Revista Subversa Volume 6, nº1 - fevereiro de 2017

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SUBVERSA ISSN 239-5817 Vol. 6 | n.º 01 FEVEREIRO de 2017

Ilustração PRI MONTANIA e A.MIMURA

PAULO ARCE | BIANCA CAMARGO | GABRIEL CORREIA CARLA CARBATTI | EDSON DUARTE | PEDRO LIMA ANDRÉ GUILHERME DE ALMEIDA | CAROLINA PAZOS LOECY ROSA DAMÁSIO | ISABEL CARDOSO | JOÃO ROCHA


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Subversa | literatura luso-brasileira | V. 6 | n.º 01

© originalmente publicado em 15 de fevereiro de 2017 sob o título de Subversa ©

Edição e Revisão: Morgana Rech e Tânia Ardito

Ilustrações PRI MONTANIA e A.MIMURA

Os colaboradores preservam seu direito de serem identificados e citados como autores desta obra. Esta é uma obra de criação coletiva. Os personagens e situações citados nos textos ficcionais são fruto da livre criação artística e não se comprometem com a realidade.


SUBVERSA VOLUME seis | NÚMERO 01 ANDRÉ GUILHERME DE ALMEIDA | OLHAR QUE SEGURA | 08 BIANCA CAMARGO | ÀS ESCURAS | 10 CARLA CARBATTI| CURVATURA | 18 CAROLINA PAZOS | QUASE ABAETÉ | 20 EDSON DUARTE | DA VINDA DOS VENTOS | 23 GABRIEL CORREIA | CARA, COPO | 28 ISABEL CARDOSO| O LOBO | 32 JOÃO ROCHA| A MULHER DE OUTRO MUNDO| 44 LOECY ROSA DAMÁSIO | UM BURACO DE AGULHA PARA O FIO DE ARIADNE | 47 PAULO ARCE | OS TROFÉUS | 51

[CONTEÚDO EXTRA] PEDRO LIMA | O MITO DO TRADUTOR INVISÍVEL| 54 SOBRE Pri Montania e Notícias| 59

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EDITORIAL “Olha: também eu sou pastor de rebanhos e iguais às tuas as minhas ovelhas também são palavras” Ana Hatherly, 2003.

Bem-vindos novamente. Após um período de intensa reorganização e planejamento, abrimos hoje o volume 6 da Subversa e, com ele, uma nova etapa da revista. Retomamos também a recepção de textos, que se orientará a partir de algumas alterações nas diretrizes de envio. A linha editorial permanece abrindo espaço para autores se manifestarem e experimentarem a publicação em uma revista literária independente. Porém, com nova estrutura, pretendemos introduzir o diálogo com escritores e temas que têm ganhado relevo na produção contemporânea e no que diz respeito à travessia literária luso-brasileira. A ideia agora é aperfeiçoar as publicações, tanto as digitais como as impressas e expandir o projeto como um todo. Para isso, a revista conta com mais recursos de divulgação e de troca entre os vários elementos da rede literária. Estamos contando que o processo seja lento, já que, entre outras razões, estamos trabalhando em uma linha considerada, por vezes, na contracorrente de publicações. No primeiro número, alguns nomes retornam e outros estreiam nas páginas da Sub, com as ilustrações de Pri Montania e de A. Mimura, nosso colaborador visual permanente. Além disso, escritores, editores e professores indicaram para nós os livros que transformaram suas visões de mundo. Entre eles, Marcelo Ferroni, Alberto Mussa e Milton Hatoum.1 Esperamos que a nova experiência de leitura da Subversa seja agradável e interessante para todos. As editoras.

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As indicações de leitura só estão disponíveis para assinantes.

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| OS LIVROS QUE MUDARAM

A VISÃO DE MUNDO de |

| Mamede Mustafa Jarouche | “Um livro muito marcante para mim foi o romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez, não só por sua extraordinária qualidade literária, que o torna inesquecível, como também porque o momento em que o li era o da formação das minhas preferências literárias.” Mamede Mustafa Jarouche Professor da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo

| Francisco Topa | “João Vêncio: os seus amores. Por mostrar que a justiça não pode ser vista a preto e branco, sugerindo que ela é, em grande medida, uma questão de linguagem e de retórica.” Francisco Topa Professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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| Marcelo Ferroni | “O Cão do Sul, Charles Portis. Uma espécie de “On the Road” às avessas. Ray Midge é um sujeito sem grandes ambições, que vive no interior do Arkansas. É abandonado pela mulher, que foge com seu carro, um Ford Torino, e seu melhor amigo. Ele decide então empreender uma jornada épica, até os confins da América Central, para recuperar... o Ford Torino.”

Marcelo Ferroni Escritor e editor da Alfaguara

| Alberto Mussa | "Acho que os primeiros romances que mudaram minha visão de mundo foram os clássicos de Alencar, Iracema e O Guarani . Foi meu primeiro contato com uma cultura radicalmente diferente da minha, mas que, por isso, era capaz de me explicar."

Alberto Mussa Escritor e tradutor

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| Milton Hatoum |

“Li a recente edição brasileira do clássico A Limpeza Étnica da Palestina, do historiador e professor israelense Ilan Pappé (Ed. Sundermann, trad. Luiz Gustavo Soares). A partir de uma exaustiva pesquisa nos arquivos de Israel, Pappé analisa com rigor e honestidade intelectual a expulsão de 750 mil palestinos e a destruição de centenas de vilarejos e aldeias da Palestina por forças paramilitares sionistas em 1948. É um livro essencial para a compreensão desse conflito, cuja questão central é a população de refugiados que Israel excluiu da Palestina”.

Milton Hatoum Escritor e tradutor

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OLHAR QUE SEGURA ANDRÉ GUILHERME DE ALMEIDA | Santo Antônio da Platina, PR

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olhar que segura a secura sem cura de lágrimas desérticas perdidas nesse saara gelado olvidado nalgum canto recôndito de alguma dessas tantas almas vazias

ANDRÉ GUILHERME DE ALMEIDA possui um poema publicado no Concurso Rima Rara de 2013, realizado pela Biblioteca Nacional Brasileira. Atualmente está tentando publicar um livro independente. Cursa o 3° ano de Letras/Inglês na Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP. | ANDREGUILHERME.A@GMAIL.COM

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ÀS ESCURAS

BIANCA CAMARGO DE LIMA | São Paulo, SP.

