Revista 440Hz - Edição 4

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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

NUNO MINDELIS O GROOVE DE SUAS ORIGENS

AFTER HOURS O show de John Cale na última noite antes do isolamento social

CLEMENTE LIBERDADE E ROCK & ROLL



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SUMÁRIO 06 CENA E ENSAIO 08 De Londres o Sol brilha Conheça Anchor the Sun 12 A voz de Anná e suas colagens musicais 14 COZINHA 16 É sobre colocar o coração na ponta das baquetas Batemos um papo com André Deá 18 Groove, Forró e Alegria Entrevista com Júnior Bass Groovador 20 ME ACOMPANHE SE FOR PUDER 22 O Resgate das origens Nuno Mindelis Lança Angola Blues 25 Coluna Erico Malagoli A sonoridade do Blues 26 QUEM TEM VOZ

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28 Clemente Quebra tudo, quebra pedra, só não quebra opinião 34 O calor do Rádio Na era digital voltamos a ele 36 UM POUCO DE MÁGICA 38 O silêncio fala Em tempos de isolamento 42 DENTRO E FORA DO ESTÚDIO 44 Luvbites Loud Fast Soul 46 Fernando Lodeiro em um estúdio em NY 48 RESENHAS Os álbuns que escutamos na Redação

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50 SOBRE O PALCO 52 O Fenômeno Sertanejo O mercado que maiscresce na música

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60 A última festa antes do amanhã O show de John Cale um dia antes do fechamento dos SESCs 64 O dinossauro Mandala de Areia

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EDITORIAL AI AI, SAUDADE! NÂO VENHA ME MATAR A música me fez companhia nos momentos de solidão. Ouvi, cantei e toquei música a minha vida inteira, na alegria e na tristeza. Esteve comigo em casa, em cada destino e nos caminhos que percorri. Quando atravessei o norte da Espanha a pé, meu mantra era o “Mistério do Planeta”. “Vou mostrando como sou e vou sendo como posso” cantou Moraes Moreira e eu recantei tantas vezes. Mas agora Moraes se foi e não posso jogar meu corpo no mundo e andar por todos os cantos. A lei natural dos encontros agora é risco de vida. Mas essa é uma edição de encontros e reencontros. Editar boa parte dela sem poder sair de casa não levou à introspecção, mas, também, a muitas buscas fora das minhas paredes, para reencontrar tudo que a música já me trouxe. De tantos, apenas um desencontro, que é Moraes. Eu fiz uma entrevista com ele, meses atrás. O show que ele promovia acabou não acontecendo, mas, mesmo assim, a conversa rendeu algumas linhas na Edição 2 da Revista 440Hz. Era um show que eu queria ter visto. A entrevista em si não foi fácil. Moraes não estava de bom humor e não vale a pena transcrever a conversa. Não o homenagearia da maneira que eu admiro, a ele e a sua obra. Eu gostaria de dar a ele mais, mas nesse momento ficam essas palavras editoriais. Essa edição foi feita para atravessar momentos difíceis. Então, mesmo que não possa sair de casa, abra a porta e a janela, e vem ver o sol nascer. Fernando de Freitas

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Edição 4 - Abril 2020 Diretora de Redação Ana Sniesko Editor-chefe Fernando de Freitas Assistente editorial Ian Sniesko Arte e diagramação Dupla Ideia Design Direção de arte: Camila Duarte Diagramação: Fernando de Freitas Comercial Cida Sena Revisão Luis Barbosa Colaboradores Anneliese Kappey, Carolina Vigna, Erico Malagoli, Matheus Medeiros Foto da Capa: Priscila Tessarini / Divulgação

Foto: Arquivo Pessoal

A Revista 440Hz é uma publicação da Limone Comunicação Ltda.

Caixa Postal 74439 São Paulo, SP, CEP: 01531-970 contato@revista440hz.com.br

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POP VIGOROSO DE

BRUNO SCHIAVO

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álbum “A Vida Só Começou” marca a estreia de Bruno Schiavo. O compositor paulista faz uma leitura diferente do pop, com um toque vigoroso da banda que o acompanha. A convite de Eduardo Manso, produtor de Trança (2018) de Ava Rocha, e da gravadora e selo Rockit de Dado Villa-Lobos, o trabalho conta com músicos de trânsito intenso entre as cenas carioca e paulista. Com participações especiais de Ava Rocha, Ana Frango e Negro Leo, o disco mescla a canção no campo experimental, marcada pela investigação de fronteiras na música brasileira. Apesar do sentido inaugural evocado pelo título de seu disco de estreia, trata-se do resultado de um percurso de mais de dez anos pela música. Bruno integrou as bandas Dodecafunk, Bruno & Bruno, Eueueu e participou em inúmeras apresentações de improviso livre e em incursões pelo ruído e pela palavra. Ter fechado o ano sabendo que eu venci o Red Bull Music Breaktime Sessions foi algo muito grande pra mim”.

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Fotos: Divulgação

CENA E ENSAIO


DEDIGUALDADE NA MÚSICA O desequilíbrio de gênero que vivemos no Brasil não é diferente na música. Entre os 100 maiores arrecadadores de direitos autorais no país, apenas 10 são mulheres. E, em 2019, as mulheres receberam somente 9% do total distribuído em direitos autorais. Estes são alguns dados da terceira edição do estudo “Por Elas Que Fazem a Música”, desenvolvido pela União Brasileira de Compositores (UBC). Um dado que demonstra a persistência do estereótipo da figura feminina na posição de diva de autores homens é a origem dos rendimentos. Enquanto 14% das receitas masculinas são oriundas de interpretação de canções, para as mulheres este trabalho gera 27% de suas arrecadações. Homens têm 76% de receitas provenientes de suas autorias, já o total arrecadado pelas mulheres tem 66% oriundos de composições. Com mais de 33 mil associados, dos quais apenas 15% são mulheres, a associação comprova através da pesquisa que, apesar crescimento da participação da mulher, ainda há um longo caminho rumo equilíbrio de gênero no mercado fonográfico.

JULIA MELO O SEU HEAVEN

Marcada pela força dos sintetizadores e das batidas que unem o pop, trap e dubstep, Julia Melo, que começou a compor aos oito anos de idade, lança o segundo single do seu EP de estreia, Celestial, pela Nuzzy Records. “Heaven” fala sobre o que a cantora passou e o que muitos outros LGBTQIA+ vivem, como violências físicas e psicológicas. Produzida por Marlon Lopes (Adorável Clichê), a faixa mistura peso e leveza no contraste do som. “Heaven foi criada para todas as pessoas que buscam o direito de ser quem são, de serem felizes e de poderem viver mesmo sendo perseguidos por todos”, diz.

MIX ENTRE HERMANOS

Com um sotaque portenho, Manda Mecha é a nova banda que surge em território brasileiro. A argentina Michu Mendez (Petit Mort, Muñoz, Menage) fica com os vocais, enquanto os brasileiros Chico Abreu (Skrotes, Los Desterros, Carolino), Juliano Parreira e Gustavo Koshikumo (ATR, Aquamono, Deep Leaks) se dividem entre guitarras, violões, baixos e sintetizadores. Papi, um som dançante com uma pegada latina, é o som de estreia com clipe para lá de divertido. Vem ver!

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POR LÁ

Por Fernando de Freitas

A H L I R B L O S O S E R D N O L DE

QUE A D N A B , N U S THE R O H C N A A A A N S Ê L A CONHEÇ G M U OS E R I E L I S A R B S I REÚNE DO A S E L G N I L A T I P CA

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Fotos: Divulgação

urante uma sessão na Abbey Road, Lilly J. e sua banda se colocaram a tarefa impossível de mostrar que podiam ancorar o Sol. Nenhum lugar no mundo é mais adequado para se fazer o impossível com música, foi naquelas salas que nossos maiores ídolos nos levaram dos corações partidos às imagens abstratas em arranjos e timbres maravilhosos. Lilly, Bruno e Spud, três expatriados atravessaram a faixa de pedestres mais fotografada do mundo para dar vida às suas criações no mais mitológico laboratório musical que existe.

Anchor the Sun nasceu como Lilly J. e sua banda quando a jovem brasileira, formada em Design e Artes do Som na Universidade de Londres e que trabalhava como tour manager na Marshall Arts, começou a compor canções para uma banda em seus momentos de solidão em trens e quartos de hotel. “Eu via aqueles artistas que eu acompanhava, eles no palco e eu nos bastidores, e sentia que estava no lugar errado” conta Lilly J. A relação de Lilly com a música começou ainda pequena, aos 3 anos, fazendo aulas de musicalização, depois piano, até que, aos 10 anos, ela decidiu que queria ser igual ao David Gilmour e começou a estudar guitarra elétrica. Seu irmão mais velho havia estudado violão clássico e abandonado, ela achava que aquilo devia ser chato e insistiu, ela queria tocar guitarra! As primeiras composições não demoraram a aparecer. Ao longo dos anos atravessou várias fases, copiando seus ídolos ao escrever canções: “Quando tive uma fase Johnny Cash, eu escrevi canções que as pessoas ouviam e juravam que eram dele”. Nessa dedicação, seguiu o rumo da música até o vestibular, quando decidiu fazer audiovisual pensando que isso poderia dar algum suporte técnico à

música. Desiludida com o curso, mudou-se para Londres, onde havia o curso mais adequado ao que ela queria. Certo dia, em uma comunidade virtual de brasileiros que vivem em Londres, um cara pediu ajuda para a revisão de seu currículo. Era de Bruno, músico e produtor experiente, que já havia trabalhado com gente como os Titãs e Ultraje a Rigor. Não apenas ficaram amigos, como começaram a colaborar. O galês Spud chegou por uma rede social agregadora de músicos, a Musicians Landing, formando uma banda de quatro elementos: voz, guitarra, baixo e bateria. Assim, ao subir no palco e anunciar pela primeira vez Lilly J. e sua banda, ela sentiu que aquilo não refletia a realidade daquele grupo, ainda que fosse a frontwoman. Eles tinham um processo de criação comum e eram uma banda, nascia assim a Anchor the Sun. “Ao discutir algo que tínhamos em comum, che-

gamos à conclusão de que nós três sentíamos falta do sol e da natureza de nossos países. A partir daí, eu analisei o tema e a imagem contraditória entre âncora e sol. Um está no céu, o outro no mar. Um na luz, outro na escuridão. Um é vida, esperança, felicidade, iluminação, emoção. O outro arrasta, atrasa, é prisão, peso, escuridão. Os membros da banda, e, consequentemente, a música, trazem consigo a questão da angústia do mundo, as dificuldades que a vida impõe. Daí o conceito de ancorar o sol - é ambicioso e impossível. Um desejo de ter controle sobre o universo, a antítese da pequenez do ser humano e a grandeza de ideias e desejos - a noção de que devemos buscar a perfeição, mesmo sabendo que isso nunca será alcançado. O conceito é que, em um único ser, há progresso, avanço e, também, atraso, imobilidade.” Do primeiro show da banda, no The Monarch, para os estúdios da Abbey Road, onde ela cantou no mesmo microfone que um dia foi

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POR

designado para Lady Gaga e David Bowie (que pressão!) , foi feito um plano para tocar em diversas casas, lançar singles e o EP antes da temporada de festivais na Europa. Mas veio a pandemia do Corona Vírus. Neste momento a banda trabalha na produção das faixas gravadas, com calma, enquanto se replaneja. As faixas “I Don’t Know”, que tem forte relação com o espírito da

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banda de paradoxos e antíteses, e “Not Enough”, uma belíssima canção de coração partido com uma guitarra que soa como John Frusciante em suas baladas, já foram lançadas. Ainda que sejam faixas de estreia, ainda que seja um trabalho independente, sobra experiência para a banda, os arranjos são bem cuidados e a produção soa orgânica, sem exageros de produção.

Na medida certa, tem a vivacidade das gravações iniciais e surpreendentes de um artista com produção represada, mas também com o cuidado que os iniciantes raramente têm. É uma combinação comum em álbuns-solo de artistas que saem de bandas ou daqueles que recebem a atenção de um dinossauro pela sorte do destino. Anchor the Sun é um ponto fora da curva, uma ovelha negra.



POR AQUI

Por Fernando de Freitas

Á N N A E D Z O AV SUA

A C S U B A R A COMPOSITO RIDADE POR MEIO O N O S A I R P Ó PR S I A C I S U M S DE COLAGEN

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AMET QUI AUT RAE CONSEQU


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primeiro choque foi quando eu escolhi fazer faculdade de cinema e não de medicina, como esperavam de mim”, conta Anná sobre o seu caminho. “E foi quando me mudei para São Paulo e conheci a noite paulistana. Desde então, estamos em um relacionamento estável e monogâmico”. E foi nessa mudança que ela passou a descobrir seus caminhos inesperados. Anná se encontrou no samba, nas tradições orais, no sentimento de pertencimento e comunidade. Anná diz que é do samba, mas já havia deixado claro: seu relacionamento sério é com a noite paulistana, e essa é conhecia pela diversidade.

