sido a de aumentar taxas de juro para ajudar a refrear a procura”, acrescentou. Mas esta solução também levanta questões: “será que reduzirá o aumento das taxas de juro? Será que irá levar a economia mundial a uma recessão outra vez?”, questiona. Obviamente que Moçambique, sendo um país que importa combustíveis e alimentos, está propenso a registar o agravamento da inflação. Por isso, a expectativa do Standard Bank, em Janeiro, era que podia fechar o ano a rondar os
63
MERCADO & FINANÇAS
PIB CONTINUARÁ A CRESCER As projecção optimistas baseiam-se, sobretudo, na retoma da ajuda do FMI e, eventualmente, de outros parceiros, bem como do avanço dos projectos de gás Crescimento do PIB em %
-1,2
2020 2,2
2021
2,8
Prev.2022
3,7
Prev.2023
4,1
Prev.2024
4,3
Prev.2025
INFLAÇÃO JÁ FAZ PRESSÃO O nível geral de preços deve chegar ao limite de um dígito este ano, principalmente devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia Inflação média anual em %
2020
3,5 6,7
2021
9,4
Prev.2022 7,3
Prev.2023
6,5
Prev.2024
5,9
Prev.2025
JUROS AINDA VÃO SUBIR A taxa de juro de referência para o sistema financeiro nacional, a MIMO, vai pressionar ainda mais as empresas e todos os que contraíram crédito bancário em 2022 Taxa MIMO em %
2020 2021
3,5 6,7 9,4
Prev.2022 7,3
Prev.2023 Prev.2024 Prev.2025
6,5 5,9
O DÓLAR TAMBÉM VAI SUBIR Em 2020 e 2022, o metical apresentou estabilidade cambial, mas em 2023 começará a subir o que concorre para a redução de investimentos e subida da inflação Cãmbio Mt/Usd
74,9
2020 2021
63,8
Prev.2022
63,4
Prev.2023 Prev.2024 Prev.2025
65,7 67,8 69,8 FONTE Standard Bank Moçambique
64
As projecções apontam um segundo semestre mais fulgurante e uma recuperação do crescimento para um ritmo anual de 2,8% em 2022, uma melhoria após 2,2% em 2021 6%, já incluindo o impacto do aumento do preço dos combustíveis, mas a projecção foi depois revista em alta para 9,4% até o fim de 2022.” E pode não ficar por aqui, provocando impactos que, para já, não são facilmente observáveis à distância.” “De ontem para hoje, Fáusio fez aumentar a previsão da inflação em dois pontos percentuais”, aludia o CEO do Banco. Não andará, no entanto, longe da verdade. O termo ‘inflação’ terá sido, de resto, um dos mais mencionados na apresentação deste overview macroeconómico. Anda, de resto, nas bocas do mundo, e afecta as bolsas de toda a gente. “A economia é sensível às taxas de juro, mas muito mais à inflação que afecta 30 milhões de moçambicanos e é aqui que
devemos estar focados”, complementava Bernardo Aparício, aludindo ao facto de esta ser, de facto, ‘A’ questão do momento no que às previsões dos próximos meses diz respeito, afectando a vida de pessoas, de pequenas, médias e grandes empresas de todo o País. Mas os efeitos negativos da guerra não param por aqui. No Briefing do Standard Bank participou, por vídeoconferência, Steve Barrow, chefe da estratégia do G10 — uma organização internacional que reúne representantes de 11 economias desenvolvidas e subdesenvolvidas. O responsável alertou que “os riscos de recessão, particularmente na Europa, prejudicarão as perspectivas de exportação de África”. Mas também apresentou um contrapeso: “A capacidade www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
de África para fornecer produtos energéticos à Europa, uma vez que o velho continente está a migrar para longe do suprimento russo.” “Moçambique não está isolado das ondas de choque do resto do mundo, depois dos lockdowns e da pandemia, com a perda de empregos, por exemplo. Para o futuro, as principais preocupações passam por uma eventual recessão global, da qual não estou muito convencido, e uma forte sensação de que a inflação ficará por muito tempo”, sublinhava Fáusio Mussá. Com tudo isto, e com uma quinta vaga de Covid-19 a começar a ganhar lugar nas notícias, mesmo aqui ao lado, na África do Sul, mas já sem as medidas restritivas das primeiras ao nível da contenção, são notórios os efeitos do alívio das restrições na economia, e permanece viva a esperança de crescimento da economia nacional. Mas é contida, porque o crescimento do PIB acima de 10% só mais para o final da década, quando (e se) os projectos de LNG de Cabo Delgado estiverem em plena produção. Até lá, estamos juntos, e a luta continua. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
OP
CEO TALKS
“Estamos Satisfeitos com a Entrada em Moçambique, o Potencial do Mercado é Ilimitado” Causou sensação no mercado automóvel nacional a ‘mudança de mãos’ que se registou na Toyota Moçambique, marca historicamente líder de mercado no País (e no continente africano) e como passou a ser ‘conduzida’ pela multinacional CFAO. Como e para onde se dirige a Toyota? O CEO da empresa e o representante da marca no País respondem a seguir. Uma coisa é certa: não prometem abrandar a velocidade. Bem pelo contrário Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
U
m ano após o início da operação, Fabrice de Creisquer, CEO da CFAO Automotive East & Southern Africa e Nuno Sousa, Managing Director da empresa em Moçambique, falam à E&M - DE por ocasião do lançamento de novos modelos da marca no mercado nacional. Para lá do balanço dos primeiros meses no mercado, não deixam de revelar alguns dos objectivos e da presença no País desta gigante africana nascida em 1852 e presente em 39 dos 54 mercados do continente, que emprega 21 mil trabalhadores em áreas que vão (além do ramo automóvel) das infra-estruturas à mobilidade e à saúde. Com a maioria do capital detida, desde 2012, pela TTC (Toyota Tshsho Tsusho Corporation, sõgõ shõsha ou trading company do grupo Toyota), a gigante CFAO olha, ainda assim, para o curto mercado automóvel moçambicano como forte aposta de futuro. No curto prazo, o caminho passa pelo ramo automóvel e em “crescer e fazer crescer o mercado”, aumentando volume e vendas, essencialmente por via do lançamento de novos modelos e serviços da marca, mas, no futuro próximo, por um reforço do investimento com uma eventual entrada em novas áreas de negócio, “uma possibilidade bem real”, até porque “o potencial do País é ilimitado”.
