MOÇAMBIQUE
RENOVÁVEIS SECTOR ENERGÉTICO NACIONAL PERSPECTIVA NOVOS INVESTIMENTOS EM FONTES LIMPAS CONTEÚDO LOCAL AS BOAS PRÁTICAS DE CONTRATAÇÃO DE FORNECEDORES LOCAIS NA ÁREA DO GÁS INOVAÇÕES DAQUI COMO A PANDEMIA FEZ ‘EXPLODIR’ O NÚMERO DE DEVELOPERS DE SOFTWARE EM ÁFRICA CEO TALKS JOÃO RODRIGUES, CEO DO FIRST CAPITAL BANK, REVELA A ESTRATÉGIA DO BANCO
ALTA PRESSÃO
Com a subida dos preços dos combustíveis a ‘sufocar’ a economia a E&M explica como funciona o mercado
A E&M COMPLETA 50 EDIÇÕES. KHANIMAMBO
EDIÇÃO JUNHO - JULHO 15/06 a 15/07 • Ano 05 • Nº 50 2022 • Preço 250MZN
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70ÓCIO
OBSERVAÇÃO
Diplomacia A Imagem de Prestígio de um País que Acaba de Merecer a Eleição no Conselho de Segurança da ONU
11 ESPECIAL ENERGIAS RENOVÁVEIS 12 8.ª Edição MMEC Instituições do Sector Energético Anunciam Novas Iniciativas Para a Conquista da Auto-suficiência 16 Opinião “Capitalizar os Recursos Locais do Gás”, Keith Webb, Midstream e Infra-Estruturas no Rand Merchant Bank & Ducla dos Santos, Sector Energético do FNB Moç.
20 OPINIÃO BIG “O Mercado Cambial e o Arranque da Exploração de LNG”, Claudio Pondja, Banco BiG Moçambique
22 CONTEÚDO LOCAL A TotalEnergies Antecipa-se à Aprovação da Lei e Avança na Contratação de Fornecedores Locais
28 NAÇÃO COMBUSTÍVEIS 30 Mercado Operadores Revelam a Face Oculta do que Está a Determinar a Crescente Pressão Sobre os Preços 36 Absa “O Impacto dos Preços dos Combustíveis e as Fontes de Energia Alternativas”, Nuno Chitsonzo, Gestão de Empresas Sul-Africanas & Regionais, ABSA 38Entrevista Simone Santi Afirma que Mesmo Sufocadas, as Empresas Resistem em Repassar a Subida dos Custos dos Combustíveis ao Consumidor 42 Solução Autogás e Outros Especialistas Defendem a Aceleração do Projecto de Gás Veicular e Implementação da Estratégia dos Biocombustíveis
46 OPINIÃO “A Eficiência Colectiva Empresarial em África: Sol, Sombra e Céu”, João Gomes - Partner @ JASON Moç.
72 Escape À Descoberta da Ilha de Xefina, em Maputo 74 Gourmet Ao Sabor das Delícias do Restaurante Lumma, no Centro da Capital 75 Adega Uma Degustação da Macieira, Agora com Novo Visual 76 Empreendedorismo Bankroll Meusiq Ent, a Empresa que Transforma Contentores em Habitações 77 Arte “O Ancoradouro do Tempo”, um Encontro Entre a Literatura e o Cinema 78 Ao volante do recém-lançado Scenic Vision, o Reciclável Movido a Hidrogénio
68 BAZARKETING “No Meio do Canal.”, Thiago Fonseca, Sócio e Director de Criação da Agência GOLO, PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
49 ESPECIAL INOVAÇÕES DAQUI 50 Developers em África Crise Global e Pandemia Aceleram o Aumento de Programadores de Softwares no Continente 54 Dr. Moz Um Aplicativo que Permite o Acesso a Médico e a um Conjunto de Serviços de Saúde a Partir de Um Telemóvel
58 OPINIÃO “Como a Implementação da Norma ISO-50001 Pode Reduzir a Factura da Energia e as Emissões”, Vicente Bento, Sócio e Gestor de Operações da InSite
60 MERCADO E FINANÇAS Victor Cau, representante da PHC em África, Sugere a Obrigatoriedade de Digitalizar as Empresas Moçambicanas Para as Tornar Competitivas
64 CEO TALKS O First Capital Bank Já Consolidou a Sua Presença em Moçambique e Agora Ambiciona Dominar o Mercado da SADC, Revela o CEO, João Rodrigues
EDITORIAL
Pedro Cativelos Director Executivo Media4Development • Revista Economia & Mercado | Diário Económico | 360 Mozambique
Cinquenta Edições de Economia & Mercado
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izem-nos as notícias”. É assim que habitualmente inicio os meus artigos de opinião. Porque simboliza o que sou, essencialmente, desde o começo da idade adulta: jornalista. Será a primeira vez que escrevo o que é que isso realmente implica, pelo menos para mim. Mas acredito que é o que deveria significar para todos. Contar uma história, com verdade. Na sua mais básica essência, gosto de acreditar que é isto, afinal, o que se espera de quem faz o que fazemos. Nem sempre isso acontece, e qualquer jornalista deve reconhecê-lo. Falo do mundo. Dos meios de comunicação tradicionais aos novos media pouco convencionais, em que noção da partilha se vence em cada retweet, e o duelo com a verdade se perde logo a seguir, mas não se deixa partir. Porque a verdade continua a ser essencial e intangível. Regressando à essência do contar uma boa história, com verdade, há todo um edifício construído nessa base e a nossa sociedade está assente precisamente nesse princípio. Na Europa, Américas, na Ásia, também em África, claro. Todos temos, em nós, o mecanismo de percepcionar o que é bom ou mau, bonito ou feio, certo e errado, e a verdade (a nossa própria) é o mecanismo que nos permite saber e sentir isso mesmo. E isso não se partilha, mesmo com um telemóvel de última geração e Internet 5G. E serve, ou deveria servir, de primeiro passo para caminharmos pelo mundo e pensarmos, agindo, sobre as grandes questões que, hoje, as notícias nos colocam. Da pandemia inacabada
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à tecnologia desmesurada, das guerras mal geridas às especulações mal geradas, do posicionamento das grandes potências mundiais face às pequenas economias emergentes, dos mais ricos em relação aos eternamente pobres, das mulheres e do seu lugar devido entre os homens e do ambiente e da emergencial forma de o manter como era quando fomos pequeninos. Acredito nas notícias como primeiro passo da mudança. Do pensamento, da análise ou da reflexão, por isso do mundo em que vivemos, e não como algo acabado, feito para gerar números, esgotando-se em si mesmas dessa forma. Verdade que eles existem, e fazem parte do enorme negócio que é hoje o mercado dos conteúdos. E devemos estar, deste lado, atentos a ele, como estamos. Mas sem nos esquecermos que o produto acabado não se conjuga no presente, mas no futuro. As notícias de hoje são o princípio do amanhã. É assim, desde sempre. Por gostarmos, todos, de as ler pela manhã. Gosto de pensar que isso acontece porque, no fundo, são elas o princípio do futuro. Cinquenta edições da Revista Economia & Mercado viram nascer, em paralelo, outros meios que lhe são irmãos desse princípio, crescidos em meios diferentes. O Diário Económico no digital ganha vida hora a hora, e o 360 Mozambique, um novo portal em inglês que lançámos para que as notícias de Moçambique cheguem a quem não fala só em português. Sabendo que há muito a melhorar, e que a luta é diária, o que nos guia, incessantes, é o próximo passo fundamental. Contar só mais uma história, com verdade.
15 JUNHO | 15 JULHO 2022 • Nº 50
DIRECTOR EXECUTIVO Pedro Cativelos pedro.cativelos@media4development.com EDITOR EXECUTIVO Celso Chambisso JORNALISTAS Ana Mangana, Hermenegildo Langa, Ricardo David Lopes, Rogério Macambize, Rui Trindade, Yana de Almeida, Filomena Bande PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Mariano Silva REVISÃO Manuela Rodrigues dos Santos ÁREA COMERCIAL Nádia Pene nadia.pene@media4development.com CONSELHO CONSULTIVO Alda Salomão, Andreia Narigão, António Souto; Bernardo Aparício, Denise Branco, Fabrícia de Almeida Henriques, Frederico Silva, Hermano Juvane, Iacumba Ali Aiuba, João Gomes, Narciso Matos, Rogério Samo Gudo, Salim Cripton Valá, Sérgio Nicolini ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Media4Development Rua Ângelo Azarias Chichava nº 311 A — Sommerschield, Maputo – Moçambique; marketing@media4development.com IMPRESSÃO E ACABAMENTO Minerva Print - Maputo - Moçambique TIRAGEM 4 500 exemplares EXPLORAÇÃO EDITORIAL E COMERCIAL EM MOÇAMBIQUE Media4Development NÚMERO DE REGISTO 01/GABINFO-DEPC/2018
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OBSERVAÇÃO
Moçambique, 2022
Olhar Interno para a Eleição para o Conselho de Segurança da ONU Moçambique acaba de ser eleito membro nãopermanente do Conselho de Segurança da ONU para o biénio 2023-2024 e, no momento em que se prepara para assumir o seu lugar no órgão da ONU responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais, o País debate-se com o recrudescer do terrorismo na província de Cabo Delgado. Um dos ataques ocorreram no dia da eleição para este prestigiado órgão, a 9 de Junho, quando desconhecidos degolaram uma pessoa nas matas de um local que está a menos de 100 quilómetros de Pemba, a capital da província. Estes fenómenos levam a que analistas estejam divididos quanto à prestação de Moçambique neste prestigiado órgão. É que, enquanto as autoridades moçambicanas olham para esta eleição como uma oportunidade para o País partilhar a sua experiência na gestão de conflitos e preservação da paz, os partidos da oposição entendem que essa intenção será frustrada. O argumento apresentado para a descrença é o de que Moçambique não tem experiência nenhuma para partilhar no Conselho de Segurança da ONU, já que gozou de uma paz relativa apenas entre 1992 e 2012, antes de experimentar conflitos internos que opõem a Frelimo e a Renamo e, mais recentemente, o terrorismo que apresenta focos de resistência. Por seu turno, o Governo, através do Presidente da República, Filipe Nyusi, acredita que a indicação de Moçambique não é equivocada, visto que “o País tem uma cultura de diálogo e, acima de tudo, de promover soluções negociadas para a paz”. De qualquer modo, o País acaba de alcançar uma posição de prestígio no conselho das nações. A realidade no terreno ditará o resultado da confiança depositada pela Comunidade Internacional. FOTOGRAFIA D.R.
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RADAR
Banca
Banco de Moçambique reporta queda do índice de inclusão financeira
Extractivas
Grandes projectos registam prejuízos de cerca de 57 mil milhões de meticais Os megaprojectos em curso no País registaram um prejuízo global de mais 56,6 mil milhões de meticais em 2021, o que representa uma redução em 55,5% relativamente ao período de 2020, segundo indica um relatório recente do Ministério da Economia e Finanças. De acordo com a Conta Geral do Estado de 2021, relatório produzido pelo Ministério da Economia e Finanças, os mega-projectos tiveram um prejuízo global de 56 623,24 milhões de meticais (USD 887,09 milhões). “Os resultados negativos apurados foram influenciados pelos projectos das empresas MidWest África, Minas de Revúboè e Ncondezi, no valor de 87 181,42 milhões de meticais (1365,84 milhões de dólares), com destaque para a MidWest África, que apresenta um prejuízo de 87 081,77 milhões de meticais (1364,28 milhões de dólares)”, explica o Ministério da Economia e Finanças. Contudo, o documento assegura que os mega-projectos canalizaram nove mil milhões de meticais para os cofres do Estado, equivalentes a 3,4% da receita total de 2021, o que corresponde a um aumento de 53% em relação à contribuição fiscal do ano 2020. O relatório revela ainda que os mega-projectos também reduziram o seu volume de negócios com as Pequenas e Médias Empresas (PME) na ordem de 75,6%, ao registarem 7,8 mil milhões de meticais em negócios, contra um volume de negócios de 32,2 mil milhões de meticais, no ano 2020. Entre os factores que ditaram esta redução estão a paralisação dos projectos da TotalEnergies, em Cabo Delgado, devido aos ataques terroristas. A Conta Geral do Estado 2021 refere, também, que, no ano passado, os mega-projectos contrataram apenas 355 PME para o fornecimento de bens e prestação de serviços, contra 446 registados em 2020, representando, assim, uma redução de cerca de 20,4%.
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O Índice de Inclusão Financeira (IIF), calculado pelo Banco de Moçambique (BM), registou uma variação negativa acentuada em 2021 relativamente a 2020, tendo-se situado em 12,76 pontos no ano passado, contra os anteriores 13,93 pontos. No seu mais recente relatório sobre o grau de cumprimento de metas de inclusão financeira, o Banco Central aponta que a deterioração da actividade económica resultante da pandemia do covid-19 a partir de 2020 influenciou a redução de alguns pontos de acesso aos serviços financeiros, sobretudo no sector da banca tradicional (agências bancárias, microbancos e cooperativas de crédito, agentes bancários, ATM, POS, entre outros) e, consequente-
mente, dos seus indicadores. A queda do IIF agrava-se ainda pela redução acentuada dos pontos de acesso observada na cidade de Maputo, que contribui com maior peso na composição global do índice. De igual modo, o IIF restrito, que agrega os 154 distritos do País, excluindo a cidade de Maputo, segue a mesma tendência de queda e reduziu em 1,68 pontos, fixando-se em 7,57 pontos em 2021, contra os 9,25 pontos de 2020. O Banco Central esclarece ainda que as metas globais constantes da Estratégia Nacional de Inclusão Financeira (ENIF) foram definidas para os anos de 2018 a 2022. Até finais de 2021, 50% das metas globais haviam sido cumpridas.
Negócios
Tabela salarial única entra em vigor a partir de Julho
A Tabela Salarial Única na Função Pública começa a vigorar a partir do próximo mês de Julho. A garantia foi dada recentemente pelo ministro da Economia e Finanças, Max Tonela. A implementação da tabela salarial única (aprovada pelo Parlamento em Dezembro de 2021 e promulgada pelo Presidente da República a 21 de Janeiro deste ano) será baseada na observância dos critérios estabelecidos na Lei, nomeadamente idade,
nível de escolaridade, tempo de serviço e tempo de carreira, o que resultará num incremento histórico dos salários mínimos aplicáveis na Função Pública. Esta lei estabelece princípios, regras e critérios para a fixação de remuneração e institui a tabela salarial única, aplicável aos funcionários de Estado, incluindo os titulares ou membros de órgãos públicos, ao nível dos poderes legislativo, executivo e judicial, bem como a das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. No processo de enquadramento nos novos níveis de ordenamento salarial é salvaguardado o princípio da irredutibilidade salarial. A Tabela Salarial Única compreende 21 níveis salariais de promoção e dois escalões de progressão. O nível mais elevado é do Presidente da República.
Finanças
Taxa de juro de referência em Moçambique volta a subir e chega aos 20,6% A taxa de juro de referência (prime rate) para as operações de crédito em Moçambique subiu 150 pontos base para 20,6%, anunciou recentemente a Associação Moçambicana de Bancos (AMB). A taxa calculada mensalmente pela AMB e pelo Banco de Moçambique (BM) tem por base um indexante único, calculado pelo banco
central, que agora subiu de 13,8% para 15,3% e um prémio de custo de 5,3%, definido pela AMB, que se mantém inalterado. Este é o segundo aumento consecutivo desde que o BM decidiu, no final de Março passado, aumentar a taxa de juro de política monetária (taxa MIMO, que influencia a fórmula de cálculo da prime rate) para www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
controlar a inflação. A criação da prime rate foi acordada há cinco anos entre o Banco Central e a AMB para eliminar a proliferação de taxas de referência no custo do dinheiro. Na altura, foi lançada com um valor de 27,75% e desceu 715 pontos base desde então.
O objectivo é que todas as operações de crédito sejam baseadas numa taxa única, “acrescida de uma margem (spread), que será adicionada ou subtraída à prime rate mediante a análise de risco” de cada contrato, explicaram, na altura, as autoridades do sector.
Custo de vida
Preço do trigo poderá subir nos próximos dias
O ministro da Indústria e Comércio alertou que, enquanto a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não cessar, o preço do trigo poderá continuar a subir, incluindo em Moçambique. Contudo, Silvino Moreno assegura que o Governo continua a procurar alternativas para evitar custos ainda mais elevados.
O ministro explicou, porém, que as margens para evitar o custo do trigo são poucas, uma vez que os importadores relatam variações de preços e sempre com tendência a subir, por conta da prevalência da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. O governante aponta o consumo de produtos alternativos como uma das soluções para o problema. “O pão não é o alimento de todo o dia, temos outros alimentos como a mandioca e batata-doce. Precisamos de olhar para isso, investir nesses produtos e incentivar as pessoas a fazerem o uso de produtos nacionais”, explicou Moreno.
Comércio
GIFIM sugere introdução de scanners nas fronteiras para travar o contrabando
O Gabinete de Informação Financeira de Moçambique (GIFIM) sugere a colocação de scanners de mercadorias como forma de reforçar a fiscalização e combate ao contrabando nos postos fronteiriços terrestres, marítimos e aéreos. Segundo esta entidade, actualmente, as acções de fiscalização são insignificantes e nota-se a ausência de barreiras físicas nesses postos, o que fragiliza o controlo do comércio nas fronteiras. E acrescenta que o contrabando de produtos de diversas naturezas tem-se manifestado tanto através da fuga ao fisco como www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
da saída e entrada de minerais e pedras preciosas, olhando para o facto de o País possuir elevadas práticas da actividade de garimpo artesanal e ilícito. No seu estudo sobre a Avaliação Nacional de Riscos de Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, o Gabinete refere que a permissibilidade que se regista nos locais onde estão implantados postos de travessia fronteiriça estão a dificultar as acções de prevenção e combate à corrupção, apesar da presença de diversas entidades de defesa, como a Polícia, Migração e Alfândegas.
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RANKING
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especial energias renováveis 12
O FUTURO DAS RENOVÁVEIS
Moçambique tem potencial para se tornar num dos mais importantes players da área das energias renováveis ao nível da África Subsaariana. Mas é preciso explorar as oportunidades e investir mais. Na 8ª Edicão do MMEC especialistas falaram sobre este tema
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OPINIÃO
“Capitalizar os Recursos Locais de Gás”, Keith Webb & Ducla dos Santos
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PANORAMA
As Notícias Sobre Energias Renováveis no País e lá Fora
RENOVÁVEIS
Raios X ao Futuro das Renováveis em Moçambique A Hidroeléctrica de Cahora Bassa começa a tomar as renováveis mais a sério nas suas prioridades de produção. O Fundo de Energia anuncia novos investimentos de expansão e a Associação Moçambicana de Energias Renováveis fala da possibilidade de o País se tornar num dos mais respeitados fornecedores de África. O caminho é promissor, mas não isento de desafios… TEXTO Celso Chambisso • FOTOGRAFIA MMEC 2022 & DR
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specialistas nacionais e internacionais do sector de energia juntaram-se, no início de Junho do presente ano, na 8.ª Conferência e Exposição de Mineração, Petróleo e Gás de Moçambique (MMEC 2022), e entre os diversos temas abordados falaram sobre o que está, deve e vai mudar ao nível das renováveis. Fazendo uma espécie de enquadramento no painel que tinha como tema “Encontrando o Futuro: Energias Renováveis na Electrificação de Moçambique”, Ricardo Costa Pereira, presidente da Associação Moçambicana de Energias Renováveis (AMER), começou por lamentar o facto de que, apesar de o
dente da AMER, nos últimos anos, tem havido uma mudança de paradigma na abordagem do mercado das energias, que é favorável ao País. É que, durante muitos anos, as renováveis não eram competitivas: a tecnologia era muito complexa, o financiamento não estava disponível e a adaptação das tecnologias era muito complicada. Mas, hoje, todos estes elementos estão disponíveis e há progressos que permitem que as empresas invistam com segurança nos diferentes projectos, sendo prova disso o Programa de Leilões de Energias Renováveis em Moçambique (PROLER) e todos os outros que estão a ser conduzidos pelo Fundo Nacio-
As energias renováveis serão o caminho para, de uma forma justa, fazer a transição energética… e podemos ser nós mesmos (Moçambique) o exemplo na África Subsaariana... continente africano contribuir com menos de 2% nas emissões de gás de efeitos estufa, os países já pagam uma factura que varia entre 3% e 9% do seu PIB por causa dos efeitos das alterações climáticas. “Assim, as energias renováveis serão o caminho para, de uma forma justa, fazer a transição energética… e podemos ser nós mesmos (Moçambique) o exemplo na África Subsaariana de fazer este caminho de forma sustentável e que essa sustentabilidade signifique lucro para as empresas que trabalham nesta área. Temos, agora, uma oportunidade única de fazer as coisas juntos”, enfatizou o responsável. Ainda de acordo com o presi-
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nal de Energia (FUNAE). Apercebendo-se destas oportunidades, a AMER, organização criada em 2017 que conta, agora, com quase 50 membros nacionais e internacionais, tem vindo a trabalhar com o Governo e com o sector privado para dar destaque às energias renováveis, no sentido de caminhar para a plena exploração de um potencial que “não só é suficiente para o País como para toda a África Subsaariana”, segundo Ricardo Costa Pereira.
HCB não será mais a mesma
Neste momento, a Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) fornece energia Hidroeléctrica à empresa pública www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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RENOVÁVEIS
Electricidade de Moçambique, mas, no futuro, pretende desempenhar um papel de relevo no fornecimento de energia limpa, em resposta à crescente procura do público e à adopção das renováveis por parte de um cada vez maior número de empresas. Mas não é só por isso que a empresa está a assumir uma nova postura. Na sua intervenção, Rafael Abrão, administrador- executivo da HCB, recordou que, em 2016, depois de uma produção recorde de electricidade nos anos anteriores, se registou um período de seca que obrigou a empresa a reflectir sobre o risco hidrológico, isto é, quando deixa de haver água suficiente para a geração de energia. Naquele ano, perante a possibilidade de não cumprir os compromissos com os clientes, a HCB teve de repensar no seu plano estratégico relativamente à diversificação de fontes para minimizar o risco hidrológico. Tendo em conta essa lição, actualmente a HCB está a desenvolver um trabalho com um consultor que presta apoio no campo das energias limpas. “Este consultor tem como objectivo ajudar-nos a identificar possíveis fontes renováveis, nomeadamente de carácter hídrico, solar, geotérmico, entre outras fontes, que nos vão ajudar a contribuir para a diversificação energética do País”, revelou Rafael Abrão. O responsável chama a atenção, entretanto, para a necessidade de uma reflexão sobre como integrar as renováveis na rede. “Para pequenos sistemas, se calhar, não temos grandes problemas sendo, por isso, possível fazer essa integração através de soluções simples. Mas quando falamos de grandes sistemas, fotovoltaicos, por exemplo, há necessidade de uma visita ao código de rede para vermos como poderemos acomodar estas fontes sem prejudicar os sistemas já existentes”, argumentou.