Quando gravou seu primeiro EP, Anná sentiu a necessidade de tomar posições. “Não tinha ninguém fazendo música sobre gordofobia, por exemplo, e eu escrevi “Carta à Boa Forma” sobre mim, mas não queria que fosse só sobre mim”. E foi assim que ela se organizou para gravar a música e o clipe com muitas mulheres cantando juntas. Estando envolvida com o ativismo de diversas questões, estas foram transparecendo em seu trabalho, e eram transformadas

em música por meio de uma colagem de influências diversas. As músicas de Anná não são “uma de cada jeito”, todas as músicas são de todos os jeitos. Explico, ela vai transformando o ritmo, arranjo e clima conforme os versos lhe surgem, com uma habilidade que pouquíssimos músicos têm. Suas experiências levam ao extremo alguns procedimentos tropicalistas, mostrando que, esteticamente, ela ouviu e entendeu Tom Zé e Caetano Veloso. Uma vez que mencionamos a influência de Caetano, é possível, ao ouvir Anná, encontrar um fenômeno raro, possível nas primeiras gravações do baiano, que é ouvir o sorriso. Existe um gosto na dicção das palavras e uma alegria inerente ao ofício de fazer a música que extrapola qualquer explicação acerca da interpretação. Não é uma entonação, um timbre, um arranjo ou qualquer elemento musical que possa ser explicado para além da sensação de que Anná canta sorrindo. Mas a própria formação musical de Anná funciona neste impalpável abstrato e informal. Ela

está envolvida na tradição oral da música negra brasileira, frequentando as rodas de samba e fazendo parte de grupos como o Ilú Obá de Min, de cujo coro faz parte. Na composição “Sobre a Rosa”, parte de seus mais novos lançamentos, hoje, olhando mais para si e para questões mais etéreas, mas não menos políticas ou profundas, contou com a participação do grupo. Não apenas a bateria e coro do Ilú, entre tampas e canetas e universos literais, a canção recebe um naipe de metais redondo que embala. Aproveitando-se de todas as possibilidades de uma banda que sabe suingar, ela faz a colagem de “Plantaram Poesia” que homenageia seus pais, professores (acompanhado de um clipe montado sobre um VHS de sua infância), mostrando que não tem medo explorar a voz aveludada ou rasgada na mesma peça. É uma artista que mostra o amadurecimento em cada obra e que tem estofo para nos surpreender com criatividade e sem amarras ou rótulos.

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COZINHA 3 APPS SELECIONADOS Se você ainda está em dúvida se o instrumento é para você, vale começar com aplicativos que ensinam ao menos as primeiras levadas. Bass Guitar Tutor Um dos mais fáceis e intuititovs para quem está começando. O app ensina os principais fundamentos, que você pode pular se estiver muito fácil. Baixistas mais experientes podem usar a ferramenta para revisar acordes e escalas. Disponível para iOS e Android, com mais recursos por US$ 2,99.

BRASILEIRO O

baixista curitibano Glauco Solter acaba de lançar Levadas Brasileiras (Ás Editorial), livro em que conta a história do contrabaixo no Brasil, desde o início do século 20 até agora, passando por todos os estilos. Com 216 páginas, o livro tem o prefácio do trombonista Raul de Souza, a revisão técnica das partituras do clarinetista, arranjador e professor Sérgio Albach e ilustrações de Luiz Antonio Solda. Como material adicional há um vídeo para cada partitura que pode ser acessado através de um QR Code impresso. “Após mais de trinta anos de experiência como baixista resolvi escrever um método. Percebi que havia muito pouco ou quase nenhum material sobre os baixistas que fizeram história e suas ‘levadas’ imortais. No entanto eu queria fugir do formato catálogo e criei um enredo para este personagem, o baixo brasileiro, passando pelas mãos de grandes mestres desde seu surgimento na Música Popular Brasileira até os dias de hoje”, resume o autor. À venda por R$ 39,90.

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Real Bass Este aplicativo também converte a tela do dispositivo em um baixo acústico ou elétrico simulado. O Real Bass vem com amostras realistas de diferentes tipos e estilos. Gratuito para iOS e Andoid na versão com anúncios.

Fotos Divulgação

HISTÓRIAS DO BAIXO

Learn To Play Bass Guitar O app reúne mais de 70 lições que ajudam quem quer aprender os principais fundamentos do instrumento. Com animações em cada exercício, é bem visual e ainda conta com ensinamentos que vão do funk ao jazz. Gratuito para iOS e Android.


HORA DE AJUDAR Mesmo antes de a D’Addario, empresa líder mundial em acessórios musicais, ser forçada a fechar suas fábricas por conta do avanço da pandemia do coronavírus, eles começaram a criar uma maneira de usar seus conhecimentos de engenharia e fabricação para ajudar a aliviar a terrível falta de equipamentos de proteção para a cidade de Nova York e para os profissionais de saúde dos Estados Unidos. Liderada pelo diretor de inovação, Jim D’Addario, a equipe de engenharia descobriu que poderia fabricar protetores faciais usando o filme transparente de seus populares cabeçotes de bateria Evans G2. Trabalhando dia e noite, três dias depois, a equipe teve seu primeiro protótipo. E como a empresa já produz produtos de fisioterapia através de sua marca Dynatomy aprovada pela FDA, eles conseguiram trabalhar rapidamente em soluções de fabricação e distribuição. “É nossa intenção fabricar esses escudos pelo tempo que for necessário em Nova York ou em qualquer lugar do mundo. Assistimos aos incríveis esforços de nossos profissionais de saúde e serviços essenciais em todo o mundo com grande admiração. Embora não possamos igualar os esforços incomensuráveis desses heróis altruístas, sentimos uma imensa responsabilidade de fazer nossa parte para superar a crise do COVID-19”, declarou Jim D’Addario.

PARA FACILITAR MUITO A VIDA Com a maioria dos bateristas afiando suas costeletas em casa durante esse bloqueio global, a Gruv Gear avança com produtos inovadores, preparando os músicos para viajar novamente. O novo sistema VELOC One-Trip Drum Transport permite que os bateristas carreguem um kit de 5 peças em uma única viagem. O VELOC totalmente integrado consiste em um carrinho de alumínio leve com um engenhoso trilho magnético no qual as caixas se prendem e empilham verticalmente, criando um sistema semelhante a uma prateleira com aberturas frontais convenientes para cada caixa. Isso significa que os estojos podem ser deixados no carrinho, permitindo que os bateristas montem e desmontem com muito mais agilidade. Bateristas, roadies e técnicos de bateria podem manobrar facilmente através de portas, corredores estreitos e estacionamentos movimentados usando apenas uma mão.

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NA LEVADA

O R A C O L O C E R B O ÉS Por Ian Sniesko

A N O Ã Ç A R CO Q A B A D A T N O P V indo de uma família ligada a música, André Dea se interessou pela bateria lá pelos anos 2000. “Meus avós tocavam violão e sanfona, e meu pai tocava violão”, conta o músico. Aos 14 anos, o baterista se inspirava em artistas como Travis Barker - “o Blink-182 tinha acabado de lançar o Enema of the State e estava no seu auge” - e em grandes nomes como Stewart Coperland, John Bonham e Dave Grohl. “Por muito tempo eu senti que queria imitar outros artistas. Hoje em dia, percebo muito mais um jeito meu de tocar. Antigamente, eu ouvia uma música tentava pensar o que tal baterista faria, hoje em dia eu realmente tento encontrar um caminho que seja meu”, conta o paranaense, que afirma ter aprendido bastante com o tempo, tanto em matéria de “tocabilidade” quanto em expressão. Antes de se tornar parte integrante de uma banda, André trabalhou por um tempo fazendo trabalho freelancer como músico de sessão e de palco. “Quando você toca com um artista que não é do seu projeto principal, você está ali pra resolver o problema dele da melhor maneira”. Segundo ele, esta foi uma boa forma de aprender os limites do instrumento e como se inserir na mú-

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sica de uma forma artística e criativa. Em seu currículo estão nomes como Sugar Kane, Vespas Mandarinas e, mais recentemente, Supercombo. “Sugar Kane foi a primeira banda grande com quem toquei”, relembra, dizendo que recebeu um convite por Orkut, em 2006, do próprio frontman do grupo, Alexandre Capilé. “Eles entraram em hiato nessa época e, quando voltaram, o antigo baterista Renê já não queria seguir tocando e me indicou para entrar em seu lugar”. Foi no mesmo ano que André se mudou para São Paulo para trabalhar em seu primeiro álbum com o Sugar Kane: “a gente gravou todo o instrumental ao vivo no estúdio, se alguém errasse uma nota teríamos que gravar tudo de novo, então a gente ensaiou bastante antes disso”. André foi recentemente efetivado como baterista fixo do Supercombo e já gravou no estúdio com a banda: “o Léo e o Pedro (integrantes do Supercombo) também tocam bateria muito bem, então eles sempre me dão umas ideias criativas para usar”, conta o baterista. O músico também afirma que, quando está trabalhando em sessões, gosta de gravar primeiro as músicas mais fáceis e deixar as mais cansativas pro meio do dia para que as coisas

possam fluir melhor e mais rápido. Nas redes sociais, Deá posta frequentemente drumcams em suas redes sociais: vídeos nos quais ele se filma tocando as músicas dos seus diferentes projetos. Ao gravar-se tocando músicas do Supercombo, tanto em estúdio quanto ao vivo, o baterista achou uma maneira criativa de se apresentar pros fãs da banda. “Muita gente tem dúvida de como tocar as músicas. É como uma aula rápida. A resposta que eu tive disso foi ótima, a galera gostou muito”. O artista chegou até a gravar um vídeo especial para a marca de baquetas Vic Firth e afirma: “para você ser colocado no YouTube deles não é tão fácil. Eles têm que pedir, você tem que chamar a atenção deles”. Por último, o baterista aconselha os músicos: “o mais importante de tudo é se sentir bem tocando bem. Antes de pensar qualquer coisa do tipo: quero tocar na banda tal, você precisa pensar em ser um instrumentista bom, que esteja feliz com a sua performance”. Você pode conferir o trabalho de André Dea em bandas como Sugar Kane, Violet Soda e Supercombo nas principais plataformas de streaming. Não deixe de conferir também suas drumcams em suas redes sociais.


Conversamos com o baterista André Dea, integrante das bandas Sugar Kane e Supercombo, sobre sua história e seu amor pelo instrumento.

Fotos: Divulgação

A T E U Q

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FENÔMENO

Por Ian Sniesko e Fernando de Freitas

Ó R R O F , L A R T S A O T AL E V O O E GR De fenômeno da internet aos palcos do RiR, conheça Júnior Bass Groovador

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or que você paga internet? Não é para assistir milhares de filmes, ouvir centenas de álbuns, visitar dezenas de lojas ou qualquer outra solução de problemas que você não tinha antes dela. Você viveria muito bem sem internet até aí. Você paga a internet porque sabe que, um dia, alguém vai te mandar um vídeo de um gordinho de regata preta e bermuda, tocando “Smells Like a Teen Spirit” em ritmo de forró no baixo e dançando como se não houvesse amanhã. E será incrível! Nós amamos a internet porque, com ela, temos acesso a coisas que não teríamos sem. E Junior Bass Groovador é um alguém que dificilmente chegaria ao palco do Rock in Rio se não fosse pela internet. Talvez um amigo, ao chegar de Natal, te falaria sobre um músico talentosíssimo, cheio de groove, que conseguia transformar qualquer tema em forró e que fazia isso dançando da forma mais divertida possível. E você acharia engraçado e não acreditaria inteiramente. Talvez alguém, nos tempos da VHS, teria um trecho filmado, mas você não sacaria que ele realmente era um músico incrível. Aos puristas, damos nosso abraço no

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Groovador, como fez Dave Ghrol. A música também é diversão e não convém nos levarmos a sério demais. Conte-nos um pouco sobre sua trajetória e história com a música: como começou a tocar, por quais bandas passou etc. Comecei a tocar na igreja. Conheci o contrabaixo foi na Paróquia Santa Maria Mãe, onde formamos a primeira banda, que se chamava Grupo Renascer, no bairro em que eu moro. Depois que fui expulso da igreja devido a minha forma de tocar e de me vestir, comecei a me profissionalizar na música. As primeiras bandas foram Decreto Final, Ponto de Fuga, Natal Samba, Cafajestes do Forró e por aí vai. Você sempre tocou forró ou também já tocou outros gêneros? Na realidade eu comecei tocando rock. Depois fui para bandas de pagode, forró, axé e banda baile. Aqui em Natal é muito difícil você só tocar um gênero, por isso passei por vários gêneros e estilos musicais. Quais são as suas principais influências no baixo? Sempre gostei de Michael Jackson. Desde criança eu amo misturar um pouco de rock com forró, mas eu comecei


apreciar os VS de teclado, essa mistura de rock com forró e agreguei também.

Fotos: Divulgação Natura Musical

Como foi o processo de pegar essas influências e desenvolver um estilo próprio pelo qual você é reconhecido? Sempre tenho esse meu lado alegre, divertido. Desde a infância, sempre tive personagens de imitação, como o Sérgio Malandro, mas o alto astral se desenvolveu quando as pessoas começaram a me dizer, depois dos shows, algo do tipo: como você é alto astral no palco, como você é alegre, divertido etc. Com isso, fui pegando essas palavras e colocando em todas as publicações, como por exemplo o meu bordão, que utilizo até hoje: “Vamos Vencer na Vida! É Só Alegria”. Essa

é uma das minhas marcas registradas quando faço qualquer postagem de trabalho. Seu “alto-astral” e os seus movimentos são suas marcas registradas. Como isso se desenvolveu e posteriormente se tornou uma parte essencial da sua música? Essa ideia não foi eu que criei. Assisti no YouTbe alguns VS de outros canais e eu apenas fiz com minha interpretação, colocando o contrabaixo em cima delas e fazendo com meu estilo groovado e dançante. Não me considero criador de nada, apenas um baixista que quer vencer na vida. (Risos) Você também é bastante conhecido na internet por transformar músicas de rock famosas em forró. Quando foi que essa ideia apareceu e como ela se desenvolveu? Repito, eu não transformei nada, apenas sou um simples intérprete da música. Faço a música com amor. Tenho um amor infinito por músicas diferentes e

apenas fiz, e faço, algumas interpretações do meu jeito. Recentemente você tocou no Rock in Rio ao lado do músico Jack Black. Conte-nos um pouco sobre como se deu e como foi a experiência de tocar para milhares de pessoas ao lado de uma verdadeira lenda. A maior experiência da minha vida foi tocar com Jack Black. É fantástico! Ele mesmo me perguntou: “como você deixou o “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana, uma música tão divertida?”. Eu apenas disse que sou um simples intérprete da música, que não me considero o criador de versão. Sou apenas um baixista sonhador que só quero transmitir alegria para o público. E tocar no Rock in Rio, pode ter certeza, é uma sensação maravilhosa, a sensação de um sonho realizado. Mas também quero dizer que para mim, não tem diferença nenhuma de como tocar em um bar na minha cidade, em Natal, RN. (Risos). Eu só quero vencer na vida! Tocar no Rock in Rio ou em qualquer lugar desse mundo, você sentido o calor do público, o carinho dos fãs, você sendo valorizado como músico profissional, isso não tem preço. É gratificante! Por último, qual é o seu conselho para nossos leitores músicos que almejam o sucesso? Meu melhor conselho é não desistir dos nossos sonhos. É lutar, acreditar que, com determinação, força e fé a gente chega lá. Eu ainda tenho muitos sonhos e objetivos, lógico. Os meus maiores sonhos, hoje, são ter minha casa própria, conseguir viver de música e montar meu projeto chamado “Vamos Vencer na Vida”. Com este projeto, sonho conseguir dar o melhor para as pessoas que não têm uma oportunidade, mas tem o talento e querem entrar no ramo da música! É isso. Muito obrigado a todos, aos meus fãs, a vocês da Revista 440Hz, um beijão do Júnior Bass Groovador, este baixista dançarino alto-astral e, VAMOS VENCER NA VIDA!

