Autor e Compositor
Antes de cantar o Fado profissionalmente, Manuel de Almeida já era autor. Inscreveu-se na SPA - Sociedade Portuguesa de Autores (Crl fundada em 1925) em 19 de Junho de 1956, atingindo o estatuto de cooperante n.º 409.
E o autor foi longe. Em 1995, “Ala Arriba”, por exemplo, mereceu a atenção dos japoneses. Através da SPA foi solicitada ao autor autorização para uso de um excerto desta obra num spot televisivo destinado a publicitar uma companhia financeira.
ALA ARRIBA
Ala arriba é o grito dos poveiros
Que o mar misterioso nos quer roubar
O grito dos fortes aventureiros
Heróis do sacrifício de além mar
Lá partem nos veleiros, sorridentes
Na conquista do pão e de agasalho
E os calos que mostram aváramente
São medalhas sagradas do trabalho
Refrão
Arriba
“Ala Arriba” seria entre nós interpretada e gravada em disco por Alberto Cardia com assinalável sucesso. Podemos escutar este tema e intérprete nos arquivos da Rádio “Sim”.
É o grito murmurar
Do velho lobo do mar
Nas tempestades d’além
Arriba
Tem cuidado ó pescador
Olha que o mar é traidor
E não respeita ninguém
Óh! almas peregrinas aqui vos louvo
Dos loucos vendavais com emoção
Filhos do povo que lutam para o povo
Escravos do dever e da razão
Já vibra na alvorada o raio fecundo
Da marcha triunfante do regresso
E os seus músculos sagrados são no Mundo
As fortes alavancas do progresso
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AGORA
Agora já não há meio
Do nosso amor renascer
Depois de tantos fracassos
Agora seria feio
Só de pensar em te ver
Novamente nos meus braços
Agora não há remédio
Que sacuda este tédio
Que trago dentro de mim
Agora queira ou não queira
Não imagino a maneira
De me ver, sem ser assim
Agora nem a saudade
Me prende a uma amizade
Que perdi sem me perder
Agora já não me oponho
Tudo isto foi um sonho
Um sonho, p’ra esquecer
ORA BEM
Ora bem, se Deus quisesse Eras minha, eu era teu Mas Deus, ao que parece Ou não quis ou se esqueceu
Suspenso nos sonhos meus Acreditar não consigo Será p’los pecados meus Ou Deus não está comigo
Se Deus o Mestre Divino Criou as almas aos pares Porquê nós dois sem destino Duas almas, dois penares
Marcado p’los revezes
A minha voz brada aos Céus Deus me perdoe, mas às vezes Parece que não há Deus
Se Deus o Mestre maior Com seu enorme saber Se vê que assim é melhor Que seja como Deus quer
UM DIA POR MIM PASSADO
Vou descrever neste fado Fado simples que alimenta
A saudade em que mergulho
Um dia por mim passado
Isto nos anos sessenta
Geração de que me orgulho
De manhã tal como era
Da praxe, fui a uma espera
De toiros e com firmeza
Saltei tronqueiras montadas
Nas ruas engalanadas
Da Sevilha portuguesa
À tarde minh’alma arranca
Num desprezo p’lo revez
Nem à vida pedi contas
Na praça de Vila Franca
Entre palmas e olés
Lidei um novilho em pontas
À noite que burburinho
Eu mais uma companheira
Numa adega, até ser dia
Entre canjirões de vinho
Cantei à minha maneira
O corrido e o mouraria
Cantigas, mulheres e toiros
São legendas, são tesouros
Que eu a cantar recordei Ó distante mocidade
Confesso sinto saudade
Desse dia que passei
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FADISTAS DO MEU PASSADO
Fadistas do meu passado
Que eu recordo tanta vez
O que fazem? Onde estão?
Eu ando preocupado
Porque se foi com vocês
O amor á tradição
Ainda trago nos sentidos
Fadistices que marcaram
Noitadas que deram brado
Ausentes adormecidos
Não dão conta, não reparam
No fado tão maltratado
Essa geração fadista
Cada um era um estilista
A nenhum eram iguais
Carlos Ramos, Silveirinha
Tristão, Fernando Farinha
Marceneiro e tantos mais
Aos fadistas do presente
Eu presto a minha homenagem
E deixo neste recado
Que mesmo em tempo diferente
O fado não perca a imagem
Do fado do meu passado
AMIGOS
Amigos não quero mais
Sem lhes estudar primeiro
A sua forma e maneira, Que os amigos actuais, Só dependem do dinheiro
Que trazemos na carteira
Era feliz com os amigos
Não conhecia inimigos
Julguei que o Mundo era pouco
Eu era amigo de todos
Gastava dinheiro a rodos Inda me chamavam louco
Já não tilinta o ruído
Do metal apetecido
A vida tem seus perigos
Pl’a mágoa que me consome
Hoje só me resta a fome
E não encontro os amigos
Vergado ao peso inclemente
Do desgosto mais profundo
Da própria vida receio
Sou um vencido, um descrente
Pois vejo que anda meio mundo
A enganar outro meio
Tudo passa tudo corre
Tudo foge, tudo morre
Tudo se extingue e arrefece
Dei p’rá lama a falsa queda
Foi-se a última moeda
Hoje ninguém me conhece
POR TRANSFORMAÇÃO EXISTO
Por transformação existo
No Mundo que não tem fim
Que serei eu depois disto? Que fui eu antes de mim?
Ninguém me diz donde vim E com dúvidas me visto
Se fui outro e sou assim, Por transformação existo
Sem saber ao que cheguei Vivo a duvidar de mim
E nem sei como fiquei
No Mundo que não tem fim
Quando a vida me deixar
Terei vivido só isto, Ou morrerei a pensar
Que serei eu depois disto?
Se o meu presente é passado, Não há futuro com fim
E se vim sem ter chegado Que fui eu antes de mim?
66
AQUELES AMIGOS
Aqueles amigos reles
Que me chamaram bandalho
Na minha sorte ruim
Foram maus, eu fugi deles
P’ra lhes poupar o trabalho
Deles fugirem de mim
Era melhor que ninguém, Defeitos não me apontavam
Era bom, diziam eles, Amigo de fazer bem, Com desplanto afirmavam
Aqueles amigos reles
Esses amigos, os tais
A quem servi de espantalho
Vendo do dinheiro o fim, Foram tao bons, tão leais
Que me chamaram bandalho
Na minha sorte ruim
Amigo, tens um amigo
Diziam cinicamente
Quando eu gastava com eles.
Cada amigo um inimigo
Abandonei essa gente
Foram maus, eu fugi deles
Sou um vencido, um descrente
Nada tenho, nada valho
Tanto que pensei assim, Fugi deles, simplesmente
P’ra lhes poupar o trabalho
Deles fugirem de mim
CAPRICHOS DE MULHER
Vi-te passar na rua, qual vistosa rainha! Passaste porque eu vi por entre a multidão Lamento ao recordar que tu já foste minha E o nosso viver foi apenas ilusão
Só pensava vestir bons casacos de peles Era demais para mim eu não podia dar-tos Dizias não querer viver sempre no reles Por isso procuraste outros homens mais fartos
Já trajas a rigor tens figura, és bonita Entras em toda a parte e vives n’alta roda Já não calças chinelas nem vestidos de chita Mas tu p’ra mim não passas dum manequim da moda
Os cremes, os batons com que te mascaras São a vil mascarilha do teu viver faustoso
Hoje tudo possuis joias e sedas caras
Tens tudo e até tens um porte duvidoso
Segue portanto enfim o teu cruel viver
P’ra sempre terminou nosso viver ruim
Vou procurar agora uma outra mulher
Que não pense em dinheiro e goste mais de mim
67
Revista “Rádio & Televisão”
JURA
Juraste a Nossa Senhora
Que bem ceguinha ficasses
Se deixasses de ser minha, Como sei que és pecadora,
Tive pena que jurasses,
Pois podes ficar ceguinha
De mãos erguidas aos céus, Rezaste na capelinha
Numa prece sedutora, Pela luz dos olhos teus
Que eras minha só minha, Juraste a Nossa Senhora.