Quase um ano depois da CFAO se ter assumido como representante oficial da Toyota em Moçambique, e até pelo facto de o Nuno ter estado na anterior empresa (Entreposto) que detinha a representação da marca no mercado nacional, já é possível fazer um balanço deste primeiro ano no mercado? Nuno Sousa (NS): Começo por dizer que a CFAO Motors Moçambique tem, cer-
66
tamente, um apoio muito forte do Grupo CFAO, não apenas financeiro, como também operacional, tendo como base o facto de as boas práticas do Grupo serem bem partilhadas entre a organização e as suas marcas. África é um continente dinâmico, sabemo-lo, e Moçambique segue, como sabemos também, esse padrão. Indo à sua pergunta, qualquer tipo de mudança pode ser enorme e ter grande impacto. Haverá certamente diferenças face à anterior empresa, mas essencialmente o que gostaria de destacar é o presente, e como é fundamental ter um grupo com tão vasto conhecimento e presença no continente. Isto é algo que, com todo o respeito, o Grupo Entreposto, de facto,
O projecto LNG deveria ser uma grande oportunidade para Toyota e para a Hino... pela sua incrível reputação não tinha. Além disso, temos acesso à nossa plataforma de stock do Grupo para veículos (sempre mais de 2000 unidades) e peças no Dubai, Durban e em Le Havre. Acreditamos firmemente que esta plataforma nos ajudará a maximizar as exigências dos nossos clientes e a responder em conformidade com isso.
nomia e Finanças prevê que o projecto canalize receitas avaliadas em 34 milhões de dólares no Orçamento do Estado de 2022, provenientes da produção e exportação de GNL, e que a situação de segurança no norte do País possa permitir à Total retomar a construção do projecto de gás. “Obviamente que, assim que tivermos mais elementos, iremos actualizar as nossas projecções à medida que informações relevantes se tornarem disponíveis. Por agora, estas projecções consideram uma retoma gradual do investimento em Moçambique.
E quais são os planos, no curto e médio prazo? (NS) Como sabe, introduzimos, no final de Março, alguns novos modelos de passageiros acessíveis juntamente com o serviço “Toyota-Hino Connect Services”. Primeiro, esperamos que a nossa nova linha de modelos de passageiros atraia B2C (clientes individuais), que foi uma gama que nunca tivemos nos nossos produtos Toyota. Depois, todos vêm equipados com o serviço Connected, em colaboração com a Cartrack, um novo serviço que trará paz de espírito aos nossos clientes, porque, no caso de um furto de um automóvel, o nosso serviço irá apoiar o cliente a recuperar mais facilmente o veículo.
O papel do gás... enquanto o gás não sai do papel
Na sua opinião, onde está o verdadeiro potencial do mercado automóvel? São as grandes empresas, é a classe média, qual é a sua opinião sobre isto?
Entre os pressupostos que o Standard Bank usou para concluir que “haverá crescimento mesmo em ambiente global conturbado” está também a esperança de que a produção de gás no projecto Coral Sul arranque já no segundo semestre deste ano — o Ministério da Eco-
(NS) Obviamente que o projecto LNG deveria ser uma grande oportunidade para Toyota e para a Hino, embora especialmente a Toyota, pela sua incrível reputação em qualidade, durabilidade e fiabilidade (QDR). Mas claro que, além disso, vemos muitas oportunidades no www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
63
segmento individual ou aquilo a que chamamos de classe média. O número deste segmento está a aumentar drasticamente e é aqui que a Hyundai e a Kia estão a desempenhar o papel principal, recordando que o segmento SUV contribui com 15% do mercado total. Acreditamos firmemente que este segmento emergente merece mais investimento e cá estaremos para fornecer serviços e modelos adequados a isso mesmo.
Qual é o objectivo em termos estratégicos? É manter apenas os mode-
68
Toyota é a nossa principal marca e, por isso, tentaremos sempre maximizar o seu desempenho, mas isso não significa que o nosso único foco seja apenas esta marca los Toyota ou expandir para outras marcas? (NS): Um dos principais pontos fortes do CFAO é a ‘diversificação’ e estamos a colaborar muito bem com outras marcas, devo dizer. A Toyota é a nossa prin-
cipal marca e, por isso, tentaremos sempre maximizar o seu desempenho, mas isso não significa que o nosso único foco seja apenas essa marca. Por exemplo, temos uma fábrica da VW no Ruanda que desempenha um papel fundamental na www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
cial ilimitado em termos de crescimento económico e desenvolvimento social. Olhando à nossa operação, um dos nossos pontos fortes é a ‘diversificação’ e isso está presente no nosso modelo de negócios, nas nossas marcas, nos países em que estamos e nas pessoas com que trabalhamos. Temos mais de 21 000 colaboradores no Grupo e possuímos 160 filiais em toda a África, várias na Ásia. Esta base diversificada reflecte o nosso empenho em continuar a expandir o nosso negócio em toda a África e, claro, aqui em Moçambique.