O caminho da auto-suficiência: Mini-redes e solares residenciais
Porque a adopção das renováveis é irreversível, o Fundo Nacional de Energia (FUNAE) lança, neste mês de Junho, uma oportunidade de financiamento para iniciativas de expansão de sistemas solares residenciais, no valor de cerca de 26 milhões de dólares. Detalhes sobre como este instrumento vai funcionar ainda não há, mas a ideia é apoiar os investidores do sector a ex-
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De uma taxa nacional de acesso a energia de 44%, apenas 6% está na zona rural, de acordo com dados do Fundo de Energia, logo “há muito trabalho a ser feito para responder a este fosso”. pandirem a sua capacidade de intervenção tendo em vista o alcance do acesso universal até 2030, de acordo com o respectivo PCA, António Saíde. Para uma expansão mais célere da rede de energia fora da rede – que é onde as renováveis entram em cena, estando mais concentrada no Centro e Norte do País –, o FUNAE vem apostando no desenvolvimento de mini-redes, que são estruturas localizadas de geração e distribuição para
um consumidor local. Utiliza também a abordagem virada para os sistemas solares residenciais. Ou seja, para as zonas onde a rede não cobre todos os habitantes, o FUNAE vai em busca de respostas para a cobertura. António Saíde faz menção a um estudo encomendado pelo FUNAE, que indica que, para o alcance do acesso universal, a rede eléctrica nacional vai ampliar a cobertura de 44% para 68% e os www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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AUTO-SUFICIÊNCIA NO CENÁRIO ÓPTIMO Um estudo encomendado pelo FUNAE aponta que as Renováveis terão um papel importante no alcance do acesso universal à energia, na seguinte proporção: Taxa de cobertura em % Fora da rede 32
68 Dentro da Rede
Na estrutura fora da rede, maior ênfase deve ser dado às solares residenciais e mini-redes. Ambas devem perfazer 32% Mini-redes 13
Outras fontes
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Solares residenciais
restantes 32% fora da rede. E no contexto fora da rede, a cobertura das mini-redes deverá estar na ordem dos 13% e as soluções solares residenciais vão perfazer 19%. “No meio rural os sistemas residenciais são uma resposta bastante para a procura de energia”, frisou o responsável. Neste momento, a empresa orienta a sua intervenção no meio rural onde, segundo dados apresentados pelo PCA do FUNAE, estão concentrados 65% dos moçambicanos. É que, de uma taxa nacional de acesso a energia de 44%, apenas 6% está na zona rural, logo “há muito trabalho a ser feito para responder a este fosso”, explicou o PCA do FUNAE.
Desafios e oportunidades
A ambição de crescer no campo das renováveis não é isento de obstáculos. A www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
tarefa de resumir o que se pode esperar neste percurso coube a Piergiorgio Evangelista, director-executivo da Renco Moçambique, empresa italiana que aposta na construção de centrais eléctricas, estando também envolvida na construção da base da TotalEnergies em Afungi, Cabo Delgado. Começando pelas oportunidades resultantes do investimento nas renováveis, o responsável referiu-se à possibilidade de incentivar a autonomia energética de empresas localizadas em áreas remotas e o armazenamento de energia e soluções de backup. Também entende que as mini-redes para áreas remotas têm potencial de criar um ambiente competitivo para que as tais oportunidades não sejam deixadas apenas para projectos de cooperação sem fins lu-
crativos, como se tem assistido. No campo da expansão de projectos existentes, a vantagem está na possibilidade de reduzir o prazo de financiamento e execução, e em aproveitar as lições aprendidas dos projectos pioneiros. Para Piergiorgio Evangelista, os obstáculos incluem a atenção limitada do sector bancário doméstico para iniciativas da área das energias renováveis, o alto risco percebido pelos investidores e financiadores em relação a certas áreas geográficas, a logística internacional e o aumento de custos nos factores de produção. Na conferência, que juntou diversas individualidades do sector energético, vários outros temas foram levantados com a perspectiva de que o País está bem posicionado no contexto global.
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OPINIÃO
Capitalizar os Recursos Locais de Gás
M Keith Webb • Responsável pela área de Midstream e Infra-Estruturas no Rand Merchant Bank (RMB) & Ducla dos Santos • Responsável Interina pelo Sector Energético do FNB Moçambique
A indústria das energias renováveis está a crescer rapidamente e torna-se necessária a produção de gás de média e alta potências para a respectiva estabilização.
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oçambique deve fazer uso dos seus consideráveis recursos de gás para dinamizar as indústrias locais. Em suma, foi este o tema que o FNB levou à 8.ª Conferência de Mineração, Petróleo e Gás e Energia de Moçambique na qual foi um dos main sponsors. Porque este é o momento certo de expandir o investimento no sector do gás e energia, em Moçambique, e estamos cientes que o desenvolvimento dos jazigos de gás no Norte de Moçambique requerem investimentos externos consideráveis que, por sua vez, dependem da formalização de contratos de exportação de Gás Natural Liquefeito (GNL) para a bancarização destes clientes. O investimento expectável de, até, 100 mil milhões de dólares irá traduzir-se em melhorias significativas no desenvolvimento das infra-estruturas rodoviárias, portuárias, hidráulicas e eléctricas da região, que devem ser dinamizadas para benefício local. O Governo deverá, para o alcançar, avançar com o plano de desenvolvimento das infra-estruturas sociais e de capital humano e, ainda, alavancar o desenvolvimento industrial em curso na região. Ao mesmo tempo, a dinamização de indústrias secundárias, como da produção de fertilizantes, seria ideal, uma vez que estas requerem fontes de gás acessíveis de modo a tornarem-se competitivas e impactantes. Moçambique deve tirar partido da utilização regional de gás, de modo a fomentar a criação de economias de escala também para uso local. O investimento significativo em infra-estruturas de gasodutos, liquefacção, transporte e requalificação conta com a existência de economias de escala que sejam viáveis para todos. Embora a procura de gás local possa ser inicialmente limitada, as economias de escala podem ser alcançadas se pudermos servir-nos das redes de gasodutos existentes para satisfazer a procura latente de gás na região. Para sermos bem-sucedidos, é importante ter em conta a relevância dos investimentos em redes de distribuição e na conversão a partir de outras fontes de energia. Neste momento, é importante dar ênfase ao gás, sendo esta uma fonte de energia segura e ideal para equilibrar as redes de energias renová-
veis regionais que podem, também, beneficiar a economia moçambicana. Moçambique fornece energia hidroeléctrica considerável (Cahora Bassa e, no futuro, Mpanda Nkuwa), o que capacitou a indústria do alumínio, enquanto o Grupo de Energia da África Austral é dominado pela energia do carvão (Eskom). A indústria das energias renováveis está a crescer rapidamente e torna-se necessária a produção de gás de média e alta potências para a respectiva estabilização. A energia gerada pelo gás é importante para equilibrar a rede eléctrica local e regional, e Moçambique pode recorrer ao gás local para fornecer este serviço, o que requer escala e capacidade bancária suficientes para que o investimento seja compensador. O gás como um potenciador de uma “transição justa” O gás pode ser o ingrediente chave para Moçambique alcançar os seus objectivos de transição energética. Webb diz: “As tecnologias de geração de energia a gás são muito flexíveis e podem ser iniciadas rapidamente — o que as torna ideais para equilibrar a geração de energia variável a partir de energia solar e eólica renovável. Como tal, a geração de energia a gás pode formar um poderoso facilitador da transição de energia renovável. Além disso, o gás (particularmente o GNL), como combustível, resulta numa queima mais limpa — muito mais limpa do que o carvão ou o gasóleo. Por outro lado, é muito mais eficiente, o que significa geração de mais electricidade e níveis menores na emissão de dióxido de carbono. Num formato de “ciclo fechado”, as turbinas a gás podem ser ainda mais eficientes como fonte de energia de base em substituição da energia alimentada a carvão”. Em última análise, um investimento bem-sucedido e o crescimento do mercado do gás em Moçambique exigem um investimento direccionado e um banco que tenha em conta as particularidades do País, o contexto e os objectivos em causa. O RMB, em parceria com o FNB, orgulha-se de ter trabalhado em transacções semelhantes a nível regional e, juntamente com parceiros locais de confiança, está capacitado para oferecer uma visão contínua e negócios estruturados de acordo com as necessidades dos nossos Clientes e da indústria mais vasta. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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Hidroeléctrica
BAD vai fornecer consultoria ao projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa que vai incluir as energias limpas O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) vai fornecer serviços de consultoria ao projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa, ao abrigo de um acordo assinado em Acra, por ocasião da recente visita do Presidente da República e o líder do BAD. Filipe Nyusi considera que o passo dado é a resposta ideal à questão da visão do País sobre a transição para as energias limpas. Mphanda Nkuwa, que se poderá tornar na segunda maior barragem de produção de electricida-
de de Moçambique, depois de Cahora Bassa, é um projecto orçado em 4,5 mil milhões de dólares, que prevê a construção de uma central eléctrica na província de Tete, Centro do País, e uma linha de transmissão de alta tensão com uma extensão de 1300 quilómetros, até à província de Maputo. O Governo espera conseguir concretizar o projecto por forma a entrar em funcionamento em 2031 para alimentar o mercado doméstico e a África Austral.
Investimento
Banco Mundial reitera a aposta nas energias renováveis em África Expansão
Governo pretende investir em renováveis para tornar o preço da energia eléctrica mais acessível O Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) está a trabalhar em reformas do quadro legal para atrair mais investimentos no ramo das energias renováveis e tornar o preço da energia eléctrica mais acessível. Para isso, estabelece como meta cerca de 20% do processo de electrificação com base nas energias renováveis, numa altura em que persegue o objectivo de garantir o acesso universal à energia até 2030, num investimento global de até 40 milhões de dólares. A mobilização das diversas fontes energéticas já disponíveis em Moçambique deverá permitir que mais de dez milhões de moçambicanos tenham acesso à energia eléctrica até 2024. Com o financiamento da União Europeia (UE) e outros parceiros de cooperação pretende-se alavancar investimento privado de, aproximadamente, 200 milhões de euros para a implementação de 120 megawatts de projectos de geração de energia renováveis. Ainda nas perspectivas do Governo, a aposta nas energias renováveis poderá assegurar a transformação e desenvolvimento industrial, agro-processamento, aquacultura e um aumento do acesso energético por parte de mais famílias.
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O presidente do Banco Mundial, David Malpass, afirmou, recentemente, que o gás natural é importante como combustível de transição, mas que África deve apostar nas energias renováveis para crescer economicamente e resistir a crises como a guerra na Ucrânia. Reiterou, entretanto, que “novos investimentos em manutenção de hidroeléctricas e barragens são importantes” e que “aumentar a eficiência energética e fazer os investimentos necessários na rede para absorver as energias renováveis também serão passos fundamentais”. “Estes vários passos serão essenciais
na transição de África da agricultura de subsistência para a actividade económica produtiva na agricultura, serviços, indústria e sectores públicos”, vincou o responsável. Um maior uso de energias renováveis, acrescentou, é também “um alicerce fundamental para a segurança e melhorias em geral no crescimento e no nível de vida”. África é o continente com o mais baixo nível de acesso a energia, onde apenas 55,7% da população tem eletricidade, contra uma média de 90% no resto do mundo, de acordo com estudo publicado pela Fundação Mo Ibrahim, recentemente. Segundo o mesmo estudo, mais de 930 milhões têm de usar combustíveis poluentes, como carvão, madeira ou gasolina, para cozinhar, agravando os riscos de saúde, resultando em quase 500 mil mortes prematuras por ano. Ainda assim, 22 países africanos já usam energias renováveis como principal fonte de electricidade, sobretudo energia hídrica, mas também solar e geotérmica.
Cooperação
Alemanha e África criam parcerias para produzir energia renovável O Ministros da Energia e representantes de Governos africanos concordaram em criar uma parceria com empresas alemãs para produzir energia renovável. O objectivo é acabar com a dependência europeia do petróleo e do gás russos. O 15.º Fórum Alemão-Africano de Energia, realizado na cidade alemã de Hamburgo entre os dias 1 e 2 de Junho, foi uma opor-
tunidade para os principais actores africanos e alemães no sector da energia discutirem formas de alcançar uma parceria vantajosa para a produção de energia renovável. Isto significa que as empresas alemãs irão financiar iniciativas africanas para produzir energia a hidrogénio para exportação para a Europa. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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OPINIÃO
Claudio Pondja • Director Wealth Management do Banco BiG Moçambique
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ários são os agentes económicos expectantes com o anúncio da petrolífera ENI de arrancar com a produção e primeira exportação de gás liquefeito ainda no decorrer deste ano de 2022. O Mercado Cambial será dos primeiros mercados a sentir os efeitos destas exportações, com o aumento de liquidez em moeda estrangeira, quer seja nas transacções entre bancos comerciais, quer nas transacções entre os bancos comerciais com o público. Esta expectativa é ainda reforçada com a possível retoma das operações da TotalEnergies no Norte do País, quando estiverem garantidas as condições de segurança junto do projecto de gás em Palma. Contudo, é preciso recordar que, de acordo com a balança comercial, existe um grande fosso entre a procura de moeda estrangeira para fazer face às importações, e as fontes existentes de moeda
O Mercado Cambial e o Arranque da Exploração de LNG estrangeira para cobertura dessas mesmas importações. O desenvolvimento dos projectos de gás, que serão geradores de receitas em moeda estrangeira no futuro, são também, neste momento, deficitários de moeda estrangeira, pois necessitam de importar maquinaria e combustíveis. Assim sendo, com a retoma das actividades em Cabo Delgado, as importações de combustíveis, como o gasóleo, irão sofrer um incremento face à média de importação dos últimos anos, que, somente no gasóleo, principal fatia no total da factura dos combustíveis, rondou os $500 mil/ano. O gráfico abaixo demonstra a evolução da Conta-Corrente, neste caso o défice entre as entradas e saídas das divisas, onde se destaca o primeiro trimestre de 2022, quando existiu um incremento significativo de +490% nas importações, devido à aquisição de maquinaria para os grandes projectos
Com a retoma das actividades em Cabo Delgado, as importações de combustíveis, como o gasóleo, irão aumentar face à média de importação dos últimos anos
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LNG. Embora a expectativa seja grande, a realidade irá ser bem mais moderada uma vez que os acordos estabelecidos entre as petrolíferas e o Governo não acautelam uma entrada de volumes elevados de receitas de exportação do gás, quer pela utilização de contas offshore, quer porque o volume que entrará em Moçambique será canalizado para os cofres do Estado via Banco Central. Embora se espere uma entrada para alguns bancos comerciais com exposição ao sector, o montante será uma fracção dos volumes totais da exploração. A falta de visibilidade de quando a TotalEnergies voltará a Cabo Delgado, mesmo depois de surgirem notícias que estaria a mover de novo contractors para essa região, e a ausência (ainda) de decisão final por parte da Exxon Mobil, exigem ponderação, motivo pelo qual os agentes económicos devem, então, refrear as expectativas de uma possível inundação de divisas no mercado cambial, pelo menos a curto prazo, e esperar que os grandes impactos a médio e longo prazo sejam uma realidade. Algo que poderá ajudar a manter a expectativa viva será a constituição do Fundo Soberano, no qual o mercado espera que se materializem notícias mais concretas sobre a regulamentação e timings nos próximos meses. Contudo, estamos ainda no início de um longo caminho que levará ao cumprimento dos objetivos a que se propõe o Fundo Soberano: a acumulação de recursos através da maximização do valor do Fundo, com vista a assegurar que receitas obtidas de recursos naturais não renováveis sejam repartidas, através de investimentos, entre várias gerações, com o intuito de contribuir para a estabilização fiscal e isolar o Orçamento de Estado e a economia nacional dos impactos nefastos resultantes de flutuações dos preços das commodities nos mercados internacionais. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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CONTEÚDO LOCAL
Para Quê Esperar Pela Lei?... E se Esta Não Avançar? A exploração do gás natural na província de Cabo Delgado começa já este ano, mas a Proposta de Lei sobre o Conteúdo Local continua “engavetada”. Empresários nacionais temem que, sem este instrumento, sejam excluídos do “banquete”. Ainda assim, no terreno, onde são explorados os recursos, há avanços. Por exemplo, a multinacional TotalEnergies tem ajudado na criação de empresas e capacitação e tem assinado contratos com as empresas nacionais no projecto LNG Mozambique. Parece não haver mais paciência para esperar pela Lei Texto Anderson Cossa • Fotografia D.R
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E&M esteve por quatro dias no acampamento da TotalEnergies em Afungi, distrito de Palma, província de Cabo Delgado, Norte de Moçambique. Nos corredores daquele recinto, as línguas nacionais são as que mais se ouvem. Desde as limpezas do recinto, das hospedagens, até à agricultura passando pelos serviços de catering e de canalização, etc., de onde vêm os produtos com que se abastece o Ace Camp (designação do acampamento da Total). São empresas de Cabo Delgado que fornecem bens e prestam serviços à multinacional que lidera o projecto LNG, após a decisão final de investimento de 20 mil milhões de dólares em 2019. Para fazer vincar a ideia de Conteúdo Local, embora ainda não exista uma legislação específica, a Total subcontratou a True North, empresa que ajuda na criação e financiamento de firmas locais, bem como a sua capacitação em matérias de gestão patrimonial e financeira. Cláudio Luís Simoco, consultor em gestão de empresas, é a figura contratada pela True North para apoiar as Pequenas e Médias Empresas (PME) locais a organizarem-se e a capacitá-las sobre como aceder às oportunidades que lhes são oferecidas pela multinacional TotalEnergies. Mas como seria trabalhar com um instrumento sobre o qual pouco se sabe? O consultor explica que, quando chegou a Palma, enfrentou grandes dificuldades na implementação do conceito de Conteúdo Local, porque as empresas não estavam organizadas, nem eram apoiadas, muito menos sabiam sobre como ter uma ligação directa com o projecto LNG. Esta fragilidade dos nacionais acabou por ser a oportunidade para
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ao que vêm de fora, no caso as empresas sul-africanas, que tinham tomado a dianteira, ou seja, forneciam bens e serviços à Total. Para mudar esta realidade, havia que “começar do zero” todo o processo de capacitação interna. “Nós tínhamos de desenvolver PME locais, fazer o processo de legalização, treiná-las sobre boas práticas de gestão de negócios, dar-lhes algum suporte técnico na elaboração de um plano de negócio e apoio no processo de pagamento de impostos, entre vários outros aspectos”, revelou Cláudio Luís Simoco. Quatro meses depois, os resultados deste conjunto de acções são visíveis. Segundo o responsável, de Fevereiro até Maio, entraram no processo de legalização 24 empresas, entre as quais colectivas, sociedades unipessoais, cooperativas e associações. Com este número de empresas formadas, a questão do conteúdo local começa, “sem dúvidas”, a tornar-se numa realidade. “Só para citar alguns exemplos, nós temos, neste momento, aqui dentro do projecto, cinco empresas que já assinaram contrato na área de limpeza de vegetação, assim como limpeza geral de quartos”, esclareceu o consultor contratado pela True North, empresa subcontratada pela Total para liderar o treino e formação de empresas locais. A assinatura do contrato com a multinacional não é automática – há procedimentos que são seguidos. Numa primeira fase, esclarece o consultor, as empresas criadas assinam um contrato de supervisão com a True North. A ideia é que esta empresa acompanhe os trabalhos das PME locais em formação, tenham uma experiência considerável e, depois de seis meses, fiquem autówww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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nomas e comecem a pagar aos seus trabalhadores. “O que vai acontecer é que, gradualmente, a partir do próximo mês (Julho), os trabalhadores que estão na True North passem para as empresas locais e, assim, ficam responsáveis por pagar os honorários aos trabalhadores e impostos ao INSS. Todo este processo é uma forma de empoderar as próprias PME”, sublinhou o consultor em gestão de empresas. Estão nesta fase de aprovação pela True North seis firmas, entre as quais as dedicadas a limpeza, catering e canalização. “Temos cinco empresas de limpeza e uma de canalização que estão a prestar serviços. Há mais quatro que ainda não assinaram contratos porque o pro-
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cesso de legalização e constituição está incompleto. Depois da indução, treino e capacitação, a assinatura do contrato é directa. Basta cumprir os requisitos necessários para a sua formação e a firma tem o contrato garantido”, explicou. O consultor avançou, ainda, que a ideia do Conteúdo Local, implementada pela TotalEnergies, “não é tornar as PME dependentes do projecto, mas incubá-las, torná-las sustentáveis e criar uma independência. Nós também apoiamos com marketing ao nível do projecto”. A indução das PME nacionais, mais concretamente de Palma, é feita a custo zero pela própria TotalEnergies, mas não o faz directamente. A multinacional subcontrata os chamados “Implementadores de Projectos (IP)”, neste caso a
True North, para fazê-lo, já que a capacitação das PME não faz parte do core business da TotalEnergies. Quem são os capacitados? Está vestida de uniforme de trabalho. Segura, na mão, uma vassoura de pátio e uma catana para cortar capim. Chama-se Bendita Suzana Hilário. É casada e tem três filhos. Trabalha no projecto LNG Mozambique liderado pela multinacional francesa TotalEnergies desde 2016. Naquele período, não fazia limpeza no pátio do acampamento de Afungi. Um exemplo dos que “vieram de baixo” e alcançaram o topo. Um exemplo das oportunidades que o Conteúdo Local pode trazer às famílias e à economia. “Trabalhava para a www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
sobre como fazer uma melhor gestão da sua firma, e o trabalho não é diferente do que fazia à empresa sul-africana para a qual trabalhava. “Eu tiro capim de dentro do acampamento e arredores. Mais tarde, não sei se passarei a fazer limpezas nos quartos porque deram-me as 9500 casas, também no acampamento. Limpamos, capinamos e deixamos tudo em boas condições. Agora estamos aqui, no Ace Camp, a fazer o mesmo trabalho. Acredito que, mais tarde, também poderemos limpar os quartos”, disse Bendita Hilário, numa clara esperança de que a sua empresa vai crescer. Do recinto do acampamento da Total cuida Bendita Hilário, mas a limpeza dos quartos e escritório está a cargo da ISPC, empresa de Silvano Cristóvão, criada com o apoio da TotalEnergies, através da True North. “Eu era vendedor de álcool, mas sempre tive o sonho de abrir a minha própria empresa. Então, quando no âmbito da política de Conteúdo Local da TotalEnergies surge a oportunidade, não hesitei e abracei-a”, narrou Silvano Cristóvão, proprietário de uma empresa de limpeza em Palma que presta serviços à Total. A empresa de Silvano, que existe há dois meses, ainda não está independente. Passou pelo processo de capacitação e indução dado pela True North, empresa implementadora dos projectos da
tão directa. “Neste momento, quem está a pagar salários é a True North, mas, passados seis meses, eu, pessoalmente, vou pagar aos trabalhadores e descontar para o Instituto Nacional de Segurança Social”, afirmou o nosso entrevistado. Ainda na sua política de Conteúdo Local, a multinacional, que lidera o projecto Mozambique LNG, deu suporte a mais um local na criação de uma empresa de canalização: a SMC, Investiment. O negócio da canalização Dade Saíde, de 30 anos, dois filhos, é nativo de Palma e um dos mais conhecidos canalizadores daquele distrito. E, tal como os outros, quando ouviu que a TotalEnergies pretendia criar uma empresa local neste ramo, aproveitou a oportunidade. “Depois de concorrer à vaga e ser aprovado, fui ao processo de indução, no qual aprendi como se deve gerir uma empresa, elaborar contratos, lidar com trabalhadores e foi assim que comecei a trabalhar no acampamento da TotalEnergies com a True North”, relatou Dado Saíde, dono de uma pequena empresa de canalização. Foi a Total que comprou o material para a empresa começar a operar e tratou de toda a documentação necessária. “Eu não tinha nem um tostão para abrir a empresa, nem fazia ideia de como se fazia. Hoje, conto com quatro trabalhadores”, disse Saíde. De acordo
Empresas de áreas como a cerralharia lamentam a falta de uma Lei de Conteúdo Local, mas já estão a antecipar-se na luta pelas oportunidades empresa sul-africana IFS e fazia serviços de limpeza na lavandaria. Lavava roupas, engomava, varria e limpava os quartos”, contou Bendita Hilário, agora dona de uma empresa de limpeza que presta serviços à TotalEnergies. Bendita não tinha ideia de como se criava uma empresa de limpeza e hoje tem uma que, curiosamente, carrega o seu nome: Bendita Service. O que ela sabia era apenas fazer o trabalho, mas a oportunidade para abrir a sua própria pequena firma não tardou. Foi daí que “ouvi que a Total precisava de Pequenas e Médias Empresas locais e submeti os documentos para concorrer a uma das vagas”. Depois de o seu pedido ter sido aprovado, a pequena empresária participou no treino, capacitação e indução www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
TotalEnergies. “Foi esta empresa (a True North) que me ajudou a tratar da documentação, porque eu não tinha nenhum documento que me permitisse abrir uma firma. Foi a mesma instituição (a True North) e a Total que financiaram todas as despesas”, referiu Silvano Cristóvão. Tratar da documentação não foi a única coisa que a multinacional fez para a criação da empresa de limpeza que conta com 20 trabalhadores. Foi a Total, através da True North, “que comprou todo o material e produtos de limpeza. Não me deu dinheiro físico”. Lançadas as bases para a criação da empresa, Silvano está na fase de supervisão pela True North. Depois desse período, será ele próprio a fazer a ges-
com o relatório da Comissão Técnica de Conteúdo Local de 2020, disponível na página de internet da TotalEnergies, até ao fim de Novembro foram mais de 350 empresas moçambicanas que estiveram envolvidas directamente com o projeto Mozambique LNG e, mais ainda, em toda a sua cadeia de valor, representando mais de 947 milhões de dólares gastos com empresas registadas em Moçambique, dos quais mais de 229 milhões de dólares americanos com empresas de propriedade moçambicana. Há anos que a falta de uma Lei de Conteúdo Local tem causado a indignação dos interessados, sobretudo a classe empresarial que, muitas vezes, alerta para o facto de o País estar a caminhar para o desaproveitamento do seu potencial.