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Clara Luiz, o jovem torturado Médico Experiente Médico Residente Militar 1 Militar 2 Locutor ÉPOCA: Década de 1980 LUGAR DA CENA: Brasil CENA I Próximo à borda do palco, à direita de quem vê, estão um médico experiente e um residente. Eles trajam jalecos, têm estetoscópios nos pescoços e carregam pranchetas nas mãos. Fazendo movimentos rápidos de cabeça para trás, como se verificassem o objeto da fala, sussurram entre si. O foco de luz está sobre eles. O restante do palco é escuridão. MÉDICO: Está gostando do hospital? RESIDENTE: Sim, mas a rotina parece ser bem pesada. Percebi pela residência. MÉDICO: Eu adorava fazer residência aqui. Aliás, foi nessa época que vim para cá. Já faz 17 anos. RESIDENTE: (Faz um movimento para trás com a cabeça) - E ela, quem é? MÉDICO: É a Dona Clara. Foi a minha primeira paciente. Chegou aqui uma menina. Ela não acende a luz. Vive às escuras. Todo dia, venho aqui e ligo tudo. RESIDENTE: Por quê? (Apaga-se a luz sobre os médicos)

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CENA II No lado oposto do palco, ocorre uma cena de tortura. O foco de luz passa a iluminar apenas essa parte. Nela, um jovem sem camisa tem seus braços algemados para trás. Ao seu lado, estão dois homens, com cerca de 35 anos cada, com roupas de militar. Um deles, o Militar 2, segura o rapaz pelos braços. Em frente a eles, há um barril de metal com água. MILITAR 1: (Lê em voz alta) -

Luiz Macedo, 20 anos, estudante

universitário. (Olha a prancheta em suas mãos. Diz em tom de escárnio) - Hum, você tem uma namoradinha. Quem é a vadia com quem está saindo? MILITAR 2: (Aos gritos) - Fala o nome dela! Fala! (Após não obter resposta, o Militar 2 afunda a cabeça do jovem no barril com água. É possível ouvir os urros do rapaz e ver seu corpo contorcendo-se) MILITAR 1: (Levanta bruscamente a cabeça do rapaz, puxando-a pelos cabelos) - Não vai falar o nome dela? (A luz apaga-se na cena) CENA III No centro do palco, está uma mulher, cerca de 35 anos, sentada em uma cadeira. Seu nome é Clara. Aos seus pés, há um pequeno tapete e alguns lenços de papel pelo chão. Ela veste uma camisola hospitalar branca e sapatos felpudos de quarto. Em seus braços, está uma boneca. A luz ilumina apenas essa cena. CLARA: (Olha ternamente para a boneca e acaricia-a) - Sempre pensei sobre filhos. Queria experimentar aquele amor incondicional. (Para de acariciar a boneca, fala tristemente e olha para baixo) - Não sei se sou capaz de amar. Não sei se um dia já fui. (Volta a acariciar a boneca) -

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Conversava sobre isso com o Luiz. Sobre filhos. Ele falava que ter filho é diferente de ser filho. (Ri)- Ele tinha razão. Sempre tinha. (Faz pequena pausa) - Nós nos conhecemos na escola. Tínhamos 17 anos. Ele era do tipo que ia bem em todas as matérias. O mais inteligente da turma. Sabia todas as capitais de cor. Foi por isso que começamos a conversar. Eu estava lendo um livro ambientado na Estônia. Não fazia ideia qual era a capital que eles tanto elogiavam no romance. Ninguém fazia. O Luiz foi o único a saber a resposta. Ele era assim. Sempre sabia demais. (Abaixa a cabeça e diz emocionada, dirigindo-se à boneca) - Se ele estivesse aqui agora, diria o nome da cidade. CENA IV Clara levanta, ainda com a boneca nos braços, e pega um objeto imaginário no chão. Volta ao seu lugar e senta-se. Conduz suavemente o objeto à boca da boneca. Age de forma a simular o ato de dar mamadeira a uma criança. CLARA: (Animada ao ter uma boa recordação) - Ah, ele lia muito também. Um escritor alemão era o seu favorito. Não lembro o nome dele. Não deve ser muito bom, pois os livros dele eram queimados pelos militares. Ele adorava aquelas ideias de igualdade entre os homens. (Faz pequena pausa) -

Em 1968, começamos a namorar. Ele veio até a

minha casa para pedir permissão ao meu pai. (Ri) - Seu novo sogro não aceitou muito bem. Disse ser perigoso andar com um subversivo. Não entendia o que isso poderia significar além de um típico ciúme de pai pela filha única. Luiz não se abalou. (Ri) - Ele nunca foi de seguir regras. Um dia, nós viajamos escondidos para a casa de praia de um amigo dele. Nosso azar foi que, na volta, o carro quebrou no meio da estrada. Tive que chamar meu pai. Além de não termos dinheiro, meu pai era mecânico. Não tivemos alternativa. Depois disso, fiquei uma semana de

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castigo. (Ri, acariciando a boneca) - Essa foi a primeira vez que fiquei afastada do Luiz. (A luz apaga-se)

CENA V A luz volta ao ambiente de tortura. Dessa vez, o jovem está sozinho. Machucado e ensanguentado, Luiz está sentado no chão, próximo ao barril. Abraçando as próprias pernas, ele fala a si mesmo. LUIZ: (Chora) - Clara! Clara! Clara! (A luz apaga-se)

CENA VI Clara continua com a boneca nos braços, porém sem mais simular sua alimentação. O foco de luz encontra-se sobre ela. CLARA: Nós brigávamos muito. Ele era muito radical. Radical em tudo. Não aceitava que todos continuassem quietos assistindo às atrocidades do Governo. Vários de seus amigos estavam sendo torturados. (Voz embargada) - Luiz dizia que devíamos resistir, que o futuro da Nação estava na mão dos estudantes. Eu achava tudo aquilo muito arriscado. Era loucura colocar-se contra um militar. Ninguém nunca venceu uma arma com uma rosa, mas ele gostava de pensar assim. Para se tornar um rebelde, como meu pai dizia, não demorou muito. Eu sempre me mantive distante. Tinha medo daquilo. Dizia para ele parar. Ele nada respondia, apenas me oferecia aquele sorriso que eu amava. Talvez, se eu tivesse pensado melhor, não teria feito o que fiz. Não teria virado o monstro que sou hoje. (A luz apaga-se)

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CENA VII Sob a total escuridão do palco, ouve-se um rádio. A fala do locutor é introduzida por um breve trecho do Hino Nacional. LOCUTOR: Após 21 anos, o país encontra-se em liberdade. O povo ocupa as ruas de uma Nação que havia sido tomada pelos militares. Hoje, podemos dizer que não estamos mais sob a Ditadura Militar. Parabéns, povo brasileiro! Seus jovens mostraram que a mudança é possível. Viva! (Som de comemoração ao fundo)

CENA VIII Clara está no chão, ajoelhada. A boneca está na cadeira. O único foco de luz está nessa cena. CLARA: (Chora) - Hoje, não consigo mais ver aquele sorriso. As lágrimas embaçam meus olhos, e a terra cobre os lábios dele. (Desesperada, aos gritos) - Não! Eu não quero mais lembrar. Lembrar é resistir. Eu não quero nenhum dos dois. Não quero resistir. Eu não consigo mais! Entram os médicos. Um deles carrega uma seringa. O outro imobiliza Clara. Ela reage violentamente e morde aquele que a segura. Acaba, por fim, sucumbindo. A seringa perfura o seu braço, e o remédio é administrado. MÉDICO: Calma, Dona Clara! A senhora precisa se acalmar. É só um remedinho. CLARA: (Aos gritos) - Não! Não! Eu não quero! Me solta!