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ME ACOMPANHE SE PUDER

ANGUS YOUNG

E TODA ELETRICIDADE

FENDER TOMA DECISÃO SUSTENTÁVEL A marca de guitarras mais famosa do mundo anunciou que vai deixar de usar a madeira ash na construção dos seus instrumentos. Conhecida como freixo, o material é usado na grande maioria dos produtos Fender, mas um problema ambiental fez a empresa tomar a decisão. Justin Norvell conta que a decisão foi tomada por conta da destruição de árvores freixo causadas pelo besouro Emerald Ash Boorer, uma praga que desceu desde o Canadá e avança cada vez mais pelos Estados Unidos. As alterações climáticas também têm atrapalhado a sua extração, o que faz com que a Fender use a ash armazenada até aqui apenas em linhas limitadas. A boa notícia é que a icônica marca está empenhada em reflorestar áreas em Detroit, no estado de Michigan, mas deve demorar pelo menos 30 anos.

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Fotos: Shutterstock e Divulgação

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nquanto o AC/DC anuncia seu retorno, a biografia do guitarrista Angus Young chega às livrarias. Em High Voltage (Editora BestSeller), o biógrafo Jeff Apter traz detalhes marcantes sobre a trajetória e revela bastidores de gravações e shows, entre estes a participação no primeiro Rock in Rio, em 1985. O caçula da família, hoje com 64 anos, é conhecido por ser guitarrista, compositor, líder e fundador, junto com o seu irmão Malcolm, da banda de rock AC/DC. Com o olhar do cronista, mas também de fã, Jeff conta sobre a influência de Richard Wayne e Chuck Berry para seu estilo musical, a morte de seu irmão e companheiro Malcolm, e as mudanças na estrutura da banda, como a substituição de Brian Johnson por Axl Rose, vocalista do Guns N’ Roses. À venda por 49,90.


PIANOS PERDIDOS Em uma viagem para a Mongólia, a jornalista britânica Sophy Roberts conheceu um jovem músico que lamentava não ter um piano para tocar. Tocada pela história, ela decidiu viajar até a Sibéria (já que estava relativamente perto) para encontrar um instrumento. A aventura se transformou no livro The Lost Pianos of Siberia (Os pianos perdidos na Sibéria, em tradução livre). A autora revela a parte que o piano desempenhou na história do país, detalha como as influências de grandes nomes musicais como Field, Liszt e Chopin, Tchaikovsky e Rachmaninov aumentaram a demanda por piano. O instrumento se tornou símbolo de status social, além de um importante papel no dia a dia da população. No processo, ela descobre pianos em lugares que você menos esperaria encontrá-los. À venda por US$76,52 (e-book).

VAI OU NÃO VAI?

APRENDA COM REALIDADE VIRTUAL Com um toque futurista de óculos 3D, o Rimie Mobile é um aplicativo que permite cantar ou tocar suas músicas preferidas em modo play along e backtrack, oferecendo total controle de todos os instrumentos. O ambiente virtual em realidade aumentada ajuda a deixar a experiência o mais próxima possível do acompanhamento de uma banda de carne e osso. A versão beta já está disponível em Android e, segundo o fabricante, em breve para iOS.

Saiba mais em:

https://rimie.com.br/

STEVE VAI é sem dúvida um dos maiores guitarristas de todos os tempos. Sua exuberancia e a musicalidade única influenciaram - e ainda influenciam - gerações de guitarristas e legiões de admiradores. Inteiramente colorido, com ilustrações desenhadas pelo próprio autor (incluindo a capa!), Vaideology é um verdadeiro mergulho na mente criativa desse brilhante artista, que compartilha não apenas seu conhecimento, mas suas impressões pessoais, seu percurso, suas descobertas. Vai convida o leitor a criar uma relação pessoal, íntima, emocional e – no mais puro sentido da palavra – uma relação transcendental com os elementos da música. A proposta profunda desse livro não é “aprender a tocar como o Vai”, mas antes “aprender a tocar como você”. Assim, ele oferece ao leitor a oportunidade de criar a sua própria trajetória. À venda por R$ 129 no site da Ed. Passarim.

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BLUES

Por Fernando de Freitas

E T A G O RES S N E G I R O DAS lues para B la o g n A a ritmo lis lanç Nuno Minde sicas de sua infância no ú cantar as m rou g que o consa

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de jogar bola com outros garotos que viviam costumes tribais em pleno século XX. Foi ali que aprendeu muitas das canções que canta neste álbum. “Minha memória está muito ruim. Eu preciso olhar a letra de músicas que cantei minha carreira inteira, mas não esqueço as músicas da minha infância. Esse é um dos motivos pelos quais decidi cantá-las”.

LUANDA, O BLUES E DESTINO

Foi quando os pais decidiram se mudar de Cabinda para Luanda que a vida do pequeno Nuno começar a dar voltas. Indo para a capital do país, o menino se agarrou ao seu brinquedo favorito,

Imagens: Divulgação

“E

u quero que você saiba que em África, numa cidadezinha perdida, um menininho ouvia sua música.” Foi com estas palavras que Nuno Mindelis se apresentou a Steve Crooper, guitarrista do Booker T and the MG´s, banda que acompanhava um de seus maiores ídolos, Otis Redding. Nuno repetiria a frase de reverência outras vezes, a cada ídolo que o bluesman conhecia ao longo de sua carreira, que começou em 1975, mas que deslanchou após 1990, com o lançamento de seu primeiro álbum. Nuno, diz “em África”, assim como

faz qualquer outro angolano para se referir a seu continente. Nascido em Cabinda, é cidadão português, uma vez que nasceu em Angola ainda colônia. Radicado no Brasil, se considera igualmente brasileiro. Mas, com a chegada da idade, o banzo o atinge e a necessidade de reconexão o fez trabalhar em músicas que ouvia na infância. “Eu deixei Angola apenas com a roupa do corpo, mas o que dói a um expatriado é a perda de sua raiz”, repete Nuno duas ou três vezes durante a conversa. O músico, ao comentar o período de sua infância, se surpreende com alguns fatos, como a recordação


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Foto: Shutterstock/André Luiz Moreira

BLUES um violãozinho cuja afinação lhe era trabalhosa. Para onde Nuno ia, levava o violãozinho e, como manda o clichê, seu irmão, para importuná-lo, furtava o objeto de desejo e desafinava. Assim, nos primeiros dias na nova cidade, ainda vivendo em um hotel enquanto seus pais procuravam um lugar definitivo para morar, a devoção de Nuno ao brinquedo chamou a atenção de um outro hóspede. “Ele me disse, ‘vem cá puto’ – puto, em Angola, é garoto, menino. “Vejo que vais ser músico, não larga esse violão por nada”, e me deu um disco do Otis Redding. Aquilo mudou minha vida para sempre”, conta Nuno. “Eu gostaria de encontrar esse homem, se é que ele ainda está vivo”. Ainda que tenha sido um divisor de águas para o menino, Nuno até hoje não sabe precisar se gostou daquele som logo de início ou se era algo que ele entendeu como a música de adulto de que precisava gostar. Mas, de uma maneira ou de outra, se tornou uma obsessão, passou a ouvir, reproduzir e tocar blues sem parar. Sua carreira musical começaria em breve, ainda na adolescência, em Angola. “Eu me formei em Direito, mas nunca exerci. Meus pais achavam que eu precisava de um diploma ou não seria ninguém”, conta Nuno sobre sua formação. “Mas eu sempre quis ser guitarrista e isso atrasou um pouco minha carreira, por um lado; por outro, me abriu uma visão que poucos músicos têm. Até hoje eu reviso todos os meus contratos”. Assim, o músico precoce acabou maturando a seu tempo fora dos grandes holofotes, e criando sua própria linguagem. Quando foi finalmente reconhecido, Nuno se sentia uma estrela solitária, tinha dificuldade de encontrar músicos que falassem a mesma língua que ele. “Eram músicos de rock ou de MPB que queriam tocar blues, mas faltava a linguagem”, na época ele dizia,

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sob uma saraivada de críticas. “Esses meninos de 11 ou 12 anos que vão aos meus shows terão o blues dentro deles”. Não era uma questão técnica que Nuno apontava, mas algo que recebe vários nomes tais como feeling, soul, gumbo, mojo... um elemento abstrato, indicativo de que aquela música e sua linguagem fazem parte de sua história e formação. E, através de muitas coincidências (e muito trabalho), a música de Nuno chegou a Austin, no Texas, onde foi ouvida por Chris Layton e Tommy Shannon, o Double Trouble, lendária banda de Steve Ray Vaughan. Mas a adoração que Nuno tinha por Shannon não remetia ao trabalho (que ele, claro, adorava) com Vaughan. “Contemporâneos não influenciam uns aos outros, meu ídolo era o Johnny Winter, e ele era o baixista do Johnny Winter”. Com a banda foram dois álbuns e turnês que resultaram em muitos anos de amizade e gratidão. “O que eu aprendi nos anos em que excursionei com Tommy, não aprendi com nenhum outro músico”.

ANGOLA BLUES

Se o novo álbum é o empreendimento de um expatriado para curar a dor de perder suas raízes, dar voz a um outro expatriado é uma delicadeza quase imperceptível que, quando revelada, faz irromper em lágrimas uma alma sensível. É a voz de Airto Moreira que abre o álbum (para saber mais sobre o percursionista, leia a matéria em nossa edição 0), na canção “Birim Birim”. Airto toca cantando, às vezes inaudível ao público, e Nuno extraiu um trecho de sua voz para abrir a faixa. Para deixar claro, Nuno Mindelis é um guitarrista de blues mundialmente reconhecido, apontado como um dos grandes nomes do estilo nos últimos 30 anos e comparado a gigantes como Steve Ray Vaughan. Airto Moreira é... Airto Moreira. Talvez o percursionista e baterista de jazz mais reverenciado

em todo o mundo. Com ele tocaram Jaco Pastorius e Miles Davis. Formou bandas como Weather Report e Return to Forever. Ouvir esses dois músicos juntos em uma gravação é um privilégio. Perceber que existe uma sintonia musical entre eles, só faz desejar que se apresentem sobre o mesmo palco. Nuno canta essas músicas sem emulações ou afetações. O canto é parte da música como mais um instrumento e se destaca por si. O sentimento é de familiaridade nas canções, que assim como a linguagem do blues a que foram transpostas, fazem parte de Nuno. É a virtuosidade que não demanda esforço em duas frentes. Nos encontros de vozes expatriadas, Nuno trás Flora Purim e Jessica Areias. Ainda que dispense apresentações, nunca é demais dizer que, quando Flora foi buscar a carreira musical em Los Angeles, Airto Moreira foi atrás. O casal que sempre trabalhou junto mantém individualmente brilho próprio e, ao participarem da canção Muxima, dão ao shuffle mais arrastado uma emoção cortante e grandiosa ao tema. A guitarra de Nuno chora junto dos teclados em um sistema de frases e comentários que desenvolvem uma conversa de fundo à bateria e percussão. É uma música completa. Já Jéssica Areias é uma cantora angola radicada em São Paulo que adiciona um tempero soul ao blues solto de Nuno. São os dois cantando suas origens com alegria. São muitas apresentações que Nuno propõe, de suas origens, dessa música, de suas linguagens, e dessa cantora talentosíssima. Para encerrar o álbum, Nuno propõe sua ligação com o Brasil nessas linguagens. Canta “País Tropical” à sua maneira, numa homenagem a quem ele admirava antes mesmo de desembarcar no país que o recebeu. Ali, blues, Angola samba-rock, Nuno... são tudo uma mesma coisa. A raiz está fincada.


SOM, SENTIMENTO E BLUES Por Erico Malagoli Quando pensamos a respeito da sonoridade blues, automaticamente já pensamos nas guitarras referenciais do estilo, como a 355 do BB King e na Strato do SRV. Mas conforme pensamos no assunto, mais guitarristas (e guitarras) vem a cabeça, até que passamos por Robert Johnson e... antes dele. E aí percebe-se que o estilo que influenciou tudo o que gostamos hoje, veio de cantigas, ladainhas de escravos nos EUA. E daí vem o nome, as músicas de lamentação, carregadas de tristeza, encontraram o violão e o resto é história. Um estilo tão completo não poderia ter somente um ou dois guitarristas como referência, mas vou ficar nos dois exemplos acima.

