TCC - DA NEUROCIÊNCIA À NEUROARQUITETURA

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

RAPHAELLA TAMYRES SIQUEIRA GONÇALVES

CAMINHOS DA NEUROCIÊNCIA À NEUROARQUITETURA Noções que abrangem corpo e mente, homem e ambiente

Belo Horizonte 2021


RAPHAELLA TAMYRES SIQUEIRA GONÇALVES

CAMINHOS DA NEUROCIÊNCIA À NEUROARQUITETURA Noções que abrangem corpo e mente, homem e ambiente

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário UNA como requisito para aprovação na Pós Graduação em Arquitetura de Interiores e Paisagismo.

Belo Horizonte 2021


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 1.1. Contextualização do tema ................................................................................. 4 1.2. O problema de pesquisa ................................................................................... 5 1.3. Objetivos ........................................................................................................... 5 1.4. Justificativa........................................................................................................ 6 1.5. Metodologia de pesquisa ................................................................................. 8 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................ 10 2.1. Conceituação da neurociência ........................................................................ 10 2.2. Introdução ao sistema nervoso ....................................................................... 13 2.3. O cérebro: do imaginário às abordagens científicas ....................................... 17 3. ESTRUTURAS E FUNÇÕES CEREBRAIS BÁSICAS ......................................... 21 4. A CONSCIÊNCIA, A EMOÇÃO E OS SENTIDOS ............................................... 30 5. NEUROCIÊNCIA APLICADA À ARQUITETURA ................................................. 37 5.1. A arquitetura de interiores ............................................................................... 41 5.2. A neuroarquitetura .......................................................................................... 50 5.3. Arquitetura Biofílica ......................................................................................... 53 5.4. Arquitetura Sensorial ....................................................................................... 58 5.5. Psicologia Ambiental ....................................................................................... 66 6. ESTUDO DE CASO .............................................................................................. 75 7. O FUTURO DA NEUROARQUITETURA.............................................................. 89 8. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS......................................................................................................... 92


1. INTRODUÇÃO Este artigo apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa acerca do tema neurociência aplicada ao design e arquitetura de interiores, tendo como objetivo a compreensão do recente termo neurociência e a constatação de sua importância para os ambientes construídos. Em um segundo momento, a pesquisa será direcionada para a análise prática com base em estudos de caso, cujo foco são os ambientes corporativos.

1.1. Contextualização do tema

Desde o nascimento, o homem está em interação não somente com seus semelhantes e outras espécies, mas com o mundo. Ao longo da vida, o ser humano constantemente experiencia os ambientes ao seu redor. Luz, aromas, cores, texturas, formas, sons são alguns dos elementos que de forma consciente ou inconsciente são captados pelo sistema sensorial humano e influenciam na maneira como cada pessoa percebe o que está a sua volta e reage a esses estímulos. No decorrer da história é notável que o espaço este que os seres humanos habitam foi sendo moldado, alterado e transformado por eles e para atender às suas necessidades. Se por um lado a teoria evolutiva darwiniana discorre no sentido de o homem ter se adaptado ao meio, originando o conceito da seleção natural, por outro lado, durante essa evolução, com a concepção de instrumentos adequados e de acordo com os recursos disponíveis, ele adaptou o meio para atender às suas necessidades. Partindo do ponto de vista da evolução do homem e do meio por interferência do homem, percebe-se quão complexos são os seres humanos e o quanto essa complexidade se reflete no espaço que é projetado e ocupado por eles. Pesquisas vem sendo realizadas em diversas áreas do conhecimento com o propósito de descobrir cada vez mais sobre a psique humana, com um aprofundamento em estudos que envolvem o órgão que torna cada pessoa única entre as demais, o cérebro. 4


A neurociência é uma das áreas científicas que estuda não somente o cérebro, mas o sistema nervoso como um todo de forma ampla e abrangente, envolvendo a sensorialidade, as emoções, o comportamento, a interação do homem com o ambiente e a transformação do homem pelo ambiente. Desta forma, oferece uma grande contribuição para a arquitetura de interiores. Os profissionais inseridos no campo da arquitetura de interiores são responsáveis entre tantas atribuições, por conceberem espaços. E por realizarem essa atividade, devem compreender cada pessoa a quem está sendo destinada a prestação desse serviço, a fim de promover o bem estar, a qualidade de vida, a produtividade, a saúde mental e outros benefícios através dos ambientes projetados. Para ter um entendimento mais abrangente acerca das pessoas, com suas emoções, sensações, comportamentos, reações, percepções, vivências tão singulares, é preciso decifrar o funcionamento da mente e do corpo. Desta forma, ao invés de os arquitetos e designers tomarem decisões arbitrárias, cada decisão projetual será tomada de forma consciente, com o objetivo de despertar os sentidos e até mesmo evocar memórias, transformando os espaços materializados em espaços de significados. Sendo assim, esta pesquisa se dedica ao entendimento de fatores que estimulam o comportamento humano, se aprofundando em mecanismos que envolvem os sentidos e órgãos sensoriais das pessoas, com o propósito de prestar uma contribuição aos profissionais que atuam na arquitetura de interiores na transformação da experiência humana de interação com os ambientes que são antes desenvolvidos por eles.

1.2. O problema de pesquisa

Identificar a contribuição do campo da neurociência para a arquitetura de interiores, como sendo essencial para o desenvolvimento de espaços humanizados, cujo foco são os ambientes de trabalho.

1.3. Objetivos

5


Objetivo geral

Estudar como a neurociência pode ser aplicada à arquitetura de interiores para transformar a experiência de interação das pessoas com os ambientes de trabalho.

Objetivos específicos • Identificar como ocorre a interação dos sistemas sensoriais humano com o ambiente e seu funcionamento sob a ótica da neurociência e da arquitetura. • Explorar o conceito de neurociência e sua importância para a arquitetura de interiores, sendo compreendida pelo termo neuroarquitetura. • Investigar como o processo de projeto pode envolver as pessoas, partindo do entendimento de seus aspectos subjetivos para aplicação no desenvolvimento de espaços de trabalho fundamentado na neurociência. • Analisar áreas dentro da arquitetura que se alinham à neurociência ao envolver o estudo da relação entre o homem e o ambiente, como a arquitetura biofílica, a arquitetura sensorial e a psicologia ambiental. • Compreender os elementos que envolvem a composição de ambientes e como eles influenciam a percepção humana. • Realizar estudos de caso para exemplificar como a arquitetura de interiores pode estimular os órgãos dos sentidos, promovendo o bem estar e transformando a experiência de uso dos espaços corporativos.

1.4. Justificativa

O interesse pelo desenvolvimento desta pesquisa surge ao entender que os espaços interferem nas emoções humanas. De maneira consciente ou inconscientemente as pessoas são afetadas pelos espaços que ocupam. É perceptível que as pessoas passam a maior parte do tempo em ambientes fechados, seja em casa, no trabalho, em instituições educacionais, em shoppings, supermercados, aeroportos, hotéis, hospitais, entre tantos outros. Considerando que os espaços construídos são antes projetados, deve haver ao longo 6


de seu desenvolvimento a figura de um profissional da arquitetura ou do design de interiores trabalhando nesse processo de projeto. Pensando nisso, é indubitável a responsabilidade que esses profissionais têm ao desenvolver um projeto que será executado e posteriormente ocupado por usuários tão diversos. Questionamentos como quais emoções ou sentimentos despertar nos usuários necessitam ser levados em consideração ao realizar a função de conceber espaços para que os órgãos sensoriais sejam estimulados de forma intencional. A partir de um entendimento mais sensível acerca dos elementos que compõem os ambientes, os arquitetos e designers precisam saber propor sua aplicação de maneira consciente dos efeitos psicológicos sobre os usuários para que as decisões sejam mais assertivas e coerentes com as percepções das pessoas. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano de 2019, 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) sofrem de ansiedade, o que atribui ao Brasil o título de “país mais ansioso do mundo”, de acordo com reportagens de revistas como a IstoÉ e a Veja no ano de 2019. Em se tratando de depressão, o país ocupa a segunda posição do mundo e a primeira da América Latina, com 5,8% da população sofrendo com o transtorno mental, ficando abaixo somente dos Estados Unidos, segundo os portais de notícia G1 (2017) e Uol (2019). Com o surgimento da Pandemia provocada pelo coronavírus (COVID-19), uma das medidas impostas pela OMS é o isolamento social, no qual as pessoas têm passado ainda mais tempo em ambientes fechados. Acompanhando este acontecimento junto aos transtornos anteriormente citados que afetam a saúde mental das pessoas, fica transparecido o quão importante é entender a mente humana para projetar espaços que sejam não apenas funcionais, mas que ofereçam qualidade no âmbito emocional. A pesquisa tem foco em ambientes institucionais e corporativos, por se tratarem de espaços de trabalho, no qual as pessoas geralmente passam grande parte do seu cotidiano. Com o período da pandemia, ao qual as pessoas estão buscando maneiras de se adaptarem a essa situação, para se prevenirem do contágio pelo vírus e preservarem sua saúde, o modo de trabalhar tem migrado para o meio remoto, no qual as tarefas passam a ser realizadas em casa, o que é conhecido por home office. 7


Ainda assim, o local de trabalho é o espaço onde as pessoas estão em constante atividade, sob pressão, tendo que cumprir metas e prazos, realizar tarefas que exigem certo esforço mental, lidar com pessoas e isso pode gerar uma carga de estresse muito grande, que é agravada pela incerteza, insegurança e medo que afetam as pessoas no período pandêmico. Segundo o Portal EBC (2019), o Brasil é o segundo país do mundo com maior índice de estresse relacionado ao trabalho. A pesquisa da International Stress Management Association (ISMA-BR) divulgada pelo Portal Uol (2019) aponta que 72% da população brasileira que está no mercado de trabalho sofre de alguma sequela ocasionada pelo estresse e desse total, 32% da população brasileira sofre com a Síndrome de Burnout. A

pesquisa

realizada

pela

Organização

Pan-Americana

de

Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) relata situações que geram estresse no trabalho e sugere soluções, porém nada que envolva a melhoria do ambiente de trabalho. Por isso, a fim de minimizar esse problema, o ambiente de trabalho precisa ser pensado para ser agradável, prazeroso, estimular a interação, a produtividade e a concentração, mas também o relaxamento e a descompressão.

1.5. Metodologia de pesquisa

Figura 1: Esquema de Organização do Conteúdo: Mapa Mental Fonte: Autora

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No primeiro momento, houve a necessidade de determinar o tipo de pesquisa a ser realizada. Sendo categorizadas em: Pesquisa Exploratória, Pesquisa Descritiva e Pesquisa Explicativa, o trabalho será guiado pela Pesquisa Exploratória, pois busca investigar o campo da Neurociência e sua aplicação à arquitetura de interiores. Em seguida, foi elaborado um esquema de organização do conteúdo no formato de um mapa mental, para facilitar a orientação sobre os assuntos a serem pesquisados de acordo com as etapas, suas relações e sequência previamente definidas, conforme figura 1. A fundamentação teórica seguiu a abordagem de autores como a arquiteta e urbanista Andréa de Paiva, os neurocientistas Suzana Herculano-Houzel, Roberto Lent, Mark Bear, Barry Connors, Michael Paradiso, Dale Purves, Eric Kandel, entre outros, que contribuíram para a estruturação dessa pesquisa. A construção do conteúdo referente à atmosfera da arquitetura e arquitetura sensorial contou com os autores Juliana Duarte Neves, Peter Zumthor, Juhani Pallasmaa, entre outros. As pesquisas tiveram início em palestras e lives relacionadas ao tema neuroarquitetura, que foram disponibilizadas na plataforma de vídeos do Youtube. Posteriormente, foram realizadas pesquisas de fontes primárias, através de dissertações, artigos, periódicos e jornais, pesquisas de fontes secundárias, por meio de livros e vídeos, e de fontes terciárias, por intermédio de resenhas e bibliografias extraídas das fontes primárias e secundárias. Por último, foram realizadas buscas por projetos que intencionalmente mudaram o comportamento humano, estimularam os órgãos dos sentidos e aqueles que transformaram a experiência de trabalho no meio corporativo ou institucional.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica desta pesquisa compreende estudos que foram realizados ao longo dos anos por autores conceituados no campo da neurociência como Suzana Herculano-Houzel, Roberto Lent, Mark Bear, Barry Connors, Michael Paradiso, Eric Kandel, entre outros. Este capítulo se dedicará a breve conceituação da neurociência. Em seguida, será abordado de forma introdutória o sistema nervoso. Posteriormente, será explorada a noção acerca do cérebro no decorrer da história, apresentando a visão da filosofia e da medicina e por último a estrutura e as funções cerebrais básicas.

2.1. Conceituação da neurociência

O termo neurociência surgiu por volta de 1970, ano em que a Society for Neuroscience foi fundada na cidade de Washington para ser uma associação que congrega neurocientistas. No entanto, antes disso já eram realizados estudos, buscando compreender o comportamento humano e fenômenos da mente. Para BEAR, CONNORS e PARADISO (2017) o estudo do encéfalo é tão antigo quanto a própria ciência. Não somente médicos e cientistas, mas também filósofos como Platão, Aristóteles e René Descartes se dedicaram ao entendimento do corpo e da mente. BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), no livro Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso, faz um breve resumo sobre a história da neurociência desde a Grécia Antiga e a dualidade de pensamento sobre o órgão do intelecto e das emoções ser o encéfalo como afirmava o considerado “pai da medicina” Hipócrates (460-379 a.C.) ou, contrariamente a isso, o coração ser o centro das emoções como sugeriu o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.). Passando pelo Império Romano com as dissecções de animais pelo médico e filósofo Cláudio Galeno (130-200 d.C.) e a hipótese de que o cérebro recebe as sensações e o cerebelo comanda os músculos, visão que perpetuou até a Renascença quando o cérebro passou a ser visto como uma máquina de fluídos, cujos mecanismos foram propostos pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650), e a teoria ventricular que perdurou

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até o século XIX, época em que houve o surgimento de quatro ideias chaves que contribuíram para o avanço da neurociência, sendo: • Os nervos entendidos como fios condutores de sinais elétricos do cérebro e para o cérebro; • A divisão do cérebro em diferentes partes, cada qual com sua função; • A evolução do sistema nervoso a partir da teoria da evolução e o processo de seleção natural propostos pelo biólogo inglês Charles Darwin (18091882); • A identificação da célula nervosa individual (neurônio), a partir da teoria das células levantada pelo zoólogo alemão Theodor Schwann (1810-1882), na qual afirma que todos os tecidos são compostos por células, sendo que essa descoberta só foi possibilitada pelo refinamento do microscópio na época. Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), considerado o “pai da neurociência moderna”, teve uma grande contribuição para o estudo da mente ainda durante esse período, ao argumentar que os neuritos (ramificações neuronais denominadas dendritos ou axônios) não estabeleciam uma continuidade entre si e que a comunicação entre os neurônios ocorriam por contato. Essa teoria ficou conhecida como doutrina neuronal e só foi possível ser comprovada com a microscopia eletrônica, cuja resolução permitiu constatar que os neuritos dos neurônios de fato não possuíam qualquer continuidade entre si e, portanto, os neurônios poderiam ser analisados individualmente. Em busca pelo termo neurociência no navegador de internet, o Instituto NeuroSaber, assim como diversos outros sites de pesquisa apresentaram a mesma definição sucinta, não sendo possível detectar a sua fonte primária, na qual: Neurociência é a área que se ocupa em estudar o sistema nervoso, visando desvendar seu funcionamento, estrutura, desenvolvimento e eventuais alterações que sofra. Portanto, o objeto de estudo dessa ciência é complexo, sendo constituído por três elementos: o cérebro, a medula espinhal e os nervos periféricos. (Instituto NeuroSaber, 2016)

Este conceito utiliza uma abordagem simplificada para explicar tudo o que envolve o campo tão abrangente da neurociência, que pode ser entendida como a 11


ciência que estuda questões acerca do sistema nervoso, seus componentes e processos para compreender o funcionamento da mente e do corpo, a percepção, a consciência, as emoções, a memória, os sistemas sensoriais, os transtornos mentais, o comportamento humano, entre outros assuntos correlatos. A princípio, BEAR, CONNORS e PARADISO (2017) e o Professor Doutor Roberto Lent, autor do livro Cem Bilhões de Neurônios - Conceitos fundamentais de neurociência, tratam da palavra no plural, neurociências, por ser uma ciência integrada a vários campos de pesquisa, divididos em cinco grandes disciplinas neurocientíficas. Ambos categorizam as disciplinas como neurociências moleculares, neurociências celulares, neurociências de sistemas, neurociências comportamentais e neurociências cognitivas, conforme distinguidas por Lent (2010): A Neurociência molecular tem como objeto de estudo as diversas moléculas de importância funcional no sistema nervoso, e suas interações. Pode ser também chamada de Neuroquíraica ou Neurobiologia molecular. A Neurociência celular aborda as células que formam o sistema nervoso, sua estrutura e sua função. Pode ser chamada também de Neurocitologia ou Neurobiologia celular. A Neurociência sistêmica considera populações de células nervosas situadas em diversas regiões do sistema nervoso, que constituem sistemas funcionais como o visual, o auditivo, o motor etc. Quando apresenta uma abordagem mais morfológica é chamada Neuro-histologia ou Neuroanatomia, e quando lida com aspectos funcionais é chamada Neurofisiologia. A Neurociência comportamental dedica-se a estudar as estruturas neurais que produzem comportamentos e outros fenômenos psicológicos como o sono, os comportamentos sexuais, emocionais, e muitos outros. É às vezes conhecida também como Psicofisiologia ou Psicobiologia. Finalmente, a Neurociência cognitiva trata das capacidades mentais mais complexas, geralmente típicas do homem, como a linguagem, a autoconsciência, a memória etc. Pode ser também chamada de Neuropsicologia. (LENT, 2010, p.6, grifo da autora)

Lent (2010) esclarece que as disciplinas não são isoladas, nem possuem limites estabelecidos, mas praticam uma interação multidisciplinar quando é preciso compreender o funcionamento do sistema nervoso sob diversos ângulos, pois este sistema está sujeito a várias interpretações. Portanto, o autor aborda em seu livro temas específicos relacionados à neurociência, analisando-a sob diferentes esferas. Os temas são tratados em profundidade e em diversos níveis, sendo o nível anatômico que considera a estrutura

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do sistema nervoso, o nível histológico que aborda a sua organização microscópica, o nível celular que envolve as unidades do sistema que são as células e organelas. O professor doutor em biofísica ressalta a necessidade de sobreposição entre os níveis para um entendimento mais realista do funcionamento do cérebro que ocorre de forma interligada e conjunta com outros elementos do organismo. Além disso, são exploradas as funções neurais mais abstratas e que mais interessam a essa pesquisa, pois envolvem o nível psicológico que lida com a memória, a linguagem e a percepção, e o nível fisiológico que trata da motricidade e das sensações. Por fim, há ainda o nível bioquímico que apresenta as interações moleculares, porém, essa pesquisa não objetiva alcançar esse nível de profundidade. As neurociências possuem dimensões tão extensas que permeiam áreas para além da própria ciência e da medicina. Termos como neuroarquitetura, neurobusiness, neuroeconomia, neuroengenharia, neuroeducação, neuroliderança, neuromarketing, dentre outros, tem surgido de forma a conectar outros campos de conhecimento com a ciência que estuda o sistema nervoso. Algumas dessas neurociências são abordadas pelos professores Andrea de Paiva e Robson Gonçalves no livro Triuno - Neurobusiness e qualidade de vida.

