D i á l o g o s Interdisciplinares no uso de diferentes l i n g u a g e n s na educação

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Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação

Organizadoras Maylta Brandão dos Anjos Valéria da Silva Lima Beatriz Brandão


Autores Andréa Alves de Abreu Ariana Rabelo Ariany Tárzia Machado Beatriz Brandão Carlos Daniel dos Santos Trindade Cabral Carolina Lima Pimentel Daniel Costa Matos Denise Figueira-Oliveira Emerson de Souza Queiroz Giselle Rôças Gustavo Maiato Kaio Cesar de Azevedo Peres Luci Alves da Silva Luciano Henrique Lourenço Maria Cristina do Amaral Moreira Maylta Brandão dos Anjos Nilza Dias Silva Patricia Maneschy Priscila da Paixão Silva Veras Rafael Barreto Almada Raquel Angélica Andrade Corrêa de Albuquerque Sonia Regina Mendes dos Santos Talita Nogueira Lopes Valéria da Silva Lima‬ Wallace Vallory Nunes


D iá lo go s Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação Organizadoras Maylta Brandão dos Anjos Valéria da Silva Lima Beatriz Brandão

São Paulo 2019


CONSELHO EDITORIAL Dra. Andréa Alves de Abreu - UFRJ e UCB Dra. Caroline Bordalo - Cefet/RJ Dr. Dario de Sousa e Silva Filho - UERJ Dra. Gabriela Ventura - IFRJ Dra. Grazielle Pereira Rodrigues - IFRJ Dra. Luciana da Cunha e Souza - IBMEC Dra. Maria Sarah da Silva Telles - PUC/RIO Dra. Marta Abdalla - IFRJ Dra. Maria Simone Alemcar - UNIRIO Dra. Maylta Brandão dos Anjos – IFRJ Dra. Michele Waltz Comarú - IFES Dr. Renato Matos Lopes - FIOCRUZ Dra. Roselene Crepaldi - USP Dra. Selma Alves - UFF Dr. Wallace Vallory Nunes - IFRJ-RJ

Copyright © 2019 Maylta Brandão dos Anjos, Valéria da Silva Lima & Beatriz Brandão Os fatos, opiniões e juízos de valores expressos neste livro são de exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito dos autores.

Publisher EDER DE ARAÚJO Coordenação Editorial e Direção de Arte VIVIAN ZEPELLINI Departamento de Comunicação BEATRIZ BRANDÃO Diagramação e Capa VIVER CULTURAL Ficha Catalográfica VZLF

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A619d Anjos, Maylta Brandão dos L732d Lima, Valéria da Silva B817d Brandão, Beatriz Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação / Maylta Brandão dos Anjos, Valéria da Silva Lima e Beatriz Brandão - - São Paulo : VZLF 258 p. ; eBook. ISBN. 978-65-8086502-4 1. Educação 2. Linguagens 3. Interdisciplinaridade I. Título. CDD (21. ed.) 371.102 CDU (ed.99) 37.02

REALIZAÇÃO EDITORA VZLF: Viver Cultural www.vivercultural.com.br vivercultural@vivercultural.com.br


Uma educação pela pedra Uma educação pela pedra: por lições; para aprender da pedra, frequentá-la; captar sua voz inenfática, impessoal (pela de dicção ela começa as aulas). A lição de moral, sua resistência fria ao que flui e a fluir, a ser maleada; a de poética, sua carnadura concreta; a de economia, seu adensar-se compacta: lições de pedra (de fora para dentro, cartilha muda), para quem soletrá-la. * Outra educação pela pedra: no Sertão (de dentro para fora, e pré-didática). No Sertão a pedra não sabe lecionar, e se lecionasse, não ensinaria nada; lá não se aprende a pedra: lá a pedra, uma pedra de nascença, entranha a alma. João Cabral de Melo Neto



Este livro é dedicado a Paulo Freire que nos brindou com sua existência e ensinou que a esperança é a ação de esperar! Ele acertou. Para quem aprendeu a escrever riscando palavras no chão, foi fácil aprender a ler vendo estrelas nos céus. A pureza de sua bondade lapida a nossa humanidade. Dele aprendemos que o analfabetismo esconde uma proibição de classe social, e ainda há de gente e humano em nós que vai se rebelar contra uma ética de cuidado ao lucro, essa não é uma ética para humanos e sim para o mercado. Vivemos isso nos momentos atuais. Para pensarmos o agora ele disse: é preciso “desumilhar” quem ensina. Que isso seja rápido!! Viva o filósofo da liberdade!!


PREFÁCIO

p. 9

O FA ZER DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: possibilidades para o ensino de ciências mediado pela literatura infantil

p. 11

EDUCAÇÃO E CULTURA: o cinema em questão

p. 29

CULTURA, MÍDIA E EDUCAÇÃO PARA O PÚBLICO INFANTO-JUVENIL

p. 68

A EDUCAÇÃO E O TEATRO PROLETÁRIO EM BENJAMIN

p. 90

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E RECURSOS AUDIO-VISUAIS NO ENSINO MÉDIO

p. 100

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E JORNALISMO CIENTÍFICO: um olhar na educação

p. 126

NOTÍCIAS SOCIOAMBIENTAIS DE UM TELEJORNAL

p. 144

A EXPERIMENTAÇÃO DIDÁTICA EM LIVROS DE CIÊNCIAS PARA OS ANOS INICIAIS

p. 173

Lucília Augusta Lino

Ariana Rabelo, Sonia Regina Mendes dos Santos & Patricia Maneschy

Carlos Daniel dos Santos Trindade Cabral, Beatriz Brandão & Maylta Brandão dos Anjos

Luci Alves da Silva, Beatriz Brandão & Denise Figueira-Oliveira Andréa Alves de Abreu

Nilza Dias Silva, Maylta Brandão dos Anjos & Rafael Barreto Almada

Gustavo Maiato & Beatriz Brandão

Talita Nogueira Lopes & Maylta Brandão dos Anjos

Raquel Angélica Andrade Corrêa de Albuquerque & Maria Cristina do Amaral Moreira


SUMÁRIO

O ENSINO DE BIOLOGIA E HISTÓRIA EM QUADRINHO DIGITAL

p. 199

O USO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO POSSIBILIDADE DE ENSINO NA ESCOL A

p. 210

EDUCAÇÃO SE XUAL E REL AÇÕES FAMILIARES

p. 222

WEBMUSEU: a cultura e o sagrado das plantas medicinais no ensino de ciências

p. 239

SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORAS

p. 251

Carolina Lima Pimentel, Kaio Cesar de Azevedo Peres, Ariany Tárzia Machado & Wallace Vallory Nunes

Emerson de Souza Queiroz, Priscila da Paixão Silva Veras & Wallace Vallory Nunes

Daniel Costa Matos, Giselle‬ Rôças & Valéria da Silva Lima‬

Luciano Henrique Lourenço



Prefácio

Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação

Esta obra coletiva, organizada por Maylta Brandão dos Anjos, Valéria da Silva Lima e Beatriz Brandão, traz um conjunto de artigos que dialogam com os desafios postos na contemporaneidade ao uso de diferentes linguagens na educação, na cultura e na ciência. As organizadoras congregaram nessa obra diversos autores com formações múltiplas, e, também, múltiplas atuações no campo da cultura e da educação. Os artigos que compõem essa coletânea trazem contribuições relevantes para as discussões bem atuais no campo educacional em interface com a ciência, a cultura, a mídia, os museus, e as diferentes e múltiplas linguagens. Ser convidada para fazer o prefácio dessa obra, cujos autores em sua maioria são professores ou egressos do IFRJ e de outras institui é uma alegria e uma honra. Hoje, presenciamos uma série de ataques à educação pública em meio a um cenário de amplo retrocesso político no campo educacional constrangendo a pluralidade de pensamento e a diversidade cultural presente nas nossas instituições públicas e colocam sob suspeição a atuação do professor e o papel da escola e da Universidade. As ameaças à democracia e ao direito à educação tomam corpo a cada dia. Entretanto, tomamos alento quando lemos uma obra desse vulto, construída coletivamente por professores que trazem a pluralidade de linguagens em diálogos multidisciplinares, e diria mesmo transdisciplinares. Quando proliferam discursos infundados que equivocadamente responsabilizam instituições e educadores por uma alardeada perda da qualidade do ensino, omitindo que os cortes de recursos e o desfinanciamento são os principais empecilhos à elevação da qualidade do ensino público, publicar uma obra como esta é um ato de resistência. Os autores dessa obra trazem efetivas contribuições ao ensino e ao campo da educação, ao discorrerem sobre diferentes possibilidades pedagógicas que dialogam com a pluralidade de linguagens a partir de uma diversidade de olhares e formações que enriquecem o debate sobre a educação e o ensino, ampliando os horizontes, 9


construindo caminhos multidisciplinares. Assim, temos nessa coletânea, um conjunto de autores que socializam suas produções fruto de pesquisas acadêmicas e de experiências docentes, em diversos níveis de ensino, abarcando da educação infantil ao ensino médio, e dialogando com espaços das ciências e das artes, interagindo com múltiplas linguagens. O ensino de ciências em diferentes níveis de ensino, a divulgação científica e o uso de linguagens midiáticas, como as HQs, e espaços virtuais, como web museus, são temas recorrentes, dada a formação de muitos dos autores, e a atuação no Instituto Federal do Rio de Janeiro, como professores ou egressos, da maioria dos autores. Os recursos audiovisuais, a tecnologia digital e os meios de comunicação também são temáticas presentes em vários textos, assim como a arte e a cultura, em suas diversas manifestações e linguagens, como teatro, cinema e literatura, também objeto de estudo e debate. Articulando o ensino com a mídia, o cinema e o teatro, a literatura infantil, as histórias em quadrinhos e desenhos animados, os autores discutem os limites e as possibilidades educacionais de múltiplas artes e linguagens. Como presidente da ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos profissionais da Educação, uma entidade que tem lutado nas últimas quatro décadas, por uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação, como condição da melhoria da qualidade social da educação básica, não poderia deixar de aplaudir a iniciativa desse coletivo de professores e pesquisadores. E mais, reafirmar o compromisso com a escola pública, laica, gratuita e inclusiva em todos os níveis e modalidades para todos os cidadãos brasileiros e com a defesa da democracia, assumidos historicamente pela ANFOPE. Em meio a um amplo retrocesso cultural, político e educacional que retira direitos e ameaça a própria democracia no Brasil, é fundamental que reafirmemos a defesa da educação pública, o que esta obra faz, lato sensu, ao tematizar, de forma crítica e fundamentada, diferentes linguagens em diálogos interdisciplinares que articulam ensino e pesquisa, arte e ciência, educação e cultura. Parabéns aos autores! Aos leitores desejo que aproveitem bem a leitura. Rio de Janeiro, dezembro de 2019.

Lucília Augusta Lino 10 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


O fazer docente na educação infantil: possibilidades para o ensino de ciências mediado pela literatura infantil

Ariana Rabelo (PMDC) Sonia Regina Mendes dos Santos (UNESA) Patricia Maneschy (IFRJ)

Para início de conversa... Quando nos referimos a Educação Infantil, tomamos por base o contexto do desconhecido sobre as diretrizes e práticas que orientam as ações docentes na promoção da aprendizagem e, por vezes, nos deparamos com práticas fundamentadas em ações empíricas dessignificativas para o aluno nesta faixa etária de 0 a 5 anos de idade. Porém, é possível pensar e elaborar formas de mediar e ensinar ciências os alunos da Educação Infantil de forma a promover ensino e aprendizagens aproximadas à realidade em que os conhecimentos sobre a ciência se revelam cotidianamente. Essa investigação parte de uma pesquisa em andamento e vai de encontro as práticas docentes que aproximam conhecimentos da ciência à compreensão das crianças. Nesta dinâmica, conhecer os processos de realização das práticas pedagógicas mediadas pelos docentes e suas concepções de ensinar advindas de sua formação em prol da autonomia das crianças, desde a Educação Infantil, é intenção fundamental desse estudo. Assim, se tencionam discussões sobre os limites e possibilidades do fazer Ciências mediados pela Literatura Infantil em que possamos revelar um caminho que ensinar e aprender corresponda à alfabetização científica em Ciências para a crianças. Essa proposição se pauta na teoria sobre os saberes docentes incorporados na prática pedagógica para um ensino de Ciências crítico e reflexivo. Desta forma é preciso considerar as experiências no cotidiano das ações que conduzam aos questionamentos: Para que a formação científica na Educação Infantil? E o ensino de Ciências pode 11


conduzir a reflexões teórico-críticas desde a Educação Infantil? Quais possibilidades para a formação docente ser construída de modo a promover resistência à imposição do pragmatismo pedagógico na ação para o ensino de ciências na Educação Infantil? O referencial para estudos e metodologia se apoia em Adorno (2000); Benjamin (2002; 1995); Nóvoa (2009; 2017) Ponzio (2010); Pozo (2009); Tardif (2014), entre outros, nos quais se pode compreender a formação docente para além da transmissão de conteúdos. A pesquisa acontece na Escola Pública do Município de Duque de Caxias/RJ. Na metodologia, inicialmente foram colhidos dados por meio de um questionário individual com quatro professoras atuantes na Educação Infantil, com objetivo de investigar que tipo de saberes consideravam em sua prática docente e qual a relevância do Ensino de Ciências em seu planejamento, há presença do uso da Literatura Infantil como mediadora de aprendizagens? Podemos perceber, inicialmente que no Ensino de Ciências na Educação Infantil é fundamental promover o despertar do conhecimento científico e o desenvolvimento de identidades autônomas, emancipadas e dialeticamente articuladas com a Literatura Infantil.

Construções desconcertantes da escolarização A infância, o lúdico e o conhecimento científico estão tão presentes no cotidiano da Educação Infantil quanto ao próprio desafio de educar a criança nessa etapa de sua formação. Refletir sobre a práxis docente é ultrapassar os limites que obstam ao óbvio, uma vez que educar a criança é perceber-se no caminho do inesperado. As recentes garantias dos direitos humanos à educação, como um direito público subjetivo, colocaram a formação escolar nos trilhos da seriada produção do mundo do trabalho (SANTOS; DINIZ-PEREIRA, 2016). De modo similar, podemos encontrar na Educação Infantil resquícios das mesmas bases culturais de caracterização pragmática postas nos níveis, etapas e modalidades da educação brasileira. Desse modo, está presente a caracterização do reducionismo educacional de concepção liberal na formação docente. Neste pressuposto, será preciso pensar alguns aspectos tanto para a formação como suas relações na definição dos currículos destinados ao ensino de ciências na Educação Infantil. 12 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Consideramos que problematizar o ensino de Ciências na Educação Infantil é de igual modo desvelar as contradições sociais presentes nas lacunas entre os discursos do amplo arcabouço legal para a educação infantil, a formação docente e as realidades cotidianas experienciadas nas práxis dos professores nessa etapa. E, na contramão da reprodução prescritiva de propostas educacionais estão os casos de resistência que promovem uma práxis docente caracterizada como autônoma e dialogizante com as múltiplas realidades dos alunos, especialmente em situações de fragilidade social. Santos e Diniz Pereira (2016) ao analisarem o início dos debates sobre as Base Nacional Comum Curricular (BNCC), afirmaram: Os estudos no campo do currículo (APPLE, 1994; BALL, 2012a) apontam para a impossibilidade, na prática, de implantação de uma base nacional comum, porque aquilo que for definido em nível nacional será reinterpretado/recontextualizado de acordo com as experiências e tradições de diferentes esferas: as secretarias estaduais e municipais de educação, a escola, o professor e o aluno. Assim, uma base nacional comum não é garantia de que os estudantes brasileiros terão resguardados seus direitos a determinados conhecimentos, como argumenta o discurso oficial (p. 287).