BB. King tinha a sua Lucille, uma Gibson semi-acústica com captadores Humbucker tradicionais (na linha dos Malagoli Custom 55) e Stevie Ray Vaughan, com sua Strato SRV com captadores single um pouco mais fortes que os convencionais (na linha dos Malagoli Custom Dallas). Vejam que os captadores e guitarras usadas para o estilo são tradicionais, embora a signature do SRV tenha singles com mais “pegada”, as demais guitarras usavam captadores convencionais. A number one por exemplo usava caps Fender dos anos 50 (na linha dos Malagoli Custom 57/62) set parecido aliás com o da Blackie e até com o da Brownie de Eric Clapton. Interessante nesse sentido, notar as diferenças timbrísticas entre esses dois guitarristas, apesar da semelhança entre as guitarras. Lógico que existem outros elementos aí, mas a “pegada” blues de um é completamente diferente da do outro. Enfim, blues além de um estilo é um sentimento, um estilo de vida. Só precisa viver isso em sua alma e ter o equipamento correto.

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QUEM TEM VOZ

“BRINCANTE, O FILME”

uase seis anos depois do lançamento nos cinemas, festivais e mostras, o longa-metragem “Brincante”, de Walter Carvalho, vai ainda mais longe ao ser disponibilizado ao público por meio do Canal do Instituto Brincante. Um misto de ficção e documentário, com paisagens brasileiras como pano de fundo, o filme mergulha no universo dos personagens do multiartista e pesquisador da cultura brasileira, Antonio Nóbrega, e da atriz, dançarina e pesquisadora da cultura brasileira, Rosane Almeida. A história dos dois, desde a saída de Recife até a chegada a São Paulo, onde criaram o Instituto Brincante há pouco mais de 27 anos, é recriada numa leitura onírica, por meio de linguagens artísticas como o teatro, a música e dança. Com Antonio Nóbrega, Rosane Almeida e Cia de Dança, o longa é uma produção Gullane em coprodução com Brincante Produções Artísticas, Maria Farinha Filmes, Kinofilme e HBO Latin America Originals. O lançamento do filme faz parte de uma série de ações do Instituto Brincante para manter seu trabalho de difusão da cultura brasileira em meio à quarentena por conta do combate ao novo coronavírus. O canal do Youtube traz conteúdos diversos, diariamente, às 19h.

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Fotosdivulgação

ESTREIA NO YOUTUBE Q


ANA GABRIELA ACÚSTICA Uma das revelações da nova MPB, a paulista lança seu novo EP, “nó(s)”, que chega com duas canções inéditas e duas novas versões de sucessos, além de um novo clipe. As novas faixas são “Amor Traduz” (Ana Gabriela/ Filipe Toca) e “Lembrança” (Ana Gabriela/ Guga Fernandes). As já conhecidas “Mais de Nós” (Luana Berti) e “Sabe” (Daniel Ferrera), cujos clipes somam quase 10 milhões de views, receberam uma releitura da própria artista, que valoriza instrumentos acústicos e arranjos delicados. “(nó)s” foi gravado no estúdio No Santo Som, em Campinas (SP). “A ideia foi buscar muita influência na música nacional, que é o que eu mais escuto. O Brasil tem muita coisa boa, mas procurei bastante focar nessa nova geração”, conta sobre a criação.

VOAR COM JULIANA O novo álbum da cantora e compositora Juliana Cortes ganhou o título Álbum 3 e o primeiro single: Andorinhas é a faixa escolhida para estrear nas plataformas streaming. A canção é um poema musicado, escrito por João Ortácio e Guilherme Becker, que repete a frase “Andorinhas bêbadas de querosene nadam na fuligem do ar de SP”. “É o primeiro single porque representa uma fusão de linguagens mais minimalistas”, conta Juliana. O arranjo da faixa foi criado em coletivo, a partir da audição da composição crua, registrada pelo próprio autor. O resultado é uma interpretação mais experimental, com vocal cantado em três oitavas: “registramos sensações e impressões daquele instante em conjunto, no estúdio.”

Saiba mais em: pedaiseefeitos.com/eventos

UM TOQUE AFRICANO Artista de Vitória da Conquista (BA), Luiza Audaz estreia como cantora solo, na gravadora Deck, após a indicação de ninguém menos que Pitty, que a assistiu enquanto viajava pelo Brasil com a turnê MATRIZ. O single, “Bahia-Flor”, já está disponível nas plataformas de streaming. Em ritmo vibrante, que alinha percussões a batidas eletrônicas, Luiza homenageia suas raízes e a miscigenação afroindígena. “Bahia-Flor” (Luiza Audaz) ovaciona em poesia a busca por libertação que atravessa gerações e se manifesta através da arte que resiste no caminhar do tempo. “Comecei a narrar como se estivesse vendo, pelo olhar de um menino, toda dor do deslocamento da África até aqui. ‘BahiaFlor’, na verdade, é uma expressão alegórica de uma dor que também me atravessa pois sou fruto da miscigenação dos povos e me vejo como pedaço de África”, explicou a baiana sobre suas inspirações. A faixa, marcada por influências que vão de ritmos africanos a artistas como Thievery Corporation, foi produzida pelo duo Deep Leaks, que já havia trabalhado anteriormente com a cantora e compositora no single “Berimba Areia”.

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Fotos: Tinho Souza / Divulgação

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Por Fernando de Freitas

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CLEMENTE

E

ram os anos 90. Clemente estava meio sem perspectiva. Quando você tem uma banda de relativo sucesso e perde o contrato com uma Major, você está desempregado mesmo que a essência da sua atividade não tenha mudado. Na realidade, Clemente ficou desnorteado: com menos de 40 anos, uma dura realidade, ele era velho e ultrapassado para a indústria da música. Sua forma de fazer música estava fora de moda, mas ele precisava sobreviver, afinal, à parte do sonho rockstar, estava a necessidade operária e periférica de colocar comida na mesa.

Muito embora a “Lenda Clemente” tenha nascido no SESC Pompeia, numa noite antes do fim do mundo, em 1982, essa persona referencial para qualquer um que pegue uma guitarra e planeje trilhar um rumo a partir de um cenário independente apareceu nos anos 90. Ou seja, cerca de 10 anos depois do punk lendário. Foi conversando com Edvaldo Santana que caiu a ficha. Viver de música ia muito além de gravar álbuns e sair em turnê (por mais divertido que isso fosse!), mas havia uma série de atividades-satélite que poderiam ser desenvolvidas no dia a dia, quando minguassem os shows, como estava acontecendo naquela época. Um dos problemas é que Clemente não tinha qualquer formação como músico, nem se sentia à vontade de ensinar alguém a tocar um instrumento. Mas ele havia aprendido coisas valiosíssimas que poderiam ser ensinadas: como montar uma banda, como gravar uma demo, como produzir shows e festivais, como construir uma cena, como fazer um rider e um mapa de palco, todas as coisas que um jovem ambicioso quer aprender e nenhum professor de guitarra ensina. Foi assim que começou uma série de oficinas em centros e casas de cultura espalhadas por São Paulo, o projeto que levou clemente (de ônibus) de periferia em periferia para conversar com jovens que tinham o mesmo sonho que ele um dia teve: pintar de preto a asa branca...

SEGUIR EM FRENTE É IMPRESCINDÍVEL

Seu caminho na música, pela liberdade de fazer o que gosta

A atitude punk implica em uma certa iconoclastia que pode ser resumida na frase de Groucho Marx: jamais aceitar fazer parte de um clube que te aceite como sócio. As consequências desse lema são muitas, mas quando “o sistema” te abraça, estão entre as opções mais palpáveis (por incrível que pareça): a autodestruição ou a transcendência. Clemente optou pela segunda. “As pessoas não falam sobre isso, mas teve uma

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lada, a gente era criticado pelo mesmo cara que adorava outra banda que só fazia baladinhas hardcore.” Mas como Clemente nunca aceitou ser colocado no lugar que lhe impunham, ele seguiu da sua própria forma, sem ligar para o que era esperado dele. Entre as coisas que esperam dele é que tenha uma opinião sobre tudo: “nem sempre eu tenho o que dizer, cansa. Eu não sou o Caetano Veloso, ele é um puta intelectual. Às vezes, esperam que eu suba no palco e faça discurso, deixa a música falar por mim.”

ROTINA

Em um determinado momento da década de 1990 surgiu uma oportunidade na Paradoxx Music. Ali ele começou a desenvolver um trabalho com as bandas que tanto conhecia, desde a cena que estava inserido, passando por bandas de ska (como Skamundongos) de que ele tanto gostava, ou de RAP (como o Pavilhão 9). Ficava claro que, além de um músico talentoso, Clemente tinha faro apurado para novidades e que seu perfil era agregador. Foi então que o telefone tocou novamente. Era Gastão Moreira que, após deixar a MTV, foi para a TV Cultura e estava preparando o Musikaos. Clemente já conhecia Gastão do dia a dia da cena musical, mas nunca havia trabalhado com ele. Por sinal, Gastão o estava convidando para ser produtor musical do programa, graças à recomendação de um amigo em comum (que era a primeira opção do apresentador, mas que aceitara um emprego em outra rede de TV na mesma época). Bateram um papo e Clemente topou. Mas, ao desligar o telefone, ele se perguntou: “O que faz um produtor musical em um programa de TV?”, conta rindo. “Eu fui para a primeira reunião na

Com o Pro Garagem Paulo inteira de Cultur voltava, o p contruid Cultura e fiquei quieto, para entender o que esperavam de mim”. E a proposta era boa! Além da grana fixa (da qual ele precisava!), ele tinha a oportunidade de trazer todo aquele pessoal que ele conheceu nas oficinas que havia dado São Paulo a fora. O Musikaos estreou em fevereiro de 2000 e, até fevereiro de 2003, foram produzidos 143 programas que deram voz a diferentes estilos, ritmos e movimentos culturais, sempre com música, poesia, artes visuais e experiências. Passaram pelos Palcos do SESC Pompeia de Marky Ramone a Jorge Mautner. Lá fizeram seu debute bandas como CPM 22, Cachorro Grande e Okotô, entre outras. Dos orgulhos de Clemente está de ter trazido a Pitty, ainda pouco conhecida, na época vocalista do Inkoma para se apresentar no programa. “Ali a gente passou anos construindo cena e massa crítica” explica Clemente, que sabe que, de alguma forma, as bandas e artistas de rock que estiveram em evidência nos últimos 20 anos passaram por aquele palco que antecipou muitas tendências. “A gente recebia muita fita de hardcore melódico, mas era tudo cantado em inglês. Um dia eu disse, a hora que aparecer uma banda fazendo esse som em português, vai estourar”, e esse foi o caso do CPM 22 que apareceu como banda nova em sua primeira aparição e consagrada na segunda, no espaço de cerca de um ano.

Fotos: Claru Leão/ Divulgação

grande treta no fim do festival e foi por isso que a polícia baixou”, lembra Clemente sobre o “Começo do Fim do Mundo”, em 1982. “Teve gente que aproveitou aquela oportunidade para acertar as diferenças”. Assim, o que era, aos olhos do establishment, o surgimento do punk, para Clemente já era seu fim. Ao ser colocado como um expoente do movimento, ele passou a se questionar se queria ocupar aquele lugar. “Eu não queria ser representante de uma música que não necessariamente compartilhava meus valores”. “Eu queria fazer música. Eu queria tocar rock”, explica o guitarrista que também “gostava de outras coisas e que eu queria tocar também, eu gostava de Gang of Four, de Toots & The Maytals, que eu não podia tocar numa cena punk, por isso eu me inseri no rock paulista”. Sabia que podia ser um grande expoente de uma cena, que estava ali naquele festival, ou poderia buscar sua liberdade e caminho. Não que Clemente queira negar sua história ou passado. Ele os valoriza, como poucos músicos, toda sua história. Montou um selo independente, o Kaos, para produzir algumas bandas, mas, entre outras coisas, para lançar as gravações de sua antiga banda, Restos de Nada. Ele se divide entre muitos projetos e bandas (Inocentes, Plebe Rude, Clemente e a Fantástica Banda sem Nome, Selo Kaos, Showlivre...), e explica: “no Inocentes, nós temos um compromisso com nossa história, com o nosso público, eu já fiz muita experimentação, mas agora nós temos que entregar um pouco o que as pessoas esperam”. E foi assim que ele desaguou uma série de composições na Fantástica Banda Sem Nome, aproveitando para tocar com alguns amigos que conquistou durante os anos. “Tinha umas coisas que enchiam o saco. Se o Inocentes tocasse uma ba-


ojeto Rock de eu rodei SĂŁo a pelas Casas ra. Quanto eu pessoal tinha do uma cena.

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Com o fim do Musikaos, Clemente viu no Showlivre a oportunidade de dar continuidade àquele trabalho e passou a desbravar a internet quando tudo ainda era mato. A proposta, por outro lado, tinha que ter um apelo comercial forte, uma vez que não tinha uma rede de televisão estatal por trás. Nesse equilíbrio, ele poderia manter certa liberdade de curadoria, para continuar fazendo o que vinha fazendo, mostrar música boa. Ao longo dos anos, o Showlivre teve diversas parcerias, com portais e patrocinadores. Shows, entrevistas, quadros. Como sempre, Clemente fazia de tudo: produzia, entrevistava, apresentava. É hoje um catalizador e referência de produção de conteúdo musical na internet brasileira.