2.2. Introdução ao sistema nervoso “Todas as coisas, sendo causadas e causantes, ajudadas e ajudantes, mediata e imediatamente, e todas entretendo-se por um laço natural e insensível que liga as mais afastadas e as mais diferentes, considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, não mais que conhecer o todo sem conhecer particularmente as partes.” Pascal A Teoria dos Sistemas formulada pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy (1901-1972), o Pensamento Complexo de Edgar Morin e a Teoria da Gestalt estabelecida pelos psicólogos Kurt Koffka, Wolfgang Köhler e Max Werteimer reforçam a antiga afirmação do filosofo Blaise Pascal (1623-1662) ao discorrer sobre a importância de se conhecer o todo, pois este é maior que as partes e possui algo que as partes isoladas não possuem que é a relação entre elas. Sendo assim há uma necessidade de compreensão do todo porque as partes estão articuladas, 13


influenciando umas às outras. Ao afirmar isso, este subcapítulo não buscará a compreensão do cérebro isolado, pois antes disso é preciso compreender o sistema ao qual ele faz parte: O sistema nervoso.

Figura 2: Divisão do sistema nervoso. Fonte: BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 8

Conforme mostra a figura 2, o sistema nervoso possui duas principais divisões: sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP), sendo que: O sistema nervoso central, geralmente chamado de SNC, compreende o encéfalo (hemisférios cerebrais, diencéfalo, cerebelo e tronco encefálico) e a medula espinhal. O sistema nervoso periférico (SNP) inclui os neurônios sensoriais que conectam os receptores sensoriais da superfície ou os de dentro do corpo com circuitos de processamento relevantes no sistema nervoso central. (PURVES, 2010, p. 14, grifo da autora)

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O sistema nervoso periférico é responsável por conectar o sistema nervoso central aos órgãos do corpo, através dos nervos que são denominados nervos cranianos, quando se localizam na caixa craniana, e nervos espinhas, quando se localizam na medula espinhal. Eles são formados por ramificações de fibras nervosas que transportam as mensagens sensitivas ou motoras por impulsos bioelétricos. Isso permite que as informações captadas pelos receptores sensoriais existentes em todos os tecidos do organismo sejam transportadas do SNP para o SNC e as respostas do SNC sejam conduzidas até os órgãos. Lent (2010) estabeleceu uma analogia entre o SNP e uma máquina da seguinte forma: Por analogia com algumas máquinas, o sistema nervoso periférico pode ser compreendido como um conjunto de sensores, cabos e chips. Os sensores distribuem-se por todos os tecidos do organismo: a pele, os músculos, ossos e articulações, as vísceras e outros tecidos. Sua função é captar as várias formas de energia (= informação) produzidas no ambiente ou no próprio organismo, e traduzi-las para a linguagem que o sistema nervoso entende: impulsos bioelétricos. Os sensores recebem o nome de receptores sensoriais, e ficam de algum modo ligados às fibras nervosas que constituem os nervos. Estes últimos são os cabos cuja função é conduzir os impulsos elétricos gerados pelos receptores até o sistema nervoso central. Os cabos também conduzem informações no sentido oposto: impulsos elétricos produzidos no sistema nervoso central são levados aos músculos esqueléticos e cardíacos, aos músculos das paredes das vísceras e às glândulas. Lá, os impulsos são transformados em ações que liberam energia: contração muscular ou secreção glandular. Finalmente, não devemos pensar que o SNP tem função exclusivamente condutora. Ele possui também chips capazes de processar informação como pequenos computadores. Estes chips são os contatos entre neurônios situados nos gânglios sensitivos, já mencionados (gânglios espinhais), e nos gânglios motores ou secretomotores, situados em várias vísceras. (LENT, 2010, p. 9)

O SNP se subdivide em duas categorias, sendo o SNP somático que controla os movimentos voluntários do corpo e as sensações conscientes provenientes da pele, e o SNP visceral ou neurovegetativo, destinado à regulação automática do organismo, como os batimentos cardíacos, a digestão, a respiração e a transpiração. Ele também pode ser denominado sistema nervoso autônomo, por ser um sistema que funciona de forma automática, sem o envolvimento da consciência. Já o sistema nervoso central é responsável pelo processamento de informações recebidas do SNP e coordenação das atividades corporais e

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neurológicas. Ele basicamente é constituído pelo encéfalo, resguardado no interior da caixa craniana, e pela medula espinhal localizada no interior da coluna vertebral. O encéfalo é composto pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico, como pode ser observado na figura 3. O cérebro é dividido em dois hemisférios pela fissura sagital, no qual o hemisfério direito comanda o lado esquerdo do corpo e o hemisfério esquerdo comanda o lado direito do corpo. Suas funções envolvem a movimentação do corpo, os estímulos sensoriais e as atividades neurológicas relacionadas à consciência, imaginação, pensamento, memória, raciocínio, entre outras.

Figura 3: Estruturas básicas que compõem o SNC Fonte: LENT, 2010, p.12

O cerebelo significa “pequeno cérebro” em latim e está localizado na parte posterior do cérebro e acima da medula espinhal. Ele é responsável pela coordenação motora, pela manutenção do equilíbrio e postura do corpo. O pequeno cérebro, é dividido em duas partes, mas ao contrário do cérebro, o lado direito coordena o movimento do lado direito do corpo e o lado esquerdo coordena o movimento do lado 16


esquerdo do corpo. Ele se conecta com o cérebro e a medula espinhal para receber e transmitir informações entre eles. O tronco encefálico é constituído pelo mesencéfalo, ponte e bulbo. Sua estrutura é responsável pela transmissão de informações do cérebro para a medula espinhal e cerebelo, e pela retransmissão de informações desses últimos ao cérebro. Além disso, é uma região que regula as funções vitais do organismo como respiração, batimento cardíaco, pressão arterial, consciência, controle da temperatura corporal, entre outras. Por isso, é considerado pelos neurocientistas como a parte do encéfalo mais importante para a manutenção da vida. Já a medula espinhal é a porção alongada que está conectada ao tronco encefálico e faz a intermediação entre o SNC e o SNP, comunicando-se com o corpo através dos nervos espinhais. Por conduzir informações de diversas partes do corpo através de impulsos nervosos, ela é considerada “o maior condutor de informação da pele, das articulações e dos músculos ao cérebro, e vice-versa” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 183).

2.3. O cérebro: do imaginário às abordagens científicas

Ao

longo

da

história

da

medicina,

psiquiatras,

neurologistas,

neurocientistas e outros pesquisadores vem realizando estudos para decifrar a complexidade do cérebro. Os filósofos paralelamente se aventuraram nas tentativas de descobrir o funcionamento da mente e do corpo humano. O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) como mencionado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017, p. 5) acreditava que o coração era o centro do intelecto humano enquanto o encéfalo era um radiador que tinha a função de resfriar o sangue superaquecido pelo coração, e essa capacidade de resfriamento é que determinava o temperamento das pessoas. Herculano-Houzel apud Lent (2010, p. 252) descreve que: [...] para ele o coração era o trono dos sentidos, as áreas do corpo ricas em sangue seriam mais sensíveis às impressões emanadas dos objetos. Com impressões demais, ou sensibilidade excessiva – por exemplo, se as paredes do coração fossem elásticas demais –, as impressões poderiam causar dor. (Herculano-Houzel apud LENT, 2010, p.252)

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Hipócrates (460-379 a.C.) já expressava um pensamento avançado à época. Para ele é no cérebro que reside o pensar e todas as emoções humanas. O homem deve saber que de nenhum outro lugar, mas apenas do encéfalo, vem a alegria, o prazer, o riso e a diversão, o pesar e o luto, o desalento e a lamentação. E por meio dele, de uma maneira especial, nós adquirimos sabedoria e conhecimento, enxergamos e ouvimos, sabemos o que é justo e injusto, o que é bom e o que é ruim, o que é doce e o que é insípido... E pelo mesmo órgão nos tornamos loucos e delirantes, e medos e terrores nos assombram... Todas essas coisas nós temos de suportar quando o encéfalo não está sadio... Nesse sentido, opino que é o encéfalo quem exerce o maior poder no homem. (HIPÓCRATES apud BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 5)

Dada a época, cujos recursos para análise minuciosa das estruturas cerebrais eram inexistentes, o entendimento sobre o sistema nervoso era incipiente e as noções de anatomia e fisiologia se restringiam ao conhecimento de que “o cérebro é formado por duas metades separadas por uma membrana e que faz continuidade com a medula espinhal” (REZENDE, 2009, p. 62). O filósofo Platão (429 - 348 a.C.) apresentava uma visão na qual estabelecia uma relação entre o corpo e a alma, apontando três faculdades da mente que são: os espíritos animais, originados no cérebro, órgão considerado a parte mais divina e controladora de todo o corpo; os espíritos vitais, originados no coração que seria a sede da coragem e dos sentimentos; e os espíritos naturais, originados no fígado, onde estaria a sede dos desejos. É notável que Platão já expressava uma preocupação em localizar as regiões responsáveis pelas diferentes funções mentais do ser humano. Ao sugerir a existência de uma alma tripartida, Platão aponta regiões distintas para diferentes características do sujeito: o intelecto, no cérebro; as emoções, no coração; e os desejos mais básicos (como sexuais e/ou nutritivos), no fígado. Assim como os frenologistas do século XIX e, em certo nível, como os atuais neurocientistas, Platão procura associar distintas funções mentais com diferentes estruturas corporais. (CASTRO e LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011)

Anos depois, surge uma visão, contrariando a ideia de Hipócrates, quando o filósofo Descartes (1596-1650) propôs um método de estudo conhecido como dualismo cartesiano, no qual o corpo é separado da mente e que sem ela o corpo não é capaz de pensar. Para ele o pensamento era dissociado da experiência dos sentidos, e essa experiência ocorria no corpo por um processo envolvendo espíritos 18


animais que segundo sua concepção seriam substâncias que fluíam no sangue, conduzindo os estímulos recebidos até a glândula pineal, tida como o local de atividade da alma, e de lá retornariam, ocasionando movimentos involuntários. Descartes imaginava que filamentos existentes nos nervos (que seriam tubos) poderiam operar como válvulas, abrindo poros que deixariam fluir os espíritos animais. Uma estimulação na pele, por exemplo, agiria sobre esses filamentos, provocando uma contração como resposta reflexa. Do cérebro os espíritos animais viajariam através dos nervos até os músculos, que seriam inflados, provocando o movimento. Esse seria o mecanismo para os atos involuntários. As estimulações periféricas teriam o poder de abrir poros existentes no interior do cérebro e os espíritos seriam conduzidos daí até a glândula pineal, na superfície da qual haveria um completo mapa sensorial e motor. A vontade estaria sob o controle da pineal, que poderia regular o fluxo dos espíritos animais para os diferentes nervos. (COSENZA, 2002)

No entanto, o erro de Descartes, abordado no livro homônimo escrito pelo médico neurologista António Damásio em 1996, foi a separação entre a razão e as emoções. Através da análise de casos clínicos, ele percebeu que as emoções se refletem no comportamento humano e que em determinadas situações as escolhas das respostas comportamentais envolvem o uso da razão. Claramente nunca desejei contrapor a emoção à razão; pretendi, isso sim, ver a emoção como, no mínimo, uma auxiliar da razão e, na melhor das hipóteses, mantendo um diálogo com ela. Tampouco opus a emoção à cognição, pois a meu ver a emoção transmite informações cognitivas, diretamente e por intermédio dos sentimentos. (DAMÁSIO, 1996)

No ano de 1970, o neuroanatomista Paul MacLean elaborou a Teoria do Cérebro Trino que foi apresentada mais tarde em 1990. Esta teoria aborda o cérebro dos seres humanos como uma evolução de outras classes de animais, corroborando com a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Neste sentido, o cérebro dos seres humanos é considerado um cérebro dos répteis que se desenvolveu e a ele foram adicionadas camadas. Assim, o cérebro triuno é dividido em três partes: cérebro reptiliano que é a consciência irracional humana, sistema semelhante aos dos répteis, cérebro límbico responsável pela consciência emocional e o neocórtex, onde está situada a consciência racional, diferenciando os seres humanos de outras espécies animais, conforme mostra a figura 4. Essa abordagem serviu de base para autores como Andréa de Paiva e Robson Gonçalves que menciona o sistema límbico, o sistema reptiliano e o neocórtex para se referir as regiões do cérebro de acordo com 19


suas funções específicas, bem como os neurologistas, com exceção do sistema reptiliano.

Figura 4: Cérebro Triuno. Fonte: https://revistagalileu.globo.com

A Teoria do Cérebro Trino, no entanto, é criticada pela neurocientista brasileira Suzana Herculano-Houzel no livro de sua autoria intitulado A Vantagem Humana: Como nosso cérebro se tornou superpoderoso. A neurocientista refuta essa teoria, sendo vista como fantasiosa e incorreta, pois o neocórtex não é uma camada recente nos mamíferos que surgiu se sobrepondo a camadas mais antigas como as dos répteis. Segundo Houzel, descobertas mais recentes mostram que mamíferos não possuem um cérebro evoluído de estruturas primárias que surgiram anteriormente em répteis e até mesmo em aves porque este cérebro é tão antigo quanto o de outros animais e que ele foi evoluindo separadamente ao de outras espécies. Acontece que o cérebro trino é apenas uma fantasia. As descobertas cada vez mais numerosas de fósseis de sauropsídeos (o nome apropriado dos dinossauros), alguns deles emplumados, deixaram claro que os lagartos, crocodilos e aves modernos são parentes próximos, todos agora considerados répteis (inclusive as aves), ao passo que os mamíferos modernos evoluíram separadamente, e muito antes, a partir de um grupo irmão nos princípios da vida amniótica. Portanto, os mamíferos nunca foram répteis ou aves em um passado evolutivo; o cérebro dos mamíferos é no mínimo tão antigo quanto o das aves e de outros répteis, ou talvez até mais antigo — ele apenas tem um histórico evolutivo diferente. (HERCULANO-HOUZEL, 2017)

As discussões aqui levantadas e tratadas brevemente são algumas das teorias que ao longo do tempo buscaram compreender o funcionamento do cérebro e evidencia a complexidade desse órgão e seus sistemas, sendo constantemente estudados por haverem questões que permanecem como uma incógnita para a 20


neurociência, determinada em avançar na descoberta de informações que irão beneficiar a espécie humana em diversos âmbitos. No entanto, a longa trajetória já realizada de esforços, observações, análises e constatações sobre o cérebro para estabelecer os fatos, possibilitou compreender as habilidades mentais humanas que serão apresentadas a seguir. 3. ESTRUTURAS E FUNÇÕES CEREBRAIS BÁSICAS

Os neurocientistas modernos tem aprofundado seus estudos no descobrimento das estruturas, funções cerebrais e a correlação entre estruturas na formação de sistemas mais complexos da mente. Os livros de neurociência tratam de uma série de estruturas e subestruturas, suas anatomias, conexões com outras estruturas, localização, sistema ao qual fazem parte, funções, reações químicas e outras informações relevantes para o estudo da mente humana. No entanto, este tópico da pesquisa se limitará apenas à algumas regiões, estruturas e funções cerebrais, consideradas importantes para um breve entendimento sobre a organização e o funcionamento do cérebro, principalmente no que se refere a percepção, a emoção, aos estímulos sensoriais e a memória. As regiões do cérebro O cérebro é divido além dos hemisférios direito e esquerdo. Um importante avanço da neuroanatomia, que estuda as estruturas do sistema nervoso, foi a identificação de depressões na superfície do cérebro, identificadas como sulcos e fissuras, e elevações que são denominadas giros, o que permitiu a divisão do cérebro em lobos, gerando especulações a respeito de que funções diferentes poderiam estar localizadas em cada uma dessas divisões, conforme afirma BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Desta forma, o cérebro possui quatro lobos que por convenção foram denominados de acordo com o osso do crânio localizado acima deles, sendo: lobo frontal, lobo occipital, lobo parietal e lobo temporal, como mostra a figura 3. O lobo frontal, localizado na parte anterior do cérebro, abrange as principais áreas de controle motor, estando relacionada com as ações e movimentos conscientes, a capacidade de concentração, aprendizagem e memorização, as

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expressões faciais e a capacidade de produzir a fala. Ele envolve o córtex pré-frontal e motor. O lobo occipital, localizado na parte posterior do cérebro, está associado à visão, a percepção de movimento e velocidade. Ele envolve o córtex visual primário e o córtex visual de associação. O lobo parietal, localizado na parte superior do cérebro, é responsável por armazenar memórias espaciais, permitir o reconhecimento espacial e o sentido de orientação, contribuir para o direcionamento dos movimentos dos olhos, interpretar informações sensoriais captadas pelo corpo, perceber formas, cores, texturas e pesos de objetos e do espaço, influenciar a compreensão da linguagem e fala. Ele envolve o córtex somatossensitivo primário. O lobo temporal, localizado na parte inferior do cérebro, possui envolvimento com os processos de aprendizagem tátil, participam da consolidação da memória e processamento da emoção, se articula a linguagem, responde aos estímulos auditivos e olfativos. Ele envolve o córtex auditivo primário e o córtex auditivo secundário. As funções determinadas para cada lobo foram atreladas de acordo com lesões ocasionadas no cérebro que impossibilitaram indivíduos de realizarem determinada atividade e, posteriormente por tecnologias que permitem visualizar a atividade cerebral, como será visto mais adiante. Embora, há atividades que sejam específicas de cada região, precisa haver a coordenação entre as regiões para o processamento das atividades que são executadas pelo corpo. Além dos lobos, existe a ínsula que vem do latim e significa “ilha”. Essa região delimita e separa os lobos frontal e temporal. Ela só pode ser visualizada ao separar os lobos, pois sua estrutura está localizada nas profundezas da fissura lateral que há entre esses lobos. Ela envolve o córtex gustatório, responsável pelo sentido do paladar, pois veicula informações que produzem a percepção dos sabores, participa da regulação de vísceras e órgãos como os que fazem parte do sistema digestivo e respiratório, além de estar relacionada com a emoção.