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NÚMEROS EM CONTA
O que Compõe a Economia Chinesa de 18 Biliões de Dólares A China é a segunda maior economia do mundo, só ultrapassada pelos EUA, e espera-se que acabe por subir para a posição número um nas próximas décadas. Embora a economia chinesa tenha passado por tempos de turbulência nos primeiros meses deste ano, devido à política de tolerância zero à pandemia, com lockdowns em várias cidades e problemas nas cadeia de abastecimento, esta infografia cobre
um ano completo de dados relativos a 2021 — um ano em que a maioria das economias recuperou após o caos inicial da pandemia. Em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) da China atingiu ¥114 triliões ($18 biliões de dólares), de acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas. A economia do país superou as metas governamentais de crescimento de 6%, crescendo 8,1% ao longo do ano.
O PIB Chinês atingiu os 114 milhões de Yuan (18 biliões de dólares) em 2021, de acorco com o NBS, entidade que mede os indicadores estatísticos na China.
As áreas que impulsionaram o crescimento foram a manufactura, a mineração e a indústria, que cresceu 9,6% em 2021.
Discriminação por Sector (em yuan chinês)
Produção Industrial
¥37.3T
Retalho
¥10.5T
Agro-negócio
Tecnologias da Informação
¥8.7T
¥4.4T
Sector Financeiro
¥9.1T Imobiliário
¥7.8T Hotelaria e Serviços
¥1.8T
A economia cresceu 8,1% e ultrapassou a meta inicialmente estabelecida pelo Governo de 6%.
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Outros
¥18.1T
¥3.5T Renting, Leasing e Serviços para negócios
Construção
¥8.0T Transportes e Logística
¥4.7T
FONTE NBS National Bureau of Statistics of China, Visual Capitalist www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
NAÇÃO | COMBUSTÍVEIS
Como Funciona o Mercado dos Combustíveis e o que Pressiona (e Alivia) os Preços? Enquanto famílias, empresas e até o Estado são sufocados pela cada vez maior factura de aquisição dos combustíveis, chegam-nos sinais de que os próximos tempos não serão melhores e fica uma certeza inquietante: mesmo tendo subido, a verdade é que os preços dos combustíveis em Moçambique deveriam ainda ser mais elevados porque a continuar assim, todos perdem, incluindo o Estado que está a cobrir a diferença entre o preço real e os preços actualmente praticados. A E&M explica como funciona este mercado tão impactante em praticamente tudo ao nosso redor, e revela como se chega aos preços finais que nos tocam a todos no bolso Texto Celso Chambisso • Fotografia Istock & D.R.
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NAÇÃO | COMBUSTÍVEIS
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á algumas semanas, as gasolineiras convocaram a imprensa para protestar contra a fraca capacidade de geração de receitas do sector. As contas feitas na altura pelo presidente da Associação Moçambicana de Empresas Petrolíferas (AMEPETROL), Michel Amade, indicavam, por exemplo, que uma viatura que abasteça em Ressano Garcia e cruze para Komatipoort, na África do Sul, estará a pagar, em Moçambique, 19,89 meticais a menos por litro. O preço justo, segundo a organização, seria o de 26,9 meticais a mais para o diesel. Quanto à gasolina, deviam ser cobrados 19 meticais a mais por litro, sobre os actuais 77,39 meticais, perfazendo 96,39 meticais por litro. Isto quer dizer que o preço em Moçambique estará desajustado em relação ao que deveria ser o preço real que pudesse gerar lucro face à subida de preços do crude no mercado internacional. Preços altos para o consumidor mas baixos para os operadores do mercado: eis o dilema do mercado nacional Da comparação realizada pela AMEPETROL entre sete países da região, nomeadamente a Tanzânia, Essuatíni, África do Sul, Zâmbia, Zimbabué e Quénia, Moçambique tem os preços mais baixos dos combustíveis. E, apesar de as gasolineiras estarem cientes de que estes valores são elevados para a capacidade financeira dos cidadãos e das empresas, consideram que manter a estrutura actual de preços pode resultar na redução da capacidade de importação de alguns operadores, que já começaram a queixar-se. O Governo, através do ministro da Economia e Finanças, Max Tonela, já veio a público admitir que “pode ser que tenhamos de fazer mais um ajustamento para garantir a continuidade do fornecimento dos combustíveis no País”. De facto, em meados de Junho corrente, a Autoridade Reguladora de Energia (ARENE) anunciava a perspectiva, no mesmo mês, de uma nova subida do preço dos combustíveis e produtos derivados, justificada por um “choque externo”. Era mais um golpe para os consumidores, que ainda sentem o peso do ajuste feito em finais de Maio. O que não se consegue ver Ricardo Cumbe, secretário-geral da AMEPETROL, organização composta
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por 30 operadores associados, afirma que a questão da subida do preço dos combustíveis tem sido analisada de forma simplista, ou seja, as pessoas fazem leituras desajustadas da realidade, chegando até a relacionar o que se assiste nos dias que correm ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia. “Mas é uma questão tão complexa que exige um exercício aturado para que se perceber a sua génese”, avisa. O responsável explica que a actividade do sector é coberta por uma legislação e o grande problema é a falta do cumprimento do Decreto n.º 89/2019, de 18 de Novembro, particularmente no que diz respeito ao ajustamento de preços. O ponto crítico é que os produtos petrolíferos importados apresentam
custos diversificados e, de acordo com o critério estabelecido no Decreto, estes custos devem estar acomodados na estrutura de preços que é calculada no final de cada mês pela Autoridade Reguladora de Energia (ARENE), tendo em conta alguns factores que incluem o custo do frete ao qual se adicionam outras taxas, direitos, IVA, o factor cambial, etc. Deste exercício resulta uma tabela bem definida, que traduz os resultados finais que são obtidos depois da ponderação dos dados dos dois últimos meses em termos de quantidades importadas. A estes, adiciona-se o custo de importação e faz-se uma média ponderada que resulta no preço final. “Acontece que esta média não satisfaz www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
“As pessoas fazem leituras desajustadas da realidade, chegando até a relacionar o que se assiste ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia" os operadores”, afirma Ricardo Cumbe. E porquê? A AMEPETROL considera que a média ponderada contradiz a Lei que estabelece a obrigatoriedade de os operadores manterem um stock de combustíveis capaz de cobrir 23 dias de abastecimento do mercado. Ao invés, acomoda uma média que representa 60 dias. “Aqui há um contraste que tem impacto na nossa velocidade de recuperação de um custo real www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
que incorremos para a importação. Porque a estrutura trabalha na base da média e a legislação considera 23 dias”, protesta o secretário-geral da AMEPETROL. O cenário mais confortável, prossegue, está na opção dos 23 dias defendida na Lei. Porquê? “Com as limitações financeiras e a capacidade reduzida para fazer importações, só nos limitamos a trazer encomendas por vezes aquém de uma cobertura de
23 dias. O outro desafio é que, ao usar uma média ponderada, a ARENE acomoda o preço actual a um custo do mês anterior (neste caso, relativamente mais baixo). Então, o factor 'média' nunca nos vai trazer um alinhamento de ponto de vista de timeline, para a recuperação dos custos efectivos”, argumentou Ricardo Cumbe. Mas não é só isso. “Feito o cálculo pelo regulador, existem as premissas mínimas e máximas. Assim, se a variação de preços for de até 20%, o regulador tem a autonomia de chancelar se a nova estrutura de preços deve ou não ser cumprida pelos operadores. Mas, quando a variação for acima dos 20%, o regulador perde essa autonomia”. É esta última
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NAÇÃO | COMBUSTÍVEIS
COMO É FORMADO O PREÇO DO MERCADO? A estrutura de preços é um documento que contém as várias componentes, desde o preço de compra a que depois se agregam outros custos da cadeia de valor. Essencialmente, o preço de venda ao público resulta da combinação entre o preço base no mercado internacional (o indexante internacional), a variação dos preços nos períodos anteriores (neste caso dois meses), a respectiva correcção das perdas ou ganhos e a correcção cambial (já que a importação é feita em dólares). A estes custos acrescentam-se os que são inerentes à gestão dos portos para receber os navios, o custo de armazenagem, as taxas de inspecção da qualidade, o IVA, entre outras. Recentemente, o Governo decidiu retirar uma parte desses encargos para minimizar o impacto da subida do preço dos combustíveis. Por Lei, sempre que houver uma variação igual ou superior a 3% nos componentes que determinam o preço dos combustíveis, o preço de venda ao público deve ser ajustado. E esta variação é influenciada, essencialmente, pelo indexante internacional e a variação cambial.
situação que ocorreu nos últimos meses, segundo a AMEPETROL. “Quando é assim, o assunto deve ser remetido ao Conselho de Ministros, o que não está a acontecer numa frequência mensal desde o ano passado, conforme estabelece o [decreto] 89/2019, de 18 de Novembro”.Perante esta discordância, os operadores acabam por recorrer a uma opção que designam por 'estrutura de preços nominal'. Mas, dentro desta opção, o Governo diferencia a estrutura nominal daquela que os operadores identificam como sendo a mais correcta. Dessa diferença resulta uma variação que vai determinar o elemento de compensação. É sobre este valor que incide o montante que o Governo deve às gasolineiras, actualmente avaliado em cerca de 140 milhões de dólares. “Isso tem vindo a corroer os níveis de tesouraria das empresas desde o ano passado e, quanto mais tentamos continuar a operar, mais nos
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A diferença entre o preço cobrado e o que devia ser cobrado é que gera a dívida do Governo para com as importadoras, que se acumula todos os meses
endividamos porque somos obrigados a recorrer a financiamentos bancários e atraímos taxas de juro altas. Todos estes elementos são a razão das grandes inquietações que temos estado a manifestar junto das autoridades do sector”, esclareceu. Sinais de negligência A acrescentar aos factores por detrás das subidas acentuadas do preço dos combustíveis, o representante de um dos operadores do mercado que prefere o anonimato recorda que, de acordo com a Lei, os preços devem ser ajustados e anunciados na tercei-
ra semana de cada mês. Mas tal não acontece sempre. Só quando os preços mudam. Quando não variam não há comunicação. “E não é assim que deveria ser. Mesmo quando os preços se mantiverem inalterados, faria toda a diferença que as autoridades viessem a público explicar a razão dessa manutenção, para criar confiança na comunicação”, defende. Entende, por isso, que “o que está a contribuir para o alvoroço a que se assiste, decorrente da subida de preços, é a falta dos ajustamentos pontuais. É que o Governo, para salvaguardar a protecção social, manteve www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
COMO OS COMBUSTÍVEIS CHEGAM AO PAÍS
a expectativa de que os aumentos do preço no mercado internacional eram fenómenos passageiros e que em dois ou três meses normalizar-se-iam. Isso não aconteceu e os preços aumentaram consideravelmente”. O preço sobe todos os meses desde Setembro do ano passado, excepto em Março deste ano. Mas só agora é que estão a ser repassados ao mercado. Actualmente, o barril de petróleo no mercado internacional tem oscilado entre os 110 e 120 dólares, contra os anteriores 80 dólares (aproximadamente).
Os combustíveis consumidos em Moçambique provêm dos mercados do Médio Oriente, Emirados Árabes Unidos, Índia e outros, com dezenas de intervenientes e procedimentos até cá chegar. O IMOPETRO agrega todas as 30 distribuidoras que estão licenciadas para operar e recolhe as suas necessidades. Uma delas tem que ver com a previsão das quantidades a vender num determinado período (tipicamente seis meses) e depois abre um concurso internacional.
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As entidades elegíveis que concorrem para fornecerem ao mercado são geralmente os grandes traders internacionais, tendo em conta que se trata de um concurso com um grau elevado de complexidade.
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O concurso segue metodologias internacionais com requisitos rigorosos no que diz respeito à transparência no processo. As empresas apresentam as suas propostas e são sujeitas à triagem técnica para verificar o cumprimento dos requisitos. As propostas dos candidatos são abertas na presença de todos os interessados, quer as distribuidoras, quer os concorrentes, e são sujeitas a uma análise comercial e técnica por parte do IMOPETRO, assessorada e validada pelos representantes das distribuidoras. É elaborado um documento que vai para uma entidade do Ministério da Energia e uma entidade multi-sectorial - a Comissão de Aquisição de Combustíveis Líquidos (CACL) - que validam a proposta de adjudicação, que é divulgada pelo Ministro da Energia. Para apresentar os preços usam-se indexantes internacionais diferentes para a gasolina e para o diesel. São critérios totalmente transparentes, publicados diariamente pela Bloomberg. Os fornecedores colocam a sua margem de frete sobre esse indexante O produto é entregue aos portos e as encomendas têm de ser colocadas cerca de um mês e meio antes do fornecimento. O IMOPETRO depois envia para os fornecedores que têm contratos com as refinarias para trazer a mercadoria já pronta para o uso.
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Uma face ainda mais oculta: operadores desorganizados Afinal, nem todos os operadores do mercado têm capacidade técnica e financeira para operarem. A denúncia é feita por uma fonte da E&M que representa uma das empresas petrolíferas de referência do mercado nacional. Com experiência de vários anos e presença em muitos outros mercados, a fonte confidenciou-nos que um país com a dimensão de Moçambique não precisaria de mais de nove importadores de combustíveis, mas neste momento há 30 importadores licenciados para fazer a importação e distribuição. Angola, por exemplo, com uma dimensão muito maior do que a de Moçambique, tem apenas quatro empresas que fazem a importação. “Isto quer dizer que as empresas que entraram no mercado nos últimos quatro a cinco anos vieram causar perturbação por não terem a dimensão, organização e capacidade financeira para estarem neste negócio acabando por prejudicar toda a cadeia”, denunciou. Acrescenta, no entanto, que parte destas empresas não têm capacidade financeira porque durante muito tempo adoptaram práticas pouco sustentáveis — como descontos e preços muito reduzidos — para ganharem a quota de mercado, o que até é contra a Lei já que o preço de venda ao público é fixado pelo Governo e não é susceptível de ser alterado. É por isso que, com esta crise, segundo a fonte, das 30 empresas a operarem, cerca de cinco ou seis nunca importaram combustíveis e só sete ou oito estão, efectivamente, a fazer a importação. Também refere que, quando há muitas empresas em situação de insustentabilidade, a banca começa a ter restrições de emissão das garantias bancárias. E qualquer problema com parte dos players assume um carácter sistémico.
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O MERCADO DOS COMBUSTÍVEIS EM NÚMEROS
110$ a 120$ Preço do barril do petróleo do mercado internacional
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milhão de Toneladas Quantidade importada anualmente
30 Empresas Importadoras
140 milhões USD Dívida actual do Estado para com as importadoras
-17% a -20% Diferença entre o preço cobrado e o real
Por exemplo, os navios chegam e só se aproximam ao porto para descarregar quando tiverem as garantias bancárias devidamente emitidas. Mas ocorre, muitas vezes, que, ao chegar, o navio se depara com apenas 30% ou 50% das garantias bancárias e fica ao largo durante alguns dias à espera que a empresa consiga completar o requisito. Isto acaba por encarecer o produto, porque cada dia que o navio leva ao largo custa 25 mil dólares. Isto é, os elos mais frágeis da cadeia podem prejudicar todo o processo de abastecimento. Mesmo assim, admite que a forma como funciona o mercado da importação dos combustíveis em Moçambique é “muito boa pelo facto de estar centralizada e permitir a facilidade de negociação de melhores preços com os fornecedores (são com-
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Estão presentes todas as variáveis que determinam o ajustamento dos preços para cima até ao fim deste ano, apesar estabilidade cambial pras agregadas de maior dimensão e não cada um a fazê-lo individualmente), além de que permite um maior controlo da qualidade do produto e dos termos de entrega”. Geralmente, os contratos de importação são celebrados entre os fornecedores e todos os 30 players do mercado, em nome do IMOPETRO, que é o agente de procurement. Os combustíveis são recebidos quase todos os dias nos portos de Maputo, Beira, Nacala e Pemba.