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(A luz apaga-se)

CENA IX Acendem-se as luzes sobre Clara. Ela está sentada na cadeira. Ao seu lado, está pendurada a bolsa de soro ligada ao seu braço. Está sob o efeito de sedativos. Fala com a voz mais lenta que o normal. Parece bêbada. A boneca está em seu colo, porém não é mais acariciada. CLARA: Fiquei sabendo por um amigo. Luiz havia sido torturado. Não entregou seus companheiros. Ele chorou e sofreu, mas não entregou ninguém. (Faz pequena pausa) -Eu era imatura. Não queria fazer aquilo. Fiquei com raiva quando o vi conversando com aquela garota. Ele falava sobre viajar para encontrar um grupo de estudantes. Eu não estava em seus planos. (Faz pequena pausa) -

Ela estava toda

sorridente para ele. E ele deu para outra um sorriso que era só meu! (Faz pequena pausa. Diz com a voz embargada) -

Liguei porque não tive

outra opção. Eu não queria. Eu juro que não queria! (Chora) - Fiz uma denúncia anônima. Disse que sabia o esconderijo de um subversivo. Eu só queria que ele parasse com aquele tipo de vida. (A luz apaga-se) CENA X Na escuridão plena do palco, ouvem-se gritos. Escutam-se três disparos. Depois isso, silêncio. CENA XI O foco de luz volta a ser sobre Clara. Ela continua com a bolsa de soro ligada ao seu braço. Levanta-se com cuidado. Abraçando a boneca, fala carinhosamente.

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CLARA: Sempre pensei sobre filhos. Queria experimentar aquele amor incondicional. Não sei se sou capaz de amar. Não sei se um dia já fui. (Acaricia a boneca) - Conversava sobre isso com o Luiz. Sobre filhos. Ele falava que ter filho é diferente de ser filho. (Ri)- Ele tinha razão. Sempre tinha. Disse que nossa filha iria se chamar Vitória. Ele não conheceu vitória alguma. (Faz pequena pausa) - Nunca. (A luz apaga-se. É possível apenas ouvir) RESIDENTE: Dona Clara, de novo no escuro? Vou acender a luz, tudo bem? Dona Clara, posso acender a luz? CLARA: O Luiz? Ele foi apagado.

FIM

BIANCA CAMARGO DE LIMA (São Paulo, 1997) é paulistana e estudante de Letras: Tradução na PUC-SP. | BILICAMARGO@GMAIL.COM

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CURVATURA

CARLA CARBATTI | Belo Horizonte, MG.

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... tenho pensando muito em você ultimamente. no seu jeito de mover as pontas do cabelo em espirais enquanto seleciona o melhor argumento. quando você fala, o mundo para: reinos, tribos, risos, tudo em suspenso, num movimento leve e lento ao redor das suas palavras. e se, ao contrário, você se cala, o mundo, carente do seu tremor, acende todas as estrelas. o amor, você me fez saber, é um espaço, momentaneamente, compartilhado. isso explica o fato de que quando você não está, um beco é apenas um beco (perde

as

potências

de fricções

corporais, de

beijos

clandestinos), um guarda-chuva é apenas um guarda-chuva (perde as curvaturas do tempo onde abrigamos nossos medos e desejos). agora que vejo essa menina alçando uma pipa o mais alto possível, penso que tinha razão, você não poderia ser o centro da minha vida. o centro deve estar sempre vazio. no máximo, habitado por um sussurro inaudível, que nos ressoa em forma de arrepio, nas manhãs frias de abril ...

CARLA CARBATTI é doutoranda em Estudos da Literatura e da Cultura pela Universidade de Santiago de Compostela. Poeteira com todos os átomos, possui moléculas poéticas ligadas à Germina, Mallarmagens, Diversos Afins, Zunái, Alagunas, Contratiempo, etc., à Antologia RelevO 5 anos, ao ESCRIPTONITA: pop-esia, mitologia-remix& super-heróis de gibi, e agrupadas no livro autoral, na cadência do caos.| LISPECTORLUZ@GMAIL.COM

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QUASE ABAETÉ

CAROLINA PAZOS | Petrópolis, RJ.

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Cai a noite Paft! Escutas? Faz quando o breu encosta A epiderme alva do areal Toda delicadeza é grão Não se mede a varejo Coração de passarinho Frágil como nascer Deserto de novo agora A partida não partilhada Areia esparsa me traz à boca Um gosto familiar de sangue Queria não arranhar Minha gengiva minúscula Foder contigo nas dunas Parirmos gêmeos Amor como este deserto É silêncio preto preto Como o caminho do táxi Até os aviões Se eu ligasse para contar Não teria sentido algum Li que gêmeos são pássaros No Sudão meridional.

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CAROLINA PAZOS nasceu no Rio de Janeiro, filha de cearense e neta de imigrante galego. Acredita que somos de onde nosso coração pertence, por isso, se considera nordestina. É poetisa, compositora, feminista e mestre em Estudos Étnicos em Africanos. Atualmente desenvolve um trabalho de canção regional contemporânea com o Trio Carimã. | CAROLINA_PAZOS@YAHOO.COM.BR

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DA VINDA DOS VENTOS EDSON DUARTE | Dublin, Irlanda.

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Não, não é assim que o vento escoiceia a gente, É bem rápido, corpulenta e feroz lufada vindo E se esparramando, tomando tudo. Vindo na contramão do nosso eterno caminhar Que quase sempre é em vão como Em vão é nosso viver aqui na Terra. Não, não é assim sopro de brisa Vindo veludosa e delicada pele Tocando a nossa, coisa insípida ou inodora. O que falo para vocês é de algo vivo, pulsante. Áspero e virulento é o escoicear do vento. É algo raro. Rancoroso e violento. Não, meus senhores, não há nada que possamos fazer Para evitar um possível susto. Para suspender nossas dores Para algum instante seguinte Que só aconteça depois do nunca. Há um assombro de pânico dentro de mim Ou o que é mais grave e triste demais: Uma catástrofe iminente. Ventos virão, quero dizer, gigantes desajeitados Com muitos olhos e muitas mãos. Braços e pernas. O corpo todo pulsando pestilência Doenças infectas que causarão grande mortantande De seres que nada sabem Do perigoso respirar os ares contaminados Há milênios. Não, eu não paro, continuo irresoluto. É preciso dizer até o fim.

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Não se pode cortar ao meio um assunto tão grave assim como comemos um pão aos pedaços. É preciso manter a calma porque tudo está prestes a se acabar. Eu já disse umas tantas vezes não, não E continuarei dizendo outras tantas Porque os ventos não só escoiceam, eles mugem, relincham Latem e abanam os rabos também Mas na maioria das vezes são seres escusos. São piratas. Contrabandistas. Assassinos. Padres pedófilos. Políticos e milionários e bilionários Que fazem caridade sem nenhuma culpa Acreditando que dessa forma eles Não contribuem para a miséria do mundo. Calma. Não. Não estou fazendo a sintomatologia De coisas ruins, catalogando ressentimentos e ódios. Não estou fazendo uma taxonomia dos ventos pútridos e malditos Que com suas lufadas destruidoras criam os párias da sociedade Aqueles que viram mendigos, que morrem de fome Por causa das guerras entre os ventos extremistas. Não, não quero mais falar da virulência dos ventos Da violência de sua vida, de sua futilidade atávica Que pode ser encontrada Até mesmo quando os recordamos em seus inícios. Quero ficar mudo. Esperando que venha uma nova brisa - azul e carinhosamente lenta Que toque suavemente meu rosto. Que me acaricie.

