EDIÇÃO N° 1 R$ 22,49 JUNHO 2022
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TATI GIL
Escola Superior de Propaganda e Markting Graduação em Design | Turma DSG 3B 2022 Projeto III Marise de Chirico Cor, Percepção e Tendências Paula Csillag Ergonomia Auresnede Pires Stephan Finanças Aplicadas de Mercado Alexandre Ripamonti Marketing Estratégico Leonardo Aureliano da Silva Produção Gráfica - Materiais e Processos Mara Martha Projeto Editorial e Gráfico Giovanna Laporte Gilberto Saito Maiã Vidotti Mariana Vasconcelos Tatiana Gorab
MAIÃ
GIO MARI
Olá, tudo bem? Você se interessa por moda? Você está antenado nas tendências? Tem consumido fast fashion? E por algum acaso tem se sentido culpado por isso? Então, em nossa revista iremos te ajudar a sanar essa sua preocupação! Se continuou lendo até aqui, você deve possuir certa identificação com o assunto, mas provavelmente ainda não sabe o real impacto causado pela indústria têxtil no planeta. Para começar, temos que te dizer que esta área é uma das mais poluentes que existem, portanto ela precisa de mudanças prontamente. A partir de agora, vamos te mostrar os reais problemas do mercado da moda, exemplificar os acontecimentos, além de trazer dicas e sugestões sobre o que pode ser feito para tentar solucionar esses impasses. Dessa maneira, na primeira edição da alfinete, iremos tratar de assuntos como o por trás das cenas da indústria têxil, o slow fashion comparado ao fast fashion fast fashion e dicas para um consumo mais sustentável. Também teremos uma entrevista inédita com a artista Sasha Meneghel. Venha com a gente! Juntos podemos fazer uma significativa mudança nesse imenso universo: a moda!
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Colaboradores
CHIARA GADALETA
@chiaragadaleta
Além de ser stylist e consultora de moda, Chiara é embaixadora do projeto EcoEra e se tornou sinônimo de sustentabilidade e consumo consciente no Brasil.
SARAH BAHBAH
@sarahbahbah
Estudou publicidade e chamou atenção internacionalmente com a sua série de fotos Sex and Takeout. Suas fotos instantaneamente são reconhecivéis e referências na área.
KEZIA GABRIELLA
@keziagabriella
Diretora de arte e ilustradora, suas artes são conhecidas pelas cores vibrantes que exploram a conexão humana através de formas abstradas e composição poderosa.
MARCOS MELLO
@mellotipografo
Designer e tipógrafo, hoje professor na espm e na faap, sócio diretor da Oficina Tipográfica São Paulo, ong voltada à pesquisa da memória tipográfica brasleira.
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O que vem aí... LUXO E LIXO Impacto pra Caramba
Os impactos da indústria têxtil Os prejuízos do fast fashion 16 Moda na Lata 18
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Remendando o Ambiente Moda: ela é nossa amiga? 28 Uma produção menos poluente
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MODA DO AVESSO Ponto Falso
Se liga aí 42 Fast fashion X Slow fashion 44 O fast fashion é o único vilão? 46
Silhueta Financeira
Uma aposta multi milionáia Se moldando a uma cultura Moda na Lata 62
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MUITA MODA Fazendo a Barra
O slow fahion consegue espaço Se liga aí 74
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Modefica
6 dicas para ser mais sustentável Vestimentas x atemporalidade 80 Entrevista: Sasha Meneguel 82
MIMOS
Colunas Assinadas Poema Visual 96
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O custo da moda é maior do que você pensa!
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a moda descolada da realidade
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Como a realidade O mundo está é afetada pela pagando alto indústria pela moda
I M PAC TO P R A C A R A M B A
Impactos da indústria têxtil Marcas querem que consumidores comprem o máximo de roupas, comprometendo com o desenvolvimento sustentável por ANGÉLICA WEISE
Não serão raras as críticas à indústria da moda acerca de questões sociais e ambientais. Mais e mais pessoas estão se perguntando sobre quanto este setor polui. Com mais acesso à informação, o público está mais consciente, exigindo a sustentabilidade das marcas. Vale dizer que os impactos dos negócios da moda são relevantes e fazem parte de uma agenda pública global. Estima-se que a indústria da moda seja o segundo maior consumidor de água, segundo a Global Fashion Agenda (1,5 trilhão de litros por ano), por exemplo. Mas como pensar quem produz e de qual forma é feita a cadeia produtiva? Quão conectados estamos realmente com o desenvolvimento socioambiental no que diz respeito às roupas? Quais impactos que a indústria da moda causa? E como a moda pode também propor soluções para uma sociedade pouco mais sustentável? São algumas das perguntas que guiam esta reportagem.
Quantidade excessiva de roupa que as pessoas possuem
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O que é fast fashion?
O modelo fast fashion é o que prevalece na indústria da moda. Ele se baseia na oferta constante de produtos de tendência e nos preços baixos. Para que as peças sejam produzidas em um ritmo tão rápido, as empresas usam muito mais recursos naturais e insumos químicos para fabricar as roupas. De acordo com a Fundação Ellen McArthur, a produção de roupas aproximadamente dobrou nos últimos 15 anos. Ainda segundo o levantamento, 73% dos resíduos têxteis ou são queimados ou enterrados em aterros sanitários. Cerca de 12% dos resíduos têxteis vão para reciclagem – em sua maioria, são triturados para encher colchões, utilizados em isolamentos ou panos de limpeza. Menos de 1% dos resíduos é usado para fabricar peças de roupas novas. Ou seja, há um modelo industrial que trabalha com base na produção em grande escala de roupas e no consumo excessivo. Mas há alguns bons exemplos de marcas brasileiras que vem apostando em uma pegada menos agressiva ao meio ambiente.
Alessandra Torres
Somos os culpados pelo lixo que colocamos no mundo
Uma deles é a InsectaShoes, que surgiu no ano de 2014. Barbara Mattivy, fundadora da InsectaShoes, empresa que que desenvolve sapatos e acessórios unissex com design contemporâneo e produção ecológica, vegana e brasileira reflete: “Sobre o modelo fast fashion, de forma geral vimos que toda semana, sem excessão, tem coleção nova. Para lançar uma coleção nova, é preciso tirar uma antiga. E esses produtos geralmente acabam indo para aterros. Eles não são reciclados da forma correta e, às vezes, são queimados”. Na Insecta, todo material utilizado nos sapatos é também ecologicamente correto e vegano, não havendo utilização de matéria-prima de origem animal. “Queremos focar em realmente resolver esse problema do lixo da indústria da moda e entender que somos responsáveis também pelo lixo que colocamos no mundo”, declara Barbara.
A importância dos ods
Em virtude do crescimento do modelo fast fashion, nos últimos anos se iniciou uma cobrança da sociedade pelos impactos socioambientais da moda, como os danos irreversíveis à natureza, a degradação social em regiões do mundo e o desrespeito às condições. Neste cenário, a declaração dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da onu assume papel de destaque. Destaca-se o ods 12, que trata de assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis por meio da prevenção, da reciclagem e do reuso.
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Nesse sentido, este objetivo quer auxiliar na promoção de campanhas de educação ambiental orientadas ao consumo responsável. Taciana Abreu, head de marketing da Farm, marca carioca que vem reforçando iniciativas sustentáveis, explica como a empresa vem inserindo os ods na política de atuação no que diz respeito à equidade de gênero, redução de desigualdades e questões raciais. Sobre a escolha dos materiais para confecção das peças, ela destaca a linha de jeans, que passou a ser feita 100% de algodão responsável brasileiro, que segue as certificações abr e bci de cultivo correto. Um dos desafios é a relação das empresas à moda podem dialogar sobre os impactos da indústria aos consumidores. “Como eu traduzo para o cliente a importância dele pensar em carbono e o desafio de manter a temperatura global?”, expõe Barbara. Os impactos na linha de produção também devem ser considerados neste movimento mais sustentável. Um exemplo é o trabalho da Pano Social, uma startup que tece moda sustentável e reinsere ex-presidiários no mercado de trabalho. “Os maiores impactos são sobre o que comemos e o que vestimos. A importância da olharmos para o que estamos vestindo é, mais do que nunca, visto que o planeta vem dando seus recados”, enfatiza Natacha Barros.
O consumo exagerado é prejudicial ao planeta
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Vitória Almeida
I M PAC TO P R A C A R A M B A
Abuso no trabalho
Como bem retrata o documentário The True Cost (2015), dirigido pelo norte-americano Andrew Morgan, com o fenômeno da moda rápida, também surgem preocupações sociais e trabalhistas, como o abuso no trabalho em países subdesenvolvidos. A maioria dessas empresas paga o menor salário possível para ter preços competitivos no setor. Essas marcas procuram países onde a mão de obra é a mais barata possível, o que significa que os funcionários devem trabalhar em condições desumanas que colocam em risco sua segurança. Foi o que apontou o relatório “Lista de bens produzidos por trabalho infantil ou trabalho forçado” do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, que comprovou a existência de trabalho infantil e de trabalhos forçados na indústria da moda em países como, Bangladesh, Brasil, Índia, Indonésia, , Vietnã, entre outros. Outro dado do The Global Slavery Index 2018, da Fundação Walk Free, apontou que a moda é a segunda categoria de exportação que mais explora o trabalho forçado, ficando atrás apenas do setor de tecnologia. Cerca de 40,3 milhões de pessoas estão nessa situação, das quais 71% são mulheres. No mundo, 24,9 milhões de indivíduos exercem profissões forçadamente.
Mudanças necessárias
Seguindo essa linha, em muitos locais, empresas cortam custos na gestão e na segurança para atingir o limite solicitado, o que gerou desastres como o que aconteceu em 2013 em Rana Plaza (Bangladesh). Mais de 1.129 pessoas morreram. Hoje, considerado o pior desastre de todos os tempos na indústria do vestuário. Um fato positivo é que há uma quantidade considerável de marcas emergindo para trabalhar em prol da moda sustentável e da ética, o que poderá levar a uma mudança sistêmica necessária. Afinal, consumidores se preocupam também com uma moda mais sustentável, segundo mostra a análise do Lyst, site especializado em consumo on-line. Um mercado que é perceptível pela demanda por pesquisas sobre moda sustentável – um crescimento de 66% em 2018. Com isso instituições que se dedicam à sustentabilidade da moda buscam soluções para tornar esse fenômeno menos nocivo possível. Resta a nós, como consumidores, a tentativa de consumo consciente e sustentável.
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I M PAC TO P R A C A R A M B A
Os prejuízos do fast fashion Lixão da moda? 40 mil toneladas de roupas se acumulam no deserto do Atacama. Peças fast-fashion são prejudiciais ao meio ambiente por JULIANA PERES
Muitas — mas muitas — roupas não usadas estão sendo descartadas a ceu aberto no deserto do Atacama, no Chile, formando o que se assemelha a um cemitério de fast-fashion. Segundo um relatório da afp, a enorme montanha de roupas acumuladas consiste em peças feitas na China e em Bangladesh que chegam às lojas nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Quando as peças não são compradas, são levadas ao porto de Iquique, no Chile, para serem revendidas a outros países da América Latina. Cerca de 59.000 toneladas de roupas acabam no porto do Chile todos os anos. Desse total, pelo menos 39.000 toneladas são levadas para aterros sanitários no deserto. Alex Carreno, um ex-funcionário da seção de importação do porto de Iquique, comentou à afp que as roupas “chegam de todas as partes do mundo”. Carreno acrescentou que grande parte das roupas é descartada depois, quando
Seremos “engolidos” pelas roupas que compramos
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os carregamentos não podem ser revendidos. As roupas usadas levadas aos montes do deserto para descarte agora cobrem uma faixa inteira de terra no deserto do Atacama, em Alto Hospicio, Chile. A moda rápida (mais conhecida como fast fashion), embora acessível, é extremamente prejudicial ao meio ambiente. Por um lado, a indústria da moda é altamente responsável por 8 a 10 por cento das emissões mundiais de carbono, de acordo com a onu (Organização das Nações Unidas). No ano de 2018, a indústria da moda também consumiu mais energia do que as indústrias de aviação e navegação juntas.
Bruna de Paula
O problema é que a roupa não é biodegradável e tem produtos químicos
Os pesquisadores estimam que o equivalente a um caminhão de lixo de roupas é queimado e enviado a um aterro sanitário a cada segundo. Por isso não é aceita nos aterros municipais, afirmou Franklin Zepeda, fundador da EcoFibra, ao Business Insider. A empresa de Zepeda tentam reaproveitar as roupas descartadas para fabricar painéis de isolamento, utilizando resíduos têxteis para criar isolantes térmicos e acústicos. Ademais, a velocidade com que os consumidores compram roupas não parece ter diminuído no século 21. De acordo com estatísticas da Ellen McArthur Foundation, uma instituição de caridade de economia circular com sede no Reino Unido, a produção de roupas dobrou durante 2004 a 2019. A McKinsey também estimou que o consumidor médio comprou 60% mais roupas em 2014 do que eles fez em 2000.
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M O DA N A L ATA
FICA na MODA Blusa manga babado farm R$229,00
Calça de alfaiataria ginger R$2.300,00
Blazer tweed Stella Mc’Cartney R$8.500,00
Smash bag Alexandre pavao R$719,90
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T-shirt osklen R$140,00
Calça jeans preta Reserva R$328,00
Jaqueta puffer Stella Mc’Cartney R$5.200,00
Tênis Somos Alme R$228,00
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O CUSTO DA MODA É MAIOR DO QUE VOCÊ PENSA! Para que um setor consolidado se transforme, a mudança do lado de quem consome é necessária e urgente
texto FERNANDA CAMARGO
imagens BERNARDO TORRES
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O
mundo consumista em que vivemos hoje nos cegou. Aquilo que não vemos ou não sabemos, não sentimos. Não queremos saber de onde veio ou seu processo de produção, queremos apenas saber qual é o preço. Queremos acompanhar a moda e estar por dentro de todas as tendências e devido a isso acabamos não levando em consideração aspectos importates na hora de consumir algo. Todo processo produtivo utiliza recursos naturais e humanos. Com o grande aumento da concorrência entre as empresas, o preço dos produtos se tornou cada vez mais relevante e para conseguir manter um preço mais baixo, alguém em algum lugar do mundo está trabalhando por muito pouco ou existe alguma tecnologia que está substituindo o ser humano. Quem não quer estar “na moda”, bem-vestido, chique e por um preço acessível? O baixo custo para o consumidor tem um grande efeito sobre a sustentabilidade no planeta Terra, tem impacto em diversos fatores como as mudanças climáticas, efeitos adversos sobre a água e seus ciclos, poluição química, perda de biodiversidade, uso excessivo ou inadequado de recursos não renováveis, geração de resíduos, efeitos negativos sobre a saúde humana, efeitos nocivos para comunidades produtoras.
Cuidado, porque não existe planeta B!