Mas em relação aos desafios do mercado, como reagir a eles e tornar o mercado dos veículos novos, de facto, competitivo ou atractivo para as marcas?
economia ruandesa, e continuaremos a procurar oportunidades de expandir a gama das nossas marcas. O que posso dizer é que estamos determinados em contribuir para o crescimento de ambos os lados da equação: a empresa e a sociedade moçambicana.
Pegando precisamente neste ponto, e alargando o âmbito mais para o grupo CFAO, estamos a falar de uma operação gigante de um grupo que lidera em África, e que actua em várias áreas de negócio. Como foi decidida esta entrada no mercado em www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Moçambique, um mercado ainda algo incipiente, com questões por resolver entre o mercado dos automóveis novos e usados importados? Fabrice de Creisquer (FC): Sim, é verdade. A CFAO actua em quatro áreas de negócio que são a mobilidade, cuidados de saúde, consumidor e infra-estruturas. O volume total de negócios em todos os 39 países africanos é de cerca de 5,8 mil milhões de euros (AF2020). O domínio da mobilidade empresarial contribui em 60% para os negócios do Grupo. Olhando para Moçambique, sabemos que é um país com um poten-
(FC): Sabemos desse facto, e não é uma questão exclusivamente deste mercado. No negócio automóvel, a CFAO trará serviços e produtos de qualidade mundial, contribuindo para o desenvolvimento de serviços de mobilidade no País. Porque somos muito mais do que uma empresa de venda de veículos. Oferecemos uma variedade de negócios na cadeia de valor automóvel, tais como Loxea (negócio de financiamento interno e leasing), Automark (negócio de carros usados com certificação TOYOTA certified) e AutoFast (negócio de serviço rápido com peças de reposição). Dito isto, como parte do grupo TOYOTA Group, estamos satisfeitos com este primeiro ano, mas o nosso grande objectivo é reconquistar a quota de mercado que detínhamos no passado. Sabendo, claro, que isso não depende apenas de nós, há todo um ecossistema que tem de estar alinhado, o que leva o seu tempo e depende de vários factores. Cá estaremos para o que for necessário melhorar no mercado, enquanto parceiro do País em debates e acções que sirvam para tornar melhor e maior o sector automóvel.
Existe a intenção de entrar noutras áreas, além da revenda automóvel, no mercado moçambicano, tais como o retalho, a saúde ou a energia? (FC): Sim, sem dúvida. A CFAO actua em outras áreas de negócio — saúde, consumo e infra-estruturas —, e estamos sempre atentos às oportunidades que os diversos mercados em que estamos presentes nos oferecem e nos quais podemos agregar valor. Aqui, e de forma sustentada no tempo, seguiremos essa mesma estratégia.
69
BAZARKETING
prESSENCIAL
P Thiago Fonseca • Sócio e Director de Criação da Agência GOLO PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
As empresas não estão a prender. Estão a aprender. Até a palavra flexibilidade anda flexível nos dias de hoje
70
resencial ou teletrabalho? A pandemia obrigou a humanidade ao isolamento para conter o vírus do covid-19. Sem que ninguém estivesse realmente preparado para isso. Durante os lockdowns e todas as restrições foi preciso, de imediato, encontrar soluções para o mundo e para as empresas continuarem. Estávamos tão distantes que tivemos de fazer um zoom para nos conseguirmos ver. Ou outras ferramentas que foram disponibilizadas como solução imediata para continuarmos “juntos”. Funcionou. Porque teve de funcionar. E, durante esse tempo todo, mudou subitamente a forma como vivíamos. Como em tudo na vida houve desafios e benefícios. Desafios porque não é fácil mudar hábitos. Benefícios e oportunidades porque qualquer pessoa viveu de forma diferente. Trabalhar a partir de casa permitiu a cada um de nós estar mais tempo com a família. Ter mais tempo para coisas que antes seriam impossíveis. Como fazer mais desporto. E, apesar de vivermos a temer o vírus, essa mudança de estilo de vida deixou muita gente mais saudável. Durante os últimos dois anos, debateu-se muito sobre as vantagens e as desvantagens do teletrabalho. Este assunto foi, e ainda é, motivo de debate em todo o mundo e opiniões podem ser lidas nas publicações de business mais especializadas que existem. Este texto que escrevo é um artigo de opinião. E é exactamente isso que estou a fazer. A dar a minha opinião muito pessoal. E como não podia deixar de ser, muito ligada ao meu trabalho e ramo de actividade. Mas antes disso acompanhei, ao longo de todo este tempo, outras opiniões. Desde os artigos de algumas das publicações mais influentes no sector, como a Harvard Business Review, o The Economist, a Advertising Age e muito mais.
