Uma Crónica Confinada Não sei se passaram 50 dias, 51, talvez 60. Os dias misturaram-se, tornando-se numa sopa de letras demasiado complexa para decifrar apenas numa tarde solarenga de verão. De que dias estou eu a falar? Os dias passados em casa, longe da família e dos amigos, a olhar através de vidros que podiam estar mais limpos (com tanto tempo livre…) para a vida que não para, quando tudo o resto decide estagnar. Mas talvez esta estagnação esteja apenas nas nossas cabeças, talvez seja um conceito orquestrado pelos nossos hemisférios direitos, demasiado criativos, de modo a arranjar desculpas para a vitimização e para a inércia demasiado dependente do ser humano. Com isto não quero dizer que todas as pessoas lidam com o confinamento da mesma forma! Decerto que uns mantêm uma perfeita sanidade mental e exercitam o corpo 6 vezes por semana através de diretos no insta, enquanto outros sentem uma força inexplicável exercida pela cama e pelo sofá que os impede de se libertarem do seu feitiço. Não existem pessoas iguais, logo não existem quarentenas iguais. Premissas que devem levar para a vida, caros leitores. Não queremos cá comparações: “Ah, na minha quarentena cozinhei 15 bolos e 4 tipos de bolachas diferentes, fiz yoga 3 vezes por semana e vi todos os diretos do Bruno Nogueira.” O que devo dizer que não tem qualquer semelhança com a minha quarentena. Não aprendi nenhuma receita nova, à exceção de como fazer pão pita e refinei as minhas skills de fazer sopas e panquecas (juro que não me alimento só à base de pão pita, sopas e panquecas). 22
Julho 2020
Mas aproveitei ao máximo para fazer aquilo que realmente gosto, que me preenche, que tanto adiava por estar sempre entre livros e folhas impressas aos magotes. Mas não quero enganar ninguém e vocês sabem tão bem como eu de que esta quarentena não foram férias, como muita gente alega. Tivemos momentos menos agradáveis, com uma sobrecarga de trabalhos e tarefas e afins, no entanto faz parte desta nossa vida académica de que tanto nos queixamos mas secretamente adoramos. Mas afinal que período foi este, a tão falada quarentena? Para mim, enquanto estudante, consistiu em isolamento total. Confinada em casa, impedida de chegar elegantemente atrasada aos convívios marcados, de ir àquele almoço de domingo verdadeiramente português e abusar nos enchidos, de acabar a noite num karaoke espontâneo, de me deitar no verdejante jardim do cisne assassino com os comparsas de sempre, de passar o dia na biblioteca rodeado de pessoas que procrastinam tanto como eu mas que também se aplicam, surtindo numa cadeia de motivação silenciosa… Os dias tornaram-se diferentes, mais solitários, sem a rotina do costume. A liberdade a que estávamos habituados foi-nos restringida, mas a verdade é que nem dávamos conta da sua presença, apenas quando esta nos foi parcialmente retirada é que sentimos a sua falta. Tantas liberdades foram suspensas… A liberdade dos afetos foi uma das que sofreu mais, e ainda hoje não foi completamente restabelecida. Como será o primeiro abraço sedento do espaço diminuto entre os dois amigos, após meses de somente contacto virtual? O primeiro jantar de amigos não