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Impacto ambiental
O conceito de fast fashion surgiu na década de 90, visando suprir a necessidade de um consumidor impaciente, ágil e conectado. Em uma economia em expansão, impulsionada pelo consumo excessivo e individual da sociedade, o modelo fast fashion reproduz com rapidez coleções de grandes marcas de forma constante, crescente e com baixo custo. Segundo a Forbes, em média, peças fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes e geram 400% mais emissões de carbono no mundo, do que roupas de marcas slow fashion, usadas aproximadamente cinquenta vezes. De acordo com o report da Ellen MacArthur Foundation, além do carbono emitido no processo de produção, o descarte da indústria da moda, dado o ciclo de vida curto das coleções, é gigantesco e, anualmente em torno de US$ 500 bilhões são perdidos com o descarte de roupas nos aterros sanitários. Para se ter uma ideia, na criação de peças novas, 25% de tudo que é produzido vira lixo, isso sem falar no seu descarte, onde praticamente nada tem sido reaproveitado. A indústria da moda é responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera, ficando atrás apenas do setor petrolífero. O poliéster, uma das fibras mais utilizadas no mercado fashion, é grande responsável pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais. O que poucos sabem é que são necessários mais de 200 anos para que essa fibra se decomponha. Atualmente, o mercado utiliza apenas 14% de fibras recicladas, que possuem uma pegada de carbono significativamente menor do que as convencionais. A Plastic Insights reportou que no ano de 2016 o poliéster respondeu por 55% do mercado global de fibra, seguido pelo algodão com pouco mais de um quarto. A Ocean Conservancy afirma que a cada ano oito milhões de toneladas de resíduos plásticos entram nos oceanos. Dizem que nós que consumimos peixes e frutos do mar ingerimos o equivalente a um cartão de crédito por semana em plástico. Outra fibra bastante conhecida é a viscose, que é produzida principalmente por meio da extração da celulose encontrada na madeira de árvores de rápido crescimento, onde cerca de 30% delas é proveniente de florestas nativas e ameaçadas de extinção. Segundo a entrevista de Nicole Rycroft (Fundadora e diretora executiva da Canopy), organização que batalha pelas florestas, para o The Guardian, “As florestas tropicais antigas e ameaçadas de extinção estão sendo invadidas, desmatadas e transformadas em camisetas e vestidos”. A Indonésia, o Brasil e o Canadá são os grandes países responsáveis por exportar polpa de viscose para a China. Além disso, a fabricação de viscose implica com o uso de diversos produtos químicos que acabam por ser despejados no meio ambiente sem um tratamento prévio.
O planeta Terra está cheio de plástico, e agora?
Segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil (abit), no Brasil a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano. Em 2020, 178 mulheres foram resgatadas de oficinas em São Paulo exercendo trabalho escravo. Há uma grande concentração de imigrantes e refugiados, principalmente latino-americanas nesta etapa da produção.
Impacto social
O impacto negativo do setor da moda não atinge apenas o meio ambiente, sendo profundo na esfera social. Grande parte das empresas terceirizam sua produção e as terceirizadas também “quarteirizam” o trabalho, buscando minimizar os custos de mão de obra. Segundo a World Trade Statistical Review, a Ásia é o continente o qual é o principal exportador e produtor do mercado têxtil, com destaque à China, Índia, Taiwan e Paquistão. O crescimento da China gerou um pequeno aumento no nível salarial e isso fez com que algumas marcas mudassem o foco rapidamente para países como Bangladesh, Vietnã e Camboja, onde a competição por trabalho mantinha os salários baixos e as margens de lucro mais altas. Resultado? Milhares de pessoas em países subdesenvolvidos expostas a condições subumanas de trabalho.
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Um estudo conduzido pela Boston Consulting Group (bcg) chamado Pulse of the Fashion Industry, do ano de 2019, mostra que até o ano de 2030 a indústria global de vestuário e calçados terá crescido 81 por cento, chegando a 102 milhões de toneladas de vestimentas e acessórios, exercendo uma pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta. A indústria da moda precisa reagir e trazer soluções sustentáveis com rapidez.
Bons exemplos
Um dos bons exemplos que vai na contramão da indústria é a Patagônia, fundada na Califórnia pelo escalador, surfista e ambientalista Yvon Chouinard. A Patagônia tem um olhar de sustentabilidade para a cadeia toda. A preocupação vai desde a plantação nos campos de algodão até o bem-estar dos funcionários e com toda a cadeia de produção. A Patagônia foi a primeira empresa dos Estados Unidos a vender casacos sustentáveis. No início, muitos achavam que a ideia de vender peças sustentáveis e mais caras não daria certo, mas a conscientização das novas gerações e o pedido por produtos com propósito era o que a empresa precisava para deslanchar. A história começou nos anos 50 com a fabricação e venda de equipamentos de escaladas e hoje a empresa vende roupas e acessórios para esportes radicais, emprega mais 2.200 pessoas, possui escritórios em 6 países e fatura em média US$1 bilhão anualmente. Yvon Chouinard, seu fundador, ficou amplamente conhecido no ano de 2011, depois de uma campanha pedindo para que as pessoas não comprassem seus produtos. A sua ideia era mostrar que o consumo exagerado é desvantajoso para o planeta Terra. Com a repercussão da antipropaganda, a empresa cresceu 30 por cento naquele ano. Yvon escreveu sobre a história e a cultura da empresa nos livros The Responsible Company e Let My People Go Surfing, onde ele detalha a política da empresa perante seus funcionários e conta sobre a grande paixão dos fundadores pela natureza, respeito às pessoas, e como vender roupas virou uma maneira de potencializar o ativismo da companhia. Devemos cuidar do planeta Terra
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Ser chique é cuidar do planeta e das pessoas”
Não existe uma fuga, e sim uma forma de amenizar o problema
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O fato de as lavouras de algodão estarem entre as mais agressivas para o meio ambiente sempre foi uma preocupação para Yvon. Assim, mesmo com prejuízo financeiro nos primeiros dois anos, a empresa decidiu que a partir de 1996 iria usar 100% de algodão orgânico em suas roupas, ainda que custasse o triplo do preço em relação ao algodão tradicional. O orgânico agride menos o planeta, mas ainda não é o ideal, então, a empresa começou a cultivar o algodão de forma regenerativa. A produção regenerativa ocupa o mínimo espaço possível, reveza culturas para que o solo se mantenha rico e promove parcerias com comunidades locais. Outro exemplo de uma grande marca consolidada é a Adidas que no ano de 2020 passou a utilizar poliéster reciclado em 50% de seus produtos. Até o ano de 2024 pretende chegar a 100%. A empresa também se comprometeu a reduzir 30% da emissão de carbono em 2030 (em comparação a 2017). Em 2050 a Adidas pretende alcançar a neutralidade em impactos climáticos. A Stella McCartney também acordou. Ela já utiliza algodão orgânico, náilon reciclado e viscose sustentável. Recentemente ela desenvolveu um jeans que é 100% biodegradável em parceria com a italiana Candiani Denim. Mas não precisamos cruzar o oceano para encontrar marcas com impacto positivo no planeta e na sociedade. Aqui no Brasil, a Renner passou a utilizar o algodão com certificação bci (Better Cotton Initiative). A bci é uma organização global sem fins lucrativos que certifica o processo produtivo do algodão, atentando para práticas como o uso eficiente da água, a saúde do solo, a manutenção do habitat e a qualidade final da fibra, além de prezar pelas relações justas de trabalho. Com sede na Suíça, a Better Cotton Initiative busca facilitar a produção mundial do algodão para quem o produz. E ainda contam com um sistema online que controla o percurso dessa matéria-prima até a chegada à confecção. Até 2025 a Renner pretende usar este algodão em toda sua produção. A Renner também é membro do movimento Sou de Algodão, iniciativa da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), voltada à conscientização do consumidor final para as vantagens da fibra natural. No final do ano de 2019 a marca Arezzo anunciou a nova plataforma Arezzo Futuro, que contempla uma série de mudanças, transformando desde o sistema de gestão ambiental do grupo, até produtos com atributos sustentáveis e desafios de embalagem. O primeiro passo para essa transformação foi o lançamento do tênis zz Bio, feito com fio de poliamida biodegradável, que ao contrário das fibras sintéticas, é totalmente eliminado em menos de três anos, quando descartado de forma correta em aterros sanitários. O projeto tem como objetivo posicionar o grupo como porta-voz da nova agenda de sustentabilidade no mercado de calçados.
Pequenas empresas vêm se destacando no cenário nacional e mundial, com destaque, também no Brasil, a marca de roupas Flavia Aranha, que é um exemplo incrível de sustentabilidade, utilizando matérias primas naturais e tingimento por meio de tinturas extraídas de cascas de árvores, frutos, folhas e raízes. Antigamente, muitos povos usavam recursos naturais para tingimento têxtil até identificarem que plantas davam cor aos tecidos, porém com o surgimento dos corantes sintéticos, muito desse conhecimento ficou esquecido. Atenta aos detalhes, a marca propõe o encontro entre os conhecimentos ancestrais e inovações tecnológicas visando promover impacto positivo em todos os pontos da cadeia. Outro exemplo com foco no social é o Movimento Eu Visto o Bem, que nasceu de uma empreendedora chamada Roberta Negrini. Seu sonho era criar um negócio que gerasse lucro e ao mesmo tempo fosse uma máquina de transformação de pessoas com o mínimo impacto possível no meio ambiente. A empresa produz roupas e artigos têxteis a partir de rejeitos de tecidos e usa somente mão de obra de mulheres encarceradas no sistema prisional ou em situação de vulnerabilidade social, “invisíveis” aos olhos da sociedade. O movimento oferece treinamento, condições de trabalho, geração de renda e um salário justo pelo trabalho realizado. Resultado: 70% das mulheres que integram o programa não voltaram a praticar crimes, sem falar na geração de renda familiar e nos demais benefícios sociais e ambientais gerados. É inegável que o agente primordial na transformação da indústria da moda é o próprio consumidor, cego pelas vitrines, promoções e tendências, deixa de lado todo o impacto negativo em troca do glamour e do estilo. Para que uma indústria consolidada transforme e se desenvolva, a mudança do lado de quem consome é necessária e urgente. A verdadeira sustentabilidade esta em reflexionar em soluções menos baratas e que sejam atemporais, para além da estética e que empregam a sustentabilidade para além do discurso. Ser chique é cuidar do planeta terra e das pessoas que vivem nele.
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R E M E N DA N D O O A M B I E N T E
Moda: ela é nossa amiga? Gigantes do setor fazem coalizão pela sustentabilidade, mas registro já é alvo de críticas e desconfianças dos especialistas por FERNANDA BALDIOTI
Em meio à troca de farpas com Jair Bolsonaro sobre a Amazônia, o presidente da França, Emmanuel Macron, recebeu no Palácio do Eliseu, na última segunda-feira, representantes de mais de 30 grupos, detentores de aproximadamente 150 marcas de moda, para lançar oficialmente o Fashion Pact, um pacto que visa a limitar o impacto do setor no clima, na biodiversidade e nos oceanos. Entre os objetivos estão atingir zero emissão de gases de efeito estufa até 2050, restaurar os ecossistemas naturais e proteger as espécies, e reduzir o uso de plásticos descartáveis. Para a maioria dos signatários, que vão desde marcas de luxo como a Gucci e a Prada a fast-fashions como a Zara, entrar para a coalizão exigirá grandes mudanças e investimentos significativos. Além de apontarem fragilidades no texto, críticos rapidamente viram inconsistências do discurso, como o fato de grupos como a lmvh terem destinado muito mais dinheiro para a restauração da Notre Dame do que para a causa da Amazônia, que, após o recente “Dia do Fogo”, mobilizou artistas e políticos de todo o mundo, inclusive o presidente francês. Para reduzir a emissão de gases, é preciso repensar os modelos de negócio.
A natureza é íncrivel, aprecie e cuide dela
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Ambientalistas também chamaram a atenção para a necessidade de se responsabilizar os signatários no caso de não cumprimento das promessas. A diretora educacional do Fashion Revolution Brasil, Eloisa Artuso, avalia que o pacto é um movimento setorial extremamente importante, embora as metas ainda estejam, de fato, no nível macro: “Uma nova e mais detalhada versão do texto deverá ser divulgada daqui a alguns meses. De qualquer forma, eles estão propondo que o relatório do progresso anual das companhias seja voluntário e não obrigatório. Tenho dúvidas com relação a isso. A falta de transparência nessa jornada não ajuda a avaliar os progressos e os desafios que podem ser encontrados no meio do caminho. A transparência é essencial para ajudar a garantir que as metas sejam cumpridas dentro dos prazos estabelecidos”. Os prazos, aliás, são outro ponto sensível da proposta das empresas de moda. Eloisa lembra que um estudo da Fundação Ellen MacArthur revela que as emissões de gases causadores do efeito estufa pela indústria da moda
Fernanda Ruiz
É preciso repensar os modelos de negócio
poderiam aumentar dramaticamente em 60% até o ano de 2030 se as empresas continuarem produzindo na atual escala: “A meta de zero emissões de gases até 2050 é extremamente importante, mas não sei se resolve o problema. Talvez o prazo esteja longo demais para combater a crise climática. Essa medida é emergencial e precisa ser levada a sério. Para reduzir a emissão de gases, é preciso repensar os modelos de negócio”. E aí as fast-fashions são os grandes alvos. Idealizadora do Rio Ethical Fashion, Yamê Reis enumera os problemas gerados desde o crescimento exponencial desse tipo de varejo no início deste milênio, como sucessivas coleções pressionando o consumo, roupas baratas feitas para o descarte, trabalho mal remunerado e em péssimas condições em países remotos, além de estoques excedentes incinerados – práticas também comuns, convenhamos, na indústria do luxo. Yamê lembra que foi instaurada uma comissão no Parlamento inglês que reivindica o fim do sistema fast-fashion por meio da cobrança de taxas ambientais para as marcas que seguirem esse modelo: “Isso vem sendo discutido em muitos fóruns pelo mundo, inclusive no Brasil. O Fashion Pact é o
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Fernanda Ruiz
resultado de anos de discussões e evolução de um setor que já entendeu que o modelo está falido e com sua curva descendente irreversível. As marcas já compreenderam que os que não mudarem seu estilo de produzir e comercializar não sobreviverão. “Cabe ao consumidor, cada vez mais, exigir as ações de transformação”.O Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria da moda. “Não podemos pensar em crescimento infinito, enquanto na verdade, vivemos em um planeta com recursos naturais finitos, como o petróleo, que é de onde sai o poliéster, a matéria-prima mais utilizada pela indústria da moda. O dia da sobrecarga na terra vem se antecipando a cada ano, mostrando que estamos administrando muito mal os recursos naturais que o planeta é capaz de regenerar”, completa Eloisa. Na avaliação de Damylla Damiani, consultora de estilo da espresa Damyller, a questão da redução do uso único do plástico é a mais fácil de ser alcançada: “Além de trabalhar a reciclagem como grande foco, é fundamental
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O olhar de incerteza define essa industria
que nós passamos a substituir o plástico por outros materiais à base de algodão por conta das microfibras que vão parar no oceano”. Outras metas demandam mais investimento tecnológico e podem demorar mais. Mesmo assim, para Yamê Reis, o Brasil pode e deve ser um dos líderes nessa regeneração da indústria têxtil: “Somos o quarto mercado produtor e consumidor de moda, além de termos uma biodiversidade riquíssima a ser explorada de forma sustentável, e que pode ser muito rentável ao país”. Temos os grandes desafios do pilar social e econômico, além do ambiental no que diz respeito à sustentabilidade. A urgência climática, em vez de frear a economia têxtil, pode ser um incentivo para quem souber se adaptar às novas demandas da sociedade da moda. A produção do algodão agroecológico de estrutura familiar, produzido sem agrotóxicos, por exemplo, é um dos caminhos.
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R E M E N DA N D O O A M B I E N T E
Uma produção menos poluente Como a indústria têxtil reduz o impacto no meio ambiente? Muitos não imaginam seus danos para o meio ambiente por MARCOS SAAD
A wwf (World Wide Fund for Nature) afirma que o ramo têxtil emite cerca de 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbonoanualmente. No ano de 2017, foi descoberto que são bem poucas as empresas que trabalham para desenvolver peças de roupas com a tecnologia, com o propósito de diminuir a grande quantidade de poluentes eliminados no planeta Terra e reduzir as lavagens. O agravante de tudo é que o consumo de roupas aumenta a cada ano e a indústria têxtil vê neste comportamento uma oportunidade para aumentar ainda mais sua produção. Em meio a este preocupante cenário, surge uma questão: será que as indústrias de roupas podem fazer algo para diminuir o impacto que causa ao meio ambiente? A seguir, nós levantamos algumas das principais alternativas que a indústria pode aproveitar para ter uma produção menos poluente.