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LIBERDADE E ROCK & ROLL

“Eu queria passar uma tarde com o Iggy Pop, ele faz o que quer, rock, jazz, samba, canta em francês”, explica Clemente. “Roqueiro se leva a sério demais, fica com essa coisa de ‘o que eu faço é bom e o que você faz é ruim’, a gente deveria ser mais como o Iggy Pop”. Pode parecer uma declaração esquisita para alguém tão dedicado à música e ao rock como Clemente. A questão é que é possível levar a sério o seu trabalho com música sem se levar tão a sério. Clemente não esconde de ninguém que se considera um instrumentista esforçado e, inclusive, brinca que, em todas as bandas, sempre tem um cara não toca tudo aquilo - ele sempre acha que é ele. Ele lembra que, quando adolescente, o amigo Douglas assistiu Tommy no cinema

e decidiu que seria roqueiro. O cara queria ser guitarrista solo mas precisava de alguém para o acompanhar. Foi Douglas que ensinou Clemente a tocar violão e depois o convidou para entrar no Restos de Nada. “Eu nem sabia como se afinava um baixo. Cheguei no ensaio, me deram um baixo na mão e, naquele dia, eu descobri como funcionava”, conta o músico que hoje se dedica mais à guitarra. E o caminho daquele ensaio na Vila Carolina até palcos na Inglaterra com os Inocentes foi bastante longo. “O Inocentes nunca deixou de ser uma banda da periferia, nunca tivemos grana para investir numa turnê pela Europa. A oportunidade veio com a HBB que financiou essa viagem para a gente”, explica Clemente sobre a viagem que fizeram para

Fotos: Priscila Tessarini e Tinho Souza / Divulgação

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Eu não queria ser representante de uma música que não compartilhavava meus valores

Inglaterra e Finlândia em 2019. A gravadora, que é hoje é importante selo de punk e hardcore no Brasil, também lançou recentemente o EP “Cidade Solidão” em vinil. Entre os que receberam a banda na Inglaterra estava Jeff Turner, vocalista do Cockney Rejects, que acabou fazendo amizade com a banda e participando de apresentação recente da banda no SESC Pompeia, onde Clemente mostrou toda a energia da banda. No público, era possível ver roqueiros velhos e senhores de ar respeitável (que muito bem poderiam ter aprontado muito no final da década de 1970), uma porção de gente chegando aos seus 40 anos e que cresceram durante a carreira de Clemente, além de alguns adolescentes que buscam algo no passado. Mas o impressionante era ver pais com filhos pequenos.

Crianças de 5 ou 6 anos sobre ombros roqueiros. E seus filhos, Clemente? “Os gêmeos estão morando comigo para fazer faculdade. Nenhum é músico profissional, mas tocam bem. Outro dia, um deles estava tocando um Eric Clapton, eu logo disse, ‘pô, ensina isso aí pro papai’”. Nesse caminho, entre bandas, projetos, gravadoras Clemente teve três filhos de quem ele tem o maior gosto de falar. Por meio da música, ele conquistou a liberdade que poucos têm e, talvez por isso, seja um cara tão bem humorado, cada história, cada resposta sempre vem acompanhada de muitas risadas. A menos que você pergunte para ele coisas como “o que é ser punk?”, “como é ser punk?”, “punk ainda existe?”, “você ainda é punk?”... Aí ele diz que respira fundo e tenta responder educadamente, “eu sou músico, eu faço música.”

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TENDÊNCIAS

Por Fernando de Freitas

O CALOR

QUE VEM DO RÁDIO V

ocê sabia que as pessoas estão ouvindo menos música por streaming durante o período de isolamento social? Pelo menos foi o que divulgou o The Guardian. Por outro, lado, as pessoas parecem estar ouvindo mais rádio. Em momentos de crise as pessoas se voltam essa tecnologia antiga e confiável. Muitos podem ser os motivos disso. Na realidade o rádio se adaptou à muitas mudanças no mundo e, apesar de ter perdido o protagonismo para a televisão (que por sua vez perdeu para a internet), se aproximou de seu público. As pessoas ligam para as estações de rádio para contribuir com informações, para pedir músicas, participam de promoções etc. A sua rádio é logo ali, eles são quase seus amigos, é próximo. Marcele Becker transformou sua conversa de mesa de bar com os amigos da faculdade no programa “Esquenta”, na Rádio 89FM – A Rádio Rock de São Paulo. O programa, que é líder em audiência em seu horário, 22 h, discute pautas diversas, acompanhadas de músicas que possam fazer dupla com o tema. O programa já vinha se atentando às tendências do streaming, à explosão dos podcasts e disponibilizava toda sua programação para ser ouvida também online. Não adiantava batalhar contra. Mas, diante do isolamento social decorrente da pandemia do Covid-19, foi que ficou claro como as novas tec-

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nologias são tão amigas do rádio - “eu estou em um sítio com minha família, tem uma pessoa em estúdio e cada um em sua casa, e continuamos fazendo o programa”. Entre a maternidade, o jornalismo e sua atuação como empreendedora, neste momento foi necessário se recolher para cuidar da família. Mas a ligação com o jornalismo e com a música não se desfaz, assim como o público volta ao rádio quando precisa do conforto. Nestes últimos tempos, a quarentena tem sido tema bastante presente, seja nos relacionamentos, sejam por conta dos shows adiados ou dos memes, mas os temas do dia a dia continuam, como o dia da Terra ou bandas canadenses, sempre acompanhada de Fitinha, Wendell e Bia Sato. Além dos

temas diferenciados, a interatividade com o público é uma das marcas do “Esquenta”. As mudanças na grade de programação também ajudam a promover novas bandas nacionais. Tudo isso porque uma das estratégias foi o desenvolvimento de programas com foco no ouvinte. Como resultado, a rádio ocupa a liderança na audiência da Grande São Paulo, de segunda a domingo, das 5h à meia noite, em especial nos rádios dos carros, durante o trajeto dos ouvintes nos horários de pico, segundo dados do Ibope. No ranking geral, o programa é líder de audiência, em toda a Grande São Paulo, oferecendo muito rock’n’roll e relacionamento com o público.


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Fotos:ShutterStock e Divulgação


UM POUCO DE MÁGICA

ACORDEOM E PSICANÁLISE A

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ACÚSTICOS A brasileira DeLaet, conhecida pelas suas guitarras artesanais, anunciou o desenvolvimento de uma nova linha acústica, com destaque para os instrumentos de arco. “Estamos desde o ano passado estudando as técnicas clássicas de construção de Cremona para produção de violinos de alto padrão, bem como sua aplicação na nossa linha de guitarras archtop”, conta Miguel De Laet. Serão dois modelos de violinos: um baseado no Messiah de Stradivari e outro projeto desenvolvido utilizando as regras de proporção áurea que receberá o nome Valkyrie, remetendo ao nome da filha de De Laet. Além dos violinos, uma série de guitarras archtop também está sendo desenvolvida e contará com sistema de compensação na escala, melhor ergonomia no tróculo para facilitar o acesso às casas mais agudas da escala, chaveamentos para proporcionar maior versatilidade ao músico e design original.

Fotos: Divulgação

cancionista e instrumentista Marília Calderón acaba de lançar o single “Deus e os Ateus”, que faz parte do álbum A Saudade é um Vagão, primeiro autoral solo da paulista. Lançado através da Tratore, o álbum teve financiamento coletivo pela plataforma Benfeitoria em 2019 e foi produzido por Paulinho Tó. Na canção, Marília -que também é cientista social e psicanalista – descreve o desabafo de um Deus demasiadamente humano, criado livremente como um personagem pela artista, questionando-se sobre a veracidade de sua onipotência ao deparar-se com o horror e a miséria que se alastram pela humanidade. Como se deitado num divã, este Deus fizesse uma autoanálise. O álbum passeia pela canção popular brasileira, mergulha em diversos ritmos, timbres e entonações que provocam afetos e reflexões a partir de canções que percorrem a vida humana.


ORQUESTRA.DOC A segunda parte do documentário “Escuta Ativa”, já está disponível no Youtube. Criado pelo diretor da Orquestra Moderna, Daniel Valeriano, o vídeo mostra o término dos preparativos dos alunos da Derdic para a apresentação no Auditório do MASP, que foi coordenado pelos artistas Charles Raszl e André Venegas. O curta fala sobre a aluna Mariana, adolescente de 14 anos, que chegou tímida e sem o domínio de Libras. Daniel teve a ideia de fazer filme pois percebeu a mudança na autoestima e a forma como eles recebiam informações de ritmo, vibração e tempo: “Ter o registro do processo educativo é importante para marcar o histórico do projeto pensando em longo prazo, tanto para ver a evolução intelectual, quanto para identificar os melhores métodos de inserir novas linguagens para esses meninos”, conta. O “Escuta Ativa”, é um projeto educativo mantido pela Orquestra Moderna, e tem como objetivo ensinar música para jovens de 10 a 16 anos com deficiência auditiva.

LUDWIG EM CASA O Theatro Municipal de São Paulo disponibilizou gratuitamente a íntegra das gravações das nove sinfonias de Beethoven, realizadas pela Orquestra Sinfônica Municipal (OSM) em 2019. E a primeira exibição já está no ar. A peça escolhida para a estreia da maratona Beethoven com a OSM é a nona sinfonia, a mais famosa e a grande obra prima do compositor alemão, que em 2020 será celebrado pelas principais orquestras do Brasil e do mundo pelos seus 250 anos de nascimento. Para conferir, basta acessar o canal do Theatro Municipal no YouTube. Sob regência de seu diretor musical e maestro titular Roberto Minczuk, a Orquestra Sinfônica Municipal gravou todas as sinfonias em um único final de semana de 2019. Foram três dias de concertos Beethoven Total, com as participações do Coro Lírico e do Coral Paulistano, outros dois corpos artísticos ligados ao Municipal, e de solistas convidados, como Fernando Portari, Lina Mendes, Savio Sperandio, entre outros.

Para acessar, entre em: youtube.com/theatromunicipalsp

CLÁSSICOS COM VIÉS ELETRÔNICO Flauta, sons, grooves, efeitos, assim como voz, tiveram suas sonoridades exploradas em Meniere, o primeiro álbum solo de Eramir Neto. O instrumento “puro” não bastava na composição de Eramir, que começou a utilizar de processadores de efeito, controladores, synth e diversos programas de composição para música eletrônica na criação de seu álbum clássico. A tecnologia influenciou diretamente no processo, uma vez que através dela o músico pode explorar uma infinidade de possibilidades para cada nota.

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ISOLAMENTO

Por Ana Sniesko

A L A F O I C N Ê L I S O

u espaço e s m te m é b som tam A ausência de

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Fotos:Shutterstock e Reprodução

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ano era 1952. John Cage, um compositor norte-americano, sobe ao palco, senta-se ao piano e liga um cronômetro. Durante quatro minutos e trinta e três segundos ele não executa uma nota, e apenas o ruído da sala e do público, sons usualmente imperceptíveis durante a execução de uma obra, podem ser ouvidos na gravação. O resultado é a sua obra mais famosa, intitulada 4’33”, que foi executada por tantas outras vezes. Cage quis fazer entender que a música é muito mais que ruído e que o silêncio é fundamental para a criação. Se pensarmos na nossa mente, a função é a mesma: é no silêncio que o cérebro encontra caminhos para organizar as ideias. “O ‘som’ do silêncio pode ser poderoso e libertador”, diz a psiquiatra Bruna Rodrigues Monte Christo. Estudos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia utilizaram a resso-

nância magnética para comprovar os efeitos benéficos do silenciar. A observação de pacientes em silêncio, focados na concentração e sem pensar nada, demonstrou um aumento do córtex cerebral, o que melhora, principalmente, as funções do hipocampo, que está diretamente envolvido com a aprendizagem, a memória e a emoção, e há ainda uma diminuição dos neurônios na região da amígdala cerebral, que está ligada à ansiedade e ao estresse.

O MUNDO NÃO CALA

Os estímulos sonoros não cessam e são ainda mais irritantes para quem vive nos grandes centros. “Nós vivemos em uma época de muito ruído, agitação, barulho, poluição sonora. E assim, o silêncio passou a ser algo ameaçador”, aponta a psiquiatra. Mas não deveria. É o que acredita Giridhari Das, professor do Yoga Resort Paraíso dos Pândavas (GO), que defen-

de a quietude como uma necessidade do nosso organismo para manter a saúde psíquica. “Nosso bem-estar depende, principalmente, de nosso estado mental. De nada adianta ter um corpo em perfeito funcionamento, todo sarado, se a mente está em agonia, aflição, estresse, medo, etc.”, alerta. E completa: “Em termos de saúde mental, o silêncio, o momento de pausa, é a porta para a cura interna”. Absorver muitos sons é como comer muito: pode estressar o corpo e causar uma série de desconfortos. Dessa forma, o silêncio, ou mesmo a redução à exposição de ruídos, é essencial. “Esse silêncio gera uma cascata de efeitos positivos no organismo, melhora a circulação, a capacidade de concentração, o sistema imunológico e por aí vai. Além de todas as alterações orgânicas, o silêncio também tem um efeito sobre a saúde mental do indivíduo”, atenta Bruna.

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ISOLAMENTO

Não por acaso, o excesso de barulho é prejudicial para a saúde. Segundo a Sociedade Brasileira de Otologia, a intensidade de som considerada segura para o ouvido humano é de até 85 decibéis – valor facilmente alcançado em uma avenida movimentada. Uma exposição maior do que oito horas é capaz de trazer sérios danos para a saúde. Mais um motivo para buscar a ausência de som. A exposição a esse excesso de estímulos sonoros, principalmente de forma prolongada, pode causar danos à audição e alguns prejuízos como alteração no ciclo sono-vigília, taquicardia, dores de cabeça, dificuldade de atenção e concentração, estresse, irritabilidade. “Há um limite de informação que nós podemos absorver. Dentro de um ambiente hospitalar, esse estímulo pode ser muito mais prejudicial, já que se soma ao estresse de estar num processo de internação”, explica Bruna.

