Revista Dasartes 131

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Capa: , Franchise Freedom, 2017. Foto: © Studio Drift.
12 GLAUCO RODRIGUES O BASTARDO 50 MICHELANGELO PISTOLETTO 6 8 32 Agenda De Arte a Z 66 JÉSUS SOTO STUDIO DRIFT 86 10 Livros

AGENDA,

, nova individual do artista

Daniel Lannes, reúne cerca de 20 obras produzidas em diálogo com o poema , escrito por Álvaro de Campos, heterônimo do poeta português

FernandoPessoa.Aspinturascapturam o torpor e o movimento sugerido pelo texto, em uma espécie de deriva entre o mundo real e imaginário. A mostra conta com texto crítico de Tomás

Toledo e depoimento de Beatriz

Milhazes sobre o percurso do artista.

Lannes, que foi apresentado à obra de Fernando Pessoa por um primo, tem se inspirado no poeta em diversas produções. Em , oferece uma interpretação visual do poema, sem se

propor a ilustrar de forma linear o que está lendo, mas permitindo que o espectador preencha as lacunas da narrativa em uma espécie de viagemderiva. Dentre as obras apresentadas na exposição, destaca-se (que significa “vau das freiras", em latim), em que Lannes combina elementos da história portuguesa com suas próprias vivências familiares.

DANIEL LANNES: PARAÍSO •

GALATEA GALERIA • SÃO PAULO • DE 11/5 A 17/6/2023

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CURIOSIDADES • Mais um segredo de Mona Lisa é revelado. Local onde o famoso retrato foi pintado é desvendado por um historiador de arte usando imagensdedrones.Areconstruçãodigital combina com uma ponte na Toscana semelhante a da pintura de Da Vinci. O italiano Silvano Vinceti apresentou a nova teoria e afirmou ter certeza absoluta de que a estrutura é a ponte Romito di Laterina, não muito longe da cidade de Arezzo, na Toscana.

Google Arts & Culture

lança projeto com uma série de galerias virtuaisimersivaseexclusivas,emparceria com55museusaoredordomundo,entre eles seis instituições culturais brasileiras.

A série é feita por meio da nova ferramenta Pocket Gallery Editor que permite que os museus criem e personalizem a própria galeria virtual a partir das coleções já hospedadas no Google Arts & Culture. Veja mais em

A icônica escultura de Michelangelo, David, está novamente envolvidaemumapolêmica.Umaimagem da obra-prima renascentista foi consideradainadequadaparaosistemade metrô de Glasgow, na Escócia, devido à sua nudez. O anúncio, do restaurante Barolo, no centro da cidade de Glasgow, mostrava David comendo uma fatia de pizzaeexibiaoslogan:“

de
arte ,AZ

PELO MUNDO • CIMAMoferece5bolsas de viagem para profissionais brasileiros financiados pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires, Getty Foundation e Eloisa Haundenschild. O prêmio apoiará a participação de curadores, diretores e profissionais de museus de arte contemporânea na Conferência Anual de 2023 e que acontecerá em Buenos Aires, em novembro de 2023. Inscreva-se em

RESIDÊNCIAS • Oficina Francisco

BrennandabreasChamadasPúblicasda Residência Cultural, na capital pernambucana, e da Bolsa Residência Internacional em Nantes para artistas moradores da Região Metropolitana do Recife. As residências propõem a convivência e o intercâmbio entre diferentes agentes profissionais para o desenvolvimento de processos de pesquisa,reflexãoecriaçãonasáreasde arte, cultura e educação. Inscreva-se em oficinafranciscobrennand.org.br.

Até31/5/2023.

• DISSE A ARTISTA

Judy Chicago, ao abrir e dedicar sua nova exposição para 80 mulheres artistas que a inspiraram. A mostra dentro de outra mostra intitulada

apresenta obras de mulheres artistas, escritoras e figuras culturais.

. ”
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LIVros,

A publicação se debruça sobre a obra do artista gráfico, desenhista, litógrafo e publicitário Hermelindo Fiaminghi (1920-2004), que criou o neologismo “corluz” para se referir as suas criações baseadas no embate entre luz e cor. O processo de descoberta da própria voz artística, por meio de experimentações com litografia offset e com a técnica de pintura a têmpera, é evidenciado pelas várias telas de Fiaminghi, que permeiam toda a publicação.

FIAMINGHI: CORLUZ • Autor: Marco Amaral Rezende • Sesc Edições • 352 páginas • R$ 120

reúne pinturas, objetos e performances criados pelo artista que vive e trabalha em Brasília. A arte de Obá investiga as contradições na construção do Brasil, refletindo sobre a ideia de uma identidade nacional a partir do tensionamento da memória racial, histórica e política do país. Perturbando arquétipos e padrões impostos pela sociedade, suas obras tiram o corpo negro de um lugar de vergonha e exploração para, em suas próprias palavras, “recuperar, reconfigurar e narrar imagens que podem resgatar a dignidade de um corpo que foi historicamente negado, marginalizado, comercializado, distorcido e apagado.”.

ANTONIOOBÁ•EditoraCobogó•220páginas•R$150,00

O livro reúne grandes nomes das artes e da cultura contemporâneas em conversas que têm a arte, a política e a vida como ponto de partida. Organizado por Eleonora Fabião e Adriana Schneider, o livro é um desdobramento de uma série de encontros semanais que reunia, virtualmente, uma audiência em torno de duplas de intelectuais e artistas, abrindo as janelas encerradas pelo isolamento provocado pela pandemia.