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Estou farto deste mundo esquizofrênico Que existe como se fosse uma asneira dita com uma seriedade real. Ou uma horrível piada de mal gosto calorosamente Aplaudida pelo público-zumbi que não está entendendo nada. Não, não sei de nada. Nem de mim eu sei mais. Que venham, então, os ventos. E que eu continue Com os olhos marejados por causa De tudo isso que vejo e penso a cada dia. Tudo isso que sempre me faz acreditar menos no ser humano. Acreditar que as pessoas são boas. Que elas pensam nas dores dos outros. Definitivamente o mundo realmente não tem conserto. É o fim. Que venham os ventos. Que eu os quero Desesperadamente vívidos, pulsantes e antagônicos. Enquanto isso eu faço minhas preces ao tempo. Diluído no agora que pulsa. É vivo. É intenso. Não. Não. Os ventos escoiceiam abruptos Minha cabeça. Eu tombo ao chão. Pode-se pensar que estou morto, Mas ainda não. Algo como um fino e frágil sopro de vida ainda pulsa em mim. Muito lento, é certo. Muito incerto, delicado caminho para os finais da vida. Respiração cada vez mais lenta. Os sinais vitais apagando-se aos poucos Como se apaga uma lousa absolutamente Lotada de palavras, frases, conceitos Que pouco a pouco se diluem Até que cheguemos ao vazio. Ao nada.

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Até que não pensemos mais O nosso eu, o nosso existir na Terra. Até que saibamos como é a existência De um trêmulo vegetal. Ou de uma pedra. Tudo se apaga e eu me deito Neste quente colchão pontilhado De tantos flahses do instante. É bom quando posso ser Gratuitamente e mergulho Na cama. No sono reconfortante. Agonizar mentalmente tem sido meu aprendizado cotidiano de como ser límpido e transparente. Enquanto isso há os ventos, não, não Essa coisa aqui nunca acaba, nunca terá um fim. Eu poderia continuar até o nunca. Invento, então, um fim. Mas a conversa continua.

EDSON COSTA DUARTE nasceu em Pratápolis, MG, mas mudou-se para Campinas, SP, quando criança. Estudou letras na Unicamp (1988-1991), fez mestrado sobre a obra de Clarice Lispector (1992-1996), na mesma universidade, e doutorado na USFC (2002-2006), sobre a poesia de Hilda Hilst. Entre 2007 e 2009, fez pós-doutorado, no IFCH, Unicamp, sobre e prosa de Hilda Hilst. Publicou 4 livros e vários ensaios e textos literários em jornais e revistas impressos e na internet. Atualmente mora em Dublin, Irlanda. | DUARTEAZUL@IG.COM.BR

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CARA, COPO GABRIEL CORREIA | Campinas, SP.

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Cara, copo. Chegando ao sétimo já não lembrava o próprio nome. Aguiar. Aguiar? Passou pelo oitavo e continuou, depois do décimo primeiro perdeu as contas. Pediu a terceira dose. Riram. Eram assim mesmo, adoravam a desgraça de Aguiar. Aguiar? Gostavam mesmo é para poderem esquecer de suas próprias. Imbecis. Aguiar não, Aguiar era autêntico. Aguiar? Pediu mais uma e botou na conta, na verdade colocou todas na conta. Sua conta era de anos e o Bigode respeitava isso. Nada restava, então continuou. Copo, cara. Chegando ao sei lá qual pediu a conta. Aguiar? Não, não, na verdade era mais uma na conta, e não a. Assim tudo bem, na verdade não, mas deixa para lá. Bem longe. Olha os imbecis, continuam por lá porque sabem que Aguiar é a salvação, sem ele seriam nada mais que completos fracassos de seres humanos. Aguiar era sim a salvação. Aguiar? Pede mais uma, é um guerreiro. Chega mesmo a sentir orgulho de sua situação quando alguém de fora se espanta com suas proezas, com sua maestria em foder completamente toda a sua vida. Cara, copo. Mais uma dose, Bigode põe. Ele sempre põe, Bigode é macho, macho de verdade. Não esses aí que se montam nas lojas de músculos torneados. O Bigode é macho de verdade, daqueles que nascem de putas, mijam, comem cebola em conserva, jogam truco porque gostam de gritar, não entendem a porra da palavra sensibilidade e sabem o real valor que há em se chamar uma mulher de gostosa. Gosssssstoooosa, assim demorando no esse e no ó. Puta que o pariu, o cara é macho pracaralho! E como tal, quando reconhece outro, não pensa duas vezes, ajuda mesmo, e se o cara quer beber até morrer, então ele tem o dever de ajudar. Copo, cara. Mais uma, mais uma! E assim vai, mais e mais, mais é mais, é sempre mais. Parar não é uma alternativa. Aguiar só sai daqui caído. Aguiar? Os imbecis não, chega uma hora que não aguentam, fingem que só estavam fingindo e saem como se fossem bons. Mas tudo bem, desce mais uma, e o Bigode ainda está lá. Ele sempre está. Ele e Aguiar. Cara, copo. Aguiar? Mas alguma hora ele vai

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ter que ir embora, sempre tem, o Bigode tem família, Aguiar! Aguiar? Ele não é como você que encara os dias como contagem regressiva. Bem . . . Na verdade ele encara sim, mas de outro jeito, diferente do outro. Diferente do Aguiar. Para esse aí, sim, a vida realmente é uma contagem regressiva, tique-taque tique-taque para a morte. Mas sem drama, sem sentimentalismo, por favor! Não há nada de triste nisso, afinal, um homem não pode escrever o próprio destino? Se um pobre de um infeliz não tem nem esse direito, então a coisa tá feia mesmo. Aguiar? Pede mais uma, pede mais outra, pede mais todas, pede, pede, pede, pede até o Bigode dizer que não dá mais. Infelizmente, com o coração partido, é a família, sabe, se não fosse isso ele ficaria ali fazendo companhia por quanto tempo Aguiar quisesse. Mas não dá, por Deus, não dá! Pede desculpas a Aguiar e se sente um pouco menos macho por isso. Ah, se Aguiar não morrer logo, logo, logo, o Bigode não vai se sentir nem um pouquinho macho. Vai acabar como aquelas, quer dizer, aqueles travestis que passam pelo bar de vez em quando. Isso não pode. Será que é bom dar o cu? Aguiar? Aguiar então, por não ter alternativa, visto que por essa hora todos os bares estão fechados por aqui, volta para casa. Cara, copo, putz, é o último, merda, merda, merda! Cara, agora só cara, e pernas tropeçando pelas ruas vazias. Daqui a pouco clareia, isso é estranho, Aguiar nunca se acostumou a ver o sol raiar, apesar de ver todos os dias. Estranho, é como as mulheres de sua vida, ele nunca se acostumou a vê-las partirem, embora todas tenham. Cambaleia pra cá, volta e meia pra lá, segue, segue, andar, até em casa chegar. Sempre chega, coisa boa, perder-se não é para ele, nunca foi. Aguiar, velho guerreiro! Aguiar? As ruas tortas, para aqui e acolá, olha lá, olha lá, é a casinha de Aguiar! Aguiar vive ali, ali, ó, onde estou apontando com o dedo. É uma casa bonitinha e pequena. Cara, agora só cara, ah, dormir para esquecer e acordar para lembrar, lembrar que amanhã tem mais cara, copo, copo, cara, e se for um dia bom vai ter o dia inteiro, até escurecer, e depois mais e mais. Mas olha