Uso de matéria-prima ecológica
A redução dos danos causados começa na matéria-prima a ser escolhida. A indústria da moda pode apostar no algodão orgânico, que não leva pesticidas e outros produtos que prejudicam o meio ambiente.
Cera de abelha
A graxa pode ser um grande problema, sendo que é comumente utilizada na maioria das máquinas industriais e em vários processos. Uma boa alternativa é substituí-la pela cera de abelha, natural e não-prejudicial.
Fibra da proteína da soja
O excesso causa o desuso, daí vem o abandono
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O algodão também pode ser trocado por um fio alternativo, como é o caso da fibra de proteína da soja. Ela é derivada de produtos que não contaminam o ambiente no momento em que é produzida, pois seus resíduos podem ser reaproveitados posteriormente como ração para animais. Os filtros são importantes para evitar que partículas e gases acabem chegando à atmosfera. É indispensável para quase todas
O ramo têxtil emite cerca de 1,7 bilhão de toneladas de co2
Atenção ao uso da eletricidade
A eletricidade também faz parte do processo produtivo de uma empresa que produz roupas. No entanto, é preciso focar em máquinas e equipamentos que usem menos energia elétrica e apostar em alternativas simples para a fábrica, como a presença de sensores que apagam as luzes automaticamente quando não há mais nenhuma pessoa no local.
Bruno Siqueira
as indústrias que produzem o dióxido de carbono como resíduo de seu processo produtivo. A água é um elemento muito utilizado durante a confecção de peças de roupas, tanto que, seu uso exacerbado, se encontra entre um dos maiores impactos ambientais que a indústria têxtil causa, junto a eliminação de dióxido de carbono. O ideal é que as empresas façam investimentos em equipamentos que permitam reutilizar e tratar a água.
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A MODA DESCOLADA DA REALIDADE Indústria da moda tem dificuldade em traçar compromissos climáticos e contra o desmatamento
texto JULIANA AGUILERA
imagens GABRIEL DE MOURA
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A
indústria da moda é responsável por 4% das emissões globais dos gases de efeito estufa, se interliga com diversos problemas socioambientais como desmatamento, contaminação de solo e água, conflitos em relação a propriedade da terra com povos originários, uso de fontes não renováveis e geração de resíduos ao longo de toda sua rede produtiva. E, ainda sim, ela parece descolada da urgência climática e ambiental. Na sua quarta edição, o Índice de Transparência da Moda Brasil (itmb) aponta para o desenvolvimento na divulgação de dados sobre transparência no setor, mas deixa claro que ainda falta muito para chegarmos onde deveríamos estar. Elaborado pelo Fashion Revolution cic e Instituto Fashion Revolution Brasil, o relatório revela o nível de publicação de dados sobre política, práticas e impactos socioambientais de cinquenta grandes marcas e varejistas no mercado brasileiro. Ao todo, a análise abarca mais de 200 indicadores, como clima e biodiversidade, circularidade, igualdade de gênero e racial e respostas à covid. O itmb pontua que, apesar de a transparência não significar diretamente sustentabilidade, ela é uma ferramenta extremamente importante para jogar luz ao longo de todas as etapas da rede de valor da indústria da moda – da extração da matéria-prima ao descarte – e responsabilizar as empresas e governos pelo que está acontecendo. Em 2021, o progresso em relação à transparência na indústria da moda brasileira continua muito lento, com uma queda de 3% em relação à 2020. O documento afirma que a mudança metodológica pode ter influenciado no desempenho geral e individual – a mudança aconteceu para “impulsionar uma maior divulgação sobre ações concretas em detrimento de políticas, assim como a publicação de listas de fornecedores mais precisas no nível de matéria-prima”. Mas também deixa claro que em nível global a mesma revisão não afetou tanto as marcas como no Brasil. A pontuação média das empresas foi de 18%, sendo as maiores pontuadoras: C&A (70%), Malwee (66%), Renner (57%), Youcom (57%) e Adidas (53%). A maior parte destas marcas se A indústria de roupas domina a natureza
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concentram na faixa de 0 à 10% e, entre elas, 17 zeraram a pontuação. São elas: Besni, Brooksfield, Caedu, Carmen Steffens, Cia. Marítima, Colcci, Di Santinni, Fórum, Kyly, Leader, Lojas Avenida, Lojas Pompéia, Marisol, Moleca, Nike, Sawary e tng. Apesar de pontuarem melhor entre as empresas, as 4 primeiras tiveram uma decaída de 42% em comparação ao ano de 2020, já a Adidas estreou na análise brasileira neste ano. Essa edição segue a tendência das anteriores, na qual as marcas conseguem pontuar mais nas categorias de políticas e compromissos sobre direitos humanos e questões ambientais (30%) e pontuam significativamente menos quando se trata de processos, resultados e impactos de suas ações. Por exemplo: publicações de listas detalhadas de fornecedores (21%), informações sobre governança corporativa (20%) e procedimentos de devida diligência e avaliações de fornecedores (15%). Quando falamos sobre combate ao trabalho escravo, igualdade de gênero e racial, materiais sustentáveis, circularidade, água, desmatamento, emissões de carbono e uso de energia, a média fica ainda mais baixa (12%). Apenas em setembro de 2021, a Amazônia perdeu, diariamente, uma área maior do que quatro mil campos de futebol, registrando a pior marca mensal em dez anos. A indústria da moda tem peso sobre esses números: segundo um estudo da Canopy, mais de 200 milhões de árvores no mundo todo são cortadas todos os anos para se transformarem em celulose solúvel e, logo, em fibras como viscose, rayon, modal e liocel. Enquanto Moda e desmatamento isso, o Cerrado é a região com maior concentração de fazendas Para Eloisa Artuso, co-responsável pela elabode algodão e tem sofrido intenso desmatamento desde a década ração do itmb, enquanto a pandemia parou a de 80 – o bioma perdeu cerca de 50 mil quilômetros quadrados economia mundial e provocou uma redução de vegetação nativa nos últimos 10 anos. de quase 7% nas emissões globais, o aumento A área desmatada é transformada em plantação de soja, que das emissões de gee (Gases de Efeito Estufa) tem o algodão como cultura rotativa, e para o gado, cujo couro no Brasil, em 2020, foi de 9,5%, devido ao é utilizado em roupas, sapatos e acessórios. Todos esses lucra- desmatamento – que por sua vez, pode estar tivos negócios do agro são, hoje, a grande e principal causa de atrelado à produção de diversas matérias-pridesmatamento da Amazônia e demais biomas. Apesar desse mas usadas na moda. Diante desse cenário, é cenário, o itmb registrou que nenhuma das 50 marcas analisa- surpreendente que nenhuma marca analisada das divulga um compromisso mensurável para o desmatamento no itmb (Índice de Transparência da Moda zero. O índice global, apesar de melhor avaliado, ainda é de- Brasil) 2021 publique um compromisso mensanimador: somente 10% das marcas possuem compromissos surável e com prazo determinado para o dessobre esse tópico divulgados. matamento zero. Além disso, somente três Ao falar de desmatamento, é difícil não comentar do geno- empresas (6%) divulgam evidências de implecídio que vem acontecendo aos povos indígenas. Desde a pro- mentação de práticas agrícolas regenerativas messa feita de não demarcar nenhum hectare a mais para os e 14% publicam se estão rastreando a fonte de povos indígenas, ainda em tempos de campanha e que tem sido uma ou mais matérias-primas específicas”. cumprida, à tramitação do pl 490/2007, com o dispositivo do Aliado à questão do desmatamento, o ínMarco Temporal, os povos indígenas vêm sendo atingidos pelos dice inclui, nesta edição, a temática da agriretrocessos ambientais. O itmb chama atenção para um “claro cultura regenerativa. O itmb afirma ser um movimento contra o bem-estar do planeta e da humanidade”, “sistema de princípios e práticas agrícolas que mostrando que a moda é passiva nesse cenário. reconstroem a matéria orgânica e restauram a
Estúdio fotográfico decorado
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biodiversidade do solo”. Ele também relembra que a maioria das marcas dependem diretamente das matérias-primas para sua produção – mas apenas 6% das marcas possuem evidências de implementar práticas agrícolas regenerativas em pelo menos uma fonte de matéria-prima. Práticas agrícolas regenerativas são praticadas por comunidades de todo mundo há milhares de anos e tem o potencial de neutralizar o aquecimento do globo e fortalecer a biodiversidade e conectividade ecológica.
Compromisso com a Questão Hídrica
Das 50 grandes marcas e varejistas respondentes do Índice de Transparência da Moda Brasil: 30% publicam a pegada hídrica de instalações próprias, 12% publicam resultados de testes de efluentes de seus fornecedores, 10% publicam pegada hídrica das instalações de beneficiamento e/ou processamento, 2% publicam a pegada hídrica no nível de matéria-prima. A água é um tópico relevante para a moda por dois motivos: cuidado com o descarte correto após ser manuseada nos processamento e Decoração com natureza morta
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beneficiamento de têxteis e no consumo hídrico. A água utilizada na fabricação de roupas utiliza-se de químicos que, quando manuseados e descartados de forma inadequada, podem causar danos à saúde dos trabalhadores, das comunidades próximas e do meio ambiente. O itmb traz dados do Instituto Trata Brasil que apontam que, no ano de 2019, apenas 49,1% dos esgotos do Brasil foram tratados. A água contaminada afeta os habitats da vida aquática e a fertilidade do solo e, por sua vez, desenvolve problemas socioeconômicos para quem depende da terra e da água doce para sua subsistência. Cientes disso, o itmb adicionou um indicador ao Índice este ano em busca da divulgação dos resultados dos testes de efluentes da rede de fornecimento das marcas. Apenas 12% delas divulgam esses dados. É importante lembrar que a produção têxtil está associada não apenas à poluição da água, mas também ao agravamento de sua escassez. No geral, a produção têxtil utiliza uma enorme quantidade de água em vários estágios da rede de fornecimento – desde a produção das matérias-primas até o curtimento do couro e tingimento, tratamento e lavagem de tecidos. Das 50 grandes marcas e varejistas respondentes do Índice de Transparência da Moda Brasil: 22% publicam compromisso mensurável de descarbonização, 22% metas, com base científica, cobrindo clima e/ou outros tópicos ambientais, 0% publica compromisso para o desmatamento zero, 32% publicam, anualmente, a pegada de carbono das próprias instalações, 18% a pegada de carbono da rede de fornecedores, 10% publicam, anualmente, a pegada de carbono no nível da matéria-prima, 30% divulgam a % de uso de energia de fontes renováveis nas próprias instalações, 2% divulgam dados de redução absoluta de consumo de energia na rede de fornecedores. Apesar da emergência climática, apenas algumas das marcas são transparentes nos tópicos relacionados ao clima e à biodiversidade: apenas 22% publicam um compromisso mensurável e com prazo determinado para a descarbonização. A urgência desse comprometimento aparece em dados recentes sobre a crise climática, como os números anunciados no último relatório do ipcc (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). O relatório aponta que cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente que a anterior desde o ano de 1850. Enquanto 62% das marcas pesquisadas globalmente divulgam as emissões de carbono de suas próprias instalações, somente 32% das empresas analisadas no Brasil divulgam esse dado. Esse valor é extremamente baixo, mas ainda maior do que em 2020, quando as marcas pontuaram apenas 25%. O itmb releva que, conforme se avança na rede produtiva, esses dados se tornam mais escassos: apenas 18% das marcas publicam, anualmente, a pegada de carbono de seus fornecedores de nível 1.
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Essa falta de visibilidade abre brechas para que condições de trabalho degradantes aconteçam”
O excesso pode nos iludir
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O relatório conclui que, se as grandes marcas não rastreiam as emissões de carbono de sua rede produtiva absoluta, logo, não se torna possível calcular com precisão seus impactos climáticos no mundo. Enquanto 62% das marcas pesquisadas globalmente divulgam as emissões de carbono de suas próprias instalações, somente 32% das empresas analisadas no Brasil divulgam esses materiais. Quando falamos apenas sobre dados gerais de fornecedores, essa rede também não é bem clara. Menos da metade das marcas (40%) divulgam sobre seus fornecedores de nível 1 (instalações de corte, costura, acabamento, montagem, produto acabado, embalagem). Sobre os de matéria-prima, esse valor cai para 8%. Essa falta de visibilidade abre brechas para que condições de trabalho degradantes aconteçam – lembramos que a informalidade, baixas remuneração e trabalho análago à escravidão na moda ainda são tópicos recorrentes somente sabendo o real valor dos impactos dessa rede é que poderemos cobrar um real progresso de metas socioambientais. No painel “Descarbonização Com Netzero? A Arquitetura da Privatização Florestal”, que foi apresentado na Cúpula dos Povos, no dia 8 de novembro, Larissa Packer, da organização Grain, apontou duas proposições falsas sobre o mercado de carbono: a primeira proposição foi, a equivalência entre os distintos gases do efeito estufa. “Pressupõe que haveria uma equivalência entre as emissões de gees (Gases de Efeito Estufa) e a capacidade de remoção destas emissões e a reintrodução disso no solo – seja por bases tecnológicas ou por bases naturais”, explica, “Como se isso fosse possível”.
Moda e superprodução
A superprodução das grandes marcas e varejistas também foi um tópico levantado pelo relatório. As discussões sobre sustentabilidade na moda pairam muito em soluções como “novo design”, “novos materiais” e a crença de que, como indivíduo, podemos consumir de forma mais sustentável – sei lá o que esta palavra representa – para escapar da crise climática. Porém, o itmb traz luz ao elefante na sala: “os modelos de negócio em si, que têm como meta produzir mais e mais, precisam ser trazidos para o centro dos debates”. O relatório aponta que entre 80 bilhões a 150 bilhões de roupas são produzidas e consumidas a cada ano no mundo. Como revela o relatório Fios da Moda, no panorama brasileiro não existem dados que contabilizem com exatidão a quantidade de resíduo têxtil que vai parar em aterros, lixões e no mar. No entanto, é possível encontrar dados, como: somente na região do Brás são coletadas 45 toneladas de resíduo têxtil por dia. Fibras têxteis demoram de 10 a 20 anos para se decompor, no caso do algodão, de 100 a 300 anos, para tecidos sintéticos. O poliéster, em especial, leva 400 anos.