Dessa maneira, a experiência de resistência aos prescritivos modelos educacionais de concepção liberal que encontramos no trabalho docente na educação infantil podem constituir-se campos possíveis quando professores e alunos coletivamente elaboram um campo próprio dentro do currículo, criando outras redes curriculares, práticas e narrativas no cotidiano. Neste trabalho, a literatura infantil surge como estratégia para ampliar os processos reflexivos experienciáveis para além do conteúdo curricular, nesse caso, o currículo de Ciências na Educação Infantil. Seguindo a concepção de Adorno (2000) sobre educação, é preciso repensar sobre as exigências de padronização da formação e do currículo: A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar a minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu mundo exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção 13


de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política; sua ideia, se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar, mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado (ADORNO, 2000, p. 141-142).

A compreensão sobre o lugar do conhecimento teórico-prático na formação do professor desde a educação infantil pode promover a produção de uma “consciência verdadeira” frente aos ditames dos imperativos que as diretrizes curriculares estabelecem desde o início da vida escolar do aluno. Numa sociedade, cercada de violência, do preconceito, do lugar da hierarquia em sociedade, do consumismo, dentre outros aspectos, nos vemos diante das consequências da globalização “É este período assinalado por Boltanski e Chiapello, normalmente associado às formas de globalização hegemônica, que tem no neoliberalismo sua expressão principal (e mais influente)”, nos diz Romão e Teodoro (2009, p. 161). Percebe-se a relevância da educação como processo de humanização dos indivíduos para além do memorizar conteúdos científicos transmitidos. No Brasil as dimensões econômicas e políticas nas últimas décadas apresentaram restrições aos investimentos em recursos didáticos e tecnológicos impactando na ampliação do acesso ao conhecimento científico na Educação Infantil (EI). Para Ferreira e Côco (2011) as políticas para Educação Infantil vivem [...] tensões contemporâneas, redefinidoras da cidadania (DUBET, 2011), uma vez que vivemos tempos desconcertantes de reconhecimento de direitos, em coexistência com formas cada vez mais sofisticadas de desigualdades sociais (CASTEL, 1997). Nesse contexto, a temática da infância tem ganhado intensidade na agenda pública, sustentando a produção de marcos jurídicos que passam a exigir novas políticas públicas pautadas na responsabilidade coletiva pelas crianças (REDIN; MÜLLER; REDIN, 2007), em especial na esfera do direito à educação, e, com isso, a educação escolar assume uma importância significativa (p. 358).

O modelo assumido para expansão da EI nasce na concepção de filantropia, assumida por movimentos sociais e associações comunitárias. O Estado por meio da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, estabelece no Art. 4º, Inciso IV - atendimento gratuito em creches 14 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. A oferta de matrículas tem a finalidade de atender as classes menos favorecidas caracterizando a fragilidade da política pública que em sua expansão assume um caráter assistencial sendo considerada como “um amplo consenso de que se trata de um benefício significativo para todas as crianças e que é considerado por muitos governos como um meio de prevenção da exclusão social” (UNICEF, 2008, p. 17 apud FERREIRA e CÔCO, 2011, p. 358). Num segundo momento, as políticas para EI foram orientadas à prática educacional por meio do documento “Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil” de 1998, em 2001 a EI é mencionada no Plano Nacional de Educação – PNE, na Lei nº 1.172, e é prevista sua manutenção por meio do FUNDEB (Fundo de manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, via Decreto nº 6.253 de 2007. Como sucessivas crises econômicas os desafios do movimento político educacional pela obrigatoriedade da educação infantil, logra êxito somente a partir de 2013, quando é lançado o Decreto Lei nº 12.796, de 4 de Abril de 2013, publicado com mais de 100 anos de atraso comparando-se aos países europeus. As políticas para EI tem alcance em diferentes áreas conjugadas variando entre: a integração dos sistemas de ensino, previsão de formação inicial e continuada referindo-se aos profissionais e não aos diversos agentes auxiliares que, por diversas vezes, ocupam o lugar docente, a qualidade do trabalho educativo que deve ser estruturado conforme bases pedagógicas características à infância, o acompanhamento dos resultados a fim de promover qualidade e renovação das política e manutenção da estrutura física adequada de atendimento à EI. Na prática, observamos a efetivação de políticas municipais que descaracterizam a Lei por meio de adequações tanto à legislação quanto a minimização da qualificação do profissional de EI. A exemplo das exigências de um docente, tais profissionais em sua formação, encontram nomenclaturas para definir o seu trabalho como: auxiliar, monitor, assistente, recreador, atendente, berçarista, entre outros. Para as autoras Ferreira e Côco (2011, p. 363), a lógica do mercado adentrou a escolarização atingindo a organização do trabalho pedagógico, a forma contratual assumindo estagiários em lugar dos docentes causando uma prática fragmentada e dissociada das intenções 15


políticas instaurando a precarização em todos os níveis, incluindo diferenciação salarial e cargas horárias disruptivas. Nesse contexto o trabalho para atendimento a infância se demonstra ameaçado das reais proposições para este segmento. Sinalizamos que, dentre outros fatores, estão aqueles que revelam o descaso com a Educação Infantil, por exemplo, a desvalorização do plano de carreira e salários, as precárias condições materiais objetivas de trabalho, os cansativos livros/ cartilhas disponibilizadas, a uniformização e previsibilidade dos resultados, a alta resistência a avaliações mais humanizadas, são exemplos de políticas públicas que reproduzem em cadeia a pseudoformação que submete a todos, legisladores educacionais, gestores, docentes e alunos. É neste cenário de contradições entre proposta do campo de formação para a Educação Infantil e a formação docente para tal, que procuramos indícios de um ensino de Ciências capaz de impulsionar a produção de conhecimento científico crítico-reflexivo, aliada à formação humana democraticamente pensada. Assim, em meio as dificuldades das estruturas políticas, econômicas, culturais, didáticas e arquitetônicas, o trabalho desenvolvido nas escolas de Educação Infantil se assemelha mais a um aparelhamento estatal, aspecto não diferente da educação vivida pelas escolas da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias/RJ, que vive como tantos outros do país, um cenário de precariedade como a ausência de regularidade dos salários. Portanto, cabe questionar: Como é possível possibilitar aos docentes, na atual conjuntura sócio histórica e econômica, uma formação teórico-prática que relacione o ensino de Ciências, literatura infantil e educação democrática capaz de desvelar os estereótipos discursos governistas que ocultam as frágeis condições do trabalho cotidiano? Logo, é possível dar voz às infâncias mesmo quando os silenciamentos culturais e os modelos identitários únicos de produção de conhecimento são postos para o consumo de conteúdos na relação ensino-aprendizagem? Para Bakthin (2000), a escola precisa romper com os discursos monológicos, que assume uma posição ideológica definida de acordo com o condicionamento histórico, social, econômico e cultural que desenha esse mesmo discurso. Ao compreender o diálogo como espaço de embates, lutas, assimetrias que refletem os próprios aspectos 16 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


da interação social, emerge a literatura capaz de mediar diálogos que possibilitam às crianças a reinvenção de si e do mundo, sendo autores da sua própria história. Segundo Ponzio (2010, p. 50) O calar da palavra literária desvia o sentido, subvertendo não o conteúdo, mas a própria prática do sentido, desnorteando a prática da significação com a da significância. Libera os significantes, que recusam assim os percursos interpretativos, os significados habituais [...] O universo da palavra literária é aquele da alteridade, da polifonia, do plurilogismo, do diálogo, da escuta como espaço interpessoal, no qual “eu escuto” quer dizer também “ouça-me”.

E numa postura de autonomia pedagógica, o ambiente construído tende a romper com a imposição cultural tão pragmaticamente castradora da criatividade das crianças. Num trecho de Rua de mão única intitulado “Canteiro de obra”, Benjamin critica o pedantismo dos pedagogos de sua época, especialmente em relação ao material educativo e brinquedos infantis. Benjamin (1995, p.18) trata do olhar da criança: As crianças são inclinadas de modo especial a procurar todo e qualquer lugar de trabalho onde visivelmente transcorre a atividade sobre as coisas. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelo resíduo que surge na construção, no trabalho de jardinagem ou doméstico, na costura ou na marcenaria. Em produtos residuais reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas e para elas unicamente.

O estudo sobre a infância e o atendimento que se faz necessário se justifica por si, em seu caráter problematizador e conscientizador. A necessidade da construção dos diferentes olhares sobre o objeto da formação docente para EI e o cuidado à formação do público infantil se faz urgente diante da análise de um objeto em muito narrado, mas pouco problematizado. Logo, romper com o denuncismo tão comum nas pesquisas é o caminho gnosiológico escolhido neste estudo para uma aproximação menos estereotipada. Nessa busca por caracterizar o saber docente, Tardif (2014, p.35) aponta que: É necessário dizer que todo saber, mesmo o “novo”, inserese numa duração temporal que remete à história de sua 17


formação e de sua aquisição. Todo saber implica um processo de aprendizagem e formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização adequadas.

Para caracterizar a práxis docente na escola pública é preciso identificar sinais que caracterizam emancipação e formação para a autonomia desde a Educação Infantil, considerando os saberes docentes e o fazer do ensino das Ciências dentro desta etapa de ensino. A escola em sua função social poderá contribuir para a formação de sujeitos autônomos, que ao mesmo tempo, sejam formados cientificamente e socializados numa perspectiva humanizatória. Adorno (2000, p. 139), traz a questão “[…] para onde a educação deve conduzir?”, e “Para quê a formação científica na Educação Infantil?”. Considerando o cotidiano escolar na Educação Infantil, há espaço para reflexões teórico-críticas nas aulas de ciências? Ao ensinar ciências existe a preocupação com o desenvolvimento da autonomia e emancipação dessa criança? As reflexões importantes acerca dos saberes e práxis docentes provocam as discussões a respeito do fazer ciências e da formação intelectual de crianças nos primeiros anos de escolaridade.

O universo da ciência na educação infantil A formação docente para a Educação Infantil há muito tem sido vitimizada pelas estruturas que apresentam inconsistências quando consideramos as relações entre políticas educacionais e instituição escolar. Mesmo que, após recentes composições legais nas Diretrizes Curriculares Nacionais/DCNs (BRASIL, 2013) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais/PCNs, (BRASIL, 1997), é evidente que as Ciências Naturais timidamente alcançam o universo da Educação Infantil, por isso a proposta de relacioná-la com a Literatura Infantil. Quando considera-se as realidades das escolas da Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias/RJ em suas dimensões sóciohistóricas, encontra-se no emaranhado cotidiano entre o que é dito e o que é feito [grifo do autor] profundas lacunas e distanciamentos entre saber científico e formação humana e literária. Para o estabelecimento 18 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


desse caminho epistemológico, o método de trabalho docente não pode restringir-se a finalidade única das metodologias que se caracterizam pela transmissão e acúmulo de conteúdos, mas sob condição docente de intrínseca relação dialética entre teoria e prática, fornece estruturas pedagógicas adequadas ao conhecimento do objeto a ser ensinado. Por outro lado, a capacidade metacognitiva1 do trabalho docente pode ser uma das possibilidades de lhe conferir a adequação de linguagem ao campo da EI. Numa dialogia entre o que se sabe e o que se faz [grifo do autor], problematizar os desafios do trabalho docente e compreender as necessidades e anseios dos alunos, como referencial para compartilhar conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, permite a práxis docente que ultrapassa o espelhamento burocrático administrativo previsto para suas funções. A ciência e a vida estão em condição intrínseca perpassando os valores humanos fundamentais como: respeito a vida, cuidado de si e do outro, formação para a diversidade humana, preservação do meio ambiente, dentre tantos outros temas. A visão de Cassot (2000) sobre a consciência científica desafia os docentes à compreensão sobre o objeto da Alfabetização Científica e os modos de acessar a aprendizagem dos alunos e a compreensão da sua existência na vida cotidiana. O autor pergunta ao docente se este realiza a sua própria metacognição ao ensinar seus alunos a fazer a ciência e a conhecer a ciência e sua significação com a vida. O autor comenta “A ciência pode ser considerada como uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar o nosso mundo natural” (20914, p. 30), e como linguagem, docentes precisam entendê-la a partir de duas posturas: a de corrigir ensinamentos distorcidos sobre o conhecimento da ciência e fazer entender as ciências na vida. O autor considera que a alfabetização científica é uma necessidade, pois é uma dimensão que potencializa alternativas e confere, de modo privilegiado, a formação em uma educação de forma mais comprometida pelo ser humano. [...] a Ciência seja uma linguagem; assim, ser alfabetizado cientificamente é saber fazer ler a linguagem em que está escrita 1  A consciência sobre o ato de aprender, direciona-se para a aprendizagem sobre o próprio processo de aprendizagem. Docentes podem conduzir seus alunos a fazerem a experiência de conduzir a compreensão sobre seus próprios processos de aprendizagem por meio de técnicas e habilidades.

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a natureza. É um analfabeto científico aquele incapaz de uma leitura do universo (CHASSOT, 2014, p. 29).

A interdisciplinaridade é o fundamento para o conhecimento da Ciência possa ser educável, pois são compartilhados em uma mesma área de conhecimento uma ou duas disciplinas, deste modo os conhecimentos em seus objetos de estudo são comunicados facilmente, pois a contextualização não gera a fragmentação da dimensão disciplinar. Na EI a Alfabetização Científica será considerada a partir das práticas pedagógicas mediadas pelo brincar, que constituem os atos do cotidiano envolvendo nesse processo não somente as crianças, mas os professores (as), a comunidade, os pais e os profissionais da área que poderão atuar na formação das crianças de modo a constituir práticas que possam provocar a produção dos conhecimentos científicos por meio de uma proposta coletiva e reflexiva. Para Almeida e Téran (2013, p. 08) A implementação do processo da Alfabetização Científica desde a primeira etapa da Educação Básica, proporciona, certamente, uma maior guarida para as crianças que hoje têm desrespeitadas, quase sempre, suas condições de aprendizagem e de ser, como um todo. Dizemos isso, pois percebemos que, a AC, quando trabalhada desde a Educação Infantil pode possibilitar um desenvolvimento maior da criança com o “mundo da Ciência”, isto é, passará a ver a(s) Ciência(s) além da pedante memorização de conceitos e significados e a verá como uma linguagem usada por homens e mulheres para entender o mundo que os cercam. Acreditamos que um tipo de Educação Infantil encalçada no caráter questionador, na argumentação, na observação e na atitude de cidadão preocupado com o meio ambiente, pressupostos esses da AC, é uma forma de estimular ainda mais a curiosidade da criança, que a todo instante procuraram compreender o mundo que a cerca.