PARA CURAR

O silêncio é um poderoso aliado nos processos de cura. A psiquiatra cita a importância desse estado em uma unidade hospitalar. “É importante por promover um ambiente mais calmo e confortável, e isso resultará na melhor e mais rápida recuperação do pacien-

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te e na concentração indispensável ao profissional de saúde”, explica. Os especialistas concordam que é difícil avaliar que o silêncio por si só seja capaz de evitar algum tipo de patologia. Mas é evidente que ele é extremamente importante para um equilíbrio entre corpo e mente. “Dentro de uma UTI, por exemplo, o silêncio tem um efeito importante, principalmente sobre pacientes idosos, evitando que o excesso de ruído cause um transtorno chamado Delirium. Essa é uma disfunção também conhecida como estado confusional agudo, com curso flutuante, distúrbios da consciência, atenção, orientação, memória, pensamento, percepção e comportamento, e é causada por múltiplos fatores, como a própria internação, alterações metabólicas, infecciosas e também pelo excesso de sons”, completa Bruna. Se os benefícios para o corpo são enormes, para a mente é um remédio sem igual. O professor acredita que esses momentos são capazes de trazer mais domínio sobre a mente e habilidade de ficar focado e concentrado. “Isso traz enormes benefícios físicos, mentais, emocionais e, é claro, se reflete no aumento de qualidade de tudo que fazemos. É um fato simples: quanto mais presente e centrado estiver, me-

lhor será seu desempenho no mundo”, comenta Giridhari. A psiquiatra complementa: “Aprender a lidar com o silêncio talvez seja uma forma de aprender a lidar com o que nosso interior está falando”.

POR ONDE COMEÇAR?

Não existe uma receita mágica de como introduzir as pausas no dia a dia. Elas têm que ser de cada indivíduo, de cada sujeito. E vai depender também do que cada um busca com esse movimento de silêncio, de meditação, de pausa. “Algumas pessoas preferem se encontrar com esse silêncio antes de sair de casa, de enfrentar o cotidiano tão acelerado. Outras preferem fazer esse movimento no fim do dia, numa busca de esvaziar o sistema mental do excesso daquele período. O importante é tentar fazer disso uma rotina”, recomenda a psiquiatra. O professor de ioga exemplifica a partir do hábito da atividade física: “É como um sedentário que começa a fazer exercício físico. Primeiro é preciso querer, para depois começar, conscientizando-se da importância disso para seu bem-estar, priorizando sua automelhora. Aí se buscam as técnicas e se colocam elas em prática. Não tem outro jeito”, comenta Giridhari Das.


UM INSTRUMENTO, NÃO A BUSCA

Fotos: Divulgação Natura Musical

A coréografa Anneliese Kappey, que vive em em Chicago, buscou o curso de meditação Vipassana como a saída para ter mais contato com o seu eu interior. “O silêncio é um caminho para ajudar no objetivo, não o ponto principal. A busca é ver a realidade como ela é de fato, momento a momento”, acredita. Muito mais do que o benefício físico, Anneliese destaca a produtividade como a principal conquista da prática. “Tem menos bagunça, digamos assim, e mais claridade nas ideias, então as horas e dias são muito mais produtivos. Seria difícil falar em saúde como um fenômeno físico apenas, sendo que mente e material apenas respondem

um ao outro em um ciclo de causa e efeito”. A coreógrafa acredita que uma boa lição é entender que ser multitarefa não é uma característica louvável. “Faça uma coisa por vez e dê toda a atenção à ela. Mesmo com a agenda mais cheia, o ideal é fazer uma coisa por vez. Sei por experiência”.

O OUTRO LADO

O programa “Música nos Hospitais”, consiste em apresentar uma orquestra de câmara na área principal nas unidades hospitalares e, depois, em grupos pequenos nos corredores dos hospitais da rede pública do município de São Paulo, para aquecer os corações e emocionar, gratuitamente. Em 2020, o pro-

grama levará os músicos da Orquestra do Limiar (regida pelo maestro e médico Samir Rahme) a dez instituições da cidade de São Paulo. Desde que foi concebido, o Música nos Hospitais foi realizado 189 vezes, contemplando 68 unidades hospitalares e reunindo cerca de 60 mil pessoas por todo o Brasil – entre médicos, enfermeiros, funcionários, pacientes e familiares. Ao longo desses anos, a APM, junto aos parceiros, buscou impactar positivamente o dia a dia das pessoas nos ambientes hospitalares, ampliando o gosto pela música erudita e instrumental. Estudos publicados pela Associação Americana de Musicoterapia (American Music Therapy Association AMTA) e pela Federação Mundial de Musicoterapia (World Federation of Music Teraphy - WFMT) indicam os efeitos positivos da música no funcionamento do organismo. Conforme afirma o maestro Samir, “a música é um medicamento e, dependendo da forma como você a conduz, pode trazer alívio para as pessoas. O semblante dos pacientes muda depois dos concertos”, diz, complementando que o concerto contribui para que aquele dia ou aquela semana seja melhor para os pacientes. Esses benefícios, aliás, também são comprovados por diversas associações médicas. A música tem o poder de ajudar a diminuir a ansiedade e o desconforto durante procedimentos médicos, reduzir efeitos colaterais de tratamentos mais agressivos, como quimioterapia e radioterapia, e auxiliar a reabilitação física. Nesse sentido, pesquisa feita pela Associação Paulista de Medicina com o público do projeto nas últimas edições identificou que 78% dos pacientes que assistiram às apresentações conseguiram driblar o peso emocional dos dias de internação e tratamento. Cerca de metade deles viu nas apresentações uma forma de esquecer, momentaneamente, de seus problemas de saúde.

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Foto: ShutterStock

DENTRO E FORA DO ESTÚDIO

ESTUDE EM ABBEY ROAD

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m dos principais estúdios de música do mundo está colocando um pé nos Estados Unidos, com a ajuda de um produtor musical colombiano vencedor do Grammy. O Abbey Road Studios, onde bandas lendárias como The Beatles e Pink Floyd gravaram seus álbuns, abrirá sua primeira escola de música em Miami, em parceria com o Miami Art House Studio, um estúdio de gravação fundado pelo principal produtor musical Julio Reyes Copello, que trabalhou com Ricky Martin, Jennifer Lopez e Marc Anthony. “Quero ver como todos esses artistas (estudantes) que descobrimos, depois de dar a eles um treinamento honesto, começar uma missão responsável na indústria do entretenimento”, disse Copello, em entrevista à Associated Press. O projeto é uma extensão do Abbey Road Institute, um programa educacional de produção musical realizado no Abbey Road Studios, em Londres. “A indústria da música latina e o talento latino são muito importantes e reconhecemos Miami como o centro”, disse Luca Barassi, CEO do Abbey Road Institute, em comunicado à AP. A partir de setembro, Copello orientará um grupo de 10 estudantes selecionados.

APOIO FINANCEIRO AOS ARTISTAS Em tempos de pandemia, onde todos os shows e atividades externas foram suspensas, muitos músicos passaram a temer a crise. O Spotify lançou um novo recurso que permite aos artistas arrecadarem fundos em seus perfis na plataforma. A empresa se uniu ao PayPal, Cash App e GoFundMe para lançar a iniciativa e ajudar os produtores prejudicados pela pandemia de Covid-19 que assola o mundo. Chamada “Escolha de Angariação de Fundos para Artistas”, a ferramenta permite que os artistas destaquem em seu perfil do Spotify um destino para a captação de recursos. O dinheiro coletado pode ser usado tanto para eles mesmos e suas bandas como para as várias organizações participantes do projeto “Spotify Covid-19 Music Relief”.

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OUVINDO ATÉ O FIM Mais da metade dos entrevistados ouvem menos álbuns hoje do que há 10 anos, segundo um levantamento global da Deezer. As principais razões apontadas para a redução no consumo são estar muito ocupado e que os artistas não produzem álbuns como costumavam. Os millennials (1980 -1995) são os que mais buscam por álbuns e têm duas vezes mais chances de ouvir do que os baby boomers (1945-1960). Os entrevistados afirmam que ao ouvir pela primeira vez um álbum completo sentem-se felizes (48%), animados (46%) e inspirados (24%). Entre os respondentes, 94% consideram que a alta qualidade de áudio é importante para a audição de álbuns completos. Entre os brasileiros, quase 60% dos entrevistados afirmaram ouvir menos álbuns do que há 5 ou 10 anos. Por quê? A resposta é simples. Os fãs preferem ouvir uma mistura de faixas de diferentes artistas. Quase 40% dos entrevistados prefere playlists. A pesquisa da Deezer foi feita nos Estados Unidos, Alemanha, França e Brasil totalizando 8.000 adultos, sendo 2.000 participantes em cada país, conduzida pela 3Gem em janeiro de 2020.

SUA MÚSICA EM ÁFRICA Um continente com 70% da população jovem e ávida para ouvir novos sons parece um bom mercado? Esse é um dos motivos pelos quais a CD Baby passou a distribuir os seus artistas para a Boomplay, a plataforma de música que mais cresce na África. Buscando novos caminhos para espalhar sua música para novos mercados, a empresa acaba de fechar a parceria. Com mais de 68 milhões de usuários, tanto na plataforma iOS quanto Android, a Boomplay é uma boa oportunidade espalhar a música brasileira por outros países, além de conquistarem novos mercados rapidamente.

Foto: Divulgação

LARA AUFRANC CANTA SEU EP VIVER SEM DÓ Depois do belo Eu Você Um Nó, lançado no ano passado, Lara Aufranc traz ao mundo o EP Viver Sem Dó. Em um vinil transparente, cheio de charme, as quatro faixas são divididas em um lado claro e animado, enquanto a outra é mais obscura e introspectiva. Com direção artística de Rômulo Fróes, Viver Sem Dó ainda conta com a participação especial de Tatá Aeroplano.

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LANÇAMENTO

L U O S T S A F D LOU S E T I B UV Por Fernando de Freitas e Ian Sniesko

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Fernando de Freitas

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esta edição nos a propusemos escrever duas resenhas sobre o mesmo álbum, sem que um lesse previamente a do outro. Foi uma forma interessante de experimentar como o mesmo álbum pode ressoar para duas pessoas diferentes.

ELES OUVIRAM O MESMO ROCK AND ROLL QUE EU POR FERNANDO DE FREITAS

O risco do vintage é a caricatura. A estilização, enquanto homenagem e referência, é a ferramenta de alguns dos maiores artistas que conhecemos. Esta é a linha tênue em que alguns artistas se perdem nesse processo, principalmente no impulso juvenil. “Loud Fast Soul”, do Luvbites é o equilibrista entre os arranha-céus que separam a sonoridade cânone do pop sessentista e setentista (visitada e revisitada à exaustão) e o templo mágico da música original.

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Um álbum como esse é assistir, no melhor sentido possível, a apresentação de um circo. É sempre a sensação do risco eminente que nunca chega que torna cada canção surpreendente e deliciosa. Eles são rebeldes, pois o convite é que sucumbam a fórmulas do que se entende que são suas referências, porém eles fazem escolhas menos óbvias sem deixarem esse espírito vintage. É importante fazer um paralelo com Os Mutantes. Primeiro porque são uma referência óbvia de sonoridade e de (pasmem!) timbres ( já que os timbres dOs Mutantes são conhecidos por serem bastante únicos). Mas saltam aos ouvidos algumas proposições musicais semelhantes bem-sucedidas. Há de se lembrar que para os irmãos Dias-Batista e Rita Lee nada era mais sagrado que os Beatles. Mas nenhuma banda (provavelmente no mundo) entendeu


LOUD FAST SOUL: AS ATMOSFERAS SONORAS DO LUVBITES POR IAN SNIESKO

Imagens: Reprodução

S os Beatles na sua época como Os Mutantes. Ao invés de copiá-los em forma, sempre atrasados à vanguarda, se tornaram inovadores e experimentais eles mesmos. Loud Fast Soul parece entender essa dinâmica 50 anos à frente olhando para as mesmas referências. Outra semelhança com Os Mutantes é a força do contrabaixo. Tanto Arnaldo quanto Liminha eram virtuoses e instrumentistas excepcionais, uma sonoridade que também é muito fundada nos Beatles. Não é apenas uma banda sessentista, não é apenas uma banda de harmonias vocais, tem um elemento diferencial daqueles que são a referência para todos. Ainda é possível ouvir, vazando entre os arranjos, referências diversas que percorrem toda uma memória afetiva do ouvinte. Estão em coloridos mais ou menos óbvios duas ou três décadas de referências que se revelam e se escondem. Carpenters, Abba, Rolling Stones, Faces, não como um caldo, mas uma grande parede de pôsteres em lambe-lambe. Em determinado momento você percebe que não apenas eles ouviram os grandes ídolos, mas os ídolos dos ídolos (Pixies talvez ressoe em algum lugar também). Existe um elemento de simplicidade que esconde um certo enigma, que é o desejo de saber onde você já ouviu aquela canção antes. Indecifrável, ele se torna um pouco mais sedutor ouvir o álbum de novo e de novo. Até que as melodias sejam absolutamente conhecidas.

A primeira coisa que saltou aos meus ouvidos quando ouvi Loud Fast Soul, o novo álbum dos paranaenses da Luvbites, foi a atmosfera que conseguiram criar na tarefa de dedicar cada espaço do espectro sonoro a cada instrumento. Pode soar demasiado técnico, mas aliar a mixagem sonora à expressão artística não é uma tarefa fácil. E o Luvbites, e seus produtores, tiraram isto de letra ao se certificar de que cada nuance da dinâmica sonora e cada frequência ressonante teriam um propósito e ajudariam a passar a mensagem adiante. As escolhas também são precisas na instrumentação: guitarras com efeitos que vão desde modulações a um fuzz que soa bastante primitivo, além das mudanças bruscas no arranjo, dão uma sensação de contraste interessante ao trabalho, como acontece na segunda faixa, “Sha – Lala”, que tem sua introdução em um ritmo específico e cai pela

metade quando entra o primeiro verso. É interessante também ressaltar o bom uso dos sintetizadores ao longo do trabalho, especialmente na faixa “Smash”. Algumas vezes, eles até se misturam com as guitarras e você se pergunta qual instrumento é qual. O baixo nessa música também é extremamente bem mixado em conjunto com a bateria, especialmente no que diz respeito à sua relação com o bumbo. Os vocais em “Loud Fast Soul” são espaçosos e fazem bastante uso de diferentes tipos de reverbs e overdubs, distribuídos ao longo do panorama sonoro. Como dito anteriormente, é uma boa lição sobre como se deve trabalhar a noção de espaço em uma mix a favor da mensagem que se quer passar. “Loud Fast Soul” é um deleite tanto para o ouvinte que quer se aventurar pelas atmosferas sonoras criadas pelo Luvbites quanto para os que veem a experiência pelo lado mais técnico. Você pode ouvir o álbum nas principais plataformas de streaming.