Informações pouco acessíveis
O formato da divulgação de informações continua bastante problemático entre as grandes marcas e varejistas. Segundo um levantamento mundial, 77 por cento dos consumidores acham difícil de entender as afirmações de sustentabilidade das marcas. Aqui no Brasil, o itmb (Índice de Transparência da Moda Brasil) enumera as dificuldades levantadas pelo público: algumas empresas comunicam informações relacionadas a direitos humanos e meio ambiente de forma pouco acessível, com falta de cuidado em relação à organização, formato, local ou até mesmo qualidade do que está sendo divulgado. Tudo isso torna os dados significativos custosos de serem encontrados e compreendidos por clientes e interessados nos tópicos. O relatório ressalta que, por vezes, dados cruciais estavam “escondidos em anexos e notas de rodapé de longos relatórios técnicos ou a dezenas de cliques a partir da página inicial”. Essa constatação é válida, inclusive, especialmente para as empresas que tem os melhores desempenhos no índice. Em outros casos, uma grande parte das informações se tratavam à respeito a apenas aos princípios da empresa ou planejamentos pontuais relacionados a uma pequena fração de suas coleções ou de sua rede produtiva. As empresas devem tornar as informações mais acessíveis a qualquer público, com uma linguagem bastante clara, com detalhamento sobre como elas identificam e tratam seus impactos. Visto isso, a contribuição de todos os indivíduos é fundamental importância para que cause, de fato, uma mudança na sociedade e nos hábitos de consumo que estamos acostumados. É preciso contribuir com ferramentas de transparência como o itmb (Índice de Transparência da Moda Brasil), campanhas como #QuemFezMinhasRoupas e Moda Sem Veneno, que incentivam grandes empresas e varejistas a mapear suas redes de fornecimento e se mobilizar para que a indústria da moda seja cada dia mais limpa, justa e de acordo com a realidade socioambiental brasileira. Assim o planeta Terra será um lugar mais limpo e saudável para todos viverem.
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SE LIGA AÍ
Júlia Codogno
Chiara Gadaleta
@juliacodogno Júlia é uma ifluencer digital que aborda temas como sustentabilidade e moda. Além de trabalhar com educação, comunicação e mentorias.
Carol Abumrad @caroldatrend Empreendedora, arquiteta, vegetariana e apaixonada por moda, Carol fundou a Trend2box, uma plataforma digital de marketing place que atende todo o país.
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@chiaragadaleta Além de ser stylist e consultora de moda, Chiara é embaixadora do projeto EcoEra e se tornou sinônimo de sustentabilidade e consumo consciente no Brasil.
Nátaly Neri
@natalyneri Cientista Social, Influencer e Youtuber, Nátaly mostra uma vida repleta de sustentabilidade e fala sobre movimentos vegano, feminista, racial e lgbtqia+.
Alice Treiwinnard
Elaine Vilatoro @livemoretravelmore Elaine é uma criadora de conteúdo digital que encoraja e valoriza esperiências de vida através de viagens. Seu Instagram é repleto de dicas relacionadas à sustentabilidade e viagens.
@alicetrewinnard Com mais de 300 mil seguidores no Instagram e cujo mote dos seus vídeos e publicações passou sempre pelo lifestyle, mergulhou recentemente no universo da inovação e criatividade e, juntamente com dois amigos e sócios, criou a Tarwi, uma marca de tremoços.
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P O N TO FA L S O
Fast fashion x slow fashion Sabe o que está mais na moda do que roupas, acessórios e sapatos? Entender mais profundamente sobre a indústria têxtil por NATHALIA MIRANDA
Por acaso você conhece os termos “moda sustentável”, “moda consiente”, “slow fashion e fast fashion”? Tais termos têm se popularizado no Brasil, com cada vez mais pessoas repensando seus hábitos de consumo. Para entendermos um pouco mais sobre esses termos, foi feita uma pesquisa usando a Stilingue, onde foi analisado o que está sendo falado nas redes sociais sobre esses movimentos da moda e por que eles estão crescendo. Movimentos contrários no mercado da moda, o Fast e Slow Fashion tem propostas e atuações distintas. Enquanto o movimento Fast preza pela produção em massa e rapidez, o movimento Slow atua de mais forma lenta. As diferenças desses dois movimentos estão presentes desde o processo de produção.
A roupa sustentável é aquela que já tem
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Entendendo os termos
No Fast Fashion são lançadas várias coleções e subcoleções ao longo do ano. Em contrapartida, no movimento Slow Fashion são desenvolvidas pequenas coleções. Além disso, no movimento Slow, há também uma preocupação maior com a humanização da confecção, ou seja, a marca faz com que o consumidor tenha acesso a vídeo ou foto de quem produziu aquela peça, entendendo seu procedimento. Antes de iniciarmos, abaixo há um glossário com termos importantes na sustentabilidade e que podem aparecer ao decorrer do artigo. Upcycling é uma técnica de reaproveitamento de materiais já existentes, transformando peças que seriam descartadas em aterros sanitários e dando um novo sentido para elas; já a Handmade é um termo que foi adotado para se referir a itens feitos de forma artesanal, ou seja, objetos fabricados sem a utilização de processos industriais e automatizados. Eco fashion é um conceito de moda que preza pela consciência de sustentabilidade no processo produtivo das peças.
Essa pesquisa analisou o período do dia 01 de Janeiro até o dia 15 de Agosto deste ano (2021), e foram retornadas mais de 16 mil publicações dentro dos assuntos de Fast Fashion e Slow Fashion. O Twitter foi o canal de maior presença de publicações, com uma parcela significativa, isso demonstra que os consumidores debatem e citam muitos dos assuntos relacionados a moda, nessa rede social. A discussão entre Fast fashion e o Slow fashion acontece em picos de notícias em que os usuários falam sobre marcas e expressam suas opiniões, geralmente dividindo os pensamentos e reflexões. No gráfico abaixo é possível identificar alguns picos que ficaram em evidência dentro desse período. O primeiro pico, acontece dia 05 de Fevereiro, e tem como evidência o termo Fast Fashion, que ganhou destaque dentro de discussões no Twitter estando ligado às maiores marcas de Fast Fashion do Brasil e do mundo, como: Riachuelo, c&a, Shein e Zara. Dentro de mais de 550 publicações coletadas nesse dia, 295 (mais de 50%) apresentam sentimento negativo, pois estão dentro de um contexto em que as pessoas questionam o funcionamento do mercado Fast Fashion relacionado ao consumo e capitalismo. O maior pico de publicações ocorreu no dia 13 de Junho e essa repercussão se deu por conta de um vídeo de um usuário do TikTok em que ele insinuava que apenas pessoas com alto poder aquisitivo conseguem comprar roupas na Zara; esse vídeo circulou, virou meme e se tornou um dos assuntos mais comentados dentro de inúmeras redes sociais.
Fast e Slow Fashion tem propostas e atuações distintas
Álvaro Carvalho
Dados Gerais
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P O N TO FA L S O
Fast fashion é o único vilão? Pense em trabalho análogo à escravidão, pilhas de roupas se acumulando em aterros e pessoas comprando cada vez mais por MARINA COLERATO
Provavelmente, quando falamos sobre isso o que vem à mente são grandes redes de fast fashion, produzindo e vendendo roupas a baixo custo, que são descartadas com facilidade. Não por menos, o desastre do Rana Plaza escancarou, mais uma vez, o problema por trás da produção das nossas roupas e reacendeu o debate sobre a produção de roupas baratas. Vez ou outra, imputamos a responsabilidade também em empresas de médio custo. No Brasil, M.Officer, Cori, Animale, recentemente Brooksfield Donna, entre outras já foram expostas quando o assunto é responsabilidade social e isso não foi esquecido. Mas onde fica o mercado de luxo nessa história? Por que nós parecemos sempre esquecer de colocar essa fatia bilionária crescente nesse cenário? Talvez porque não tenhamos noção do seu tamanho, considerando que ele só serve a uma ínfima parcela da população mundial. Entretanto, quando olhamos para o ranking mundial das marcas mais valiosas do segmento, várias delas são do mercado de luxo, e uma delas, inclusive, tem lugar garantido no pódio.
Mulher consumida pelas suas compras
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O tamanho do mercado
O conglomerado de luxo LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy), responsável por marcas como Louis Vuitton, Fendi e Dior, apareceu em terceiro lugar em valor de mercado na Global Top 10 of Largest Fashion Companies, mas suas vendas totais somaram mais de 40 bilhões de dólares em 2015, frente a 30 bilhões da primeira colocada, a Nike. Inditex, grupo responsável pela Zara, contou com 24 bilhões em vendas totais, enquanto a Chanel ficou com 7.5 bilhões de dólares e Hermés com 7 bilhões. É muito dinheiro para ser esquecido. Outro motivo pelo qual as marcas de luxo sempre escapam das críticas provavelmente reside na consciência coletiva de que produtos caros são feitos com maior responsabilidade socioambiental. Se uma bolsa custa cinquenta mil reais, provavelmente toda a cadeia foi fiscalizada e bem paga. O discurso “pague mais, mas compre menos e com mais qualidade” ajuda a fortalecer essa sensação de que uma peça cara é, necessariamente, uma peça feita com respeito às
Amanda Almeida
É muito dinheiro para ser esquecido
pessoas e ao meio ambiente, além de reforçar a imagem errônea de que quem consome bens de luxo consome pouco e que esse consumo é muito mais aceitável porque ele é mais ético. De Paris Hilton à Thassia Naves, sabemos que isso não é verdade e que essas duas celebridades não são exceções à regra. As empresas não ficam alheias no fortalecimento dessas falsas impressões. Quando olhamos para todo o marketing da Hermés envolto na manutenção de uma escola de artesãos em Lion, na França, rapidamente nos esquecemos das condições miseráveis dos trabalhadores e dos animais não-humanos em sua principal fornecedora de couros de crocodilos, no Texas. Como nos lembrou Tansy Hoskins, é bastante ingênuo da nossa parte esperar ética por parte das pessoas mais ricas do mundo.
Falta de transparência
Em abril do ano de 2021, o movimento Fashion Revolution, em parceria com a Ethical Consumer, lançou o Fashion Transparency Index, que é, basicamente, um relatório analítico que traz informações, por meio de
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diferentes índices quesitos empresariais de produção como “política e compromisso”, “rastreamento e rastreabilidade”, “auditorias e reparação”, e “governança”. Os resultados foram divididos em “baixa avaliação”, ou seja, “pouca ou nenhuma evidência de que a empresa não tem nada mais do que um “código de conduta”, que é padrão para ser seguido em momentos. No papel. A empresa faz pouco ou nenhum esforço. No sentido de ser transparente sobre suas práticas da cadeia”; “avaliação média baixa”; “avaliação média alta”; e “avaliação alta”, onde “a empresa está fazendo esforços significativos nas áreas indicadas e torna algumas, ou a maioria das, informações publicamente disponíveis”. Todas as empresas de luxo presentes no Global Top 10 of Largest Fashion Companies, incluindo lvmh, Hermés e Chanel, foram avaliadas com “baixa avaliação”, junto com diversas outras empresas de fast fashion como Forever 21. Entre as melhores avaliadas aparecem Zara e h&m. As empresas mais valiosas e com os mais altos dígitos de vendas são, também, as mais relapsas. “A falta de transparência custa vidas”, afirma o relatório. “É impossível para as empresas garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que as práticas ambientais são sólidas sem saber onde seus produtos são feitos e sob quais condições são produzidas”.
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Inserindo O Luxo No Debate
Essas informações são suficientes para colocar o debate sobre os problemas da indústria da moda em perspectiva. Estamos focando tanto em marcas e peças de roupa, que esquecemos completamente sobre conglomerados, monopólios, homens bilionários e como toda a produção de qualquer produto funciona em escala global. Passamos tanto tempo discutindo a equação preço versus produto versus sustentabilidade, que dedicamos mais esforços em questionar o valor da produção das pequenas marcas do que em acessibilidade e a crescente desigualdade social. Tanto as cifras quanto as organizações que expõe os problemas na produção dos bens de luxo servem para não nos esquecermos de que não é só moda e moda barata que explora pessoas, animais não-humanos e meio ambiente. A fatia mais significativa da moda de luxo está praticamente passando imune às críticas feitas à indústria e, por isso, não está fazendo absolutamente nada para melhorar. Quando falamos sobre os problemas da moda, é urgente falar, também, sobre mercado de luxo, desigualdades e valorização excessiva da posse.
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COMO A REALIDADE É AFETADA PELA INDÚSTRIA A moda nacional é composta majoritariamente por PME e isso é um dos maiores desafios para a sustentabilidade
texto MAGALI CABRAL
imagens ALEXANDRE NEUMANN
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A
calça jeans que provavelmente você tem pendurada no guarda-roupa pode ter percorrido até 75 mil quilômetros pelo mundo antes de ser sua. Isso sem considerar a viagem dos insumos que a compõe: o algodão que sai do campo e segue para fiação, lavagem e tingimento; os metais que das mineradoras vão para a indústria de botões, rebites e zíper; as etiquetas que, se forem feitas de poliéster, têm origem nos campos de petróleo e passam por muitos processos até estampar o nome de uma grife e, se forem de couro, acrescentem-se mais alguns milhares de quilômetros, além de ‘toneladas’ de outros impactos. Some-se a toda essa quilometragem muita quantidade. Se 20 anos atrás as marcas produziam apenas quatro coleções por ano, uma para cada estação, hoje a chamada fast fashion, que abastece as grandes lojas varejistas internacionais, produz 52, uma por semana, despejando no mercado global 80 bilhões de peças de vestuário por ano – isso sem contar o que rola no mercado informal, e no médio e pequeno varejo, onde o controle é ainda menor que sobre as grandes marcas. No Brasil, apenas 20% do mercado nacional é dominado pelo grande varejo. A moda nacional é composta majoritariamente por pme e isso, de acordo com a designer de moda e fundadora da plataforma Modefica, Marina Colerato, é um dos maiores desafios para a sustentabilidade. “Por um lado, é ótimo para a descentralização, por outro, é um inferno para a formalização.” Esses dados dão uma ideia da complexidade da cadeia produtiva da moda. Produzir grandes quantidades de roupas e calçados sem parar só faz sentido se na outra ponta as pessoas puderem comprar sem parar. Para isso, o preço tem de ser baixo, o custo de produção o menor possível e o ritmo de trabalho incessante. E está criada a fórmula do mal, responsável por situações degradantes de condições de trabalho, muitas vezes trabalho escravo, e de desrespeito ao meio ambiente. Quem se sentiria confortável dentro de uma camiseta de marca que pudesse ter sido costurada por uma jovem costureira morta no desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh (em péssimas condições de conservação, o prédio abrigava diversas confecções de várias
A moda representa diversidade
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Quem fez minhas roupas? É o que o fashion revolution incentiva todos a indagar!”
O plástico tem se tornado a película do mundo
empresas globais famosas e ruiu no dia de 24 de abril do ano de 2013, matando 1.134 trabalhadores, a maioria mulheres jovens e adolescentes, e deixando mais 2,5 mil feridos)? E se você soubesse que o algodão utilizado naquela calça jeans pendurada e largada no seu guarda-roupa veio de uma lavoura do Nordeste que intoxica trabalhadores rurais e polui diversos rios e lençóis freáticos com agrotóxicos contrabandeados e usados além do limite permitido? O que dizer das peças vendidas por confecções que exploram mão de obra de imigrantes ilegais, vivendo em situação análoga à escravidão em porões nos bairros do Bom Retiro, Brás, Pari, em São Paulo, ou no interior do estado? Presume-se que qualquer pessoa minimamente empática repudiaria produtos oriundos desse processo sujo da moda. Mas como saber o quanto de tragédia carrega uma peça de roupa que veste um manequim na vitrine glamorosa da loja do shopping center? Eis aí um inadiável desafio de sustentabilidade para a indústria têxtil: dar transparência aos processos de produção, tanto no que diz respeito aos aspectos sociais como ambientais. O desabamento do prédio de Bangladesh serviu como marco de um movimento de reação global contra o estado de descalabros no setor. Começou com o protesto dos jornalistas que faziam a cobertura da tragédia, que se despiram das peças de roupa cujas marcas estavam relacionadas às confecções do Rana Plaza. Nos dias seguintes, um grupo de líderes da indústria da moda sustentável fundou a Fashion Revolution. O movimento, hoje presente em 92 países, entre eles está o Brasil, criou a Fashion Revolution Week. Durante a semana, são promovidas diversas ações de conscientização dos consumidores para o
fato de que a compra é o último passo de uma longa cadeia de valor que envolve milhares de pessoas que podem estar trabalhando em condições muito precárias de salubridade e de renda. O consumidor pode fazer pressão, boicote e até pedir transparência.