O APAGAMENTO DE VOLPI: PRESENÇA EM BRASÍLIA:

1ª ED. (2023) • Autora: Graça Lima • Editora Tema

Editorial • 240 páginas • R$ 65,00

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GLAUCO rodrigues,

ALTO relevo

Sem título, 1987. Foto: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

GLAUCO RODRIGUES É CONHECIDO POR RETRATAR

PESSOAS E PAISAGENS DO CAMPO, DO TRABALHO RURAL, DA PECUÁRIA E DOS COSTUMES DA REGIÃO GAÚCHA. NOSANOS1960, TAMBÉMEXPLOROUTEMAS RELACIONADOS À IDENTIDADE BRASILEIRA, INSPIRADOSEMSUA EXPERIÊNCIA NORIODEJANEIRO, QUE SE TORNOU O PRINCIPAL FOCO DE SUA

PRODUÇÃO ARTÍSTICA

POR JOÃO HENRIQUE ANDRADE

O olhar do homem sobre as cores da Guanabara era repleto de encanto e beleza. As sinuosas curvas do Pão de Açúcar, visto do Aterro do Flamengo em um dia de sol, revelavam o estado de graça do espírito do brasileiro. Estamos no ano de 1965, e a música ressoa nos ouvidos. A música cadente, em uma elegante aproximação com o samba, pronunciava novos tempos, onde a cidade fundada por Estácio de Sá (1520-1567) vivia as celebrações de seu 4.º centenário e recebia de volta seu mais caloroso filho. Estamos falando de Glauco Rodrigues (1929-2004), que retornava das terras de Rômulo e Remo, da cidade de Roma dos antigos impérios,onde,desde1962,haviaseestabelecido,aconvite do embaixador brasileiro Hugo Gouthier para trabalhar no setor gráfico da representação diplomática. Por lá, aprimorou sua arte, que, por diversos caminhos, daria a ele um destaque como representante genuíno de nossa cultura, aliado com os novos tempos.

Galeria de tipos Brasileiros: Sebastião, 1987. Foto: Raul Holtz.

Todas as imagens: Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

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Sem título, Álbum Arte e Transporte, s.d. Foto: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

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Sem título, Álbum Arte e Transporte, s.d. Foto: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

A exposição revela facetas de um período em que o artista, nascido em Bagé (RS) se detinha no olhar para as belezas brasileiras, pelas paletas verde e amarela, após o seu retorno ao Brasil naqueles idos anos de 1965.O que havia de mais belo na paisagem dava lugar em igual medida e importância às contradições do mesmo país que convivia desde o ano de 1964 com uma severa Ditadura Militar. São um total de 49 obras que vieram a ocupar o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), de um acervo da instituição que abriga mais de 300 trabalhos. Após um cuidadoso processo de restauração, foi possível reunir o recorte curatorial que cobre os períodos dos anos 1960 e 1990, exibidos agora pela primeira vez ao público. A aquisição dos trabalhos de Glauco pelo MARGS se deu em 2018, após a doação desses trabalhos pela viúva de Glauco, Norma de Estellita Pessôa. “Na sua obra gráfica, como na sua pintura, o Glauco nunca deixou de dizer: ‘Que país curioso este nosso, e que país bonito’”, certa vez disse o escritor, também gaúcho, Luis Fernando Verissimo. O que as suas obras surgidas no bojo dos anos 1960 revelam são disparidades entre elementos sociais de um país que ocultava seus flagelos, suas dicotomias entre passado e presente e onde a violência e a pobreza andavam de mãos dadas com o dia de sol na Guanabara e as comemorações do 4.º centenário da cidade, realizadas pelo então governador Carlos Lacerda (1914-1977) . O teor político logo agregaria um espaço importante na criação de Glauco a partir do que viria a conhecer na sua participação na Bienal de Veneza um ano antes, em 1964.

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Accuratíssima Brasília Tabula, 1981. Foto: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

Carnaval, 1990 e Tropicália, 1989. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

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Ao lado de nomes incontornáveis da arte brasileira e de outros novos artistas do período, Glauco Rodrigues se uniu a Tarsila do Amaral, Frans Krajcberg, Almir Mavignier, Abraham Palatnik, Alfredo Volpi, Maria Bonomi e Franz Weissmann na XXXII Bienal de Veneza. Foi a “virada de chave” em sua trajetória. Em um período onde a ganhava espaço e atenção no circuito das artes, sobretudo pela influência da cultura de consumo e crescimento de novas mídias, como a TV em cores, somado ao que viria a ser conhecido como o culto a celebridades e a panfletagem contra as guerras e ditaduras presentes constantemente em jornais e noticiários naqueles anos, figuras como Robert Rauschenberg, Andy Warhol e Roy Lichtenstein foram alçados a nomes de uma arte contundente, radical e ousada. Glauco ficou impressionado com essa arte que surgiu, sobretudo, com o trabalho de Rauschenberg, que viera a ganhar o Grande Prêmio da Bienal de Veneza daquele ano. As obras que viria a realizar no Brasil em seu retorno ao Rio de Janeiro são o resultado dessa epifania que surgiu com seus contatos com a em Veneza. O curador da mostra no MARGS, Francisco Dalcol, ressaltou os contatos entre a nossa conturbada história com a linguagem inseridanaproduçãodeGlauconessesanos: “Os povos originários, o colonizador, o carnaval, o futebol, a natureza tropical, a religiosidade, a televisão e a história do Brasil.Etambémaculturademassaeoculto às celebridades. Quase sempre se valendo de imagens prévias em circulação, até mesmo da iconografia da história da arte, como é o caso de (1996), obra que funciona como espécie de ponto de partida desta exposição.”