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só a casinha do Aguiar! Aguiar? Não, desculpem-me, mas não é bonitinha não, é um barraco nos fundos da casa da Dona Guiomar. A Dona Guiomar é a mãe de Aguiar, bem velhinha e enrrugadinha e boazinha como ela só, e cuida do Aguiar, do jeito que dá pelo menos. Uma comida quente de vez em quando e uma palavrinha pra tentar animar o filho. Já teve época dela chamar o pastor lá da igreja pra ele conversar com o Aguiar. Aguiar foi um tempo pra igreja, mas cansou, não é igual, é chato, e ele sempre fica lembrando do que não é bom. Pra igreja quase nada é bom. Melhor que cara,copo não há. Dorme Aguiar, talvez vomite, mas é difícil, já está escaldado, muito, muito, muito. Amanhã é outro dia, mas mesmo que não fosse. Cara, copo. Aguiar estará lá, abrindo e fechando o bar. Aguiar?

GABRIEL C. CORREIA é professor, marido e pai de uma menininha chamada Cecília. Escreveu e dirigiu o curta-metragem O Diabo por Dentro em 2010. Atualmente reside em Campinas. | BIELSUED@GMAIL.COM

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O LOBO ISABEL CARDOSO| Lisboa, Portugal

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PARTE 1 Este nunca foi de alcateias. Era sempre um solitário que fugia dos seus. Gostava dos seus passeios, das suas caçadas. Explorar o mundo e evitar guerras. Brincava em charcos e com as folhas, Em noites de lua brilhante uivava! Fosse em tom de lamento ou grito eufórico. Aconchegava-se nas tocas descobertas, em sonos profundos. De vez a vez lá aparecia outro lobo que queria lutar por território. Ele nunca quis. Não desejava possuir terras, muito menos lutas. Embora algumas fossem inevitáveis. Ganhou e perdeu combates. Feriu e foi ferido, com e sem gravidade. Mas no final, lambia sempre as suas feridas, Descansava do combate E voltava a caminhar. A sua eterna busca, O sítio do local dos seus sonhos. Maravilhosos, calmos e pacíficos. Onde o encontrar? Caminhava há tantos anos, Certos locais quase se assemelhavam. Mas a sensação não era igual. (Sempre longe, pensava)

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PARTE 2 O alimentar, outrora feito com uma fome de alcateias inteiras! Hoje é apenas uma tarefa. Fixa-se a caça e cerra-se-lhes as presas até a peça se deixar de mexer. Arrancam-se pedaços de carne, que se engolem quase inteiros. Foi-se o gosto pelo caçar, Pelo gosto do sangue e pelo saciar da fome. Mata-se silenciosamente, E come-se somente o bastante pra aguentar os quilómetros nas patas. Larga-se o resto da carcaça para outros animais. E segue caminho. Caminho esse muitas vezes sem rota. Caminho esse que se tornou também desapaixonado. Caminhar, procurar o local dos sonhos. Esse tornou-se o objectivo principal. Ficaram esquecidas todas as outras tarefas. Tudo aquilo que fazia o caminho ser agradável. Mas o Lobo continua, Esquecido que a caminhada em si É também parte da tarefa de seguir o sonho. Mas ele continua, caminhando, caminhando incansável.

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PARTE 3 Após um ano a caminhar, Praticamente sem parar, o Lobo abrandou. Olhou para trás e verificou, lá do alto do cume O último troço caminhado. Hei de parar - pensou para si mesmo - mas ainda não é hora. E continuou, subindo, subindo monte a cima, Descendo vales. As mortes eram quase instantâneas. Apenas carne. Só isso. Sem a vertigem da caça. Apenas carne que vive, Que se mata e que se deixa o restante a apodrecer. Andar, caminhar, esse é o objectivo. Tudo o mais apenas funções de sobrevivência. Num certo dia de caminhada encontrou A jovem Loba que teria sido sua companheira. (numa outra vida pensou) Tinha-se tornado numa bela e madura Loba. Olhando para si mesmo sentiu-se um farrapo. As patas feridas de tantas milhas feitas, olhos vazios, Mandíbulas ainda ferozmente pintadas da última morte que cometera. Sentiu-se envergonhado com o seu aspecto e com o seu coração tão vazio... Mas ela sorrira-lhe!

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PARTE 4 Naquele sorriso a Loba relembrou-lhe, O quão grande era o seu coração! "Olha para mim" - dissera-lhe o Lobo Para estas mandíbulas ainda tingidas de sangue... Não sou mais que assassino! Não sou mais que um ser que vagueia, À espera da sua hora. Nem o coração ficou. Esse... Estilhaçou-se em tantos pedaços, Que nem os sei contar. E o tempo... nem sei quanto passou, Demasiado!... Olha para o meu pêlo, Vê o quão branco está agora. Vê o quanto me gastei nestes anos... Não sou quem outrora fui. Tornei-me feroz e solitário, De peito tão vazio, Que nem o vento gélido o faz sentir. E estas patas... Enlameadas, gastas. Não têm conta os milhares e Milhares de quilómetros percorridos. E estes olhos... Não brilham sonhadores, (como um dia fizeram)

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São baços, mortos e cegos. Já não vêem, só reflectem. Não sou quem antes fui. Não sou quem conheceste, Não sou quem no passado amaste. Esse partiu há muitos, muitos anos! E eu lamento. Lamento mesmo muito.

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PARTE 5

Era por fim a chegada ao cume. E por baixo de si, estendia-se o vale. Tão verdejante, tão denso, tão rico! Erguiam-se as árvores de copas tão altas, As suas raízes rompiam a terra E dançavam na vegetação. Havia o lago também, Límpido, como nos seus sonhos recordava. E a sua toca... Teria sido ali que nascera, dissera-lhe alguém um dia. Era o local ideal. O Lobo fechara os olhos instantes para encher bem o peito de ar. No reflexo viu o seu focinho, Tão velho, tão encardido, Os seus dentes cobertos de tártaro e gastos. Que resta de mim? - Pensou o Lobo. Entrou no lago e limpou-se. Deitou-se ao Sol para secar.

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E, por fim. Foi para a toca onde adormeceu. Adormeceu durante meses!