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ESTUDIO

Por Ian Sniesko

O D N A N R FE O R I E LOD

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Imagens: Divulgação

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Fernando de Freitas anhador de 2 prêmios Grammy, o venezuelano Fernando Lodeiro, que atualmente reside em Nova York, passou pela tão sonhada Berklee College of Music e chegou a um dos estúdios mais renomados do mundo, o Avatar Studios. Na longa lista de grandes nomes com quem trabalhou em suas sessões estão Paul McCartney, Arctic Monkeys, Prince e Esperanza Spalding - com quem ele e sua equipe conquistaram dois Grammys, em 2012 e 2019, pelos álbuns “Radio Music Society” e “12 Little Spells”, respectivamente. Nascido em Caracas, na Venezuela, Fernando desenvolveu interesse por música na sua adolescência e se tornou um guitarrista autodidata. Aos 15 anos já tocava em bares da capital venezuelana. Foi somente quando completou o ensino médio que o jovem artista foi buscar formação profissional na Academia de Música Fermatta, na Cidade do México. “Eu sempre tive o objetivo de me tornar um engenheiro de som, mas quando contei aos meus pais, eles achavam que eu estava falando sobre me tornar técnico de som ao vivo. O que eu queria era trabalhar no estúdio”, conta. A oportunidade de ingressar na Berklee ainda demorou um pouco para aparecer: foi só na segunda audição realizada pelo colégio que o então estudante recebeu uma boa proposta para transferir seus estudos para os EUA e se graduar em produção musical e engenharia som. “Todos os dias eram como se eu fosse uma criança em uma loja de doces”. Segundo Fernando, uma das coisas mais importantes que levou da Berklee foi a possibilidade de conhecer pessoas com diferentes funções e objetivos, e aprender um pouco sobre o trabalho de cada uma, além de ter a certeza de que sempre há um jeito de ser melhor no que você faz. Após sua graduação, em agosto de 2007, Fernando se mudou, em outubro do mesmo ano, para Nova York e come-

çou a trabalhar em um estúdio pequeno. Algumas semanas depois, o engenheiro recebeu uma proposta para fazer parte do Avatar Studios. Porém, sua posição no estúdio não foi conquistada da noite pro dia: o aspirante trabalhou por 3 meses servindo café e fazendo serviços básicos no local até ser efetivado como engenheiro de som de fato, provando que o esforço, a dedicação e, sobretudo, o amor pelo que você faz podem render bons frutos e oportunidades. No Avatar Studios, Fernando pôde trabalhar com artistas que muitos sonham um dia conhecer. Segundo ele, a experiência de trabalhar com alguém como Paul McCartney é surreal e para que as sessões ocorram bem é necessário muito trabalho em equipe. “Os artistas geralmente levam seus produtores e engenheiros assistentes com eles para a sessão, mas os engenheiros do próprio estúdio conhecem o local como a palma da mão, o que facilita muito o trabalho”, conta o engenheiro de som. “Cada estúdio é diferente, você precisa conhecer o lugar de dentro pra fora para suprir as demandas dos artistas e produtores”. Como Fernando começou sua trajetória na música pela guitarra, perguntamos a ele também o quão crucial é um produtor musical ou engenheiro de som dominar mais instrumentos, e se sua experiência na guitarra lhe ajudou: “Para um engenheiro, pode não ser crucial mas é uma ajuda e tanto. Para um produtor, é uma habilidade crucial para entender a linguagem dos músicos e artistas com quem você está trabalhando. Por exemplo, ao mesmo tempo em que estamos gravando, eu consigo identificar se há uma nota fora de lugar ou algum erro no tempo enquanto olho o arranjo no Pro Tools, o que ajuda a sessão a ser mais rápida e produtiva”. Não poderíamos deixar, claro, de falar nos dois Grammys que Fernando e sua equipe ganharam junto com Esperanza Spalding. Segundo o próprio, nessas sessões ele teve a oportunidade de trabalhar com alguns dos melhores

músicos que já presenciou tocarem. “O maior desafio deste trabalho foi que, você sabe, Speranza Spalding é uma artista de verdade. Nós, literalmente, entramos no estúdio sem nada planejado e sem nenhuma ideia do que fazer. Eu sentia que tinha sempre que ter diferentes opções prontas para a artista”. Apesar de ter como função principal a engenharia de som, Fernando também é produtor musical. Segundo ele, “cada artista é diferente. Não existe um passo a passo. Eu costumo ouvir as demos junto com a banda, vou aos ensaios e identifico se sou a pessoa certa para o trabalho, o que é uma coisa muito importante. Então, nós gravamos algumas takes provisórias no meu estúdio que funcionam de guia para os músicos. O importante é que todos se sintam confortáveis”. Além das duas atividades, Fernando também mixa trabalhos regularmente. Diz-se no meio musical que a mixagem deve complementar o trabalho do artista e a mensagem a ser passada, portanto Fernando tenta sempre usar a criatividade na hora da tarefa. “Eu gosto que o produtor me mande uma mixagem provisória para que eu tenha uma ideia do som que eles querem atingir”. Uma das técnicas preferidas do engenheiro é o parallel compression (compressão em paralelo, em português). A boa e velha técnica permite dar peso e claridade a instrumentos como a bateria e o vocal. Não poderíamos deixar de trazer para a conversa a polêmica questão: analógico versus digital, e como Fernando faz uso dos dois mundos. “Depende da situação. Eu tenho um setup de equipamentos híbridos para que eu possa escolher o ideal para cada situação ou ter uma mistura dos dois”. Também há uma questão logística, segundo ele: “hoje em dia, fazemos muitos recalls. Trabalhamos com pessoas da Europa estando nos EUA, por exemplo. É importante ser possível fazer mudanças rápidas no som, portanto, muitas vezes, eu uso plugins que simulam equipamentos analógicos”.

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RESENHAS FUTURE NOSTALGIA - DUA LIPA As intenções de Future Nostalgia já ficam bem claras logo na primeira faixa, homônima ao álbum. Dua Lipa quer mudar o jogo custe o que custar e criar uma arte que dialogue com o passado e o futuro ao mesmo tempo, se tornando atemporal. O feeling geral passado pelo trabalho é bem positivo e dá a sensação de que a artista está tendo sucesso no processo de se encontrar na própria música. Future Nostalgia é bem diferente de seu trabalho anterior de 2017, a própria artista declarou que pessoas próximas e os produtores do projeto ficaram em dúvida se a mudança brusca era uma boa ideia. E provou ser. Uma das faixas que mais chama atenção no disco é Don’t Start Now. A música também foi single do álbum, apresenta uma produção e qualidade de mixagem espetacular e, talvez uma das melhores linhas de baixo dos últimos tempos. Tudo graças a equipe de bons músicos que Dua Lipa e seu produtor dispuseram. A identidade visual do álbum também é bastante interessante e dialoga bem com a proposta. É algo vintage e futurista ao mesmo tempo, uma mistura de ideias que dialogam com diferentes períodos da cultura popular e, claro, com os tempos rápidos e acelerados que vivemos hoje.

AFTER HOURS - THE WEEKEND

É justo falar que The Weeknd ficou um bom tempo em hiato nos últimos anos, refletindo sobre sua vida e sua carreira. O último trabalho do artista havia sido o premiado Starboy, que saiu há 4 anos atrás. Enquanto a essência continua a mesma, o músico canadense mostra uma bela evolução e dessa vez pega inspiração dos movimentos musicais dos anos 80 e as técnicas e tecnologias criadas e usadas na época. A “música-vitrine” do disco é obviamente Blinding Lights. Ela garantiu a The Weeknd o primeiro lugar em paradas como Billboard e a playlist das Mais Tocadas do Spotify. A faixa tem uma bateria que traz instantaneamente a cabeça a introdução de Take On Me, do A-ha, além de sintetizadores muito bem colocados pelo produtor Max Martin para suprir a necessidade de peso e movimento da batida rápida: 171 BPM. A tendência oitentista do disco segue com faixas como In Your Eyes. O cantor mostra seu lado mais conhecido, o do R&B, em alguns momentos como em Escape From LA e Heartless. Quanto a performance vocal do artista, cada faixa é uma nova surpresa: é fato de que The Weeknd é frequentemente comparado com Michael Jackson e, apesar de compartilhar similaridades com este, cria seu próprio estilo através dessa e de outras grandes referências.

SINGLES E EPS QUE CHAMARAM A ATENÇÃO

Carinhoso Elza Soares

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Sessão de Respiro Scalene

Full Circle Charly Coombs


ZÉ LEÔNIDAS – ZÉ LEÔNIDAS

Com oito canções autorais, Zé Leônidas acaba de lançar o álbum que leva o seu nome, que nos convida para uma imersão na sua trajetória por São Paulo e pelo mundo. “De Onde Eu Saltei” abre o disco como um chamado para arrastar as cadeiras, abrir espaço e deixar a levada te guiar. O cantor e multi-instrumentista deixa clara a sua energia dançante, que traz toques latinos que não deixam nenhum corpo parado. Conforme as músicas caminham, seu tom vai acalmando, mas os toques e timbres seguem firmes e pontuados. Zé faz um som denso, que fica sempre aquela sensação de que essa bagagem nos é bem conhecida. Um bom filho da música popular brasileira. A produção e arranjos são assinados por Zé Leônidas com colaboração dos artistas convidados. Flávio Tris se une para “Nas Asas de um Blackbird”, com um toque indiano que traz uma atmosfera transcendental. Mônica Salmaso e Teco Cardoso são os convidados de “Cidade Luz”, que fecha o álbum com uma canção que convoca os filhos de Oxalá para sentir o cheiro da nova era. Que venha!

TELETRANSPORTAR - RAFA CASTRO

Um esperar delicado entre o hoje e o ontem. Em seu “Teletransportar”, o compositor e pianista Rafa Castro nos convida para uma profunda e intensa viagem pelo tempo. O mineiro quase adiou o lançamento do seu novo disco, que parece ter sido feito para os dias de recolhimento que temos vivido. Em “Cheiro de Mar” fala sobre o tempo que escorrega das mãos e o forjar da pérola no peito, além de saudade e lembrar o mote dos dias atuais “vai passar”, canta. É em “Depois da Chuva”, que o mineiro radicado em São Paulo convida para ver o cair das gotas, com um tom de introspecção, mas anuncia: “Vai nascer a lua cheia, serena luz do sol, meu coração procura força pra recomeçar.” Nada mais apropriado para o tempo de isolamento, onde os minutos são horas e o caminhar é em círculos. Para fazer o disco, Rafa fez uma série de viagens com a sua companheira, Lorena Dini, e a sua última parada foi na Amazônia, onde conclui o trabalho. As suas letras contam histórias, pontuadas por acordes elegantes, com uma levada para qualquer tarde – faça chuva, faça sol.

Gratitrevas AIYÉ

Murder Most Foul Bob Dylan

Living In A Ghost Town Rolling Stones

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SOBRE O PALCO

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O pĂşblico e os artistas encaram o vazio dos palcos. A arte preenche nossas vidas.

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MERCADO

O FENÔMENO SERTANEJO

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têm uma relação inevitável de industrialização para maximização dos lucros. São fórmulas, são compositores contratados, são músicos da primeiríssima linha, são planejamentos estratégicos e a apoteose chama-se Festa de Peão de Barretos. Não se engane, ninguém criou nada. As bandas vocais da Motown, os escritórios de compositores hitmakers em Nova York, o Wrecking Crew, produtores como Phil Spector, isso tudo já existia desde a década de 1950 e, hoje, a indústria do Sertanejo leva isso à sua máxima consequência. Mas, chamam a atenção eles mesmos, nesse quadro, preocupa a queda de qualidade das composições e dos artistas.

O PUBLICO

Segundo a Hibou, uma empresa especializada em pesquisa e monitoramento de mercado e consumo, os brasileiros gastavam entre 100 e 2000 reais e participavam de 3 a 50 shows por ano, segundo pesquisa deem janeiro deste ano. Após o isolamento social decretado, os shows deram lugar às lives, e graças aos sertanejos, as lives brasileiras já se tornaram referência mundial, ultrapassando número de acessos de nomes como Beyoncé e Andrea Bocelli. Gustavo Lima, por exemplo, mobilizou mais de 58,5 milhões de visualizações. De acordo com a pesquisa, que obteve mais de 3.400 respostas, realizada em Janeiro deste ano, (98% de significância e 1,83% de margem de erro), o público majoritário fiel ao sertanejo são as mulheres com 62% contra 38% do público masculino. A maioria tem entre 25 e 34 anos (37%), em segundo lugar vem os de 35 a 44 anos (23%) e em terceiro, jovens de 18 a 24 anos (21%). Ou seja, a faixa principal de idade que ouve sertanejo e está lotando as lives - tem de 18 a 44 anos. 52% dos fanáticos por sertanejo estão em relacionamento amoroso. Destes, 35% são casados e 17% em união está-

vel. Os solteiros representam 40%, 7% divorciados e 1% viúvos. Ou seja, 48% estão na sofrência mesmo. 50% do público sertanejo tem renda entre 3 e 10 mil reais. 33% ganha até 3 mil reais - nada mal ter lives gratuitas na sala de casa toda semana para essa parcela de fãs. Do que os brasileiros mais gostam nas músicas? 48,1% gostam das letras. Já a outra metade dos entrevistados, 47,3% preferem a melodia. Enquanto isso, 27,4% dos entrevistados se sentem a própria canção sertaneja - como se descrevessem a vida. O estilo universitário é o grande queridinho dos brasileiros com 60,1% da preferência. Já para 46,9% o sertanejo romântico é o predileto. E ainda há os 32,8% adeptos ao sertanejo raiz (caipira). Entre duplas e cantores solo, Marília Mendonça lidera o favoritismo com 18%, seguido de Jorge e Mateus 14% e Chitãozinho e Xororó e Gusttavo Lima com 12% da preferência. O favoritismo somente entre cantores continua com a Marília Mendonça, com 24%, Gusttavo Lima sobe para o segundo lugar na preferência entre cantores com 17% e Luan Santana 11%. Quando perguntados somente sobre as duplas favoritas, estão nos três primeiros lugares: Jorge e Mateus 16%, Henrique e Juliano 12%, Maiara e Maraisa 12%.