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Galeria de tipos Brasileiros: Mamãe Abaporu, 1987. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018. Galeria de tipos Brasileiros: A Deusa da fortuna, 1987. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

As colagens e as criações de figuras populares em litografias e serigrafias formam um apanhado do inconsciente coletivo de um país. Na obra , de 1989, o público pode notar os fundos brancos que exprimem o vazio do espaço, preenchidos em primeiro plano por duas imagens: a do negro, trabalhador por excelência em um país que não soube promover uma abolição que inserisse seus antepassados a uma condição digna; e a da arara vermelha com sua pelagem de baixo na cor azul; ao redor, ainda há espaço para a rica flora desse país tropical. Assim como Tarsila do Amaral, que em seu retorno ao país, em 1923, buscou aprimorar uma criação verdadeiramente brasileira, sob os moldes da moderna arte de Paris – que viria a culminar com a sua série , Glauco Rodrigues promoveu em seu retorno às terras tupiniquins, em 1965, “uma arte brasilianista e antropofágica”, nas palavras do crítico de arte Frederico Morais, no documentário , de 2016. A é digerida e regurgitada pelo artista em um dos mais importantes trabalhos da história da arte brasileira. O artista se definia como uma escola de samba. As ruas dos morros. Os sambas-enredos. Os pandeiros, as passistas, o mestre-sala e a portabandeira. As cores e as paletas saturadas, em alvoroço, pululam nas arquibancadas e nas ruas em dia de blocos. O enredo é sempre o mesmo: o Brasil. Os muitos brasis, mas, sobretudo, os que evocavam a sensualidade, o torpor da repressão, as paisagens embebecidas pelo calor do sol da Guanabara, do Rio de Janeiro dos grandes cânticos e da poesia dos sambistas. Suas mensagens de ironias e sarcasmos se somavam às dores de amar tanto uma cidade quanto a um país.

de 1979; , 1981; , 1989; , 1987; a beleza da mulher em , 1990 são excertos do recorte temático aqui expostos que buscam abraçar aquele êxtase do ser brasileiro.

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,
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Musical, 1990 e Futebol, 1990. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

Gabriela, 1990 e Galeria de tipos Brasileiros: Malandro, 1987. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens:

Bananas II, 1987. Fotos: Raul Holtz. Todas as imagens: Cortesia MARGS, aquisição por doação de Norma de Estellita Pessôa, 2018.

A natureza tropical, o futebol, a televisão, os indígenas, os rituais e a força dos negros, a Fórmula 1, a música, as mulheres. Há, na produção de Glauco Rodrigues, um amplo espectro de possíveis impressões do Brasil sobre si mesmo. A sua arte servia como um espelho de nossos conflitos enquanto sociedade e abrangia toda essa convulsão, ora de forma explicita ora subentendida nas criações, sejam diante dos fundos monocromáticos, sejam por meio de balões que inserem as vozes que vociferam ou expõem seus incontidos pensamentos. A escola de samba que veio a ser em sua vida fez da sua arte um espaço de uma liberdade de expressão própria sem subterfúgios. As cores e os simbolismos em litografias, serigrafias, desenhos e pinturas em acrílica presentes nessa exposição, em um dos mais marcantes períodos de sua trajetória como artista, denotam o significado de suas criações atemporais e inseridas em um lugar, na Rio de Janeiro dos anos 1960, que parece permanecer viva, tanto por suas belezas quanto por suas dicotomias.

João Henrique Andrade é técnico em museologia, curadoria e montagem de exposições pela EAV Parque Lage.

RODRIGUES: TROPICAL • MUSEU DE ARTE DO RIO GRANDE DO SUL (MARGS) • ONLINE 30
GLAUCO
GARIMPO © O Bastardo. Foto: Thales Leite.

BastardoO ,

AS PERSONAGENS NEGRAS, CÉLEBRES OU ANÔNIMAS DO JOVEM ARTISTA O BASTARDO SÃO PROTAGONISTAS NO REPERTÓRIO VISUAL DE SUA PRIMEIRA EXPOSIÇÃO INDIVIDUAL, QUE FESTEJA NOVOS HERÓIS E FORMAS DE REPRESENTAÇÃO

POR LEANDRO FAZOLLA

O Museu de Arte do Rio (MAR) tem, cada vez mais, se consolidado como um porto para discussões sobre os mais diversos grupos sociais pertencentes a um estado de contrastes como o Rio de Janeiro. Localizado na região portuária, a instituição, sob o olhar de seu time curatorial capitaneado por Marcelo Campos, tem se tornado referência no que tange a apresentar artistas negros, periféricos e de outros grupos minorizados. Já passaram pela instituição nomes importantes como Ayrson Heráclito, Elian Almeida, Silvana Mendes, entre muitos outros. Agora, para comemorar os dez anos da instituição, junta-se a esse time o artista O Bastardo, que preenche as paredes do museu com seu potente trabalho.