ISABEL CARDOSO (Lisboa, 1985) descobriu e apaixonou-se pela poesia aos oito anos, com Sophia de Mello Breyner Andresen, quando a escritora foi à sua escola primária e leu alguns dos seus poemas e contos. Começou a escrever poesia e contos aos dez anos mas só em 2015 se aventurou a arriscar a publicação, participando na colectânea “Poema-me” da Editora Lua de Marfim Editora.

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A MULHER DE OUTRO MUNDO JOÃO ROCHA

| Marituba, PA.

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A evolução científica foi particularmente perturbadora para a senhorinha Travesso. A intenção do esposo – um antigo aficionado por HG Welles e Viagens espaciais - de se alistar – como voluntário – a uma expedição a Marte causou dores de cabeça na família. “Mãe, o papai não tem mais idade para isso, não se preocupe”. Tal conselho foi pouco proveitoso. Mais de meio século de convivência transformou a atitude do engenheiro aposentado em uma grande traição comparada à descoberta de uma amante. A esposa que descobrira, por um acaso, o formulário de inscrição para os testes iniciais que levaria o velho a morar definitivamente naquele lugar, não precisou de mais nenhuma outra conclusão dos fatos. Na casa, um silêncio crescia arranhando os azulejos da sala. Até os cães tinham receios de proferir latidos desnecessários. Pouco tempo depois, o Senhor Travesso realmente partiu deste mundo. Depois da tristeza da morte, as evidentes circunstâncias a serem enfrentadas. Roupas dobradinhas sobre a cama para nunca mais serem

usadas.

Livros

antigos

e

amarelados

com

dedicatórias

incompreensíveis. Pouco tempo depois, netinhos remexendo pelo quintal a chutar a bola na janela. Isso assustava a triste vozinha e quebrava um pouco os seus lentos pensamentos: “Chega também meu tempo”. “Na profunda insensatez matinal das coisas?”. Chegaram também as dores nossos ossos, os irrelevantes tropeços na pequena elevação na porta do banheiro. O vapor do chá afastando os pássaros para áreas mais floridas e menos cinzentas. A casa aos poucos foi perdendo as cores. Nem a mudança dos filhos com suas noras esforçadas para agradar e fazer companhia. Nem as pequenas crianças, pouco afetivas é verdade, sempre com aparelhos maiores que suas próprias mãos, nem as poucas amigas que ainda se sacrificavam em suas próprias limitações físicas para visitá-la, nada conseguia afastar dela aquele semblante que ao ser investigado, procurava no chão, ou atravessando para o outro lado da janela, o

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esconder-se. E todas as vezes que o olhar caído e de cristalino já embranquecido da senhorinha procurava na cama, o outro par do travesseiro, quiçá amassado, e no apalpar da mão enrugada; pelos inadiáveis assuntos da vida, redescobria-se aquilo que se evitava sentir com ardor no peito, ela levantava-se e em passinhos curtos até os arredores da casa, observava atentamente os aglomerados estrelares. Então lembrava que o marido de sutil humor e elevado espírito para aventuras espaciais, quase sempre em dias sem nuvens laranjadas. Quando a doçura do café estava na medida exata para fazer cálculos astronômicos, dizia, com voz rouca, sem titubear: “És, a Mulher de outro mundo...” Ela sorria, sem entender. Na sublime astronomia das pessoas simples.

JOÃO ROCHA é escritor paraense. Está na antologia de contos da Fundação Câmara Brasileira dos Jovens Escritores do Rio de Janeiro “A Mulher de Branco e outras Mentiras Verdadeiras”, lançada em 2015. Têm publicações nas revistas ‘Subversa’, ‘Avessa’ e Walking in Briarcliff e nos sites literários: ‘LiteraturaBR’, ‘Revista Pacheco’. Colunista do site Degradê Invisível e Curador da revista literária paraense ‘Jurandir’. | LLLLENO@YAHOO.COM.BR

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UM BURACO DE AGULHA PARA O FIO DE ARIADNE LOECY ROSA DAMÁSIO | Porto Alegre, RS.

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Se encontrasse Ariadne, pediria que lhe desse um fio. Mas um que passe através do buraco da agulha. Por que, afinal, fabricam agulhas com buracos tão estreitos? Devia haver só uma agulha, grande o bastante, e com um buraco largo. Pois [o fato parece este] estas agulhas não são grandes o bastante. Ariadne! Mas o que poderia fazer ao longo disso? Se as agulhas são fabricadas com este tamanho! Ora, mas Ariadne bem poderia ter pensado em um fio mais fino e mais curto! Por favor! Quem pensaria antes em um fio para buracos de agulhas, sem que houvesse agulhas? Porque o fato [e deve ser este] é esta desigualdade de dimensões. Qualquer bom costureiro [estes que se espetam enquanto costuram] reconhece tal desigualdade. E claro que xingam Ariadne! Porque [se] os buracos são costurados vazios, poderiam se alargar o bastante? Ariadne cometera um erro de cálculo. Mas nenhum bom costureiro apreende um erro tão largo! Deve haver uma ordem. Uma sequência. Ora, todo costureiro [mesmo o mau] sabe que há um primeiro ponto para que uma costura não descosture. É preciso um primeiro ponto. [E o fato] é que Ariadne costurou tudo primeiro. Foi isso. Pensou a costura, e agora o fio não atravessa bem os buracos. A ausência de um ponto! Claro que Ariadne não é uma costureira. Nem boa nem má! Não, nunca foi costureira! Pelos céus! Se tem algo que todo costureiro sabe é isto [e este era o ponto]: há uma ordem. Ariadne deveria descosturar tudo! Algum bom costureiro [este que já se espetou várias vezes] deveria conhecê-la só para dizer-lhe isto: Ariadne, é melhor descosturar tudo. Não que a costura não tivesse ficado boa. [Na verdade] é uma daquelas costuras que começam do nada, continuam até um certo ponto [nunca se sabe qual], até que não há mais o que costurar. É simples [todo costureiro sabe]: a costura entrelaça seus pontos. Claro que um bom costureiro pontua a costura. Mas nem o alfaiate dos alfaiates [e a agulha deveria reconhecer] costura uma veste para gregos e troianos. A questão é simples: o buraco da agulha e o fio de Ariadne são desproporcionais. E [por