Mulher, a vida é impura
Tem cuidado não te enlaces
Na maldade mais daninha
Lembra-te sempre da jura
Que bem ceguinha ficasses
Se deixasses de ser minha
Disseste sempre que sim
Que seria bem sagrada
Tua jura, mas embora
Vocês são todas assim
Tanto te sei bem fadada
Como sei que és pecadora
As mulheres são a meu ver
Moeda de duas faces
Que de mão em mão caminha
E como sei que és mulher
Tive pena que jurasses
Pois podes ficar ceguinha
LISBOA BERÇO DO FADO
Lisboa berço do fado
Dos boémios e artistas
E dos recantos bairristas
Que nos falam do passado
Dos meus tempos de menino
Das procissões a passar
Das guitarras a trinar
O fado que é meu destino
Lisboa
Tu és por tudo e por nada
Uma menina prendada
O ai Jesus dos fadistas
Lisboa
Orgulhosa do passado
Vai a uma espera de gado
Canta o fado e dá nas vistas
Lisboa namoradeira
Garrida cheia de cor
Tens a mais linda trapeira
Onde mora o meu amor
E p’ra dar luz à viela
Já depois do arrebol
A luz fica de vela
Enquanto não chega o sol
BALÃOZNHO
Para deitar um balão
Acendi uma fogueira, Na noite de S. João
Lá na minha parvalheira
Mas logo a pequena altura
Tal balãozinho ardeu
Fiquei cheio de penura, Vendo o que aconteceu.
Mas fui logo teimar
A deitar outro balão
Mas foi tamanho o azar, Que se queimou logo no chão.
E se teceiro deitar, Vou ter a maior cautela Posso nas mãos apanhar Uma grande queimadela.
Subiu, subiu, subiu, No ar o balãozinho, (BIS)
E logo que partiu Ficou todo queimadinho
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MARIA TOMA CUIDADO
Maria toma cuidado
Vê como pisas o chão
Se dás um passo mal dado
Pisas o meu coração
O capricho e a maldade
São a sombra do pecado
Não brinques com a mocidade
Maria toma cuidado
Caminha de fronte erguida
Com aprumo e direcção
Na grande estrada da vida
Vê como pisas o chão
A maldade e o fatalismo
Seguem-te p’ra todo o lado
Podes cair no abismo
Se dás um passo mal dado
Podes sofrer um percalço
E com ele a decepção
Se dás um passo em falso
Pisas o meu coração
MINHA MÃE
Tem tanta ruga no rosto
Minha mãe que o pranto enxuga
Cada lágrima um desgosto Cada desgosto um ruga
Vergada ao peso do tempo
Caminha a esmo, sem gosto
A traduzir sofrimento
Tem tanta ruga no rosto
Tem a vida quase gasta
Na crença que a subjuga
P’los seus filhinhos se arrasta
Minha mãe que o pranto enxuga
Ora chorando, ora rindo
Desde manhã ao Sol-posto
As lágrimas vão caindo
Cada lágrima um desgosto
Mão delicada ao de leve Lágrimas do rosto enxuga
O tempo passa e descreve
Cada desgosto uma ruga
MORENA DAS TRANÇAS PRETAS
Morena das tranças pretas
Tuas tranças sem favor
Foram p’ra mim as grilhetas
Que me prenderam d’amor
Por elas quanto sofri
Morena não acreditas
E juro que nunca vi
Umas tranças tão bonitas
Morena das tranças pretas
Tenho saudade das tuas tranças
Duas pequenas lembranças
Da risonha mocidade
Sempre que o vento embalava
Tuas tranças inquietas
Morena das tranças pretas
Era assim que eu te chamava.
Sinto uma tristeza infinda
De não ver ao vento brando
Na tua cabeça linda
As tranças pretas bailando
Era lindo o teu cabelo
Encanto d’alto valor
Agora faz pena vê-lo
Sem tranças e d’outra cor
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MOLEIRA DE SANTO ESTEVÃO
Moleira de Santo Estevão
De olhar meigo e gracioso
Branquinha como o arminho
Não há pincéis que escrevam
O quadro maravilhoso
Contigo junto ao moinho
Quando ela passa singela
Envolvida de farinha
Logo no meu pensamento
Faz lembrar uma donzela
Saindo da capelinha
No dia do casamento
Quando passa junto ao adro
Tão pura tão sedutora
Conduzindo o seu burrito
Faz-me recordar o quadro
Da Virgem Nossa Senhora
Na fuga para o Egipto
SENHORA DAS DORES
Nossa Senhora das Dores
Tem sete espadas no peito
Sete letras tem saudade Que ferem do mesmo jeito
Em frente do Teu altar
Rodeado de flores
Com devoção vou rezar Nossa Senhora das Dores
O sagrado monumento
De humildade e respeito
A traduzir sofrimento
Tem sete espadas no peito
Quando a Virgem contemplei
Com fervor e magnidade
Ao mesmo tempo pensei
Sete letras tem saudade
Quando as saudades se abrigam Num desventurado peito São como espadas, castigam Que ferem do mesmo jeito
SOL DA MOURARIA
Esta Lisboa fadista
Anda triste quem diria
Por saber que a Mouraria
Até mesmo a tradição
Vai morrendo dia a dia
Lisboa do coração
Por favor não digas não
Um adeus à Mouraria
Mouraria
Tuas vielas estreitinhas
São recordações velhinhas
Onde o fado teve abrigo
Mouraria
Se as tuas pedras falassem
Talvez que a chorar contassem
Coisas que a cantar não digo
Mouraria das vielas
E dos beijos ao luar
Aonde à luz das estrelas
Fadistas iam cantar
E já se diz no entanto
Que nesse bairro sombrio
A luz não brilha tanto
E até o Sol quando passa
O seu calor tem mais frio
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Há alguns anos atrás estava eu com o Carlos Zel, grande, marcante e saudoso Fadista, que ia, naquela altura, editar um novo disco.
Perguntei-lhe: -Tens temas inéditos? Quais são os clássicos? É Fado, Fado? Tás contente com o resultado?
Ele respondeu: -Vou dar o disco ao Manel pra ele ouvir e se ele gostar, não quero saber de mais nada e tá ganho!
Esta história vem-me á cabeça como definição daquilo que nós sentimos acerca do Manuel de Almeida. Vinda de onde vem, fala por si.
Uma amiga minha, cantora, decidiu, para melhorar e aprofundar a sua relação com a Música, ir receber aulas de canto de uma professora, interprete de grande classe e renome, da área da Música Clássica.
Em dada altura pediu à Maestrina se lhe poderia sugerir alguns nomes de cantores/as para ela ouvir com atenção e dessa maneira complementar o seu estudo musical.
Sugeriu-lhe ela vários intérpretes da clássica e para espanto da minha amiga disse: - Há um Fadista chamado Manuel de Almeida que eu recomendo a todos os meus estudantes, pois é um intérprete e cantor extraordinário!
É também esta história que nos indica a riqueza do Manuel de Almeida.