A coleta de dados em andamento foi realizada numa Escola Estadual Municipalizada pelo município de Duque de Caxias, os elementos e reflexos da dinâmica docente in loco apresentam de um modo geral posturas que envolvem o interesse por um trabalho criativo e conectado com as demandas dos alunos. O questionário de caráter exploratório aplicado, inicialmente, demonstra que apesar da quase totalidade da negligência do poder 20 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


público com o avanço coletivo da Educação Infantil, os docentes caminham no sentido de enfrentamento, reinterpretando as normativas para que seus alunos tenham na escola um apoio para além do senso comum. Seguiu-se a realização de entrevistas para aprofundamento de alguns aspectos fixados a priori: (1) Concepção de Educação; (2) Formação Inicial e Continuada; (3) Relação Teoria e Prática; (4) Ensino de Ciências e Educação Infantil; (5) Literatura Infantil e Ensino de Ciências. No processo de continuidade da pesquisa vamos nos debruçar sobre questões que correspondam ao uso da Literatura Infantil como uma linguagem na relação ensino-aprendizagem dos conteúdos sobre Ciências; o campo da prática e seu desdobramento sobre o entendimento dos ecossistemas, da vida animal, vegetal e desenvolvimento sustentável.

Primeiras aproximações dos resultados e discussões Nestes primeiros resultados desvelar as causas que ainda permitem, no atual estágio civilizatório, a educação escolar cindida entre indivíduo e sociedade, teoria e prática, disciplina escolar e realidade dos alunos, livros didáticos e experiência de aprendizado, ciência e reflexão, como se não fossem parte constituintes de um mesmo processo: a formação humana. A relevância vai de encontro a pensar em qualidade social para o Ensino de Ciências na Educação Infantil, não a partir dos sintomas do pragmatismo na atualidade apenas, mas considerando as profundas raízes que tabulam monolisticamente o processo de ensino aprendizagem vivenciado nas escolas atuais. Com o objetivo de colher informações sobre os saberes docentes, considerando os limites e possibilidades para o ensino de Ciências na Educação Infantil mediados pela Literatura Infantil, adotou-se a realização de entrevistas semiestruturada com quatro (4) professoras que atuam na etapa da Educação Infantil na Escola Estadual Municipalizada. Com o intuito de preservar a identidade de cada uma elas serão assim denominadas: Professora Terra, Professora Ar, Professora Água, Professora Fogo, fazendo assim uma alusão aos elementos da Natureza. A primeira categoria de análise visava caracterizar o perfil profissional do entrevistado e qual a sua percepção sobre o termo 21


“educação”. Com relação ao tempo de experiência profissional no magistério, todas as entrevistadas possuíam mais de doze (12) anos de pleno exercício de suas funções docentes. Quanto ao tempo de serviço na Rede Municipal de ensino de Duque de Caxias todas elas já atuavam há mais de dez (10) anos. Para definir o termo “educação”, a Professora Fogo fez o seguinte apontamento: “Atualmente [...] um fracasso!”, as demais relacionaram o termo aos conhecimentos adquiridos ao longo da vida e a necessidade de formação do home trabalhador para o mundo como ainda um desafio a perseguir. Mediante essas concepções apresentadas é notório que de um lado se expresse um pessimismo neutralizante, e de outro um reducionismo imposto pela sociedade que vive sob a égide do capital. Minimizar as possibilidades de desenvolvimento humano por intermédio da educação é o mesmo que dizer que a escola cumprirá seu papel quando preparar pessoas bem ajustadas para viver e produzir em sociedade. Daí a importância de se refletir sobre a formação dos professores sob a égide da teoria e da pesquisa, conforme estudos de Costa (2015). Quanto à categoria de análise “Formação inicial e continuada”, o objetivo foi perceber o processo de formação profissional e construção de sua prática docente. As questões buscavam identificar a formação acadêmica inicial e a formação em serviço, três professores possuíam Ensino Médio em Formação de Professores e uma o Ensino Médio com formação geral e curso de complementação em Magistério. Uma com Graduação em Pedagogia, uma com Licenciatura em Ciências Biológicas e duas cursando o ensino superior em área da educação. Apenas uma possuía Pós-Graduação em nível de Especialização. Quando perguntadas: “Você investe em sua Formação continuada? Por quê?”, elas responderam que investem sempre que possível, a Professora Terra complementou: “Acho fundamental na profissão que exerço”. Porém, destacaram que a categoria tempo impede que invistam com maior regularidade, ou seja, elas possuem consciência de que dispensam pouco ou quase nenhum tempo à sua formação e consequentemente a espaços de reflexão teórico-crítica a sua prática docente, o que define uma certa fragilidade da formação docente. Quanto a esse aspecto, Costa (2015, p. 18) evidencia que: “Admitir a perspectiva formativa, por intermédio da experiência teórica e investigativa, contribuirá na humanização dos professores e alunos, ao se contrapor à dominação e à inconsciência social, marcas da sociedade de classes”. 22 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Na categoria de análise “Relação Teoria e Prática”, objetivava-se provocar reflexões sobre os saberes docentes necessários ao exercício da profissão professor, tencionando discussões sobre as bases epistemológicas que fundamentam a práxis docente. Sendo assim, a primeira pergunta foi: “Como me fiz professora?”, nesse ponto foi solicitado que fizessem uma reflexão sobre a sua trajetória profissional, buscando identificar as escolhas que a levaram a estarem exercendo a sua função atual de professora. Embora os primeiros passos em direção a escolha do magistério fossem distintos, o ponto em comum estava em torno da paixão pela profissão. A professora Fogo disse: “Hoje em dia ser professor é muito difícil, requer muito esforço e dedicação e os incentivos são poucos, por isso gostar é fundamental. A professora Terra disse que sua trajetória de formação docente se deu através da sua prática, concretizou a escolha pela profissão ao realizar o curso de formação de professores. [...] “Ali descobri o que realmente gostaria de ser, porque sempre achei uma profissão muito nobre [...]”. Dentre os entraves encontrados para o exercício da prática educativa citados pelas professoras entrevistadas, temos: falta de material pedagógico; descaso da família; desvalorização docente; falta de tempo para planejar; alunos com dificuldades de aprendizagens e falta de condições de trabalho adequadas. Diante disso, foi perguntado: “Como você convive com essas dificuldades?”, elas disseram que tentam superar as dificuldades dentro das possibilidades. Quando questionadas sobre “Que saberes são necessários para o ofício de ser professor hoje?”, elas listaram o seguinte: saberes tecnológicos, fundamentação teórica, conhecimento da psicologia e da didática, flexibilidade e paciência e ter amor pelas crianças. E como última pergunta dessa categoria foi solicitado que avaliassem as condições de trabalho oferecidas na rede municipal de ensino que atuam, sendo que as respostas foram de regular a péssima. A professora Água disse que as condições estão piorando, regredindo a cada ano que se passa. Nesse ponto, não se pode prescindir da reflexão acerca da necessidade imperiosa de se intervir na melhoria das condições objetivas em que alunos e professores estão submetidos. Também notou-se uma preocupação apenas com a chamada formação no “chão da fábrica”, termo utilizado para evidenciar a fala das professoras quanto a demasiada importância dada a formação pela prática, o que revela a necessidade de reflexão para além de práticas cindidas e reducionistas. Nesse sentido, Costa (2015, p. 21) corrobora dizendo que: “A “práxis ilusória” é percebida no fazer docente baseado 23


em modelos pedagógicos heterônomos que obstam uma práxis com possibilidades de “guiar os homens para fora do fechamento em si”. Quanto à categoria de análise “Ensino de ciências e Educação Infantil”, o intuito era perceber, na visão de cada uma, a relevância que se dá ao ensino de ciências dentro da etapa da educação infantil. No que se refere ao currículo da educação infantil, as professoras compreendem a importância da área de conhecimento “Natureza e sociedade “ porque atribuem a este campo de ensino, a construção de conceitos desde a educação infantil, que contribuam para a conscientização das crianças sobre a preservação da natureza, o conhecimento e os cuidados com o corpo humano, saúde, convívio em sociedade, a compreensão do mundo em que as crianças vivem. A professora Fogo respondeu que faz parte da vida escolar do aluno e é importante trabalhar todas as áreas de conhecimento. Quando perguntadas: “Que relevância você dá ao ensino de ciências em seu planejamento?”, a professora Fogo e a professora Ar, responderam: “Acho importante”. A professora Terra disse: “A mesma que dou à linguagem e à matemática”, a professora Água associou o ensino de ciências aos fatos importantes do cotidiano das crianças. E quando perguntadas: “O que significa ensinar ciências na educação infantil?”, a professora Água disse: “Significa dar sentido ao mundo”. A professora Fogo disse: “Significa apresentar para as crianças o meio em que vivemos e os cuidados que temos que ter, para que eles desenvolvam uma consciência crítica sobre o tema”. A professora Ar disse que é trabalhar de forma lúdica os conteúdos de ciências naturais. A professora Terra considera que ensinar ciências nessa etapa significa “Despertar o cuidado com a natureza e com o nosso corpo humano”. Dentre os conteúdos que elas consideram indispensáveis ao ensinar ciências emergiram os seguintes: Meio Ambiente (Conscientização e Preservação); Corpo Humano (Higiene e Saúde); A Importância da Água e os Seres Vivos. A professora Água abordou conteúdos de outra área de conhecimento. Apesar de timidamente aparecerem sinais de conscientização sobre a natureza e cuidados com o meio ambiente, ainda se faz presente a demasiada ênfase dada aos conteúdos e a preocupação em relacionar ensino de ciências a aquisição de conceitos, o que revela a necessidade de realização de mais estudos sobre a formação docente e o ensino de ciências para além da transmissão de conteúdos. Conforme revelado por Costa, (2015, p. 18) em seus estudos sobre formação docente: “Capacidade criativa que demanda uma formação 24 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


teórica para além da reprodução de modelos pedagógicos, que se volta mais à adaptação social do que à emancipação e o livre pensar dos professores”. Essa pseudoformação observada na pesquisa, pode limitar essa capacidade do livre pensar, do impulsionar voos, do instigar a curiosidade epistêmica das crianças, do conduzir ao amor genuíno pela natureza e de despertar mentes criativas, aspectos imprescindíveis ao ensino de ciências na Educação Infantil de modo a valorizar o despertar do conhecimento científico para emancipar as crianças desde cedo, desmistificando a ideia de que os alunos não veem sentido nas ciências nos primeiros anos de escolaridade. Na categoria de análise “Literatura Infantil e Ensino de ciências”, o intuito era reconhecer espaços para reflexões mediados pelo uso da literatura infantil. Inicialmente, a intenção era identificar em quais momentos a literatura infantil aparecia nas aulas e com qual finalidade, três professoras disseram que a leitura de histórias era feita diariamente, uma disse realizá-la semanalmente. Sobre os fins do uso da literatura infantil em sala de aula, todas elas convergiam para a área da linguagem oral e escrita. Buscando observar uma aproximação entre o ensino de ciências e a literatura infantil, as respostas relacionavam-se a apropriação de conteúdos de ciências nos livros de literatura infantil de forma lúdica.

Considerações finais A partir das investigações foi possível concluir que os professores desenvolvem seus saberes ao longo de sua trajetória profissional, esses saberes também são decorrentes de sua história de vida, e por esse motivo é preciso estabelecer as relações entre a subjetividade humana e a prática docente, uma vez que seu ofício perpassa as relações individuais e sociais. Tardif (2014) aponta que a prática do professor não só alimentase de conhecimentos científicos, como também, está permeada de uma mistura de talento pessoal, de intuição, de experiência, de hábito, de bom senso e de habilidades confirmadas pelo uso. Nessa perspectiva, é possível perceber que a incorporação dos saberes dos professores relaciona-se com quem ele é, como ele adquiriu esses saberes, em que contexto profissional ele exerce sua função e o que ele faz ao ensinar. 25


Segundo Tardif (2014), o professor não pode se submeter a uma visão reducionista de ensino que compreende o docente como um técnico especialista, cuja função principal é a transmissão de conteúdos e, por outro, uma massa de manobra que sob a égide do capital contribui para a reprodução e a hegemonia cultural. De acordo com Tardif (2014, p. 236): “Noutras palavras, não existe um trabalho sem um trabalhador que saiba fazê-lo, ou seja, que saiba pensar, produzir e reproduzir as condições concretas de seu próprio trabalho”. Assim, na tessitura dos fatos, uma prática não prescinde da reflexão de que na construção do conhecimento, o fazer, o ser e o agir se comunicam intimamente com o contexto social e com os atores envolvidos nesse processo, visando uma formação voltada para a autonomia. Logo, desvelar as bases dessas epistemologias ainda é um desafio para os pesquisadores e professores, num exercício contínuo de redefinir conceitos, epistemologias da prática profissional, competências e habilidades. O trabalho docente no ensino de ciências e as possibilidades que a literatura infantil reúne para a construção de um diálogo rico e promissor, são plurais e heterogêneos, Podem apontar para a personalização do atendimento aos alunos e suas classes, bem como sugerir que as práticas docentes tornem-se um conjunto criativo de oportunidades e interação com o conhecimento científico. De certo, os professores parecem compreender a importância do ensino de ciências, mas podem não considerar os aspectos de enriquecimento que a literatura infantil pela via do sensível, possa descortinar num processo educacional emancipatório, dialógico, ultrapassando a intenção monológica.

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Educação e cultura: o cinema em questão

Carlos Daniel dos Santos Trindade Cabral Beatriz Brandão Maylta Brandão dos Anjos

Introdução O hábito de assistir a filmes é algo que a sociedade vem cultivando desde que os irmãos Lumière desenvolveram a sétima arte, anteriormente pensada por volta do século XIX por Leon Bouly como “fotografias animadas” que retratavam as cidades. No Brasil, a chegada deste invento não demorou e apenas seis meses após sua criação, em 1896 na cidade do Rio de Janeiro, houve a primeira sessão de cinema. Neste, que pode ser chamado primeiro momento do cinema no Brasil, existia poucas salas de projeção fixas e quase todo material a ser exibido era importado, onde a presença estrangeira na mão de obra das poucas produções locais era fortemente identificada. O Brasil era fundamentalmente um país exportador de matériasprimas e importador de produtos manufaturados. As decisões, principalmente políticas e econômicas, mas também culturais, de um país exportador de matérias-primas, são obrigatoriamente reflexas. Para a opinião pública, qualquer produto que supusesse certa elaboração tinha de ser estrangeiro, quanto mais o cinema (BERNARDET, 1978, 80).