Preços continuarão a subir Os operadores avisam que, se já em Maio, o legislador havia alertado para o facto de o preço dos combustíveis estar aquém do nível adequado, não se pode esperar facilidades nos meses que se aproximam, visto que as facturas que as gasolineiras estão a receber agora estão em níveis que superam os custos de Abril e Maio. Significa que estão presentes todas as variáveis que determinam o ajustamento dos preços para cima até ao fim deste ano, apesar www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
aumentar, o preço do diesel passou a superar o da gasolina. Recorde de inflação A subida do custo dos combustíveis arrasta os preços de todos os outros bens e serviços na economia, a começar pelo custo dos transportes. Em Moçambique, este aumento já se faz sentir e poderá ficar ainda pior nos próximos meses, se se mantiver a previsão dos especialistas. A consultora Oxford Economics, por exemplo, prevê que a inflação média, este ano, fique acima dos 9%, o valor mais alto desde 2017. Chega a antever uma agitação social devido ao impacto dos preços no sector dos transportes. "Prevemos que a média da inflação anual suba de 5,7% em 2021, para mais de 9%, este ano", referiram os analistas da consultora, citados pela Agência Lusa. Na análise, salientam que "as dificuldades na cadeia de abastecimento global foram agravadas pela série de ciclones tropicais que atingiram o Centro e o Norte do País no princípio do ano, bem como pela guerra em Cabo Delgado" e acrescentam que a subida dos preços afecta desproporcionadamente alguns sectores específicos, como os transportes. Previsões similares já foram divulgadas por outras instituições, incluindo o FMI.
de se verificar uma espécie de sorte ocasionada pela estabilidade cambial que dura há 16 meses. Entretanto, há divergências de opinião quanto à eficácia de uma eventual intervenção do Estado no alívio dos encargos fiscais dentro da estrutura de preço dos combustíveis. Enquanto a AMEPETROL considera que “há muita gordura por retirar na parte dos impostos”, e que, “estando o País numa situação de crise, o Governo não tem como dar continuidade à gestão deste cenário sem mexer nas partes mais sensíveis, como o IVA e outros impostos e direitos”, outros operadores entendem que a carga fiscal de aproximadamente 5% aplicada sobre os combustíveis não deve ser vista como factor determinante na subida do preço dos mesmos, porque não é exwww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
cessiva quando comparada à media internacional e à de países como Portugal, onde o peso dos impostos sobre os combustíveis chega à casa dos 60%. No ambiente actual, o facto curioso é que o diesel passou a custar mais do que a gasolina, o que contraria a tendência tradicional. Isto resulta do facto de que, durante a pandemia do covid-19, houve uma redução da produção do diesel, mas, agora com a recuperação das economias, a utilização deste combustível volta a aumentar, mas não é acompanhada pelo aumento da produção, particularmente devido à guerra entre a Rússia e a Ucrânia. É que a Rússia deixou de exportar para outros mercados, o que fez crescer pressão da procura sobre outros fornecedores. Assim, com a oferta a baixar e a procura a
Subsidiar? Sim. Mas não todos… A primeira ideia defendida pelos operadores é a de que é preciso desmistificar a ideia de que o Governo pode fixar o preço dos combustíveis, porque não há tanta margem para o fazer, na medida em que o principal determinante é o custo do produto no mercado internacional e este está completamente fora do controlo. Isto é, se o Estado não tiver recursos para subsidiar as gasolineiras, como fazia num passado recente, será preferível deixar que o custo dos combustíveis reflicta o preço real para não onerar o Orçamento do Estado e evitar beneficiar camadas da sociedade que têm capacidade de pagar (incluindo dos países vizinhos). Em lugar disso, deve procurar subsidiar os sectores de actividade económica mais necessitados. A política de subsídios tem sido desencorajada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que defende que, a ser aplicada, deve privilegiar as camadas mais pobres da sociedade para evitar riscos sociais e políticos decorrentes de aumentos globais nos preços de commodities.
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OPINIÃO
Nuno Chitsonzo • Responsável pela Gestão de Empresas Sul-Africanas & Regionais / Empresas Corporate Locais e Empresas Públicas do Absa Bank
A
economia global está a mudar radicalmente, sobretudo devido aos mais recentes conflitos à escala mundial. Após ter sido afectada pela pandemia, os estrangulamentos das cadeias de suprimento e o salto nos preços, a economia global está prestes a ser assolada por um percurso imprevisível face ao confronto armado nas fronteiras da Europa. Importa denotar que não estamos a falar de quaisquer economias, mas sim das da região do Mar Negro, há muito conhecidas como o “celeiro da Europa”, e onde as somas percentuais das suas exportações globais de trigo e milho são materialmente necessárias para o Médio Oriente ou África. A Rússia é, sem margem de dúvida, o maior fornecedor de gás para alguns países, facto que, inequivocamente, influencia os indicadores de consumo energético para determinadas economias. Assim, como qualquer outra commodity, o preço do petróleo varia de acordo com a lei da procura e da oferta. Quando existe um excesso da oferta no mercado, o preço tende a cair; por outro lado, uma restrição na oferta faz com que o preço do barril tendencialmente aumente. No caso da conjuntura actual, o conflito espelhou esta realidade. Esta situação causou e continua a causar, por consequência, picos vertiginosos nos preços da energia e dos alimentos. Num curto intervalo de três meses levou a que os indicadores financeiros das “sete irmãs” claudicassem e os preços do petróleo aumentassem, como uma consequência de factores exógenos ao preço final dos combustíveis de forma glo-localizada. Moçambique é parte integrante desta cadeia e, em associação a outros factores que incidem na crescente inflação, sofre com a retracção dos investimentos e consequente desaceleração da economia. Para Moçambique em particular, a alta do petróleo causa sérios desdobramentos
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O Impacto dos Preços dos Combustíveis e as Fontes de Energia Alternativas para a indústria dos combustíveis, transpassando dos mais críticos aspectos inerentes ao facto e transversalmente às diferentes indústrias que perfazem o tecido económico do País. O aumento do preço do petróleo influencia directamente o preço para o consumidor final, visto que seus derivados fazem parte do grande consumo das famílias. Além disso, podem ter um efeito indirecto sobre os preços para o consumidor final através do aumento dos preços no produtor [o impacto sobre o produto pode ser compensado pela reacção congruente da política monetária] em particular e, no geral, criando repercussões às expectativas de inflação, tal como é o caso do que actualmente se vive. No caso particular de Moçambique, este impacto poderá ser mitigado através da
Numa perspectiva compensatória com a adopção de soluções menos paliativas, urge alargar a base tributária... intervenção – pelo menos no processo e importação dos combustíveis por parte das Oil Market Companies (OMC’s) – do Governo, na medida em que possa rectificar alguns custos estruturantes (muito embora tenha havido alterações na Taxa Sobre Combustível (TSC) nesta última revisão) para a estrutura de preços nos combustíveis e que poderá passar pelo alívio do IVA [cobrado em cascata, isto é, em cada momento que intervém algum rendimento ou incidi-lo somente sobre o IVA do distribuído, instalação central de armazenagem e, por último, no retalhista ou ainda na retirada – Direitos aduaneiros sobre o CIF, como também no preço para instalação de centrais de armazenagem e/ou demurrage fees] para um melhor preço ao consumidor final. Ainda nesta abordagem, e como forma de mi-
tigar os impactos face aos choques dos preços dos combustíveis, seria a criação de um Fundo de Estabilização (FE) para períodos voláteis da estabilidade do preço do Petróleo [Hedje Funds (por via dos royalties da exportação do Gás Natural)], onde se poderá definir o preço optimizado de importação, sendo que sempre que estiver abaixo do ponto de equilíbrio poderá recorrer-se ao FE com vista a suportar os preços em alta e assim proteger não somente o consumidor, como também garantir o bom funcionamento das empresas e até da própria economia. Contudo, numa perspectiva compensatória com a adopção de soluções menos paliativas, urge alargar a base tributária para uma melhoria das receitas públicas. Alternativamente, e face à nova problemática mundial sobre os combustíveis fósseis, em linha com o agravamento dos problemas ambientais, as nações vivem um novo paradigma – o da crise energética. Para o caso de Moçambique, em particular, ainda se poderia ponderar criar um incentivo maior para o uso do gás, pelas próprias condições das reservas existentes, em detrimento do petróleo e seus derivados. O petróleo, o carvão e o xisto atingem a maior cotação de toda a História da Humanidade, e considerando a exploração intensiva destes recursos esgotáveis e os prejuízos ambientais trazidos pelo uso dos mesmos, pressupõe-se um cenário preocupante para este século. Esta é, sem dúvida, uma temática a ser considerada por qualquer entidade decisora, assumindo-se como crítica a procura de fontes de energia alternativas, em especial renováveis e não-poluentes, como a solar, a biomassa, a eólica e a hidroenergia, que, pela sua natureza, são provenientes de ciclos naturais de conversão da radiação solar, a fonte primária de quase toda energia disponível na terra e que, segundo o Atlas de Energias Renováveis de Moçambique (Funae, 2015), são fontes existentes em abundância no nosso País. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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NAÇÃO | COMBUSTÍVEIS
“Os Empresários Assumem Uma Postura de Entidade Mais Resiliente” Perante o sufoco da alta de custos de produção repassada pelos combustíveis, o empresariado procura funcionar como “escudo” para proteger a sociedade, tentando evitar subir o preço dos produtos e serviços que coloca no mercado, segundo Simone Santi, presidente do pelouro dos Recursos Naturais e Energia da CTA Texto Celso Chambisso • Fotografia D.R
O
s empresários estão cientes de dias difíceis face à conjuntura interna e internacional. Mas, com poucas margens de acção sobre um fenómeno que é determinado por factores externos, a solução passa por resgatar todas as premissas de estabilização macroeconómica não directamente ligadas ao problema que se nos apresenta já aos olhos, e que incluem os mecanismos de atracção de investimentos. Preocupante é o facto de estas medidas não serem capazes de gerar impacto imediato. Ainda assim, Simone Santi, presidente do Pelouro dos Recursos Naturais e Energia ao Nível da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, não mostra grandes preocupações quanto a este cenário. Qual é o peso dos combustíveis na estrutura dos custos das empresas? Em primeiro lugar, acredito que o preço dos combustíveis afecta mais a população do que as empresas. Em zonas onde há falta de energia, onde são necessários geradores, pode afectar também as empresas. Mas este fenómeno é mundial e na Europa é pior do que em Moçambique, porque aqui o Governo tem tentado manter um preço acessível. Mas não vai ser fácil. Temos a guerra russo-ucraniana, mas também temos muita especulação. Como sempre, em momentos de crise há algumas empresas que conseguem mais vantagenm. Com certeza, esta crise vai se fazer sentir no sector
empresarial, porque é mais um custo onde se perde competitividade, sobretudo em relação às empresas estrangeiras e dos países vizinhos. Faz menção à perda de competitividade em relação a empresas estrangeiras por projectar que Moçambique possa ser mais afectado do que esses países? Como se explica que este fenómeno, que é global, prejudique mais as empresas nacionais? Pode afectar mais o nosso país, porque existem cá alguns custos mais altos do que nos países vizinhos. E quando se juntam todos esses custos resulta em encargos relativamente maiores. O sector privado está a discutir muito com o Governo, por exemplo, a respeito dos custos da burocracia e parece que a tendência de redução desses custos está a acontecer. Acredito, também, que a disponibilidade, no médio prazo, de recursos naturais, vai ajudar a baixar o custo da energia e vai favorecer a redução dos custos da actividade empresarial. Mas essa é uma medida de médio prazo. Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente, como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior. Nesse sentido, eu acho que tem de haver um esforço do Governo e do Banco Central para evitar um impacto negativo deste fenómeno. Há também muitas empresas que estão a esforçar-se para não aumentarem
Neste momento, qualquer medida é para evitar que a inflação suba acentuadamente como acontece noutras partes do mundo, por exemplo, na Europa, em que a inflação já é de 10%. Aqui, provavelmente, a inflação real vai ser maior
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os preços de venda mesmo tomando em conta que estão a aumentar os custos empurrados pela elevada factura dos combustíveis. Não aumentam o preço de venda porque, muitas vezes, o mercado não pode responder positivamente. Isto é, o mercado tem cada vez menor poder de compra. Mas qual é o sector empresarial, ou as empresas, que já manifestam dificuldades decorrentes desta situação? São as empresas do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup, empresas do ramo dos Transportes e Logística. Se o transporte está mais caro, todas as empresas cuja matéria bruta vem daquele vão ser afectadas, sobretudo as que estão longe dos Portos. A logística afecta todos os sectores. É preciso lembrar que a subida do prelo dos combustíveis, em si, é muito prejudicial à actividade das empresas, mas traz consigo outro mal: a inflação. Esta reduz o poder de compra das pessoas. A inflação pode determinar uma estagnação e isso, claramente, afecta o sector empresarial e também justifica o esforço de se manterem os preços de produtos essenciais, como o pão. Isto sem falar no esforço da política monetária do Banco Central para evitar que o metical perca valor cambial em relação ao dólar, o que agudizaria o custo das importações. Até que ponto esse esforço das empresas em manter preços de venda de bens e serviços pode ser eficaz numa altura em que enfrentam uma pressão crescente nos custos? Este é um momento muito atípico porque a maioria dos fenómenos vêm de uma conjuntura internacional. Os empresários devem saber que essa conjuntura é temporária e têm de melhorar a organização interna, evitar os custos de outra parte para evitar perwww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
der o mercado. Claramente, têm de diminuir a margem do produto, mas, de alguma forma, recuperar os custos, verificar no mercado onde compram qual é o que tem melhores condições. Os empresários são figuras resilientes, estão a gerir uma conjuntura internacional difícil num país que importa muitos produtos. O mercado internacional afecta o interno, por isso, Moçambique tem de investir em produção interna. Se houver possibilidade de de comprar bens e serviços ao nível interno, que comprem. Ainda que a um preço um pouco mais caro. Então, é esse o esforço conjunto da CTA e do Executivo. É no sentido de valorizar a produção interna… Sim, valorizar a produção interna, agilizar o Investimento Directo Estrangeiro, baixar a burocracia nos vários concursos públicos, sobretudo no secwww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
tor da energia e do oil & gas, valorizar os produtos feitos em Moçambique, aumentar instrumentos de controlo para favorecer quem está a produzir localmente. Essas são as políticas que estamos a discutir, sobretudo no sector da energia. Já a Lei de Electricidade é um passo importante que favorece o desenvolvimento do sector privado independente. Discutimos forma de dar oportunidades às PME para desenvolverem os seus projectos e depois poderem vender ou procurar parceiros. Pedimos ao Governo para agilizar a figura dos Business Developers, que depois procuram financiamento ou parceiros para aumentar a escala de investimento. Por se tratar de uma abertura para o produtor exportar energia, isso traria ganhos porque os países vizinhos são mercados naturais de Moçambique.
Também favoreceria o sector privado no fornecimento de energia e a receita ficaria no País. Parece que as medidas de concertação entre o sector privado e o Governo não podem trazer impactos imediatos. Refiro-me, por exemplo, à estratégia para devolver o Investimento Directo Estrangeiro à rota de crescimento. O combustível, pelo contrário, está a sufocar no imediato... Temos de considerar que Moçambique é um dos países africanos que chegou a atrair mais investimento estrangeiro, a maioria vinda dos países europeus. Mas entendo que há uma necessidade de medidas de curto prazo para resolver esta pressão. Entretanto, isso deve significar a realização de reformas de médio e longo prazo, como, por exemplo, a reforma do am-
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biente económico e a estabilização do metical a curto prazo, porque a imagem de um país que tem a sua moeda estável tem, também, a curto prazo, vantagens aos olhos dos investidores estrangeiros e locais, uma vez que confere mais confiança e mais valor. Pelo que percebo, a subida dos custos de produção das empresas inspirou o empresariado a rebuscar saídas não só ligadas ao mercado dos combustíveis. A sua colocação vai muito ao encontro de medidas de estabilização macroeconómica. É isso? É isso. Porque temos de considerar que, neste momento, estamos a falar de uma crise de conjuntura internacional. Então, o empresariado tem de se adaptar e continuar o seu diálogo com o Governo para melhorar as condições para que o investimento seja mais célere. O assunto dos combustíveis é complicado porque os preços vêm de fora, o Governo está a fazer de tudo [para minimizar os efeitos], mas com uma capacidade financeira limitada. Isso vai exigir esforços que vão além do olhar fixo na questão dos combustíveis.
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As empresas que poderão sair mais prejudicadas pela subida da tarifa dos combustíveis são as do ramo da Indústria, as que usam combustível como backup e empresas do ramo dos Transportes e Logística...
E se a situação prevalecer pelos próximos seis meses, tal como alertam as gasolineiras? Que futuro e que soluções para a actividade empresarial? A primeira coisa a considerar é que, no sector privado, entram também as empresas de produção, distribuição, transporte e transformação de combustível. Então, neste momento, a maior dificuldade é que as empresas sejam incentivadas para continuar a alimentar o mercado. Considerar o preço como o único problema é não considerar uma eventual falta de disponibilidade do mercado. Significa ter uma visão só de agora. Nós temos de considerar a sustentabilidade do sector, que se chama downstream, no médio e no longo prazo. Se um dia não tivermos gasolina, enfrentaremos problemas ainda maiores. Essa é uma situação
que devemos evitar. Por isso tem de haver um diálogo permanente entre o Ministério dos Recursos Minerais e Energia e o sector privado. E esse diálogo está a acontecer? Está a acontecer todos os dias. Todos estão a mostrar um grande interesse e posso também dizer que o sector empresarial está a mostrar uma grande flexibilidade para aguentar este momento. A energia é um bem essencial, por isso, existe um programa de subsídios para evitar que o custo seja inacessível à população, através da empresa pública Electricidade de Moçambique (EDM), que, entendendo que a sua função não é apenas de lucro, mas também a de protecção, aplica tarifas diferenciadas para as diferentes dimensões de consumidores, protegendo aqueles com menor poder de compra. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
NAÇÃO | COMBUSTÍVEIS
Gás Veicular e Biocombustíveis. É Tempo de Resgatar Velhas Ideias Se daqui em diante a palavra de ordem for deixar o mercado ditar as regras do jogo e ajustar os preços conforme a sua variação no mercado internacional, soluções têm de ser encontradas para aliviar os efeitos da escalada de preços. Algumas já foram ensaiadas e até servem lá fora. Mas, cá, em que pé estão? Texto Celso Chambisso • Fotografia Adobe Stock
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á a pensar em reduzir os impactos da subida do preço de combustíveis, o País já havia assumido compromissos que, a esta altura, provavelmente, estariam a dar frutos. Visitá-los, agora, pode ajudar a reavivar a memória e a inspirar o seu resgate, conforme sugere o economista Samo Dique, da Confederação das Associações Económicas (CTA), que à E&M sugeriu a retoma do projecto dos biocombustíveis (do qual falaremos mais adiante). Uma das mais importantes alternativas que o País avançou foi a introdução do gás veicular em substituição aos combustíveis líquidos, há 14 anos. Pelo mundo, a experiência mostra que esta solução baixa consideravelmente os custos de transporte em comparação com os combustíveis
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líquidos; as PME passam a ter acesso a uma ferramenta competitiva, isto é, se estas utilizassem o gás, teriamos menos custos do que o que incorrem ao utilizarem os combustíveis líquidos; O Estado reduz a factura de importação dos combustíveis líquidos, portanto, poupa divisas; e por ser amigo do ambiente, o gás veicular reduz a poluição melhorando a qualidade de vida das pessoas. A E&M ouviu João das Neves, director-executivo da Autogás, empresa responsável pelo projecto de conversão de viaturas a diesel e a gasolina para passarem a usar o gás, instituído em 2008. Com a calculadora na mão, o responsável quis mostrar o quanto este projecto ajudaria a evitar que o aumento do preço dos combustíveis fosse totalmente repassado ao custo
dos transportes. O responsável fez uma simulação que levou à conclusão de que uma viatura particular que ande 100 km por dia, é capaz de poupar até 11 mil meticais por mês, se considerar os preços sugeridos pelas gasolineiras. Referiu que este efeito seria muito maior ainda no transporte público, que é sujeito a uma grande pressão. É que, por ser produzido nos campos de Pande e Temane, em Inhambane, a utilização do gás em veículos automóveis seria a alternativa barata para este problema. Isto já tinha sido estudado. Já é sabido, mas… O que está a acontecer? De acordo com João das Neves, em 2008, o plano estratégico preconizava que, em 10 anos, portanto, até 2018, seriam transformadas até 40 mil viawww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
MUNDO EM AGITAÇÃO O fenómeno da subida do preço dos combustíveis é global e não afecta apenas os países pobres. São prova disso alguns episódios que marcam a actualidade internacional EUA Num dos distritos do estado de Michigan, um xerife anunciou a redução forçada no patrulhamento do território. A razão é a subida acentuada do peço da gasolina. Segundo o chefe de polícia, o orçamento designado a compra de combustível das viaturas está a acabar. REINO UNIDO O governo britânico solicitou ao órgão regulador de concorrência uma revisão do mercado retalhista de combustíveis para ver se o corte nos impostos está a ser repassado aos consumidores, uma vez que os preços nas bombas atingiram níveis sem precedentes. PORTUGAL A Associação Empresarial de Penafiel (AEP) enviou uma carta aberta ao primeiro-ministro, António Costa, a reclamar uma intervenção urgente do Governo para travar a escalada de preços e aumento de custo de vida de empresas e famílias. BRASIL Recentemente, o governador Reinaldo Azambuja lamentou “o combustível está caríssimo. O custo de vida aumentou e a inflação corrói os salários. Precisamos de achar alternativas… Precisamos de um fundo de compensação…”
turas para passarem a funcionar a gás. Nesse período, equacionavam-se 70 postos de abastecimento com cobertura nacional. Mas hoje, o número de utilizadores desta alternativa anda à volta de 3000 mil viaturas e apenas seis postos de abastecimento, sendo que está para breve a abertura do sétimo posto no distrito de Marracuene, todos estes com capacidade acumulada de cerca de 7000 viaturas. Ou seja, além de não se ter verificado a evolução que se esperava, ainda há muita capacidade instalada por explorar. “Com muita dificuldade e com fundos próprios continuamos a expandir a rede de postos porque a procura continua a crescer”, revelou João das Neves.Apesar disso, defende que “o processo de implementação do gás natural veicular em qualquer país www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
sempre foi lento. Assim, podemos concluir que o nosso plano estratégico era muito optimista, por isso estamos satisfeitos, embora gostaríamos que fosse mais rápido”. E para assegurar celeridade, é preciso ir buscar a experiência de outros países, em que o Estado – ao ver o benefício que o projecto pode trazer para as comunidades e até para as empresas e para si próprio (poupando a factura de importação dos combustíveis fósseis) –, incentivou a iniciativa. Como acelerar a implementação do gás veicular? João Neves fala de três mecanismos. Primeiro, a isenção das taxas aduaneiras na importação de componentes para a conversão de viaturas, expansão da rede, peças sobressalentes e
outros equipamentos; segundo, investimentos do Estado em condições favoráveis para a expansão dos postos de abastecimento a título de fundo perdido tal como fez com o projecto um distrito um banco, para que os bancos abrissem balcões onde não havia cobertura. É que se os postos de abastecimento forem abertos a título comercial poderá haver pontos onde não há consumidores suficientes para justificarem investimentos, além de que o financiamento bancário não seria viável porque não garante retorno imediato e apresenta elevadas taxas de juro (lembrando que instalar um posto de abastecimento custa 1 milhão de dólares); terceiro, é a possibilidade de o Estado subsidiar as conversões. “Noutros países há experiências sobre isso”, afirmou João das Neves.