Conversei com colegas e outros líderes. Mas, mais do que isso, fiz sempre a leitura local com a minha própria equipa das vantagens e desvantagens. Enquanto muitas empresas continuam em sistemas híbridos, a maior parte dos líderes empresariais já exigem que os funcionários retornem a full-time ao escritório. Isto deveu-se, sobretudo, à dificuldade em comunicar da melhor forma com e entre os trabalhadores. Algo que a tecnologia ainda não conseguiu resolver. E comunicação é o maior pilar da liderança. Em linguagem popular bem moçambicana pode-se dizer que a tecnologia ajudou, mas no fundo desenrascou. O retorno retornou. As medidas de contenção da pandemia têm vindo a ser aliviadas em todo o mundo. Mesmo apesar de focos de contágio ainda continuarem a surgir. Algumas empresas que adoptaram sistemas híbridos fizeram-no, no fundo, para ajudar a “re-transformar” as rotinas e a retoma do trabalho presencial. Ninguém ficou indiferente às vantagens e desvantagens. E o que se aprendeu com esta mudança tão súbita foram os inúmeros aspectos positivos para todos nós. As empresas não estão a prender. Estão a aprender. A Humanidade ficou mais humana durante a pandemia. E é por isso que até a palavra flexibilidade anda flexível nos dias de hoje. Um dado curioso a analisar é que a venda dos softwares de controle da performance dos trabalhadores dispararam exponencialmente nos principais mercados mundiais. E isso revela que as empresas estão preocupadas com a produtividade. Enquanto, por outro lado, todos tomámos consciência da importância da saúde física, mental e emocional dos trabalhadores e o impacto positivo que isso tem nas suas vidas pessoais e na sua performance individual. E talvez aqui esteja o grande desafio. Levado ao extremo, se o trabalho presencial fosse um dia da semana seria www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Ilustração de Maisa Chaves
uma segunda-feira. Enquanto o teletrabalho seria um sábado. Daqueles sábados em que só se trabalha metade do dia. Mas há uma diferença entre trabalhar e ir ao trabalho. É que organizações são tribos. Alinhadas com o mesmo propósito. E a maior força de uma tribo é conviver em tribo. A transferência de conhecimento, de informação, acontece mais rápido e é mais natural. E, apesar de muitas performances individuais terem melhorado, o colectivo não evoluiu da mesma maneira. E são as equipas que vencem. Não as estrelas individuais. Porque a tecnologia, com todos os desenvolvimentos que possa ter, ainda não substitui o nosso lado humano. Desde a nossa fase mais primitiva há milhares de anos, uma das maiores características de sermos humanos é que nos juntámos. E foi assim que a raça humana sobreviveu. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O entusiasmo contagia mais. Nada na vida contagia mais do que o entusiasmo. O vírus do covid-19 pode ser um dos mais contagiosos que já existiram. Mas o entusiasmo passa, mesmo se estivermos a usar uma máscara. Passa nos pequenos detalhes. Nas rugas do sorriso dos olhos. Na linguagem corporal. Na nossa energia que se transmite para as outras pessoas. E vice-versa. É aquela velha discussão sobre se os robots alguma vez irão substituir o Homem. Fomos ensinados de que temos cinco sentidos. Mas há muito mais. É só ir a um estádio cheio a vibrar. E sentir a onda de energia que se transmite pelos fãs da equipe que joga em casa. Essa energia é tão forte que faz ganhar jogos. Beneficia sempre a equipe que joga em casa.
A liderança é uma arte. Quando retornámos à Agência sentimos essa energia. Testemunhamos, todos os dias, essa felicidade e alegria. Comunicamos mais. Fazemos acontecer de outra forma. Não precisamos de agendar reuniões internas. Acontecem naturalmente. Com menos esforço. Os pequenos detalhes que se transmitem são muito grandes no balanço do resultado no final do dia. Este debate ainda está a acontecer. A pandemia também. Outras poderão vir no futuro. Vírus mais contagiosos.Tudo é possível. Aprendemos muito e continuamos a aprender. Mas há uma coisa que não podemos esquecer. Nada contagia mais do que o entusiasmo. E isso é mais forte no presencial do que no teletrabalho. É por isso que é essencial estar presente.
71
ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
74 Uma viagem por Bordéus, a cidade francesa dos monumentos
g
e 76 Ao sabor das iguarias indianas do Restaurante Moksha
77 Frescos no Copo e Difíceis na Vinha, os Vinhos Brancos de Eleição em 2021
Bordéus
BORDÉUS
A CIDADE FRANCESA DOS MONUMENTOS
e
Muito Além do Vinho bordéus entrou para a minha lista de lugares a ir por conta da minha paixão pelos vinhos. Porém, saio daqui carregada de outras memórias. Localizada no sudoeste da França, na região da Aquitânia, Bordéus tem mais de 300 monumentos classificados e a cidade toda é património mundial da UNESCO. Na dita nova Paris, hospedei-me bem ao lado do jardim botânico, na margem direita do rio Garrone e, para chegar ao centro histórico, atravessei a ponte Pierre de Tram. Ao passar pela ponte, num cenário quase que cinematográfico, contemplava a Place de la Bourse, localizada em frente ao maior espelho d’água do mundo. Esta praça tem uma arquitectura simétrica e o seu reflexo sobre o espelho d’água são de um perfeccionismo tremendo, mesmo em dias de céu nublado. À hora do almoço a escolha foi o Les Halles de Bacalan — um mercado com uma grande diversidade de barracas de produtos locais como frutas,