Todavia, a chegada da sétima arte trouxe possibilidades diversas, não apenas no âmbito mercadológico de produção e criação de oportunidades econômicas, mas como uma oportunidade de, dentro do processo de criação, ser mostrado um pouco do país e de sua cultura. Por exemplo, por volta de 1910 através da Comissão Rondon, o cinegrafista Luis Thomas Reis, produziu diversas imagens de tribos e da cultura indígena, fazendo com que o cinema assumisse um caráter etnográfico e documental de valor científico, assim como meios de registrar a produção artística e cultural. 29


No início do século XX, o cinema permitiu uma nova possibilidade com o nascimento dos filmes de ficção, neste momento ao invés de registrar, vislumbrava a oportunidade de criar uma nova realidade, uma realidade inventada, recriada ou apenas possível de ser imaginada. Os filmes conquistaram a possibilidade de criar e difundir hábitos, e passam a ser tomados como uma produção cultural, tanto influenciando, quanto criando e revelando costumes, e ainda exibindo traços, sinais e símbolos da cultura presentes em um dado momento histórico. Nos estudos de Fabris (2008) essa face do cinema se evidencia da seguinte forma: [...] passei a tomar o cinema como uma produção cultural que não apenas inventa histórias, mas que, na complexidade da produção de sentidos, vai criando, substituindo, limitando, incluindo e excluindo realidades [...] como produções datadas e localizadas, produzidos na cultura, criando sentidos que a alimentam, ampliando, suprimindo e/ou transformando significados (FABRIS, 2008, p. 120).

O pioneiro desta nova forma de se fazer cinema e criador da tão admirada “magia do cinema” foi o francês Georges Méliès. Como? Talvez da mesma maneira que a heroica maçã resolvera cair na cabeça de Newton e dar início a Teoria da Gravitação Universal; a película da câmera de Méliès ficou presa enquanto o francês filmava as belas ruas de Paris. Na volta para casa, ao revelar o filme, percebeu que as imagens saltaram de um intervalo ao outro, sem passar pela ordem natural dos acontecimentos. De acordo com Rosália Duarte (2009, p. 23) “Quando revelou o filme viu, entusiasmado, que o ônibus que estava filmando havia se transformado em carro fúnebre e os homens haviam se tornado mulheres”. O então ilusionista Méliès se encantou ainda mais com o presente que lhe foi dado por Robert William Paul (criador do teatrógrafo e contemporâneo em quesito de invenções primordiais ao cinema das outras figuras já citadas) e iniciou seu trabalho de diretor aplicando a fórmula descoberta em cada um de seus mais de 500 filmes produzidos durante toda a sua vida. O francês era responsável não apenas pela filmagem, ele também escrevia seus próprios roteiros, cortava e colava seus negativos de forma a criar os efeitos extraordinários presentes em suas obras. A empolgação era tanta que se não conteve com pouco e criou seu estúdio próprio com estrutura de palco similar ao do teatro, além de fundar a Star Film, responsável por distribuir toda esta filmografia em países da Europa e posteriormente no mundo inteiro. 30 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Estonteada pela inovação tecnológica e artística logo no início do século XX, a burguesia europeia lotava as salas de cinema para presenciar as primeiras obras de ficção da história. A questão não era mais apenas o vídeo, a simples representação do real. O recémformado público criou a necessidade do fantástico, da ilusão, da fuga da realidade e da aplicação das técnicas iniciadas por Méliès. "Nenhuma tecnologia nova pode ser introduzida sem que o sistema econômico o exija, e mesmo assim não terá sucesso a não ser que satisfaça algum tipo de necessidade" (BUSCOMBE, 1977 citado em TURNER, 1997, p. 21). O poder comercial do cinema logo foi evidenciado, gerando lucro extraordinário não apenas para os primeiros exploradores, mas para os donos das salas de projeção, os negociantes e lojistas que vieram a possuir acesso aos acervos de filmes produzidos e suas cópias, além dos empresários que negociavam os termos das exibições e faziam o papel da divulgação deste nobre espetáculo. Todos receberam sua parcela pela contribuição no desenvolvimento da sétima arte e de sua transição de atividade comercial promissora à indústria. Como foi citado há pouco, o crescente público gerou novas necessidades, exigências e demandas, e para que o mercado continuasse sua expansão, os empresários logo trataram de criar um ambiente mais acolhedor ao lugar de apenas as salas frias de cinema. O cinema ascende dos subsolos e catacumbas, os pavilhões de feira ganham ares de teatro, os espaços improvisados recebem adornos espalhafatosos, pianistas são contratados para minimizar com o acompanhamento musical os inconvenientes ruídos do projetor. A descoberta da arquitetura adequada ao espetáculo cinematográfico enseja os mais diversos devaneios, dando origem a salas e modalidades de projeção singulares (MOGRABI; REIS, 2013, p. 21).

Contemporâneos de Méliès amadureceram o conceito de longa-metragem narrativo e buscaram diversificar os temas e gêneros abrangidos: na Inglaterra, Charlie Chaplin apresentava ao mundo o gênero da comédia e suas possibilidades. Representando inúmeras facetas em seus filmes, o “Vagabundo”, por exemplo, foi e ainda é um dos mais aclamados personagens da história do cinema. No imaginário coletivo, Chaplin é uma espécie de representante fiel do cinema mudo, tendo optado por migrar para o cinema falado apenas a partir da década de 40. O inglês foi um expoente importantíssimo no histórico da sétima arte, deixando como legado 31


obras clássicas da comédia, com elementos de expressão corporal do teatro, a técnica de edição de Méliès e uma boa dose de genialidade em suas críticas nas sublinhas. Tratava-se, então, não apenas de tentar captar o ‘real’ como ele acontece, mas de inventar uma realidade a partir da escolha da forma de filmar e da seleção de planos a serem utilizados na montagem do filme, criando a ilusão de realidade que é própria do cinema. Desse modo, o aparato técnico inventado para registrar o mundo passaria, também, a recriá-lo, segundo novas regras e artifício, ou, ainda, a criar outros mundos, mais ou menos semelhantes àquele. Ao invés de apenas registrar em imagem hábitos e costumes de povos distintos, os filmes de ficção passariam a inventar costumes, criar modas e difundir hábitos, tornando-se o entretenimento número um de milhões de pessoas em todo o mundo, pelo menos até meados dos anos 1950 (DUARTE, 2009, p.24).

D. W. Griffith trouxe a maturidade para o cinema em suas obras, aplicando o conceito de seleção das imagens filmadas e organização destas em uma sequência temporal na montagem, trazendo à tona as definições de cortes e tomadas. Talvez tenha sido o expoente cinematográfico que trouxe o verdadeiro conceito de cinema à tona com suas obras. “Nascimento de uma Nação” (1915) e “Intolerância” (1916) são filmes que não apenas apresentam estes novos conceitos, como também criam conceitos, teorias e discussões, são o primórdio do cinema como ferramenta crítica da sociedade representada. Em 1915, ocorreram dois fatos que valem a pena ser apontados, pois representam uma espécie de momento crucial para o cinema nas culturas ocidentais. Birth of a Nation / O Nascimento de uma Nação, de D. W. Griffith, foi lançado com uma extraordinária reação por parte do público e da crítica. Em sua escala épica (era o filme mais longo até então) e na qualidade pessoal de sua visão parecia definir o potencial de grande arte. O filme seguinte de Griffith, Intolerance / Intolerância (1916), não conseguiu repetir o sucesso de público e crítica e assim ele perdeu algo de sua preeminência nos Estados Unidos como artiste do cinema. Sua influência, no entanto, espalhou-se para além dos Estados Unidos, e na década de 1920 foi particularmente forte na Alemanha e na Rússia. Nestes países, indústrias cinematográficas financiadas pelo Estado produziam filmes em que o ‘cineasta como artista’ tinha o seu lugar garantido (TURNER 1997, p.38).

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Cinema de movimentos O advento do cinema como arte, já passado o processo de maturação, espalha-se por todos os cantos do globo. A partir das décadas de 1920/30 não eram mais diretores únicos em seus países que ditavam o rumo das coisas. Os países mais desenvolvidos dentro da indústria cinematográfica revelavam novos diretores proeminentes, cada qual com seus métodos e concepções, mas cada país com seu gênero definido. Era o início do cinema de movimentos. O primeiro grande movimento cinematográfico mundial aconteceu na Alemanha pós-guerra. O Expressionismo Alemão, como foi denominado, teve realmente seu início após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) onde a Alemanha saiu como grande derrotada e perdeu parte de seu território para dar origem a Polônia. A economia do país foi devastada pela guerra e por pesadas dívidas que precisavam ser pagas para a França e Inglaterra, além da redução do seu exército e a incapacitação de utilizá-lo determinado pelo Tratado de Versalhes. Era um cenário de pessimismo geral, representado também no cinema. Os filmes do Expressionismo Alemão eram extremamente estéticos, evolução natural do cinema até então explorado. Os cenários surrealistas, góticos e sombrios, os personagens fantasiosos e monstruosos, a ausência de finais felizes e da “magia hollywoodiana”, a utilização de textos melancólicos e o piano de fundo inspiravam um cenário ficcional pessimista, uma representação da vida interior e do mundo subjetivo. O cinema neste momento era um instrumento de fuga do real, uma porta de acesso ao surreal, ao fantasioso mundo em que os fantasmas da Primeira Guerra Mundial eram histórias com uma hora de duração. “O Gabinete do Dr. Caligari” (1919) dirigido por Fritz Lang (principal diretor do Expressionismo Alemão) é, até os dias de hoje, o ponto de partida do cinema visto como arte. Entre 1920 e 1930, a Alemanha dá uma vigorosa contribuição ao desenvolvimento da linguagem cinematográfica: a partir de um roteiro escrito por Hans Janowitz e Carl Mayer, Fritz Lang dirige O Gabinete do Dr. Caligari (1919), marco do nascimento de um movimento que faria com que o cinema passasse a ser visto como arte: o Expressionismo Alemão (DUARTE, 2009, p. 26).

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“Nosferatu” (1922), “Metrópolis” (1927), “M, o Vampiro de Dusseldorf” (1931) e outros são considerados relíquias da sétima arte que possuíam sua própria forma de narrar uma história, extremamente inovadora para os padrões da época. A partir da década de 1930, com o crescimento do partido nazista, o cinema passou a ser utilizado na Alemanha de forma totalmente diferente. A arte foi deixada em segundo plano e os fantasmas da Primeira Guerra Mundial evaporaram. O partido Nazista possuía um Ministério de Publicidade e Propaganda extremamente eficaz. Joseph Goebbels, ministro e assistente pessoal de Hitler, possuía doutorado, trabalhou como jornalista, bancário e pregoeiro na bolsa de valores antes de se unir a Hitler e revolucionar a forma de se fazer publicidade no cenário mundial. Em relação ao cinema, Goebbels utilizava os filmes de entretenimento como um instrumento de distração, relaxamento e disseminação ideológica para a grande massa. Ao emocionar o grande público com cenas grandiosas de Hitler, utilizando-se de elementos católicos, os filmes representavam o líder do partido como grande salvador da pátria, o homem que sozinho se sacrificou pelo povo alemão para livrar a grande nação do pessimismo da guerra e do baixo astral geral pela situação do país, que se agravou após a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929. Goebbels priorizava a questão do imaginário coletivo e utilizava os meios de comunicação como forma de manipulação constante, distorcendo as noções de certo/errado e até mesmo convencendo a burguesia alemã de que eliminar os não pertencentes à raça ariana era um ato isento de culpa. Os nazistas foram um dos primeiros a usar o cinema como instrumento de propaganda ideológica. Goebbels acreditava que os filmes de entretenimento tinham uma intenção política, pois os mesmos afastavam todos das preocupações domésticas e familiares, por isso ordenou que todos os filmes que fossem produzidos não se concentrassem em informações e sim nas emoções, retratando Hitler como um homem que se sacrificou por uma nação. Por sua natureza ideológica, manipuladora, a propaganda nazista preparava o espírito do povo alemão na amenização de qualquer culpa ao matar e eliminar qualquer elemento que não pertencesse à raça ariana. Os nazistas investiram toda sua “artilharia” na propaganda, até mesmo no aprisionamento dos judeus no campo de concentração de Auschwitz, onde na entrada do mesmo, lia-se a frase: ‘Arbeit macht frei’, O trabalho liberta. Uma forma de persuadir os judeus 34 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


ao trabalho pesado na fabricação de armamentos, em busca da liberdade. Goebbels levava a sério a questão do imaginário e isso fez com que revelasse o poder que os meios de comunicação exerciam sobre a sociedade. Responsável pelo mito do Fuhrer e brilhante orador que movia multidões, Goebbels à frente do Ministério da Conscientização Pública e Propaganda, com suas técnicas de propaganda produziu uma significativa quantidade de filmes exaltando o racismo e o ódio a estrangeiros, mais especificamente, os judeus, a quem denominava culpados pela degradação da Alemanha (SANTOS, 2012, p. 6).

Foi um processo relativamente longo desde a criação do partido nazista até o início da Segunda Guerra Mundial. Neste intervalo, diversas obras importantíssimas para a história do cinema foram produzidas, porém destaco A Regra do Jogo / La règle du jeu de Jean Renoir, considerado pela crítica um dos filmes mais representativos da alta classe da sociedade burguesa europeia e símbolo do movimento de Avant-Garde / vanguarda francesa que buscava fugir da forma tradicional de narração e influenciaria diversas obras surrealistas futuras. Regado de relativismos, questões morais, traições e tragédia, muitos dos costumes considerados inadequados para os padrões da época são explorados no desenrolar da trama. Inadequados em teoria, pois o que o público não esperava era apenas que eles fossem tão evidenciados para que, basicamente, qualquer um pudesse ver. Falarei mais sobre esta obra em específico nos próximos capítulos.

O som, a cor e a evolução do cinema Voltando alguns anos no tempo, não podemos deixar de mencionar o advento do som no cinema ou o início do cinema falado. Foi em 1927, em The Jazz Singer / O Cantor de Jazz que os diálogos finalmente se integraram a uma obra cinematográfica. É fato consumado que a tecnologia para tal já existia, mas não com essa aplicação. Por que motivo tanto tempo foi desperdiçado? Como já citei neste capítulo, a famosa afirmação de Ed Buscombe de que nenhuma tecnologia é introduzida sem que o sistema econômico crie a necessidade se repete neste exemplo. O custo para manter uma orquestra se apresentando em conjunto com a exibição da película era extremamente alto. Basicamente, eram dois espetáculos distintos que se complementavam, e literalmente com o custo de dois espetáculos. 35


Com a implementação da nova tecnologia, aos poucos o espetáculo de apoio foi sendo extinto e o custo de exibição diminuindo. O fator comercial não se sobrepôs ao fator de evolução do cinema como arte, para que a obra narrativa pudesse se tornar ainda mais realista, se fazia necessária tal evolução. A introdução do som também facilitou a elaboração da narrativa realista dos filmes. Aqui o realista não é apenas uma posição ideológica, mas também explicitamente estética – um conjunto de princípios de seleção e combinação empregados na elaboração do filme como obra de arte. A reprodução do diálogo voltou a vincular o cinema com a vida real, e a indústria cinematográfica rapidamente desenvolveu um sistema de convenções para filmar e editar o diálogo (TURNER 1997, p. 22).