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O sistema límbico, por sua vez, está especificamente associado às emoções, a aprendizagem e a memória, sendo formado por um grupo de estruturas do lobo límbico junto ao Circuito de Papez, que consiste em um conjunto de estruturas interligadas que influenciam na expressão e experiência da emoção. O sistema límbico possui duas estruturas que precisam ser destacadas aqui, a amígdala e o hipocampo. Ambas foram abordadas brevemente na palestra Crie experiências de saúde e bem-estar da neurociência aliadas as estratégias do design biofílico, promovida pela consultora Talita Alves, a arquiteta e urbanista Bia Rafaelli e a professora doutora em ciências Fernanda Armani, no ano de 2020, na qual Armani considera a amígdala como o botão de disparo de emoções no cérebro e o hipocampo como estando relacionado à memória. A amígdala, derivada da palavra grega, cujo significado é “amêndoa”, devido ao seu formato. É um componente importante para regular os estados emocionais. Ela está situada no interior do lobo temporal (figura 5). A informação proveniente de todos os sistemas sensoriais é processada por essa estrutura. Ela é capaz de fazer o reconhecimento de expressões emocionais e emitir respostas emocionais. Ela está mais intimamente relacionada ao medo, à agressividade e aos transtornos de ansiedade. O hipocampo, termo que vem do grego e significa “cavalo marinho”, está também localizado no lobo temporal. Essa estrutura é fundamental para a capacidade de formar memórias de longo prazo, na qual a informação é armazenada por modificações de sinapses ocorridas pela interação entre os neurônios, fenômeno denominado de plasticidade sináptica. Além disso, ele desempenha um importante papel no aprendizado, na localização espacial e na navegação pelo ambiente. O hipocampo integra as áreas denominadas rede neural em modo padrão que apresentam maior atividade durante o estado de repouso do corpo do que quando são realizadas tarefas comportamentais.

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Durante os períodos de estresse crônicos, há a liberação de altos níveis de cortisol que podem retrair as ramificações de neurônios, levando os a morte, o resultado disso é a degeneração do hipocampo e o estabelecimento de um círculo contínuo de liberação de cortisol e danos mais pronunciados no hipocampo, prejudicando o seu funcionamento.

Figura 5: Localização da amígdala e do hipocampo no cérebro. Fonte: BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 631.

A relação entre emoção e memória é tão estreita que experimentos realizados confirmam que quanto maior a emoção ou mais completa for a experiência sensorial, mais essa emoção evoca o hipocampo e solidifica na memória o que foi experienciado, ou seja, as memórias na maioria das vezes envolvem aspectos multissensoriais. De acordo com PAIVA (2018): Nosso cérebro cria sua própria opinião sobre o mundo de acordo com o que ele interpreta sobre as informações trazidas pelos sentidos. E quanto mais multissensorial for o ambiente em que estamos e a informação que recebemos, melhor nossa identificação dos estímulos, nosso aprendizado, cognição e reação muscular. A retenção de informação e nossa criatividade chegam a ter um desempenho 50% a 75% melhor em um ambiente multissensorial. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 405)

Os córtices

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Os córtices já mencionados vêm do latim, na qual a palavra córtex significa “casca”. Eles são “qualquer agrupamento neuronal formando uma fina camada, geralmente localizado na superfície encefálica” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 192). Esse agrupamento neuronal é denominado pelo termo genérico substância cinzenta. De acordo com Lent (2010), os córtices representam as funções neurais e psíquicas mais complexas. Além disso, são fundamentais para a percepção sensorial consciente do mundo exterior e o controle dos movimentos voluntários, pois: “Todos os sistemas do encéfalo responsáveis pelo processamento das sensações, das percepções, pela geração do movimento voluntário, pelo aprendizado, pela linguagem e pela cognição convergem para este notável órgão.” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 208)

O neocórtex O neocórtex é a denominação atribuída à todas as áreas mais desenvolvidas do córtex. Se constitui por uma lâmina de tecidos que recobre os lobos frontais e pré-frontais, existindo apenas nos mamíferos, porém o processamento de informações é mais rápido no ser humano que em outros animais com o mesmo nível de complexidade. Ele envolve o controle dos movimentos e sabe com exatidão a localização do corpo no espaço. Está relacionado à outras estruturas, compondo um sistema que possibilita o armazenamento de memórias. Ele é responsável pelo envio de informações altamente processadas para a amígdala e o hipocampo. Além disso, recebe a informação sensorial proveniente de receptores periféricos que é processada ao longo de vias distintas, sendo assim, a sua estrutura está conectada a emoção e ao sistema límbico. Os neurônios e a glia Os neurônios são as principais células do sistema nervoso, pois são eles que realizam o processamento de informações, sentem as mudanças no ambiente, comunicam essas mudanças a outros neurônios através de transmissões sinápticas, constituídas por sinais elétricos, e comandam as respostas corporais a essas sensações, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Os neurônios são formados pelo corpo celular que é o centro metabólico de suas atividades, de onde irradiam os dendritos e os axônios. Os dendritos são 25


prolongamentos que funcionam como antenas para captação dos sinais sinápticos de outros neurônios, enquanto que os axônios são prolongamentos mais extensos que levam as mensagens dos neurônios, transmitidas por impulsos elétricos para regiões mais distantes, de acordo com Lent (2010). Por conduzirem a mensagem por uma distância maior, os axônios possuem a bainha de mielina para acelerar a propagação dos impulsos nervosos por todo o seu comprimento. (Ver figura 6) Já a glia ou gliócitos, derivada da palavra grega cujo significado é “cola”, contribui com as funções neurais ao sustentar, nutrir e isolar os neurônios, oferecendo o suporte que os neurônios necessitam para processar as informações.

Figura 6: Componentes básicos do neurônio Fonte: Google Imagens, 2020.

O mapeamento cerebral O anatomista austríaco Franz Gall (1758-1828), provavelmente foi o primeiro a propor a localização cerebral das funções mentais. Segundo Lent (2010, p.26), “Gall acreditava que o cérebro é uma máquina sofisticada que produz comportamento, pensamento e emoção”. Seu estudo envolvia dividir a mente em 27 faculdades consideradas afetivas e intelectuais. A figura 7 apresenta dois mapeamentos das funções cerebrais em áreas distintas do órgão. O mapeamento A representa a demarcação das funções cerebrais, 26


como as propostas por Gall, seguindo a doutrina da pseudociência denominada frenologia, na qual as saliências e sulcos na superfície do crânio eram determinantes para o desenvolvimento dos traços de personalidade e caráter de uma pessoa, e quanto mais desenvolvido fosse esse traço, maior seria essa área em comparação à outras. Essa iniciativa ficou conhecida como Teoria de Gall e está descrita por Éric Kandel et al (2014), no livro Princípios de Neurociências.

Figura 7: A – Localização das funções cerebrais em locais imaginários e B – Localização das funções cerebrais com base em experimentos com animais e estudo em seres humanos. Fonte: LENT, 2010, p. 29

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O trabalho realizado por Gall foi considerado infundado por não envolver procedimentos científicos embasados na investigação de fatos e não haver evidências comprovadas de que tais regiões correspondiam as funções estabelecidas por ele. No decorrer do tempo, a metodologia para o mapeamento cerebral passou a determinar as funções cerebrais de acordo com as lesões ocasionadas no cérebro, partindo do princípio de que se uma lesão provocasse o déficit funcional de alguma atividade no corpo, então o local dessa lesão era designado para a função que foi perdida. Porém, essa lógica desconsiderava que o cérebro poderia se reorganizar de modo que outras regiões participassem da função ausente pela lesão, como uma pessoa que perde a visão e tem outros sentidos mais pronunciados como o tato e a audição. Desta forma, “o déficit final poderia não refletir exatamente a pura falta da região lesada, mas sim o resultado da reorganização funcional do sistema.” (Lent, 2010, p.27) No entanto, o impasse com o método tradicional de mapeamento cerebral foi resolvido com o advento de duas técnicas de imagem funcional do sistema nervoso até então difundidas, que foram denominadas de Ressonância Magnética Funcional (IRMf) e Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP), as quais consistem na interpretação da atividade dos neurônios através de imagens do fluxo sanguíneo cerebral ou metabolismo neuronal. Os experimentos são realizados em indivíduos saudáveis e as imagens mostram diferentes alterações no momento em que determinada função é provocada. Como pode ser observado nas figuras 8 e 9, as cores mais acentuadas de tonalidade quente, representam as áreas mais ativas no cérebro e, do contrário, as áreas mais claras são menos ativadas, o que possibilita identificar as regiões que influenciam nas diversas funções mentais, neste caso relacionadas às emoções (figura 8) e a alguma atividade específica (figura 9).

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Figura 8: Ressonância Magnética Funcional (IRMf) Fonte: BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 627

Figura 9: Tomografia por Emissão de Pósitrons (TEP) Fonte: KANDEL, 2014, p. 13

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4. A CONSCIÊNCIA, A EMOÇÃO E OS SENTIDOS

A consciência permanece ainda como um grande mistério para neurocientistas. Segundo PAIVA (2020), o cérebro absorve menos de 1% da informação sobre o ambiente na percepção consciente, sendo que o restante é processado abaixo do nível da consciência, ou seja, a mente humana percebe o ambiente majoritariamente de maneira inconsciente. O que está relacionado ao fato de que a percepção entre os sentidos do organismo e o meio ocorre pela intervenção dos receptores sensoriais que captam a informação e a transformam em impulso nervoso, para ser conduzida até o cérebro que consegue decifrar mais do que os cinco sentidos clássicos do organismo, como afirmado por Lent (2010): A percepção começa quando uma forma qualquer de energia incide sobre as interfaces situadas entre o corpo e o ambiente, sejam elas externas (na superfície corporal) ou internas (nas vísceras). Nessas interfaces localizam-se células especiais capazes de traduzir a linguagem do ambiente para a linguagem do sistema nervoso: os receptores sensoriais. São eles que definem o que comumente chamamos sentidos: visão, audição, sensibilidade corporal, olfação e gustação. Mas nosso cérebro é capaz de sentir muito mais - consciente e inconscientemente do que esses cinco sentidos clássicos permitem supor. (LENT, 2010, p.184)

As emoções As emoções podem ser entendidas como o desencadear de processos orgânicos envolvendo o sistema nervoso, após o ser humano ser envolvido por algum sentimento, acontecimento ou estímulo. Ao pensar sobre o significado da emoção, PURVES (2010) descreve que: A palavra “emoção” cobre ampla gama de estados que apresentam em comum a associação de respostas motoras viscerais, comportamento somático e poderosas sensações subjetivas. As respostas motoras viscerais são mediadas pelo sistema nervoso motor visceral, o qual, por sua vez, é regulado por sinais originários de muitas outras partes do encéfalo. (PURVES et al, 2010, p. 758)

Suas afirmações corroboram com DAMÁSIO (1996), quando tratam das emoções no sentido de provocarem alterações no estado do corpo como resposta de um processamento ocorrido na mente: Vejo a essência da emoção como a coleção de mudanças no estado do corpo que são induzidas numa infinidade de órgãos por meio das terminações das células nervosas sob o controle de um sistema cerebral dedicado, o qual responde ao conteúdo dos pensamentos relativos a uma determinada entidade ou

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acontecimento. Muitas das alterações do estado do corpo — na cor da pele, postura corporal e expressão facial, por exemplo — são efetivamente perceptíveis para um observador externo. (DAMÁSIO, 1996)

As neurociências afetivas são incumbidas de investigar as bases neurais da emoção e do humor através da observação de comportamentos, registros fisiológicos e estudos de lesões e doenças. No entanto, ao longo do tempo têm surgido diversas teorias sugerindo como ocorrem as emoções. A fim de se obter constatações científicas, experimentos são realizados na tentativa de entender o funcionamento desse fenômeno, definir as estruturas envolvidas no processamento da emoção e sua correlação com outros sistemas do organismo. Verifica-se uma dificuldade de correlacionar o estado fisiológico do organismo com a experiência emocional, pois uma emoção pode desencadear uma série de mudanças no organismo comuns a outras emoções, o que revela a complexidade da realização dos estudos, porém as pessoas conseguem ter consciência das alterações que ocorrem no organismo quando sentem uma emoção, o que contribui com o processo investigatório. Mesmo com a incerteza científica a respeito das emoções, algo deve ser esclarecido sobre a mente humana. O hemisfério esquerdo do cérebro que está associado a razão não deve ser desassociado do hemisfério direito que corresponde à emoção, pois há setores em ambos os hemisférios que interagem entre si, por exemplo, na tomada de decisão, e essa articulação entre as várias regiões do encéfalo envolvem tanto o sistema da razão e quanto o da emoção de forma consciente ou inconscientemente. Neuropsicólogos, neurólogos e psiquiatras estão começando apenas agora a apreciar o importante papel do processamento emocional em outras funções complexas do encéfalo, como o processo de tomada de decisão e o comportamento social. Muitas outras evidências indicam que os dois hemisférios apresentam diferente especialização na questão de governar a emoção, sendo o hemisfério direito o mais importante nesse aspecto. (PURVES et al, 2010, p. 758)

Os sentidos Os sentidos integram o denominado sistema sensorial que se refere a todos os componentes no sistema nervoso que estão envolvidos com as sensações. Os 31


órgãos sensoriais são responsáveis por captarem os estímulos, transmitirem para o cérebro que irá processar as informações e enviar respostas comportamentais ou humorais a esses estímulos. Curiosamente, a divisão dos sentidos foi estabelecida por Aristóteles tal qual as pessoas a conhecem até nos dias atuais: visão, audição, olfato, paladar e tato que serão tratados a seguir. Gustação Por mais que existem inúmeras substâncias cujos sabores parecem ilimitados, o ser humano consegue distinguir cinco categorias dele: o doce, o salgado, o azedo, o amargo e o umami. Este último tem origem no japonês e significa “delicioso” e é definido pelo gosto saboroso do aminoácido glutamato, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). As pessoas são capazes de reconhecer inúmeros sabores, mesmo com a restrição a cinco categorias básicas, porque cada alimento ativa uma combinação de sabores que o distingue entre os demais. Além disso, a percepção sobre os alimentos é auxiliada pelo olfato na detecção do cheiro, através da visão que capta formas e cores dos alimentos e por meio do tato que sente a sua textura e temperatura. Por mais que seja insana a ideia de detectar os sabores dos ambientes, os seres humanos são capazes de assimilar o aroma exalado pelos objetos que o compõem como, por exemplo, das plantas frutíferas, ervas e temperos. Isso possibilita o reconhecimento gustativo das substâncias dispersas no ar por já haverem experienciado antes o sabor nos alimentos. Esse fato pode ser explicado cientificamente devido ao organismo dos seres humanos terem a capacidade de identificar as substâncias químicas do ambiente externo, processo denominado transdução1, e através dos sentidos químicos que possuem quimiorreceptores, células sensíveis a substância química, distribuídas por todas as partes do corpo, captam as substâncias químicas e sinalizam ao cérebro no nível consciente ou inconsciente.

“O processo pelo qual um estímulo ambiental causa uma resposta elétrica em uma célula receptora sensorial é chamado de transdução (do latim transducere, que significa “conduzir através”).” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 271). Esse mecanismo facilita o reconhecimento de inúmeras substâncias químicas disseminadas no ambiente. 1

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Conforme explanado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), o paladar e o olfato são sistemas separados e diferentes, porém as informações de cada sistema são processadas paralelamente e mescladas no córtex cerebral, o que faz com que os aromas espalhados pelo ambiente sejam detectados pelo olfato e simultaneamente possam aguçar o paladar. Gustação e olfato têm uma função similar: detectar substâncias químicas do ambiente. Na verdade, o sistema nervoso pode detectar sabor com o uso dos dois sentidos juntos. Eles têm uma conexão forte e direta com as nossas mais básicas necessidades internas, incluindo sede, fome, emoção, sexo e certas formas de memória. Entretanto, os sistemas de gustação e olfato são separados e diferentes, desde as estruturas e os mecanismos de seus quimiorreceptores até a organização geral de suas conexões centrais e seus efeitos sobre o comportamento. As informações neurais de cada sistema são processadas em paralelo e mescladas posteriormente em níveis superiores no córtex cerebral. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 266)

O olfato As pessoas não detectam o cheiro pelo nariz, mas pelo epitélio olfativo que fica no alto da cavidade nasal, onde se localizam as células receptoras olfatórias, responsáveis por realizarem a transdução quando os estímulos químicos presentes na parcela de ar que passa pelo epitélio, chamados odorantes, chegam até essas células depois de se dissolverem na camada de muco que é produzida pelo próprio epitélio, como explanado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). É curioso o fato de que apenas cerca de 20% das milhares de substâncias existentes num ambiente são consideradas agradáveis ao olfato das pessoas. Esse sentido está diretamente relacionado com a memória, pois as células receptoras olfatórias possuem axônios próprios que enviam as informações diretamente para o córtex olfatório que se conecta com o hipocampo, região integrante do sistema límbico, ao contrário dos demais sentidos que passam por outros processos cerebrais antes. Por isso, o cheiro é a percepção sensorial que mais permanece registrada na memória. Esse processo também se comunica com a amígdala e por isso esse estímulo pode fazer as pessoas se emocionarem. Visão