Processo de produção
Quem fez minhas roupas? É a pergunta que o Fashion Revolution incentiva os consumidores a fazer. É o chamado consumo consciente, como explica a professora de design e sustentabilidade no Instituto Europeu de Design (ied) em São Paulo, Eloisa Artuso, responsável pela área educacional do movimento. Para ela, nas últimas décadas nos deixamos levar pelo fast fashion e passamos a consumir muito mais roupas do que realmente precisamos. Por isso, sugere: “Além de pensar duas vezes, vamos fazer com que as peças durem mais, vamos consertá-las. Vamos comprar de segunda mão. O que pode não servir mais para uma pessoa pode virar uma peça nova para outra. Vamos comprar do pequeno, promover o comércio local”. Não bastasse Bangladesh ter sido palco da tragédia do Rana Plaza, o país abriga também um dos dez locais mais poluídos do planeta, o distrito de Hazaribagh, onde operaram até
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abril deste ano, 90% dos seus 270 curtumes. Esse elo da cadeia da moda internacional, que compra couro para a fabricação de calçados, bolsas, casacos e acessórios, explorava mais de dez mil trabalhadores, entre os quais muitas crianças e adolescentes. Todos os dias, os curtumes despejavam 22 mil litros cúbicos de resíduos tóxicos cancerígenos, sem nenhum tratamento, em córregos, lagoas e canais da região.
Couro Sujo
Segundo levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (oms), 90% dos trabalhadores desses curtumes não vivem mais do que 50 anos. “Essa taxa de longevidade é pior do que a dos escravos do Sul dos Estados Unidos no século xix”, disse o jornalista, fundador da Transparentem, organização americana sem fins lucrativos que investiga casos de abusos humanos e ambientais em cadeias de suprimento. Presente à Conferência Ethos 2017, em São Paulo, ele comemorou o resultado do trabalho da Transparentem em Bangladesh: “Detectamos fornecedores de couro de 11 marcas conhecidas internacionalmente comprando insumos nos curtumes de Hazaribagh. Começamos a conversar com as empresas em outubro de 2016. Em 25 de março, a Associated Press fez uma reportagem sobre esse trabalho da Transparentem e, no dia 28 do mesmo mês, nos sentamos com os investidores de mais de US$ 2,3 trilhões da indústria e comércio calçadista para expor a situação. Em 8 de abril, o governo de Bangladesh cancelou todos os serviços de concessão de água, luz e energia desses curtumes ilegais, que foram obrigados a fechar as portas. É muito bom vencer de vez em quando”, disse Skinner. “Muitos varejistas sabiam de onde vinha o sapato, mas não o couro usado para fabricá-lo.
Um caso de cadeia
Esse mesmo tipo de rastreamento nas cadeias de suprimento nacionais é feito pela ong Repórter Brasil, cuja missão desde 2003 é identificar e tornar públicas situações que ferem direitos trabalhistas e causam danos. O jornalista e cientista social Leonardo Sakamoto, presidente da ong Repórter Brasil, conselheiro Há mais pessoas ou lixo na Terra?
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no Fundo da onu contra a escravidão e neto aquele produto foi feito. Se estou comprando de você, eu quede costureira, não acha correto responsabilizar ro que você continue produzindo.” Por isso, é preciso garantir completamente a extensão ou a complexidade informação ao consumidor. “As pessoas precisam saber que da cadeia de valor da moda pelo desconheci- uma costureira terceirizada ou ‘quarteirizada’ recebe entre mento do que acontece no setor. “Se organi- R$ 2 e R$ 6 para costurar um vestido inteiro que será vendizações de tamanho médio como a Repórter do em lojas famosas.” Brasil e a Transparentem identificam os proNa opinião de Sakamoto, mais efetivo são os movimentos de blemas, como grandes empresas multinacio- boicote de curto prazo, que provocam um efeito fogo de palha: nais, cujos proprietários estão entre as pessoas “Dentro das empresas há departamentos de responsabilidade mais ricas do mundo, não conseguem rastreá- social e de compliance que vivem ‘apanhando’ do departamen-los?”, questiona. to de produção porque tentam mudar as coisas. Quando surge Segundo Sakamoto, essa situação de preca- uma denúncia seguida de um boicote é a oportunidade desse riedade no trabalho e de desrespeito ao meio pessoal das empresas de empoderar-se e de agir. ambiente sempre esteve presente na indústria têxtil. Ela é histórica e remonta ao seu nasce- Escravos de Jó douro, à Revolução Industrial. “Na Europa, O Brasil ocupa o quarto lugar entre os produtores mundiais quando os trabalhadores consolidaram seus de roupas e abriga a cadeia produtiva completa das atividades direitos, a indústria têxtil migrou para países relacionadas à indústria da moda. Segundo a Associação Bracom farta mão de obra e baixa proteção traba- sileira da Indústria Têxtil e de Confecção (abit), o faturamento lhista ambiental”, conta. “Primeiro foi o Bra- do setor foi de R$ 37 bilhões em 2016. A parte mais agressiva sil, depois a China e agora é Camboja, Vietnã, desse contexto é a existência de trabalho escravo ao longo dos Bangladesh, entre outros.” processos. Mas a diretora-executiva do Instituto Pacto NacioA partir do momento em que os países co- nal pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPacto), Mércia meçam a efetivar direitos, os trabalhadores Silva, trouxe pelo menos uma boa notícia à Conferência Ethos: empoderam-se e a sociedade passa a exigir pa- “No caso da cadeia da produção do algodão, os resultados posidrões mínimos, a empresa de capital interna- tivos já começaram a prevalecer”. cional volta a migrar. “Se hoje a bola da vez é No entanto, o mesmo não é verdade no meio da pecuária, a Ásia, daqui a pouco será a Somália, e outros setor com muitas empresas na lista suja do mte e que, em grandiversos países da África.” de parte, ainda trabalha na fase de capacitação de pessoal para Atualmente, um grupo de trabalho ligado rastrear a cadeia. Essa lacuna na pecuária impede que empreao Conselho de Direitos Humanos nas Na- sas pequenas e médias atinjam o grau de transparência da cações Unidas, está criando, segundo o jorna- deia produtiva que almejam. lista, princípios vinculantes para substituir os Um dos elos que impedem a Vert de atingir suas metas em princípios voluntários no emprego dos direitos sustentabilidade é a cadeia do couro. A empresa consegue rashumanos. A ideia, diz ele, é responsabilizar os trear o insumo a partir de sua entrada nos curtumes. Antes dispaíses pelo mau comportamento de suas em- so, os empresários garantem aos seus consumidores apenas que presas. Assim, o próprio governo terá de obri- o couro que utilizam não provém de áreas desmatadas da Amagar os seus empresários a adotar determinados zônia. Ficam sem transparência quesitos éticos como bem-estar comportamentos necessários. animal e boas relações trabalhistas nas fazendas. A ong Repórter Brasil lançou no ano pasAs grandes varejistas também começam a apresentar as prisado o aplicativo Moda Livre, onde estão lis- meiras iniciativas de sustentabilidade, para reduzir impactos tadas mais de 100 marcas de vestuário com ambientais como sociais. Recentemente a marca de roupas c&a avaliação do que fazem para combater o tra- lançou uma nova linha de camisetas com Certificação Cradle balho escravo na cadeia de valor. Gratuito, o to Cradle, nível gold. aplicativo já teve mais de 100 mil downloads. Essas camisetas foram feitas com algodão “sustentável” e A ideia é ajudar o consumidor a fazer pressão preparadas para serem recicladas no futuro, ou levadas para na hora das compras.Para Sakamoto, com- a compostagem. “Os varejistas já têm se movimentado nesse prar é um ato político. “Quando uma pessoa sentido, mas, pelo tamanho e pelo tanto de impacto que caucompra, deposita o seu voto na forma como sam”, arremata Artuso.
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S I L H U E TA F I N A N C E I R A
Uma aposta multi milionária Os mineiros Aloysio e Matheus fundaram a Urbô, que aposta em peças feitas com borra de café e fibra de banana por PAULO GRATÃO
Aloysio Rebello e Matheus Menezes, ambos com 29 anos, se conheceram na faculdade de engenharia e hoje são sócios. Os dois são donos da Urbô, empresa de moda minimalista, que faturou R$ 9 milhões em 2021 com peças feitas a partir de matérias-primas sustentáveis, como borra de café e fibra de banana. Eles vendem por meio do próprio e-commerce e em mais de 300 varejistas multimarca. O plano é tornar a marca mais conhecida nacionalmente, e faturar R$ 12 milhões.
De onde a ideia surgiu
Quando se formaram, em 2015, ambos estavam insatisfeitos com seus antigos empregos e já buscavam algum setor para empreender. A ideia da Urbô surgiu quando Rebello tentou comprar uma camiseta pela internet e percebeu como o processo era cheio de atritos. Os dois pensaram, então, em empreender com um e-commerce de camisetas. Quando eles começaram a pesquisar sobre produtos, viram que seria necessário ter um diferencial significativo. “Queríamos uma variável que fosse nos potencializasse no mercado. Fomos estudar o
O jeans é sustentável ou é poluente?
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efeito da indústria na natureza e como era feito lá fora”, explica Menezes. Na época, o mercado já falva sobre como minimizar os efeitos da indústria têxtil sobre o meio ambiente, e os empreendedores tinham contato com startups de pegada mais consciente. Isso os inspirou a criar a Urbô, no ano de 2016.
O início de um sonho
A dupla sabia que montar uma empresa não seria uma tarefa fácil de fazer, por isso, o primeiro passo tomado por eles foi mapear as possibilidades de fornecedores para seu negócio. Menezes diz que eles priorizaram o impacto ambiental, mas também o custo-benefício do item durante a seleção. O uso de matérias-primas como borra de café e fibra de banana é recente e, por essa razão, o custo é devidamente maior. “Ainda não trazem lucro, mas bancamos o produto porque entendemos que tende a baratear com o passar do tempo”, afirma. Além dessas opções, eles trabalham com itens como cânhamo, garrafa pet reciclada e algodões natural, egípcio e pima.
Os dois começaram vendendo camisetas e bonés por um e-commerce próprio, mas em pouco tempo conseguiram fechar parcerias com lojas multimarcas que se interessaram pela proposta da Urbô. Quando os empreendedores perceberam esse interesse, resolveram ir atrás de possíveis parceiros. “Colocamos a mala no carro e fomos bater de porta em porta em lojas de Minas Gerais”, lembra Menezes. Esse movimento coincidiu com o início da pandemia, o que fez com que os jovens empreendedores tivessem vantagens sobre grandes marcas, segundo Menezes, por terem um custo operacional mais baixo e mais margem para negociação. “Os parceiros enxergaram uma marca jovem, com característica sustentável e um viés interessante.” Assim, passaram a ocupar lugar nas prateleiras ao lado de nomes já consolidados no mercado. Eles também apostam nas estratégias de marketing online e off-line. “Do ponto de vista online, todos os produtos são fotografados com foto still, foto externa, vídeos de coleção, sugestões de stories, enfim, um amplo arsenal para o trabalho diário dos lojistas e usamos
Victor Andrade
Colocamos a mala no carro e fomos bater de porta em porta em lojas
estes materiais nas nossas redes sociais”, diz Menezes. Para o off-line, a proposta é enviar sinalizadores de loja, por exemplo.
Deu tudo certo
Com o crescimento, a marca passou de um patamar de 25 itens por coleção para mais de 350 intens. Um dos chamarizes, segundo Menezes, é a grande variedade de jeans, com modelagens diversas: carrot, skinny, straight e slim fit. Hoje a Urbô tem uma fábrica de 1,1 mil metros quadrados e um centro de distribuição de cerca de 700 metros quadrados. A empresa emprega diretamente 35 funcionários e mais de 150 de forma indireta. Além das coleções próprias, os jovens já têm planos de colaborações com marcas de outros segmentos para este ano, além de parcerias com influenciadores digitais nacionais e internacionais, com aderência ao tema de sustentabilidade. “Isso vai nos ajudar a gerar mais faturamento e conhecimento de marca, o que pode potencializar nossa venda no varejo”, finaliza o empresário.
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S I L H U E TA F I N A N C E I R A
Se moldando a uma cultura A grife de luxo britânica Burberry adere ao movimento “see now, buy now”, com objetivo de levar as peças às lojas logo após o desfile por MAURÍCIO NEVES
Em tempos de compras online e lojas de departamento lançando coleções novas a cada semana, o tempo passa a ser decisivo entre as marcas que lideram o número de vendas. Passamos para 2019. O termo “slow fashion” começa a se popularizar, ainda que timidamente, e corrompe todos os conceitos promovidos até então. Moda, mais do que seguir tendências, agora é sustentabilidade. De acordo com um estudo da revista Environmental Health, publicado em 2018, aproximadamente 85% do vestuário que norte-americanos consomem são enviados para aterros sanitários como resíduos sólidos. Apesar de ser um mercado que fatura 1,2 trilhão de dólares anualmente, cerca de R$ 4,8 trilhões, seu impacto ambiental preocupa: a indústria da moda é a segunda que mais polui o meio ambiente, ficando atrás apenas do petróleo. Em contrapartida à fast fashion, conceito que prioriza a venda de produtos baratos, de pouca qualidade e que chegam rápido às lojas, um novo termo passa a integrar o vocabulário: batizado de slow fashion, seu objetivo é desacelerar o consumo de produtos na industria da moda. Por um lado, as mercadorias possuem maior qualidade e durabilidade. Por outro lado, o preço um pouco elevado pode desagradar o cliente afetando sua decisão de compra. Roupas da moda são a melhor solução?
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Aproveitamento de peças
Em 2015, a especialista em consumo consciente Chiara Gadaleta criou o Prêmio Ecoera em prol da sustentabilidade nos universos da moda, beleza e design. No ano passado, a premiação homenageou a marca Coletivo de Dois por aliar comércio justo, práticas sustentáveis e empoderamento de gênero. “Nós compramos materiais com defeitos de impressão, sobras de rolo, peças que para o comércio tradicional não tem mais valor. Aproveitamos o material, só descartamos o que não tem mais como emendar”, revela Daniel Barranco, que fundou a marca com o parceiro Hugo Mor. Nesse período, costuraram mais de duas mil peças e conseguiram reaproveitar aproximadamente 150 quilos de retalhos, que iriam para o lixo. Segundo um levantamento feito pelo site ThredUP, a compra de produtos de segunda mão aumentou 25% em apenas um ano. Esse tipo de mercado pode se enquadrar como disseminador da moda sustentável, já que incentiva o comércio de segunda mão e prolonga a vida útil das peças em bom estado.