É ele uma combinação da procura incessante da verdade na interpretação da letra e da emoção contida no seu Fado com uma Voz que Deus lhe deu, que é aclamada por uma grande professora do canto clássico e por inúmeros amantes da grande Música.
Chamamos-lhe, entre nós, o Presidente e o nome ficou e diz tudo.
Tive a alegria de muito conviver com ele e colaborar em dois dos seus discos mais recentes.
É uma inspiração fortíssima e constante na nossa Música. Um gigante do nosso Fado.
Que seja por Deus sempre abençoado
Rão Kyao Músico / Compositor Lisboa, 2016
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Placa oferecida por Rão Kyao 16.º Aniversário Ausente 27 de Abril de 2011.
Além de autor, Manuel de Almeida era igualmente um bem sucedido compositor para o Fado. Para ele não foi necessário saber escrever música. Ele sentia-a e transmitia-a no seu “estilo”. A melodia cingia-se ao que se chama “estilar”. Hoje pouca gente sabe esta técnica auto-didacta!
“Voltar a trás” – letra de Manuela de Freitas e música de Manuel de Almeida
“São Horas” – letra de Artur Ribeiro e música de Manuel de Almeida
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QUERO CANTAR
O fado tenho cantado
No meu estilo verdadeiro
A ele me tenho dado
E entregue de corpo inteiro
Com a esp’rança prometida
Fiz do fado com prazer
O jeito de estar na vida
Enquanto vida tiver
Quero cantar
Recordando sonhos meus
E de mim só peço a Deus
Que o fado nunca se queixe
Quero cantar
Quero cantar livremente
Ao meu povo à minha gente
Até que a voz me deixe
Quando um dia se calar
Para sempre a minha voz
A guitarra há-de lembrar
O amor que houve entre nós
Vergado ao peso da culpa
Se culpa houver Meu Senhor
Ao fado peço desculpa
Por não ter feito melhor
MINEIROS
Entre os filhos do povo que labutam
Os mineiros rescendem valentia
São nobres, muito nobres, porque lutam
Na conquista do pão de cada dia Nas cavernosas minas, na penumbra, Fugindo ao Mundo, à Vida e à claridade
É lá que arranca o oiro que deslumbra, A sedução da pobre Humanidade
Mineiros
Que nessas lutas insanas
Sois, as toupeiras humanas
O trabalho vos domina
Mineiros
Gente rude, braço forte
Que nunca temeis a morte
Nas profundezas da mina
Trabalhar, ter um lar, esposa e filhos
Eis a nobre divisa do mineiro
Audaz batalhador de rudes trilhos
Dum ‘sforço omnipotente e altaneiro
Vossas mãos calejadas do tormento
De quem moureja pão e agasalho
Vós sois, a legião do sofrimento, Os operários forçados do trabalho
NÃO CHORES
Eu não te quero ver chorar
Mas em teu peito, a alma anda abalada Não posso ouvir, assim teu soluçar, Esse sofrer, vivendo abandonada Um dia, tudo acabará.
Toda a tristeza que em ti se escondia Teu coração, não mais lamentará Teu sonho chegará Vivendo essa alegria.
Eu não te quero ver chorar, Pois sinto em mim, a mesma tua dor Teu coração, alegre irá ficar, Vivendo enfim, no seu esplendor, E agora, esse teu viver
Que tu julgaste para sempre perdido
Irá de novo, em ti feliz nascer, Para mais feliz viver, Com esse amor querido
Não chores não, Essa tua sorte
Gozarás feliz então, Num amor inda mais forte
Não chores não
Findou toda a tua dor
Pois que no teu coração
Vive de novo o amor
“As Nossas Vidas” – letra de Artur Ribeiro e música de Manuel de Almeida
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“Tempo que não Vivi” – música e letra de Manuel de Almeida.
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“Preciso de Ti” – música e letra de Manuel de Almeida.
COMO SE CANTAVA D’ANTES
Fadistas venham comigo
Numa enfeitada carroça
Recordar o tempo antigo
Porque a noite vai ser nossa,
Numa tasca decorada
De palmeiras verdejantes, Cantamos à desgarrada Como se cantava dantes
Fadistas de Alfama e da Madragoa
Fadistas doutros bairros de Lisboa
Venham comigo p’ra farra
Até ao romper do dia
Cantar ao som da guitarra
O fado da mouraria
E numa adega enfeitada
De castiça tradição
Haverá sardinha assada
Pimentos e carrascão
Depois vamos de abalada
Num passeio original
Numa alegre burricada
De Cacilhas ao Pragal
Fadistas de Alfama e da Madragoa
Fadistas doutros bairros de Lisboa
Depois de tanta verdade
Nestas coisas que não vi
Eu chego a sentir saudade
Dos tempos que não vivi
PRECISO DE TI
Preciso de de ti
P’ra afastar a solidão
Das minhas noites vazias
Preciso de ti
P’ra sacudir a pressão
Que prende os meus longos dias
Preciso de ti
P’ra viver na certeza
Que o Mundo não me esqueceu
Preciso de ti
P’ra correr com a tristeza
Que a tua ausência me deu
Preciso de ti
P’ra que o Sol brilhe mais
Nas minhas horas sem luz
Preciso de ti
Porque sem ti é de mais
O peso da minha cruz
Preciso de ti
P’ra voltar à realidade
E chorar os meus fracassos
Preciso de ti
P’ra correr com a saudade
Que anda a seguir os meus passos
O TEMPO QUE NÃO VIVI
No domingo passei com uns amigos
A tarde numa adega de Caneças
Motivo p’ra lembrar tempos antigos
De farras com cantigas e promessas
Falámos entre dois copos de vinho
Das tardes no Gingão e no Sisudo
Das noitadas de fado no Charquinho
E na dança da Bica no Entrudo
Baile dos Quintalinhos tão cantado
As festas d’Atalaia e das Mercês
Bons tempos quando o fado era mais fado
E o amor mais amor mais Português
Destas coisas que o povo consagrou
Que apenas pela história conheci
Chego a sentir fadista como sou
Saudades dos tempos que não vivi
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ANDO Á PROCURA DE MIM
Ando à procura de mim, Que eu sou outro, bem o sei Fui ao fim dum sonho lindo, E nem assim me encontrei…
Percorri sítios antigos, Por onde me perdi já…
Encontrei velhos amigos, E só eu não estava lá.
Eu era bom, que eu sei, Puro e leal Mas desde que te encontrei, Mudei, foi o meu mal. Hoje desiludido, Triste será meu fim. Ando por aí vencido, Perdido, Nem sei de mim.
Fui passar naquela rua Onde era nosso costume, Alta noite, à luz da Lua, Trocamos beijos de lume!
Procurei por toda a parte, E vi então que talvez, Só conseguindo encontrar-te, Me encontrarei outra vez!
ADEUS COIMBRA
Coimbra, nome sagrado Coimbra terra querida Mas nunca por mim ‘squecida. Terra de lindas tricanas, Estudantes e doutores, Em teu choupal te ufanas, Nas conquistas dos amores!
Não posso mais esquecer-te Coimbra! Sempre adorada. Hei-de sempre reviver-te. Ao som duma guitarrada. Coimbra! Quanta saudade, Sinto por ti ao partir Meus dias de mocidade Que vão sem tornar a vir.
Adeus Coimbra, Adeus Mondego, Adeus escolas Da mocidade, Adeus tricanas Vosso amor foi meu enlevo, Adeus Choupal, Adeus Penedo da Saudade!