ASSISTA

‘O Fenômeno Sertanejo’ é um documentário que revela como o Sertanejo Universitário se transformou no gênero musical mais tocado e rentável do Brasil. Remonta à trajetória do ritmo ao longo dos anos, para descobrir como a música caipira se tornou um sucesso nacional. Das guarânias paraguaias até chegar no Funknejo moderno, sua estreia no canal Music Box Brasil aconteceu no dia 9 de abril e estão planejadas diversas reexibições.

Imagens: Divulgação e Shutterstock

U

ma explosão. Luzes e cores de um palco que canta amores e dores para uma multidão. O artista mexe com seu público como se cada um deles montasse o boi bravo da noite. O fenômeno sertanejo é sinônimo de festa e alegria de multidões que nada lembra o caipira picando fumo de Almeida Junior. Os caminhos da música sertaneja se guiaram mais para “Evidências” que para “Rancho Fundo”, e se tornaram uma indústria, desvendada pelo documentário de Raphael Erichsen, com direção artística de Fabrício Bittar e produção executiva da Clube Filmes. Para quem vê Luan Santana e Michel Teló sobre os palcos, nada pode parecer mais distante que a moda de viola caipira e os temas campesinos de Tonico e Tinoco ou os programas de Inezita Barroso. O patrimônio cultural do interior do Brasil se transformou de uma maneira completamente adversa a outras manifestações populares, como o samba que se requintou. A chave para essa mutação está nos artistas mais representativos do gênero nos últimos 40 anos, Chitãozinho e Xororó. O sucesso de “Fio de Cabelo”, quando tudo parecia perdido, foi a motriz para eles agregarem à música do campo os elementos urbanos e estrangeiros. A guitarra, o baixo e a bateria falam alto, mas têm o poder elétrico de alcançar multidões, enquanto a viola balança ao redor da fogueira. Não é preciso muita pesquisa para descobrir que o responsável pelo solo de guitarra em “Evidências” é o roqueiro Faiska Borges. O que parece desconexo, é uma história e uma evolução que passa ao largo dos botequins da MPB e dos rockbars, e que o documentário conta em detalhes. Os estudantes universitários tocando nas repúblicas, os CDs piratas que alavancaram o sucesso inesperado do gênero até chegarem os investidores. O Sertanejo movimenta grana e público no Brasil. Investidor e dinheiro

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SHOWS

A T S E F A M I T L AÚ O D S ANTE Ã H N AMA Por Fernando de Freitas

A noite e um públic

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em que John Cale tocou para co que sabia que não haveria nenhum show amanhã

VANGUARDA DESLOCADA

Dois dias antes do show, em outra unidade do Sesc, o Vila Mariana, John Cale se apresentou para um bate papo. O músico havia tocado naquela unidade 20 anos antes no teatro que fica logo abaixo do auditório já semi-esvaziado pelos temores da pandemia. Ali, atencioso e de bom humor, apresentou seus conceitos sobre música e arte (de maneira abrangente) e contou um pouco de sua história. Muito embora Lou Reed tenha sido o rosto mais reconhecível do Velvet Underground, a parceria com Cale era a essência da sonoridade da banda. John Cale é, nesta dinâmica, o elemento inusitado que fez de Velvet Underground uma banda ao mesmo tempo sui generis e pop. O contexto em que eles intervêm em uma banda de rock é talvez uma declaração artística que por si já seria suficiente. A Factory, a NYU, o Chelsea Hotel, a Macdonall Street e outros endereços frequentados pelos beatniks e artistas de vanguarda eram também bares estudantis, onde surgiram Hendrix e Bob Dylan, e todos estavam a passos

de distância uns dos outros. Na década de 1960, para John Cale, tudo era muito efervescente e divertido, principalmente se você fazia parte da trupe de Andy Warhol. Imagine que, numa noite, você podia ser convidado para um jantar na casa de milionário (sob as graças de Andy) e, após fazer a necessária figuração, ou seja, estar presente naquele lugar para ser visto pelos ricaços na casa de um “amigo das artes”, você seguia para a exibição de um filme experimental, uma peça, uma exibição um algo... E foi nesse cenário que Cale se envolveu, vindo de uma formação acadêmica como músico erudito avant-gard. Ele era um artista altamente preparado, diante da explosão do sexo, drogas e rock and roll em Nova York. Esqueça o verão do amor que estava acontecendo na costa oposta do país. Entre o lançamento de “Pet Sounds” e “Sgt. Peppers Lonelly Herts Club Band” estava atravessado em sua própria experimentação o Velvet Underground & Nico, o álbum da banana. O músico galês conta que encontrou em Lou um guitarrista talentoso com uma base muito diferente da sua. “Lou improvisava com muita facilidade, era possível trazer algo avant-gard que ele improvisaria em cima” conta Cale sobre o parceiro que trazia, por sua vez, as influências do folk para a música. Sobre Nico, a diva alemã que passou pelo set de La Dolce Vita de Fellini para aterrissar nos palcos do Velvet Undergroud a pedido de Warhol, Cale repete muitas vezes palavras de carinho pela amiga para quem ele produziria um álbum após a saída da banda. A quem também não poupa elogios é Andy, a quem ele atribui o mérito de levar a banda para audiências maiores. Segundo ele Warhol era “ultrajante, mas muito engraçado” e estava cercado de muitos artistas jovens e indisciplinados (e muitas drogas), o que fazia tudo aquilo muito divertido. Porém, Lou Reed cansou daquele cenário e Cale viria a se cansar também. E foi assim que a banda se desfez, sob mais um conselho de Andy a Cale: “eu posso colocar vocês em qualquer museu do mundo para tocar, mas vocês tem um compromisso com o público do álbum da banana, melhor seguirem seus caminhos”. Dali, Cale fez sua carreira com álbuns avant-gard, rock, trilhas sonoras, sempre mantendo a vivacidade do que podia lhe divertir. “Nos shows”, diz ele, “eu apresento alguns clássicos, mas de uma maneira diferente. É algo contra o que temos que lutar, para manter a sanidade”.

Imagens: Divulgação

A

C

omo você deve se vestir para a última festa? Quantas vezes saí de casa para assistir um show sabendo que seria, provavelmente a última oportunidade que eu teria de ver aquele artista? Porém, a ironia é que ao entrar no carro para ver John Cale, eu sabia que aquele seria o último show que eu assistiria em muito tempo. Naquela semana, foram anunciados os primeiros casos de contaminação do Covid-19 no Brasil e, rapidamente, os eventos começaram a ser cancelados. O SESC Pompeia manteve o evento, que seria o último antes do fechamento de todas as unidades. E era uma noite particularmente agradável em São Paulo, quando a fábrica paulistana (que recebeu a magia da arquiteta Lina Bo Bardi para ser um dos endereços mais icônicos da cidade) e a reunião dos tipos alternativos que desafiavam o bom senso para estar diante do ídolo não remetia minha imaginação ao que foi a Factory da Union Square. Antes de qualquer quarentena e qualquer súplica de isolamento social, a primeira vítima foi nossa confiança, as pessoas não se encostavam, não se abraçavam. Foi quando eu vi a primeira pessoa de máscara.

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A ÚLTIMA NOITE

Um senhor de idade se dirige ao palco vestindo roupas pretas na escuridão de uma sala de espetáculo. Suas mãos muito brancas seguram uma Fender Stratocaster preta de escudo branco, ele se aproxima do microfone com sua pose anglo-saxã e cabelos prateados muito bem cortados. É a imagem de uma elegância única. No telão, cores psicodélicas. E, ruidoso, se faz o rock & roll. Entre o dançante e o rasgado, John Cale nos apresenta o nu e o cru da música que amamos. Tudo é simples, de tal maneira que a contenção é a delicadeza das nuances barulhentas. O que ele nos traz é algo que jamais encontraremos em um show de um ex-Beatle ou dos Rolling Stones. Existe um trecho do livro “Como funciona a música”, de David Byrne (aquele do Talking Heads), em que uma música (ou toda uma música de uma geração) é composta para soar bem onde ela será apresentada. A música de John Cale veste perfeitamente o galpão onde ela está. Você não encontrará esse tipo energia em um estádio (neste ponto, entendam que não é questão do que é melhor, mas que existe um motivo para os Rolling Stones praticamente ignorarem os London Years em seus sets). Entre o transe da música produzida ao vivo e o estupefamento de uma lenda viva ao alcance de nossas respirações, somos transportados, entre batidas e ambiências perfeitamente construídas e estudadas para ressoarem sobre nos-

sos corpos em desejo de catarse. Não há subterfúgio, ele não se apoia em nada senão em sua banda, sua guitarra e seu teclado. Faz um pouco de falta, por puro fetiche, a famosa viola, instrumento de formação de John Cale. E assim ele entrega, canção após canção, aquilo que prometeu, diversão em forma de música, contagiante e original, sem o custo da própria sanidade. A catarse vem, os acordes podem soar ligeiramente diferentes em um arranjo proposto, mas a melodia é uma daquelas que toca o coração de todo mundo que

sonhou em ouvir Nico à meia luz cantando “Femme Fatale”. O comportamento do público é de alegria e agradecimento, mas o principal, de viver aquela canção a cada nota. Ela entra em cada um que, sem um bis, sabem que não haverá todas as festas dos amanhãs. Aquela é a última noite em que vamos nos reunir tribalmente para compartilhar a música em muito tempo. Olhamos para os rostos satisfeitos e um pouco temerosos e nos perguntamos: “Será que estaremos todos aqui quando o palco voltar a ser ocupado?”


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440 Hz

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MÚSICA

PLEBE RUDE ENCENANDO A HISTÓRIA DA HUMANIDADE

ANTONIO NÓBREGA

RIMA, embolada e indignação

Abrimos todos os segredos e testamos as novidades do

GALPÃO MALAGOLI


DINOSSAURO Por Fernando de Freitas

A I E R A E D MANDALA Abriu a porta. Percebeu o rosto do amigo marcado. Não se encontravam havia muito. As tempestivas rugas desenhavam o tempo. Deixava em sua feição a sutileza de alegria que precedia o sorriso de Pedro. Inevitável. O amigo, primeiro a chegar, trazia a esposa e uma garrafa de vinho. A companheira de Carlos ainda não terminara de preparar o jantar. Carlos sentou-se com Pedro, não podia ajudar na cozinha. A esposa do amigo logo se prontificou. De pronto. Serviu o vinho e conversaram. Beberam um pouco de vinho e ficaram em silêncio. Encerraram as palavras de reencontro. A campainha tocou novamente e Pedro esticou o pescoço. O convidado foi recebido com um abraço. Era o Paulo José, que para ele era um desconhecido. Chegou sozinho e menos efusivo. Foram apresentados. Paulo era jornalista e fora militante de esquerda. Colega de Carlos na faculdade de Direito. Não concluiu. Pedro nunca fora politicamente ativo, naquela época estava mais preocupado em correr atrás de um rabo-de-saia. Não falava de trabalho, nem do passado já distante. Os dois amigos de Carlos entenderam-se nas amenidades. O anfitrião foi à cozinha e Joana pediu que levasse os petiscos à mesa. Ana Beatriz, esposa do amigo, já de mangas arregaçadas, ajudava a preparar o jantar. Lembrou-se da música. Havia escolhido uma longa seleção de músicas agradáveis. A linha melódica de saxofone soou deliciosamente. Pedro fechou os olhos e sorriu, como se houvesse experimentado um sabor de incomensurável prazer. Paulo estranhou a reação, embora tenha esboçado um sorriso com a música. A campainha tocou pela derradeira vez na noite. Era um casal. Lúcia era uma velha conhecida de Carlos e Pedro, em outros tempos um rabo de saia, hoje editora de um famoso jornal. Homero era músico, de sorriso fácil e seguia o ritmo da música com os dedos. Sua chegada sincronizou com o fim dos trabalhos na cozinha. Sentaram-se todos à mesa. Esmerado jantar. Todos os convidados, contadores de história. A conversa deslizou pelas horas sem que a noite, o álcool ou o cansaço os freasse. Carlos permanecia quieto a maior parte do tempo. Os olhos atenciosos seguiam os amigos com certa admiração. O anfitrião recusava pacificamente o papel de protagonista. Generosamente devolvia o foco pendular aos outros. Parecia, a Pedro, que ele queria aproveitar o máximo de cada um, do que pudessem lhe oferecer. Pedro, que fora o primeiro a chegar, esperou que todos saíssem. Quando conseguiu ficar a sós com Carlos ao se despedir, precipitou-se em fazer perguntas que lhe preocupavam. O amigo apenas o abraçou e se despediu.

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COXIA Anneliese Kappey

Ana Sniesko Erico Malagoli

Camila Duarte Fernando de Freitas

Carolina Vigna Ian Sniesko

Luis Barbosa

AFINADA PARA QUEM GOSTA DE MĂšSICA

Tatiana Carline

440 Hz



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