Gabriela Petroni
Desapegos
“A principal missão da Boutique é difundir o consumo consciente, minimizar danos, aumentar a vida útil de itens descartados e reutilizá-los”, conta Rebeca Oksana, que fundou a Boutique São Paulo há quatro anos. A princípio, a jovem de 24 anos vendia “desapegos” pelo Instagram, mas viu o negócio crescer quando passou a visitar brechós de São Paulo para garimpar novas peças. Com a demanda, criou o e-commerce para vender não somente produtos de segunda mão, mas também peças No mercado de calçados há cinco anos, a novas. “Meu foco era trazer peças autênticas, Insecta Shoes acumula números surpreendenúnicas e de qualidade, que não seriam encon- tes de reciclagem: 21 mil garrafas plásticas, 2 tradas em lojas de fast fashion. Era uma insa- mil metros de tecido, quase uma tonelada de tisfação minha e que eu acreditava que algu- algodão, mais de 1.600 quilos de papelão e mas pessoas compartilhavam”, explica. 6.800 quilos de borracha já foram reciclados Segundo estimativas do Sebrae, o mercado pela marca paulistana. têxtil brasileiro produz cerca de 170 mil toFundada por Bárbara Mattivy, a marca neladas de resíduos por ano. Para Rebeca, é surgiu com a ideia de aproveitar peças com preciso diminuir o impacto ambiental causado pequenos defeitos. “Nós tentamos ao máximo pela moda, seja não adquirindo peças novas tirar materiais que estão no lixo e ressignificáou diminuindo o consumo desenfreado. “Acre- -los, transformando tudo em sapato”, conta. O dito que o garimpo e o consumo de peças de solado, por exemplo, é feito de borracha reasegunda mão andam de mãos dadas com um proveitada, enquanto os tecidos vêm de garraestilo de vida mais consciente. O mundo da fas pet recicladas. moda precisa de uma revolução e nós estamos O processo de produção da Insecta Shoes é tentando, aos pouquinhos, fazer isso aconte- artesanal e livre de crueldade animal, demonscer”, vibra o empresário. trando uma preocupação além da sustentabilidade. Além disso, trabalham com a logística reversa: “quando o cliente não quer mais usar o sapato, nós recebemos ele de volta para fazer a reciclagem da forma correta”, comenta; pensando nos consumidores.
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M O DA N A L ATA
FICA na MODA Blazer Emiliana Stella Mc’Cartney R$1.298,00
Cropped jeans winnie GINGER R$428,00
Saia recortes VENTANA R$428,00
Bolsa circo FARM R$598,00
Air Jordan 1 NIKE R$999,90
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Camiseta OSKLEN R$227,00
Boné Go green Somos Lume R$137,00
Shorts OSKLEN R$297,00
Sapatênis RESERVA R$419,90
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O MUNDO ESTÁ PAGANDO ALTO PELA MODA Produção em massa de tecidos causa danos ambientais ao planeta; pessoas têm tendência a descartar mais rápido vestuário barato
texto ISABELLE GERRESTSEN
imagens HUGO COMTE
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C
lientes entraram na loja da h&m do centro de Londres no último verão, a primeira coisa que viram foi um vestido azul marinho florido, pendurado no ponto de maior destaque da loja. Colocado à venda por apenas 4 libras (ou cerca de R$ 28), o vestido trazia mais do que o preço baixo: havia nele uma etiqueta verde com a palavra “Conscious” (consciente). Mais à frente no corredor, lixeiras de reciclagem foram colocadas ao lado de uma coleção de camisetas e vestidos listrados. Tal configuração não é incomum nas 4.473 lojas da h&m em todo o mundo, já que a empresa quer ser vista como campeã da luta contra as mudanças climáticas. O império sueco de roupas executa uma série de programas de sustentabilidade, incentivando os clientes a trazer de volta roupas indesejadas para reutilização. Desde 2002, a empresa divulga relatórios anuais de sustentabilidade. Sua primeira coleção Conscious, usando algodão orgânico e materiais reciclados, saiu em 2010. Mais recentemente, o h&m Group anunciou um plano para fabricar todo o seu vestuário a partir de materiais reciclados ou de origem sustentável até 2030. Outra ideia foi criar estações de costura de “conserto e reforma” em lojas selecionadas e testar o aluguel de roupas em Estocolmo.
Não somos descartáveis!
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Como seus outros rivais da fast fashion, como é conhecida a indústria da moda rápida, a h&m tem como principal modelo de negócios os preços baixos, consumo rápido e as tendências que mudam rapidamente – elementos que estão em conflito direto com sua missão de sustentabilidade. A indústria da moda global produz uma enorme quantidade de resíduos – um caminhão de lixo carregado de roupas é queimado ou enviado para um aterro sanitário a cada segundo, de acordo com um relatório da Ellen MacArthur Foundation, organização sem fins lucrativos que trabalha para melhorar o registro de sustentabilidade do setor da moda. Quando uma camisa custa 5 dólares, ela é rapidamente mirada como descartável. Temos maior probabilidade de desvalorizar roupas mais baratas produzidas em grandes quantidades do que itens mais caros, de acordo com um estudo de 2009 sobre hábitos de consumo. A h&m está bem ciente do problema. Hendrik Alpen, gerente de engajamento em sustentabilidade da empresa, admitiu que o setor de fast fashion está lutando para equilibrar seu compromisso climático com o desejo de atender às demandas dos consumidores. “Não é tão complicado quanto é estudar física quântica, basta observar e analisar como a população global se desenvolverá até o ano de 2040, quando a população do mundo poderá ser de nove bilhões de indivíduos. Naturalmente, isso é incrível da perspectiva de ter um número maior de clientes em potencial”, disse Alpen à cnn Business. “Mas se dermos uma olhada mais a frente, para as fronteiras planetárias, a conta não fecha”, admite ele.
As roupas estão prejudicando o planeta
Coletivamente, a indústria global da moda produz quase quatro bilhões de toneladas métricas de emissão de gases de efeito estufa, ou 8,1% do total mundial, de acordo com a Quantis, uma consultoria climática que analisa o impacto ambiental da indústria da moda. Esse cálculo inclui os sete estágios da vida de uma peça de vestuário, começando com a criação das fibras usadas para fabricá-la (o cultivo do algodão, por exemplo), até a montagem da roupa e, por fim, seu transporte e venda. As estimativas consideram vestuário e calçados. Quando você vai ao shopping, é difícil entender as consequências globais dessas aquisições individuais. Mas considere o impacto de uma camiseta de algodão ou uma calça jeans por exemplo. O processo de confecção de uma camiseta de algodão emite cerca de cinco quilos de dióxido de carbono – a mesma quantidade gerada em uma viagem de carro de 20 quilômetros. Além disso, a fabricação usa 1.750 L de água. Isso ocorre porque o algodão é uma cultura que usa muita água. A irrigação ineficiente, assim como o processo de branqueamento e tintura, aumentam o uso da água, explicou a Quantis à cnn Business.
A produção de uma calça jeans consome ainda mais água (cerca de 3.000 litros) devido ao tingimento e ao branqueamento envolvidos no seu precesso de produção, segundo cálculos da Quantis. Fabricar apenas uma única calça emite cerca 20kg de gás carbônico, praticamente a mesma quantidade produzida durante uma viagem de carro de 80 quilômetros. Existem algumas maneiras mais sustentáveis de cultivar o algodão, que incluem o uso prioritário da água da chuva, rotação de culturas para preservar a qualidade do solo e o uso limitado de pesticidas. No entanto, o algodão sustentável permanece sendo um dos produto de nicho, representando apenas cerca de 15% do total global do ano de 2017, de acordo com a CottonUp Initiative (um recurso prático para informar e orientar líderes empresariais e equipes de abastecimento sobre os problemas,
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benefícios e opções para o abastecimento de algodão de uma maneira mais sustentável). Em 2017, a indústria da moda sugou cerca de 79 bilhões de metros cúbicos de água, o suficiente para encher quase 32 milhões de piscinas olímpicas. E só deve piorar. A Global Fashion Agenda (gfa) e o Boston Consulting Group ( bcg) estimam que o uso de água na indústria da moda aumente outros 50% até o ano de 2030. Segundo eles, esse uso abusivo da água ameaça principalmente os países produtores de algodão, que estão rapidamente ficando sem acesso a esse recurso natural. Pesquisadores do Twente Water Centre, da Universidade de Twente, na Holanda, afirmam que quatro bilhões de pessoas sofrem de escassez severa de água por pelo menos um mês por ano. Quase metade dessas pessoas vive na Índia e na China, os dois países mais produtores de algodão do mundo. Outro país fundamental na produção de algodão é a Ásia Central, onde essa cultura foi parcialmente responsável pela seca de um dos Mares da região, o Mar de Aral. Ele que já foi um dos quatro maiores lagos de água doce do mundo. A questão não se encerra com a produção. Lavar roupas também pode ter um efeito prejudicial ao meio ambiente, principalmente por causa de materiais sintéticos, como o poliéster, que contêm fibras plásticas. Após muitas lavagens, essas fibras se decompõem em microplásticos, que podem chegar aos oceanos e prejudicar a fauna marinha. “Sessenta por cento dos materiais usados pela indústria são fibras plásticas, cuja lavagem polui os oceanos com resíduos equivalentes a cinquenta bilhões de garrafas plásticas por ano”, comentou Francois Souchet, que lidera o programa Make Fashion Circular (mfc), da Ellen MacArthur Foundation, unindo os principais atores do setor para desenvolver uma moda cada vez mais sustentável. O fabricante de jeans Levi Strauss está em uma missão para substituir isso. Durante anos, a empresa incentiva seus clientes a reduzir o número de vezes que lavam seus jeans. Um relatório do ano de 2013 encomendado pela empresa revelou que a lavagem costumeira era responsável por 23% da água usada no ciclo de vida de seus jeans. A marca Levi’s também encontrou uma outra maneira para fabricar seus jeans desbotados. Ela inclui utilizar apenas um dedal de água e gás ozônio ao invés do método considerado tradicional, que pode desperdiçar até quarenta e dois litros de água. A empresa também aproveita de pedras ao invéz de água para obter a aparência de “danificados”, uma técnica que reduziu em noventa e seis por cento o volume de água utilizada no acabamento de vestuário desde o ano de 2011, segundo a empresa. O fabricante de jeans Levi Strauss está em uma missão para substituir isso. Fabricar apenas uma única calça emite cerca de vinte quilos de gás ozônio.
Quanto você quer essa peça?
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O alto preço da sustentabilidade A marca h&m lançou sua Coleção Conscious em 2010. Para se qualiflcar para a etiqueta consciente, as roupas necessitam conter pelo menos 50% de materiais sustentáveis, como por exemplo algodão orgânico ou poliéster reciclado, de acordo com o site da h&m. A empresa foi acusada pelos clientes de fazer greenwashing por ser vaga sobre as credenciais de sustentabilidade da coleção. No meio do ano passado, a Autoridade Norueguesa do Consumidor (nca) enviou uma carta à h&m, acusando a empresa de enganar os consumidores com reivindicações de sustentabilidade excessivamente vagas associadas à sua coleção Conscious. A nca disse à cnn Business que as informações no site da marca h&m não especiflcavam a quantidade de material reciclado usado em cada peça. “Nós acreditamos que essa é uma informação a qual o consumidor deve ter em mãos, pois a roupa é comercializada como reciclada”, opinou Elisabeth Lier Haugseth, diretora geral da nca. “É preciso ter consciência se isso representa 2% ou 50% do material da roupa.” Quando perguntado sobre o tópico, Alpen, gerente de sustentabilidade da marca h&m, pronunciou que a empresa assumiria as críticas e aprenderia a “comunicar esse valor extra” aos consumidores do produto. A coleção Conscious inclui itens como uma jaqueta rosa vegan feita de Pinatex, um material bastante similar com couro feito de resíduos de abacaxi e poliéster reciclado, em vez de couros de animais. O problema é que seu preço de saída é de 299 dólares. Esse preço, que se destaca em um mar de roupas superbaratas, ilustra uma dura verdade: embora a marca h&m esteja se esforçando mais para falar sobre as mudanças climáticas, é muito difícil ampliar práticas sustentáveis e ainda manter os preços reduzidos. O problema é que seu preço de saída é de US$ 299. Desenvolvido pela especialista em artigos de couro Carmen Hijosa, a Pinatex tornou-se um material bastante procurado. Hijosa se juntou a diversos estilistas de luxo, incluindo Hugo Boss, Dolce Gabbana, Gucci, Prada e Louis Vuitton e Trussardi, além de colaboração na marca h&m.
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Cada um faz sua parte
A empresária busca desenvolver a sua empresa para que a Pinatex possa eventualmente fornecer a uma maior quantidade de fabricantes de roupas uma alternativa de couro por um preço mais baixo. Por enquanto, ela reconhece que a jaqueta de US$ 299 de dolares da h&m provavelmente está além do alcance de muitos dos indivíduos que consomem da marca. Mas Carmen Hijosa também disse à que cabe aos clientes desempenhar o seu papel – comprando produtos menos descartáveis e que durem mais tempo. “Nós, consumidores, temos muito poder. Acho que todos nós sabemos que não precisamos de vinte camisetas. Talvez seja melhor pagar um valor mais caro e ter apenas duas camisetas”, observou. “Acho que nós estamos muito, muito mais conscientes do que eramos no passado”, acrescentou. “As pessoas agora, param por cinco segundos e pensam: ‘se eu comprar esta peça, será um desperdício na minha vida daqui a alguns meses, se eu comprar aquilo, vai durar um período maior de tempo. Custa mais caro, mas também é algo que eu vou utilizar em maior quantidade, então valerá bem mais a pena!”. As empresas que geram fast fashion produzem bilhões de peças de vestuário a cada ano para levar as últimas tendências do mundo da moda aos seus clientes. Os críticos, do Greenpeace ao Parlamento do Reino Unido, dizem que essa produção em grandes quantidades ajuda a promover a convicção de que as roupas são descartáveis e incentiva os indivíduos ao desperdício excessivo. Mais da metade dos itens de fast fashion são descartados em menos de um ano, de acordo com estimativas da consultoria McKinsey & Company. Em seu relatório “Fixing Fashion” de 2019, o comitê de auditoria ambiental da Câmara dos Comuns do Reino Unido propôs que o governo inserisse um imposto de fast fashion para combater a mentalidade descartável dos consumidores.
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O custo da moda não devia ser o planeta”
O verdadeiro problema da indústria
“O verdadeiro e grande problema que a indústria da moda rápida (fast fashion) enfrenta em meio a sociedade diariamente, é que, se você estiver vendendo um produto por 5 libras, as pessoas não vão tratá-lo com nenhum respeito por se tratar de um produto mais barato e, no final de sua vida útil, ele estará na lixeira e em aterros sanitários”, disse Mary Creagh, a parlamentar que presidiu o comitê. O imposto proposto era pequeno, apenas um centavo por item. Os legisladores queriam usar da receita para impedir que as roupas fossem parar em um aterro sanitário. Por fim, o governo rejeitou a ideia, dizendo que queria se concentrar na eliminação do plástico descartável primeiro, que esse era o foco principal deles. Em uma tentativa de fazer sua parte, a marca h&m lançou um programa de reciclagem no ano de 2012, permitindo que os clientes trocassem roupas indesejadas por cupons de desconto. O último relatório de sustentabilidade da empresa h&m declarou que, das peças de roupas coletadas, 50% a 60% foram classificadas para reutilização. Cerca de 35% a 45% foram reciclados para se tornarem produtos fora do mundo da moda, como por exemplo panos ou materiais de isolamento, ou se transformarem em novas fibras têxteis. Os 3% a 7% restantes que não puderam ser reciclados foram queimados para a produção de energia. E 0% acaba em aterros sanitários. A empresa pretende operar um modelo de negócios 100% circular até o ano de 2030, o que significa garantir que “não haja fim da vida útil dos materiais, mas criando um ciclo fechado em que tudo seja usado pelo máximo de tempo possível até ser finalmente reciclado”, detalhou Alpen. Em todo o planeta a partir de 2015, 73% das roupas tiveram como seu destino final os aterros sanitários ou incineradores porque não podem ser recicladas, de acordo com a Ellen Mac Arthur Foundation. O principal e grande desafio no mundo da moda é a grande falta de infraestrutura de reciclagem de têxteis. A tecnologia permite que menos de 1% das roupas sejam recicladas, disse à cnn François Souchet, que lidera o programa Make Fashion Circular da Ellen MacArthur Foundation. “Os produtos não foram projetados para ser transformados em novos itens. Com os materiais usados você não pode reciclar economicamente as roupas”, acrescentou ela. A maioria dos especialistas e empresas de moda reconhece que a tarefa à frente exigirá uma infinidade de soluções e tecnologias que ainda não estão disponíveis. “Não acho que exista um negócio de moda verdadeiramente sustentável, mas, olhando para o resto da indústria da moda hoje, posso dizer com muita confiança que a marca h&m é uma das opções mais sustentáveis dentro desse cenário”, sustentou Alpen.