AQUELA MÃO
Aquela mão carcomida
Que tu vês enegrecida
Pedindo esmola a quem passa
É descendente de nobres
Já fez bem a muitos pobres
E acarinhou a desgraça
Com luxuosos castelos
Teve os palácios mais belos
Da vida tudo gozou
Teve joias e brazões
Possuiu oiro aos montões
E tudo o vento levou.
Hoje passa despercebida
Aquela mão carcomida
Sem encontrar um amigo
Na crença que desconforta
Vagueia de porta em porta
Pedindo pão e guarida
Hoje é pranto que se solta
Nessa mão enegrecida Que até já tenho pensado Que o Mundo dá tanta volta
E ninguém sabe na vida
P’rá ‘quilo que está guardado
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LÁ VEM ELA RUA FORA
Noite d’inverno arrefece
Cai a chuva na viela
O vento passa sem p’rigo
No silêncio que adormece
Lá vem uma sombra d’ela
Lá vem ela ter comigo
O seu mal não tem perdão
Gostei dela mas agora
Tenho-lhe tédio a valer
Perdida na escuridão
Lá vem ela rua fora
Perdida como qualquer
Vem de cabeça pendida
E de joelhos dobrados
Procurando um peito amigo
Arrastando a cruz da vida
No calvário de pecados
Anda a cumprir o castigo
Tem a vida quase gasta
Jesus perdoa-lhe agora
Já chega tanto sofrer
Para castigo já basta
Do mal que me fez outrora
Por não saber ser mulher
AS POMBINHAS
Oh! minhas lindas pombinhas, Que tanto voais no espaço, Batendo as vossas asinhas, Sem nunca mostrares cansado, Oh! Quem me dera um dia, Esse espaço atravessar Pombinhas… sempre diria; Eu quero, convosco voar!
Por esse Mundo voando, Essa grande imensidade
E tantas vezes deixando Aos nosso olhos saudades, Se vós pudésseis ouvir, Falar o coração meu, Pombinhas! … quero subir Convosco, voando p’ró céu.
Voai, voai
Sempre voando, Voai, voai
Nunca parando. Voai voai
Oh! Cordeirinhas, Voai voai,
BEM JUNTINHO AO TEU OUVIDO
Não adivinhas, Maria
Nem podes valha-te Deus
As coisas que eu e diria
Se fosse um brinco dos teus
Bem juntinho ao teu ouvido
Sempre a bailar com fervor
Que lindas trovas de amor
Te cantava enternecido!
E, depois de amor vencido
Rendido aos encantos teus
Contava-te os sonhos meus
Que tu, por estranha ironia
Não adivinhas Maria
Nem podes, valha-te Deus!
Contava-te que essa boca
Que não se deixa beijar
Traz minha alma a palpitar
Dentro de mim, perdida e louca
E que um beijo, coisa pouca
Era tal bênção dos Céus
E, cobrindo o amor de véus
Da mais linda fantasia
As coisas que eu te diria
Se fosse um brinco dos teus!
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78
“Não Negues a tua Mão” – música e letra de Manuel de Almeida.
NÃO NEGUES A TUA MÃO
Não negues a tua mão
Não negues o teu amor
Vê em todos um irmão
Sem olhar à sua cor
Cansado de não ser gente
E de batalhas perdidas
Minha voz andou ausente
De palavras prometidas
Minha longa madrugada
Meu silêncio de morrer
Minha feliz alvorada
Meu direito de viver
FOI UM BEM CONHECER-TE
Foi pouca sorte encontrar-te
Mas foi um bem conhecer-te
O que perdi em achar-te Ganhei depois em perder-te
Como vês não estou mudado Nem descrente, nem vencido Nem sequer surpreendido Dum sonho mal acabado
Apenas estou conformado Conformado de perder-te Por isso quero esquecer-te E ao mesmo tempo lembrar-te
Foi pouca sorte encontrar-te Mas foi um bem conhecer-te
Se é Deus quem manda, afinal, Dando almas irmãs à gente Nossas almas certamente Não eram o par ideal Portanto, ponto final. Mas olha quero dizer-te Sem pretender defender-te Defender-te ou criticar-te O que perdi em achar-te Ganhei depois em perder-te
Recordando o que passei Fico a pensar sem saber Porque foi que te encontrei Se tinha que te perder
CAÇA
Com tantas peles trajada
Donde virás tu meu bem
Ou vens d’alguma caçada
Ou ‘stás p´ra caçar alguém
Duas vidas se consomem Por essas peles, que graça O homem anda na caça
Tu andas na caça do homem
Essa raposa que era
Uma fera destemida
Hoje, depois de curtida
Anda a cobrir outra fera
Os teus olhos tentadores
São duas balas certeiras
Apontados às carteiras
D’ infelizes caçadores
És mais baixa do que a relva Que tu pisas com vaidade
Mas tu fera da cidade
És mais fera que as da selva
Já vai longe a madrugada
E eu fico a pensar, porém
Que vens d’alguma caçada Ou ‘stás p’ra caçar alguém
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JOÃO NINGUÉM
Operários que formais o Mundo novo
Arautos defensores duma nação
As raízes do povo, que p’ lo povo, São escravos do dever e da razão
Ergueste com amor e dignidade
As cidades, aldeias, catedrais
Construiste com fé e humildade
Escolas, monumentos, hospitais
Com devoção
Caminhas de fronte erguida
Na grande ‘strada da vida
Em busca de luz e pão
E podes crer
Ó mensageiro do bem
Tu és um João Ninguém
Que se arrasta p´ra viver
Teus braços são
Alavancas que produzem
E que na vida traduzem
Progresso, Civilização
Diariamente
E apenas porque trabalhas
Tuas mãos têm medalhas
Que guardas avaramente
Levantaste bem alto o Mundo inteiro
Defendeste com alma a pátria amada
És grande ó meu errante caminheiro
És grande podes crer e não és nada
Neste Mundo perverso, falso e louco
Mantens por tradição esta divisa:
- De trabalhar bastante e ganhar pouco
Enfim… quem mais trabalha mais precisa
JANELA DA VIDA
Da janela da vida eu debrucei-me um dia A ver passar na rua a grande multidão Fiquei surpreendido de tanta fantasia Passar p’la minha vista em denso turbilhão
Uma figura passa, uma linda mulher Tem dois filhos, é mãe, é esposa, tem ventura Sendo mãe e casada gostava de saber Com que intuito ela encobre o rosto de pintura
Agora um pobre passa ‘stendendo a negra mão Pede esmola , talvez mas ninguém a concede Quem sabe se já foi rico de coração No entanto enxovalhos é tudo o que recebe
Agora o nobre espada o matador de toiros Que ganha rios de oiro apenas por matar Que desce ao meio da arena na conquista de loiros Só por ter a mestria dum toiro dominar.