Nascido e criado na cidade de Mesquita, na Baixada Fluminense, o artista iniciou seu trabalho nas ruas com o e começou a estudar na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde sua mãe trabalha há algumas décadas. Logo sua produção chamou a atenção de professores da instituição e o artista recebeu bolsas de estudo não apenas para os cursos da própria escola, como, ainda, da École des Beaux Arts, em Paris, e este ano, em fevereiro, foi anunciado como integrante do quadro de curadores Parque Lage. No MAR, o pintor ganhou sua primeira mostra individual institucional, após figurar em diversas coletivas em espaços culturais Brasil afora.

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Bastardo. Foto: Thales Leite. © O Bastardo. Foto: Thales Leite.

, em cartaz até o dia 28 de maio, tem curadoria de Marcelo Campos e Lilia Schwarcz, e apresenta mais de cinquenta pinturas do artista. A exposição se alia a um importante movimento feito principalmente nas últimas décadas, em que artistas negros e periféricos buscam, a partir de sua produção, o empoderamento de seus pares e seu reposicionamento na sociedade, em detrimento de uma História oficial excludente e cujos reflexos da invasão colonizadora são visíveis até hoje. Um dos núcleos da mostra, , apresenta uma série de telas em que O Bastardo se dedica a representar grandes personalidades negras que alcançaram lugar de destaque, sobretudo no circuito cultural. Segundo o artista, a série nasceu com o principal objetivo de normalizar o sucesso de pessoas pretas. Porém, em meio a grandes nomes como Kanye West, Basquiat e Mano Brown, figuram também outras personagens desconhecidas do grande público, traçando uma interessante relação em que anônimos se misturam a famosos, colocando seus sucessos pessoais em pé de igualdade.

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© O
Bastardo. Foto: Thales Leite. © O Bastardo. Foto: Thales Leite. © O Bastardo. Foto: Thales Leite.

Tendo o azul como cor predominante, ao mesmo tempo em que representam os personagens escolhidos pelo artista, suas telas criam um interessante jogo de escondeesconde. Quanto mais o espectador detém seu olhar sobre elas, mais elementos vão saltando aos seus olhos, emergindo da paleta quase monocromática. São mobiliários e fragmentos cotidianos de espaços típicos da vida no subúrbio, como barbearias, salões de beleza; elementos que remetem à história e à cultura da população negra e periférica; e até mesmo alguns de seus marcadores sociais enquanto grupo, como os cabelos descoloridosque,nastelasdoartista,ganham um tom de amarelo vibrante contrastando com seus azuis predominantes.

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© O Bastardo. Foto: Thales Leite.
© O Bastardo. Foto: Thales Leite.

© O Bastardo.

Foto: Thales Leite.

Mesmo em suas pinturas em telas, são evidentes as referências de seu trabalho inicial no , dando o tom de uma produção que começou no ambiente urbano para apenas depois se inserir no universo das galerias e instituições. Pinceladas ágeis e faturas marcadas evidenciam uma produção que se coloca em um lugar de urgência, uma urgência que pode vir tanto das origens do trabalho sempre ágil nas ruas como, também, uma urgência proveniente da temática abordada. É urgente reposicionar os negros no circuito artístico e na sociedade como um todo, é urgente colocar em lugar de protagonismo pessoas que foram referência para o surgimento de uma nova geração empoderada, da qual faz parte o próprio O Bastardo.

Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico de arte. Doutorando em Artes Cênicas. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea, na linha de pesquisa de História, Teoria e Crítica de Arte. Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.

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O BASTARDO: O RETRATO DO BRASIL É PRETO • MUSEU DE ARTE DO RIO (MAR) • RIO DE JANEIRO • 18/3 A 28/5/2023

michelangelo pistoletto

DESTAQUE

michelangelo pistoletto

La Pace Preventiva, Palazzo Reale, 2023. © Michelangelo Pistoletto. Foto: Glaz Gutman.

A PAZ PREVENTIVA É UM DOS CONCEITOS-CHAVE DA POÉTICA DO ARTISTA ITALIANO MICHELANGELO PISTOLETTO. EM SEU 90º ANIVERSÁRIO, MILÃO DEDICA A ELE UMA GRANDE EXPOSIÇÃO QUE SE DESENROLA EM UM LABIRINTO NO QUAL OS VISITANTES PODEM ADMIRAR

ALGUMAS DAS PRINCIPAIS OBRAS CRIADAS PELO ARTISTA EM MAIS DE SESSENTA ANOS DE PESQUISA E ATIVIDADE

POR FORTUNATO D’AMICO

O Palazzo Reale apresenta uma exposição-instalação de Michelangelo Pistoletto. representa a conquista da consciência por meio da experiência imersiva pelo criado por Michelangelo Pistoletto. Uma jornada desorientadora entre as obras do artista que guia o visitante ao longo desse itinerário de conscientização e gradualmente permitiu a Pistoletto conceber “a arte no centro de uma transformação responsável da sociedade”, uma expressão que constitui a missão de sua fundação, a , ativa como uma escola em Biella, desde a década de 1990. Uma mudança que é possível, de acordo com o artista, apenas por meio de uma prática real de democracia que envolve cidadãos e suas organizações em processos de transformação social responsável.