A grande e verdadeira fortuna
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FA Z E N D O A B A R R A
O slow fashion consegue espaço Em entrevista à Bússola, empreendedora explica conceito que une modelo de produção com responsabilidade ambiental por RENATA RUSSO
O termo slow fashion, criado por volta de 2004, em Londres, por Angela Murrills, escritora de moda da revista Georgia Straigh, virou tendência no setor de vestuário. Visto como um movimento que valoriza a produção desacelerada, esse conceito se aplica em respeito ao meio ambiente e também às condições de trabalho dos profissionais do setor, o que atrai, principalmente, consumidores que colocam o propositivo como fator decisivo de compra. O conceito vai totalmente na contramão do fast fashion, uma linha de produção que prioriza a fabricação em massa e oculta os impactos ambientais do ciclo de vida do produto. A Bússola conversou com a diretora de marketing e sócia-fundadora da grife Toda Frida, Daiana Moreira. A marca catarinense de moda retrô apostou no conceito slow fashion desde sua criação. Bússola: O slow fashion tem ganhado espaço no Brasil, com marcas em buscando um consumo mais consciente. Diante disso, você acredita que a prática é apenas um movimento ou um mercado para a moda? Daiana Moreira: Eu acredito ser um movimento sim, mas também um mercado com oportunidade de crescimento para empresas que querem atingir um público mais consciente de suas escolhas e mais preocupado em “Estar” na moda vale todo esse problema?
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consumir produtos que façam sentido em seu lifestyle. Fundamos a Toda Frida em 2014 e o termo slow fashion e o conceito eram algo ainda muito desconhecido no Brasil.
Dispostos a pagar?
Ao longo dos anos, começamos a trazer isso para nossas clientes e para as futuras compradoras da marca. O que constatamos foi um público que valoriza produtos duráveis, que ao consumir busca saber quem fez a peça e como o fez. Para nós é uma forma de unir um movimento de produção melhor para o planeta no longo prazo, com a oportunidade de negócios e crescimento de um mercado disposto a pagar por isso, por ter a mesma visão de mundo. Com o crescimento do slow fashion no país, a concorrência também aumenta. Como a Toda Frida se destaca nesse meio e o que a marca busca transmitir com essa prática? A meu ver, o aumento da concorrência é algo positivo. Significa que mais marcas estão alinhadas no mesmo propósito e isso é melhor tanto para o planeta quanto para quem
consome. Na Toda Frida trabalhamos com produtos 100% autorais, você não vai encontrar nada totalmente igual ao que a Toda Frida faz., esse é um dos nosso maiores critérios. Isso, por si só, já faz com que tenhamos destaque para o público que consome produtos slow fashion no estilo retrô romântico que é nosso nicho de mercado. Além disso, damos às consumidoras uma experiência de compra diferenciada das demais marcas, sempre trazendo novidades que vão além dos produtos em si: presentes, embalagens especiais e atendimento pré e pós venda humanizado e eficiente. Como você acredita que a moda vai se desenvolver no mundo pós-pandêmico e, talvez, ainda muito consumista? Tenho visto um movimento crescente de brechós e marcas novas dentro do slow fashion. Ao mesmo passo, observo as fast fashion cada vez mais produzindo aceleradamente as roupas das tendências de influencers, principalmente visando um público mais jovem e imaturo. Penso que as pessoas vão continuar neste modelo de consumo. Com o crescimento do slow, a concorrência também aumenta. Durante a pandemia notamos o aquecimento do mercado de moda. Ao mesmo tempo, percebo que a forma de consumo irá se modificar ao longo do tempo, dos anos e das gerações.
Bruno Siqueira
O que a marca quer com esse movimento?
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SE LIGA AÍ
Somos Alme
@somosalme Somos Alme é uma marca nova de sapatos criada com o intuito de levar conforto a todos e ao mesmo tempo prezando a sustentabilidade. A marca utiliza uma tecnologia de palmilha de memória ao desenho anatômico das formas.
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Festival Path
Care Natural Beauty
@festivalpath A primeira marca brasileira de skincare e skincare colorido. Produtos cruelty-free com os melhores ativos orgânicos da natureza em sua máxima concentração.
@festivalpath É o maior evento e mais diverso de inovação e criatividade do Brasil. Palestras, shows, filmes e entre outras atividades fazem do Path uma rica e experiência incrível envolvendo educação, negócios e entretenimento.
Caudalie
@caudalie Caudalie é uma das marcas pioneiras do mundo da estética, sempre oferecendo a fórmula mais natural e eficaz possível. A empreendedora Mathilde Thomas viu a oportunidade de ouro nas uvas sem uso da vinícula de seu marido.
LAB 77
Menos 1 Lixo
@menos1lixo Um movimento focado em empoderar o indivíduo capaz de trasnformar o mundo através de pequenos gestos. Propõem um consumo consciente e sustentabilidade na prática pra você!
@lab77store A Lab Sete Sete é um laboratório criativo, para o desenvolvimento de produtos autênticos, sustentáveis e com a melhor qualidade. O seu objetivo como marca é criar aquela peça que vira seu objeto de desejo. Acreditam que sustentabilidade e responsabilidade social são obrigações no mundo de hoje.
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MODEFICA
6 dicas para ser mais sustentável Quer ser mais sustentável ao se vestir? Nem sempre as pessoas param para refletir sobre esse assunto por AMANDA STUCCHI
A sustentabilidade está no nosso dia a dia, desde o momento em que acordamos até o momento que dormimos. Podemos escolher usar menos água ao escovar os dentes, apagar a luz quando saímos do cômodo, reutilizar materiais, comprar de forma consciente, buscar alimentos que causam menos impacto ambiental. Portanto, o jeito com que nos vestimos também causa impacto ambiental. Já falamos aqui no Vegan Business que a indústria da moda é responsável pela emissão de 10% de carbono global (isso é mais que todos os voos internacionais e transportes combinados!). Além disso, essa é a segunda indústria mais poluente, só perdendo para a do petróleo. Pensando nisso, que tal conhecer dicas para se vestir de forma mais sustentável? Assim, você traz a sustentabilidade para seu guarda-roupa, outra esfera da sua vida cotidiana.
1# Maneirar no consumismo
O título pode até parecer óbvio, entretanto, comprar menos ajuda o meio ambiente. Vamos combinar, se você tem dez pares de sapatos provavelmente não precisa de outro. Se comprar muitas roupas faz parte do seu estilo de vida, é necessário dizer: ter a moda mais sustentável no seu guarda-roupa, ainda assim, causa impacto ambiental. É claro que
A roupa verde é sustentável?
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comparado a produtos que não pensam nesse assunto ao ser produzido, o impacto será menor. Porém, já considerou o transporte dessas vestimentas? Vai causar a emissão de gás carbônico. Ou seja, ser consciente começa quando começamos a pensar toda a cadeia do produto, desde a produção até a entrega, assim, maneiramos no consumismo e só compramos o que precisamos. Muitas vezes as pessoas compram para se sentirem mais felizes, essa é uma felicidade que normalmente é passageira. Por isso, é necessário lidar com seu estado emocional de outra maneira, seu bolso e a natureza agradecem. Dessa maneira o minimalismo é uma pauta de estrema importância nos dias de hoje.
2# Comprar roupas de marcas sustentáveis e veganas
Você precisa mesmo de outro par de sapato? Se sim, opte por comprar de marcas sustentáveis e veganas, essas auxiliam o planeta e os animais.Se você não conhece nenhuma marca sustentável e vegana, vamos te dar sugestões!
Gabriel Ramos
O jeito que nos vestimos também causa impacto ambiental
Já fizemos uma lista com as principais marcas de moda vegana e calçados veganos. Um exemplo para ilustrar é a Insecta Shoes, essa marca de moda utiliza plástico reciclado, algodão reciclado, peças de roupas usadas, borracha reaproveitada, tecidos de reuso e resíduos de produção que seriam descartados para transformá-los em novos sapatos.
3# Compre roupas com qualidade
A ideia aqui é simples: o que dura mais, permite o melhor uso dos recursos naturais. Portanto, caso seja possível dentro da sua realidade, procure comprar roupas de melhor qualidade. Essa atitude também pode ajudar as marcas a perceberem a necessidade de desenvolver roupas com duração superior. Como sabemos, algumas marcas podem criar roupas com baixa qualidade só para vender, o que não é consciente. Logo, produtos com qualidade superior é uma forma de ser mais sustentável.
4# Dê uma segunda chance
Se sua roupa “estragou” e você está pensando em jogá-la fora, verifique se existe uma solução. Às vezes é uma questão de costurá-la, dessa forma é possível consertar a peça, para evitar que ela seja descartada.
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Gabriel Ramos
MODEFICA
Caso não exista jeito, pode-se utilizar o tecido dessa roupa para transformá-la em outra. Agora, se o problema é porque você cansou daquela roupa, também pode se desfazer dela de uma maneira mais sustentável. Um exemplo é doando essa peça para seus amigos e familiares que desejam ou doando para uma instituição. Lembre-se, porém, que a roupa precisa estar em bom estado para isso. Outra opção é vendê-la. Para isso, você pode usar as plataformas on-line ou mesmo procurar um brechó para efetuar a venda (alguns acabam te pagando em dinheiro ou você pode comprar outra roupa pelo mesmo valor). Por último, se essas opções não funcionarem, coloque o tecido para a reciclagem de têxteis.Uma dica é o sistema do portal eCycle, lá você pode colocar o que precisa descartar e a sua região, assim, é possível encontrar postos de reciclagem e doação mais próximos.
5# Vá ao brechó
Ao comprar suas roupas nessas lojas você evita que peças acabem indo parar no aterro sanitário e economiza as emissões de carbono que seriam utilizadas na produção de novas roupas. Portanto, ao comprar de um brechó você ajuda o meio ambiente. Essa é uma opção para
Se mexer para fazer mudança
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encontrar roupas de melhor qualidade em um preço mais barato do que nas lojas tradicionais. Agora, se na sua região não tem um brechó: que tal trocar roupas com suas amizades? É possível combinar a data, o lugar e a hora com outras pessoas para realizar essa troca.
6# Em certas ocasiões, alugue
O aluguel de roupas é uma opção para aquelas peças que as pessoas não vão usar sempre. Aqui podemos dar os seguintes exemplos: vestidos de festas, fantasias de carnaval ou halloween e roupas de gravidez. Alugar essas roupas também pode compensar na economia, já que não é necessário utilizá-las o tempo todo. Mas, se você quiser roupas do cotidiano, um exemplo brasileiro de empresa é a Weuse. A marca tem um plano de assinatura que disponibiliza 16 peças por mês para os consumidores. Outra dica é usar as roupas por mais tempo antes de lavar. Se sua camiseta não está suja ao tê-la vestido é possível usá-la novamente, evitando lavagens desnecessárias.
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MODEFICA
Vestimentas x atemporalidade Roupas tem data de validade? Saiba quais são os benefícios e as principais peças desse segmento da moda por MARINA DA UHNIKA
A moda é puramente conhecida por sua temporalidade. As tendências vão e voltam ao longo dos anos, renovando conceitos e estilos. Mas existe um estilo que nunca sai de moda, são as roupas atemporais. No mundo do fast fashion e das tendências que não ultrapassam uma temporada, o estilo atemporal tem ganhado espaço em muitos guarda-roupas, visando a durabilidade das peças.
O que são roupas atemporais?
As roupas atemporais são peças que não tem data de validade. Claramente não são aquelas tendências que surgiram neste ano ou no ano passado e ficam pipocando na linha do tempo das nossas redes sociais. Também não são aquelas peças super exuberantes e marcantes, e sim a aposta no básico, já que com ele é possível criar város looks com as mesmas peças. Você pode encontrar peças atemporais nas lojas e até mesmo no seu guarda-roupas. São aquelas que já foram compradas há anos, mas que conseguimos usá-las sem parecer que saíram diretamente do armário das nossas famílias, produtos atemporais não combinam com
As peças chaves são as melhores aliadas
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a realidade do fast fashion, pois são duráveis e podem ser combinados com vários tipos de looks em ocasiões distintas. As peças atemporais são voltadas para a linha básica, mas não necessariamente ficam dentro do conhecido branco e preto e de forma alguma podem ser consideradas monótonas, muito pelo contrário!
Por que vale a pena investir em roupas atemporais?
As roupas atemporais estão completamente associadas à discussão da sustentabilidade, afinal, o setor têxtil é um dos mais poluentes do planeta. A indústria têxtil fica atrás apenas do setor petrolífero, o segundo mais poluente, sendo responsável por 8% das emissões de gás carbônico na atmosfera. Em vários âmbitos, temos consumidores mais exigentes quanto àquilo que consomem e quanto à responsabilidade das marcas. E não seria diferente dentro da moda. Não à toa, a procura por peças mais sustentáveis tem crescido ao redor do mundo, assim como o
Elaine Matos
Reduz o descarte e propõe um consumo mais consciente
surgimento de propostas como o armário-cápsula e o slow fashion. O consumo e o uso de roupas atemporais contribuem com o planeta, reduz o descarte de roupas e nos propõe um consumo mais consciente visando a sustentabilidade. Com tecidos mais resistentes e de boa qualidade, não é necessário renovar as peças com tanta frequência e você pode adquiri-las sem medo de que daqui algum tempo ela fique parada no seu guarda-roupa, por não fazer mais sentido para você. Roupas atemporais são mais econômicas, ainda que o valor de compra da peça seja um pouco mais alto que o de grandes redes de departamento. Além disso, um guarda-roupa atemporal é mais harmônico, muito mais sólido do que seguir tendências.
Conclusão
Agora que você já conhece roupas atemporais e seus benefícios para o seu guarda-roupa, estilo e para o nosso planeta, não deixe de se informar sobre a sua responsabilidade ambiental. Avaliar as nossas escolhas de roupas faz parte do futuro do planeta.