Agora surge, dum doido num louco gargalhar Que apontando para mim gritava furibundo Fecha-me essa janela não queiras ver passar P’las ruas d’amargura a podridão do Mundo
Ao vê-lo sofrer tanto, rindo p’ra não chorar Meti-me para dentro ao som da sua voz
Eu, fechei a janela, mas fiquei a pensar Que o doido não é ele, os doidos somos nós
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DUAS CRUZES
Senhor dos Passos da Graça
Tua cruz já carcomida
Sendo pesada é mais leve
Que a cruz que arrasto na vida
Tua cruz sem artifício
A traduzir-nos desgraça
Mostra bem teu sacrifício
Senhor dos Passos da Graça
Vergada ao peso da idade
Pelo tempo envelhecida
Encerra tanta humildade
Tua cruz já carcomida
E como o ódio profundo
O Mundo jamais deteve
Comparada à cruz do Mundo
Sendo pesada é mais leve
Quando o Calvário descreve
Tua cruz enegrecida
Reparei, que era mais leve
Que a cruz que arrasto na vida
NOITES PERDIDAS
Anda amigo vem comigo Esquecer um pouco a vida Anda ver o grande p’rigo Que há numa noite perdida
Fortunas num só minuto Anda ver como se perde Como um homem se faz bruto Na mesa do pano verde
No mundo mesquinho e torpe
Na penumbra dos cafés Crianças vendendo o corpo Nos bailes e cabarés
Anda ver pelo caminho Como aprendes a esquecer
A traição duma mulher
Num simples copo de vinho
Crianças esfarrapadas Perdidas na escuridão Dormitando p’las escadas Sem luz, sem lar, e sem pão
E num curto itinerário Verás no palco da vida
O infamante cenário Que há numa noite perdida
TU NÃO TE LEMBRAS
Tu não te lembras
Das juras que me fizeste
Das esp’ranças que me deste
E das promessas sem fim
Tu não te lembras
Daquele amor tão antigo
E p’ra meu maior castigo
Já não te lembras de mim
Tu não te lembras
E ainda bem que esqueceste
Todo o mal que me fizeste
Em troca do bem que fiz
Tu não te lembras
Que essas ilusões perdidas
Já foram arrefecidas
P’lo muito que te quis
Tu não te lembras
Duns beijos que tinham lume
Envolvidos em ciúme
Decerto já te esqueceste
Tu não te lembras
Daquelas horas felizes
Essas horas que tu dizes
E afirmas que não viveste
Tu não te lembras
E ainda bem que esqueceste
Todo o mal que me fizeste
Numa paixão que findou
81
82
Reconhece-se Amália Rodrigues.
NÃO TE ESQUEÇAS DE MIM
Na hora da tua partida, Deixa-me soltar os meus ais, Eu sempre serei tua amiga
E não te esquecerei jamais. Deus que é grande e é bondoso
Ao meu coração já diz:
Será ele o teu esposo, E sempre serás mui feliz.
Eu quero que o meu coração, Vá muito unido ao teu;
Que eu fico em perene oração, De mãos erguidas ao céu, Contigo vai minha saudade, A triste flor do meu jardim, Crê na minha lealdade
Mas não te esqueças de mim!
Refrão
Enquanto só Esperarei.
Pois só a ti amarei, Meu doce bem, Minha paixão, Será teu, meu coração!
Sozinha te deixo ficar, Sem ti sou forçado a partir, Mas quando um dia voltar, A ti eu me quero unir.
Eu levo-te no pensamento Oh! minha imagem querida, Não te esqueço um só momento
Em ti penso toda a vida
A isso eu sou obrigado, De ti não me posso esquecer
De em breve te ter a meu lad
Será p’ra mim grande alegria, Quando à minha pátria voltar, Aguardo ansioso o dia, De te poder abraçar.
Refrão
Serás só minha
Até morrer, Quero contigo viver; Minh’alma querida
P’ra ti serei, Pois eu por ti morrerei!
ATÉ SEMPRE
Quando chegar a hora da partida Ordenada por Deus omnipotente Quando os anjos cantarem nova vida O meu fado talvez seja diferente
E quando for a festa do meu dia No Mundo imaginário que sonheia Quero beber o vinho d’alegria E abraçar os amigos que encontrei
Suspenso no meu fado, nem reparo No tempo de marcar a minha vez Quero morder o pão que me foi raro Nesta minha passagem com vocês
E quando for a noite do meu fado Fado que me foi dado de raiz Quero cantar até ficar cansado Uma canção de amor ao meu país
BAIRRO ALTO
Música de Adelino dos Santos
Meu Bairro alto
Apontamento do fado
Onde não falto
P’ra te cantar o passado
Casas velhinhas
De janelinhas bizarras
Ruas estreitinhas
Onde passeiam guitarras
Meu Bairro Alto
Das tradicionais tipóias
Dos fidalgos das rambóias
Dos boémios do passado
Meu Bairro Alto
Recanto de tradições
Que prendes os corações
Na voz dolente dum fado
À luz da Lua
Há sardinheiras bailando
De rua em rua
Passam fadista cantando
Duas vielas
Onde o fado se abriga
São aguarelas
Da nossa Lisboa antiga
83
CAMPINO DO RIBATEJO
Campino do Ribatejo
Sempre firme na montada
Alegre como te vejo
Bem conduzindo a manada
Manejando a tua vara
A saúde te sorri
Não sabes voltar a cara
Se um toiro investe p’ra ti
Alegre te vejo
P’ los campos do Ribatejo
Num boi montado
Cavalgando atrás do gado
Dominas bem os pampilhos
Jogas o pau, és castiço
Tratas por tu os novilhos
Nasceram-te os dentes nisso
Com altivez e ligeiro
Alegre, desempenado
És o Ribatejo inteiro
Num fandango bem dançado
NÃO PEÇO A DEUS MELHOR SORTE
Não peço a Deus melhor sorte
Que ouvir as minhas cantigas
Na hora da minha morte
Nos lábios das raparigas
Para justo cumprimento
Do que penso eternamente
Declaro solenemente
Que é este o meu testamento
Eu não quero monumento
Mas que um coval me conforte
Ao pé do lobo mais forte
Que haja no topo da serra
E se for na minha terra
Não peço a Deus melhor sorte
E tu mulher só desejo
Que não perturbes meu sono
Só quero o teu abandono
Dado o teu último beijo
E alegre como te vejo
Te veja sempre de sorte
Que tendo sido o meu Norte
Na luta do dia a dia
Sejas a minha alegria
Na hora da minha morte
NAZARÉ
Amigo se tu fores um dia à Nazaré
Esse belo cenário digno d’admirar Verás com devoção vencida pela Fé
A grandeza do homem em luta com o mar.