Impossível seria continuar destacando o aspecto comercial do cinema sem citar os Estados Unidos uma vez a cada duas frases. Para que se possa ter uma ideia clara, após a Primeira Guerra Mundial os EUA dominavam 98% do mercado cinematográfico das Américas e 85% do mercado mundial. A exportação subiu de 10 milhões e 500 mil metros de rolos de filmes em 1915 para 47 milhões e 700 mil metros em 1916. Apenas a exibição em território doméstico já garantia receita suficiente para pagar as despesas das películas e lucrar. Exportação? Parte do domínio norte-americano na economia mundial e nos mais variados segmentos. O volume de produções norte-americanas só teve queda após a Segunda Guerra Mundial e, principalmente, com a criação da televisão como forma de entretenimento sem precisar sair do conforto do lar. As estratégias para voltar ao topo (e consequentemente as inovações tecnológicas) foram muitas: o Cinerama em 1952 (exibição com 3 projetores em uma tela curva criava um efeito visual único), o Cinemascope em 1953 (exibição em telas alongadas com dimensões bem maiores que as de costume), as experiências com 3-D e Aromarama (sempre buscando tirar o espectador do real e atiçar os sentidos da visão e do olfato para que a imaginação pudesse fluir livremente) e finalmente a implementação da cor. A cor não foi exatamente uma exclusividade da década de 1960. Aliás, décadas antes já existiam sistemas e rolos de filmes em cores produzidos principalmente, senão em totalidade, pela Technicolor, processadora responsável pela hegemonia desse mercado desde 1915. O fator para que os filmes em cores ainda não fossem regra ao invés de exceção era o custo para sua produção e/ou exibição. 36 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Uma das razões de não se ter utilizado cores antes da década de 1960 foi o custo. Alguns dos primeiros processos eram trabalhosos, as câmeras eram caras e o monopólio definitivo da Technicolor geralmente irritava e restringia os produtores. A cor era usada principalmente para exibições, épicos ambientados no passado ou para efeitos especiais em fantasias. Seu emprego, porém, foi ampliado após o advento do som e da introdução, pela Technicolor em 1932, de um novo processo subtrativo de três cores (TURNER 1997, p. 30).

Eventualmente o monopólio foi derrubado e o processo de Eastmancolor reinou nos filmes coloridos, barateando o custo de produção e tornando padrão a utilização das cores em obras audiovisuais. Ainda que eu, humildemente em posição de um mero admirador da sétima arte, considere esta uma transição importantíssima em um contexto histórico cinematográfico, sou traído pelas cifras. O mercado é cruel, e mesmo com toda a força de produções históricas, a diminuição do público foi inevitável. A televisão a cabo e o vídeo restringiu o nicho que outrora era composto por adultos de classe média para um grupo com faixa etária menor, geralmente de 14 aos 24 anos, conforme cita Turner em seu texto já mencionado anteriormente. Um dos motivos de eu admirar o trabalho com o Eastmancolor principalmente na França foi o início do movimento da Nouvelle Vague e o reconhecimento do trabalho de Jean-Luc Godard. Antes de ceder e demonstrar minha admiração profunda por este diretor em específico volto alguns anos no tempo para citar as influências de tal movimento. Serguei Eisenstein foi o principal expoente do cinema russo e soviético no cenário mundial. Bronenosets Potyomkin / O Encouraçado Potemkin, Statchka / A Greve, Ivan Groznii I e II / Ivan, o Terrível Parte I e II foram algumas de suas obras mais aclamadas que fazem parte de qualquer lista dos filmes mais importantes para a história do cinema mundial. Sua posição de filmólogo, teórico e intelectual ativo na Revolução Russa e da defesa do espaço dos artistas na sociedade apenas acrescentava relevância ao seu trabalho. A montagem intelectual proposta por Eisenstein iniciou o processo do cinema como criador de conceitos inteiramente novos na cabeça do espectador. As metáforas visuais aplicadas em suas obras são formas inteiramente originais de prender a atenção do espectador na tela e combinar freneticamente planos espetaculares. Desta maneira são abordados temas essenciais críticos da sociedade russa e evidenciadas as desigualdades sociais do país. 37


Diversos cineastas pós-Eisenstein buscaram beber na fonte de sua forma de montagem para expressar o sentimento do país em determinadas épocas. Nikita Mikhalkov, por exemplo, buscou através da metáfora visual de uma pequena bola de fogo representando o Sol, explorar o horror do autoritarismo do regime soviético em Utomlionnie Solntsem / O Sol Enganador. Por falar em realismo, os jovens italianos da década de 1940 não ficaram para trás em importância histórica cinematográfica: o Neorrealismo foi um movimento utilizado como ferramenta direta para evidenciar a realidade da sociedade pós-guerra e os destroços causados pela mesma. Os filmes que não possuíam recursos financeiros elevados utilizavam como cenário os reais lugares onde o cotidiano e o sofrimento da população do país estavam. O alcance em termos mercadológicos deste movimento não foi grande, era de se esperar que orçamentos pequenos e atores amadores não chamassem tanta atenção de produtoras e investidores. Se recursos técnicos sofisticados e orçamentos milionários não eram imprescindíveis para a realização de bons filmes; se o importante era contar as histórias daqueles que, tradicionalmente, estavam fora das telas e das plateias do cinema, então muitos mais poderiam fazê-lo, independentemente das grandes estruturas de produção. E foi o que de fato aconteceu, pelo menos por algum tempo (TURNER 1997, p. 27).

E assim novas gerações de diretores, roteiristas e cineastas em geral surgiram. Jovens revolucionários que através da arte buscavam seu espaço no mundo e buscavam fazer do mundo seu espaço. Novas obras que retratavam o cotidiano de países pobres e subdesenvolvidos foram produzidas daí em diante. Urga / Urga – Uma Paixão no Fim do Mundo de Nikita Mikhalkov retrata com perfeição uma família mongol nos extremos de uma Rússa pós-soviética, região pouco explorada e lar de desigualdades sociais notáveis durante a trama. Sofremos inclusive um choque de realidade ao acompanharmos a transição do personagem principal para a cidade grande.

Nouvelle Vague Cahiers du cinema é uma revista francesa criada pelo teórico André Bazin durante a efervescência do cinema da década de 1950 na França e o ápice do surgimento de novos jovens diretores. Não falarei 38 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


sobre a Cahiers du cinema em específico, mas é impossível deixar de citá-la por sua relevância mundial e por criador. Hollywood nesta mesma época vivia o momento das superproduções, dos grandes estúdios e de consolidação da indústria cinematográfica mesmo após a Segunda Guerra Mundial. Em busca de contrariar a tendência mundial, jovens franceses apaixonados por cinema – utilizando exatamente este ímpeto juvenil de sempre querer ser contrário ao que está em evidência – iniciaram suas filmagens próprias em ambientes urbanos. Ruas, subúrbios, casas simples e os monumentos de Paris serviam de cenário para os atores até então desconhecidos figurarem em obras com produção extremamente barata, com liberdade estética total e temas pessoais, cotidianos e corriqueiros, como é o caso de Les quatre cents coups / Os Incompreendidos. O filme de François Truffaut retrata a vida de um menino chamado Antoine Doinel que se rebela contra o sistema vigente de ensino, o autoritarismo da escola e a aversão do padrasto contra sua presença. Ele resolve fugir de casa, faltar à escola para frequentar cinemas e brincar com os amigos, cometer pequenos crimes e aprender com a vida. Muitos dizem que esta é a própria história da adolescência do diretor, que teve como tutor o próprio André Bazin, relação iniciada através da concorrência de público entre o cineclube dos dois e construída com o passar dos anos pelo auxílio que Bazin continuava a dar para Truffaut em sua vida pessoal e artística. A Nouvelle Vague então surge com o interesse destes jovens em terem liberdade de criação suficiente para participarem do cenário cinematográfico mundial com poucos ou nulos recursos financeiros. Jean-Luc Godard, François Truffaut e outros mais criaram uma estética completamente contrária à Hollywoodiana, com planos extremamente ousados, atemporalidade (tempo subjetivo e pessoal, não cronológico) e utilização assídua de cores (ou obras monocromáticas por opção própria de cada diretor). O cinema como arte é vivido intensamente neste movimento, que ainda sim possuía sucesso de público na França e recebia indicações contínuas em prêmios de cinema internacionais. Outros movimentos e muito mais história aconteceu nestes mais de 100 anos da sétima arte em território global. Porém, encerro este capítulo por acreditar que a maioria dos diretores, obras e acontecimentos que citarei nos próximos capítulos já foram abordados.

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O cinema como veículo educacional e cultural Podemos dizer que a cultura é um todo complexo que inclui conhecimentos, crença, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos como membro da sociedade (LARAIA, 1993 p. 25).

Lembro-me ainda no primeiro período, frente à excitação do rito de passagem para a graduação tecnológica em Produção Cultural, na famigerada matéria simplesmente intitulada “Produção Cultural I”, em que conheceríamos finalmente quando, onde e os porquês de termos adentrado em tal futuro ainda nebuloso, a seguinte pergunta foi feita: O que é cultura? Por mais simples e objetiva que a pergunta possa parecer, foram seis meses de intensa argumentação por parte de todos os alunos enquanto o professor sentava, observava e ria. Todas as vezes que terminávamos o tempo de classe, os ânimos estavam aflorados e desentendimentos eram inevitáveis, como há de se esperar de trinta indivíduos ocupando um mesmo espaço em âmbito acadêmico. Ainda assim, impreterivelmente ao final de cada classe ouvíamos a mesma frase de nosso tutor: “calma crianças, todos estão certos”. Descobrimos no encerramento do semestre que estávamos (os trinta) corretíssimos em nossas assumpções, ao passo que ouvimos nosso professor discursar sobre a totalidade e simultaneamente a particularidade da cultura, da significação para um e para o todo, do simples inconsciente e do complexo no momento da definição. Não cabe nesta escrita procurar definir e apresentar os diferentes pontos de vista da cultura, mas preciso mencionar para que seja possível dialogar principalmente com outra palavra mágica e de enorme potencial transformador intitulada educação, e comprovar a efetividade da prática do cineclubismo no espaço da escola, possuindo base teórica e pedagógica. Remetendo à citação utilizada no início deste capítulo, podemos compreender a cultura como uma rede de significações e ressignificações, pessoais e coletivas. Do nascimento à morte produzimos hábitos, métodos, técnicas, estudamos, trabalhamos, criamos normas, valores, ideias, nos comunicamos, buscamos sensações pessoais de felicidade e liberdade, adquirimos conhecimento finito. Toda esta elaboração 40 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


do homem é sua própria cultura e é desenvolvida na vida social, no convívio do homem em sociedade e na troca de saberes e fazeres levando em consideração a subjetividade de cada indivíduo. Dizer que um ser humano não possui cultura é não diferenciá-lo dos demais seres, ou como diz Solange Lucena: Todo esse conjunto completo e diferenciado que os homens elaboram é o que constitui a cultura. Ela, então, é produzida pelos homens que vivem em sociedade. Daí, não haver sentido algum dizer que tal ou qual indivíduo não tem cultura. Isso seria o mesmo que dizer que ele não é humano no sentido pleno da palavra, porque a sua vida seria impossível de ser vivida, a não ser no convívio com outros seres de sua espécie. [...] o isolamento total e absoluto de um indivíduo, desde o seu nascimento, impede o desenvolvimento de suas capacidades perceptivas e intelectivas, que somente são possíveis de existir na interação com os outros. É essa interação a base da vida coletiva, em que ele aprende a pensar e agir, passando a ter noção de si mesmo, dos outros e do mundo que o cerca. É através da linguagem que os homens se relacionam mutuamente, criam e desenvolvem os diversos significados para aquilo que pensam e fazem ao longo da vida (LUCENA, 2014, p. 9).

O ser humano provou também ter uma capacidade de adaptação enorme, superando a diversidade de linguagens, de costumes, climas e outros fatores que variam de acordo com o local em questão. Na adaptação de um indivíduo são assimiladas novas informações, códigos socioculturais complexos e únicos a cada sociedade, este processo de aprendizagem e adaptação é denominado socialização. O processo de socialização é aquele em que o homem aprende sua própria cultura, interiorizando e naturalizando normas e regras presentes no seu contexto social. Neste processo o ambiente escolar tem fundamental importância, pois poderá ser um espaço amplo de socialização onde tais normas e regras serão apresentadas fora do contexto familiar de proteção e apego.

Cultura e socialização A base cultural de cada indivíduo inserido em uma sociedade é determinada por conhecimentos gerais arraigados na sociedade em questão. A sociologia caracteriza estes conhecimentos gerais 41


como socialização primária, pois é um nível fundamental de fatores classificatórios. Por exemplo, se uma pessoa nascer no Brasil, ela é brasileira. Se nascer no Brasil, no estado do Rio de Janeiro, ela é carioca. Entretanto, esta mesma pessoa pode optar entre inúmeras religiões, inúmeras profissões, inúmeras atividades de lazer e inúmeros meios de transporte para locomoção, estes são exemplos de nível específico ou socialização secundária. Como define Solange Lucena: O nível específico, relacionado a cada grupo social, é chamado socialização secundária, porque é o aprendizado da expressão própria de cada ambiente particular estabelecido no interior de uma sociedade. Quanto mais complexa a sociedade é, mais padrões, normas, saberes, funções e valores existem. Assim, a socialização secundária é uma realidade sempre presente na vida dos indivíduos. Eles poderão sempre aprender, e tanto mais quanto sejam introduzidos nos muitos espaços sociais existentes (LUCENA, 2014, p. 11).

A escola é responsável pelos dois níveis de socialização, sendo geralmente o primeiro contato da criança, desde o seu nascimento, com indivíduos fora do contexto familiar. Por si só, a educação transmitida pela escola faz parte da bagagem cultural que o aluno levará por toda a vida. O papel formador da escola é determinante para os futuros profissionais de diferentes áreas e que terão variadas trajetórias, funções, carreiras e estilos de vida. A experiência de frequentar o ambiente coletivo escolar traz à tona uma junção do ensino de conteúdos básicos com a experiência social de convivência com outros indivíduos, uma troca de conhecimentos acadêmicos e populares, por isso sua forma de abordagem poderá determinar o sucesso quanto a questões diversas relacionadas à reflexão sobre sociedade e cultura. Seus conteúdos (da escola) se destinam a formar indivíduos que cumprirão as variadas funções, tarefas, carreiras, trajetórias, identidades e estilos de vida possíveis na coletividade. Isso explica por que a estrutura curricular do sistema de ensino ou estabelecimento escolar pode ser entendida como uma produção da realidade social na qual a educação está inserida. Ao mesmo tempo em que existe o aprendizado da nacionalidade, da história, das crenças de um país, há a aquisição dos diversos entendimentos e procedimentos necessários ao funcionamento das instituições sociais (LUCENA, 2014, p. 11).