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Lorena Nunes
Entrevista: Sasha Meneghel Filha de Xuxa Meneghel e Luciano Szafir, formada em moda, vegana e com 23 anos, fala sobre sustentabiliade, veganismo e consumismo por RENATA TELLES
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Cada vez mais, procuro consumir conscientemente, entendendo o verdadeiro custo de cada produto”
De lá pra cá, Sasha precisou aprender a lidar com a fama, analisar o lado bom e o ruim das redes sociais, se descobriu na moda sustentável e acabou de anunciar o noivado com o cantor João Figueiredo. Em entrevista à Glamour Brasil, a noiva do ano contou que está nos planos uma futura adoção, quando o veganismo estrito entrou em sua vida. Alfinete: Em um dos stories recentes, o João brinca que você teria comprado vários sapatos no México e voltado com a mala cheia. Queria que você falasse um pouquinho da sua relação, primeiro, com sapatos. Realmente é uma addict? Ou é do tipo que ama três pares e só usa aqueles? Quantos sapatos aproximadamente você tem hoje? E quais modelos mais ama? Salto, rasteira… Prefere cores ou é mais clássica? Sasha Meneghel: Não, não foi isso o que aconteceu! (risos). Acho que o story não foi entendido di reito. No post que citaram, eu disse que o João foi quem encheu a minha mala com sapatos dele. Eu gosto muito de sapatos, mas cada vez mais priorizo o consumo consciente. Peças-chave já te abastecem com uma infinidade de possibilidades e combinações. Por isso, é tão importante escolher uma peça especial e que tenha a ver com a sua personalidade. Sobre modelos e cores, sou bem eclética. Em um dia, uma rasteirinha confortável pode ser meu maior desejo. Já no dia seguinte, uma bota com salto alto ou um
tenis pode finalizar meu look, varia bastante. O que me guia é o que eu estou sentindo no momento, a energia que sinto no momento. Alfinete: Você é superligada em sustentabilidade/veganismo e queria que falasse um pouco de como escolhe seus calçados, roupas… O que leva em conta? Esse é um cuidado que você adotou desde que virou vegana? O dia/momento ou situação específica que você falou: “isso não tá certo. Vou mudar o meu estilo de vida e ajudar o planeta”? Sasha Meneghel: Quando me mudei para Nova Iorque, para estudar moda na Parsons, me atentava pouco à matéria-prima dos produtos e ao processo que aquela peça tinha passado até chegar em minhas mãos. Já no começo do segundo ano de faculdade, vi um documentário chamado The True Cost, que expõe questões como o trabalho escravo e retrata profissionais colocando suas vidas em risco, trabalhando em condições desumanas. Além disso, mostram como a indústria da moda pode ferir o meio-ambiente. Desde então, nunca mais olhei para a moda da mesma forma. Cada vez mais, procuro consumir conscientemente, entendendo sempre o verdadeiro custo de cada produto. E não falo somente de custos financeiros, mas especialmente o custo ambiental e humano por trás de cada peça produzida. Gosto de apoiar e divulgar marcas que buscam mudanças, seja no método de reciclagem, na embalagem, na
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matéria-prima, entre tantas outras inovações possíveis e necessárias. Sobre o veganismo, é um estilo de vida. Uma nova forma de enxergar nosso impacto no mundo. Há três anos, eu sigo uma alimentação que exclui todo tipo de derivados animais. Não sou integralmente vegana, mas procuro consumir conscientemente e, sempre que há opções disponíveis, opto por produtos veganos e métodos sustentáveis de produção. Alfinete: Vi uma entrevista sua no SuperBonita onde você conta que a Xuxa a ajudou no processo do veganismo. Já tem quantos anos que não consome carne? Qual foi a maior diferença que sentiu no corpo e na mente? O que mais gosta de comer atualmente? Sasha Meneghel: Sigo uma alimentação vegana. Inclusive, recentemente aprendi que se fala “vegetariano restrito” porque vegano é um ‘mindset’ por inteiro. Acho que isso tem muito a ver com sustentabilidade Faz mais ou menos três anos que escolhi ser vegetariana estrita. Minha mãe foi, sim, um grande exemplo e também me ajudou nesse processo. A maior diferença que senti foi minha motivação. Passei a me sentir mais disposta. Minhas comidas preferidas são arroz e feijao, qualquer tipo de massa com um bom molho de tomate e açaí. E também gosto muito de brócolis. Alfinete: Incentivou o João a adotar o veganismo ou vegetarianismo também? Como foi o processo? Sasha Meneghel: Incentivo ele todos os dias. Ele já não come mais carnes vermelhas e nem frango, há quase um ano, mas come peixes e queijos. É um processo individual, por isso acho que devemos respeitar o tempo e a vontade de cada um. Alfinete: É verdade? Antes mesmo da missão, era algo que sempre sonhou? Sasha Meneghel: Eu sempre quis ter irmãos. Demorou 15 anos para o David [filho de Szafir com Luhanna Melloni] chegar em minha vida! Com três anos de idade, comecei a visitar orfanatos, por isso a ideia de adoção sem-
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pre esteve na minha cabeça. Sempre sonhei em ser mae, e se Deus quiser eu ainda serei, sei que o João sonha com isso que nem eu. A ideia de adotar está muito presente nas nossas metas e nos planos futuros. Alfinete: Muita gente diz que “se transformou” durante o isolamento. Outros, para não pirar, descobriram novos hobbies. Como encarou a quarentena? Você e o João tiveram a fase de tie dye, curso on-line, momento Masterchef...? Como encararam, ele te ajudou em algo? E você com ele? Acredita que passar ao lado dele foi crucial? Sasha Meneguel: Tive momentos onde estava mais ativa, outros onde me sentia menos motivada. Estar perto de pessoas que amo, me ajudou bastante. A arte sempre esteve presente na minha vida. Faço desenhos - em guardanapos, telas, papeis, jaquetas, costumizo roupas, e entre outros. Nunca me faltou lugar para rabiscar. Minha desde nova também era assim, e foi ela a responsável por me passar isso desde pequena. Sou muito grata por ter conseguido trabalhar durante um período tão caótico. Me manter ocupada e ativa fez, e ainda faz muita diferença na minha vida e saúde mental principalmente. Alfinete: Quais suas inspirações no universo fashion? Sasha Meneghel: Minha inspiração é Stella McCartney. Acho incrível como ela decidiu não usar couro de animais e procurou uma alternativa para prejudicar o meio ambiente o menos possível, mostrando que é possível fazer isso com classe. Sasha Meneghel é discreta com a vida pessoal, mas contou algumas curiosidades respondendo perguntas pouco exploradas pela mídia. Ao ser questionada sobre o tema que gostaria de falar em entrevistas, a estilista foi direta: “Sou muito reservada, principalmente em relação à minha vida pessoal. Gostaria que as pessoas me perguntassem mais sobre o veganismo, porque isso me faz querer aprender mais, querer me informar mais.
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C O L U N A A S S I N A DA
Carbono neutro na moda brasileira texto PAULA MELLO
A
ilustração KEZIA GABRIELLA
Pantys foi a primeira marca de moda extração da matéria-prima, processo produtibrasileira a adotar a etiqueta carbono vo, distribuição, uso, pós-uso e assim por dianneutro, no ano passado, enquanto a te”. Ela diz que, normalmente, a compensação Amaro anunciou recentemente que passa a ser acontece por meio do mercado de crédito de uma empresa carbono negativo. Mas o que carbono, em que 1 é proporcional a uma toneisso significa na prática? A sustentabilidade é lada de gás. A Pantys, que optou por calcular um assunto urgente na indústria da moda e o e neutralizar a pegada de carbono de todos os setor vem se esforçando para evitar (e reverter) seus produtos, escolheu projetos de redução do seus impactos negativos no meio ambiente. desmatamento na Amazônia, geração de enerEm 2019, Gabriela Hearst, que preza por gia a partir da captura de gás metano no ateruma moda com práticas sustentáveis, se tor- ro sanitário de Manaus e geração de Energia nou a primeira marca a neutralizar as emis- Eólica no nordeste do Brasil para compensar sões de carbono de um desfile. No mesmo ano, suas emissões de gás. a Gucci anunciou que compensaria todas as A Amaro anunciou recentemente que se emissões de Gases de Efeito Estufa (gee) de tornaria a primeira empresa de consumo brasuas próprias operações e de toda a cadeia de sileira 100% carbono negativo, ou seja, desde suprimentos. Logo depois foi a vez do Grupo janeiro deste ano passou a neutralizar em doKering, conglomerado que detém a marca bro to da a emissão de gás oriunda de seus proitaliana e outras como Balenciaga e Bottega dutos, que em 2021 tem volume estimado de Veneta. O movimento não se restringe ao ex- 15 mil toneladas. A Hering, mais uma empresa terior e também está sendo aderido pela moda a se tornar carbono neutro este ano, também nacional. Caso da Pantys, marca de calcinha compensou em dobro a emissão de gás e do absorvente que utiliza tecidos biodegradáveis, ciclo de vida da sua camiseta ícone, a World, que adotou a etiqueta carbono neutro em suas em celebração aos seus 30 anos. A iniciativa peças em 2020, detalhando a pegada de carbo- tem como objetivo a conservação da Amazôno dos produtos. “A nossa intenção com essa nia, com mais de 4,4 milhões de árvores preiniciativa é realmente conscientizar e trazer servadas em 2021. acesso à essa informação para a linguagem dos Para Fernanda, esse é sim um esforço em consumidores, possibilitando que eles saibam prol do desenvolvimento da sustentabilidade. como suas compras impactam o meio ambien- “É imprescindível que as empresas se assumam te”, afirma a sócia fundadora Emily Ewell. responsáveis por suas emissões de carbono”, Mas, afinal, o que isso significa na prática? afirma ela, mas acrescenta que a sustentabili“É a empresa que calcula, monitora, reduz o dade é uma pauta complexa, pois exige uma máximo suas emissões de carbono e outros visão integral nos pilares social, cultura e ecogases de efeito estufa e então, o que ainda nômico, além do ambiental. “É importante emite, compensa de alguma forma”, explica manter o empenho para mitigar os impactos Fernanda Simon, editora contribuinte de sus- negativos em todos os setores e caminhar com tentabilidade da Vogue. No caso de marcas de uma visão sistêmica em busca de novas solumoda, por exemplo, é preciso mapear desde a ções”, completa a estudiosa.
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Atributos na moda sustentável texto CHIARA GADALETA
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ilustração KEZIA GABRIELLA
lhando por um lado, as marcas se apressam para abrir uma agenda que priorize a sustentaniliade no setor, olhando para seus impactos negativos e discutindo verdades inconvenientes, e de outro, consumidores finais que, com a pandemia, estão cada vez mais exigentes e mais preocupados com a origem das peças e com a pegada que a forma de adquirir bens. A preocupação com o impacto do consumo no planeta não é de hoje. O conceito de desenvolvimento sustentável foi reconhecido internacionalmente no começo da década de 1970 na Conferência das Nações Unidas realizada em Estocolmo, na Suécia, e a ideia apontou um caminho em que as questões do desenvolvimento socioeconômico e o meio ambiente podiam e deviam andar lado a lado. Nos anos 1990, para organizar e expandir essa narrativa, foi criado o tripé da sustentabilidade ou 3Ps. O pilar de profit ou de lucro refere-se ao resultado financeiro da empresa, o de people, ao capital humano e o planet, ao capital natural. De lá para cá, as empresas são capazes de medir seus resultados e, assim, analisar suas operações sob essa ótica. Nessa jornada em que a transparência é premissa, as corporações inseridas em toda indústria da moda podem se aproximar de toda sua cadeia de valor, ou seja, seus fornecedores e stakeholders disseminando seus valores e mostrando como olham para o futuro das próximas gerações. Na outra ponta, clientes, muitas vezes ativistas, também podem colaborar valorizando peças que carregam boas histórias em seu processo de produção e materiais. Mas como saber se uma marca de moldadas pelas suas dificuldades, fazem análises constantes, produzem relatórios de sustentabilidade e
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os publicam em seus sites, mostrando metas de melhorias no que diz respeito a emissões de carbono e ao uso de recursos naturais, como água e energia. Além disso, marcas que acreditam que a moda pode colaborar para um mundo melhor, usam suas vozes dentro e fora de seus portòes para falar sobre a biodiversidade e as questões sociais, como antirracismo e igualdade. E na hora do consumo propriamente dito? Como alinhar o planeta, as pessoas e a moda no mundo pós-pandemia? Como fazer boas escolhas, aquelas em que mostramos posicionamentos nesse novo mundo em construção? No Movimento Ecoera, divi dimos produtos e peças em algumas categorias e cada uma delas leva um atributo que confere uma porta de entrada para processos, matérias ou iniciativas que diminuem os impactos negativos e que podem funcionar como guias. Faz-se necessário um olhar apurado e detalhado para a cadeia de produção, além de saber identificar melhorias e implementar projetos de impacto positivo. A produção de qualquer bem de consumo tem impacto no meio ambiente e na sociedade. No caso da moda, estamos falando de uma indústria que emprega milhões de pessoas, que utiliza água e energia, além de produzir descarte têxtil. Esses desafios precisam ser olhados como ferramentas de medição, em busca da redução com metas de melhor gestão. Nessa forma de consumir, baseada em valores e propósito, a comunicação dos atributos sustentáveis de cada roupa ou acessório é fundamental. Por meio de informações consistentes nas etiquetas, nos tags ou através de selos e certificações, cada um pode tomar decisões, escolher seus looks e se vestir com mais consciência. Vamos juntos!
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Um montanha de roupa abandonada texto CAROL ABUMRAD
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ilustração KEZIA GABRIELLA
estilista Stella McCartney disse que a indústria da moda “gera um incrível desperdício, que é prejudicial para o meio ambiente”, e revelou uma nova visão para o futuro da indústria junto com a ambientalista Ellen MacArthur. McCartney e MacArthur uniram forças para convocar a indústria da moda para resolver seu problema de desperdício depois que um relatório. De acordo com o relatório, um valor estimado em 500 bilhões de dólares é perdido a cada ano devido a roupas que mal são usadas, além de raramente serem recicladas e, se nada mudar, o setor vai usar até um quarto do carbono mundial até 2025. Além disso, meio milhão de toneladas de microfibras são jogadas no oceano todos os anos, o equivalente a mais de 50 bilhões de garrafas plásticas. MacArthur culpou o modelo atual “take-make-dispose” (pegue-produza-descarte) da indústria pelo problema de desperdício. “A indústria têxtil de hoje é construída em um modelo linear desatualizado, take-make-dispose, poluente e que gera enorme desperdício e poluição. A new textiles economy: Redesigning fashion’s future apresenta uma visão ambiciosa de um novo sistema baseado em princípios de economia circular, que oferece benefícios à economia, à sociedade e ao meio ambiente. Precisamos que toda a indústria da moda se baseie nisso”, diz Ellen. MacArthur e McCartney acreditam que as roupas devem ser projetadas para durarem mais tempo, serem mais usadas e facilmente alugadas ou recicladas, e as marcas devem explorar novos materiais para garantir que a roupa possa se biodegradar sem liberar toxinas e poluição. “O que realmente me empolga em A new textiles economy: Redesigning fashion’s
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future é que ele oferece soluções para uma indústria que gera um incrível desperdício, que é prejudicial para o meio ambiente”, comenta Stella McCartney. Os ativistas de sustentabilidade disseram que encontrar novas maneiras de escalar melhores tecnologias, e explorar novos modelos de negócios são necessários para criar uma nova economia têxtil, bem como uma profundidade de colaboração sem precedentes em toda a indústria. Os líderes da indústria, incluindo os parceiros centrais, h&m, Lenzing e Nike Inc., e a Fundação c&a como financiadora filantrópica, já aprovaram a nova visão. No deserto do Atacama, milhares de peças de roupa e calçados são descartados diariamente formando uma imensa montanha de lixo advindo dos Estados Unidos, Europa e Ásia. Perto de 40 mil toneladas, importadas e não vendidas, acabam desprezadas no porto de Iquique, a 1800 km de Santiago. Conforme a Organização das Nações Unidas (onu), a indústria da moda é responsável por 8% dos gases do efeito estufa e por 20% do desperdício de água no mundo. Com o passar do tempo estas peças se desgastam e liberam microplásticos que acabam na atmosfera, sem contar o número de incêndios clandestinos tidos como “solução” produzindo uma preocupante poluição do ar. Comerciantes e donos de empresas selecionam entre roupas premium, de primeira e segunda categorias e lixos. Queremos um mundo melhor, e quando se fala em compras, a forma mais consciente é adquirir produtos second hand. Precisamos fazer com que a roupa circule, para assim durar mais tempo sendo usada e automaticamente evitar que ela seja jogada no lixo poluindo o meio ambiente.
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