O , formado por papelão ondulado que vai se desenrolando ao longo do caminho da Sala delle Cariatidi, enfatiza a presença da dualidade oposta entre o monstro e a virtude. Dentro do labirinto está o monstro, a loucura predatória, a guerra. Sua estrutura arquitetônica tortuosa é um complexo de muros ideológicos, barreiras físicas, econômicas e culturais, portas abertas ou fechadas articuladas em torno de um labirinto de emaranhados que dificultam a orientação. Devemos tentar desenvolver a capacidade de alcançar a virtude ao nos afastarmos do monstro. Ele vive e existe nos labirintos fora e dentro de nós, mas não podemos evitar confrontá-lo por meio de uma ação premeditada, conduzida dentro de sua residência habitual. Somente assim podemos aniquilá-lo para estabelecer a prática da .

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La Pace Preventiva, Palazzo Reale, 2023. © Michelangelo Pistoletto. Foto: Glaz Gutman.

Na nossa era informatizada, os labirintos assumem múltiplos aspectos que se adaptam às realidades da engenharia eletrônica digital; processando e gerenciando as informações de toda a rede de nós interconectados que sustentam os canais de comunicação. Sua presença se manifesta por meio de diferentes formas invisíveis que muitas vezes escapam até mesmo à observação dos críticos mais atentos, talvez por isso seu impacto no planeta tenha assumido dimensões

Assim sendo, a humanidade agora tem à sua disposição esse dispositivo formidável para combater o monstro e estabelecer a : a fórmula de criação, de Michelangelo Pistoletto. Ela se apresenta como um sinal que, ao mesmo tempo remete ao passado, considera o presente e se projeta no futuro; é um símbolo, uma expressão matemática capaz de sintetizar a pesquisa individual e coletiva conduzida pelo artista e sua organização juntamente com os Embaixadores do É um instrumento que, transposto em números, revela que 1+1=3, que pode ser transformado em Eu+Você=Nós. Você e eu, de fato, todos nós, somos responsáveis pela sociedade que criamos. Pistoletto relata o nascimento da : “Foi em março de 2003, quando Bush e Blair, apoiados por vários governos, declararam guerra preventiva ao Iraque. Fiquei profundamente perturbado por essa circunstância. Todas as deformações culturais herdadas do passado estavam chegando ao ponto máximo: o próprio conceito de guerra preventiva dava origem à necessidade urgente de contrapor com a . Na história, a paz sempre veio como resultado da guerra e tem sido considerada como seu desfecho, ou seja, guerra escondida sob a aparência

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La Pace Preventiva, Palazzo Reale, 2023. © Michelangelo Pistoletto. Foto: Glaz Gutman.
56 La Pace Preventiva,
Palazzo Reale, 2023. © Michelangelo Pistoletto. Foto: Glaz Gutman.

Vênus dos trapos,1967.

Já em 1969, Pistoletto projetou seu primeiro no Museu Boijmans Van Beuningen, em Rotterdam. Nos anos seguintes, a instalação foi apresentada em várias outras exposições, adaptando-se a cada contexto diferente. O caminho da se espalha do Palazzo Reale pela intricada malha urbana de Milão, com outras instalações nos três museus científicos da cidade. As obras de Pistoletto foram cuidadosamente selecionadas para cada local, refletindo os conteúdos promovidos por essas instituições: o Museu Cívico de História Natural abriga , duas obras históricas em serigrafia em aço inoxidável superespelhado; uma nova versão em caixa de luz do é exibida no Planetário Cívico Ulrico Hoepli; enquanto o Aquário Cívico apresenta

composição artística de Michelangelo Pistoletto e Juan E. Sandoval que aborda o tema da água e se abre a amplas questões culturais, políticas e ambientais relacionadas à área do Mediterrâneo e ao restante do mundo.

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, uma
Metamorfosi, 1976. © Michelangelo Pistoletto.

Deposição, 1962-1973. © Michelangelo Pistoletto.

A paz então se torna o de um plano cultural realizado dentro do labirinto social, que ajuda a evitar a incerteza diante das encruzilhadas de decisões e a seguir o caminho da harmonia em vez daquele que leva ao conflito e à oposição.

Michelangelo Pistoletto nasceu em Biella (Itália), em 1933. Em 1962, ele criou suas primeiras , com as quais rapidamente alcançou reconhecimento internacional. Ele é considerado um dos precursores e protagonistas da Arte Povera, com seus (1965-1966) e a (1967). A partir de 1967, ele realizou ações fora dos espaços de exposição tradicionais, que foram as primeiras manifestações da “colaboração criativa” que ele desenvolveria nas décadas seguintes, reunindo artistas de diferentes disciplinas e setores cada vez mais amplos da sociedade. Na década de 1990, ele fundou a Cittadellarte, em Biella, colocando a arte em relação com as diferentes esferas do tecido social para inspirar e promover uma transformação responsável da sociedade. Ele recebeu inúmeros prêmios internacionais, incluindo o Leão de Ouro, pela Trajetória de Vida, da Bienal de

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Contato, 2007. © Michelangelo Pistoletto.

Veneza, em 2003 e o Prêmio da Fundação

Wolf em Artes, “por sua carreira consistentemente criativa como artista, educador e ativista, cuja inteligência incansável deu origem a formas de arte premonitórias que contribuem para uma nova compreensão do mundo”, em 2007. Em 2013, o Museu do Louvre, em Paris, sediou sua exposição individual Michelangelo Pistoletto, . No mesmo ano, ele recebeu o Praemium Imperiale de pintura em Tóquio. Em 2022, seu último livro, (

), foi publicado pela Cittadellarte Edizioni. Suas obras podem ser encontradas em todos os principais museus de arte contemporânea.

Fortunato D’Amico é curador de arte independente.