Heróis do sacrifício, soldados do dever
Que sabem definir hombridade e razão
Os bravos guerrilheiros que até sabem morrer, Na mais rude batalha p’ la conquista do pão
Nazaré, és berço de pescadores
Homens que sabem lutar
D´ alma rude e braço forte
Nazaré, palco de tantos horrores
Onde os lobos do mar
Desafiam a morte
Sabes quem é amigo que a rir ou a cantar
Se expõe aos vendavais numa luta rasgada
São eles, somente eles os gigantes do mar
São grandes, podes crer e afinal são nada
As rugas tatuadas do esforço fecundo
E os calos que orgulhosos ostentam com provento São deles as medalhas que traduzem ao Mundo Audácia, valentia, arrojo e sofrimento
84
Manuel de Almeida com Raúl Nery e Joel Pina
OLÁ FADISTAS
Vamos fadistas
Alugar uma tipóia
E abalamos p’ra ramboia
Em camaradagem franca sem dar nas vistas
Saímos do Bairro Alto
Para Carriche e num salto
Iremos a Vila Franca
E hão-de notar, como consigo
Em recordar o tempo antigo
Olá fadistas
Ponham fitas nas guitarras
Vistam de novo as samarras
Como se fez no passado
Olá fadistas
Revivam-se as horas- mortas
Vamos p’ra fora de portas
Cantar e bater o fado
Vamos cantar
O velho fado corrido
Bem gingado bem batido
Numa taberna bairrista
E recordar
Esse brilhante passado
Tempo em que o fado era fado
E o fadista mais fadista
Que o fado é divino altar
Onde os fadistas vão rezar
TRISTE CENÁRIO
A pobre a doentinha
Tem os pulmões desfeitos
Leva as noites a tossir
Ó morte tem compaixão
Sossega-lhe o coração
Deixa a doente dormir
Uma mesa, pouca luz,
Uma cama enxovalhada
Mais ao centro uma mesinha
Na parede o Bom Jesus
E num bercito deitada
A pobre da doentinha
Foi-se a Fé, também a crença
Da medicina o conceitos
Nada podem conseguir
É triste sua doença
Tem os pulmões desfeitos
Leva as noites a tossir
E aquela pobre inocente
Paga com a vida, o inclemente
Crime que não tem perdão
E a pôr fim á negra sorte
Resta-lhe apenas a morte
Ó morte tem compaixão
Junto ao berço da criança
A pobre mãe não descansa
Seu doloroso carpir,
Pede a Deus com devoção, Sossega-lhe o coração
Deixa a doente dormir
PARIS
Rompe o Sol, Paris desperta Surgem no Céu aviões Riscando traços funérios
E as sereias do alerta
Avisam as multidões
Contra os ataques aéreos
Manhã cedo, cai a neve O vento sopra ao de leve
Em Paris, a cidade aberta
E o turbilhão d’operários Seguem os seus itinerários
Rompe o Sol, Paris desperta
Paris, cidade da luz
Em vez de lindas canções
Há gritos, prantos, mistérios, E numa ofensa a Jesus
Surgem no Céu aviões Riscando traços funérios
Aproxima-se combate, Hora de p’rigo, hora incerta
Alarme… nos corações
Tocam sinos a rebate
E as sereias do alerta
Avisam as multidões
Após as rudes matanças
Das luta co’os inimigos, As ruas são cemitérios
Homens, mulheres e crianças, Recolhem-se nos abrigos Contra os ataques-aéreos
85
EU FADISTA ME CONFESSO
Eu fadista me confesso
P’ra cantar à minha gente
A canção do meu país
Desta forma reconheço
O jeito de estar presente
No meu fado de raiz
E ao passar os olhos meus
P’lo distante amanhecer
Do tempo da minha vez
Quero agradecer a Deus
O ter-me dado nascer
P’ró fado e ser português
Obrigado
P’los amigos que encontrei
P’las mulheres que beijei
Nas minhas noites d’amor
Obrigado
Por essas palmas amigas
Entre copos e cantigas
Obrigado meu Senhor
COM CONTA PESO E MEDIDA
Todo o vinho que se bebe nas adegas
Com conta peso e medida
É um bem que se recebe
São achegas
A dar vida à própria vida
Seja velho seja novo
É um bem que não dispenso
O vinho é sangue do povo
Desse povo a que pertenço
Vamos saudar
Com vinho vida
E numa pipa esgotar
O cantar na despedida
E não me espanta
Esta verdade
Pois quando canta
Também canta felicidade
Tristezas e alegrias, quem diria Dá o vinho é bem de ver
Esta vida são dois dias
E um foi feito para beber
E julgo não ser pecado
Entre amigos, num grupinho
Um fadinho bem cantado
Entre dois copos de vinho
86
“Eu Fadista me Confesso” – letra de Manuel de Almeida e música de Rão Kyao
“Com Conta Peso e Medida” – música e letra de Manuel de Almeida
87
VARINA DE OLHAR GAIATO
I
Varina de olhar gaiato
Insinuante varina
Tu és o vivo retrato
Desta Lisboa traquina II
Dessa gente humilde e sã
Do meu bairro sonhador
Tu és o despertador
Ao despertar da manhã
Risonha, alegre e louçã
Sempre picante no trato
Há lá viela ou recato
Que o teu pregão não aqueça
Que esse olhar não endoideça
Varina de olhar gaiato III
Quem é? Quem é? Que advinha
Quantos segredos de amor
Tu ocultas com fervor
Dentro dessa canastrinha
Lamento por sorte minha
Ser tão pobre por má sina
Senão dava-te ladina
Se possuísse um tesoiro
Uma canastrinha d’oiro
Insinuante varina
Se à espera duma traineira
Tu apareces na lota
Lembras alegre gaivota
A volejar na Ribeira
Não olhes dessa maneira
Que apesar de eu ser sensato
Fazes-me perder o tacto
E um dia não sei que faça
Dos mil encantos da raça
Tu és o vivo retrato
Falte embora a luz da Lua
Deixe o Sol de brilhar
Mas não deixes de passar
Um só dia à minha rua
Pois somente a graça tua
Mais do que o Sol ilumina
Minha rua pequenina
Onde levas a voz fresca
Toda a graça pitoresca
Desta Lisboa traquina
TRISTE SEM TE VER
Eu ando sempre triste sem te ver Meu peito vive em eterna escuridão, Mas ver-te sinto em mim um tal prazer, Que me enche de alegria o coração.
Pois penso só em ti todo o momento, Só tu, és para ti a imagem querida, Aquela que me dá todo o alento, Aquela que me alegra toda a vida.
Sim! Só tu és minha alegria, Sim! Só tu és o meu viver Sim! Em ti penso noite e dia, Sim! Junto a ti não há sofrer.
Ao ver-te já não tenho mais tristeza, Só tu és para mim meu bem estar; Vivendo o nosso amor nessa certeza, De junto à tua imagem me encontrar.
E assim meu coração não é mais triste, Ao ver a linda luz do teu olhar; Por isso meu coração não resiste, De a ti e só a ti eu sempre amar.
IV
V
88
VIRA DE PORTUGAL
O vira, vira no mundo, ó-ai
O vira nunca aborrece, O desgosto mais profundo, ó-ai, Ao som do vira esquece.
Faz esquecer as fadigas, ó-ai, A quem gosta de virar; As suas lindas cantigas, ó-ai, Nem tristezas faz vibrar.
O vira com seus descantes, ó-ai Alegria só encerra; Mesmo em terras distantes, ó-ai, Faz lembrar a nossa terra.
Ó vira só tu encantas, ó-ai, O vira não tem rival; Ó vira tu só levantas, ó-ai, O nome de Portugal!
ESTRIBILHO
Ó vira, ó vira O vira é assim, Eu viro p’ra ti Tu viras p’ra mim!
ORAÇÕES DE AMOR
As orações que aprendi Troquei-as por beijos teus Quem for beijado por ti Até se esquece de Deus
Com devoção e fervor Em frente ao altar de Deus As minhas juras de amor Troquei-as por beijos teus
Do teu amor e encanto Só agora compreendi, E nunca pode ser santo Quem for beijado por ti
Todo aquele que beijar Com fervor os lábios teus Decerto tem que pecar, Até se esquece de Deus
QUADRAS SOLTAS
Quero dizer muitas vezes
Às almas aficionadas
Enquanto houver portugueses Há-de haver fado e toiradas
Por muito que se disser O fado é canção bairrista Não é fadista quem quer Mas sim quem nasceu fadista
Se um dia o Sol se apagar No infinito dos céus Quero a luz do teu olhar
E o calor dos lábios teus
89
90
FADO RONDA
Fado dizes, fado escreves Fado sentes fado cantas Todas as penas são leves Quando voam das gargantas
Quando da noite perdida
Tens a Aurora conquistada Ganhas o Norte da vida
E a estrela da madrugada
Fado dizem que é tristeza, Eu digo que é liberdade Só tenho uma realeza
A de cantar a verdade
E ter a funda certeza
De viver com a luz do Sol De ter uma Lua presa Nas dobras do meu lençol
E na noite prolongada P’la saudade sentida, Ver a vida ser mudada Ver a morte ser vencida
MEU ROSTO
Meu rosto como tu ‘stás
Velhinho e desfigurado
És a sombra do passado
Dos teus tempos de rapaz
Ao ver-me ao ‘spelho, notei
No meu rosto macilento
A traduzir sofrimento
Das loucuras que enfrentei
Bem dizia a minha mãe
Tem cuidado meu rapaz, De voltar ao tempo atrás
Tento fazer um esforço
Confesso sinto remorso.