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A luz consiste em energia eletromagnética emitida na forma de ondas que são sensíveis ao olho humano, pois se enquadram no intervalo do espectro eletromagnético que é visível. Essas ondas estão dispersas no ambiente e se comportam de diferentes maneiras, colidindo com objetos, sendo absorvidas, refletidas, espalhadas ou desviadas por suas superfícies. O olho é o órgão integrante do sistema visual, mas não é através dele que as pessoas veem o mundo. Ele é especializado em detectar, localizar e analisar a luz por meio de suas estruturas internas. A cavidade deste órgão funciona como uma câmera fotográfica que se ajusta às diferenças de iluminação e focaliza objetos, projetando as imagens nítidas do meio exterior sobre a retina. O olho também é capaz de fazer o escaneamento do ambiente com os movimentos oculares e manter limpa sua superfície por meio das lágrimas e pelo movimento das pálpebras. A retina, por sua vez, é uma membrana que está localizada posterior ao olho e contém fotorreceptores especializados na conversão do estímulo luminoso em estímulo nervoso, através da fototransdução, mecanismo semelhante ao das células receptoras olfatórias. Em seguida, as informações são encaminhadas para o córtex visual no lobo occipital do cérebro para que possam ser traduzidas como imagem. Essa camada do olho também é responsável pela adaptação às diferenças de intensidade luminosa no ambiente e a detecção das cores. Já a pupila é o orifício de diâmetro regulável que está envolta pela íris, a pigmentação que atribui cor aos olhos. Essa abertura permite a passagem da luz dispersada no meio externo para a retina de maneira controlada, se dilatando sob o baixo nível de luminosidade e se contraindo sob o alto nível de energia luminosa. Ao entender esse funcionamento básico da luz que passa pela pupila, chega até a retina que processa a informação e envia ao cérebro para ser convertida em imagem, é importante se ater a questão da iluminação artificial. As pessoas necessitam da iluminação artificial para realizarem qualquer atividade durante o período noturno ou mesmo no decorrer do dia em ambientes que não possuem claridade o suficiente por meio da iluminação natural. O mercado oferece uma diversidade de lâmpadas, cada qual com suas especificações, como temperatura da cor e fluxo luminoso, para atender às mais variadas necessidades. No 34


entanto, é preciso se atentar ao definir essa iluminação, pois baixas cargas de luminosidade podem dificultar a execução de tarefas e obscurecer pontos no ambiente que deveriam receber a claridade ou, ao contrário, altas cargas luminosas em um ambiente podem provocar ofuscamento da visão, causar um estado de alerta nas pessoas e sobrecarrega-las. Por isso existe a Norma Brasileira NBR 8991-1 que estabelece critérios para a elaboração de projeto luminotécnico em ambientes de trabalho, considerando que os usuários desses espaços estarão expostos a iluminação artificial por um longo período do dia para a execução de diversas tarefas. Audição Os sons são ondas que se propagam no meio físico ao provocar variações audíveis na pressão do ar e que podem ser emitidos por objetos que tenham a capacidade de movimentar as moléculas de ar, como os instrumentos musicais e as cordas vocais. O ouvido de um ser humano é capaz de captar uma frequência de sons assim como a visão é capaz de identificar um intervalo de ondas eletromagnéticas. A frequência do som, expressa em hetz (Hz), corresponde ao número de trechos de ar comprimido ou rarefeito no ambiente que atravessam o ouvido a cada segundo. Existem ondas de baixa ou alta frequência no intervalo de 20 Hz a 20.000 Hz, que os seres humanos conseguem compreender, conforme explicação de BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Além da frequência, o ouvido também decifra a intensidade do som ou amplitude que corresponde ao volume alto ou baixo que as pessoas conseguem perceber. Desta forma, os sons obtidos através da combinação de ondas sonoras de diferentes frequências e amplitudes, resultam em uma variedade de tons que o ouvido consegue discernir. Através de um sistema de pequenos componentes mecânicos no ouvido interno, os sons são captados pelos receptores auditivos, encaminhados pelas vias auditivas e transduzidos de energia mecânica sonora para as respostas neurais que são decifradas no córtex auditivo. As pessoas vivem em um mundo no qual ruídos são emanados de diversas fontes sonoras a todo o momento. O cérebro é capaz de agir de modo seletivo, analisando os sons importantes, enquanto ignora o ruído, porém quando as pessoas 35


estão expostas a um ambiente barulhento em um período constante de tempo, essa função se exaure e pode causar efeitos desconfortáveis nas pessoas, indo de uma desconcentração e estresse, até danos mais severos. Tato O sistema somatossensorial envolve sensores distribuídos por toda a pele, denominados receptores cutâneos, que permitem ao corpo humano sentir as sensações como o calor, o frio, a dor pelo toque, o prurido pela irritação na pele, a temperatura de um ambiente (termorreceptores), a pressão, a textura e a vibração pelo contato (mecanorreceptores), além de identificar as partes do corpo que recebem esses estímulos. Internamente, o organismo possui sensores nos músculos, tendões e articulações que informam sobre suas posições e as deformidades ou estiramentos. Esse sistema é muito abrangente e envolve todas as sensações que não se enquadram nas categorias anteriores, incluindo a posição do corpo e o sistema de equilíbrio, denominado sistema vestibular2. A pele é o maior órgão sensorial do ser humano. Ela é dividida em derme, a camada interna, e epiderme, a camada externa. Suas funções são a regulação da temperatura, evitando a evaporação dos fluídos corporais no ambiente seco ao qual as pessoas vivem, a proteção dos tecidos subjacentes e a percepção sensorial através das terminações nervosas sensitivas. De acordo com BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), ela fornece o contato mais direto do ser humano com o mundo. As percepções da pele são captadas pelos receptores cutâneos que transmitem as informações aos nervos sensoriais que as conduzem pelo sistema nervoso periférico através dos impulsos nervosos, fazendo-as alcançarem a região do córtex somatossensorial, local onde ocorrem os níveis mais complexos de processamento cerebral, assim como nas outras regiões corticais que são ativadas pela atividade dos sistemas sensoriais da visão, gustação, paladar e olfato. Todos os sistemas sensoriais basicamente envolvem a percepção dos sentidos por células receptoras que transduzem essas informações, encaminham pelo

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Sistema vestibular é um sistema neural responsável por monitorar e regular o equilíbrio do corpo. O processo é internalizado e informa ao sistema nervoso a localização da cabeça e do corpo, bem como estão se movimentando, conforme BEAR, CONNORS e PARADISO (2017).

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organismo através de estruturas integrantes de cada sistema, fazendo essas mensagens chegarem até os córtices cerebrais, serem altamente processadas e devolvidas sob a forma como o organismo reage aos diferentes estímulos. Observa-se que através do ambiente o ser humano é estimulado a experienciar as mais diversas sensações. As pessoas veem as cores, formas, volumes, texturas, luzes e sombras do ambiente a sua volta, escutam os ruídos emitidos por diversas fontes que vêm dele e podem ser reverberados por ele, absorvem seus aromas, tateiam a superfície de objetos que estão contidos nele, sentem a irregularidade do piso pelo contato com os pés, o relevo da parede ao encostar as mãos, a temperatura do lugar sem ao menos precisar tocá-lo, a umidade do ar este que preenche o espaço e se orientam também através dele. De inúmeras maneiras, consciente ou inconscientemente, as pessoas interagem com o ambiente através

dos

sistemas

sensoriais

que

estão

sendo

estimulados

por

ele

simultaneamente a todo momento. Entender esse conteúdo proporcionado pela neurociência é o caminho para que a arquitetura possa oferecer o seu melhor, proporcionando às pessoas uma experiencia sensorial dinâmica, prazerosa e enriquecedora, como será abordada na próxima etapa da pesquisa.

5. NEUROCIÊNCIA APLICADA À ARQUITETURA Sendo unidades funcionais de informação, os neurônios operam em grandes conjuntos, e não isoladamente. Há uma tendência geral na evolução - embora com exceções - de selecionar animais com cérebros cada vez maiores, dotados de um número de neurônios e gliócitos cada vez maior. Provavelmente isso ocorre porque, sendo dotados de maior número de neurônios e gliócitos, os animais tornam-se capazes de comportamentos mais ricos e mais adaptados aos diferentes ambientes que encontram na Terra. (LENT, 2010, p.15)

O século XIX foi marcado por uma sociedade que se via no início de uma mudança de crença ao se desprender de dogmas da religião para alcançar conhecimento científico a respeito da existência humana e sua matéria cerebral. Antes disso, imperava a doutrina ventricular iniciada no século 4 d.C. pela Igreja Católica, conforme citado por Lent (2010), que discorre sobre a função mental ser distribuída

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em três etapas. Esse pode ser considerado o primeiro indício de tentar compreender o processo de captação das sensações pelo corpo humano e o registro na memória. Em todas as versões dessa doutrina ao longo dos séculos obedeceu-se a um esquema básico de distribuição das funções mentais em três etapas sucessivas, correspondentes aos três ventrículos. A primeira etapa era a coleta de impressões do ambiente (as sensações); a segunda, o processamento das impressões em imaginação ou pensamento; e a terceira, seu armazenamento na memória. (LENT, 2010)

A primeira parte da pesquisa relatou que a neurociência teve grandes avanços no decorrer da história na descoberta do funcionamento do cérebro humano. Uma dessas descobertas interessa muito a arquitetura que é a relação do homem com o ambiente e de que forma essa interação o transforma, para assim poder projetar ambientes que promovam o bem estar e a qualidade de vida das pessoas. Pesquisas constatam que o comportamento humano está estritamente relacionado com o ambiente em que ocupa, ao ponto em que a interação entre o homem e o ambiente é capaz de provocar alterações nas funções cerebrais. Tal fato foi observado analogamente em outras espécies animais por neurocientistas, o que contribuiu para que eles identificassem qual região do encéfalo era responsável por determinada função, através do maior desenvolvimento da região cerebral de uma espécie em comparação com outras espécies. Muitos traços comportamentais são altamente especializados para o ambiente (ou nicho) que uma espécie ocupa. Por exemplo, macacos que saltam de galho em galho têm um sentido de visão muito apurado, ao passo que ratos andando furtivamente em túneis subterrâneos têm uma visão fraca, mas um tato altamente desenvolvido por meio de suas vibrissas. Essas adaptações se refletem na estrutura e nas funções do encéfalo de cada espécie. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 12)

Como visto em um momento anterior, os neurônios são capazes de perceber o ambiente, sendo assim o próprio ambiente causa interferência no desenvolvimento humano logo no período neonatal. Isso porque os dendritos dos neurônios possuem saliências membranosas denominadas de espinhos dendríticos responsáveis por realizar a condução dos impulsos nervosos - que continuam amadurecendo após o nascimento do bebê e com isso o ambiente pode provocar mudanças a partir do primeiro contato que o ser humano tem com o mundo. E vale

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ressaltar que o estimulo sensorial adequado presente no ambiente ainda no início da infância pode prevenir o aparecimento de doenças e transtornos mentais. O desenvolvimento sináptico normal, incluindo a maturação dos espinhos dendríticos, depende muito do ambiente durante o período neonatal e o início da infância. Um ambiente empobrecido durante esse “período crítico” do desenvolvimento pode levar a profundas mudanças nos circuitos cerebrais. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 47)

Steen Eiler Rasmussen, em seu livro intitulado Arquitetura Vivenciada (2015), relata suas observações a respeito das crianças que aprendem ao tocar os objetos, obtendo noção sobre textura, formato, peso, solidez e outras características. Ao absorver tais informações, elas serão capazes de identificar os objetos e seus aspectos físicos sem ao menos precisar tateá-los novamente. Segundo ele, as crianças aprendem institivamente e aumentam suas oportunidades de vivenciar o meio circundante através de uma variedade de experiências. Essa passagem demonstra a importância de a criança experimentar o meio em que vive: O bebê começa por provar coisas, tocá-las, manuseá-las, engatinhar sobre elas, afim de descobrir de que natureza são, se são amigáveis ou hostis. Mas rapidamente aprende a usar toda a espécie de artifícios e expedientes para evitar as experiências desagradáveis. Logo a criança passa a estar perfeitamente capacitada para o emprego dessas coisas. Ela parece projetar profundamente seus nervos, todos os seus sentidos, nos objetos inanimados. (RASMUSSEN, 2015, p.14)

Esse fenômeno é abordado por PAIVA e GONÇALVES (2018) ao explicar que cada experiência sensorial é registrada pelo cérebro e em um momento posterior esses registros são acessados de forma a identificar padrões. Sendo assim, a mente humana se baseia em associações acerca do que foi experimentado antes para reconhecer os elementos e julgá-los como agradáveis ou hostis. Esse processo acontece antes mesmo de as pessoas terem consciência do que está acontecendo. Além disso, o cérebro é capaz de se modificar e moldar algumas estruturas diante de diferentes estímulos os quais o organismo está exposto no ambiente. Este fenômeno é conhecido como plasticidade. “Para armazenar informação, o encéfalo precisa mudar em resposta aos estímulos do ambiente, de modo que faz sentido que muitos circuitos tenham a capacidade de efetuar modificações sinápticas”. (Kauer apud BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 572). Sendo assim, as mudanças no

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espaço provocam alterações no cérebro e consequentemente o comportamento das pessoas também se modifica. Durante o período crítico, que ocorre desde o desenvolvimento pós natal até a adolescência dos seres humanos, o ambiente exerce maior influência sobre a experiência sensorial. Com o amadurecimento das transmissões sinápticas e ao cessar do crescimento dos axônios, ocasionado na fase da puberdade, algumas atividades se tornam mais difíceis de serem aprendidas, como se tornar fluente em um novo idioma, por exemplo. Este acontecimento, no entanto, não significa que não haverá mudanças em outras estruturas cerebrais, mesmo porque o cérebro continua registrando memórias e, portanto, “o ambiente precisa modificar o encéfalo ao longo da vida, senão não haveria uma base para a formação de memórias.” (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 820) Outro fato revelado pelos neurocientistas é que o ser humano tem a capacidade de produzir neurônios para além da primeira fase de vida. O fenômeno conhecido como neurogênese, que é a geração de novos neurônios, ocorre continuamente por células progenitoras neurais no encéfalo adulto como afirmado por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017). Isso indica que ambientes com riqueza de estímulos sensoriais são capazes de aumentar a quantidade de neurônios na região do hipocampo e melhorar o aprendizado e a memória. De acordo com a professora Andréa de Paiva, coautora do livro Triuno (2018) e palestrante da live disponibilizada pela ABD (Associação Brasileira de Designers de Interiores) sobre o tema neurociência para designers de interiores ministrada em 2020, “os espaço afetam as pessoas enquanto elas os ocupam e após se retirarem de um espaço ainda podem ter influências dele, mesmo que de forma inconsciente” PAIVA (2020). Isso ressalta o quanto os ambientes podem despertar sensações nas pessoas através de estímulos que são percebidos de forma consciente ou inconscientemente. É perceptível que o cérebro sofre interferência pelo meio externo. Ainda no início da fase de crescimento, o ser humano tem o cérebro significativamente modificado pelo ambiente, o que torna esse órgão produto dos ambientes com os quais o ser humano interage. Após o entendimento acerca da importância do ambiente 40


para as pessoas fundamentada na neurociência, a segunda parte da pesquisa se dedica ao entendimento da área de arquitetura de interiores, da neuroarquitetura e esferas que envolvem a neuroarquitetura na busca por proporcionar uma experiência transformadora entre o homem e o ambiente, sendo abordadas a arquitetura biofílica, a arquitetura sensorial e a psicologia ambiental. 5.1. A arquitetura de interiores História Não é recente o campo da arquitetura de interiores, na antiguidade, embora não existisse a função de arquiteto ou designer de interiores propriamente dita, há evidências obtidas através de exploração arqueológica constatando como os ambientes eram tratados nesse período. No Antigo Egito, é notável a ornamentação das paredes e tetos que recebem formas esculpidas e pintadas na pedra, retratando a vida cotidiana dos egípcios. Os hieróglifos também eram utilizados como escrita pictográfica nas paredes e tinham um significado sagrado. Percebe-se nesses ambientes a rigidez da forma. (Figura 10)

Figura 10: Tumba de Ramsés VI, no Vale dos Reis Fonte: O Globo

Na Grécia antiga, embora muito pouco tenha restado das construções da época, as ruínas possibilitam perceber os grandes monumentos e a preocupação com 41


a proporcionalidade, conhecida como proporção áurea, e a adoção de formas rígidas, colunas esculpidas, ornamentações e frisos, além de indícios do uso de pedras de mármore e revestimento de ouro nos espaços internos. Os templos eram erguidos para adoração aos deuses. (Figura 11).

Figura 11: Ruínas do templo de Erecteion erguido para adorar ao deus Poseidon Fonte: Educa Mais Brasil

Na Roma Antiga, as construções também tinham o caráter monumental e o uso de colunas. Esse período foi marcado pela descoberta de novas formas que rompiam com a rigidez das linhas retas, com o descobrimento de técnicas para a estruturação do arco e da cúpula. Existiam construções de tijolos e argamassa, cujo cimento era obtido a partir da pozolana (cinzas vulcânicas). Segundo o site Portal Educação “Os romanos deram um passo a mais no desenvolvimento do design de interiores, pois foram os pioneiros em se preocupar com o conforto dos espaços”. Os romanos aprenderam a técnica de imitar os revestimentos por meio de mármores coloridos e se mostraram despreocupados em adotar as medidas áureas nas construções. Nesse período três construções foram muito marcantes: O Panteão (templo de adoração aos deuses), o coliseu (anfiteatro para realização de espetáculos) e as termas (local de banho público). (Figura 12) As antigas residências romanas conhecidas como domus localizadas em Pompéia, possuíam dois pátios, onde um era constituído pelo átrio para coleta de águas pluviais e o outro denominado peristilo era circundado por colunas e dispunha 42


de um jardim no centro em uma área descoberta. Por esses pátios as residências recebiam ventilação e iluminação. As paredes eram decoradas com afrescos 3 e as aberturas geralmente eram posicionadas para o interior das casas. (Figura 11-B) A

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Figura 12: A – Coliseu de Roma; B – Domus de Pompéia; C – Panteão de Roma; D – Termas de Bath Romana Fonte: A – Toda Matéria; B – National Geographic; C – ArchDaily; D – Blog da Janela

A idade média teve duração entre os séculos V e XV foi marcada por imponentes castelos e igrejas suntuosas. Os castelos eram decorados com tapeçaria e recebiam móveis em madeira natural. As igrejas bizantinas utilizavam amplamente os mosaicos. As igrejas góticas eram delineadas por arcos ogivais, grandes vitrais e acentuadas linhas verticais, direcionando o olhar para o alto, e o teto era formado por abóbadas cruzadas. Enquanto as igrejas românicas tinham proximidade com o estilo romano por causa dos arcos e das colunas, e os corredores longitudinais eram ladeados por colunas. Percebe-se o estabelecimento de um eixo de simetria na nave central da igreja, a qual os lados esquerdo e direito dos ambientes são semelhantes e um parece ser o reflexo do outro. (Figura 13)

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Dicionário: Arte ou método de pintura mural que consiste em aplicar cores diluídas em água sobre um revestimento de argamassa ainda fresco, de modo a facilitar o embebimento da tinta.