PISTOLETTO: A PAZ PREVENTIVA • PALAZZO REALE • MILÃO • 23/3 A 4/6/2023
MICHELANGELO
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JESÚS

PANORAMA
Foto: D. Bordes/Courtesy © Jesús Rafael Soto/ADAGP,

SOTO

Bordes/Courtesy Archives Soto. Soto/ADAGP, Paris 2022.

PARA SUAS CRIAÇÕES, JESÚS RAFAEL SOTO DEFENDIA UMA EXPERIÊNCIA

ESTÉTICA QUE ENVOLVIA O TEMPO, A INTENSIDADE E A PARTICIPAÇÃO DO ESPECTADOR. UMA NOVA MOSTRA EM SÃO PAULO COMEMORA O CENTENÁRIO DO ARTISTA VENEZUELANO E PIONEIRO DA ARTE CINÉTICA

POR MONICA AMOR

Jesús Rafael Soto (Ciudad Bolívar, Venezuela, 1923 – Paris, 2005) é um dos maiores representantes da arte cinética, embora a profundidadeeaambiçãodesuaabordagem transcendam essa categorização e coloquem o artista em uma busca que excede a simples materialidade do objeto artístico. A arte se torna em suas mãos um meio de conhecimento, com o qual nos dá uma experiência de movimento, luz, espaço e tempo, fenômenos que, por não terem uma forma definida, só podem ser refletidos por meio dos relacionamentos. Assim, apesar da fisicalidade das peças que ele concebe e da experiência sensorial que elas fomentam no espectador, sua abordagem é eminentemente conceitual e abre novos caminhos para a arte ambiental e relacional.

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Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022. Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022.
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Desafiando as fronteiras entre as disciplinas artísticas tradicionais, sua produção está no meio do caminho entre pintura e escultura, mas também entra no campo da arquitetura. Soto traduziu matéria em luz e vibração, introduziu tempo e a tornou perceptível na obra de arte, que perde seu caráter fixo e imutável e se torna dinâmica com a colaboração essencial do espectador – tornando-se o “participante” necessário da criação, e não mais mero observador. Esses aspectos temporais abrangem suas cinco décadas de experiência, com uma seleção de vibrações, extensões, progressões,volumesvirtuaisepenetráveis. Esta última tipologia é sua contribuição mais ousada e relevante para a história da arte: os são espaços transitáveis dos quais uma chuva de filamentos finos paira, entre os quais o público pode romper, vivendo uma experiência sensorial, psíquica e intelectual. Nesse espaço, tudo muda permanentemente com o movimento da pessoa que participa do trabalho, em uma infinita variação de possibilidades. “Faço as pessoas se moverem e as faço sentir o corpo do espaço”, disse Soto, que acreditava que os seres humanos “são pequenos pontos de referência frágeis em um imenso universo sempre em movimento”. O artista argumentou que a arte testemunhou essa “fragilidade” e queria “realmente desenvolver o tempo na obra de arte”.

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Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022.

A BELEZA ESTÁ NA RUA! A INCURSÃO PÚBLICA E EXCEPCIONAL EM 1969

Em 1966, a obra de Jesús Rafael Soto adquiriu uma dimensão arquitetônica favorecida por novas comissões, o aumento de recursos à sua disposição e o discurso sobre o urbanismo espacial e ambiental que então se desenvolveu na arte e na cultura francesas. Naquele ano, por exemplo, Soto representou a Venezuela na Bienal de Veneza com uma cortina de varas suspensas que cobriam uma das amplas paredesdopavilhãonacional.Eraumaestruturaabrangente, uma continuação de suas duas obras , de grande escala, criadas em 1958 para a Exposição Universal de Bruxelas, que anunciou seu primeiro , que seria exibido no ano seguinte na galeria Denise René, em Paris. Até então, Soto era um artista consolidado e a estrutura discursiva que dava sentido ao seu trabalho era o resultado de interseções produtivas entre o interesse do tempo pelo espaço (urbano e estético), o paradigma experimental do cinetismo que florescia na Europa durante esses anos e o compromisso do artista com o universalismo, a arte pura, a invenção, a desmaterialização e o movimento. Meu objetivo é focar no monumental (1969), instalado no pátio público que separa o Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris (MAM) e o Palácio de Tóquio, por ocasião da grande retrospectiva itinerante do artista no MAM em junho daquele ano. Escrevo exatamente meio século depois e me sinto chamada a explorar o lugar histórico e a especificidade dessa intervenção pública urbana, feita um ano após as enormes manifestações que pararam a França em maio de 1968.

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Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022. Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022.

questões importantes que os protestos do ano anterior colocaram sobre a mesa, tanto no campo da estética quanto da política: libertação, festividade, celebração, criatividade, prazer. Ele também queria ser um parêntese que interrompeu delicadamente a vida cotidiana. A obra, que ocupava uma área de aproximadamente 29 metros de comprimento por 24 metros de largura em um espaço público aberto e facilmente acessível ao pedestre, consistia em uma estrutura metálica feita pelo

entre os dois edifícios e serviu como estrutura para uma instalaçãoque exigia um total de 100 quilômetros de fios de plástico branco com 0,75 milímetros de espessura. O efeito cascata gerado pelos fios dissolveu qualquer forma que submergisse naquele fluxo de linhas descendentes, como atestam as imagens fotográficas, que não revelam muito sobre os detalhes técnicos do trabalho. O que prevalece em nossa percepção contemporânea deste trabalho é a criação de uma situação pública que convida o espectador a fazer parte do trabalho.