legumes, carnes e também restaurantes. Enquanto caía uma chuva torrencial do lado de fora, divagava pelos corredores do mercado e descobria a gastronomia local, com os aromas do pão a sair do forno. Depois da experiência gastronómica, segui em direcção ao Museu Cité do Vin, que fica em frente ao mercado. Ao olhar para o edifício, é inevitável a admiração, tem uma arquitectura moderna, marcante e única, inspirada no movimento do vinho ao encher a taça. Nos mais de 13 mil m² que compõem o Museu, a minha imersão na história e civilização do vinho, pelos quatro cantos do mundo, é feita através dos meus cinco sentidos (visão, audição, tacto, olfacto e paladar) conjugada com a arte digital. Poderia dizer que isto é uma espécie de Disneylândia impecavelmente combinada com um laboratório científico para os enófilos. Porque quem vem ao Museu também quer provar vinhos, a degustação é um dos momentos memoráveis da visita. Além da varieda-
de de vinhos vindos de quase todas as vinícolas do mundo, a sala tem uma vista privilegiada para a ponte Jacques Chaban-Delmas — a maior ponte levadiça de ascensão vertical da Europa. Fazer um passeio pelo rio Garrone é quase que obrigatório ao visitar Bordéus. Tanto pela História como pelo simples prazer de navegar pelas suas águas e observar a cidade e as suas gentes de outro ângulo. Existem várias opções para fazer este passeio: pode ser pelos cruzeiros privados ou pelos catamarãs que fazem parte da rede de transportes públicos. A minha escolha é o catamarã que leva 40 minutos para fazer a viagem de uma ponta à outra. A chuva em Bordéus é frequente, mas nada que me impedisse de fazer uma peregrinação por alguns museus e monumentos históricos. É impossível visitar mais de 300 monumentos em 24 horas, então deixei-me perder pelas ruas, mergulhei pelas suas portas medievais, igrejas, praças e edifícios da arquitectura elegante dos séculos XVIII e XIX. Segui a caminhada em direcção ao Museu de Belas Artes, em busca de uma amostra da arte europeia, do Renascimento à Época Moderna, e a cada esquina encontrei uma nova surpresa. Na hora da partida, finalmente abre-se o céu e um lindo arco-íris fez-se sobre o rio Garrone. Aproveito para deliciar-me com um “canelés” (doce típico da região). Neste momento, penso com os meus botões: “com as suas particularidades e charme, Bordéus é Bordéus e não a “nova Paris”. TEXTO Eta Matsinhe FOTOGRAFIA D.R.
74
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Depois da experiência gastronómica, segui em direcção ao Museu “Cité do Vin”, que fica em frente ao mercado. Ao olhar para o edifício é inevitável a admiração, tem uma arquitectura moderna, marcante e única...
ROTEIRO COMO IR Pode voar directamente de Maputo para Lisboa e, em seguida, apanhar um voo de conexão para Bordéus. Ou, se preferir, voar de Joanesburgo para Paris e em seguida pode fazer a conexão de voo, carro ou comboio. Sugiro que vá de comboio ou de carro para apreciar as vinícolas e outras paisagens. ONDE DORMIR Poderá hospedar-se num dos hotéis Íbis que saem mais em conta e estão em diversos pontos da cidade. Outras opções de hospedagens são os hotéis Radisson Blu e Seeko’o Hôtel Design Bordeaux, que estão bem próximos da cidade do vinho e têm transporte público logo à porta. ONDE COMER Bordéus tem vários restaurantes locais com comidas deliciosas, mas a minha recomendação é degustar uma refeição no Les Halles de Bacalan e outra em restaurantes à beira do rio. Sem esquecer de pedir uma taça de vinho de Bordéus para acompanhar. Alguns bares oferecem sessões de provas de vinho, então, faça uma pesquisa que não se vai arrepender. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
75
RESTAURANTE MOKSHA
941, Av. Julius Nyerere, Maputo
Contacto +258 21 498 333
g a jornalista gastronómica Jeanine Lewis disse, um dia, que a pretensão de descrever exaustivamente a “culinária indiana” é quase tão complicada como tentar explicar as leis da termodinâmica a um leigo. Ao longo dos mais de 5 mil anos da sua História, a Índia incorporou uma multitude de influências provenientes dos muitos povos e tradições que passaram pelo país. Dos mongóis aos britânicos, há um extenso legado histórico que é preciso rastrear para se compreender a extrema diversidade da sua gastronomia. Por isso, não é possível falar em “culinária indiana” sem compreender o papel das religiões (Hindu e Muçulmana) na definição e elaboração das práticas alimentares. Alguns exemplos “regionais” ajudam a compreender esta diversidade. Assim, se olharmos para a “cozinha do Punjab”, que mui-
Restaurante Moksha um mosaico da gastronomia tos estudiosos acreditam ser de origem Mongol, vemos que ela é marcada sobretudo pelo estilo tandoori (termo que provém do forno de barro usado). Nesta cozinha, são principalmente empregues carnes marinadas (galinhas, peixes) e naans (pães feitos com leite, manteiga, iogurte e ovos). Embora a influência Mongol – povo que ocupou a Índia durante um longo período – esteja amplamente disseminada pelo país, há regiões, como em Delhi, onde ela é particularmente notória. A “cozinha Mongol” define-se pela sua sofisticação, com o uso de molhos elaborados, temperos complexos, como o curry, e o consumo de carnes diversas em que o molho de gengibre está sempre presente.