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Figura 13: A – Castelo de Haddon Hall na Inglaterra; B – Catedral de Durham na Inglaterra (Românico); C – Basílica de Saint Denis em Paris (Gótico); D - Catedral do Sangue Derramado na Rússia (Bizantino). Fonte: Google Imagens

Figura 14: Palazzo Medici Riccardi na Itália Fonte: Google Imagens

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No período renascentista, os espaços interiores também se caracterizavam pelos afrescos, decoração em estuque, o uso de arabescos com uma combinação de formas que se assemelhavam às ramificações de plantas, além de ser um espaço provido de ampla iluminação. (Figura 14) No barroco, os interiores das igrejas e palácios eram expressivos, denotava uma teatralidade e exuberância de ornamentos. As pinturas demonstravam uma noção de profundidade, havia um contraste entre claro e escuro, luz e sombra, o uso de cores vibrantes e obras escultóricas com movimento nos traços. Já o rococó, um pouco menos adornado e cores que remetiam a natureza. (Figura 15) A

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Figura 15: A – Sala dos espelhos do Palácio de Versalhes; B – Palacio de Caserta na Itália Fonte: Google Imagens

O Art Nouveau (1890-1918) foi um movimento que teve início na França, expandiu por toda a Europa e depois se tornou um estilo internacional. Ele é reconhecido pela sua assimetria, formas curvilíneas, orgânicas, distorcidas e fluídas que remetem a natureza. Houve uma articulação entre a arte simbólica e expressiva aliada a produção industrial com o uso do ferro e do vidro. Enquanto que o Art Decó surgiu posteriormente e tinha como características opostas o uso de linhas retas, formas geométricas simples, materiais nobres e exóticos que transparecia um aspecto de requinte e luxúria de modo exagerado. Ambos os movimentos se destinavam às classes mais abastadas. (Figura 16)

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Figura 16: A - Casa Batló de Antoni Galdí em Barcelona; B - Edifício Chrysler de William Van Alen em Nova York Fonte: Google Imagens

O modernismo surgiu no século XX e apresentou duas correntes. De um lado uma arquitetura de interiores orgânica, pautada pela presença de revestimentos naturais, como a pedra, o tijolo e a madeira em sua forma bruta. Nota-se uma integração entre os elementos naturais e os industriais como o vidro e o aço, onde um se complementa no outro, há uma continuidade entre o espaço construído e a natureza que o circunda, uma preocupação com o bem estar humano. Enquanto que do outro lado, temos uma arquitetura minimalista que presa pelo funcionalismo, a racionalidade da composição, sem excessos, desprovido de qualquer ornamentação, ambientes com poucas informações, as superfícies dos pisos, paredes e teto são lisas e possuem tonalidades claras, o arranjo é simples e limpo. O mobiliário aparece sendo estruturado por peças metálicas tubulares. A característica mais em comum que ambas as correntes compartilham é a amplitude dos espaços com a ausência de paredes ou divisórias separando as funções, havendo uma integração entre as áreas sociais desses ambientes. (Figura 17) A

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Figura 17: A – Casa da Cascata Frank Lloyd Right na Pennsylvania, Estados Unidos; B – Casa Farnsworth de Mies van der Rohe em Illinois, Estados Unidos Fonte: Google Imagens

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Na contemporaneidade, há uma variedade de materiais, tonalidades, mobiliário e outros componentes que integram a composição arquitetônica dos espaços interiores. Nota-se uma grande preocupação em inserir elementos naturais não somente através dos revestimentos, mas pelo uso de plantas, além de uma necessidade de dispor aberturas e privilegiar a iluminação e a ventilação naturais. Os objetos decorativos são inseridos para complementarem os ambientes. Há uma liberdade compositiva, uma mistura de elementos na busca pelo equilíbrio e por tornar os espaços mais intimistas e pessoais, transmitindo a sensação de serem despojados e dinâmicos, rompendo com padrões e regras. (Figura 18) A

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Figura 18: A – Ambiente produzido pela arquiteta Flávia Roscoe para a CASACOR Brasília 2019; B – Ambiente produzido pelo escritório Choque Arquitetura e Design para a CASACOR Minas Gerais 2019. Fonte: casacor.abril.com.br

Aqui foram apresentados alguns dos períodos que transformaram a arquitetura de interiores até a atualidade. É possível perceber que a arquitetura foi sendo moldada em cada época de acordo com a simbologia, a cultura, as técnicas aprendidas, o advento da indústria e os materiais desenvolvidos. Cada ambiente através de sua linguagem passava uma mensagem, um pensamento de determinada época, um significado que foi materializado. É importante ressaltar que a arquitetura nunca é definitiva, está sempre se transformando, se reinventando em busca de realizar os anseios de uma sociedade. Conceitos Com a especialização nas mais diferentes áreas, há três termos comumente confundidos e que precisam ser diferenciados: Arquitetura de Interiores, design de ambientes, design de interiores e decoração de interiores.

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A dissertação de mestrado em desing de Marjorie Lemos Gubert (2011) faz um paralelo entre as áreas, expondo suas especificidades. Ao traçar um comparativo entre as profissões é perceptível que a arquitetura de interiores é a área mais abrangente entre as demais que lida com problemas estruturais, ambientais e de manutenção, resolução de layout, planejamento interno, circulação de pessoas, podendo desenvolver projetos de grandes escalas como museus e prédios públicos. Enquanto que o design de interiores está envolvido com projetos de menor escala, se preocupando em conceber uma atmosfera articulada com a identidade adotada para o projeto por meio de linhas, volumes, cores, texturas, mobiliário, ou seja, a criação de uma composição ambiental que satisfaça o cliente nos quesitos funcionalidade, estética e o bem estar psicológico. O design de interiores se diferencia do design de ambientes por este último compreender as áreas externas que se relacionam com o paisagismo. Já a decoração de interiores se encarrega de intervenções nos espaços internos e externos, no que se refere à ornamentação, a iluminação, mobiliário, materiais de acabamento e ajardinamento. Segundo BROOKER e STONE apud GUBERT (2011): Arquitetura de interiores se preocupa com a remodelação das construções, com o desenvolvimento de espaços e estruturas existentes, a construção, a reutilização e os princípios organizacionais. Ele compreende as práticas de design de interiores e arquitetura, muitas vezes, lida com problemas estruturais complexos, ambientais e de manutenção. Esta prática abrange uma grande variedade de tipos de projeto, de museus, galerias e prédios públicos, através de escritórios de arquitetura. Design de interiores é uma prática interdisciplinar preocupada com a criação de uma gama de ambientes interiores que articulam a identidade e a atmosfera por meio da manipulação do volume espacial, a colocação de elementos específicos, tais como mobiliário e tratamento de superfícies. De modo geral, descreve os projetos que requerem pouca ou nenhuma mudança estrutural da construção existente, embora haja muitas exceções a este. Há situações em que a estrutura original é mantida e o interior novo é inserido dentro dela. Muitas vezes tem uma qualidade efêmera e, normalmente, engloba projetos como o de lojas, exposições, residências e empresas. Decoração de interiores é a arte de decorar os espaços interiores ou salas para conferir um caráter especial que se encaixa bem com a arquitetura existente. Decoração de interiores está preocupada com questões tais como superfícies padrão, ornamentação, mobiliário, decoração de interiores, iluminação e materiais. Geralmente lida apenas com pequenas alterações estruturais do edifício existente. São exemplos típicos dessa prática o design de residências, hotéis e restaurantes. (BROOKER e STONE, apud GUBERT, 2011, p.28, grifo da autora)

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Independente da qualificação ser arquitetura de interiores, design de interiores, design de ambientes ou decorador de ambientes, todos esses profissionais precisam estar comprometidos com as normas e legislação vigentes, a criatividade, a sustentabilidade, a ergonomia, a acessibilidade, a funcionalidade dos espaços e o mais importante que concebam espaços que despertem sensações positivas, sejam multissensoriais, estimulantes, ativos e que transformem a experiência de interação dos usuários com o lugar, promovendo uma atmosfera que emocione as pessoas. Metodologia de projeto A dissertação de mestrado em Design de Lílian Lago (2017), aborda o processo de projeto desde métodos tradicionais até os métodos contemporâneos. Primeiro, é necessário entender o significado de metodologia que pode ser entendida como o estudo dos métodos a serem seguidos em um determinado processo, sendo que os métodos envolvem um conjunto de procedimentos ou etapas que visam atender um objetivo. Enquanto que o processo consiste em uma sequência contínua de operações para chegar a um resultado. Sendo assim, a metodologia é o caminho guiado pelo profissional do início ao fim de um projeto. Existem diversas metodologias de processo de projeto e cada profissional utiliza aquela que melhor se adapta à sua rotina de trabalho. Na trajetória da metodologia de projeto é observada que os processos modernistas tinham por objetivo solucionar problemas e se adequar ao processo industrial que presavam pelo funcionalismo, otimização do processo e agilidade na execução de tarefas. Então as metodologias eram lineares, rígidas e simplificadas, cujo foco era atingir o resultado final. Além disso, os aspectos semânticos, as dimensões estéticas e psicológicas eram descartadas por serem consideradas supérfluas. O método mais representativo desse período foi o proposto pelo artista e designer italiano Bruno Munari (1907-1998). Já na contemporaneidade há um entendimento acerca da complexibilidade do contexto do projeto que envolve as subjetividades das pessoas e aspectos culturais, sociais, ambientais e econômicos. Esse entendimento acerca dos profissionais estarem lidando com um cenário complexo, assim como a neurociência, é determinante que seja estabelecida a interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e 49


transdisciplinaridade entre as várias esferas que podem influenciar um projeto, como as ciências sociais, a tecnologia, a sustentabilidade, a antropologia, a psicologia, a arte, entre outros. Nas metodologias contemporâneas, as pessoas envolvidas pelo projeto são colocadas no centro de todo o processo, acompanhando todas as fases do processo de projeto. O processo é flexível e as etapas se adaptam a cada demanda projetual. Adota-se uma interface usuário e produto, sendo que neste caso o produto de um projeto arquitetônico é o ambiente. O projeto considera as necessidades, particularidades, desejos e aspectos simbólicos dos clientes, agregando valor ao resultado final. O foco da metodologia não é o resultado final, mas sim o processo criativo. Talvez o modelo mais proeminente na atualidade seja o design thinking4. É perceptível que assim como vem ocorrendo uma transformação da arquitetura de interiores ao longo do tempo, a sua metodologia de processo de projeto também vem se reinventando e se adaptando à novos contextos, estando cada vez mais envolvida com as pessoas. Traçando um paralelo entre o processo de projeto e a neuroarquitetura é evidente que os profissionais estão buscando compreender as pessoas, se atentando para os aspectos subjetivos que envolvem suas vivências para conseguirem atender não somente suas necessidades, mas contribuírem para o bem estar físico e mental, a qualidade de vida e o despertar de emoções, memórias e sensações por meio dessa aproximação com cliente durante o desenvolvimento do projeto para entregar a ele um resultado significativo.

5.2. A neuroarquitetura A arquitetura é a arte que dispõe e adorna de tal forma as construções erguidas pelo homem (...) que vê-las pode contribuir para sua saúde mental, poder e prazer. John Ruskin (1819-1900), crítico de arte inglês, apud Paiva e Gonçalves Segundo PAIVA e GONÇALVES (2018), a interação entre o cérebro, o corpo e o ambiente é mais complexa do que as pessoas imaginam, e a arquitetura tem uma profunda relação com o ser humano. Os ambientes são capazes de estimular

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Design Thinking é um processo de pensamento crítico e criativo que permite organizar informações e ideias, tomar decisões, aprimorar situações e adquirir conhecimentos. Professor Charles Burnette

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diferentes partes do cérebro, criando uma experiência emocional, sensorial e instintiva que por vezes podem ser inconscientes. Observando as imagens anteriores a respeito das transformações arquitetônicas ao longo do tempo, é possível as pessoas se imaginarem em uma das igrejas construídas na idade medieval e se sentirem envolvidas por uma sensação de grandiosidade e imponência que escapam à escala humana, pois o espaço transmite a ideia de um poder maior e dominante acima de todos, fazendo com que se sintam intimidadas e pequenas diante de algo tão suntuoso. As igrejas também possuem um significado simbólico e que evoca a espiritualidade, podendo induzir a uma postura reflexiva ou convidar os usuários a um momento contemplativo. O barroco pode trazer uma sensação de poder, requinte, luxúria ou parecer confuso e exagerado pelo excesso de elementos. Enquanto que o art nouveau pode provocar essa sensação de leveza e sutileza pela plasticidade e proximidade com formas naturais, despertando uma sintonia com o ambiente através do movimento orgânico dos elementos, enquanto outras pessoas podem interpretar isso como distorcido e desordenado, causando uma sensação oposta. Já no minimalismo o ambiente pode parecer vazio, estático, indiferente para umas pessoas, enquanto para outras pessoas o mesmo espaço pode remeter a tranquilidade, organização e praticidade pela pouca informação e ausência de adornos. De qualquer forma, cada pessoa é tocada involuntariamente pelo espaço que ocupa, devido ao conjunto de elementos que ele apresenta, podendo o mesmo ambiente afetar as pessoas de maneiras diferentes. Outro aspecto importante é a permeabilidade de elementos naturais, a iluminação solar que adentra os espaços, desperta a energia e contribui para que as pessoas tenham noção do período do dia pela posição da luz que incide nas superfícies. O vento que renova a qualidade do ar, refresca o ambiente e movimenta os objetos leves, como os tecidos, trazendo esse dinamismo. Essas sensações são o oposto do que é possível sentir ao visitar uma caverna, onde há a ausência desses elementos naturais e provocam um sentimento de opressão e confinamento que podem ser sufocantes. A neuroarquitetura é definida como “a ciência interdisciplinar que aplica conhecimentos da neurociência à relação entre o ambiente construído e as pessoas que dele fazem uso” (PAIVA e GONÇALVES, 2018, p. 396). Ou seja, por meio de 51


observações acerca do comportamento e reações dos seres humanos aos estímulos do meio externo, bem como da análise da atividade cerebral através das técnicas de imagem funcional vistas anteriormente, esse campo da ciência torna o que antes era visto como uma decisão arquitetônica intuitiva em decisões pensadas com a finalidade de influenciar certos comportamentos e reações nas pessoas. A neuroarquitetura é uma área que está em desenvolvimento na busca por compreender como o cérebro interpreta os elementos do espaço, quais regiões do cérebro são ativadas quando há essa interação entre o homem e o ambiente e como ocorre essa resposta comportamental ou emocional influenciada pelo meio externo. Entender essas questões irão possibilitar traçar um caminho projetual convicto de que a harmonia, o equilíbrio, o bem-estar e a satisfação serão alcançados através da composição arquitetônica. As subjetividades podem de fato se tornarem objetivos a serem materializados pela neuroarquitetura, conforme afirmado por PAIVA e GONÇALVES (2018): O que antes eram apenas impressões subjetivas, respostas aparentemente sem razão para os sentimentos causados pelo mundo material, agora podem ser compreendidas como processos cerebrais capazes de gerar conforto, medo, contrição, dentre outras sensações. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 395)

Os sistemas sensoriais, como visto antes, fazem as pessoas perceberem os ambientes que as circundam de forma consciente ou inconscientemente. No entanto, o processo de percepção consciente é mais lento que o inconsciente, o que faz com que as pessoas processem os estímulos percebidos de forma instintiva e automática primeiro para depois processar racionalmente. O cérebro está a todo momento interpretando as informações que recebem. PAIVA e GONÇALVES (2018) abordam dois termos relacionados com o processamento dessas informações: a Gestalt que se refere a percepção das formas e do ambiente construído, no qual através de imagens é demonstrado que o cérebro ao reconhecer um elemento de forma rápida e instintiva é impreciso e irracional, necessitando de um esforço maior para que o córtex perceba a informação de forma objetiva. Assim, este órgão funciona como um filtro, no dia a dia, ao receber uma enorme quantidade de estímulos, ele absorve e processa informações no nível consciente apenas do que é considerado relevante, descartando o que é inútil. Essa 52


avaliação é feita de modo constante e automático no nível inconsciente. Já o segundo termo é o priming que se refere à um processo inconsciente no qual “certas ‘pistas’ apresentadas a um indivíduo podem afetar seu comportamento sem que ele tenha nenhuma consciência nem da ‘pista’ apresentada nem da alteração do seu comportamento” (PAIVA e GONÇALVES, 2018, p. 412). Ambas as colocações demonstram o desafio que é compreender a mente humana e sua interação com o ambiente, pelo fato de que o cérebro funciona na maioria das vezes de modo inconsciente, uma esfera ainda sendo explorado pelos neurocientistas. Enquanto isso, os termos arquitetura biofílica, arquitetura sensorial e psicologia ambiental são alguns dos meios pelos quais a neurociência pode ser aplicada à arquitetura como ferramentas para atingir de modo mais preciso os objetivos do projeto.

5.3. Arquitetura Biofílica O termo biofilia, segundo PAIVA e GONÇALVES (2018), ficou conhecido em 1984 com a publicação do livro Biophilia pelo biólogo americano Edward Osborne Wilsom. Porém foi aplicada primeiramente pelo psicólogo Erich Fromm em 1964, conforme STOUHI (2019). A palavra tem origem grega, na qual bios significa vida e philia, amor, afeição, sendo assim biofilia é o amor pela vida ou pelos seres vivos. O relatório Espaços Humanos: O Impacto Global do Design Biofílico no Ambiente de Trabalho, elaborado pelo professor de psicologia organizacional e saúde, Cary Cooper, e o sócio fundador da empresa de consultoria em sustentabilidade Terrapin Bright Green, Bill Browning, é uma pesquisa sobre as necessidades biofílicas dos seres humanos no local de trabalho que conceitua o design biofílico como: O design biofílico é uma resposta à necessidade humana de se conectar com a natureza e trabalha para restabelecer este contato no ambiente construído. Fundamentalmente, o design biofílico é a teoria, ciência e prática de criar construções inspiradas na natureza, com o objetivo de continuar a conexão do indivíduo com a natureza nos ambientes em que vivem e trabalham todos os dias. Nos ambientes construídos contemporâneos de hoje, as pessoas estão cada vez mais isoladas da experiência benéfica dos sistemas e processos naturais. (BROWNING e COOPER, 2015, p. 10)

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A arquitetura biofílica é um dos pensamentos contemporâneos do fazer a arquitetura prezando pelo desenvolvimento de espaços onde as pessoas tenham contato com a natureza ou com elementos que remetam a natureza. Desta forma, os profissionais de arquitetura e interiores têm a oportunidade de conceber ambientes humanizados e saudáveis psicologicamente e fisiologicamente ao aplicarem o conceito da biofilia em seus projetos. Uma questão que foi levantada por RAFAELLI (2020) é sobre as pessoas não conseguirem se afastar da natureza. Essa indagação foi esclarecida pelo fato de que os ancestrais humanos conviviam na natureza e isso tem sido passado entre seus descendentes desde então. Por mais que o ambiente tenha evoluído pela ação humana, cujas alterações se expressaram fortemente com o advento da industrialização e da urbanização, as pessoas não conseguiram evoluir o suficiente nesse curto espaço de tempo para acompanharem essas mudanças tão significativas e profundas ao ponto de se tornarem independentes da natureza, considerando os séculos de convivência da espécie humana com o ambiente natural. Essa afirmação também é reforçada por PAIVA e GONÇALVES (2018): Nós somos moldados pelo ambiente em que vivemos, tanto social como físico. Mas, além disso, nós trazemos em nossos genes as características moldadas desde os primórdios de nosso desenvolvimento como raça humana. E a raça humana passou a maior parte de sua história tendo que conviver e lidar com a natureza. Originalmente, nós fomos preparados para sobreviver em meio a ela. O fato de quebrarmos essa lógica genética tão bruscamente pode provocar a sensação de não pertencimento, criar estresse e problemas emocionais que se refletem no nosso comportamento, além de atrapalhar nosso funcionamento fisiológico. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 429)

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Figura 19: A – Ambiente na natureza (Ninho verde eco residence – trilha do lago em Pardinho – SP); B – Ambiente na urbanização (Avenida Paulista em São Paulo – SP) Fonte: A - www.momentum.com.br; B - www.tripadvisor.com.br

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O ser humano necessita estar em contato com a natureza para a promoção do seu bem estar. A fim de ilustrar esse fato, são apresentadas duas imagens, nas quais a figura 19-A apresenta uma trilha em meio a natureza e na figura 19-B mostra a Avenida Paulista em São Paulo, uma das vias mais movimentadas da cidade e que reflete as características da urbanização. Se perguntar as pessoas em qual dos dois lugares elas serão capazes de sentir tranquilidade, relaxamento, sossego, é muito provável que escolherão a imagem 19-A. E se perguntado em qual dos dois lugares essas pessoas gostariam de estar, certamente irão optar pela mesma imagem. Isso porque segundo dados do IBGE para o ano de 2015, a maior parte da população brasileira, 84,72%, vive em áreas urbanas. Sendo assim, as pessoas têm um contato constante com os barulhos da cidade, a circulação de veículos, os altos edifícios que ressaltam a artificialidade deste ambiente junto à pavimentação, o microclima com a temperatura quente, a baixa umidade e a poluição do ar. Todos esses fatores contribuem para o estresse, o cansaço, problemas de saúde e afeta negativamente o estado emocional das pessoas. Com isso em mente a arquitetura biofílica tem se tornado uma tendência, cujo objetivo é conectar as pessoas com a natureza ao incorporar elementos naturais. Ao pesquisar por ambientes em que foram adotados esse conceito no projeto, é perceptível a predominância de plantas. A vegetação tem um papel essencial na vida das pessoas. Ela é responsável por refrescar o ambiente ao liberar gotículas de água através da transpiração, contribuindo para o aumento da umidade do ar. Renova a qualidade do ar pela absorção de gás carbônico e liberação de oxigênio. Pode proporcionar sombra dependendo de onde for colocada para amenizar o calor absorvido pela incidência solar nas fachadas, principalmente quando estão direcionadas para o sol poente. Exala aromas que agradam o sistema olfativo, melhoram a pressão arterial e aliviam o estresse. Diminui a poluição do ar ao filtrar partículas sólidas em suspensão. Algumas plantas possuem propriedades que repelem insetos e outras atraem pássaros. Além disso, possuem compostos químicos que melhoram a imunidade, são recursos terapêuticos e podem estimular as células no combate a doenças como o câncer. Isso significa que as plantas são benéficas para a saúde física e mental.