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NAÇÃO | OUTLOOK 2022
Na verdade, o projecto de utilização do gás em veículos sempre esteve aos “soluços”. Um dos principais factores levantados é o custo de conversão, que está entre 60 mil e 120 mil meticais. E para mudar este quadro, a Autogás tenta conseguir grandes quantidades de equipamentos de conversão que permitem descontos junto dos fabricantes. Isso permitiria melhorar o processo de conversão em massa e a redução dos custos de mão-de-obra na própria conversão. Os biocombustíveis O economista Samo Dique questiona: para quê inventar se temos a possibilidade de observar e aplicar o que os outros já fazem, e fazem com sucesso? Bem, esta é a parte final de uma questão que fez correr muita tinta nos jornais há 11 anos, tempo que apesar de relativamente longo, é tão curto para ter caído em total esquecimento. Em Agosto de 2011, como que a prever choques petrolíferos com efeitos na escalada de preços dos combustíveis, como o que se experimenta nos dias que correm, o Governo anunciava a obrigatoriedade de, a partir de 2012, passar a ser obrigatória a mistura de biocombustíveis na gasolina e no gasóleo. Nessa altura, o então ministro da Energia, Salvador Namburete, assegurava que o País dispõe de reservas
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Em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina para reduzir os custos de aquisição dos combustíveis líquidos e pelo equilíbrio ambiental
suficientes para garantir que o estipulado no decreto seja cumprido na íntegra. Tal Decreto impunha a adição de biocombustíveis aos combustíveis fósseis numa proporção de 10% de etanol para 90% de gasolina e de 3% de biodiesel para 97% de gasóleo. Estudos da época apontavam para a possibilidade de poupar 22 milhões de dólares dos 500 milhões gastos na importação de combustíveis líquidos. Esse projecto seria alimentado pela produção de quatro açucareiras (Marromeu, Mafambisse, Marragra e Xinavane) que, no seu conjunto, tinham condições para colocar no mercado cerca de 32 milhões de litros gerados a partir do melaço. “A produção e comercialização de biocombustíveis constitui prioridade do Governo pois vai ajudar a reduzir a factura de importação de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, possibilitar o aproveitamento de culturas energéticas produzidas no país”, acreditava, na altura, o governante. Mas o que se assistiu no terreno é que, nem
em 2012 nem nos anos subsequentes a ideia foi materializada, e a explicação para isso nunca chegou a ser pública. A E&M veio a saber do então PCA do Fundo Nacional de Energia, António Saíde (agora vice-ministro dos Recursos Minerais e Energia), que uma série de eventos (na altura não identificou) acabaram por tornar aquela iniciativa inviável. Mas já em 2014, a experiência era aplicada, com sucesso, por 60 países ao redor do mundo entre os quais a Argentina (5% de etanol e 10% de biodiesel), Brasil (25% de etanol e 5% de biodiesel), União Europeia (média de 5% de combustíveis renováveis), China (10% de biocombustíveis), Angola (10% de etanol) e Etiópia (5% de etanol). E já em 2021, vários países como a Índia, Reino Unido, EUA e China, anunciavam a intenção de ampliar a mistura de etanol à gasolina, não só por razões relacionadas à redução dos custos de aquisição dos combustíveis líquidos, como a favor do equilíbrio ambiental e da saúde pública. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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OPINIÃO
A Eficiência Colectiva Empresarial em África: Sol, Sombra e Céu
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João Gomes • Partner @ JASON Moçambique
A “eficiência colectiva” é uma estratégia de reforço da competitividade empresarial assente em dois pilares: trata-se de uma acção conjunta + geradora de externalidades positivas
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em este artigo a propósito do tema da industrialização em África e, em particular, da intervenção que fiz no seminário1 “Pequenas empresas, grandes negócios: Papel da cooperação empresarial na obtenção de novos contratos e criação de emprego”, realizado em Pemba, no passado dia 7 de Junho e promovido pelo Programa +Emprego2. Neste artigo convido o meu leitor@ a tentar responder à pergunta: o que é e como funciona a “eficiência colectiva” em África, como uma ferramenta de competitividade empresarial? Vejamos sucessivamente: - a definição de “eficiência colectiva” empresarial; - quais são as razões e como funciona a eficiência colectiva empresarial. Usaremos de forma intermutável os conceitos de “eficiência colectiva empresarial” ou “cooperação empresarial”, ou “economias de agregação”. 1. Definição de “eficiência colectiva” (adiante “EC”). “Sozinho, EU vou mais rápido, mas juntos NÓS vamos mais longe ”, diz o ditado africano. Na minha opinião estaremos perante casos de “EC” sempre e quando: - duas (“EC” bilateral) ou mais (“EC” multilateral) empresas, - seja com os seus competidores (“EC” horizontal), seja com a sua cadeia de valor (“EC” vertical), - desenvolvem num território delimitado, - acções conjuntas, - e nas quais, de forma intencional e coordenada, - através da subcontratação, do associativismo e da partilha (perspectiva dos métodos), - de recursos de natureza humana, tecnológica, financeira, etc., (pers-
pectiva dos inputs), - geram, num período relativamente curto (perspectiva do tempo), - resultados económicos, sociais, ambientais e outros (perspectiva dos outputs), - [resultados] esses que são sinérgicos, i.e. 1 + 1 = 3, - [resultados] que não apenas garantem a sobrevivência, mas a competitividade e um lugar no topo da “cadeia alimentar” (perspectiva evolucionista/darwiniana), - [resultados] esses que não são totalmente capturados pelas partes em cooperação através do mecanismo do preço/mercado (perspectiva das externalidades). - E o restante resultado da acção conjunta ou é apropriado pela sociedade em seu benefício (externalidades positivas), ou em seu prejuízo (externalidades negativas). 2. Quais são as razões e como funciona a eficiência colectiva (“EC”) em África? Do estudo3 que efectuámos sobre a região SADC foi possível encontrar quatro causas que levam ao uso da “EC” como um instrumento de aumento da competitividade empresarial. Para evitar generalização excessiva, e uma vez que “cada caso é um caso”, os agregados de empresas (clusters) na região SADC arrumam-se em três grupos, em razão do respectivo grau de industrialização: - Pré-industrializados4: encontram-se neste grupo as actividades de “EC” realizadas na economia informal. Predomina a micro empresa, não registada, com capital de natureza familiar, cujos produtos e serviços são de muito baixa qualidade e orientados para o mercado local pouco exigente. Os fundamentos da industrialização, tais como a divisão do trabalho, a especialização e a standardização são inexistentes. Para facilidade de comunicação chamarei a este www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
O tema deste artigo foi explorado num recente debate sobre a cooperação empresarial em Pemba
grupo que trabalha ao sol, de “SOL”. - Industrializados5: Neste grupo predomina a PME, formalizada e registada, com capital misto de natureza familiar e de investidores, cujos produtos e serviços são de média-alta qualidade e orientados para o mercado local, regional e nacional, mais exigente. Os fundamentos da industrialização, tais como a divisão do trabalho, a especialização e a standardização estão presentes. O drive de industrialização baseia-se na exploração de recursos naturais. Para facilidade de comunicação, chamarei a este grupo, que trabalha à sombra de uma estrutura de cimento, de “SOMBRA”. - Diversificados6: Neste grupo predomina a PME e a grande empresa, com acesso a um leque muito diversificado
de fontes de financiamento. Os produtos e serviços são de alta qualidade e orientados para mercados diversos e muito exigentes: local, regional, nacional e exportação. Também a industrialização se baseia num conjunto diversificado de princípios como a divisão do trabalho, a especialização, a standardização, a certificação da qualidade, a robotização, a digitalização, a economia circular e a inclusão social. O drive de industrialização baseia-se na exploração da hiper-eficiência dos factores de produção e do conhecimento. Para facilidade de comunicação chamarei a este grupo, que já coloca satélites no espaço, de “CÉU”7. E da combinação das quatro causas da eficiência colectiva, com os três grupos, resulta a seguinte tabela.
Estado de industrialização / Como funciona a “EC” Causas da utilização da Eficiência Colectiva
Grupo 1: Pré-industrializados Grupo 2: Industrializados (SOL) (SOMBRA)
Grupo 3: Diversificados (CÉU)
1. Acesso a uma pool de capital humano especializado
Acesso inexistente.
Acesso de média-alta intensidade. Participação em iniciativas de capacitação promovidas pelas associações sectoriais.
Acesso de alta intensidade. Participação em iniciativas de capacitação promovidas pelas associações sectoriais. Partilha de recursos humanos.
2. Acesso a inputs (bens & serviços) intermédios
Acesso inexistente.
Acesso de média-alta intensidade. Subcontratação.
Acesso de alta intensidade. Subcontratação. Partilha, em regime de associação, de activos físicos e serviços de assistência técnica. Fornecimento Justin-time.
3. Acesso à inovação tecnológica
Acesso de muito baixa intensidade.
Acesso de média-alta intensidade. Partilha de activos físicos e tecnológicos.
Acesso de alta intensidade. Partilha de activos físicos e tecnológicos. I&D partilhada.
4. Acesso ao Mercado
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É causa comum a todos os grupos e de forma muito intensa.
Em conclusão: A “eficiência colectiva” é uma estratégia de reforço da competitividade empresarial assente em dois pilares: trata-se de acção conjunta + geradora de externalidades positivas. Em geral, a “EC” contribui significativamente para a aceleração da industrialização: dos estádios de pré- industrialização para a industrialização diversificada. Na região SADC, a “EC” está presente em todos os grupos do tipo “Sol”, “Sombra” e “Céu” na sua forma mais comum: o acesso a mercados. As restantes formas de “EC”, tais como o acesso a uma pool especializada de recursos, o acesso a inputs e o acesso à inovação tecnológica marcam também presença, embora com intensidade diferente, como uma das razões mais frequentes explicativas do surgimento das economias de agregação. A subcontratação, o associativismo e a partilha de activos tangíveis (equipamentos, maquinaria, infra-estruturas de armazenagem e distribuição) e intangíveis (partilha de marcas, de esforço de I&D) são as estratégias mais comuns de materialização da “EC” na região SADEC.
Para visualização integral do vídeo: https:// fb.watch/dvpjgOg0R9/ (timestamp: 1h27). 2 O Programa +Emprego é uma iniciativa com foco na província de Cabo Delgado, co-financiado pela União Europeia e o Instituto Camões: https:// fb.watch/dBICTaxnTN/ 3 Fontes: SCHMITZ, Hubert “Collective efficiency and increasing returns” - Cambridge Journal of Economics; McCORMICK, Dorothy “Enterprise Clusters in Africa: On the way to industrialization?” - Institute of Development Studies. OYEYINKA, Banjy “Industrial clusters and innovation systems in Africa: Institutions, markets and policy” - United Nations University Press. 4 No grupo 1 foram analisados os seguintes casos, todos no Quénia: cluster de produção de vestuário na cidade de Nairobi; cluster de metalomecânica na cidade de Kamukunji, Nairobi; cluster de reparação de veículos na cidade de Tika. 5 No grupo 2 foram analisados os seguintes casos: cluster de metalomecânica na cidade de Suame (Gana); cluster de reparação de veículos na cidade de Suame (Gana); cluster de reparação de veículos na cidade de Ziwani (Quénia). 6 No grupo 3 foram analisados os seguintes casos: cluster da indústria do vestuário em Western Cape (África do Sul); Pesca e processamento de pescado, no Lago Vitória (Quénia). 7 Sobre o caso da participação do Gana na corrida espacial: conferir https://tinyurl.com/mtuhan8u. 1
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especial inovações daqui 50
DEVELOPERS AFRICANOS
A crise económica global e a pandemia do novo coronavírus aceleraram o que já era tendência: o aumento do número de criadores de softwares em África,incluindo em Moçambique, segundo um estudo recente da Google
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A Empresa que Criou o Aplicativo que Permite Acesso a Serviços de Saúde Através do Telemóvel
56 PANORAMA As Notícias da Inovação em Moçambique, África e no Mundo
ÁFRICA DEVELOPER ECOSYSTEM 2021
Developers Africanos Nunca Cresceram Tanto. E Moçambique Até Lidera no Continente A procura de criadores africanos de software informático disparou em 2021 devido à crise económica global e, claro, a pandemia também desempenhou o seu papel nesta tendência, revela um novo relatório da Google TEXTO Pedro Cativelos • FOTOGRAFIA D.R.
“
N
o relatório Africa Developer Ecosystem 2021, desenvolvido pela Google e pela consultora Accenture, foram recolhidos dados do Quénia, Tanzânia, Uganda, Ruanda, Argélia, Camarões, Egipto, Etiópia, Gana, Costa do Marfim, Quénia, Marrocos, Nigéria, Senegal, África do Sul, Tunísia e Moçambique. Naquele que é o segundo de uma série de estudos sobre o estado da economia da Internet no continente, conclui-se, num olhar mais abrangente, que ela tem o potencial para chegar aos 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2025, contribuindo com quase 180 mil milhões
‘Developers on the rise’
Olhando para os principais resultados do estudo, baseados num inquérito com 1600 programadores de software africanos, a Google descobriu que 38% dos developers no continente trabalham para, pelo menos, uma empresa sediada fora de África. “Em toda a região, o conjunto de programadores profissionais aumentou 3,8% face ao período homólogo do ano passado, com o número total de programadores a chegar agora aos 716 mil”, revela o inquérito. No que pode parecer uma confirmação dos resultados pelo Google, um conjunto de pesquisas recentes, destacando o mercado dinâmico e crescente do talento ao nível da programação no
... Nos últimos dois anos, quatro em cada dez programadores trabalham para, pelo menos, uma empresa sediada fora do continente, enquanto cinco trabalham para startups locais de dólares para a economia africana. E a contribuição potencial projectada poderá mesmo, a médio prazo, atingir 712 mil milhões de dólares até 2050. “No entanto, para atingir este potencial, temos de proporcionar um melhor acesso a competências de alta qualidade e de classe mundial em plataformas de tecnologias móveis, juntamente com serviços de conectividade crescentes. O nosso esforço para aumentar a conectividade está centrado em infra-estruturas, dispositivos, ferramentas e localização de produtos”, explica Nitin Gajria, director da Google para a África Subsaariana.
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continente nos últimos dois anos, também mostram que quatro em cada dez programadores africanos trabalham agora para, pelo menos, uma empresa sediada fora do continente, enquanto cinco trabalham para startups locais.
As razões para este crescimento
É claro que a economia digital do continente está ainda a dar os primeiros passos, com uma facturação anual de 115 mil milhões de dólares (ainda longe do tal objectivo de 180 ‘bis’ até 2025). Mas com apenas 33% dos indivíduos com acesso à Internet, em comparação com uma média glowww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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MOÇAMBIQUE É O PAÍS QUE MAIS CRESCE EM ÁFRICA O crescimento reportado no ano passado ao nível do número de developers africanos foi liderado pela vizinha África do Sul, mas com Moçambique a ser o país que mais cresceu percentualmente
Crescimento do PIB em %
África do Sul 119 2
Egipto 87 2,5
Nigéria 84 6
Quénia 58 3
Marrocos 47 6
Gana 18 2
Ruanda 4 -3
Costa do Marfim 9 1
Tunísia 21 7,5
Senegal 9 6,5
Argélia 28 4
Tanzânia 15 2
Etiópia 18 6
Uganda 11 -1
Camarões 20 4
Moçambique 6 10 Developers
% de Crescimento FONTE Africa Developer Ecosystem 2021
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bal de 63%, e grande parte do crescimento até agora concentrado em quatro mercados-chave: Nigéria, África do Sul, Quénia e Egipto, que constituem 32% da população africana e correspondem a 51% das ligações de rede móvel do continente, as perspectivas são animadoras. E com a pandemia, o crescimento foi evidente, nomeadamente com um aumento de 22% na utilização global da Internet por pequenas e médias empresas em África, um recorde na angariação de fundos por parte de startups locais em 2021 (mais 40% de negócios ‘fechados’ envolvendo este tipo de empresa) e a procura de trabalhadores tecnológicos remotos em mercados mais maduros, factores atribuídos à crescente consciencialização do talento africano para o desenvolvimento de software. “O aumento da procura global de talento tecnológico remoto, que foi reforçada pela pandemia, criou mais oportunidades de emprego remoto para os programadores africanos”, conclui a Google. O relatório mostra que o número de programadores profissionais africanos na força de trabalho desafiou as contracções económicas registadas em tantos outros sectores, aumentando em 3,8% para 716 mil profissionais, que já representam, actualmente, 0,4% da força de trabalho não agrícola do continente. Nigéria, África do Sul e Egipto lideram o continente em talento para o desenvolvimento de software, com a Nigéria a comandar, se olharmos à procura de talentos neste campo, acrescentando cerca de cinco mil novos criadores profissionais à sua reserva em 2021. O país tem até uma academia online, a Alt School Africa, que está a atrair estudantes de programação de países de todo o mundo, oferecendo um currículo elaborado em programação de computadores. No início de Fevereiro, o campus digital já tinha recebido mais de oito mil candidaturas de 19 países para o seu programa de engenharia de software, que começa em Abril. Mais programadores africanos estão a obter empregos a tempo inteiro devido ao aumento da procura de startups locais e à procura global de talento técnico remoto. Marrocos acrescentou três mil novos profissionais, enquanto a África do Sul, Quénia, Egipto, e Tunísia acrescentaram 200, cada um ao seu grupo de talentos. Não espanta, por isso, que a África do Sul lidere, com larga vantagem (ver gráfico) no continente, ao nível do número total de criadores de software, com 121 mil, seguida pelo Egipto e Nigéria empatados, com 89 000 cada um. Moçambique surge na tabela também. E com um crescimento de mil profissionais apresenta mesmo a maior subida em todos os países africa-
NÚMEROS
4,3 ‘BIS’ Valor angariado por tech startups africanas de investidores internacionais
716 MIL Número de developers em África
40% Crescimento do número de negócios fechados por novas startups
11% Aumento da remuneração média dos developers no último ano
3,8% Crescimento do número de programadores em África no último ano
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nos que entraram no estudo (os 16 mais de África) com 10% de crescimento, ou seja, passou de cinco mil para seis mil criadores de software ao longo do último ano.
Onde estão as oportunidades?
As oportunidades para os programadores de software africanos são tanto locais como globais. Actualmente, as startups africanas são responsáveis pela contratação de mais de metade dos promotores locais, com empresas estrangeiras fora do continente a contratar 38% dos restantes talentos. Embora África tenha um ecossistema nascente de developers, estas últimas estatísticas sugerem uma subida para os principais talentos do continente – aqueles com fortes capacidades de programação no desenvolvimento de aplicações web e móveis. E esta competição parece estar a ter, também, um efeito positivo sobre os salá-
O número de programadores profissionais na força de trabalho desafiou as contracções económicas registadas em tantos sectores, aumentando em 3,8% para 716 mil profissionais, que já representam 0,4% da força de trabalho rios e outras formas de compensação. “Mais programadores africanos estão a obter empregos a tempo inteiro devido tanto ao aumento da procura de startups locais como à procura global de talento técnico remoto”, assinala o relatório. Apesar do aumento da remuneração média dos profissionais em 11% no ano passado, os developers júniores viram uma diminuição de até 9% na remuneração como resultado do excesso de oferta dos promotores júniores e da percepção de níveis de competência inferiores. Já em termos de género, as mulheres developers enfrentaram, como esperado, mais desafios do que os homens, dadas as suas posições mais júniores e a falta de apoio aos cuidados infantis durante a pandemia de covid-19. “As mulheres têm 12% menos probabilidades de ter escrito a sua primeira linha de código antes de completarem 18 anos do que os desenvolvedores masculinos”, escreve o relatório. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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HEALTHTECH
DR. MOZ
Quando o Hospital Fica Dentro do Telemóvel Já é possível fazer consultas médicas a partir de casa através do aplicativo de telemedicina: o Dr. Moz. É um aplicativo online que garante um serviço de atendimento no País, desenhado para utentes e profissionais com o objectivo de levar mais e melhor saúde a todos os moçambicanos TEXTO Ana Mangana • FOTOGRAFIA Dr. Moz
O
Dr. Moz é a primeira plataforma que permite estabelecer interacção entre médicos e pacientes, fazer marcação de consultas e localizar os profissionais mais adequados às necessidades de cada um. Possibilita, ainda, a identificação de medicamentos, farmácias, clínicas, hospitais e serviços ligados ao sector da saúde e bem-estar. Tudo sem que o paciente/ utilizador tenha de sair de casa.
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Fruto da união dos seus co-fundadores – Sabina Ali, Anatércia Amin e António Henriques –, o maior propósito da plataforma é garantir que todos os moçambicanos tenham acesso facilitado a serviços de saúde e bem-estar, através de soluções práticas que contribuam para a promoção da saúde, prevenção de doenças e agilidade na obtenção de cuidados médicos diversificados. Segundo Sabina Ali, uma das co-fundadoras, o aplicativo é um mecanismo eficiente para auxi-
liar a identificação e tratamento precoce de várias doenças. “Com a ajuda do Dr. Moz, muitos problemas de saúde podem ser evitados ou tratados nos estágios iniciais. Por exemplo, muitas vezes, para algumas pessoas que estão muito ocupadas e não têm tempo de ir ao médico para algo tão trivial como uma tosse ou uma dor de estômago, esta negligência pode resultar em problemas mais graves como uma pneumonia ou úlcera. Através da plataforma, apenas com um cliwww.economiaemercado.co.mz | Maio 2022
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EMPRESA Dr. Moz SECTOR Saúde CRIAÇÃO 2020 LANÇAMENTO 2022 PROPRIETÁRIOS Sabina Ali, Anatércia Amin e António Henriques
que, torna-se possível realizar uma consulta a partir de qualquer lugar sem ter de se deslocar fisicamente”, frisou. Os utilizadores da plataforma podem também identificar locais onde adquirir medicamentos que necessitem, bem como encontrar informação sobre a localização e horários de funcionamento de hospitais ou clínicas. O Dr. Moz disponibiliza um vasto conjunto de dados úteis sobre hospitais, centros de saúde, postos de saúde, clínicas, consultórios méwww.economiaemercado.co.mz |Maio 2022
dicos, clínicas dentárias, farmácias, laboratórios de análises clínicas, profissionais particulares, centros de meditação e yoga, psicólogos, nutricionistas, personal trainers e ginásios, entre outros, de modo a poder abranger as mais variadas necessidades. De forma gratuita, disponibiliza, ainda, uma base de dados com informações detalhadas sobre potenciais doadores de sangue que, em caso de necessidade, são contactados para ajudarem a
salvar vidas. Associado aos serviços gratuitos, o aplicativo garante aos utilizadores mais frequentes e com necessidades específicas e contínuas de saúde pacotes promocionais de subscrição. Ao utilizer o Dr. Moz, o utente beneficia ainda de descontos especiais nas consultas médicas presenciais e online e na compra de medicamentos. Todos os profissionais e utilizadores interessados em obter mais informações podem fazê-lo através do site www.drmoz.co.mz.