Ao longo dos mais de 5 mil anos da sua História, a Índia incorporou uma multitude de influências provenientes dos muitos povos e tradições. Descubra-as no Moksha
76
Da shorba (sopa simples de caldo de galinha ou carne) à sopa de pétalas de rosas (kulfi), a comida mongol é uma das mais difundidas internacionalmente. Se nestas “cozinhas” há uma indelével marca muçulmana, já a “cozinha de Goa” reflecte, por via da presença portuguesa, uma clara influência cristã. E a confecção de muitos pratos reflecte elementos da culinária portuguesa. O uso da carne de porco preparada à moda vindaloo (molho de pimentas vermelhas, vinagre, pimenta do reino, sementes de cominho, coriandro, gengibre, alho, açúcar mascavo) e o apimentado sarapatel (cozido de carne, língua, fígado e coração de porco, gengibre, sementes de cominho, alho, pimentas, cinamomo, vinagre, cebolas, sal e sangue de porco) são disso um possível exemplo. A população de origem religiosa hindu prefere as car-
indiana nes de cordeiro, enquanto os cristãos são grandes consumidores de carne de vaca. Uma sobremesa deliciosa é a bebinca, elaborada com leite de coco, farinha de trigo e açúcar. A sul, a “cozinha” de Andhra Pradesh, Estado que tem como capital a cidade de Hyderabad, é conhecida como a mais condimentada e picante de toda a Índia. São empregues muitos condimentos exóticos, frutas desidratadas, castanhas e amêndoas. Nesta “cozinha” um destaque especial deve ser dado aos biryanis (arroz misturado com carnes e vegetais) e aos chutneys produzidos com vegetais e frutas. No Moksha, depara-se com a possibilidade de ter uma experiência multifacetada e um leque de pratos de todas estas raízes culturais confeccionados com apuro e sofisticação. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
O ano mais fresco, com temperaturas moderadas, resultou em vinhos brancos com grau alcoólico também moderado... Estes sugerem maior pendor de fruta fresca
Brancos de 2021. o clima ideal contribui para a produção de um vinho ideal, mas, se o clima não estiver bom, toda a safra pode ser prejudicada. Ademais, o clima é um dos factores que está presente no terroir das garrafas. O terroir é um conjunto de factores, como topografia, geologia, pedologia, drenagem, castas, intervenção humana, cultura, história e tradição. As características do terroir dão a cada vinho aromas, sabores e colorações únicos, sendo que o clima é apenas uma parte dessa contribuição, muito importante, porém, no processo de produção da bebida. Na observação de alguns provadores e apreciadores de vinhos de Portugal, 2021 foi um ano difícil, marcado por grandes indefinições, incertezas e constantes reprogramações dos trabalhos, sobretudo na vindima, e por episódios climáticos severos e inoportunos, entre os quais granizos devastadores. Contudo, resultou, unanimemente, em vinhos brancos marcados pela acidez assertiva e fruta mais contida. Mas que dão mostras de querer crescer com o tempo. Segundo uma nota do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) de Portugal, a vindima de 2021 saldou-se pelo aumento de produção de 14% face à campanha anterior de 2020/2021, para um volume total da ordem dos 7,3 milhões de hectolitros (hl.), ou seja, mais 15% em relação à média das cinco campanhas anteriores. O aumento de produção verificou-se em praticamente todas as regiões nacionais, com excepção das ilhas. Recorde-se que os números iniciais do IVV apontavam para o aumento de 1% nas previsões de produção face à campanha passada, com um volume na ordem dos 6,5 milhões de hl.. No geral, o volume de vinhos brancos representou 31,2% da produção. Regra geral, 2021 foi um ano de grandes destes vinhos, seguindo-se a duas campanhas que, também elas, foram benfazejas para esta categoria. Em todas as regiões, os relatos apontam para vinhos com pH equili-
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
Difíceis na Vinha,
Frescos no Copo brado, acidez e açúcar correctos, com boa intensidade aromática. Mesmo a sul, a ausência das ondas de calor típicas de Julho e Agosto, sem excessos de calor nem desidratação nas vinhas, ajudou estas regiões a produzirem vinhos mais equilibrados e frescos. Há quem refira, no Alentejo, que os vinhos brancos mostram altíssima qualidade e níveis de acidez que dispensam correcções tartáricas, podendo gerar vinhos de guarda. Para fazer uma avaliação da qualidade dos vinhos brancos da colheita de 2021, a Revista de Vinhos levou a cabo uma prova temática, que reuniu 90 exemplares de todo o país. Para Luís Costa, a prova mostra que, “num ano difícil para o vinho, a antecipação que os brancos permitem em termos de vindima beneficiou o país”. Sublinhando que a generalidade dos vinhos enviados para prova corresponde ao segmento de entrada de gama, o redactor da Revista de Vinhos refere existir “um traço de qualidade média que deve ser sublinhado”. Guilherme Corrêa destaca que se trata de um ano de vinhos marcados pela “expressão de fruta mais contida e verde, com acidez assertiva e mais notas herbáceas”. Porém, lamenta que, no geral, se apresentem “vinhos muito padronizados, mais de enologia do que terroir”, nos quais se sente “a falta em assumir riscos”. Quanto a regiões, José João Santos destaca a prestação da ‘brigada’ dos vinhos verdes, que se mostrou mais “consistente”, com “vinhos muito honestos e fiéis à região”. E, por tudo isso, Luís Costa deixa uma sugestão final: “Se provarmos os vinhos dentro de alguns meses, mostrar-se-ão mais e melhor, pelo que merecem aguardar um pouco mais para que se expressem” na sua plenitude. Vale a pena a espera!