Meu rosto como tu ‘stás
As mulheres essas serpentes
Beijavam-te com arrojo
Hoje julgo terem nojo
Não se mostram sorridentes
E afirmam por entre os dentes
Que és um louco um desgraçado
Hoje que estás acabado
Já sentem por ti revez
Ou é por verem talvez
Velhinho e desfigurado
Caíste duma altitude
Donde ninguém quer cair
Tudo enfim viste fugir
O dinheiro, a juventude
Até a própria saúde
Te deixou abandonado
És um caso liquidado
Que do vento anda à mercê
Quem te viu e quem te vê
És a sombra do passado
Os amigos, esses tais, Que amigos teus se disseram
Bem depressa se ‘squeceram
Dos teus conceitos leais
Foram falsos, desleais
Já não sabem onde ‘stás
Foste sempre pertinaz
Conselhos, nunca quiseste
Lastimo o mal que fizeste
Nos teus tempos de rapaz
91
CANTARES DA VILARINHA
Vilarinha, Vilarinha, Tu és a nossa paixão
Andas sempre metidinha, Cá no nosso coração
Estás rodeada de campos, Todos cheios de verdura, Assim mostras teus encantos, E as moças, a formosura.
P’ra ti vai nosso respeito
Tens em nós bons amiguinhos, Grava bem dentro em teu peito O grupo dos Bigodinhos.
Vilarinha quem te deu
Esse teu nome imortal
Inda não apareceu
Mais lindo em Portugal
POR TE QUERER TANTO
Música: José Lopes
Quero tanto aos olhos teus como o céu quer ás estrelas adoro essas feições belas como o crente adora deus
Desde a hora em que te vi m’ alma anda presa á tua como eu ando atrás de ti anda o sol atrás da lua
Se um dia o sol se apagar no infinito dos céus quero a luz do teu olhar e o calor dos lábios teus
Por te querer tanto afinal ando a triste a perguntar como é possível gostar de quem nos faz tanto mal
FADO E TOIROS
Quanta beleza emotiva
Há numa espera de gado
Tipoias em roda viva Fadistas cantando o fado
Tudo é fogo tudo brilha
Na praça tudo se solta
E até brilha a bandarilha Colocada à meia volta
Retintos e bem armados
Da manada do Paulino
Domingo serão lidados
Dois toiros de sangue finos
Já aprendi a maneira
De cravar com arte e brilho
Um ferro, ali à estribeira
Mesmo na cruz do murrilho
Se anda algum toiro fugido
Pode vir quando quiser
Custa-me mais ser colhido
P’los olhos dum mulher
92
FADO ANTIGO (Velho Fado Corrido)
Música: Martinho D’ Assunção (pai)
Meu velho Fado Corrido Logo havia um cantador, Se foste dos mais bairristas Dando um tom de certo perigo, Porque te mostras esquecido Provocava o inimigo
Na garganta dos fadistas Num cantar à desgarrada Até às vezes com “lambada”
Explicou-me um velho amigo Tinha graça o Fado antigo Como o Fado era tratado
Tinha graça, o Fado antigo Pouco tempo decorrido
Da forma que era cantado
Cheia a taberna se via P’ra escutar a cantoria
Um ramo de loiro à porta Ao som do fado corrido
Indicava uma taberna
À noite era uma lanterna
Todos prestavam sentido
Com sua luz quase morta Quando alguém cantava o Fado, O tocar era arrastado Como ao Fado tudo “importa”
O estilo dava a garganta
Foi sempre a taberna abrigo E hoje pouco gente o canta
Do meliante ao mendigo
Da desgraça e da miséria
Da forma que era cantado
Também tinha gente séria, Escutei com atenção
Explicou-me um velho amigo Um cantador do passado
E a sua linda canção
Sob os cascos da “vinhaça” Prendeu-me para sempre ao Fado Deitada em forma bizarra, Estava sempre uma guitarra Por muito que se disser Para servir de “negaça”
O Fado é canção bairrista
Não é fadista quem quer
O canjirão da “murraça” Mas sim quem nasceu fadista
Do tosco barro vidrado, Andava sempre colado
Aos copos pelo balcão
E era assim nesta função Como o Fado era tratado
Se aparecia um tocador
Às vezes até “zaranza”
Pedia ao tasqueiro a banza
P’ra mostrar seu valor
93
AGUARELA FADISTA
Música: Fado Alexandrino
Tu levas o teu xaile eu visto uma samarra
E vamos de abalada aqui aos arredores
Bater o fado antigo ao som duma guitarra
E beber água-pé numa adega de Loures
Quero levar também calça à boca de sino
Chapéu á manzantine, uma camisa branca
E vamos de manhã os dois muito cedinho
Assistir á chegada do gado a Vila Franca
À tarde na corrida, a praça engalanada
Sob um Sol escaldante que p’la arena se espalha
Hás-de ver um toureiro sobre a sua montada
Altivo e destemido lidar toiros do PALHA.