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PANORAMA
Meio ambiente
Já chegou a Moçambique o sistema de informação sobre a biodiversidade Trata-se de uma plataforma na qual estão disponíveis informações relevantes sobre espécies, locais e acervo documental sobre a protecção da biodiversidade, que vai permitir que o País tenha conhecimento sobre as riquezas existentes para uma melhor tomada de decisões acerca da matéria. O Sistema de Informação de Biodiversidade em Moçambique (SIBMOZ) é uma iniciativa integrada no programa CONNECT que, além de Moçambique, engloba o Gana e Uganda, encabeçado pelo Ministério da
Terra e Ambiente. A ambição, ao nível de Moçambique, é tornar esta plataforma numa referência para a gestão de informação sobre a biodiversidade. Esta iniciativa é lançada num contexto em que o mundo, e o País em particular, se ressentem dos efeitos das mudanças climáticas e da acção dos seres humanos sobre a natureza. Além do SIBMOZ, as autoridades lançaram o Sistema de Gestão de Licenciamento Ambiental, um instrumento que irá ajudar a harmonizar os procedimentos de fiscalização.
Inteligência Artificial
Empresa queniana cria solução que traduz principais idiomas do mundo para línguas africanas FinTech
Lançado em Moçambique o TapTap Send, uma nova plataforma de transferência de dinheiro A TapTap Send permite transferências de dinheiro a partir da Europa e da América do Norte para África, Ásia e Caraíbas, de forma rápida, conveniente, segura e a preços competitivos. O aplicativo, que já está em funcionamento no País desde o passado dia 25 de Janeiro, também permite efectuar transferências directamente para o M-Pesa, a única carteira móvel à qual está associado até ao momento. De acordo com o representante da TapTap Send Moçambique, Adriano Sênvano Júnior, a plataforma entrou em Moçambique com o objectivo de colmatar as dificuldades enfrentadas tanto pelos moçambicanos na diáspora como pelos estrangeiros que vivem no País no que diz respeito ao envio de dinheiro. A plataforma já está a ser utilizada por moçambicanos espalhada pelo mundo, e opera de forma legal e transparente em todos os locais onde está presente, concretamente os 12 destinos de envio de dinheiro da Europa e América do Norte e 24 destinos de recepção em África, Ásia e Caraíbas. Os moçambicanos na diáspora podem encontrar a TapTap Send na Apple Store e na Google Store.
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A empresa queniana Abantu AI iniciou a sua actividade com uma tecnologia de aprendizagem profunda no campo do processamento de línguas naturais (PNL) que procede à tradução das principais línguas mundiais para as línguas indígenas africanas. Desenvolvida por James Mwaniki (também CEO da MoVAS, uma empresa que oferece serviços
de micro-empréstimo a empresas de telecomunicações em África e na Ásia), a Abantu AI foi lançada em Setembro do ano passado e está a construir soluções linguísticas impulsionadas pela Inteligência Artificial (IA) para traduzir discursos e textos de e para as línguas locais africanas em relação ao inglês e outras línguas internacionais. Actualmente, o modelo de aprendizagem profunda traduz a maioria das principais línguas mundiais para o Kikuyu e Kiswahili, línguas faladas no Quénia e na região da grande África Oriental. Está em curso um trabalho de tradução para outras línguas locais africanas. A Abantu AI também planeia começar a oferecer os seus serviços noutros países africanos até ao final deste ano.
FinTech
App nigeriana cria aplicação bancária virtual para crianças A Nigeria’s Sproutly é uma aplicação bancária virtual para crianças com menos de 17 anos de idade, que fornece produtos de poupança digital e um cartão de débito com controlo parental incorporado. Fundada em Junho de 2021 por Pierre Nwoke, Maxwell Agu e Príncipe Akachi, a Sproutly fornece às crianças uma conta poupança baseada em aplicações para lhes permitir poupar, gerir e gastar o seu dinheiro, ao mesmo tempo que possibilita aos pais controlar os fluxos de saída e estabelecer objectivos através de uma aplicação dos progenitores. Estes também podem solicitar emprésti-
mos para servir as necessidades imediatas das crianças através da funcionalidade Sproutly Overdraft, com a Sproutly a oferecer também um serviço de cobrança de propinas chamado Bursary. A Sproutly foi construída para tentar resolver todas estas questões, concentrando-se inicialmente em alguns desafios centrais, mas a startup tem planos para expandir o âmbito da sua oferta. Já tem mais de sete mil crianças e três mil pais na sua lista de espera. Activa inicialmente na Nigéria, a Sproutly quer expandir-se para o Gana e para o Quénia até final deste ano. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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OPINIÃO
Eficiência Energética nas Organizações
Vicente Bento • Sócio e Gestor de Operações da InSite
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uma altura em que o conflito entre a Rússia e a Ucrânia fez aumentar os preços da energia em todo o mundo, a redução do consumo energético nas Organizações passou a ser crucial para a sua sustentabilidade. Neste contexto, ao longo deste artigo, abordarei os benefícios da implementação de medidas de eficiência energética e o uso da norma ISO 50001:2018 como uma ferramenta de apoio na promoção do consumo eficiente e sustentável da energia, considerando o enquadramento energético a nível mundial e em Moçambique. No último relatório do Conselho Americano para uma Economia de Eficiência Energética (ACEEE), publicado em Abril de 2022, foi comparada a prestação energética dos 25 maiores países consumidores de energia, correspondentes a 82% do consumo mundial (sendo a África do Sul e o Egipto os únicos países do continente africano naquela lista). Através de 36 métricas para avaliação da eficiência energética, divididas em quatro categorias edifícios, indústria, transportes e esforço nacional -, os resultados surpreenderam… pela negativa. Apesar de alguns dos países estarem já a desenvolver esforços no que respeita à eficiência energética em edifícios ou a incentivos para a compra de carros eléctricos, a média de eficiência dos países listados foi de apenas 48,5%. De acordo com o Banco Mundial, “Moçambique empreendeu esforços significativos nos últimos anos para electrificar o País”, tendo a taxa de electrificação aumentado de 5% em 2001 para 29% em 2019. Apesar dos esforços, o desafio actual do Governo passa por fornecer energia a todos os moçambicanos até 2030, tendo como base o Programa Nacional de Energia para Todos, o qual es-
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Como a Implementação da Norma ISO 50001: 2018 Pode Reduzir a Factura da Energia e as Emissões tá alinhado com o Programa Quinquenal do Governo e os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Dados da Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER) indicam que Moçambique tem uma capacidade total instalada de 2780 MW (2020), prevendo aumentar essa capacidade total para 6001 MW até 2030, segundo o Plano Director do Sector Eléctrico. Do total da energia consumida no País, 79% é proveniente da energia hidroeléctrica, seguida do gás natural (16%), do fuelóleo pesado (4%) e do solar com apenas 1% (2020). Contudo, este cenário irá certamente mudar nos próximos anos com a perspectiva de, até 2043, as energias renováveis (solar e eólica, principalmente) atingirem os 20% do consumo total. Face ao cenário actual, num país onde o sector que consome mais energia é a indústria, e com os preços a aumentar de dia para dia, faz sentido que as empresas comecem a pensar em estratégias para serem mais eficientes energeticamente. Tal pode ser conseguido através de pequenas mudanças na gestão da energia nas empresas, ou de mudanças tecnológicas que permitam ganhos de eficiência. Entretanto, a implementação de medidas de eficiência energética não só trará benefícios para a Organização, como também para o Meio Ambiente. De facto, a introdução de medidas de poupança de energia terá como consequência a redução do consumo e, por sua vez, a diminuição dos gases de efeito de estufa que são lançados para a atmosfera. Assim, estas medidas contribuirão, evidentemente, para a minimização dos impactos ambientais e para o combate às alterações climáticas. A norma ISO 50001 foi criada em 2011 com o objectivo de estabelecer requisitos específicos para a implementação de um Sistema de Gestão de
Energia (SGE) nas Organizações, de forma que estas melhorem continuamente o seu desempenho energético. A revisão desta norma, em 2018, veio aproximá-la de outros sistemas de gestão utilizados, permitindo uma melhor integração, por exemplo, com o Sistema de Gestão da Qualidade (ISO 9001) ou com o Sistema de Gestão Ambiental (ISO 14001). Durante a implementação do SGE orientado pela Norma ISO 50001, as Organizações passam por várias etapas que permitirão compreender e definir medidas de mitigação das suas ineficiências, rumo a uma melhoria constante do seu desempenho energético: PASSO 1 – Analisar o Contexto da Organização Como primeiro passo, as Organizações devem analisar o seu contexto (interno e externo), mapeando todos os pontos importantes no âmbito da gestão da energia, os quais podem afectar os resultados do seu SGE. Do ponto de vista interno, as Organizações devem responder a várias questões, tais como: qual a importância estratégica da energia para o negócio? Até que ponto a Gestão de Topo está envolvida com a gestão da energia na Organização? Os colaboradores estão sensibilizados para a necessidade de poupança de energia? Quais as partes interessadas mais atentas ao compromisso da Organização para com a sustentabilidade energética? Para além destas questões, nesta fase importa também definir o âmbito da implementação do SGE, o qual poderá ser aplicável a toda a Organização ou apenas a alguns processos produtivos ou localizações. Imaginando, por exemplo, uma empresa com unidades fabris em várias províncias: a gestão de topo poderá decidir implementar o SGE em todas as unidades ao mesmo tempo, ou avançar com a implementação de uma forma gradual, faseando assim o investimento necessário. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
A busca pela eficiência energética é hoje uma das maiores preocupações das empresas PASSO 2 – Planear e estabelecer objectivos e metas Após a definição do contexto da Organização e do âmbito da implementação do SGE, a etapa seguinte deve consistir na realização de um diagnóstico energético. Este diagnóstico tem como objectivo conhecer o histórico de consumos energéticos, identificar os tipos de energia consumida e a forma como a mesma é distribuída pelos vários processos produtivos. Só com base neste levantamento se poderão definir as linhas base de um SGE e estabelecer objectivos e metas de desempenho energético na Organização. De uma forma resumida, este levantamento deve: • Descrever os diferentes tipos de energia consumidos (ex.: electricidade, gás, diesel,…); • Identificar os Usos Significativos de Energia (USE) e • Identificar oportunidades de melhoria de desempenho energético. Nesta fase é também importante avaliar os custos e benefícios dos investimentos que poderão ser necessários/recomendados, como, por exemplo, a compra de equipamentos energeticamente mais eficientes, a colocação de isolamento térmico nos edifícios, entre outros. Entretanto, importa relembrar que muitas das medidas a implementar numa Organização acarretam custos pouco significativos, uma vez que, em muitos casos, essas medidas devem passar, em primeiro lugar, pela implementação de boas práticas de poupança energética, mais do que por grandes mudanças tecnológicas.
PASSO 3 – Gerir os consumos energéticos Depois de definir os Indicadores de Desempenho Energético (IDE), estabelecer os respectivos objectivos e metas e planear as acções para atingi-los, a Organização deverá reunir todos os meios e recursos para gerir os seus consumos. Em função disto, é crucial estabelecer critérios operacionais adequados para que os objectivos energéticos sejam atingidos. Para isso, é também importante que os profissionais responsáveis por esta área tenham as competências necessárias para a operação e manutenção dos equipamentos e dos processos produtivos que consumam mais energia. Para além da capacitação dos colaboradores, é ainda importante criar uma política de compras responsável, adquirindo, sempre que possível, produtos e equipamentos de baixo consumo energético, assim como escolher prestadores de serviços com o mesmo tipo de políticas energéticas. PASSO 4 – Monitorizar A monitorização, medição e avaliação do desempenho energético é fundamental para a efectividade do SGE. Nesta fase, importa perceber se a Organização está realmente a melhorar ou não. Para tal é necessário avaliar se os objectivos e metas foram atingidos e se as medidas de controlo operacional estão a ser cumpridas. Caso as metas tenham sido alcançadas, devem ser traçados objectivos ainda mais exigentes para o futuro. PASSO 5 – Procurar melhorar continuamente Um SGE implementado com base na norma ISO 50001 permite às Organiza-
A norma ISO 50001:2018 deve ser vista como uma ferramenta de apoio à promoção do uso eficiente e sustentável da energia... a sua implementação deve ser fomentada e adoptada pelas empresas nacionais www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
ções avaliar periodicamente o seu desempenho e traçar objectivos cada vez mais ambiciosos, buscar novos desafios em novas áreas e integrar os seus colaboradores em equipas multidisciplinares em busca de soluções energéticas cada vez mais eficientes. Alguns casos de estudo evidenciam a redução significativa da factura energética de algumas Organizações em virtude da implementação da Norma em referência e consequente melhoria da eficiência energética. É o caso da TATA Global Beverages (Índia), a segunda maior empresa de chá do mundo, cuja certificação ISO 50001 se traduziu numa poupança de cerca de 70 000 USD no primeiro ano de implementação e cerca de 35 000 USD no segundo ano (dados BSI Group); e da Universidade de Sheffield (Inglaterra), que teve uma poupança de cerca de 120 000 USD na factura anual de energia e reduziu 11% das suas emissões anuais de carbono. Num momento em que os desafios energéticos do continente africano são grandes e o acesso à energia em determinadas regiões continua a ser um problema (como é o caso em algumas zonas do território nacional), a transição energética representa uma enorme oportunidade para países como Moçambique, detentor de uma das maiores reservas de gás natural do mundo. Contudo, as questões relacionadas com o uso racional e eficiente da energia são, e continuarão a ser, críticas para o desenvolvimento sustentável. Neste contexto, a norma ISO 50001:2018 deve ser vista como uma ferramenta de apoio à promoção do uso eficiente e sustentável da energia. Nesse sentido, a sua implementação deve ser fomentada e proactivamente adoptada pelas empresas nacionais, sobretudo as do sector da Indústria, que serão, também, as que obterão maior retorno do investimento necessário. Como vimos, para além de permitir baixar os custos da factura da electricidade ou do gás, a implementação de um Sistema de Gestão de Energia (SGE), baseado na norma ISO 50001:2018, contribui para o combate às alterações climáticas. Assim, esta certificação ajudará as Organizações, simultaneamente, a tornarem-se mais eficientes energeticamente e a demonstrar o seu compromisso para com a sustentabilidade, o que fará com que ganhem um maior reconhecimento no mercado por parte dos seus stakeholders. Em suma, este deve ser o caminho a seguir.
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MERCADO & FINANÇAS
“Chegámos ao Ponto em que é Obrigatória a Digitalização das Empresas” O que é e quanto custa, em média, a digitalização de uma empresa? O mais importante a reter é que não deve ser vista como despesa, e, sim, como um investimento que vale a pena em nome da competitividade. Mas há questões de mentalidade e de percepção de custos que é preciso eliminar, de acordo com Victor Cau, representante da PHC em África Texto Filomena Bande • Fotografia Mariano Silva
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m poucas palavras, os traços comuns das Pequenas e Médias Empresas (PME) nacionais são a gestão informal e de baixa qualidade e a escassez de recursos. Esta observação, que não constitui um dado novo, é também confirmada por uma pesquisa publicada pelo Absa, em 2019, com o título “Pequenas e Médias Empresas em Moçambique, Situação e Desafios”, no prefácio escrito pelo antigo ministro da Indústria e Comércio, Ragendra de Sousa. Por este ponto de vista, não será de admirar que o estudo agora publicado pela PHC Moçambique (empresa que se dedica aos softwares de gestão), intitulado “Digitalização da Gestão Empresarial em Moçambique”, tenha concluído que 58% das PME nacionais ainda não iniciou o processo de digitalização. Destas, 79,3% não tem, sequer, uma estratégia delineada sobre esta matéria. É, de facto, uma proporção infeliz. Porquê? Voltando ao estudo do Absa, a competição baseada na inovação é já uma imposição num mundo empresarial que vem assistindo a uma dinâmica “cada vez mais turbulenta” do ambiente de negócios. Ou seja, quem não se digitaliza candidata-se a sucumbir. O estudo da PHC confirma, por seu turno, que “as empresas que investiram na digitalização obtiveram bons resultados na relação com os clientes e no aumento do volume de negócios. Por exemplo, 66,7% das que efectuam vendas online afirmam que o e-commerce tem um peso de, até, 25% na sua facturação. Entretanto, esta pesquisa, realizada pela Intercampus, pode pecar por ter utilizado uma amostra de 150 empresas de Maputo, Beira e Nampula, sem apresentar o universo — embora a E&M saiba que o universo empresarial nacional ronda as 56 mil empresas, segundo da-
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dos (desactualizados) do Instituto para a Promoção das PME. O responsável pelo desenvolvimento de negócios da PHC em África, Victor Cau, mais do que explorar as conclusões do estudo, explica o que significa “digitalizar uma empresa” no contexto nacional.
O que se deve entender por transformação digital das empresas? Transformação digital é um termo muito vasto. A PHC actua em apenas uma das várias áreas da transformação digital. Por exemplo, quando falamos da rede 5G, cibersegurança, digitalização de processos dentro de uma empresa, tudo se refere à transformação digital. Resumindo, transformação digital é um processo que leva as empresas a recorrerem a tecnologias de várias áreas e efeitos para ajudá-las a se tornarem resilientes, a expandir os seus negócios ou alcançarem clientes e focos de clientes que não conseguiriam alcançar em modelos tradicionais de negócios.
Em que etapa da vida de uma empresa é que se deve equacionar a componente da digitalização? Era ideal que, logo ao nascer, a empresa incluísse na sua estratégia a entrada nesse processo. Uma das conclusões a que chegámos no estudo é que algumas empresas acreditam que a digitalização é só para as grandes organizações. No entanto, chega-se a um ponto da vida dessas em que são obrigadas a entrar no processo. Há dois factores que levam as empresas a aderirem à digitalização: o primeiro é quando os seus líderes ou gestores chegam à conclusão de que é preciso alavancar e dar mais um passo no seu crescimento, então desenham estratégias para incluir a entrada nesse processo. Portanto, os gestores têm um mindset voltado para esses processos digitais. O
outro factor é a obrigatoriedade. Nestes casos, o que acontece é que há muitas empresas pequenas que concorrem para fornecer bens a uma empresa maior. Uma multinacional, por exemplo, que tem termos de referência e requisitos. Se os processos das empresas fornecedoras não forem digitalizados e organizados, estas perdem a oportunidade. Assim serão obrigadas a aderir ao processo de digitalização. E aderem mal porque olham para o processo como um custo. Aproveito o facto de trazer este elemento de custo vs investimento porque uma empresa, cuja estratégia já inclui a digitalização (que significa adoptar tecnologias que permitem gerir os seus negócios com base em processos digitais), tem consciência de que terá de investir na tecnologia para entrar nesse processo. Mas quando não tem esta noção, a dado momento será obrigada a aderir e aí já não será um investimento, mas um custo porque não previu isso, apenas encontrou no seu caminho. Então, não existe um momento que seja ideal para a empresa aderir à transformação digital, depende da visão da forma como a empresa pretende gerir os seus processos. Mas é preciso ter em conta que, hoje em dia, é muito difícil uma empresa se estabelecer sem estar nesse processo. Quase tudo, agora, é digital: a banca, os serviços públicos, os privados, etc., e qualquer empresa estabelece relação com todos estes actores do mercado.
Supomos que as necessidades e tipos de digitalização empresarial variem conforme a área de actividade. Se assim considerarmos, em que consiste a digitalização de uma PME da área de comércio e que diferença tem da digitalização de uma empresa na indústria transformadora, por exemplo? www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
“Não existe um momento que seja ideal para a empresa aderir à transformação digital, depende da visão da forma como pretende gerir os seus processos”, Victor Cau Vou começar com uma frase muito usada na gestão moderna: every business is a software business. Significa que não há negócio no mundo actual em que não entre a componente digital. Mesmo no informal usam-se softwares em alguns casos. Mesmo para fazer uma transacção, um pagamento, recorre-se a um software. Então todos já estamos lá. A PHC vem fazendo estes estudos em Moçambique e noutros países onde está e percebemos que há uma espécie de tabu quando se fala de transformação digital. Parece uma coisa de luxo e, às vezes, assusta os empresários. Por isso, pretendemos, com este tipo de estudos, desmistificar esses conceitos porque não são coisas de outro mundo. Nós explicamos que, até os que actuam no mercado informal no seu dia-a-dia, usam o digital, pois esta palavra não quer dizer ‘softwares grandes e de luxo’, que é possível usar softwares até no telemóvel.
Faz sentido dizer que o processo de digitalização a que faz referênwww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
cia tem em conta o sector de actividade? Sim. Tem em conta o ramo, a dimensão da empresa, o tipo de problemas ou as soluções que a empresa está à procura. Temos soluções para micro, pequenas, médias e grandes empresas e conseguimos alcançar todas elas porque temos soluções segmentadas. Temos três níveis horizontais, nomeadamente o corporate, o advanced e enterprise. A Autoridade Tributária quer introduzir máquinas fiscais onde até os vendedores informais terão de dar a conhecer a sua facturação. Com isso pretende enquadrar todos, naquilo a que se chama o alargamento da base tributária, que significa abranger o máximo de pessoas possível que estão no mercado de forma activa, quer informal ou formal. Todos, então, vão ter de comunicar e precisam de ferramentas para o fazerem. Essas ferramentas são as tecnologias. Dentro da gama de meios de que dispomos, é possível ter uma pequena parte sem precisar de ter todos os módu-
los. Temos módulos de digitalização de gestão de Recursos Humanos, Customer Relationship Management (CRM – gestão do relacionamento com o cliente), e-commerce e facturação. A empresa pode escolher o que precisa. E, no módulo escolhido, ainda tem duas formas de usar — pode adquirir ou usar por subscrição anual.