77
Zero Waste Moz
Estudar Direito e Empreender na Compostagem
raúl jiménez, jogador de futebol mexicano, sonhava em fazer carreira como guarda-redes, mas acabou como ponta-de-lança, e é um dos melhores da actualidade do seu país e da Europa. Histórias como esta são comuns, mas o seu lado inusitado está no facto de demonstrarem que o sucesso é, muitas vezes, determinado pelas oportunidades com que as pessoas se deparam e com a forma como as encaram. Assim foi com os irmãos Lourdes Waty (37 anos) e Teodoro Waty Jr. (32 anos) que, sonhando em tornarem-se advogados, formaram-se em Direito, mas ganham a vida como empreendedores na área de negócios verdes, mais concretamente a compostagem, tendo criado, em 2019, a empresa Zero Waste Moz. Foi o desejo de contribuir positivamente para o crescimento das cidades, através de um empreendedorismo sustentável, de gerar postos de trabalho, bem como de contribuir para a limpeza das cidades, que os estimulou o sentido de oportunidade. E sem sequer terem sido academicamente instruídos nesta área, encontraram resposta na compostagem – processo natural de decomposição da matéria orgânica de origem animal ou vegetal de que resulta o composto orgânico utilizado no solo para melhorar a produtividade de culturas agrícolas e na jardinagem, sem causar riscos ao meio ambiente. Os clientes da Zero Waste Moz são maioritariamente pessoas singulares, agricultores e jardineiros profissionais e amadores. A empresa também faz consultoria e, nesse caso, os seus maiores clientes são Organizações Não Governamentais, que contratam os seus serviços para formarem comunidades urbanas e rurais em matérias de compostagem como meio de subsistência ou apoio à renda familiar. Assim, as famílias têm a possibilidade de produzirem e venderem o composto ou ain-
78
www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
E
mpreendedorismo
Mensalmente, a Zero Waste Moz produz uma média de 400 kg de composto e desenvolve as suas actividades apenas na Cidade de Maputo, que consistem na recolha de resíduos orgânicos porta-a-porta das residências e dos centros de negócios da o usarem nas culturas agrícolas para melhorarem a qualidade e quantidade da produção. Mensalmente, a Zero Waste Moz (que, além dos dois sócios, emprega outros três trabalhadores) produz uma média de 400 kg de composto. Actualmente, desenvolve as suas actividades apenas na Cidade de Maputo, que consistem na recolha de resíduos orgânicos porta-a-porta das residências e dos centros de negócios (restaurantes, hotéis, etc.), que são já considerados clientes, estando subscritos em pacotes categorizados de fornecimento (dos grandes aos pequenos). A compensação aos clientes obedece a diferentes modalidades que, além da oferta do próprio composto, inclui a oferta de um voucher para compras em supermercados previamente identificados (os custos são suportados pelas empresas parceiras da Zero Waste), a oferta de vasos com plantas, de ervas aromáticas, entre outros brindes. Sobre a rentabilidade preferem não ser exactos, mas garantem que o empreendimento tem mercado e é sustentável. As actividades da empresa têm lugar num centro situado no Campus da Universidade Áquila (UNAQ), no distrito municipal da KaTembe, em Maputo. Os empreendedores revelam que gostariam de ter oportunidades de fazer trabalhos fora das cidades, divulgando a importância da compostagem para as zonas rurais e contribuírem na luta contra a fome, desemprego e degradação do solo: “estamos a negociar parcerias com várias empresas, principalmente as que querem transformar mentalidades e tornar a compostagem disponível e atractiva para todos. Temos a ambição de colaborar com os vários municípios do País, porque entendemos que só se todos ou a maioria de nós compostar é que melhoramos a saúde das nossas cidades”, revelou Lourdes Waty. Em 2021, a startup participou no maior concurso mundial de ideias verdes, o Climate Launchpad, facilitado pela IdeiaLab em Moçambique e ficou em segundo lugar na fase nacional, apurando-se para a fase africana. Das três startups moçambicanas apuradas para a fase africana, a Zero Waste Moz foi a única a seguir para a fase global. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Zero Waste Moz www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
79
MAGAFUSSO
Três Dedos e Três Cores está patente na Fundação Fernando Leite Couto, atá ao dia 30 de Maio
Pincelar a Imaginação Com desde pequeno que já sentia a arte gritar dentro de si. Permanecia tímido para o mundo dos homens e desinibido para o mundo da imaginação. A sua maneira calma de ser inquietava quem dele se aproximasse. Sentia-se incompreendido e procurava decifrar os seus enigmas internos. Diogo Luís Daniel, ou simplesmente Magafusso, como foi baptizado no universo das artes, renasceu após sentir o florescer da arte dentro de si. Na pacata povoação de Macupula, na Maxixe, província de Inhambane, o artista descobriu, por meio do papel e lápis, a fórmula certa para vencer a timidez. Encontrou dentro de si diferentes sujeitos que queriam ser expostos ao mundo e precisavam de voz. Talvez por isso sempre tenha sido conhecido como um menino tímido e, só depois de começar a fazer esses “sujeitos” falarem por meio dos pequenos retratos, passou a ser compreendido. Começou por fazer retratos e, mais tarde, na década de 1980, trocou o lápis e papel pela tinta e pincel. Guardou durante muito tempo as suas obras e só em 1989 expôs, pela primeira vez, o seu trabalho, numa exposição colectiva de artes plásticas na Casa de Cultura em Inhambane. De lá a esta parte, várias exposições têm marcado a sua passagem www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