À noite num retiro havemos de cantar
O fado rigoroso, o mais castiço fado
E em quadros de improviso havemos de invocar
Os tempos que lá vão, recordando o passado
COMO TE QUIS E TE QUERO
Música: Casimiro Ramos
Amei-te com desespero
Mais do que eu ninguém te quis
E agora que te não quero
Vejo as figuras que fiz
Adorei-te noite e dia Com toda a força da alma
Ninguém me levava a palma
A querer-te como eu te quis
A minha vida daria
P’lo teu amor de raiz
Vivi um sonho feliz
Feliz e belo também
Amei-te como a ninguém
Mais do que eu ninguém te quis
Mas a vida atroz, medonha
Quis este amor terminar
E não chorei com vergonha
Que alguém me visse chorar
O que eu sofri a pensar
Na crença com te quis
Com razão o mundo diz
Que o meu amor foi sincero
E agora que te não quero
Vejo as figuras que fiz
Sofri bastante, confesso Agora que te perdi
Mas se voltasse ao começo
Tornava a gostar de ti
94
ROMANCE INCOMPLETO
Letra: Manuel de Almeida
Música: Casimiro Ramos
I
O mais profundo desdém
Ou a mais sentida dor
É nós gostarmos d’alguém
Que não quer o nosso amor
II
Se há no Mundo tanta gente
Que não sabe o que é a dor
P’ra quem tudo é felicidade
Também há infelizmente
Os que padecem d’amor
E os que morrem de saudade
III
Se a dor e a saudade andam a par
Do pranto da descrença e da tristeza
Porque será que a gente há-de gostar
D’alguém que não nos quer e nos despreza
IV
Amar e não ser amado
É cruel desilusão
É como andar naufragado
Caminhar desamparado
Perdido na escuridão
V
Eu sofro como ninguém
Do amor suas paixões
Quero-te tanto meu bem
E só me dás ralações
É A SAUDADE
Letra: Manuel de Almeida
Música: Casimiro Ramos
Esta tristeza
Que não me deixa um momento
E que me prende
No mais atroz sofrimento
Esta loucura
Que persegue os teus carinhos
E que se arrasta
Na solidão dos caminhos
... É a saudade
Que tenho do teu amor
Que anda a seguir os meus passos
E acompanha a minha dor
É a saudade
Que não se quer ir embora
Que só me fala de ti
A toda a hora
Esta tristeza
Que a tua ausência me deu
Nasceu em mim
Quando o teu amor morreu
Esta tristeza
Que às vezes sorri sem querer
Para que os outros
Não riam do meu sofrer
NÃO VALE A PENA
Letra: Manuel de Almeida
Música: Casimiro Ramos
Quis seguir-te a vida inteira
E fugiste ao meu carinho
Hoje restas-me a poeira
Que deixaste no caminho
E nessa nuvem tão escura
Envolvi os sonhos meus
E jurei que nunca mais
Seguiria os passos teus
Não vale a pena portanto
Voltarmos ao tempo antigo
Já basta p’ra meu castigo
O saber que te quis tanto
Por favor deixa-me só
Nessa dor que me condena
Se entre nós tudo acabou
Recordar o que passou
Não vale a pena
Não vale a pena lembrar
Os momentos que perdi
E jamais quero pensar
Que um dia pensei em ti
Como chamar-te à razão
Hoje um remorso te acena
Mas perdoar isso não
Agora não vale a pena
95
TEUS OLHOS SÃO DOIS GAROTOS
Letra: Manuel de Almeida
Música: Popular
Teus olhos são dois garotos
Cheios de mimo e de graça
Porque se metem na rua
Com toda a gente que passa
Deixa de preces não rezes
Erguendo os olhos ao Céu
Deus me perdoe mas às vezes
Tenho ciúmes de Deus
Um lenço branco de neve
Acenando junto ao cais
Ou quer dizer até breve
Ou quer dizer nunca mais
Nesta triste despedida
Nem sei o que hei-de fazer
Levar-te não é possível
Deixar-te não pode ser
PRAGA
Letra: Manuel de Almeida
Música: Júlio Proença
Por ter no peito uma chaga
Minh’alma a cicatriz
Dum amor desventurado
Vou-te rogar uma praga
Deus te faça tão feliz
Quanto eu sou de desgraçado
Foste má, foste ruim
Não se perdoa portanto
Tão ingrato proceder
Vocês são todas assim
Desprezam quem lhes quer tanto Amam, quem as faz sofrer
Mas se alguma vez na vida
Te sentires arrependida
Entregue à tua saudade
Vem que eu faço o que puder
Não por amor, podes crer
Apenas por caridade
QUADRAS AO VENTO
Letra: Manuel de Almeida
Música: Popular
Chego a andar o dia inteiro
Atrás de ti para te ver
Se acaso o tempo é dinheiro
Serei pobre até morrer
Esta profunda tristeza
Que sinto quando te vais
Não é amor com certeza
Com certeza é muito mais
Gosto de ti com firmeza
Embora pouco te veja
Há tanta gente que reza
E pouco vai à igreja
Tu não me chames senhor
Eu não sou tão velho assim
Ao pé de ti meu amor
Não sou senhor nem de mim
96
NÃO OLHES P’RA MIM NÃO OLHES
Letra e Música: Manuel de Almeida
Não olhes p’ra mim não olhes
Eu vivo tão bem assim
Olha lá p’ra quem quiseres
Mas não olhes mais p’ra mim
Ando no Mundo enganado
Tu, com calma melhor escolhes
Se p’ra ti não valho nada
Não olhes p’ra mim não olhes
Se por mim sentes tristeza
Não tenhas pena de mim
Pois digo-te com franqueza
Que vivo tão bem assim
E se coração tiveres
Faz-me esta vontade, enfim
Olha lá p’ra quem quiseres
E não olhes mais p’ra mim
MENINA DO LENÇO PRETO
Letra: Manuel de Almeida
Música: Maria Tereza Cavazzini
O meu destino é amar
Ai amor quisera eu
Ir ao céu agradecer
O destino que me deu
Menina do lenço preto
Tenha cuidado consigo
Vão dizer que tomou luto Por estar zangada comigo
Partiste fiquei chorando Voltaste chorando estou
Voltou a tua presença
Teu coração não voltou
As esperança é como o Sol Que nos enche de alegria
Se ela parte faz-se noite
Se ela volta é logo dia
HÁ MUITO QUEM CANTE O FADO
Letra: Manuel de Almeida
Música: D. Pedro de Bragança
Não é fadista quem quer
Quando um dia o fado canta
O ser fadista é trazer
O fado preso à garganta
Ninguém duvide, ninguém
É do povo este ditado
Há muito quem cante o fado
Mas pouco quem cante bem
E sou firme podem crer
Neste meu ponto de vista
Fadista nasce fadista
Não é fadista quem quer
O velho fado corrido
Por ser gingão e bairrista
Jamais pode ser esquecido
Na garganta dum fadista
Ser fadista é ter expressão
É sentir tudo o que canta
É trazer o coração
E a alma presa à garganta
97
Revista “Rádio & Televisão”
de 08/03/1958.
Jornal “A Voz de Portugal” de 20/08/1965.
98
“Tempos que já lá vão” - José Marques / Manuel de Almeida
ADEUS À MOCIDADE
Letra: Manuel de Almeida
Música: Popular
Disse adeus à mocidade
Entre lágrimas e ais
O tempo, grande verdade
Passando não volta mais
Passa breve a mocidade
O tempo de ilusões feito
Só não passa esta saudade
Que trago dentro do peito
Vocês devem perdoar-me
Umas certas liberdades
Eu bem sei que ando a matar-me
Mas ando a matar saudades
Não sei contudo entender
Estes balanços da sorte
Estou cansado de viver
Mas tenho medo da morte
SE UM DIA VOLTASSE ATRÁS
Letra e Música: Manuel de Almeida
Não olhes p’ra mim não olhes
Eu vivo tão bem assim
Olha lá p’ra quem quiseres
Mas não olhes mais p’ra mim
Depois de tudo acabado
Entre nós mais nada existe
Recordar um amor triste
Não te esqueças que é pecado
No mundo por Deus criado
Tudo tem começo e fim
E quando passares por mim
Na certeza que bem escolhes
Não olhes p’ra mim não olhes
Eu vivo tão bem assim
Voltar atrás era asneira
Sou firme, não tenhas dó
Vale mais uma dor só
Que sofrer a vida inteira
Nosso amor foi qual fogueira
Que se apagou, teve fim Mas a vida é mesmo assim
E sendo assim se preferes
Olha lá p’ra quem quiseres
Mas não olhes mais p’ra mim
Se um dia voltasse atrás Esquecendo o que sofri Confesso que era capaz De ter olhos só p’ra ti
UM DIA NO RIBATEJO
Letra: Manuel de Almeida
Música: Jaime Santos
Fui certa vez ao Ribatejo entusiasmado
P’la mais castiça das festas tradicionais
Que grande dia que dia tão bem passado Um desses dias que a gente não esquece mais
Vi curiosos toureando com destreza Numa largada de toiros ao romper d’alva E assisti numa corrida à portuguesa Toda a beleza do toureio marialva
Vi um forcado dando ao toiro meia praça Batendo as palmas numa coragem das raras Entusiasmando a multidão impondo a raça E a valentia que há numa pega de caras
E numa adega bem castiça a recordar Outras noitadas com fidalgos e artistas Cantei o fado rigoroso p’ra mostrar À gente nova que ainda existem fadistas.
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Quando o entrevistado sabe falar e do que fala, escusam-se as palavras de terceiros e dê-se espaço ao discurso directo. Entrevista assinada por A.D.S. para a Revista “Nova Gente” de 15/04/1987.
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