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Cinema e educação A linguagem audiovisual desenvolve múltiplas atitudes perceptivas: solicita constantemente a imaginação e reinveste a afetividade com um papel de mediação primordial no mundo, enquanto que a linguagem escrita desenvolve mais o rigor, a organização, a abstração e análise lógica. Nela o limiar do tempo é muito tênue, ele explora um ver que está situado no presente, mas que interliga não linearmente com o passado e com o futuro. O cinema atua como um elemento de aprimoramento cultural e intelectual dos docentes e dos discentes e, problematiza o seu uso no campo da educação. O olhar cinematográfico enriquece a forma de ver a educação e o processo escolar (COSTA, 2012, p. 7).

O uso do audiovisual como ferramenta lúdica e educacional não é recente: na década de 1930 o extinto INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo) já formulava e desenvolvia políticas educativas através do cinema (principalmente produções cinematográficas com viés educativo). Nesta época destaca-se Humberto Mauro: cineasta, diretor, escritor, acadêmico, músico, ator, produtor, pintor, artista plástico, político, crítico, roteirista e ativista, foi um dos pioneiros do cinema brasileiro. Através do convite de Edgar Roquette-Pinto, Mauro se juntou ao INCE, onde esteve entre os anos de 1936 e 1964, tendo realizado mais de 300 documentários de curta-metragem, todos com temas variados que por décadas foram utilizados em sala de aula buscando abordar o que a mídia massiva ofuscava. Seguindo os passos de Mauro, muitos outros autores, diretores e artistas em geral buscaram enxergar no cinema uma ferramenta extremamente útil de educar sem entediar, de criar o interesse e despertar a curiosidade, seguindo contra o fluxo do audiovisual apenas como ferramenta de distração, sem uma abordagem educacional. A televisão doméstica atualmente possui (em partes) caráter informativo, podendo ser utilizada também em prol de uma abordagem educacional. Algumas emissoras específicas (TV Brasil, TV Cultura, entre outras), tratam de exibir programas escolares e acadêmicos, filmes nacionais relevantes para a história do cinema brasileiro e pequenas esquetes educacionais com fatos e curiosidades. Porém, a realidade na maioria dos casos é outra. O contexto de lazer e entretenimento que a televisão transmite trata de acomodar desde cedo qualquer um que faça seu uso excessivo. A sensação de relaxamento 43


supera o caráter informativo da imagem televisiva, minando a leitura crítica que deveria ser feita a qualquer elemento audiovisual, visto que nossos sentidos são amplamente ativados enquanto estamos em estado de distração mental. Nas palavras de Marcelo Henrique Costa: O audiovisual está ligado umbilicalmente à televisão e a um contexto de lazer, e entretenimento, o vídeo na cabeça dos alunos não significa aula e sim descanso, isto é uma expectativa positiva para atrair o aluno. O vídeo faz parte do concreto, do visível, do imediato, do próximo, que toca todos os sentidos, por ele sentimos, experienciamos sensorialmente o outro, o mundo e nós mesmos (COSTA, 2012, p. 7).

Enquanto a linguagem escrita dos textos, fichamentos, resumos e tantos outros modelos de trabalho comuns da sala de aula transpiram rigorosidade e organização nos remetendo apenas ao tempo presente, a linguagem audiovisual desperta a imaginação e o subconsciente, apresentando e desenvolvendo a percepção de diferentes tempos, espaços e afetividades. O cinema é o colírio necessário para uma visão mais nítida do contexto social em que vivemos, é o peso extra da bagagem cultural e educacional assimilada no âmbito escolar, é a ferramenta capaz de ilustrar realidades já vividas, construir o imaginário necessário para a compreensão de acontecimentos históricos e sociais. Ou como Costa excelentemente cita em seu artigo: Aprender a ver cinema é realizar este rito de passagem do espectador passivo, para o espectador crítico. O cinema pode ser definido como educação informal, que necessita de uma metodologia para melhor aproveitamento na sala de aula. E isso se dá pela compreensão do professor, da linguagem audiovisual, através da produção de metodologias sensíveis às questões ligadas a cultura, ao conhecimento e a correlação com a comunidade local (COSTA, 2012, p. 8).

A exibição de obras audiovisuais na escola necessita de um método de ensino rigoroso e bem planejado por parte dos professores ou tutores para que não corra o risco de construir um imaginário incorreto nos alunos. Há uma relação básica de usos adequados e inadequados do vídeo na sala de aula, atendo-se ao sistema de ensino já implantado nas escolas citada neste mesmo artigo de Costa. Considero pertinente utilizar por completo desta citação. Segue:

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Como Utilizar Audiovisual como sensibilização: é o uso mais importante na escola. Um bom vídeo é interessantíssimo para introduzir um novo assunto, para despertar a curiosidade, a motivação para novos temas. Isso facilitará o desejo de pesquisa nos alunos para aprofundar o assunto do vídeo e da matéria. Audiovisual como ilustração: o vídeo muitas vezes ajuda a mostrar o que se fala em aula, a compor cenários desconhecidos dos alunos. Um vídeo traz para a sala de aula realidades distantes dos alunos, como por exemplo, a Amazônia ou a África. A vida se aproxima da escola através do vídeo. Audiovisual como simulação: é uma ilustração mais sofisticada. O vídeo pode simular experiências de química que seriam perigosas em laboratório ou que exigiriam muito tempo e recursos. Audiovisual como conteúdo de ensino: vídeo que mostra determinado assunto, de forma direta ou indireta. De forma direta, quando informa sobre um tema específico orientando a sua interpretação. De forma indireta, quando mostra um tema, permitindo abordagens múltiplas, interdisciplinares. Audiovisual como produção/intervenção: como documentação, registro de eventos, de aulas, de estudos do meio, de experiências, de entrevistas, depoimentos. Como atividade complementar, a fim de aguçar no aluno o olhar crítico de quem produz algo. Interferir, modificar um determinado programa, um material audiovisual, acrescentando uma nova trilha sonora ou editando o material de forma compacta ou introduzindo novas cenas com novos significados. Usos Inadequados Vídeo tapa-buracos: colocar vídeo quando há um problema inesperado, como ausência do professor. Usar este expediente eventualmente pode ser útil, mas se for feito com frequência, desvaloriza o uso do vídeo e o associa na cabeça do aluno a não ter aula. Vídeo-enrolação: exibir um vídeo sem muita ligação com a matéria. O aluno percebe que o vídeo é usado como forma de camuflar a aula. Pode concordar na hora, mas discorda do seu mau uso. 45


Vídeo-deslumbramento: o professor que acaba de descobrir o uso do vídeo costuma empolgar-se e passa vídeo em todas as aulas, esquecendo outras dinâmicas mais pertinentes. O uso exagerado do vídeo diminui a sua eficácia e empobrece as aulas. Vídeo-perfeição: existem professores que questionam todos os vídeos possíveis porque possuem defeitos de informação ou estéticos. Os vídeos que apresentam conceitos problemáticos podem ser usados para descobri-los, junto com os alunos, e questioná-los. Só vídeo: não é satisfatório didaticamente exibir o vídeo sem discuti-lo, sem integrá-lo com o assunto de aula, sem voltar e mostrar alguns momentos mais importantes (COSTA, 2012, p. 8 e 9).

Considerando que na sociedade atual o audiovisual é o meio de comunicação com maior apelo, força e amplitude, as possibilidades de utilização são incontáveis, assim como toda a tecnologia a seu dispor. Dentro da sala de aula, o professor encara a necessidade de ser o elo entre estas tecnologias e seus estudantes, cativando o olhar crítico e a discussão.

Cinema e linguagem A cultura é o lugar onde essa condição criadora, imaginativa, representativa da nossa condição se constitui como o ar que se respira sem que se dê conta disso. A gente está completamente mergulhado na linguagem o tempo todo, não se dá conta que está fazendo cultura o tempo todo. Há muitos modos de fazer cultura, mas quando dizemos ‘isso é seu também, não é só meu, preciso passar para você e deixar que você assuma isso’, estamos entrando em outro campo que é o campo da educação. Está muito longe de ‘menino, tem que abrir essa sua cabeça e meter o livro dentro que eu não aguento repetir a mesma coisa’. Porque não é abrir a cabeça e meter o livro dentro, é interagindo, escutando, podendo falar, pensando, que ele vai processar essa cultura dentro dele e deixar vir à tona o sujeito que nele habita, crescendo, atrás da máscara. A palavra educação vem do latim educare e significa ‘conduzir para fora’. O quê? O que está dentro, você vai recebendo uma cultura pelos poros, pelos sentidos, ninguém precisa rachar sua cabeça e lhe dar cultura pelo livro que põe dentro da sua cabeça (YUNES, 2012, p. 31). 46 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Aqui é onde ligamos os pontos. Para além da brutalidade e comunicação primária dos animais, nós, os famigerados seres humanos, líderes da cadeia alimentar e únicos seres racionais da face do Planeta Terra, nos gabaritamos e desenvolvemos este complexo modo de nos comunicarmos e transmitirmos saberes e fazeres entre nossa raça humana denominada linguagem. Sim, alguns animais possuem uma forma básica de compreensão de uma linguagem rústica e de seguirem seus instintos em prol da sobrevivência. Entretanto, nós somos capazes de criar sociedades inteiras baseadas em regras, códigos, condutas, imaginação, sonhos e fantasias apenas através da nossa linguagem, ou seja, a cultura e a socialização totalmente estruturada através de códigos de linguagem. As letras, palavras, frases (sejam elas escritas, faladas, exibidas), constroem e reconstroem o imaginário coletivo e individual em uma constante interação entre indivíduo e meio, além de serem o currículo básico para a vida em sociedade, para a formação da cultura e para os primeiros passos da educação. A linguagem dá forma ao pensamento humano e é capaz de despertar a imaginação, a criatividade e principalmente proporcionar ao ser humano em seus primeiros anos de vida a capacidade de planejamento de ações. O ser humano recém-nascido, no início de sua formação cognitiva, é orientado de acordo com a linguagem cultural e social do contexto em que está inserido. Por exemplo, uma criança criada entre cabras (o russo Sasha), foi trancada em um quarto com os animais por anos, brincando e dormindo entre eles. Ao ser encontrada, a criança não sabia balbuciar uma palavra e agia exatamente como as cabras em questão. Uma das especialistas psiquiátricas que cuidava do caso em questão chegou a dizer que a criança “se recusou a dormir no berço” e “tentou ficar embaixo dele e dormir lá, ele tinha muito medo de adultos e tentou quebrar tudo o que via ( janelas e móveis), não sabia falar ou segurar uma colher e não tinha ideia do que fazer com os brinquedos, nem sequer tentar brincar com eles". Como esperar de um ser (mesmo que humano), criado entre seres que não possuem dimensão psicológica, psíquica, cultural ou racional de sua existência, que se comporte da mesma maneira que um ser criado entre semelhantes com todas as dimensões que citei anteriormente já direcionadas? “Cultivamos aquilo que nos deu mais do que uma condição humana enquanto pessoa, que como linguagem nos expressa e nos transforma numa civilização humana”, como bem disse Yunes.

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Indo um pouco mais além, mas evitando aprofundar, gostaria de falar um pouco sobre a teoria dos signos. Na Semiologia (ciência dos signos), apadrinhada por Ferdinand Saussure e Roman Jakobson, a linguagem é um sistema de signos que exprimem ideias. “A Semiologia é uma parte essencial da sociologia ([...] a vida social não é concebível sem a existência de signos comunicativos)” (JAKOBSON, 1970, p. 15). O signo linguístico é o termo essencial da linguagem, para estes autores que citei, o signo une o conceito a uma imagem acústica. O conceito seria um artifício implícito dos seres humanos ao se comunicarem e tentarem exprimir algo que faça sentido ou não para o receptor. É uma forma instintiva de ultrapassar o selvagem e de reconhecer no ser humano os traços da evolução. A imagem mental seria uma realidade psicológica relacionada com a atividade mental de indivíduos na sociedade. Os signos linguísticos são a relação direta que possuímos com a linguagem que assimilamos e aprendemos vivendo em sociedade, pois ao sermos indagados de qualquer palavra, fazemos uma associação direta ao conceito que aprendemos desta palavra (seu uso, sua história) e a imagem mental que possuímos dela (grande, pequena, alta, baixa, cor, textura). A associação completa é feita em fração de segundos diretamente em nosso subconsciente, provando o quanto o signo está arraigado em nosso âmago enquanto vivemos em sociedade. “O signo é o material de todas as artes”, (OLIVEIRA; COLOMBO, 2012, p. 16), e na arte, poderiam existir objetos com a mesma função dos signos (significar alguma coisa). “O objeto (óptico e acústico) transformado em signo é na verdade o material específico do cinema” (JAKOBSON, 1970, p. 15). Por tal afirmação o cinema como obra de arte também é constituído de signos e também pode ser definido como linguagem, unindo o conceito à imagem mental. “todo fenômeno da vida externa transforma-se em signo na tela.” (JAKOBSON, 1970, p. 155). O cinema possui uma linguagem única e uma escrita própria, e é um meio de comunicação, de informação, de propaganda, de difusão cultural, de ilustração histórica e social, de conservação de manifestações culturais e também de educação que tem como característica peculiar a junção do espetáculo com a representação do real. Posto que o cinema seja categoricamente uma linguagem artística, esta nunca anda só: os signos então representados são sistemas de significações culturais, sociais, políticas, ideológicas, estilísticas que se relacionam intimamente e se desenvolvem juntamente com o espectador e sua socialização em ambos os níveis. 48 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Como arte, o cinema possui as suas próprias características e sua própria linguagem, assim como as artes plásticas, a música, o teatro, a dança. Diferentemente de algumas vanguardas artísticas compostas, antes de ser uma obra em sua plenitude sem um conjunto de regras, de princípios, um esquema que ela respeita até se materializar. Assim também é o cinema; para se ter o filme e ele ser uma obra de arte cinematográfica, antes ele participa de um processo criativo que lhe garante o aspecto de obra de arte, e esse processo criativo é composto de regras, princípios, que são especificamente o que compõe a linguagem cinematográfica (OLIVEIRA; COLOMBO, 2012, p. 18).

Pessoalmente, encanta-me deveras complexidade em se definir o que é instintivamente abstrato. Fazer cinema requer anos de estudo e prática, ao passo que assimilar cinema também não é tarefa simples: através das citações de autores já mencionados, fica a certeza de que é preciso educar o olhar, direcionar o espectador para o conteúdo afirmativamente educativo e como muitos gostam de dizer “sair da zona de conforto”. Em um processo de educação do olhar é preciso aprender a diferenciar as faces do cinema de entretenimento e de retratação da realidade. Como já mencionado o uso do cinema para educação deve ser cuidadosamente planejado. Foi com esse propósito que aceitei e me dediquei ao cineclube durante um breve tempo, porém impactante em minha forma de assistir, consumir, falar, discutir, pensar e transmitir cinema. E espero também ter contagiado outros.

A Experiência de um Cineclube Não há coincidências, apenas a ilusão de coincidência (V, personagem do filme “V de Vingança”).