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No entanto, a arquitetura biofílica não envolve apenas a inserção de plantas no ambiente, do mesmo modo inserir plantas em um ambiente não significa fazer arquitetura biofílica. É preciso pensar no contexto do ambiente. Os espaços são dotados de formas, volumes, texturas, materiais, cores, iluminação, barulhos, entre outros elementos. Sendo assim, é necessário desenvolver um ambiente coerente com os diversos aspectos que remetam a natureza. As formas orgânicas, sinuosas, fluídas. O uso de madeiras, pedras, tecidos como de linho e algodão, que são elementos naturais, atribuídos tanto ao mobiliário, quanto aos revestimentos. A proposta de aberturas nas fachadas para permitir a luz natural entrar. O uso de cores claras e que expressem a natureza, como o verde e o azul. Efeitos sonoros também podem ser colocados no ambiente para transmitir barulhos da natureza como do movimento das águas, de pássaros cantando, do vento balançando o galho das árvores. O uso de uma fonte artificial ou espelho d’água com gêiser também pode promover essa sensação de movimento das águas que se assemelha à natureza. Enfim, há inúmeras escolhas projetuais que possam promover uma arquitetura biofílica nos ambientes e melhorar o bem estar e a qualidade de vida das pessoas. A arquitetura biofílica também contribui com o meio ambiente e a sociedade. A sua aplicação beneficia a sustentabilidade através do uso de materiais naturais e colabora com a eficiência energética dos edifícios ao utilizarem a iluminação natural e menos equipamentos para amenizar a temperatura, como o ar condicionado, ventiladores, climatizadores, o que reduz o consumo de energia elétrica. BROWNING e COOPER (2015), apresentam no estudo global entre os entrevistados que 47% trabalham em locais sem iluminação natural e 58% afirmam não haver plantas ou flores no local de trabalho. Quando questionados sobre os elementos mais desejados no ambiente de trabalho, os cinco elementos que mais se destacaram foram: luz natural (44%), plantas (20%), ambiente de trabalho silencioso (19%), vista para o mar (17%) e cores vibrantes (15%). Isso evidencia que iluminação solar, plantas e paisagem natural, ou seja, aspectos típicos da natureza, são muito desejados no espaço de trabalho, assim como o silêncio, pois o ambiente natural apresenta um baixo nível sonoro se comparado ao urbano e é requerível, pois como visto antes, o ruído constante ainda mais em um ambiente de trabalho pode afetar negativamente as pessoas.

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Empresas como a Google e a Apple relatam um aumento na produtividade e retenção de funcionários ao adotarem o design biofílico. Além disso, essa tendência melhora a criatividade, a felicidade, o entusiasmo, a motivação, a inspiração e provoca outras emoções positivas, de acordo com o relatório de BROWNING e COOPER (2015). A afirmação de STOUHI (2019) expõe os impactos negativos que as horas de trabalho provocam no corpo humano, enfatizando que os ambientes biofílicos melhoram o resultado no trabalho: Uma pessoa passa uma média de 8 a 9 horas por dia sentada dentro de um escritório, um hábito que afeta diretamente o corpo humano. Os impactos negativos incluem: taxas reduzidas de metabolismo, aumento do risco de diabetes e doenças cardíacas, aumento do risco de depressão, dores nas costas e no pescoço. Recentemente, os arquitetos integraram projetos biofílicos em alguns escritórios modernos, resultando em um aumento de produtividade e criatividade e em uma diminuição na ausência de seus funcionários. Em outras palavras, quanto menos parecer um escritório, melhores serão os resultados do trabalho realizado em um espaço. (STOUHI, 2019)

Um exemplo de aplicação da arquitetura biofílica no meio corporativo é a empresa de arquitetura, engenharia e design IT'S Informov que aplicou o conceito em um dos andares da própria sede. A figura 20 mostra alguns espaços de trabalho e circulação da empresa, evidenciando como o emprego de elementos naturais despertou uma ambiência mais agradável para se trabalhar. Conforme entrevista realizada pela High Design Expo, o CEO da IT’S Informov, Marcelo Breda afirma que: Aplicamos o conceito em nossa própria sede, em um dos andares, onde estão departamentos como o Financeiro e o RH. O local tem estações completas de trabalho, área de convivência e salas de reunião. Inclui não apenas o verde, mas também paisagismo natural, espécies secas, elementos alusivos à natureza, projeto luminotécnico diferenciado, música ambiente, texturas variadas e aroma suave por conta da utilização da madeira. (BREDA, 2020)

Marcelo Breda ainda informa que o uso de elementos artificiais que remetam a natureza é outro aspecto que pode ser levado em consideração ao propor a arquitetura biofílica para o projeto. Podendo ser incluído no espaço quadros, painéis, tapetes, pisos e outros revestimentos que mimetizem a natureza. Os efeitos positivos que as imagens da natureza promovem no cérebro das pessoas é confirmado por estudos da neurociência e agrega resultados à neuroarquitetura, como afirmado por PAIVA e GONÇALVES (2018): 57


Ao longo da evolução, nossos cérebros foram programados para o convívio com a natureza. Privá-los disso pode causar resultados negativos em seu desempenho. De acordo com vários estudos realizados, enquanto o mundo moderno provoca um cansaço mental, só olhar para uma imagem da natureza leva nossa mente a um maior relaxamento, tendo um efeito de restauração. Depois de ver imagens da natureza, sejam elas reais ou artificiais, a capacidade de focar aumenta e o nível de estresse diminui, a pressão sanguínea baixa e as tensões musculares relaxam consideravelmente. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 424)

A

B

C

D

Figura 20: A – Estação de trabalho; B – Sala de reunião; C – Cabine de trabalho; D – Circulação Fonte: highdesignexpo.com

Sendo assim, já que as pessoas interagem a maior parte do tempo com os ambientes construídos e costumam não passar tempo o suficiente em contato com a natureza, a arquitetura biofílica é o meio de incorporar a natureza nos ambientes construídos para que as pessoas tenham experiências sensoriais e emocionais positivas, bem como o emprego da biofilia em ambientes específicos como os corporativos melhoram o desempenho dos funcionários. 5.4. Arquitetura Sensorial O tema arquitetura sensorial tem como representante a arquiteta Juliana Duarte Neves que desenvolveu o livro Arquitetura Sensorial: a arte de projetar para 58


todos os sentidos (2017), cujo objetivo é mostrar como projetar para todos os sentidos e proporcionar uma experiência marcante. Partindo da indagação de como projetar um ambiente que consiga criar uma conexão emocional com os usuários, propiciando uma experiência única e marcante, NEVES (2017) argumenta que essa experiência positiva é possibilitada ao estimular os sistemas sensoriais. Foram vistos os cinco sentidos clássicos em um momento anterior da pesquisa determinados por Aristóteles. Enquanto que PAIVA e GONÇALVES, consideram além da visão, audição, olfato, paladar e tato, o sentido do equilíbrio e o wayfinding, que é a capacidade de orientação pelo espaço. Esses dois mecanismos são tratados por BEAR, CONNORS e PARADISO como integrantes do sistema vestibular. No entanto NEVES (2017), menciona uma reorganização dos cinco sentidos estabelecida pelo psicólogo americano James Jerome Gibson (1904-1979), na qual os agrupa em cinco sistema perceptivos: visual, auditivo, paladar-olfato, háptico e básico de orientação. Para o psicólogo, os estímulos sensoriais podem ser obtidos através da interação do ser humano com o ambiente ou pode ser imposto pelo ambiente às pessoas. Assim, o sentir pode estar relacionado à detecção de estímulos ou a ter uma sensação. Ao contrário do que afirma os neurocientistas, para GIBSON apud PALLASMAA (2011), os sentidos não são meros receptores passivos das informações dispostas no ambiente, eles estão em busca de sentir algo. E quando os sentidos estão sendo usados para captar algo, nesse momento eles estão atrelados ao ambiente que os circunda. NEVES (2017) afirma que o sentido da visão foi historicamente considerado superior aos outros sentidos e esteve sempre relacionado ao intelecto e à razão. Essa importância atribuída à visão é confirmada pelos neurocientistas ao argumentarem que “mais de um terço do córtex cerebral humano está comprometido com a análise do mundo visual”. (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2017, p. 294) Mas como visto antes, a percepção do mundo não acontece somente pelo funcionamento dos sentidos isoladamente, ou somente pela visão, todos os sentidos estão articulados, recebendo uma multiplicidade de estímulos do ambiente e 59


processando essas informações simultaneamente, como ressaltado pela arquiteta Upali Nanda, apud NEVES (2017): Nós percebemos o mundo externo através de nossos olhos, nossos ouvidos, nossa pele, nosso nariz e nossas papilas gustativas. E apesar de as emoções, pensamentos, intenções e outros fenômenos cognitivos [...] serem muito mais do que meramente sensoriais, os sentidos permanecem como os canais de comunicação através dos quais interagimos com nossos mundos. (NANDA, apud NEVES, 2017, p. 44)

O arquiteto Juhani Pallasmaa em seu livro Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos (2011) assim como o arquiteto Peter Zumthor em seu livro Atmosfera: as coisas que me rodeiam (2006) argumentam que a conexão com o espaço físico é atribuída a atmosfera daquele espaço, entendida como “esse clima de efeitos efêmeros que envelopa o habitante, não o edifício. Entrar em um projeto é entrar em uma atmosfera. O que é experienciado é a atmosfera, não o objeto como tal” (arquiteto Mark Wigley, apud NEVES, 2017, p. 24). Desta forma o conjunto de informações sobre a temperatura, os sons, as cores, formas, texturas, volumes, luzes, sombras, aromas ao qual as pessoas têm contato quando submergem em uma atmosfera, são aspectos que proporcionam uma experiência sensorial que é singular para cada pessoa, por causa de sua experiência de vida individual, sua cultura que é algo enraizado no indivíduo e seu humor que é algo variável de acordo com o momento, como afirmado por NEVES (2017): As atmosferas proporcionam experiências muito pessoais ao visitante, pois a forma como cada indivíduo passa por determinada situação é influenciada por suas vivências anteriores, seus preconceitos (determinados culturalmente) em relação ao momento experienciado e por seu estado de espírito naquele dia. (NEVES, 2017, p. 24)

A atmosfera gera aquela percepção que as pessoas têm ao entrarem em um ambiente e sentirem efeitos que as convidem a permanecer no lugar, por causa de uma intimidade e um aconchego que lhes são proporcionados ou, inversamente a isso, faz com que as pessoas queiram se retirar daquele espaço o mais rápido possível. É aquela impressão que fica quando as pessoas se retiram do ambiente e sentem vontade de retornar outro dia ou pensam em nunca mais querer estar naquele lugar. Então, NEVES (2017) propõe o desenvolvimento de espaços que propiciem a 60


vivência de situações e experiencias significativas por meio da arquitetura de atmosferas. Os neurocientistas argumentam que quanto mais multissensorial for a experiência humana com o ambiente, no qual este apresente uma riqueza de elementos que estimulem todos os sentidos, melhor será para a mente, pois o cérebro se altera em decorrência disso pelo fenômeno da plasticidade abordada anteriormente, o que significa a melhora da cognição, aprendizado e memória. Isso para a arquitetura se constitui pela maneira como as pessoas se sentirão tocadas, envolvidas e afetadas positivamente por meio de escolhas coerentes para o ambiente. A interação entre o homem e o ambiente é tão profunda que a afirmação de PALLASMAA (2011) consegue descrever essa experiência ao argumentar que a arquitetura reforça a sensação de pertencer ao mundo, e pode-se considerar que essa é a sensação de estar vivo e ser capaz de experimentar o mundo. Toda experiência comovente com a arquitetura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos. A arquitetura reforça a experiência existencial, nossa sensação de pertencer ao mundo, e essa é essencialmente uma experiência de reforço da identidade pessoal. Em vez da mera visão, ou dos cinco sentidos clássicos, a arquitetura envolve diversas esferas da experiência sensorial que interagem e fundem entre si. (PALLASMA, 2011, p. 39)

Entendendo que o ser humano necessita dos sentidos para estar conectado emocionalmente com a atmosfera dos espaços, então a arquitetura precisa se atentar para a escolha de elementos que estimulem todos os sentidos, com o propósito de despertar emoções, memórias e sentimentos, agregando significados aos espaços. Como questionado por NEVES (2017): “Se uma atmosfera é constituída por elementos que envolvem todos os sentidos e é nela que reside a conexão emocional entre o visitante e o espaço físico, por que não projetar para todos os sentidos?” (NEVES, 2017, p.33) Sistema visual

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Os ambientes podem estar dotados de pistas sensoriais que influenciem a percepção sobre a sensação térmica de quente e o frio através das cores, pois as pessoas associam a cor azul ao frio e a cor vermelhar ao calor. Isso está relacionado com a experiência humana na interação com a natureza. Ao observar locais onde ocorrem as geadas, como na Antártida, é perceptível que eles apresentam uma tonalidade azulada e remete ao frio, enquanto que uma imagem desértica, como a do deserto do Saara, possui uma tonalidade avermelhada, transmitindo a percepção de calor. Posicionando ambas as imagens uma ao lado da outra essa percepção de quente e frio se torna nítida e contrastante. Os ambientes precisam proporcionar essa coerência sensorial entre o que é visto e a temperatura que é percebida. (Figura 21) A

B

C

D

Figura 21: A – Região da Antártida; B – Região do deserto do Saara; C – Ambiente com tonalidades frias; D – Ambiente com tonalidades quentes. Fonte: A - super.abril.com.br; B - gpslifetime.com.br; C - decorstyle.ig.com.br; D milleniumturismo.com.br

Quanto à iluminação, os ambientes recebem a incidência da radiação solar. A posição, formato e tonalidade dos raios solares que são projetados dentro dos ambientes se alteram conforme o período do dia e podem ser propositalmente trabalhados para gerarem um jogo de luz e sombra, claro e escuro. Isso acontece ao usar elementos vazados como cobogós, muxarabis, brises entre outros. Sistema auditivo 62


Os ouvidos estão relacionados não somente com a habilidade de ouvir, mas também com a capacidade de direcionamento através dos ruídos, visto que as pessoas movimentam a cabeça em direção ao som que é ouvido, e pela detecção da fonte que está emitindo o ruído, conforme abordado por NEVES (2017). As pessoas estão cercadas pelo barulho a todo momento, principalmente no meio urbano. O som também é uma forma de se conectar com o lugar, pois ao caminhar com um sapato sobre um piso de madeira é esperado ouvir o barulho, uma pessoa ao conversar com a outra observa o movimento da boca e espera ouvir sua voz, um objeto ao cair no chão dependendo do seu peso provoca um ruído, as teclas de um computador sendo pressionadas também emitem um barulho, assim como o telefone ao tocar, a porta a bater, uma orquestra ao realizar um concerto, são inúmeros os sons que as pessoas estão expostas à todo o momento. Na arquitetura isso pode ser utilizado para beneficiar o convívio com o ambiente, principalmente os sons que remetem a natureza, como o barulho da água ao descer por uma cascata decorativa, o som que é emitido pelas pessoas ao terem contato com os revestimentos do espaço, o tilintar de objetos sendo movimentados pelo vento ou mesmo o efeito sonoro de uma música de fundo. Sistema paladar-olfato Esse sistema foi agrupado pelo fato de que um depende do outro ao ser estimulado pelo ambiente. Para sentir o gosto dos alimentos pelas papilas gustativas, antes o cheiro do alimento adentra as cavidades nasais. O paladar é um sentido voluntário, pois depende de levar o alimento à boca, enquanto que o olfato é involuntário, pois as pessoas percebem o cheiro independente da vontade própria de sentir ou não. Assim como o ruído, o cheiro também está disperso por todos os ambientes. O ser humano se preocupa muito com o cheiro que é buscado ao usar perfumes, hidratantes, sabonetes, ao aromatizar um ambiente, ao comprar produtos de limpeza, ao escolher uma planta em uma floricultura. Os ambientes também exalam cheiros através do revestimento como a madeira, através de plantas ornamentais, dos aromatizantes, e existem até fragrâncias que se tornam a identidade olfativa de uma empresa. O Sistema paladarolfato quando estimulado é capaz de incitar comportamentos, tomada de decisões, 63


estabelecer uma conexão com o lugar, influenciar associações emocionais e resgatar lembranças. Um fato ressaltado por NEVES (2017) é que as pessoas após um curto período de contato com o cheiro, elas deixam de percebê-lo, então para conduzir os usuários a diferentes atmosferas pelo olfato é necessário haver nos ambientes uma variação de aromas ou pelo menos de intensidade de um aroma entre os ambientes para que as pessoas não se acostumem com o cheiro e percam a capacidade de senti-lo. Sistema háptico O termo háptico tem origem no grego e significa tocar. Esse sistema pode ser percebido de forma ativa ao tocar a superfície de objetos e sentir a sua temperatura, a sua textura e a sua dureza ou maciez, mas também pode ocorrer de forma passiva quando as pessoas adentram um espaço e têm a sensação de que ele está mais frio ou mais quente do que o ambiente ao qual estavam antes. Esse mecanismo ocorre pela troca de calor e manutenção da temperatura corporal. O corpo humano inconscientemente se adapta a temperatura do ambiente, mas há temperaturas desconfortáveis que exigem certo esforço para adaptação, gerando um estresse térmico. Em outros casos a diferença de temperatura é experimentada de forma prazerosa pelas pessoas como em um clube ao sair da piscina e entrar em uma sauna ou vice-versa. Os castelos medievais como apresentado anteriormente eram construídos com pedra e para minimizar a frieza desse elemento, os ambientes tinham as paredes adornadas com tapeçaria, isolando a pedra fria do ambiente interno e provocando uma sensação quente e aconchegante. De acordo com NEVES (2017) os sistemas visuais, sonoros e olfativos podem induzir a sensações térmicas, como o fato de que ver objetos balançando pode suscitar a presença do vento, ouvir o barulho da água caindo ou do cheiro de plantas sopradas pelo vendo pode estimular uma sensação refrescante. O uso de revestimentos no ambiente, como mostrado na figura 21, também promove essa sensação de quente e frio, por exemplo, ao pisar com os pés descalços em um piso de madeira, é percebida uma sensação calorosa e ao contrário um piso 64