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Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022. Foto: D. Bordes/Courtesy © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Bordes/Courtesy Archives Soto. Soto/ADAGP, Paris 2022.

No entanto, a estrutura operacional não surgiu no vácuo. Em 1960, Soto continuou a insistir em sua condição de pintor, apesar de serem abertos espaços cada vez mais amplos entre os dois planos estriados de seus relevosdofinaldosanos1950,umdeles em acrílico (antes do qual o espectador percebia um efeito vibratório que sugeria movimento) e outro de madeira. Nesse mesmo ano, sob o nome de Grupo de Pesquisa de Arte Visuel (GRAV), um grupo de artistas de vários paísesconvergeparaexplorarconceitos cada vez mais conotados emsuas obras, como arte ambiental, pesquisa e participação. Nas páginas de sua publicação oficial, os situacionistas criticaram a vida cotidiana e propuseram atividades como passear sem rumo pela cidade. Essas propostas coincidiram com a proliferação de festivais de arte patrocinados pelo Estado, nos quais música, cinema, dança, pintura e escultura foram cruzadas, e a exibição de obras fora do museu foi favorecida.

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Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022.

Foto: D. Bordes/Courtesy Archives Soto. © Jesús Rafael Soto/ADAGP, Paris 2022.

A espacialidade penetrável de 1969 também se alinhou com o discurso sobre urbanismo espacial que povoou o imaginário de artistas e arquitetos durante os anos 1960 na França. O jogo e a interação social em espaços abertos e luminosos fechados ao trânsito prenunciavam uma sociedade livre do fardo da instrumentalização e do trabalho. Essas experiências tecnotópicas e futuristas foram integradas ao modelo histórico evolucionário que os artistas abstratos venezuelanos instalados em Paris haviam abraçado com entusiasmo na década anterior. Do ponto de vista estilístico, esse urbanismo cósmico de estruturas espaciais, cidades de vários níveis e infraestruturas entrelaçadas favoreceu uma estética de desmaterialização. Quando Soto instalou seu no pátio do MAM, em junho de 1969, os cruzamentos entre cinético, ambiental, participativo e público já estavam consolidados. Um dos maiores apoiadores de Soto, o crítico francês Jean Clay, insistiu na dimensão participativa-perceptual do trabalho, que chamava o espectador a estabelecer uma interação tátil e psicológica com ela. Essa interação permitiu sondar “nossa maneira de perceber o mundo físico” e, ao mesmo tempo, agitá-lo; além disso, como ambientes, eles “radicalmente” pulverizaram o espaço normativo (arquitetônico). Dentro do , duvidamos de nosso senso de direção, as proporções desaparecem e a hierarquia entre centro e periferia se dissolve. O trabalho pode ser visto como uma tela que separa o espectador da cidade e dos espectadores, enquanto a chuva de fios de nylon do desconstrói nossa visão usual darealidadeerevelauma“cidadevirgem,novaeemmudança”.

84 JESÚS SOTO: COR, FORMA, VIBRAÇÃO • DAN GALERIA E DAN CONTEMPORÂNEA •
PAULO • 15/4 A 30/6/2023
SÃO
Monica Amor é crítica de arte, curadora e professora de Arte Global Moderna e Contemporânea no Maryland Institute College of Art.

studio DRIFT ,

REFLEXO
Franchise Freedom, 2017. Foto: © Studio Drift.

A DASARTES FALOU COM EXCLUSIVIDADE COM O STUDIO DRIFT, COLETIVO HOLANDÊS FUNDADO EM

2007 PELOS ARTISTAS LONNEKE GORDIJN E RALPH

NAUTA, QUE EXPÕE PELA PRIMEIRA VEZ NO BRASIL. A

DUPLATRABALHACRIANDOESCULTURAS,INSTALAÇÕES E PERFORMANCES EXPERIMENTAIS QUE FUNDEM ARTE, DESIGN, TECNOLOGIA, CIÊNCIA E NATUREZA

POR LONNEKE GORDIJN

E RALPH NAUTA (STUDIO DRIFT)

Sempre fui hipnotizada pela natureza. Na infância, tínhamos um pequeno lago em nosso jardim e eu passava horas deitada de bruços pendurada com a cabeça (quase) na água, examinando todos os organismos vivos. Acho fascinante que o mundo natural pode se abrir para você se você tirar um tempo para admirar. Em um metro quadrado, há tanta vida e movimento a serem descobertos. Desde então, nunca mais parei de olhar e me questionar sobre os processos naturais. DRIFT se inspira nesse mundo natural para criar ambientes que conectam as pessoas dentro dele, transformando um espaço em um campo de vida e movimento. Ao criar obras de arte que reproduzem movimentos universais, procuramos provocar a mesma reação subconsciente em ambientes além do mundo natural, provocando uma sensação de admiração e poesia. O que me levaàminhaprimeiraobradearteescolhida:

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Drifter Coded Nature, Stedelijk Museum, 2018. Foto: Ronald Smits. © Studio Drift.