O caricato mascarado “V” do ótimo “V de Vingança” do diretor James McTeigue arrebatou dezenas de frases inspiradoras durante sua jornada em busca da recriação do famoso “5 de novembro” com sua máscara de Guy Fawkes e suas adagas poderosas. Frases que me já muito me serviram de inspiração nas decisões mais nebulosas que já tive de tomar e nos percalços durante minha própria jornada de vida. Penso com meus estimados botões que é tão bizarro realizar escolhas da nossa rotina diária tendo como base obras cinematográficas, mas ao mesmo tempo é tão automático que nem mesmo há tempo hábil de 49


se definir o que é consciente ou não. Esta é a simplória e mais profunda forma que o cinema possui de invadir nosso subconsciente e nunca nos abandonar. Parece loucura, mas quantos de nós não utilizamos saídas estratégias de alguma situação complicada que vimos um protagonista utilizar em um filme ou frases prontas em conversas e discursos informais que decoramos depois de vermos nossos filmes favoritos dezenas de vezes ou a pose confiante incorporada da personalidade de algum personagem de filme em determinadas situações? É tudo muito automático, simbiótico. A endorfina/serotonina/dopamina/ocitocina, ou seja lá qual hormônio ligado ao bem-estar e prazer é responsável por esse efeito, nos faz armazenar boas sensações conectadas à lembranças visuais e físicas da experiência do filme. Falando por mim, quando ouvia meus pais dizerem “vamos viajar, voltamos na segunda-feira” já revisava todo o roteiro de “Esqueceram de mim” mentalmente e me figurava na pele do Macaulay Culkin, aquele ator que garantiu o pão de cada dia para o resto de sua vida e da vida de seus filhos interpretando o menino Kevin McCallister, esquecido em casa durante uma viagem familiar, e como diria o anúncio da Rede Globo para este filme: “aquele menininho do barulho que se meteu em altas aventuras”. Entre muitos outros casos, as obras audiovisuais em geral que me marcaram durante minha formação cognitiva e social até os dias de hoje permeiam meu subconsciente sem pedir licença, sendo um dos motivos para a escolha do curso superior na área cultural e artística. Desde que iniciei meus estudos no curso de Produção Cultural, procurei trabalhar e ganhar o máximo de experiência possível no meio, até mesmo para decidir se realmente era válido dedicar longos anos nas salas de aula. Porém, aproximadamente no término de 2014 e início de 2015 analisei a possibilidade de passar mais tempo no âmbito da Instituição Federal e decidi seguir adiante, para que pudesse cumprir os requisitos básicos curriculares para conseguir me formar com sobra. Dei o pontapé inicial trabalhando na biblioteca da Instituição e procurando interagir principalmente com estudantes de outros cursos e também do Ensino Técnico. Conhecer e desmistificar a imagem de que o Instituto seguia o modelo “Cursos de Exatas x Produção Cultural” (que os próprios futuros produtores possuem) era minha prioridade. De fato, foi uma experiência incrível: fiz amizades e percebi tamanha bobagem considerar os alunos do nosso curso superior isolado por terem mentalidades diferentes dos outros. Não alongo tal reflexão, porém é nítido que em termos de conteúdo audiovisual muitos 50 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


alunos de outros cursos disparam na frente e possuem um repertório impressionante. E, por coincidência ou ilusão de coincidência, nessa mesma época também estava passando mais tempo com a pessoa que atualmente é minha companheira de todas as horas. Conhecíamos um ao outro então há mais de 3 anos, mas nunca sequer havíamos trocado uma palavra. Mas, os acontecimentos levaram até certo ponto em que ela havia em mãos um esqueleto do projeto de extensão já existente de um Cineclube que é marco na Instituição e passou por diferentes gestões, estando desativado há algum tempo. Juntos, procuramos dar uma diferente identidade ao projeto e principalmente incluir no público alvo quem até então não era lembrado. A questão é que (veja bem, esta é uma assumpção única e exclusivamente pessoal), quem geralmente lida com cinema nãoprofissionalmente mas com certo conhecimento de campo possui determinada resistência com o público mais massivo, não frequentador de circuitos alternativos de cinema, não desbravador de diretores lado B da iconográfica história cinematográfica mundial e por aí vai. Então, dizer para um responsável por um Cineclube dentro de uma Instituição Federal em que o único curso da área de humanas é o dele, intitulado Produção Cultural, que o público alvo deve também ser composto de adolescentes do Ensino Médio/Técnico de Química e alunos do Curso Superior de Matemática é um sacrilégio, um pecado capital sem perdão e sem salvação. “Pobres ignorantes consumidores de pipocas barulhentas do Kinoplex”. Citando o ótimo Álvaro Martins do Blog Preto e Branco: Há três tipos de cinéfilos no mundo. Os ignorantes (aqueles que gostam de muita porrada, gajas boas e efeitos especiais à maneira), os pseudo-cinéfilos (aqueles que gostam das grandes produções hollywoodescas, do mainstream reconhecido, que chamam obra-prima a tudo que mexe nessa área e que pensam que percebem muito do assunto) e os verdadeiros cinéfilos (que são aqueles que procuram o bom cinema [de autor de preferência], que procuram sempre aprender mais e que, por uma ou outra razão, se tornam arrogantes para com os pseudo-cinéfilos, isto porque os ignorantes, pelo menos, não têm a presunção de se acharem cinéfilos) (MARTINS, 2011, p. 1).

Ao passarmos da fase inicial burocrática de repaginar o projeto e apresenta-lo à coordenadora do setor responsável, aproximava-se a parte mais crítica e também a mais divertida da pré-produção: escolha do tema anual e montagem da programação. 51


"Assim como outros meios de comunicação, o cinema serve, entre outras coisas, para trazer o mundo até nós, para nos mostrar o mundo" (BAPTISTA, 2010, p. 1). O pensamento desde o início se fixou em apresentar por meio do Cineclube um panorama histórico do cinema mundial, passando por diferentes países e continentes para que, quem acompanhasse, pudesse ter uma base mínima de comparação com o nosso cinema tupiniquim. Obviamente, o cinema brasileiro é imprescindível para se conhecer por completo a história mundial da sétima arte, mas apresentar primeiramente os outros expoentes internacionais é um incentivo à pesquisa e a curiosidade dos estudantes, a fim de extinguir os pré-conceitos direcionados ao âmbito cinematográfico nacional que a juventude atual geralmente possui. Na escrita próxima as intenções ficarão mais claras ao mencionarmos os debates após cada sessão. Ao mesmo tempo em que a programação focava em apresentar clássicos, modernos e contemporâneos que marcaram as telonas e debater após as sessões a importância de cada país nesta grande história da sétima arte, procurei remover ainda que temporariamente a influência estadunidense da programação. Nossas salas comerciais já possuem tanto volume de produções hollywoodianas que apresentar mais obras similares, ainda que clássicos, não era nosso propósito no momento. A busca era pelo que não era comum a todos, não era usual, com a intenção de criar estranhamento e através dele o interesse.

O início - cinema francês Após o sucesso de público de alguns filmes como “Azul é a Cor Mais Quente”, “Bela e Jovem”, “Ferrugem e Osso”, “O Pequeno Príncipe” e “Busca Implacável 3”, o cinema francês cresceu 44% em um ano de público no Brasil. De 3,7 milhões de ingressos vendidos em 2014, passou-se a 5,3 milhões de ingressos em 2015, segundo pesquisa da Unifrance. Com o resultado, o Brasil superou a Itália e tornou-se o quarto mercado mais importante para o cinema francês, atrás apenas da China (14,7 milhões de ingressos em 2015), EUA e Canadá (14,4 milhões) e México (5,3 milhões). O interessante é que alguns desses filmes foram exibidos até mesmo no circuito popular de cinema, e mesmo os que foram exibidos no circuito mais reservado (principalmente nos cinemas Estação), tiveram um público considerável e interessado. 52 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Além de todos esses dados, o que mais ficou evidente é que com o sucesso vieram algumas polêmicas. O filme “Azul é a Cor Mais Quente” conta uma linda história de amor homossexual entre uma estudante de Ensino Médio e uma artista plástica de cabelo azul. A paixão presente e a carga emocional fazem qualquer pessoa ficar emocionada com o desenrolar da trama. Porém, dois eram os motivos para o julgamento precipitado: cenas de sexo explícito e apenas o fato dessas cenas serem de homossexuais. Este pequeno fato causou revolta na “família tradicional brasileira” e uma repercussão enorme nas redes sociais, sendo extremamente útil para a disseminação (por incrível que pareça) do cinema francês como contestador dos valores tradicionais e apoiador da liberdade de gênero e expressão. Era fundamental abordar a França naquele momento, tão imprescindível que se tornou ponto de partida para a programação anual. O desafio era questionar aos que recentemente se tornaram interessados no cinema deste país se tinham noção da inspiração e do passado desta rica história. A premissa básica era: cada semana, um filme. Com um dia de reprise para os “atrasildos”, até porque estamos em um âmbito acadêmico e por mais que cinema seja altamente educativo, não se pode deixar de frequentar as aulas. Então foi assim: SEMANA 1 – La Règle du jeu ou “A Regra do Jogo” de Jean Renoir (1939) O aviador André Jurieux bateu recordes de vôo, mas só consegue pensar em sua amada Christine, mulher do aristocrata Robert de la Cheyniest. Jurieux consegue com um amigo um convite para a casa de campo em que o casal está dando uma grande festa de caça. Os sorrisos cordiais dos convidados escondem, porém, segredos e sentimentos, e o resultado disso é um assassinato (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

O filme de Renoir é hoje amplamente reconhecido como um dos maiores filmes de todos os tempos, sendo uma montagem farsesca que se transforma em uma tragédia no ato final e caracterizado por elementos temáticos comuns à maioria dos trabalhos de Renoir, como o relativismo moral demonstrado pelos personagens ou uma aborrecida morte sem sentido.

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O filme de 1939 pede uma contextualização para o espectador atual. Em seu lançamento, foi alvo de duras críticas, inclusive chegando a ser proibida sua exibição na França (pois era tido como imoral e degradante). Na versão em DVD lançada no Brasil, o filme abre com um aviso que sobra ironia: "Esta diversão (divertissement) não é um estudo de costumes". Com "A Regra do Jogo", Jean Renoir fazia uma crítica à sociedade francesa em geral, sem distinguir classes. Tecnicamente, Jean Renoir inovou com um uso significativo e dramático da profundidade de campo, dando destaque às personagens que se encontravam no fundo do quadro e em diferentes posições sociais. Do humor negro ao pastelão, "A Regra do Jogo" exibe pessoas que riem e se divertem levianamente, que falam de amor, mas usam umas às outras como objetos descartáveis, e que não sabem o que fazer com a própria vida. Um jogo fútil e destrutivo, numa constante troca de alianças, um painel social em que há muito brilho e pouca densidade. A naturalidade do filme é o pilar para o entendimento do contexto da época e a influência no contexto social e cinematográfico atual. "Ouça, Christine, vivemos numa época em que todos mentem: Os farmacêuticos, os políticos, o rádio, o cinema, os jornais. Então por que nós, simples cidadãos, não iríamos mentir?" (Personagem Octave, interpretado pelo próprio diretor Jean Renoir). Retrato da sociedade burguesa pré-guerra, são nítidas as influências em alguns filmes atuais. Em época de vanguarda, “A Regra do Jogo” foi ponto de partida para os movimentos seguintes do cinema francês, quebrando paradigmas de sua época ao representar cruamente a sociedade burguesa e desmascarar a hipocrisia, acontecimento pouco visto até então. A naturalidade da trama complexa, o desenvolvimento de personagens imprevisíveis, o foco na trivialidade humana e outros tantos elementos guiaram o cinema francês por muitas décadas após esse filme, por tal motivo o nomeiam em diversas listas de melhores da história. Existiam riscos óbvios ao exibir esta obra às 13 horas de uma quinta-feira no Instituto Federal para majoritariamente alunos de 15 a 18 anos do Ensino Técnico em Química. O desinteresse era um destes riscos: se trazê-los foi fácil (por ser a reestreia do Cineclube, alguns professores levaram seus alunos para assistir), manter o foco no filme e não em conversas paralelas era uma tarefa árdua. 54 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Porém, no final das contas o resultado foi favorável. Pude notar as risadas de alguns e os comentários pertinentes paralelos, o olhar para a telona e não para a telinha do celular, a “zoação” de personagens caricatos do filme, todo o processo foi enriquecedor. Houveram algumas saídas de alunos durante a exibição, mas nada que atrapalhasse o andar da carruagem. A discussão pós-filme foi instigante e curiosa, apesar de nada técnica. Um dos alunos do Ensino Técnico que estava mais próximo da projeção indagou: “– Nossa, pra essa época até que eles são bem safados.” O riso no auditório foi instantâneo, todos caíram na gargalhada concordando assiduamente com o menino. E até mesmo eu não pude conter o riso, era uma reação natural à imagem que temos guardada da época da ditadura e anterior a ela. O jovem brasileiro tende a achar que “o que é velho é careta” sempre. Ouvi mais alguns comentários na mesma direção antes de indagar: “– Será que são mesmo? O que chamou despertou isso em vocês e chamou atenção por ser diferente da nossa realidade aqui no Brasil de antigamente?”. Silêncio e cabeças pensantes. Meu olhar passou pela turma de trás que ria baixinho com seus celulares na mão, pelo senhor da EJA que parecia não entender nem sequer uma palavra, mas ainda sim focava seus óculos na direção da tela sem pausas, pelo menino que conhecia de Nouvelle Vague, mas na entrada do auditório me confessou que nunca havia visto um filme tão antigo e pousou novamente sobre a tela de projeção. “– Pensem vocês: será que tudo que a gente presencia no nosso dia-a-dia é representado na ficção? Um direito básico de todo ser humano é poder se relacionar com o gênero de sua livre escolha, ainda sim há não apenas o preconceito, mas também a intolerância e violência contra os homossexuais apenas por se comportarem da mesma maneira que qualquer outro casal de qualquer orientação sexual. Quantos filmes ou novelas com um alcance nacional que tratam sobre esse assunto? Será mesmo que tudo que vocês acabaram de ver neste filme já não acontecia muito tempo antes da produção dele?”. Concordância e relutância em falar muito sobre o tema pairou o auditório, até mesmo algumas pessoas deixaram o recinto se desculpando e dizendo que o horário de aula estava próximo. Concordei e assimilei 55


que havia falado muito e escutado pouco, um erro de principiante, mas as melhores descobertas acontecem após os erros mais simples. SEMANA 2 – Les quatre cents coup ou “Os Incompreendidos” de François Truffaut (1959) Os Incompreendidos (Les quatre cents coups) é um filme francês de 1959, do gênero drama, dirigido por François Truffaut. O filme narra a história do jovem parisiense Antoine Doinel, um garoto de 14 anos que se rebela contra o autoritarismo na escola e o desprezo dos pais Gilberte e Julien Doinel. Rejeitado, Doinel passa a faltar as aulas para freqüentar cinemas ou brincar com os amigos, principalmente René. Com o passar do tempo, as censuras o direcionarão, vivenciará descobertas e cometerá delitos em busca de atenção (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