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favor!] estas máquinas de costura! Um bom costureiro espeta os dedos! Deve-se costurar à mão. Não, máquinas de costura só alinhavam em linha reta. Melhor desistir da costura do que confiá-la a uma máquina! E Ariadne devia tê-lo feito. Não que tivesse costurado mal [Ariadne costura bem]. Só que é preciso um ponto. Um primeiro ponto a partir do qual a costura e a descostura são ambas possíveis. Pois há também este fato: é impossível descosturar o que não se costura. Pela alfaiataria! Se encontrasse Ariadne! Mas o que poderia lhe pedir? Afinal, dera-lhe o fio. E ele não atravessa bem o buraco da agulha. Mas lhe dera o fio. Deve, sendo assim, desfazer-se do fio? E costurar o quê? Bem, é isso. Não devia costurar. Está óbvio que Ariadne não pensou num fio para buracos de agulha. E isso pois não havia agulhas para espetarem dedos de bons costureiros. Nem havia costureiros! A questão é outra [para gregos e troianos!]: nada, senão um buraco, por mais estreito, concede a travessia de um fio. E o fio, ajustando-se para além do buraco, suspende uma agulha [que espeta os bons costureiros]. Talvez porque amarram as pontas. Ora, mas o que podem fazer os costureiros senão amarrar as pontas? Se não amarram, não podem costurar! Pois [e todo bom costureiro sabe] se não estão amarradas, a linha não costura. Não dá pontos. Uma descostura da costura enquanto se costura [só o que falta!]. Não. Deve haver um ponto. Estreitar a visão, à altura da agulha, para que a extremidade da linha se estenda o suficiente a fim de que costure [é isso]. E é bem verdade que todas as costuras se descosturam em algum ponto e as vestes rasgam. Mas é só uma questão de recosturar. Todo costureiro [até o mau!] sabe isto: só é preciso agulha e fio. Mas seria melhor procurar Ariadne antes de recosturar e pedir que lhe dê um buraco largo o bastante. Porque [a este comprimento] Ariadne já deve ter pensado nisso. Pelas barbas do profeta, se Ariadne [por acaso] pensou que os costureiros pensariam nisso! Pois costureiros só pensam em costura. Costuram primeiro. É uma questão de ordem. O costureiro e [dele] a costura. [E costurar {em si} costura o costureiro]. E só

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para dizer-lhe isto: Ariadne, é melhor descosturar tudo. Por tudo de sagrado! Os dedos já se espetaram o bastante! Não há costureiro [bom e mau] que já não teve os dedos espetados nestas agulhas que pesam o fio. Só as máquinas de costura não se espetam. Mas também! Só alinhavam em linha reta! O costureiro redobra a costura. Alfaiate de gregos e troianos. Ora, Ariadne nunca foi costureira! Pelos céus! Ainda assim, antes de recosturar, pediria à Ariadne um fio [que atravessasse]. Afinal, fabricam agulhas com buracos! E o que devem fazer os costureiros [senão esburacar costurando pontas]? Pela alfaiataria!

LOECY ROSA DAMÁSIO é formada em Letras [Licenciatura em Língua Portuguesa e respectivas Literaturas] pela PUCRS [Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. Pesquisadora em Teoria Literária e Escrita Criativa. Ex-integrante do grupo musical RimaQ’Age, em Campinas-SP. | LOECYDAMASIO@OUTLOOK.COM

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OS TROFÉUS PAULO ARCE | Campinas, SP.

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gosto de manter meus troféus todos em cima de minha estante todos enfileirados e aparecendo

a poeira que cai sobre eles todos os dias eu nunca faço questão de limpar

também, quando o brilho vai saindo eu não tento lustrar fico contente em tê-los ali apenas

e mesmo que eu não dedique qualquer tipo de cuidado ainda são meus, em cima da estante

mas tem vezes que de tanta falta de cuidado meus troféus ameaçam cair

e aí, meu deus, como passo a amá-los! como os encho de cuidados!

daí tiro a poeira daí dou um brilho e limpo a estante embaixo deles

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e prometo aos meu trofeuzinhos que jamais deixarei faltar estima carinho cuidado e amor

mas no fim, a poeira volta e o brilho se perde de novo e volto a não ligar, pois eles estão ali na estante

mas se ameaçam cair meu deus, que cuidados dedico!

PAULO ARCE é professor universitário e funcionário público. Escreve poesias e contos para rebater a monotonia sufocante dos dias. Vencedor do "I Concurso Literário Era uma vez" (2015) da IMA (Informática dos Municípios Associados de Campinas), na categoria de contos. Publica contos no site entrelinhas.org. | PAULOB.EDUARDO@GMAIL.COM

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[CONTEÚDO EXTRA] O MITO DO TRADUTOR INVISÍVEL Por ser uma atividade que atravessa a história da humanidade desde os seus tempos mais antigos, a tradução está cercada por uma série de paradigmas e opiniões que estão cristalizadas tanto entre pessoas que nunca estudaram o funcionamento das línguas em geral quanto na própria comunidade de acadêmicos de Letras. Neste breve ensaio, tentaremos problematizar e questionar as noções tradicionais das atividades atribuídas ao tradutor de textos literários. Por noções convencionais, entendemos o pressuposto de que, ao passar um texto de um idioma (doravante língua de partida) para outro (doravante língua de chegada), é obrigação do tradutor não se posicionar quanto ao seu conteúdo, não emitir juízos de valor ou modificar a mensagem central do texto. Essa ideia já pode ser discutida quando buscamos o significado de “língua” num dicionário online: 8)(LING) Para Ferdinand de Saussure (1857-1913), linguista suíço, sistema abstrato de signos, subjacente à fala e à escrita, usado por uma comunidade e que se opõe à sua realização individual; langue. 9) Conjunto de modos de expressão particulares, dentro de um mesmo idioma, que reflete fatores determinados por idade, profissão, área de saber, ambiente sociocultural etc.: A língua dos jovens tem características bem peculiares. (MICHAELIS, 2016) Se para Saussure cada língua é um sistema de signos usado por uma comunidade, como esperar que outra comunidade tenha signos

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correspondentes aos criados por ela? E se a língua é influenciada por fatores socioculturais, como esperar que esses mesmos fatores estejam em todas as comunidades de falantes existentes no planeta, para que haja uma correspondência exata? Para que possamos examinar essas perguntas com mais precisão, suponhamos que um tradutor tenha que traduzir, do espanhol para o português, o seguinte diálogo: - ¡Te permito decirme solamente una palabra más! - Plancha. Esse simples diálogo já encontra um grande problema: o verbo em espanhol planchar significa em português passar roupa, ou seja, seu significado não tem apenas uma única palavra na língua de chegada. Se o tradutor optar por usar essa construção, terá que alterar o texto para “duas palavras mais” ou “algumas palavras mais” - e, caso esse diálogo fosse o resultado de uma briga tensa entre duas pessoas, a intensidade do “una palabra más” estaria dissolvida nas opções usadas pelo tradutor. Dessa forma, o efeito causado pelo diálogo já não seria mais o mesmo no texto traduzido. Essa discussão em torno dos verbos tende a se tornar mais espinhosa quando pensamos em línguas mais distantes: em inglês, por exemplo, existe o verbo to borrow, que significa em português pegar emprestado. Novamente, vemos que uma tradução feita ao estilo palavra por palavra não funcionaria num texto em que esse verbo estivesse presente. Além dessa discussão em torno dos verbos, também é necessário levar em consideração o fato de que cada palavra carrega subjetividades e significados únicos, de modo que encontrar uma mera correspondência não é sempre possível. Os adjetivos do português branco e alvo, por exemplo, não são sempre intercambiáveis. Um lusófono certamente sabe o que significa chocolate branco, mas, com certeza, acharia muito estranho alguém dizer que gosta de chocolate