de cimento queimado causa uma sensação gélida. Um espaço como a sala de estar de uma casa com sofás, almofadas, tapete e cortina pode parecer mais quente se comparada ao banheiro com cores neutras e materiais duros como o porcelanato branco, a bancada de pedra e as peças hidrossanitárias. A sensação de umidade no ambiente também é um aspecto percebido pelo sistema háptico. O uso de dispositivos que borrifem gotículas de água no ar em um ambiente interno pode ser válido para amenizar a temperatura quente que é percebida no ambiente externo, e ao fazer isso as pessoas perceberão que estão entrando em uma atmosfera diferente, onde o microclima é mais fresco e agradável. O sistema háptico também envolve a cinestesia que vem do grego e significa sensibilidade nos movimentos. “A cinestesia envolve três componentes principais: a posição do corpo, o movimento propriamente dito e a sensação dos movimentos percebida pelo corpo” (NEVES, 2017, p. 69). Isso significa que os músculos, as articulações e os tendões junto à visão contribuem para o entendimento do espaço e seus limites, bem como a composição dos materiais, por exemplo, o esforço que é preciso para caminhar em uma rua asfaltada ou uma estrada de terra. Também é possível perceber a que distância estão os objetos, como ao subir os degraus de uma escada, se estes possuem uma altura padrão de espelho, depois de alguns degraus subidos, já não é preciso olhar para a escada, pois o corpo já percebe que se trata de uma altura constante. Ao caminhar sobre um piso de pedra bastante irregular, as pessoas sentem no contato do pé com o piso que a superfície possui relevos e isso faz com que elas caminhem com maior atenção e olhem para onde estão pisando. Sendo assim, o contato com os objetos informa as pessoas sobre sua temperatura, textura, maciez, dureza, aspereza, suavidade, resistência, fragilidade, podendo transmitir uma sensação de segurança e conforto ou de instabilidade e desequilíbrio. Sistema básico de orientação O sistema básico de orientação, apresentado antes como sistema vestibular, denominação atribuída por BEAR, CONNORS e PARADISO (2017), está relacionado ao equilíbrio, ou seja, a postura vertical do corpo humano em relação ao 65


plano horizontal que ele está apoiado. Além do equilíbrio, segundo NEVES (2017), esse sistema está relacionado com o entendimento da escala, das proporções do ambiente com base nas medidas do próprio corpo, podendo haver a sensação de um espaço amplo ou comprimido. Também envolve outras percepções gerais do lugar, como o sentido de direção ao se locomover por um edifício e encontrar sua entrada e saída. Junto ao sistema háptico e visual, ele atribui às pessoas a percepção sobre a tridimensionalidade do ambiente, suas angulações, inclinações e irregularidades. Como observado, os sistemas sensoriais aqui abordados funcionam em conjunto, no qual um depende do outro para uma experiência mais completa. No ambiente podem ser utilizados diversos artifícios para provocar os estímulos e fazer com que sua atmosfera se conecte com as pessoas e elas se sintam em sintonia com o lugar. Alguns desses artifícios foram abordados na arquitetura biofílica e mostra a conexão que há entre ela e a arquitetura sensorial.

5.5. Psicologia Ambiental A psicologia ambiental é o campo da psicologia que estuda as interrelações entre o ser humano e o meio. Dentro desse contexto é analisada a percepção, comportamento e a avaliação das pessoas em relação ao ambiente, que são fatores pessoais, e ao mesmo tempo estão sendo observados os aspectos desse ambiente que modificam a conduta humana. Sendo assim é estudado uma reciprocidade entre pessoa e ambiente, conforme explicado pelo professor doutor em psicologia Gabriel Moser (1998). Uma das vertentes de formação da Psicologia Ambiental na Europa foi a Arquitetura e não por acaso foi estabelecida uma relação multidisciplinar entre os dois campos, visto que os ambientes são desenvolvidos por arquitetos e influenciam o comportamento humano. A área de psicologia ambiental é complexa, pois envolve múltiplos fatores nessa relação entre o homem e o meio, inclusive dimensões sociais, culturais e temporais. A psicologia ambiental aplicada à arquitetura é capaz de quantificar fatores subjetivos que fazem as pessoas interpretarem um ambiente como agradável ou desconfortável. A psicóloga ambiental Stephani Robson realizou um estudo 66


denominado Scenes from a restaurant: Privacy regulation in stressful situations no qual ela observou como o ambiente de um restaurante afeta o sentimento e o comportamento das pessoas. Robson percebeu que as pessoas mais ansiosas se sentaram ao lado de paredes, cantos ou divisórias do restaurante. Isso se justifica pelo fato de que as pessoas sofrem um estresse quando estão expostas a uma situação em que elas perdem o controle sobre o espaço, e as áreas próximas a paredes, cantos e divisórias trazem essa sensação de controle sobre o espaço. A jornalista Audrey Gray relatou ao portal de notícias Metropolis que com base no estudo de Robson foi até a Walnut Street Café, na Filadélfia com uma lista de avaliação fornecida por Robson, cujos elementos que um lugar aconchegante deveria ter foram: “iluminação natural e janelas do piso ao teto, espaços aconchegantes e pareces curvas, plantas, paleta de cores suave, tratamento acústico, tranquilidade, ventilação natural” (STOUHI, 2020). Esses elementos foram abordados anteriormente sobre a arquitetura biofílica como essenciais para a promoção do bem estar. Gray confirmou com sua própria experiência que a cafeteria era de fato tranquila, aconchegante e que reduzia os níveis de estresse porque possuía as características da lista. A jornalista também constatou a importância do design para as pessoas que sofrem de transtornos mentais como a ansiedade (um problema que afeta também os americanos) e a necessidade dos psicólogos ambientais para que a arquitetura de interiores promova o bem estar através do que ela denominou de “hospitality spaces”. Ela cita o psicólogo clínico Michael Stein ao argumentar que as pessoas buscam conforto em espaços menores por serem considerados mais aconchegantes. One thing environmental psychologists can offer designers is an ability to quantify what “feels good” so that acoustics, lighting, shapes, and materials— aesthetics—can be employed intentionally. Hospitality spaces, meanwhile, with their high turnover and detailed point-of-sale data, provide researchers with a constantly evolving testing ground for observation, tracking societal trends. Effects on human well-being may be more important than ever now that anxiety disorders afflict 18 percent of Americans and millions more suffer from what clinical psychologist Michael Stein calls “subclinical generalized anxiety.” He cites the recent popularity of weighted blankets as a perfect example of how humans seek comfort in smaller spaces. “We’re wired for coziness,” Stein says. (GRAY, 2019)

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O quadro QDP-Design O QDP-Design significa Quadro de Diretrizes para o Projeto de Design e foi elaborado pela professora Samantha Moreira (Figura 22). É uma metodologia que auxilia no processo criativo de um projeto e na justificativa das propostas projetuais. Esta ferramenta também contribui para a transformação do conceito em soluções assertivas, e subjetividades em informações objetivas de projeto. Isso porque ele facilita “coordenar, integrar e articular fatores simbólicos, visuais, sensoriais, organizacionais, funcionais para o projeto” (MOREIRA, 2010). Por meio de uma sistematização de informações obtidas com o brifing, o quadro reúne cinco aspectos projetuais que permitem resumir os dados coletados. De acordo com MOREIRA (2010), os aspectos são definidos como: • Objeto síntese – consiste em definir um artefato que auxiliará na orientação do projeto, podendo contribuir com a significação e ambiência do espaço. • Característica – “designa intenção para a aparência do lugar, a ser percebida pelo usuário. Deve determinar o atributo que caracterize qualitativamente o ambiente em questão, suscitando-lhe identidade e garantindo uma coerência visual.” (MOREIRA, 2010) • Caráter – “propriedade intencional atribuída ao ambiente no que se refere às reações emocionais e estados de humor do usuário na experiência de uso de determinado lugar. Denomina as sensações e sentimentos que o lugar deve provocar no usuário, em concordância com o conceito de projeto.” (MOREIRA, 2010) • Princípios da ordem e organização – influenciada pelas teorias da Gestalt, consiste em distribuir os objetos pelo ambiente de maneira harmoniosa e equilibrada, cuja composição do conjunto seja coesa e agradável, levando em consideração as necessidades funcionais e emocionais das pessoas. Esse fator compreende a escala, proporção, equilíbrio, ritmo, ênfase e unidade-variedade. • Elementos de composição do ambiente – contemplam os itens, peças ou partes atribuídas ao ambiente para que ele alcance a ambiência desejada e proporcione sensações intencionadas na experiência com o ambiente, considerando os aspectos simbólicos, culturais, psicológicos e subjetivos 68


junto aos aspectos físicos, que envolvem o conforto térmico, acústico e lumínico. Os elementos de composição do ambiente são: linha, forma, volume, textura, cor, luz, cheiro e som. Como visto, o QDP-Design tem uma grande familiaridade com a arquitetura sensorial, pois se preocupa em definir os elementos que irão compor o ambiente, de acordo com as dimensões sensoriais e emocionais. Também se relaciona com a psicologia ambiental porque considera os efeitos psicológicos que a composição do ambiente provocará nos usuários. Esses aspectos atribuem identidade e personalidade aos espaços projetados, o que consequentemente agrega um valor significativo ao resultado final. Objeto síntese Característica Caráter Princípios da ordem e organização

Elementos da composição

Linhas Formas Volumes Texturas Cores Luzes

Figura 22: Modelo do Quadro de Diretrizes para o Projeto de Design (QDP-Design)

Aplicações da psicologia ambiental na arquitetura Acessos e circulação em edifícios O livro Lições de Arquitetura de Herman Hertzberger (2015) aborda questões interessantes a respeito da psicologia ambiental. O autor explica que os acessos quando públicos ou privados precisam ser dotados de pistas que intuitivamente façam as pessoas perceberem que se trata de um espaço cujo acesso é livre ou restrito. O mesmo acontece com a articulação de elementos como forma, material, cor e luz que indiquem os graus de acesso em um edifício. Sendo assim, “a escolha de motivos arquitetônicos, sua articulação, forma e material são determinados, em parte, pelo grau de acesso exigido por um edifício” (HERTZBERGER, 2015, p. 19).

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NEVES (2017) menciona que a luz é um artifício que direciona as pessoas, pois as pessoas tendem a se locomover na direção da luz. Essa noção espacial que é atribuída ao grau de acesso, também é válida para indicar o caminho, auxiliando o sistema básico de orientação junto à visão, a encontrar as entradas e saídas, bem como as circulações verticais e horizontais. Como afirmado por PAIVA e GONÇALVES (2018): Ao projetar edifícios complexos, os arquitetos devem se preocupar com a locomoção dos usuários. Os ambientes devem ser bem conectados, e o layout deve ser lógico e de fácil compreensão para todo tipo de pessoa. As conexões entre ambientes devem ter pistas visuais para auxiliar o reconhecimento do pedestre e ajudar os circulantes a entender o que está por vir. Investigações na área de cognição espacial mostram que rotas com menos mudanças de direção tendem a passar a sensação de serem mais curtas. Além disso, são bem mais fáceis de serem memorizadas. Linhas de visão desimpedidas são muito importantes para a formação de um mapa mental de reconhecimento espacial. Sejam elas na vertical (mostrando escadas e elevadores dos vários pavimentos) ou na horizontal. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 431)

Territorialidade No que se refere à territorialidade, HERTZBERGER (2015) sugere que os ambientes precisam oferecer oportunidades de apropriação. Em se tratando de ambientes corporativos, deve haver essa liberdade para que os usuários ornamentem os espaços de acordo com sua vontade e assim se sintam pertencentes àquele lugar. PAIVA e GONÇALVES (2018) corroboram com essa questão de pertencimento ao afirmar que se o cérebro percebe a empresa como o próprio território, isso promoverá um relaxamento, facilitando funções cerebrais como a cognição e criatividade: Nos locais de trabalho isso [a territorialidade] muitas vezes acaba influenciando até no rendimento profissional. Se o seu cérebro percebe sua empresa como seu território, ele permite que você relaxe, abrindo espaço e liberando energia para outras funções cerebrais, tais como a cognição e a criatividade. Ao contrário, se o seu reptiliano não perceber aquele como seu território, ele vai ficar mais tenso. Se não é seu, significa que é um possível território inimigo e, por isso, seu instinto tem que ficar alerta para detectar qualquer tipo de ameaça. Dessa forma vai ser muito mais difícil se concentrar para executar qualquer tarefa ou usar sua criatividade. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 440)

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Formas Estudos apontam que as pessoas têm preferência pelas formas curvas. Segundo PAIVA e GONÇALVES (2018), ambientes que possuem pontas ou quinas causam certo estresse e dificuldade de concentração, pois o cérebro instintivamente entende que as arestas representam um perigo a integridade física, focando em proteger o corpo de um possível acidente e desviando a atenção da pessoa. Já as formas arredondas e curvas incitam a despreocupação, o cérebro relaxa e isso facilita a execução de tarefas. As pessoas se sentem fisicamente e psicologicamente conectadas com formas simétricas, fractais e que envolvam a proporção áurea. Essa atração e afeição que é sentida, ocorre de maneira inconsciente. “A neuroarquitetura afirma, em linha com a Gestalt, que nossos sentidos percebem de forma não cognitiva essa harmonia arquitetônica derivada do uso da simetria, da proporção áurea e do fractal”. (PAIVA e GONÇALVES, 2018, p. 420). O que significa que as formas, suas proporções e complexidade podem ser utilizadas para causar um efeito positivo nas pessoas. O volume Ao projetar espaços, uma questão que se coloca é referente à altura do pé direito. Existem as normas que estabelecem a altura mínima para cada tipo de ambiente, mas há um outro critério que precisa ser levado em consideração que é o comportamento das pessoas com relação a esse pé direito. PAIVA e GONÇALVES (2018) relatam que a altura de um ambiente não afeta somente o comportamento das pessoas, mas também sua criatividade e concentração: Estudos recentes realizados em universidades do Canadá e Estados Unidos sugerem que a altura do teto afeta não só o comportamento, mas também a habilidade de solução de problemas. Um ambiente com pé-direito alto provoca em nosso cérebro maior sensação de liberdade, estimulando um estado mental mais criativo. Por outro lado, ambientes com baixo pé direito estimulam maior concentração. Estruturas horizontais dão a sensação de movimento, de deslocamento ao longo do espaço e do tempo e, portanto, estão mais associadas ao córtex, área do cérebro responsável por nossas habilidades motoras. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 442)

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Assim como os ambientes mais horizontalizados transpassam a sensação de liberdade para se movimentar, pois desta forma as pessoas ficam mais dispersas, ao contrário, ambientes menores fazem com que as pessoas contenham sua movimentação, porém esses são mais propícios as pessoas se aproximarem. Teoria da cor A mera cor, intocada pelo significado e não aliada à forma definida, pode falar à alma de mil maneiras diferentes. Oscar Wilde A cor é a percepção visual acerca da luz que é refletida ou absorvida pelos objetos. Cada cor é capaz de provocar sensações e afetar psicologicamente as pessoas, “é uma onda luminosa, um raio de luz branca que atravessa nossos olhos. É ainda uma produção de nosso cérebro, uma sensação visual como se nós estivéssemos assistindo a uma gama de cores que se apresentasse aos nossos olhos, a todo instante, esculpida na natureza à nossa frente”, (FARINA, PEREZ e BASTOS, 2011, p. 7). Essa profundidade de interpretação da cor também é percebida pelo escritor Oscar Wilde (1854 – 1900), ao descrever com intensidade e em poucas palavras a sua visão de cor que pode tocar a alma das pessoas. A cor pode ser usada para transmitir mensagens, incitar sensações, instigar comportamentos, ajudar na tomada de decisão, chamar a atenção, identificar objetos, empresas e até times de futebol. Há cores que são padrões e expressam um significado simbólico como as que estão presentes na Bandeira do Brasil. O verde que representa as matas e florestas, o amarelo que significa o ouro, grande riqueza do país, o azul que simboliza o céu estrelado, cujas estrelas representam os estados e o Distrito Federal, e o branco que remete ao desejo pela paz. Para a psicologia, cada cor pode despertar um sentimento nas pessoas. Esse sentimento é singular, pois não envolve a cor isolada em si, mas envolve a interpretação que cada pessoa constrói acerca das cores, conforme a sua vivência e experiências pessoais, positivas ou negativas, mas que são associadas a determinada cor. A figura 23 foi elaborada com base na aula ministrada pela professora Angélica Santana ao curso de Pós Graduação em Arquitetura de Interiores e Paisagismo do 72


Centro Universitário UNA, na qual apresenta as cores principais e seus efeitos nas pessoas: COR Vermelho

Laranja

Amarelo

EFEITO Impacto visual, alerta, aquece, estimula a circulação sanguínea, paixão, estimula o apetite Socialização, descontração, estimula a digestão, vitalidade, senso de humor, energia Sabedoria, criatividade, prosperidade, estimula a memória e o raciocínio Dualidade entre o impulso ativo e a tendência ao

Verde

descanso, natureza, equilíbrio, relaxamento, reduz a pressão sanguínea, frescor

Azul

Simpatia, amizade, harmonia, sedativa, calmante, favorece a comunicação, sonolência Idealismo, percepção, consciência, estimula a visão

Índigo

clara e a percepção realista, a reflexão, profundidade de pensamento Inspiração, lucidez, espiritualidade, ligação entre o amor

Violeta

e a sabedoria, enxergar soluções, estimula a leitura, é meditativa e contemplativa Altruísmo, paz, limpeza, dignidade, reflete as cores, sua

Branco

intensidade nos ambientes pode gerar a sensação de frieza e estresse

Preto

Cinza

Marrom

Rosa

Elegância, poder, mistério, luto, renúncia, absorve todas as cores Neutralidade, maturidade, seriedade, invisibilidade, destaca outras cores Resistência, segurança, ancoramento, se manter na realidade Gentileza, suavidade, afetividade, aconchego, bons pensamentos

Figura 23: Tabela de cores e efeitos nas pessoas Fonte: professora Angélica Santana (2020)

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A cor também influencia a percepção sobre o espaço no sentido de que a aplicação de cores escuras causa a impressão de que o espaço está comprimido, enquanto cores claras provocam a sensação de um espaço amplo. Esse fenômeno pode ser observado através da figura 24, no qual um ambiente com as mesmas dimensões de largura, altura e comprimento parece ter suas proporções alteradas apenas pelo uso da cor.