“ examina o processo durante o qual certos tipos de flores fecham à noitepara conservar seus recursos e como método de autodefesa. Esse mecanismo natural altamente evoluído é chamado de “nictinastia” e nos inspirou a criar . Aesculturadesce,desdobrandose e se recolhendo novamente em si mesma em uma coreografia hipnotizante, espelhando a nictinastia das flores reais. Como humanos, respondemos visceralmente a uma flor desabrochando, e nosso desafio foi dar forma a esse exato sentimento. se tornou uma obra de arte que parece viva graças aos seus movimentos imprevisíveis e naturais. Ao contrário dos objetos feitos pelo homem, os seres naturais (incluindo as pessoas) estão sujeitos a uma constante metamorfose e adaptação ao seu ambiente. é a nossa resposta à pergunta “como objetos inanimados podem imitar essas evoluções e processos naturais enquanto expressam caráter e emoção?”

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Shylight, 2023. CCBB Rio. Foto: Joana França. © Studio Drift. Shylight, 2023. CCBB Rio. Foto: Joana França. © Studio Drift.

“ é um bloco móvel de grande escala feito à mão. Escolhemos esse material de fluorocarbono devido à sua qualidade reflexiva. Se você incide luz sobre ele, os fios podem absorver e irradiar um prisma de cor. Fiquei atraída pela ideia de usar um bloco, que considero a forma definitiva feita pelo homem. portanto, representa o estado de espírito humano e como sua rigidez muda de uma perspectiva para outra; expondo emoções e mecanismos humanos como medo, esperança e estados de solidão. A obra de arte originalmente fazia parte de uma interpretação moderna de uma das óperas mais antigas do mundo – ,

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encenada pela The Dutch National Touring Opera. A instalação pairava sobre as cabeças dos artistas e mudava de forma para representar o mundo interior dos personagens no palco. Como essa foi a primeira vez que um bloco desse tamanho foi tecido, tivemos que desenvolver nosso próprio tear. Durante a apresentação, um marionetista dirigia o bloco ao vivo por meio de algoritmos e para que ficasse totalmente alinhado com os dançarinos e cantores. Isso permitia que aparecesse sólido em alguns momentos e, em outros momentos, fluido como a água.”

Ego, 2020. Ossip van Duivenbode. Foto: © Studio Drift.

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Fragile Future, 2023. CCBB Rio. Foto: Joana França. © Studio Drift.

“ foi meu projeto de graduação e evoluiu para nossa primeira arte DRIFT. A escultura consiste em circuitos elétricos tridimensionais de bronze conectados a dentes-de-leão emissores de luz. Estes são verdadeiros dentesde-leão que anualmente sãocolhidosàmãoecolados, semente a semente, a luzes LED.

Embora os dois elementos contrastem visualmente (circuitos rígidos e angulares com dentes-de-leão delicados), eles se unem como nossa visão de um cenário futuro positivo.

Embarcamos nesse projeto como uma visão crítica, mas utópica, sobre o futuro do nosso planeta, onde dois elementos aparentemente opostos fizeram um pacto para sobreviver. Com esse trabalho, espero que as pessoas olhem e valorizem a natureza de maneiras diferentes ou reveladoras. No final, toda tecnologia é baseada na natureza, e a natureza é muito mais avançada do que qualquer tecnologia que possamos inventar.”

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Flylight Carpenters.

Foto: Carpenters Workshop Gallery. © Studio Drift.

“ é uma instalação cinética de vidro. Quarenta barras de vidro são colocadas em pares e suspensas no teto. Os pontos de conexão servem como pivô para cada par, dando a impressão de que estão suspensos no espaço, atraindo uma sensação de leveza. Os fios são conectados a um sistema elétrico que move as barras para cima e para baixo. Cada par se move em uma fase diferente do outro, parecendo asas batendo suavemente. O vidro reflete a natureza e a fragilidade inerente ao movimento. Ao

Amplitude, 2023. CCBB Rio.

Foto: Joana França. © Studio Drift.

mesmo tempo, o vidro em movimento espalha a luz natural do espaço e a reflete em raios em movimento.

O movimento e os elementos móveis (dentro e fora do equilíbrio) estão presentes em toda a natureza. Sem movimento não há vida e queremos que as pessoas sintam essa essência ao vivenciar . Descrevo, portanto, esta obra como uma homenagem ao nosso desejo humano de poder voar, apesar da força da gravidade, e à poesia da persistência diante da adversidade.”

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Tree of Tenere, Burning Man, 2017. Foto: Stan Clawson. © Studio Drift.

“ é um que exibe um enxame digital interativo em tempo real, exibido em uma tela de vídeo LG de 55”. Um enxame autônomo de blocos DRIFT voadores responde ao movimento do público diante dele, refletindo tanto as infinitas oportunidades de criação na natureza quanto o fluxo contínuo de mudanças.

Coded Nature, 2023. CCBB Rio. Foto: Joana França. © Studio Drift.

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Há mais de uma década, estudamos os padrões de voo dos pássaros estorninhos em bando.Obando,comoumorganismoautônomo, expressa liberdade, enquanto os pássaros individuais devem aderir a regras estritas para não voar uns contra os outros. A imagem resultante é uma tradução maravilhosa de como vivemos juntos, como pessoas, e buscamos nosso próprio lugar dentro ou fora da sociedade.”

STUDIO DRIFT: VIDA EM COISAS • CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL •

(CCBB RIO 29/3 A 22/5/2023) • (CCBB SÃO PAULO 13/6 A 7/8/2023) •

(CCBB BELO HORIZONTE 26/8 A 6/11/2023) •

(CCBB BRASÍLIA 27/11 A 21/1/2024)

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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasil desde os anos 1990. Em 2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artes visuais mais visitado do Brasil.

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