“Três Dedos e Três Cores” pelo mundo artístico, entre individuais e colectivas. A recente exposição inaugurada na Fundação Fernando Leite Couto é a prova viva disso. Intitulada “Três Dedos e Três cores”, Magafusso abrilhanta o público com uma expressiva exposição de pintura onde o vermelho, amarelo e azul materializam o que os dedos, indicador, polegar e médio, tentam dizer. “O nome da exposição origina do facto de esta ser fruto do trabalho de três dedos e três cores, que materializam o pensamento do artista. Os três dedos — o indicador, polegar e médio — pegam no pincel, e as três cores primárias básicas — o amarelo, vermelho e azul — dão vida às obras. Mas há também um longo braço que se comunica com o cérebro, para perceber os sentimentos do artista e transforma o resultado dos três dedos e três cores numa obra de arte”, explicou Magafusso à E&M. A exposição de 25 obras reúne trabalhos produzidos entre 2003 e 2022, sendo o acrílico sobre tela a técnica predominante. O azul, vermelho e amarelo prevalecem na exposição de Magafusso, que une o celestial ao terreno, num conjunto de obras com te-
mas tradicionais e modernos. “A minha inspiração está centrada em duas condições: temas terrestres e celestiais. Trabalho a arte sacra e a arte profana”, acresceu o artista. O que dizer de “Dulomo”, a obra que explora as loucuras da alma, “Olhar Bem”, que incentiva um olhar mais penetrante sobre o mundo, ou “Jesus Cura o Cego”, transmitindo um olhar mais actual sobre os milagres de Cristo. Magafusso é, nesta exposição, um piloto que conduz os amantes da arte a um voo sobrenatural sobre o natural e o celestial. O artista, de 58 anos de idade, quer continuar a conduzir-nos a voos maiores e, por isso, sonha em levar a arte de Maxixe para o mundo, por meio de uma galeria. “O meu grande sonho é fazer uma galeria de arte onde possa expor o meu trabalho e convidar pessoas a irem a Maxixe para ver e apreciar a arte. Estou a apostar nisso e já comecei a construí-la. Na verdade, estou na fase final da construção. Espero poder contribuir dessa forma para o desenvolvimento da arte”, concluiu.
Os três dedos — o indicador, polegar e médio — pegam no pincel e as três cores primárias básicas — o amarelo, vermelho e azul — dão vida às obras. Mas há também um longo braço que se comunica com o cérebro, para perceber os sentimentos do artista
TEXTO Yana De Almeida FOTOGRAFIA Mariano Silva
81
TRIUMPH TIGER 1200
O motor vem equipado com propulsor de três cilindros de 1160 cm³ e potência máxima de 180 cavalos
v
Triumph Tiger 1200. DEPOIS DE MUITO ANUNCIADA, foi finalmente testada a moto que representa um dos mais ambiciosos projectos da marca inglesa Tiger. A Triumph Tiger 1200 chega numa evolução extrema em relação ao último modelo. É significativamente mais leve, mais potente e com múltiplas personalidades para agradar ao mais exigente dos clientes. A ideia é tornar-se referência em termos de desempenho e desafiar a concorrência directa. Os artifícios de engenharia utilizados para atingir este objectivo residem num profundo redimensionamento de peças estruturais com vista à redução de peso. São menos 25 Kg que a geração anterior. O peso em ordem de marcha começa agora nos 240 Kg. A par da perda de peso, a nova Tiger 1200 ganhou força e tornou-se ainda mais poderosa, tanto na terra como no asfalto. No centro desta actualização, está um motor totalmente novo, com a inovadora arquitectura de T-plane da moto de aventura
Chegou o Mais Novo Símbolo da Revolução dos Motociclos Tiger 900 de peso médio, aliando um novo quadro, suspensão e melhor ergonomia. A versão 2022 da Triumph Tiger 1200 chega equipada com o novíssimo motor de três cilindros T-Plane. O propulsor oferece a capacidade de redução de marchas de um motor de dois cilindros, tornando o modelo óptimo para o uso off-road. Em relação ao motor, a moto vem equipada com propulsor de três cilindros de 1160 cm³, assim como a nova Speed Triple RS. Na naked, rende potência máxima de 180 cavalos (cv) a 10 750 rotações por minuto (rpm) e 12,5 quilograma força por metro (kgf.m) de torque a 9000 giros. São nove cavalos acima da geração anterior, o que faz com que a nova Triumph Tiger 1200 seja a motocicleta com accionamento por eixo cardan mais potente da categoria. Outra novidade da nova geração da Trium-
A par da perda de peso, a nova Tiger 1200 ganhou força e tornou-se ainda mais poderosa, tanto na terra como no asfalto...
82
ph Tiger 1200 é a adopção de um novo sistema de amortecimento adaptativo. Na actual geração, as rodas raiadas são de 19 e 17 polegadas. Nesta nova linha, foram trocadas por aros 21 e 18, com pneus de uso misto e sem câmara. O torque também está significativamente superior ao da geração anterior, com 130 Newton-metro (Nm – o equivalente a 13,26 kgf.m) de torque máximo a 7000 rpm, que representa 8 Nm (ou 0,82 kgf.m) acima do antigo motor. Além do aumento de potência e de torque, o novo motor foi ajustado para oferecer uma aceleração aprimorada e uma pilotagem muito mais responsiva e empolgante. O intervalo de accionamento não é uniforme, o que proporciona um comando e capacidade excelentes. Além de todas as mudanças, a moto ainda está disponível em cinco versões para abranger diferentes públicos: Tiger 1200 GT, Tiger 1200 GT Pro, Tiger 1200 Rally Pro,Tiger 1200 GT Explorer e Tiger 1200 Rally Explorer. www.economiaemercado.co.mz | Maio 2022