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alvo. Sobre essas nuances contidas em cada palavra, é possível portanto constatar que: […] a utilização da palavra na comunicação verbal ativa é sempre marcada pela individualidade e pelo contexto. Pode-se colocar que a palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro pertencente aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e, finalmente, como palavra minha, pois, na medida em que uso essa palavra numa determinada situação, com uma intenção discursiva, ela já se impregnou de minha expressividade. Sob estes dois últimos aspectos, a palavra é expressiva, mas esta expressividade, repetimos, não pertence à própria palavra: nasce no ponto de contato entre a palavra e a realidade efetiva, nas circunstâncias de uma situação real, que se atualiza através do enunciado individual. Neste caso, a palavra expressa o juízo de valor de um homem individual (aquele cuja palavra serve de norma: o homem de ação, o escritor, o cientista, o pai, a mãe, o amigo, o mestre, etc.) e apresenta-se como um aglomerado de enunciados. (BAKHTIN, 1997, p. 313) Pensemos agora em exemplos ainda piores: em seu poema Meu Sonho, o escritor brasileiro Alvares de Azevedo inseriu uma grande quantidade de consoantes oclusivas dentais, gerando um interessante efeito sonoro que tem por intuito de imitar o trotar de um cavalo (CANDIDO, 1985 p. 41). Como traduzir esse poema para um idioma em que não existam consoantes oclusivas dentais, ou, saindo da discussão apenas fonética, para línguas cujos seus falantes nunca viram um cavalo na vida e, portanto, essa palavra inexiste para eles? Essa situação hipotética também nos mostra que a tarefa do tradutor não é simples; pelo contrário, é um emaranhado de problemas que, ao que tudo indica, são quase infinitos.

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Diante desse fato ao mesmo tempo fascinante e assustador (a unicidade absoluta de cada língua em si mesma), resta-nos tentar responder: qual o papel do tradutor? A resposta a essa pergunta já é um pouco mais óbvia: buscar, após uma análise detalhada e sistematizada do texto, equivalências que tornem possível a leitura do objeto a ser traduzido na língua de chegada. Toda tradução implica, em diferentes níveis, na realização de adaptações. Obviamente, como elas serão feitas não é uma pergunta que oferece respostas simples e levianas e vários intelectuais se debruçam há séculos sobre essa discussão. O tradutor e acadêmico estadunidense Lawrence Venutti, por exemplo, divide as traduções em duas grandes categorias: a estrangeirizadora e a domesticadora (VENUTTI, 2000, p. 7). A primeira não se preocupa em tornar o texto acessível à língua de chegada e prima pelo que chamamos de concepção ortodoxa de tradução no início deste ensaio. Desse modo, toda tradução estrangeirizadora teria detalhes que indicariam ao leitor que ele está diante do estranho, do excêntrico. A segunda, por sua vez, não vê problemas em adaptar o texto, por vezes realizando modificações deveras substanciais na obra: para esse tipo de tradução, por exemplo, é bastante aceitável que, ao traduzir um romance do inglês para o português, uma personagem chamada “Mary” vire “Maria”. Pensando em outros teóricos, podemos também recorrer à opinião do famoso escritor italiano Umberto Eco sobre esse assunto: para ele, toda tradução é uma “negociação” (ECO, 2007, p. 19) entre os dois idiomas e, sendo assim, uma tradução será sempre “quase a mesma coisa” que o original – ou seja, ele acredita que alcançar a precisão absoluta nesse caso é uma tarefa impossível. Dessa forma, é obrigação do tradutor se posicionar quanto ao texto a ser traduzido. Não defendemos, em hipótese alguma, que o tradutor sempre tenha “carta branca” para fazer o que bem entender em seu trabalho. O que

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buscamos foi trazer à luz ideias bastante problemáticas que atravessam esse assunto e, assim, mostrar que algumas delas são insustentáveis quando

obtemos

evidências

empíricas

advindas

da

realidade

concreta. Com base no conteúdo desse texto, concluímos que, ao se omitir, o tradutor está fadado a produzir um texto artificial e hermético, sem vida própria. Por conseguinte, somente ao abandonar a esperada invisibilidade que se espera dele e deixar clara a sua presença na relação entre o autor e o leitor estrangeiro, é que o tradutor poderá enfim realizar um trabalho bem-sucedido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CANDIDO, Antonio. A Cavalgada Ambígua. In: _________ Na Sala de Aula – caderno de análise literária. São Paulo, Ática, 1985. ECO, Umberto. Quase a mesma coisa. Rio de Janeiro: Record, 2007. MICHAELIS. Língua. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=l%C3%Adngu a>. Acesso em: 08/09/2016. VENUTTI, Lawrence. The translation studies reader. London: Routledge, 2000.

PEDRO LIMA é graduando em Letras Português/Espanhol pela UFPR e, nas horas vagas, brinca de traduzir. Sonha em fazer um mochilão pela América Latina e encontrar algo que cure a sua insônia.

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sobre PRI MONTANIA Priscila Montania (1983) - Nascida em São Paulo, artista plástica. Seu trabalho transita por suportes diversos incluindo técnicas como aquarela, pastel, acrílico sobre tela, aerografia, fotografia entre outros. Sua poética tem como eixo central o universo feminino, sublinhando a presença do corpo humano e do nú como motes para a construção de universos sensíveis que exploram o delírio e a psiquê humana em suas mais diversas facetas. Vem atuando fortemente na cena paulistana com participação em exposições, coletivos e intervenções urbanas.

Notícias 18ª edição do Correntes d´Escritas Irá realizar-se entre os dias 21 e 25 de fevereiro, com a Cerimônia Oficial de Abertura agendada para o dia 22 de fevereiro às 12h00 no Casino da Póvoa. Durante a cerimônia, que conta com a presença confirmada do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, serão revelados os vencedores dos prêmios. A edição desse ano espera a presença de cerca de 80 escritores de 13 nacionalidades diferentes, incluindo a estreia de Macau e Venezuela. Na programação consta mesas de debates, lançamentos de livros, sessões de poesia, além de duas exposições, cinema e estúdio de luz natural. Outra novidade é “D’Escritas 1 Dia”, onde 4 autores irão passear pela cidade com o objetivo de criarem textos sobre a cidade.

Prêmio SESC de literatura 2017 Até o dia 17 de fevereiro, autores brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil poderão concorrer ao Prêmio SESC de literatura 2017, organizado em parceria com a Editora Record. As obras de contos ou

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romance terão que ser inéditos. A inscrição poderá ser feita pela internet. Confira o regulamento em: http://www.sesc.com.br/portal/site/premiosesc/Edital/

Oficina de Haiku na Flâneur

A Livaria Flâneur receberá uma Oficina de Haiku que será ministrada por Tânia Ardito, editora da Revista Subversa. Os interessados poderão realizar a inscrição pelo e-mail da livraria: livraria@flaneur.pt Datas: 18 e 25 de Fevereiro Horário: 10h00 às 12h30 Valor: 20€ p/ pessoa ; 15€ p/ grupos de 2 ou mais. Vagas: 20. A oficina será realizada com o mínimo de 6 participantes.

Edição e Revisão Morgana Rech e Tânia Ardito MORGANA RECH & TÂNIA ARDITO Recepção de originais: CONTATO.SUBVERSA@GMAIL.COM

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