Conforme as conclusões da vossa pesquisa, a maior parte das empresas está à margem do processo de digitalização. Muitas temem custos elevado o que, na prática(segundo a PHC), não é de todo verdade. Como as convencer a aderir? As teorias da economia definem os seus actores. São muitos, mas há os destacados — as famílias são um grande actor da economia cujo papel principal é ser consumidor e o outro, secundário, é fornecer mão-de-obra. O segundo actor da economia são as empresas, cujo papel é de fornecer bens e serviços. E o terceiro actor, o Governo ou Estado, tem o papel de regular o mercado e colectar os impostos para depois investir na sociedade. Entendemos que não é a PHC que vai conseguir resolver esses problemas todos. Cada actor da sociedade tem de ter o seu contributo. Temos escolas onde as pessoas são formadas, desde o nível básico até ao superior e é lá onde se deve introduzir disciplinas da área digital, isto é,
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adoptar-se um currículo de digitalização. Temos o exemplo da África do Sul, que está a introduzir conteúdos deste domínio no currículo, e nós podemos fazer isso também para elevar a literacia digital em Moçambique. Nesta área, nós, enquanto empresa, não temos um grande contributo. A nossa contribuição é com ideias como a do estudo que produzimos e publicámos. O que fazemos é também interagir com vários empresários e empresas sobre a importância da digitalização. A PHC desenvolve softwares, mas não é ela que os leva até ao consumidor. Fazemos isso através de empresas parceiras, cerca de 400 em todo o mundo. Formámos essas empresas, ensinámo-las como os nossos produtos funcionam e incutimos a importância do digital. Contribuímos também, através das associações onde estamos — a Associação Moçambicana de Profissionais de Empresas das Tecnologias de Informação e Comunicação (AMPETIC) e a Confederação das Associações Económicas (CTA) —, e contribuímos para elevar o conhecimento das empresas e dos empresários.
Mesmo para se ter uma luz sobre o perfil das empresas nacionais, qual é o aspecto comum apresentado pelos 42% das PME que já aderiram a esta transformação? Será verdade que não tem que ver, necessariamente, com a capacidade de suportar os custos associados? Primeiro, importa referir que essas empresas, que estão dentro do processo, não estão todas no mesmo nível. Há aquelas que ainda estão a começar e outras já com mais tempo e experiência de operação no mercado. Quando as empresas adquirem tecnologia para aderir a esse processo, atribuem prioridade ao investimento em soluções de e-commerce. Decidiram assim porque a pandemia veio fechar muitas empresas. Então, como pode uma empresa continuar a vender se não pode existir contacto entre as pessoas? Esta situação acelerou o processo do uso do e-commerce. As empresas que investiram no e-commerce reportam que tiveram uma facturação de 25% só através desta componente do seu negócio. Se tivermos novamente uma situação de ter de evitar o contacto físico, as empresas que não usam esse sistema ficam sem facturação.
E o que se passou do outro lado, das que não aderiram à digitalização? Essas também têm muitas desvantagens em comum. Por exemplo, perdem muito tempo a executar tarefas de rotina. Na
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É preciso ter uma cultura de inovação que significa depois de aderir ao processo de digitalização trazer os clientes para contribuírem para geração de valor dos bens... área de contabilidade, por exemplo, perdem tempo a fazer processos “débitocrédito”. Hoje em dia isso é perder tempo, porque existe um software que cumpre essa tarefa. Tudo o que é sistemático conseguimos através de um software. Mas, pelo contrário, essas empresas perdem muito tempo a cumprir uma rotina em vez de pensarem em estratégias sobre como se potenciarem o seu crescimento. Outro aspecto importante é que o Estado está a digitalizar os seus processos. Todas as empresas precisam de interagir com o Estado, seja para emitir documentos, pagar impostos, ou qualquer outra coisa. Logo, a maneira como o Estado interage com as empresas muda. Tomemos como exemplo o INSS. Todos os meses, quando as empresas descontam a segurança social dos seus trabalhadores, devem declará-lo. Tudo era feito manualmente, mas, agora, o INSS digitalizou-se. Isto significa que uma empresa que não tenha, hoje, o digital, sofre
consequências porque tem de arranjar soluções que incluem utilizar uma plataforma em Excel, depois converter para outro formato e levar ao INSS para importar. Ocupa-se muito tempo a fazer algo que se consegue num só passo. Há um atraso. As empresas perdem o foco, negócio, rentabilidade e não conseguem construir a resiliência. Por outro lado, as empresas que já aderiram à digitalização processam o salário, cortam a taxa e transferem o ficheiro. Ninguém perde tempo. Outra desvantagem é a perda de clientes. Pela limitação geográfica, a limitação de horários, etc. Por exemplo, se uma loja não operar em ambiente digital, as pessoas só podem comprar naquele lugar e dentro do horário de funcionamento. Mas, uma vez que use as tecnologias, pode vender para qualquer parte do País ou mesmo para fora e a qualquer hora. Temos exemplos de pessoas que compram viaturas e outros bens no Japão, China www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
ou qualquer parte sem sair de Moçambique. Porquê? Porque essas empresas estão dentro da digitalização.
Como introduzir mudanças imediatas? O que as empresas ou o Governo podem fazer? As empresas que não aderiram podem procurar as que já o fizeram para buscar conhecimento sobre como entrar nessa transformação. Depois, é preciso ter mais três elementos: um mindset, um modelo mental que inclua experiência, e conhecimento de como se cria valor para o mercado actual, tendo em conta que a sociedade vive e tem cada vez mais conhecimento do digital. Então, o mindset das empresas deve estar voltado para essa sociedade, mas também para a outra parte, que ainda vive fora dessa realidade. Segundo, é preciso ter uma cultura de inovação que implique que, depois de aderir ao processo de digitalização, se consiga trazer os clientes para contribuírem para a geração de valor dos bens ou serviços, e receber depois o feedback — estar sempre em interacção com o cliente, sendo também necessário saber como ou o que fazer com o feedback recebido. O terceiro é o foco no no cliente, ou seja, ter todos os processos de geração de valor focados no cliente. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
OP
CEO TALKS
“Queremos Beneficiar de Ser um Player Regional” O First Capital Bank começou a operar em Moçambique em Julho de 2013 e tem procurado consolidar a sua posição no mercado, em segmentos como o trade finance, financiamento ao agro-negócio, logística e mineração, áreas que continuarão a ser prioridade ao longo dos próximos anos, garante o CEO, João Rodrigues Texto Pedro Cativelos • Fotografia Mariano Silva
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First Capital Bank SA (FCB), propriedade do mauriciano FMBcapital Holdings plc (Grupo FMBCH) e com forte presença regional, chegou, antevendo o forte crescimento da economia moçambicana do início da década passada. Agora, quase dez anos depois, as perspectivas mantêm-se, porventura mais realistas, embora não menos optimistas, apesar da conjuntura global e interna ainda desfavoráveis (impactos do covid-19, conflito na Ucrânia e crescimento da inflação no País). Por isso, ao lançar um primeiro olhar sobre o futuro, pelo menos de forma pública, até por ter assumido a liderança do banco no final de 2021, o CEO do FCB, João Rodrigues, vê, no actual perfil da economia nacional, um conjunto de traços que se alinham com a identidade do próprio banco. Como é que podemos descrever aquilo que é hoje o FCB e o seu posicionamento no mercado interbancário em Moçambique? O FCB não é um banco universal, é importante dizer. Temos foco, primordialmente, em médias e grandes empresas, na agricultura, que é o mais importante sector de actividade no País. Temos também a mineração como uma das nossas prioridades, sem falar na atenção especial que damos à componente do trade finance que é um dos nossos pontos fortes. Estamos, aos poucos, a apostar no sector da logística, nomeadamente no que diz respeito aos corredores que estão ligados aos portos, não só da Beira, mas também de Nacala e Maputo que, de alguma forma, beneficiam da nossa presença geográfica enquanto grupo. Esta visão tem como alvo os mercados do hinterland onde já estamos presentes, nomeadamente Botsuana,
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Maláui, Zimbabué e Zâmbia. Portanto, entendemos que estamos numa posição privilegiada para oferecer produtos e soluções para o sector da logística e esta é uma das nossas grandes apostas para este ano. É também importante esclarecer que não temos uma componente de retalho de carácter tradicional, mas, aos poucos, estamos a olhar para esta componente, ao nível do produto. E um dos que mais têm crescido no balanço do nosso negócio é o crédito ao funcionário público, que começou em Setembro de 2020, e que, desde meados do ano passado, e mais recentemente, tem tido um crescimento significativo, e é hoje um dos negócios que tem uma forte sustentabilidade, conseguindo promover o crescimento do balanço como um todo. É correcto considerar que as vantagens que o banco consegue alcançar no mercado nacional estão relacionadas com a experiência que traz de uma das economias mais estáveis do continente, as Ilhas Maurícias? A decisão do grupo de sediar a holding nas Maurícias é estratégica e fiscal. Mas também tem que ver com a capacidade de criar equipas que possam dar suporte significativo, não só a Moçambique, como a outros mercados ponde o Grupo está presente e que têm uma forte infra-estrutura, quer na componente de tecnologia de informação, quer no trade finance e processamento de operações e na componente de compliance, que é extremamente delicada e sensível para a actividade bancária. As Maurícias fêm sido um importante parceiro para nós, não só em Moçambique, mas também noutras geografias. O grupo está ciente de que não consegue operar sozinho e aumenta as alianças estratégicas que
têm permitido fazer crescer o nosso negócio de trade finance. Dando o exemplo de Moçambique, é claramente a componente onde temos tido mais apoio da equipa das Maurícias e que tem permitido fazer crescer o negócio do banco. Falando dos sectores a que fez menção, concretamente o extractivo, logística e o agro-negócio, é frequente ouvirem-se queixas de que a banca não financia. Há aqui um caminho por trilhar para chegar a um meio termo com o tecido empresarial? Alguns dos desafios que se colocam nestes sectores são similares a qualquer outro e têm que ver com a avaliação do binómio ‘risco/benefício’ que os bancos fazem quando vão conceder crédito. É um paradigma a que os bancos não podem fugir. Mas também passa por perceber cada vez mais o negócio do cliente. Não basta fazermos uma avaliação das demonstrações www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
O mundo enfrenta uma conjuntura de instabilidade, com vários capítulos quase simultâneos, desde a pandemia até à alteração do preço das commodities passando pelo conflito na Uncrânia. São fenómenos com impacto na alteração da inflação, taxas de juro e outras variáveis macroeconómicas. Como é que o banco se está a adaptar a esta situação? Após dois anos de pandemia, numa altura em que achávamos que estávamos a voltar a ter os sinais de retoma que estavam previstos para este ano, a realidade é que há cada vez mais coisas que fogem ao controlo dos países e, muitos aspectos hoje em dia têm impacto na economia mundial. A situação na Rússia e na Ucrânia vai ter impacto, sem dúvida. Também se vai fazer sentir a situação da China, com a abordagem extremamente rígida em termos de combate à proliferação do covid-19 dos últimos meses, e com o encerramento de fábricas por um período alargado. Os atrasos dos transportes e o aumento dos custos do transporte internacional também terão impacto na economia. Curiosamente, em discussão com o grupo percebemos que o País é resiliente apesar destes choques que temos observado, não só ao nível de produção e distribuição alimentar como também de energia.
financeiras de uma empresa, apesar de ser um aspecto extremamente importante para a avaliação do risco de uma operação e do cliente. Pela nossa forma de servir o cliente, entendemos que é preciso termos um conhecimento muito próximo daquilo que é o seu negócio e darmos-lhe uma posição diferenciada para, se calhar, assumir um risco maior do que aquele que as informações financeiras nos traduzem. Depois, há desafios específicos. O sector agrícola tem um potencial extremo em Moçambique, mas é vulnerável e pode ser impactado pelos factores ou variáveis que fogem do controlo das próprias empresas, como as condições climáticas, que, por vezes, afectam as colheitas e que têm impacto na receita. O sector da mineração está muito dependente do preço do mercado internacional que, felizmente para Moçambique, nos tempos recentes, tem estado em níveis históricos e permite tornar este negócio mais pujante. O negócio da logística merece www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
que o sector bancário o veja com atenção, tem enorme potencial, embora, naturalmente, apresente desafios e um deles é a possibilidade de “importar” problemas de outras economias. Nós, enquanto banco que está presente nesta região, estamos numa posição privilegiada para desenvolver soluções para ultrapassar esses desafios. Refere-se a soluções de financiamento ou de que natureza? Falo de soluções de pagamentos de cross border internacional, incluindo as relacionadas com a escassez de divisas em países como o Maláui, e os desafios que se colocam no Zimbabué devido às dificuldades macroeconómicas que o país está a atravessar. Depois, também no que se refere a pagamentos desses países para as entidades de logística nacionais. Temos investido para ultrapassar alguns desses obstáculos e estamos em crer que conseguimos encontrar algumas dessas soluções.
E como é que se adapta uma estratégia, que acredito que não contemplasse, por exemplo, as causas globais do conflito na Ucrânia, face a estas constantes mudanças de cenário? Tínhamos, de facto, e não éramos só nós, acredite, um conjunto de pressupostos para 2022 que mudaram. Por exemplo, as taxas de juro e a inflação estão diferentes. Mas o First Capital Banc começou o ano forte. Tínhamos expectativas muito elevadas para 2022 com a retoma económica. Creio que esta retoma se manterá se a instabilidade a Norte não se alterar drasticamente. O primeiro trimestre, que é típica e historicamente o mais fraco em relação ao resto do ano, foi extremamente positivo para a nossa actividade. Mas, na realidade, este ano foi diferente por várias razões, uma das quais a aposta no sector mineiro que tem tido um desempenho notável, pelo facto de o nosso trade finance continuar a ser uma aposta grande. Continuamos a acreditar que 2022 e os anos
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Há inúmeros debates sobre quem são os verdadeiros parceiros de desenvolvimento de África, especialmente em países como Moçambique. Fala-se da China, da Rússia, dos EUA ou do Japão, mas nunca dos países da região, com a excepção recente do Ruanda, por exemplo. É ou não possível fomentar um movimento capaz de tornar a região mais capacitada financeiramente e apta a fomentar uma entreajuda benéfica a todos? A realidade é que os desafios são praticamente os mesmos em todos estes países desta região. Existe muito negócio transfronteiriço e havendo capacidade de criar esse tipo de negócio e conglomerados, poderia haver soluções comuns e uma abordagem única para estes desafios que, na prática, são similares nos diversos países. Creio que aqui há espaço para que seja possível encontrar soluções que beneficiem ambos os lados da fronteira, e de todos estes países como um todo. Na região da SADC, onde temos uma presença forte nos nossos segmentos, queremos apostar em tornar-nos num banco forte também a pensar nisso mesmo.
“O negócio da logística merece que o sector bancário o veja com atenção… Nós, enquanto banco que opera em toda a região, acreditamos que temos uma oportunidade única e estamos numa posição privilegiada”
vindouros continuarão a ser de forte crescimento, não só do banco como da economia, do sector e do País. Se, porventura, os projectos de Oil & Gas retomarem, se possível ainda este ano, creio que este crescimento será ainda mais acentuado como parte integrante da economia, e todos beneficiarão desse crescimento, e nós, claro, não seremos excepção. Como é que a economia, cujas perspectivas são, muitas vezes, adiadas por várias razões, é vista lá fora e nas reuniões do Grupo em que se fala do País? Por exemplo, questões relativas ao esforço de melhoria de ambiente de negócios são tidos em conta?
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Há uma vertente bastante importante que nem sempre é comum na realidade dos países da região ou do continente em geral: Moçambique, apesar de ter um enorme potencial na perspectiva de desenvolver o sector dos recursos naturais e da extracção de gás natural, tem uma economia diversificada e acho que isso é extremamente importante, decisivo mesmo, no sentido de conseguir assegurar o crescimento e a retoma da economia como um todo. Por outro lado, o sector mineiro tem permitido um crescimento acelerado da economia e a captação de divisas para o mercado. Estes são alguns dos aspectos mais salientados nas discussões do Grupo, posso dizer.
O sector financeiro nacional tem uma característica notória e curiosa, que é a fácil rotação de quadros entre as diferentes instituições. Como é que se pode evoluir para um estágio em que haja maior retenção dos quadros nos bancos? Essa é uma realidade que não constitui novidade ou surpresa para ninguém e está relacionada com o próprio crescimento do sector, com a necessidade destes quadros buscarem melhores condições e novas oportunidades noutras instituições. Se calhar passaria a experiência de Angola por onde passei, em que um dos bancos da praça tem uma academia e que não se limita exclusivamente à sua instituição, mas beneficia todos os bancos do mercado. Poderia ser uma solução a debater entre todos. Pessoalmente, teria todo o gosto em podermos participar numa iniciativa deste género, embora a nossa dimensão requeresse a participação e colaboração de outros parceiros da praça. Mas a realidade é que criar uma academia e promover a formação e desenvolvimento dos quadros moçambicanos no sector financeiro poderia, sem sombra de dúvida, beneficiar a todos os intervenientes do mercado bancário. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
BAZARKETING
No Meio do Canal.
M Thiago Fonseca • Sócio e Director de Criação da Agência GOLO PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda.
Neste momento, segundo os dados do INCM, já existem 12 milhões de sim cards activos em Moçambique. Dos quais, 60% são smartphones. E este número cresce exponencialmente a cada minuto.
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uito recentemente fui convidado para falar num seminário da Rádio Moçambique sobre sustentabilidade dos meios de comunicação nos tempos actuais. Foi um grande desafio, uma honra, e sobretudo uma oportunidade para reflectir sobre o panorama actual dos media e aonde está a atenção dos consumidores. A RM é uma das instituições de maior prestígio no País. A rádio é um meio que marcou a história de Moçambique nos últimos 90 anos. Durante décadas, até aos anos 80 a rádio liderava as audiências. Mesmo quando a Televisão surgiu, a Rádio continuou a ser um dos meios mais importantes de comunicação junto com a Imprensa. A rádio é o meio com maior abrangência geográfica. O único meio que emite em línguas locais nas Províncias. É um meio muito forte. Mas as revoluções da tecnologia, o surgimento da internet, seguida do mobile e das redes sociais veio transformar o cenário dos media. Em África, mais precisamente em Moçambique, dado o estágio de desenvolvimento, as transformações acontecem mais rápido. Enquanto na Europa, por exemplo, o hábito de consumir a rádio prevalece sobretudo nas gerações mais velhas, na dinâmica que o meio rádio encontrou para se adequar às mudanças dos tempos. Sobretudo porque 70% da população é jovem e está na faixa dos 17 anos. Há muito para aprofundar na questão da rádio em Moçambique. Mas este artigo não é sobre a rádio. É sobre conteúdos. Qualquer meio é um canal para passar informação, entretenimento e mais para os consumidores. Por isso, no dia da palestra na Rádio Moçambique, comecei a apresentação com a seguinte frase:
-“A RM nunca foi rádio! É uma emissora de conteúdos.” Assim como a TVM não é a televisão. É uma emissora de conteúdos audio-visuais. O Notícias não é o jornal. São conteúdos impressos em papel. Esta introspecção é um desafio maior sobretudo para os canais públicos. Que devem fazer mudanças rápidas. Afinal de nada adianta ser um canal público se não tiver público. Os meios são apenas meios. Todos os meios, são tecnologia que permite passar conteúdos. Com o andar dos tempos, aconteceu um grande equívoco. Confundir meios com conteúdos. Os canais, que afinal eram meios, ficaram meio confusos. A tecnologia revolucionou e vai continuar a revolucionar a forma como recebemos a informação. Se alguém quiser saber alguma coisa hoje, vai saber primeiro no mobile. Não vai esperar pelo telejornal, ou pelo noticiário. Ou pelo jornal no dia seguinte. Este cenário tem tanto de desafios como de oportunidades. Porque os próprios meios também são marcas. E a marca é o bem mais precioso de qualquer empresa. Nós seguimos marcas porque assim escolhemos. E a nossa escolha é baseada em milhares de percepções que temos sobre essa marca. No caso dos media, uma das maiores vantagens das suas marcas é a credibilidade. Afinal, se a RM disse é porque é verdade. Confiamos. E assim acontece com outras marcas de meios. A forma como esses meios chegam até nós é que mudou A rádio, a televisão, as notícias escritas chegam pelo celular. E se vierem com a força dessas marcas, esses meios ganham força. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2021
Ilustração de Maisa Chaves
No caso dos smartphones, que hoje é a maior parte da percentagem de celulares no País, podem ser criadas Apps de cada marca. E dentro dessa App ter conteúdos seleccionados da marca do meio. Por outras palavras, a rádio numa App mobile pode transmitir som, conteúdos audio-visuais, escritos. A rádio ser muito mais que som. E com mais vantagens ainda. Podemos rever esses conteúdos. Porque ficam na plataforma. É um mundo de formas de chegar a nós que já existe. Como o Youtube e mais. E isto que parece ser óbvio, não está a ser levado em conta pelos meios. O meio de chegar. Neste momento, segundo os dados do www.economiaemercado.co.mz | Junho 2021
INCM, já existem 12 milhões de sim cards activos em Moçambique. Dos quais, 60% são smartphones. E este número cresce exponencialmente a cada minuto. Não há muito tempo, sabíamos de algo porque “deu na rádio”, ou “vi na televisão”. Houve uma mudança drástica e muito rápida pelo crescimento do mobile. A informação chega no momento à mão do consumidor. O poder está na mão das pessoas. Os olhos e os ouvidos do consumidor estão primeiro na tela do celular. E as pessoas procuram e consomem conteúdos a uma velocidade como nunca antes. Um bom exemplo do poder dos celulares foi o julgamento transmitido ao vivo, e muito mediático que aconte-
ceu recentemente. A rádio foi ouvida no celular. Em Moçambique esses celulares têm um nome. “Bombinhas”. Baptizados pelo povo, é assim que o povo se refere a um celular barato que permite ouvir rádio. Ouvir o conteúdo no fundo. E o povo assim fez. Pedreiros nas obras, guardas nos prédios, trabalhadores das classes de renda baixa estão na rádio dos seus celulares todo o dia. É apenas mais uma prova de que é o conteúdo que manda. Os meios devem passar a ser marcas de conteúdo credível, interessante e bem distribuído de múltiplas formas. Devem investir nos conteúdos e nas suas marcas. Caso contrário, ficam parados no meio do canal.