Figura 24: Efeito das cores claras e escuras no ambiente Fonte: projetobatente.com.br

Iluminação A iluminação é um aspecto versátil no ambiente. É utilizada para causar efeitos visuais interessantes e diversificados, pode ser cenográfica, suscitar um clima misterioso, atrair o olhar para alguma parte do ambiente, ressaltar um objeto por meio da claridade ou por meio da sombra gerada pela sua silhueta, ou seja, mais que um caráter funcional, ela pode ser explorada para melhorar a atmosfera de um lugar e gerar efeitos psicológicos e comportamentais desejáveis nos usuários. Um ambiente que possui a iluminação difusa, por exemplo, causa nas pessoas uma sensação enérgica, um estado de alerta e agitação, os shoppings são um exemplo desse tipo de iluminação que vem por todos os lados e faz parecer que o dia está sempre claro, 74


pois só há a referência dessa iluminação. Enquanto que um ambiente com iluminação mais focada ou indireta provoca uma sensação inversa, de aconchego, acolhimento, serenidade e chega a ser calmante, como é o caso de restaurantes que adotam um conceito intimista. Para cada ambiente é possível transformar a experiência de uso a partir da iluminação artificial e estimular efeitos que sejam coerentes com as atividades do local. Ciclo circadiano, relógio biológico, sono e vigília Não apenas os ambientes construídos afetam o comportamento das pessoas. No ambiente natural a variação de luz influencia o ritmo das pessoas ao longo do dia. As células que compõem o núcleo supraquiasmático, conhecido como o relógio biológico, tem relação com o sistema visual e está sincronizada com o ritmo circadiano ou ciclo de um dia do ser humano, no qual são ativados no corpo os mecanismos de vigília ao nascer do sol e de sono ao sol se pôr. É preciso se atentar à essa questão ao propor a iluminação artificial para os ambientes, pois este é um dos fatores que pode interferir na regulação normal do organismo. E qualquer interferência nesse funcionamento pode afetar a cognição e a memória, além de acarretar problemas de saúde como depressão, doenças neurodegenerativas, distúrbios metabólicos e inflamações.

6. ESTUDO DE CASO

Figura 25: Adesivo de mosca no mictório Fonte: www.arquiteturarh.com.br

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A seguir serão apresentados estudos de caso sobre como mudanças simples em elementos que compõem os espaços transformam o comportamento das pessoas, o que é conhecido pelo termo nudge, como é o caso do mictório com o desenho de uma mosca e a escada-piano, além de espaços corporativos do CitiBank, Nubank e Letras que se apresentam como exemplos práticos de como a arquitetura pode melhorar a experiência de interação dos usuários com o ambiente de trabalho. A mosca no mictório O Aeroporto de Schiphol apresentava um problema com os banheiros masculinos, pelo fato de que os usuários miravam de forma incorreta ao realizarem suas necessidades fisiológicas nos mictórios. Uma solução que envolve a psicologia comportamental foi adotada para solucionar esse problema, o adesivo de uma mosca na parte interna do mictório. A escolha da mosca serve como um alvo que instintivamente os homens queiram atingir. A localização da mosca também não foi aleatória, visto que a maioria dos homens é destro e o órgão genital se inclina um pouco para a esquerda ao urinar. Foi considerada também uma posição em que o líquido ao ser expelido no mictório não gerasse mais respingos. Sendo assim, a mosca foi descentralizada para a esquerda no mictório (Figura 25). Essa solução melhorou a usabilidade da peça sanitária e reduziu gastos com a limpeza que passou a ser menos frequente, como apontado por David Halpern, diretor da Behavioral Insights Team no Reino Unido. Esse artifício por se mostrar eficaz foi adotado em banheiros masculinos de outros espaços públicos situados em diversas localidades do mundo todo. A escada piano Outra intervenção que foi capaz de mudar o comportamento das pessoas é a escada-piano, ideia implantada na saída do metrô de Hangzhou na China. Essa ideia surgiu do projeto The Fun Theory, cuja iniciativa é da empresa sueca DDB Stockholm em parceria com a Volkswagen. Nesse experimento social, o propósito era desenvolver uma solução que fizesse as pessoas usarem mais a escada convencional do que a escada rolante, incentivando a prática de exercício físico. Esse projeto foi utilizado como exemplo por NEVES (2017) para ilustrar uma experiência musical que estimula o sistema auditivo. Segundo a autora, “dois terços a mais das pessoas optaram por subir a escada piano, em vez de usar a escada rolante.” (NEVES, 2017, 76


p. 87). Essa iniciativa foi adotada na estação de trem de Osasco, em São Paulo, no ano de 2013, como é possível visualizar na figura 26, surpreendendo os usuários ao transformar o simples ato de subir e descer uma escada em algo divertido e atrativo.

Figura 261: Escada Piano em Osasco, São Paulo Fonte: fallecriativo.wordpress.com

O edifício do CitiBank O edifício do CitiBank (Figura 27) localizado na Av. Paulista teve o projeto desenvolvido pelo arquiteto Gian Carlo Gasperini, Escritório Croce e Aflalo & Gasperini Arquitetos. Nesse edifício é utilizado um sistema acústico sofisticado, as janelas são de vidro com tratamento que evita o ruído externo, biombos de madeira com espuma são usados como divisórias e isolam o barulho interno entre os ambientes, o forro é de chapa metálica perfurada que ajuda a absorver o som (Figura 28). No entanto, esse sistema de isolamento acústico poderia tornar os ambientes muito silenciosos e interferir na privacidade dos usuários ao dialogarem, pois as conversas poderiam ser ouvidas por outras pessoas no mesmo espaço. Sendo assim, foi pensado em utilizar o ruído que é emitido pelo ar condicionado para imitar o barulho de chuva, através de um sistema de mascaramento eletrônico por alto falante que foi 77


colocado sobre o forro na saída do ar condicionado, conforme mencionado por Raissa Neves na dissertação de mestrado em arquitetura e urbanismo (2002). Este é um exemplo do uso de tecnologia para transformar algo inconveniente em um estímulo sensorial agradável aos ouvidos, além de o ruído se fundir com as vozes do ambiente, garantindo a privacidade dos usuários.

Figura 27: Edifício Citibank na Av. Paulista Fonte: aflalogasperini.com.br

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Figura 28: Vista do pavimento tipo Fonte: FASANELLA, 2015.

Figura 29: Pavimento tipo do edifício Citibank Fonte: FASANELLA, 2015.

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Os pavimentos do edifício seguem um dos princípios modernistas que é o da planta livre, na qual as circulações verticais se concentram em um dos lados longitudinais do edifício, flexibilizando as possibilidades de layout sem interferência da estrutura, na qual há apenas quatro pilares internos e o restante foi distribuído ao longo da silhueta do edifício e da caixa de circulação vertical (Figura 29). Desta forma, foi adotado o conceito de landscape office, ou escritório de plano aberto, geometria irregular e circulação orgânica por meio do mobiliário e arranjo interno. Os ambientes possuem ilhas que seccionam os departamentos e permitem que os usuários se apropriem de um espaço entendido como seu na empresa. Sede do Nubank A sede do Nubank é um edifício de oito pavimentos em São Paulo. No pavimento térreo há um café, um auditório para reuniões internas e eventos externos, e uma piscina de bolinhas roxas, que é a cor que representa a empresa. Este é um espaço aberto para a visitação de clientes e a piscina é utilizada tanto pelos funcionários quanto pelos clientes (Figura 30). Esta é uma ideia lúdica, que lembra a infância, é relaxante e auxilia nos momentos de descontração.

Figura 30: Piscina de bolinhas do Nubank Fonte: blog.nubank.com.br

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Há na empresa um ambiente denominado day one, que é uma cozinha e espaço para relaxar com mesa de sinuca, ping pong, vídeo game. Por ser um espaço compartilhado, todos os usuários são responsáveis por manter a sua limpeza e conservação, conforme informação do blog da Nubank. (Figura 31)

Figura 31: Day One da sede da Nubank em São Paulo Fonte: blog.nubank.com.br

As áreas de trabalho são confortáveis e acolhedoras, pois há plantas, cores calmantes, sofás e poltronas, e ampla abertura para iluminação natural (Figuras 32 e 33). Assim como as estações de trabalho são livres para uso e personalização, trazendo o sentimento de pertencimento ao espaço de trabalho (Figura 34). O ambiente também favorece a criatividade, a interatividade e a dinâmica entre as equipes devido à adoção do conceito open office, no qual não há barreiras físicas que separem os espaços, conforme o blog da Nubank nem o CEO da empresa tem uma sala fechada. Além disso, o pé direito alto atribui a sensação de amplitude ao lugar. Considerando a necessidade de exercer a criatividade nos funcionários, o espaço atende ao que é requisitado com essa amplitude, conforme afirmado por PAIVA e GONÇALVES (2018):

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Em ambientes corporativos, equipes que tenham seu trabalho voltado para alguma área criativa não devem ficar confinadas em salas pequenas. Já pessoas de áreas mais técnicas, estas sim, estariam bem locadas em ambientes mais restritos, onde poderiam se concentrar melhor. (PAIVA e GONÇAVES, 2018, p. 442)

Figura 32: Ambiente aconchegante de trabalho do Nubank Fonte: blog.nubank.com.br

Figura 33: Área de trabalho do Nubank Fonte: blog.nubank.com.br

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Figura 34: Estação de trabalho da Nubank Fonte: blog.nubank.com.br

Figura 35: Quadra esportiva na cobertura da sede do Nubank Fonte: blog.nubank.com.br

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As instalações do Nubank também contam com área de amamentação para as funcionárias que são mães ao levarem seus filhos pequenos no local de trabalho tenham onde amamenta-lo, espaço zen para momentos de tranquilidade, biblioteca para estimular a leitura e na cobertura do edifício há uma quadra para a prática de esportes (Figura 35). A empresa segue uma tendência nova de espaços corporativos como a Google, que preza pela humanização dos ambientes e inclusão de áreas voltadas para o relaxamento, descompressão e divertimento, pois isso contribui para a melhoria da produtividade e criatividade dos funcionários, além de reduzir o estresse no local de trabalho. Sede do Letras A sede do Letras, o site de busca de músicas, fica inserido em Belo Horizonte, ocupando uma área de 500 m² e possui espaços abertos e compartimentados (Figura 36). A paleta de cores tem tonalidades vibrantes de verde, laranja e roxo, que representam a empresa. Suas instalações contemplam uma estação de trabalho com um forro em mangueirinhas de PVC na cor verde que remetem à natureza e deixam o espaço mais dinâmico (Figura 37). Na área de trabalho há um espaço de descanso integrado e próximo das janelas (Figura 38). Nas circulações há um jogo de luzes que transformam uma simples área de transição em uma experiência visual dinâmica junto ao painel de mangueiras que pelo toque causam uma sensação agradável e maleável (Figura 39). A cozinha tem janela em fita

Figura 36: Planta baixa da sede do Letras em BH Fonte: www.archdaily.com.br

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ao longo de seu comprimento que permite a visão para o exterior, e possui assentos individuais e bancos coletivos com almofadas que trazem um aconchego ao espaço juntamente com a madeira que é um dos materiais predominantes de todos os ambientes (Figura 40). Na sala de reuniões por haverem materiais que refletem as ondas sonoras como o vidro e própria madeira, o forro e a parede da TV se unem em um só material perfurado para absorver o ruído e tornar mais confortável o uso do espaço (Figura 41). Nota-se pela planta que há salas de reuniões que se separam da área de trabalho para garantir um nível de privacidade a depender do uso.

Figura 37: Estação de trabalho aberta Fonte: www.archdaily.com.br

Para conectar as pessoas com a natureza, há um amplo jardim na parte externa da edificação que serve para o relaxamento, a contemplação e a descompressão, um momento em que os funcionários podem deixar a área de trabalho e entrarem em uma outra atmosfera cercada por plantas e sombreamento, além disso essa área garante uma visão para a cidade. (Figura 42)

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Figura 40: Área de refeições Fonte: www.archdaily.com.br

Figura 40: Sala de reuniões Fonte: www.archdaily.com.br

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Figura 38: Área de descanso na estação de trabalho Fonte: www.archdaily.com.br

Figura 39: Circulação da sede do Letras Fonte: www.archdaily.com.br

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Figura 42: Jardim externo da sede do Letras Fonte: www.archdaily.com.br

Como visto, na contemporaneidade tem sido adotada uma nova postura para os ambientes corporativos e institucionais. As estações de trabalho seguem um conceito aberto com flexibilização de usos. Há instalações que vão além do trabalho e visam o relaxamento, a descontração, a reposição de energias. Os espaços têm se tornado mais humanizados com o uso de elementos naturais como a iluminação, a vegetação e a madeira. O efeito sonoro que remete a natureza também traz um conforto auditivo e a tranquilidade. Todos esses aspectos visam a qualidade de vida no ambiente de trabalho que consequentemente melhora o desempenho das pessoas e contribui para o crescimento das empresas. No cenário atual que envolve a pandemia ocasionada pelo coronavírus, tem se tornado frequente a realização do trabalho em home office, medida adotada para evitar a disseminação do vírus no local de trabalho. No entanto, alternativas que visem o retorno dos funcionários a esses ambientes estão sendo pensadas por arquitetos e designers, como o uso de divisórias acrílicas nas estações de trabalho, definição de rotas de circulação, disposição dos assentos de forma alternada, para que haja um distanciamento entre as pessoas. Nesse sentido, os projetos voltados para esse setor

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precisam ser pensados em prol de soluções que visem a segurança das pessoas e a prevenção ao contágio, mas sem enfatizar essa sensação de vazio e isolamento.

7. O FUTURO DA NEUROARQUITETURA Diante de toda a pesquisa realizada, o futuro da neuroarquitetura parece promissor. Ao imaginar as possibilidades, Lent (2010) se adianta: Imagine se você pudesse tomar um comprimido um pouco antes de uma prova, que a fizesse lembrar todo o conteúdo da matéria com a rapidez de um raio. Imagine se fosse possível controlar o comportamento de um psicopata, colocando em seu cérebro um chip capaz de inibir suas manifestações de extrema agressividade. Imagine se uma pessoa paraplégica, cadeirante, pudesse utilizar o próprio pensamento, através de um computador, para direcionar a cadeira de rodas e locomover-se livremente pela casa ou pela rua. Imagine se fosse possível prognosticar ao nascimento, pela análise do seu genoma, se você seria propensa a desenvolver grave doença neurodegenerativa quando se aproximasse dos 50 anos. (LENT, 2010)

Com

o aperfeiçoamento das neurotecnologias, conhecidas como

tecnologias convergentes NBIC (nano-bio-info-cogno), a união entre a tecnologia da informação, a biotecnologia e as ciências que influenciam nos processos cognitivos, será possível interferir nas atividades cerebrais para conter comportamentos psicopáticos, evitar doenças mentais, melhorar a memória e permitir o controle de equipamentos à distância através do próprio cérebro. Estreitar a interação entre o homem e o ambiente, no qual o ambiente se torne a extensão do corpo humano pode ser uma especulação a longo prazo. O que permite explorar a possibilidade de haver uma simbiose entre o organismo e a tecnologia, o natural e o artificial, o espontâneo e o programado. Na era das grandes inovações tecnológicas como das casas inteligentes, dos animais robóticos, da inteligência artificial, da cibernética, da nanotecnologia, da realidade aumentada, dos carros autônomos, entre outras, é possível imaginar que daqui há décadas os ambientes poderão ser automatizados e controlados através de um sistema de interação humano-ambiente responsivo.

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Esse sistema poderia consistir em leitores cerebrais dos níveis conscientes e inconscientes da mente coletando informações sobre a percepção do organismo humano acerca do espaço em que ocupa para enviar à uma central de comando e controle implantada no ambiente que, por sua vez, distribuiria as funções para os componentes automatizados do espaço, e estes realizariam alterações como na temperatura, iluminação, som, e outros fatores ambientais, enquanto sensores presentes no espaço confirmariam as ações e retornariam o feedback para a central. Todo esse processo teria o propósito de tornar a interação do homem com o espaço mais estreita, a qual ambos estariam conectados e o espaço seria visto como uma continuidade do corpo. Considerando que o sistema sensorial humano é apenas receptivo, a exceção dos ouvidos que podem emitir algum ruído, essa tecnologia seria capaz de estar em sintonia com as informações que os órgãos sensoriais enviam à mente, podendo intervir no espaço por meio de um processo sistematizado como o que foi explorado, proporcionando uma experiência sensorial significativamente sublime. Esse é um ensaio do que poderia vir a ser o futuramente a neuroarquitetura, no entanto, na atualidade já é explorado o futuro da arquitetura com revestimentos e mobiliário tecnológicos e inteligentes. Ao visitar o imaginário de possibilidades, a arquitetura de interiores tem um caminho de grandes avanços pela frente e os usuários poderão se beneficiar desses avanços nas próximas décadas. Entretanto, é necessário ter cautela para não extrapolar os limites da neuroética.

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8. CONCLUSÃO A neuroarquitetura, embora seja um termo recente, já era experimentada antes de forma empírica, por profissionais da arquitetura e do designer na tentativa de definir as escolhas projetuais com base em como as pessoas reagiram às decisões em um momento similar ou por observações no dia a dia da profissão. No entanto, com o surgimento da neurociência, esse processo está sendo melhor explorado, por envolver estudos científicos fundamentados em análise da atividade cerebral frente aos estímulos percebidos, o que transpassa maior confiabilidade nas informações que são apresentadas. Com tudo o que foi exposto, é evidente que o que torna cada pessoa única para além de suas características físicas é a mente. Por isso, a tarefa de desenvolver projetos de arquitetura e design deve incluir um olhar singular para cada pessoa, considerando suas especificidades, sua vivência, seu repertório de vida. Em um ambiente corporativo ou institucional a tarefa se torna mais desafiadora, pois várias pessoas estão envolvidas na utilização desses espaços. Além do cliente que contrata o arquiteto ou designer, tem os funcionários que trabalham na empresa e geralmente são os que permanecem mais tempo no local de trabalho, tem os clientes desse cliente e a responsabilidade em conceber ambientes com a imagem que a empresa deseja transmitir à eles, e ademais existem os fornecedores, office boys, entregadores de encomendas, acionistas, visitantes, estagiários entre outros. Sendo assim, o projeto precisa ser pensado considerando não somente o perfil do cliente que contratou o serviço, mas o perfil de todas as pessoas que serão afetadas pelo projeto. Portanto, foi constatado que a neurociência ao estudar a relação do homem com o ambiente tem muito a contribuir com a arquitetura ao elucidar questões acerca do funcionamento da mente humana e como o ambiente é capaz de transformar o ser humano tanto comportamental quanto emocionalmente. A arquitetura biofílica, a arquitetura sensorial e a psicologia ambiental têm se mostrado interligadas com a neuroarquitetura, pois compartilham um propósito em comum que é o entendimento acerca de como as pessoas reagem aos estímulos que há no ambiente, avaliando sua experiência multissensorial. Essa compreensão é a chave para proporcionar uma arquitetura de interiores cada vez mais humana e de reconexão com a natureza. 91


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