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ócio
(neg)ócio s.m. do latim negação do ócio
72 Uma aventura pelas memoráveis ruínas da Ilha de Xefina
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e 74 Ao Sabor das Delícias do Restaurante Lumma, no Centro de Maputo
75 Uma degustação da velha conhecida Macieira, agora com novo visual
Ilha Xefina
Ilha Xefina - a Memória ILHA XEFINA UM ENCANTO NUM DOS RECANTOS DE MAPUTO
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xefina pode ser lembrada como o primeiro baluarte de defesa da Costa durante a I Guerra Mundial. Ou como o lugar da morte de Dionísio António Ribeiro, governador de Lourenço Marques. Ou como a prisão-desterro de nacionalistas moçambicanos. Ou como o chão sagrado onde foi rodado “O Tempo dos Leopardos”. Ou como o lugar por onde se moviam Alfredo e Jôta, personagens de Juvenal Bucuane no livro que leva o nome da Ilha. Há uma pluralidade de vozes sobre Xefina. Há História e há histórias. Há os personagens fictícios e há os reais ou aqueles que se movem entre os dois universos como Pwapo, que nos recebe logo à chegada. A princípio, pensamos ouvir Guapo, esse termo espanhol que invoca beleza. “Pwapo, na minha terra, Nampula, significa velho”, esclarece. Mas nem sempre foi o nome dele – afinal, ninguém nasce velho, continua estranho o caso de Benjamin Button. “Quando cheguei, existia aqui um velho da minha terra que eu chamava Pwapo por respeito. Quando morreu, toda a gente passou a chamar-me assim”, explica. É o caso dos nomes que damos e que acabam também sendo nossos por contaminação. E o tempo o fez merecedor, agora já com 63 anos a
tingirem de branco os fios das barbas que se deixam ver. Nascido na Ilha de Moçambique, chegou à Xefina como Sambo Ali na boleia de um amor que prometia terra em que fosse erguida uma casa, um lar. Mas depois de alguma felicidade, a mulher decidiu deixá-lo para trás e seguir para Inhambane, levando os dois filhos, que o visitam de quando em vez. Mas a mulher nunca mais viu. Deixou a vida militar em 1987, com uma passagem pela tropa e pela guerra. Não revela se desertou ou se foi desmobilizado. Mas o olhar, com as íris da cor das nuvens que anunciam chuva, diz-nos alguma coisa do que andou a ver nos anos de guerra. “Aqui é a minha casa. Todo o mundo me conhece”, gaba-se. O que não é difícil considerando que não se contam mais de 100 habitantes no perímetro da Ilha. Percebe a provocação e decide alargar o território. “Mesmo no bairro dos Pescadores, todos me conhecem”. E por onde chega esta fama? “Eu não tenho problemas. Sou boa pessoa”. Não o podemos desmentir. Sem saber quem chegava, sozinho formou quase uma comitiva de recepção. Depois de a nossa lancha ancorar, mostrou-se disponível para nos levar pelos labirintos da Ilha que fez de sua casa desde
em Ruínas 1988. O barco que se move à velocidade da agilidade dos seus braços permite alimentar o corpo. Mas o espírito parece perdido. Ao longo da viagem percebemos que há momentos em que se quer evadir do mundo. Talvez por isso continue a viver na Ilha. “Não cansam de falar?”– Pwapo. A agressividade que a pergunta podia sugerir diluiu-se com o riso que soltou a seguir. Mas ele cansa, estava cansado e precisava de descansar. Foram cerca de 20 minutos a arrastar os pés pelas matas, as mãos como catanas a abrir caminho. Nem voz. Mas já nos havia mostrado as ruínas de um antigo quartel, o comando que faz a foto da capa do livro de Juvenal Bucuane, uma casa que presumimos que fosse do comandante, um refeitório e uma prisão com celas minúsculas que continua sombria. São as últimas paredes de um tempo que se está a esfarelar. Chegados à zona norte da Ilha, vemos o que um dia foi baluarte, com bunkers, canhões e as celas submersas pelo mar. Como se a maré tivesse baixado e revelasse uma cidade, uma versão armada de Pavlopetri. “Isto tudo estava dentro do mato quando cheguei”, voltava assim à fala. E Carlos Serra, ambientalista e biólogo com quem falámos depois, confirma. “Não há nenhum plano de protecção para a Ilha”, declarou. E o mar vai fazendo o seu império, engolindo a memória. A ilha de Xefina Grande, este torrão de terra a minorar-se enquanto o mar cresce, corre o risco de desaparecer como aconteceu com as ilhas de Xefina Pequena e Média, extinguindo toda a ideia do que um dia fora arquipélago. “Se a Xefina acabar, o bairro dos Pescadores também vai ficar ameaçado”, avisa Pwapo. Mas quem o vai ouvir? TEXTO Elton Pila FOTOGRAFIA D.R.
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Há uma pluralidade de vozes sobre Xefina. Há História e há estórias. Há os personagens fictícios e há os reais ou aqueles que se movem entre os dois universos...
ROTEIRO COMO IR A partir de Maputo, com uma agência de viagens, como a Safe Travel, pode ir de lancha até à Ilha Xefina. É cerca de uma hora pela estrada de água. ONDE DORMIR Pode acampar na Ilha. Mas precisa de consultar as autoridades locais. Ou, então, pode passar a noite em estâncias hoteleiras na cidade de Maputo. ONDE COMER Não há restaurantes, pelo que deve sempre levar mantimentos a bordo. O QUE FAZER Palmilhar a Ilha é preciso. Pode sempre lançar uma semente ou muda à terra na esperança que se faça árvore. Mas pode também fazer a viagem à Ilha dos Portugueses cujas águas convidam para um mergulho CUIDADOS A TER Levar calçados que lhe permitam caminhar pelas matas. Seja precavido/a ao entrar pelas celas, são agora abrigos de morcegos. Não é aconselhável que escale as ruínas do baluarte submersas no mar. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
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Se ficar convencido e quiser aprofundar a experiência, desça pela ementa, avance para o sashimi, a lasanha de pato ou o ravioli de massa caseira de lagosta...
LUMMA
Rua Mateus Sansão Muthemba, Maputo. Abre às 12h00 Reservas Contacto +258 85 191 2063
g o restaurante lumma até já existia no mesmo lugar, mas numa prévia existência. Agora, com uma nova gestão, continua na zona centro da cidade capital, bem perto do Museu de História Natural, na Rua Mateus Sansão Muthemba. Nesta sua nova existência, a imagem e o conceito mudaram, acompanhados da identidade e da oferta gastronómica. Tornou-se um local aberto, amplo e luminoso, decorado de forma minimalista, requintada, e de portas bem abertas para uma boa experiência gastro-
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Lumma, Uma Boa Surpresa nómica. A cozinha do Lumma está a cargo do Chef Marcelino Dgedge, que se inspira na diversidade cultural e em sabores internacionais, modelados por ingredientes tipicamente moçambicanos. O resultado, garantimos, é, no mínimo, original, e está plasmado num menu consistente e requintado, com poucas opções (o que é sempre uma garantia de frescura dos produtos servidos), mas suficien-
Escondida à Vista de Todos
temente volúvel para abranger diferentes (bons) gostos. Nas entradas, sugerimos, e quase a jeito de boas vindas, o menu de degustação. Se ficar convencido e quiser aprofundar a experiência, desça pela ementa, avance para o sashimi, a lasanha de pato ou o ravioli de massa caseira de lagosta ou garoupa com feijão nhemba,
amêijoas e algas marinhas, escolhas que ilustram, qualquer uma delas, ao que vem o Lumma. E vem por bem. Com um preço médio de 1500 meticais por pessoa (refeição completa), este restaurante é, sem dúvida, uma boa surpresa escondida... à vista de todos. E vale a pena, certamente, prová-lo com todos os sentidos. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
A marca icónica de brandy apostou na mudança de visual, procurando uma imagem moderna para as duas referências principais,a Royal Spirit e Colecção d’ Autor...
Macieira, o Ressurgir “o bom sabor dos velhos tempos”. Assim era o slogan de uma das mais conhecidas e históricas marcas de espirituosos portugueses, o brandy Macieira. Hoje, parte do conglomerado Pernod Ricard, a histórica casa do Bombarral, tem a sua produção deslocalizada em Espanha, mas a sua memória mantém-se bem viva entre os consumidores portugueses. Fundada em 1868 por José Guilherme Macieira, a marca arrancou o ano com uma mudança de visual em duas das suas principais referências: Macieira Royal Spirit e Macieira Colecção d’ Autor, visando uma imagem moderna e, em simultâneo, uniformizar visualmente as duas referências através de um rótulo e contra-rótulo estilizado e rejuvenescido. “Esta mudança permitiu rejuvenescer e atingir uma apresentação mais premium e actual, garantindo simultaneamente a consistência do design das referências”, afirma Joana Franco, Head of Marketing da Pernod Ricard Portugal. “Embora se trate de uma renovação, houve intenção de fazer jus às nossas raízes e continuar a homenagear a história da Macieira. Para tal, apostámos em elementos que destacam a sua longevidade e qualidade, como, por exemplo, a aplicação do ano de fundação e a assinatura do fundador”. Relativamente aos aspectos distintivos, a principal diferença entre as referências Macieira Royal Spirit e a Colecção de Autor “é o seu envelhecimento em barricas”. Em 2015, com a celebração dos 130 anos desta marca, a Macieira Colecção d’Autor foi criada com “um blend de aguardentes vínicas com um envelhecimento superior (de pelo menos oito anos) em barricas de carvalho americano de qualidade superior”. “Atendendo ao processo de produção, que lhe é inerente, denotam-se de forma mais acentuada as notas amadeiradas – tanto no aroma como no sabor”, considera. A casta Moscatel é empregue “na fórmula de Macieira Colecção d’Autor”, mas não na Macieira Royal Spirit, cujo modo de fabrico e destilação é confidencial. A produção anual ronda o milhão de garrafas, “direccionadas não só para o mercado português como também para o mercado internacional”. Portugal, “enquanto país fundador da marwww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
de Uma Velha Marca Com um Novo Visual ca, continua a ser o mercado de maior dimensão e importância”, estima Joana Franco. “As referências estão presentes através do canal ‘off-trade’, hipers e supermercados, ou no canal Horeca, disponíveis a serem servidas em restaurantes e cafés”. A par da presença em território português, existe também “uma grande determinação em expandir a marca além-fronteiras, pelo que o processo de internacionalização da marca tem vindo a ser desenvolvido ao longo dos anos”. Para “uma visão mais macro”, a Macieira está agora presente nos cinco continentes, num total de 36 países, desde os Estados Unidos, à Austrália, passando pelo Brasil, Angola, Alemanha, França, Luxemburgo, Suíça, Macau e China, entre outros. “Esta é uma realidade muito significativa para a Macieira”. Paralelamente, a marca possui ainda uma aguardente vínica Macieira, produzida “a partir de uma selecção cuidada de aguardentes envelhecidas em cascos de carvalho francês, por um período nunca inferior a dez anos”, cujo consumo se recomenda “como digestivo em ocasiões especiais e momentos após almoço ou jantar”. No que concerne aos mercados preferenciais, para além de Portugal, contam-se “o canal de Travel Retail (aeroportos portugueses), Europa (Alemanha, França, Inglaterra, Luxemburgo) e Austrália”.
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Contentor
No Comércio, é Habitual. Mas Serve Para... Habitar
em determinada fase do percurso académico ou profissional, as pessoas podem ficar indecisas quanto ao caminho a seguir. Por vezes, iniciam um curso ou uma carreira com entusiasmo e, ao longo do trajecto, percebem que não estão realizadas e abandonam. Outras vezes começam numa área não muito animadas, mas desenvolvem afeição, ou então ficam divididas entre duas ou mais áreas de actividade. O caso de Uria Timóteo Simango talvez se enquadre na última situação. Sempre navegou entre o cinema e a engenharia de construção civil. Uria cresceu com o pai que foi engenheiro de construção civil – o falecido Edil da Baira, Daviz Simango – e contou à E&M que, desde cedo, apreciou a sua profissão e fazia questão de estar perto, observando o pai trabalhar. O apego que desenvolveu pela profissão do pai foi tão grande que, embora tivesse vocação em entretenimento e artes, decidiu cursar engenharia de construção civil. Porém, depois de seis meses a frequentar a engenharia, decidiu desistir e iniciar um outro curso – o de Motion Picture – pela maior universidade de Motion Picture e Artes em África (AFDA), na África do Sul. Mas a engenharia chamou-o de volta. Em 2019, Uria Simango criou a empresa Bankroll Meusiq Ent, que constrói casas pré-fabricadas a partir de contentores de exportação. O jovem, de 27 anos, começou a empreender na construção de casas a partir das dificuldades financeiras que não o deixaram colocar em prática um projecto da sua área de formação, que era a produção de um filme de longa-metragem. “Em 2018 percebi que me faltavam fundos para a produção de um filme de longa-metragem que tinha custos muito elevados. Então, optei por, primeiro, empreender em algo que me pudesse sustentar e, de alguma forma, gerar dinheiro para posteriormente financiar projectos cinematográficos e de outras áreas ligadas ao entretenimento”, explicou. Além da sua paixão pela construção civil, outro motivo que move o jovem empreendedor é o desejo de oferecer aos clientes casas modernas, únicas e que sejam económicas, rápidas de construir, móveis e duradouras. Se bem cuidadas, estas casas podem durar mais de 90 anos. As casas que Uria constrói a partir de contentores têm isolamento térmico para regular a temperatura. Levam tecto falso com pintura de tinta plástica. Têm todos os cómodos de uma casa convencional (quartos, cozinha e casa de banho interna) e vem com alguns mobiliários como televisão e geleira. Há casas com um, dois e três quartos, e estão disponíveis para arrendamento diário, semanal e mensal. Um dos projectos mais emblemáticos das casas projectadas por Uria está localizado em Sofala, dentro do condomínio Selinah Village, a 15 minutos da cidade da Beira. Talvez a sua localização seja o factor que permite que sejam casas que merecem a apreciação de um público diversificado: jovens, adultos, turistas estrangeiros e locais, empresários, etc., chegando a esgotar a ocupação em períodos festivos, como nos finais do ano. Para Uria empreender não é tarefa fácil, mas, por gostar do que faz, auto-motiva-se todos os dias.
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mpreendedorismo
Um dos projectos mais emblemáticos das casas projectadas por Uria está localizado em Sofala, dentro do condomínio Selinah Village, a 15 minutos da cidade da Beira
“Empreender é um acto complexo, é um jogo que nunca sabes se ganhas ou perdes, mas que com uma certa coragem é possível conquistar qualquer coisa. Por vezes falta dinheiro, é preciso controlar o negócio constantemente, há competitividade e erros. É importante saber aprender com os erros e perceber que o foco, na verdade, é ganhar, perceber o futuro do negócio e para onde se pretende chegar com isso, bem como tomar decisões acertadas e fazer tudo com dedicação”. O jovem afirma que, embora pareça que o seu portefólio esteja mais virado para a área de construção civil, continua a trabalhar com Motion Picture: “Trabalho, mas não no activo. Estou na fase de pesquisa de novas formas de realizar um filme a custos reduzidos e com a tecnologia actual isso é possível até com smartphones, só exige um conhecimento avançado sobre a cinematografia e leva muito tempo”, enfatizou. TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Bankroll Meusiq Ent
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MAGAFUSSO
O filme foi gravado na Ilha de Moçambique, com um elenco de 56 pessoas na fase de produção e um custo estimado em cinco milhões Mt
O Ancoradouro do Tempo: Encontro Entre a
um honesto e recém-formado inspector da polícia (Izidine) é chamado a investigar o assassinato de Vasto Excelêncio, o director de uma antiga fortaleza colonial situada numa ilha, que actualmente serve de asilo aos idosos. O inspector tem oito dias para desatar os nós do crime, tarefa que fica complexa porque cada um dos quatro velhos do asilo confessa a autoria com detalhes sobre como terão morto o director. Afinal, estes idosos confessam o crime com a intenção de proteger Marta, a cuidadora que se acredita ser a verdadeira assassina de Excelêncio, seu amante. É nesta difícil investigação e na luta para ser íntegro e honesto que se abrem as portas do coração, e Izidine, o bom polícia, e Marta, a cuidadora de idosos (e, quem sabe, a assassina), apaixonam-se. A história acima é uma sinopse do filme “O Ancoradouro do Tempo”, uma longa-metragem da co-autoria de duas personalidades de destaque na literatura e no cinema nacionais: o escritor Mia Couto e o cineasta Sol de Carvalho. Foi inspirada no romance de Mia Couto “A Varanda do Frangipani”, publicado em 1996, uma trama policial que faz um retrato poético e crítico da realidade de Moçambique naquele período da história. O filme foi gravado na Ilha de Moçambique, local escolhido por possuir uma fortalewww.economiaemercado.co.mz | Junho 2022
Literatura e o Cinema
za e cenários favoráveis em termos visuais. Até ao momento actual, foram concluídas as etapas de filmagem e rodagem, estando agora em processo de pós-produção. No entanto, não há ainda previsão de estreia, uma vez que, antes de entrar em circuito comercial, tem de ser exibido em festivais internacionais. Em termos orçamentais, esta produção cinematográfica demanda cerca de 600 mil euros (40 milhões de meticais) dos quais 70 mil euros (quase cinco milhões de meticais) já foram gastos em logística. O realizador Sol de Carvalho destaca que este filme, diferente dos outros financiados maioritariamente por Portugal, teve toda a produção custeada por fundos locais. O filme foi gravado na Ilha de Moçambique e envolveu um elenco de 56 pessoas, das quais 18 são residentes da Ilha. O elenco é composto por boa parte dos que Sol considera serem a “nata” dos actores moçambicanos. Entre eles estão os nomes de Mário Mabjaia, Adelino Branquinho, Josefina Massango, Horácio Guiamba, Maria Atália, Tomás Bié, Vítor Gonçalves e Stewart Sukuma. Actores cuja disciplina artística é elogiada pelo realizador pela
dedicação e cooperação que tiveram durante os cerca de 45 dias das filmagens, uma postura que, segundo o realizador, nunca viu nos seus 40 anos de experiência na área. Quanto à representação da história do romance, Sol de Carvalho revelou uma espécie de medo de trabalhar com as obras de Mia Couto, porque, na sua visão, “só um grande realizador poderia fazer um filme sobre a obra deste escritor, que tivesse a visibilidade internacional e artística que o mesmo merece”, confessou o autor que já tinha trabalhado com uma obra de Mia Couto (“O Dia Em Que Explodiu Mabata Bata”) no filme Mabata Bata, lançado em 2017. Por sua vez, o escritor d’ “A Varanda do Frangipani” prefere chamar o desafio que teve de ‘oportunidade’: “o desafio era transportar o que faço nos meus livros, que têm uma dimensão poética e uma ‘autorização’, para apropriar a língua portuguesa à forma moçambicana de falar. Como trazer isso para o cinema e fazer essa poesia acontecer numa linguagem cinematográfica e que os guiões fossem verdadeiros”.
Quanto à representação da história do romance, Sol de Carvalho revelou uma espécie de medo de trabalhar com as obras de Mia Couto, porque, na sua visão, “só um grande realizador poderia fazer um filme sobre a obra deste escritor
TEXTO Filomena Bande FOTOGRAFIA Mariano Silva
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SCÉNIC CONCEPT O inusitado sistema de propulsão do crossover ‘pega’ emprestado o motor eléctrico de 215 cavalos (cv) do Megane E-Tech
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Renault Lança o Reciclável OS DEBATES E PREOCUPAÇÕES sobre o meio ambiente têm dominado diferentes esferas da sociedade e todos os sectores se movem, por forma a estarem incluídos nesse movimento que é uma tendência global. A indústria automóvel também aderiu e há já alguns passos tomados em concreto nesse sentido. Recentemente, a Renault apresentou um carro-conceito com foco na electrificação e na sustentabilidade. Chamado Scenic Vision, o modelo é um prenúncio do futuro de veículos familiares da Renault, que pretende ser uma empresa 100% eléctrica até 2030. Além das linhas angulares e estilo peculiar, este Scenic Vision destaca-se pela sua construção ecológica. Incorpora mais de 70% de materiais reciclados e é 95% reciclável (incluindo a bateria) no final do seu ciclo de vida. Comparado a um veículo eléctrico tradicional movido a bateria, como o Megane
Scenic Vision a Movido a Hidrogénio E-Tech, da própria marca, o conceito tem uma pegada de carbono 75% menor e ainda está equipado com um motor de combustão interna, apenas alimentado por hidrogénio. O inusitado sistema de propulsão do crossover ‘pega’ emprestado o motor eléctrico de 215 cavalos (cv) do Megane E-Tech do qual também herdou a bateria menor de 40 kWh. O veículo adicionou uma célula de combustível de 16 kW montada no assoalho do sistema que alimenta a bateria. A Renault explica que, ao escolher este caminho, pode instalar uma bateria duas vezes mais leve oferecendo a mesma autonomia. O design é o de um SUV moderno e agressivo, mas a plataforma experimental que serviu de base ao novo Scenic é ligeiramente maior do que a utilizada para construir o Megane E-Tech. O Scénic Concept mede 4,49 metros de com-
O Scénic Concept mede 4,49 metros de comprimento, 1,9 metros de largura e 1,59 metros de altura com uma distância entre eixos de 2,835m e pesa 1700 quilos
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primento, 1,9 metros de largura e 1,59 metros de altura com uma distância entre eixos de 2,835 metros. Pesa 1700 quilos, o que é compatível com os concorrentes eléctricos que chegam ao mercado quase todos os dias. O interior utiliza elementos flutuantes e uma enorme tela digital integrada na base do pára-brisas. Para ter acesso ao interior do veículo, a Renault adoptou um sistema de reconhecimento facial, como o usado em telemóveis, que também permite ajustar diversas configurações do veículo e de condução. Para substituir o couro, a Renault usou poliéster de baixo carbono 100% reciclado. Até os pneus são ecologicamente correctos, provenientes de borracha natural feita de forma sustentável. A tinta usada no acabamento do automóvel também não possui pigmentos sintéticos. Por fora, o carro tem um logótipo iluminado da Renault, com frente e traseira apresentando luzes de LED. A Renault afirma que o carro-conceito terá uma primeira versão em produção até 2024. www.economiaemercado.co.mz | Junho 2022