É interessante pensar como o filme retrata a infância e adolescência do final dos anos 1950, e que esses garotos viriam a ser a juventude revolucionária do final da década de 1960. Percebe-se claramente como a educação autoritária e a falta de liberdade pessoal dessa faixa etária influência nos atos posteriores de uma geração. O filme mostra como a negligência, intolerância, e o constante reforço negativo contribuem pra um crescimento problemático. Antoine, um filho indesejado e um aluno perseguido por um professor intransigente, infeliz em casa e na escola, só quer achar um lugar onde possa se ver livre de toda essa repreensão familiar e educacional. Com isso, vemos uma infância sendo perdida através da opressão e da busca dele mesmo em se encaixar, de alguma forma, na sociedade em que vive. Tratada de maneira caricata, a educação autoritária e a falta de interesse da Instituição Escolar para o aluno é completamente “desmascarada” nesta obra, evidenciada de maneira visceral e pessoal. Entre os motivos desta abordagem está a própria experiência pessoal do diretor: Truffaut utiliza seu alter ego Antoine para contar sua própria história. O filme autobiográfico foi o primeiro da bem-sucedida carreira do diretor que abandonou a escola aos catorze anos, após a perda de sua avó que lhe mostrou o mundo das artes e o convívio perturbado com a mãe. A vida guardou bons momentos para Truffaut, que certo tempo depois conheceu Andre Bazin, um dos maiores críticos de cinema da história, e daí em diante se aprofundou no mundo do cinema através de sua própria dedicação. 56 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Porém, ainda que muitos procurem se dedicar, nem sempre as oportunidades e pessoas dispostas a ajudar surgem para todos. Algumas questões sobre a educação e a relação escola-pais-alunos foram abordadas há 67 anos nesta magnífica obra e ainda permeiam na sociedade atual. Os pais “empurram” a responsabilidade da educação para a escola e a escola para os pais, mas e se nenhum dos dois lados fizer nada pela pequena mente ainda em desenvolvimento, o que teremos? Não precisamos ir longe para obtermos resposta, basta olharmos para o reflexo da educação falha tanto em casa quanto na escola e a como consequência o desenvolvimento de mentes conturbadas e intelectos fragilizados. Na exibição deste filme no Cineclube contamos com a presença de alguns estudantes do Ensino Técnico, poucos da EJA e majoritariamente público das graduações, muitos eram monitores do próprio Instituto. Sem muitos alardes durante a exibição, a projeção foi silenciosa e desenvolta. Pude sentir na parte final do filme alguns olhares melancólicos e reações acometidas de carga emocional forte. No clássico “O que vocês acharam do filme?” No início do batepapo pós-exibição me surpreendi com algumas respostas. “– Muito pesado. Parece com aqui no Brasil, mas sem a parte bonitinha de ser francês”. “– ‘Pô’ cara, não entendi muito bem o que vai acontecer com o menino depois, mas isso me lembra mesmo vários filmes aqui do Brasil de educação ruim”. “– Fiquei com pena do menino não ter tido escolha, ele apanhou de um lado, apanhou de outro e quando quis revidar na vida apanhou dela também. É engraçado, mas bem triste também”. Após escutar e refletir bastante sobre a comoção deles, percebemos que ninguém havia feito uma conexão clara entre esta situação global da educação precária e a situação pessoal dos presentes ali no auditório. Acometido por tal pensamento, procurei me manter sucinto e concordar mais que discordar. Afinal, toda manifestação é válida, e todas faziam um sentido enorme de acordo com a própria experiência pessoal deles.

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SEMANA 3 – Pierrot le fou ou “O Demônio das Onze Horas” de Jean-Luc Godard (1965) Casado com uma italiana e entediado com sua vida na alta sociedade, o professor espanhol Ferdinand foge em direção ao sul com Marianne, após um cadáver ser encontrado na casa dela. Eles caem na estrada e deixa um rastro de roubos por onde passam (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

O profundo anseio pelo desejo de liberdade de Ferdinand e Marianne converte-se em uma constante fuga da realidade que os cercam, evidenciando a cada capítulo da fugaz e incandescente viagem deles atrás dessa liberdade que se criou devido rotina vazia da burguesia. Neste filme, Godard traça uma crítica entrelinhas sobre o cinema americano e sua estrutura vazia, à classe burguesa e propõe uma forma mais libertária de se fazer cinema e arte. Planos sequência cada vez maiores, utilização de tons coloridos em demasia, diálogos em forma de poesia e frases marcadas por serem tão desconexas quanto a trama em si. O Demônio das Onze Horas é uma aula de cinema para quem se desafia a aprender. Ícone mais brilhante da Nouvelle Vague e inspiração para muitos diretores atuais. Dialoga de maneira sutil com o filme da exibição anterior e também o da primeira semana. Em geral, a característica mais marcante do cinema francês em toda sua história talvez seja o fator psicológico dos seus filmes. Pessoalmente, traço um paralelo de crítica ao modelo vigente (econômico, educacional etc) da sociedade de ambas as épocas, de resgate de personagens conturbados e controversos e a utilizações deles para guiar a trama da maneira mais irreverente possível. Por um lado, O Demônio das Onze Horas apresenta inicialmente uma crítica muito eloquente e atual à alta sociedade e sua pobreza intelectual e consumista. Por outro, o filme demonstra o processo dramático em relação às escolhas diante da vida e suas dificuldades resultantes. Para finalizar análise do filme, parafraseio Daniel Batista que em seu blog biográfico de Godard diz assim: Em 1965, Jean-Luc Godard e suas não-linearidades trocaram as coisas de lugar, recitaram poesia, mudaram os conceitos temporais, as dinâmicas sonoras e, principalmente, os objetivos dos filmes franceses que se fariam dali para frente. Não desmerecendo um Resnais ou Truffaut, é claro, é preciso destacar, porém, o cinema 58 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


que este outro francês compôs. O detalhismo e o concretismo são intenções latentes no longa ‘O Demônio das Onze Horas’, que discorre sobre o descompasso de um casal de criminosos. Com imersões absurdas na psiquê dos dois, o filme dialoga com campos da filosofia, da psicanálise e até da antropologia, esmiuçando à exaustão aspectos aleatórios de uma história que, mesmo estraçalhada pela modernidade, soa completa.

Com o público bem similar ao da última projeção, foi excitante perceber o início da formação de público. O interesse foi o mesmo da última sessão, um pouco mais de risadas e interação durante o filme já que o roteiro é ainda mais dinâmico. Pude notar alguns suspiros apaixonados por Jean-Paul Belmondo recitando poesias e fumando dentro de sua banheira. Mas, ao que interessa... O debate pós-exibição foi mais complexo e estruturado. O menino que era fã de Nouvelle Vague havia voltado e participou ativamente dando opiniões e instigando seus colegas a contribuir. Foram tantas opiniões que ao invés de separar falas específicas, prefiro comentar sobre o andamento da discussão de uma maneira geral. Muitos comentaram sobre a presença forte das cores, inclusive em uma cena específica onde cada diálogo durante uma festa era guiado por um tom primário de cor. Foi concordado por alguns e explicado para outros que este era o início da Eastmancolor no circuito global. Já haviam sido produzidos diversos filmes utilizando-se desta técnica, mas o pontapé inicial mais aclamado foi durante a efervescência da época da Nouvelle Vague. Outro comentário reproduzido mais de uma vez fez referência à construção dos diálogos: quase sempre em estrofes poéticas e para alguns presentes na exibição “arrastados demais”. Deixei que discutissem entre si a diferença do cinema estadunidense e o europeu e deliciei-me com várias citações de filmes (segundo alguns) “menos chatos”, e olha que até “Minha Mãe é Uma Peça” (filme brasileiro) entrou no meio da discussão! Em certo momento da discussão de se “falar com biquinho” do cinema francês e “falar que nem macho” do cinema americano, instintivamente fizemos uma introspecção e pesamos na balança o quanto deveria ser complicado estar na pele do educador, do responsável por ensinar até um ponto em comum sem que ignorasse a cultura de cada ser humano ali presente. Enquanto pensava, a discussão acalorada teve um capítulo inesperado.

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- Gente, não faz sentido a gente ficar discutindo isso. Pra quem gostou do filme, legal. Pra quem não gostou, vem na próxima vez e vê se gosta de outro. Eu quero falar sobre esse filme e queria que o Daniel me explicasse melhor porque esse filme tem umas coisas tão doidas e uma acontece atrás da outra. Sei lá, as vezes eu me perco porque uma hora eles estão bem, conversando e na outra estão em alta velocidade no carro fugindo da polícia.

Obviamente não pude segurar o riso, uma das meninas mais quietas durante as exibições (ela havia marcado presença na anterior também) simplesmente interrompeu uma discussão de dez minutos e colocou todos em uma direção mais correta. Primeiramente respondi a dicotomia entre os cinemas, contando um pouco a história da juventude francesa daquela época e as condições que os filmes eram produzidos, em contraponto à indústria gigantesca que Hollywood já havia consolidado mundialmente. Logo depois citei o filme exibido na semana anterior, onde havíamos conversado sobre a questão psicológica da Nouvelle Vague e também sobre os recursos. Enquanto Hollywood podia contar com os melhores estúdios de filmagem e todos os recursos mais avançados para a época, estes franceses muitas vezes realizavam todas as etapas de produção com pouquíssima ou nenhuma ajuda. Então, em uma produção com menos recursos, os objetivos devem ser maximizar os potenciais chamarizes do produto: roteiro, diálogos, atuações, enquadramento, planos. Tudo que é possível de fazer da melhor maneira possível sem ter que gastar um caminhão de dinheiro. Ao final indiquei mais alguns filmes da Nouvelle Vague para serem assistidos em casa e solicitei a presença de todos na semana seguinte onde pularíamos um pouco na linha do tempo da história do cinema francês. SEMANA 4 – Le fabuleux destin d'Amélie Poulain ou “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” de Jean-Pierre Jeunet (2001) Após deixar a vida de subúrbio que levava com a família, a inocente Amélie (Audrey Tautou) muda-se para o bairro parisiense de Montmartre, onde começa a trabalhar como garçonete. Certo dia encontra uma caixa escondida no banheiro de sua casa e, pensando que pertencesse ao antigo morador, decide procurá-lo ­ e é assim que encontra Dominique (Maurice Bénichou). Ao ver que ele chora de alegria ao reaver o seu objeto, a moça fica impressionada e adquire uma nova visão do mundo. Então, a partir de pequenos gestos, ela passa a ajudar 60 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


as pessoas que a rodeiam, vendo nisto um novo sentido para sua existência. Contudo, ainda sente falta de um grande amor.” (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

Reconheço que há diversas críticas sobre a obra de Jeunet, até mesmo por seu passado cinematográfico pautado em ficção científica e filmes mais obscuros. É certo que este filme criou a impressão icônica de um cinema francês “bonitinho”, “arrastado” e cheio de planos visualmente interessantes. Muitos que não conheciam sequer uma obra cinematográfica francesa se basearam na então revelação pop do início dos anos 2000 para julgar a veracidade dos elogios dos críticos ao cinema francês durante sua história. Ato falho, porém não de todo mal. Digo isso, pois observo que a popularização de Amélie Poulain foi uma maneira efetiva de chamar novamente a atenção para uma potência cinematográfica que durante os anos 90 esteve em estado de sonolência (apesar de existirem ótimas obras datadas desta década). Uma crítica ferrenha ao filme de Jeunet é a de Felipe Bragança do site Contracampo, especializado em crítica de filmes. Ele diz assim: Um cinema bem acabadinho. Bonitinho. Em que tudo dá certo, em que tudo é feito para agradar aos olhos do espectador. Uma visão que ignora o cotidiano vivente das pessoas, que atropela a opinião alheia, que serve como alienação de mundo. Uma visão que nunca se coloca como a possibilidade de uma abertura para o diálogo. Amélie toma a vida dos outros para si e, totalmente apoiada pelo filme, os faz felizes seguindo as interpretações que ela mesma faz de suas vidas.

Ainda assim, vejo um potencial enorme nesta obra. Mercadologicamente, fez frente às animações norte-americanas entre o top 10 filmes “bonitinhos” da década. Trata de mudança de vida e boas ações de maneira irreverente, utilizando-se do elemento poético dos clássicos da Nouvelle Vague e abusando do charme inocente da atriz Audrey Tautou, consagrada internacionalmente depois desta atuação. Durante a exibição na última semana do mês, era de se esperar que o público fosse maior e mais disperso. Os riscos de exibir um filme mais “apelativo” se equiparavam aos benefícios. O tal “público consumidor” que citei anteriormente fez presença e também fez a minha alegria, pois poderia seguir a linha de raciocínio dos debates passados sem medo. Também fizeram presença alunos da graduação na média de 18/20 anos e muitos adolescentes do técnico. 61


De início preciso confessar que foi uma algazarra: alguns dos interessados se incomodaram com outros presentes que em nada contribuíam, ao contrário. Depois de certo tempo fiz a função de “lanterninha”: passei nos corredores com a lanterna do celular acesa pedindo que falassem um pouco mais baixo e que guardassem os celulares. Penso que poderia ter sido mais maleável, visto que a educação deve ser de acesso a todos, mesmo sem interesse latente... Mais um erro de principiante. Porém, minha felicidade teve um capítulo extra, ao perceber que todos ainda permaneciam no recinto e respeitando a concentração dos demais. Muitos comentários, risadas, olhares aflitos e gemidos de felicidade permearam a exibição, sendo notório que em grupo as pessoas se deixam levar pela empolgação e não se limitam. Ao acender das luzes, minha profecia foi cumprida: muitos deixaram o auditório antes do início do debate. Porém, consegui convencer algumas “cabeças” a mais, além do grupo usual. Inicialmente, a dinâmica foi a mesma. Ouvi algumas impressões e opiniões, procurando estimular a participação de todos. O grande destaque foi a estética e o apelo visual do filme. Além de diversos “foi o filme da minha vida”. Percebi que não houve uma continuação de discurso referente à exibição anterior, então tratei de traçar um paralelo e mostrar a influência e a continuidade dos movimentos cinematográficos franceses, deixando claro que inspiração não é cópia.

Cinema Russo Haveria um gap entre a segunda semana do mês de exibição do cinema russo e o mês seguinte, ou seja, teríamos apenas duas sessões naquele mês. Por motivos profissionais e oportunidades únicas, decidi que aquelas seriam minhas últimas participações no Cineclube. Porém, deixei uma programação inteira pronta, que contava ainda com os cinemas italiano, espanhol, inglês, alemão, argentino, cubano, africano e asiático (estes dois últimos abreviados em exibição continental unicamente por possuírem menos obras consagradas na crítica cinematográfica mundial). 62 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


O cinema russo (ou soviético) teve seu auge não muito após seu início, com as obras extremamente politizadas de Sergei Eisenstein. Relacionado ao movimento de arte de vanguarda russa, participou ativamente da Revolução de 1917 e contribui infinitamente para a consolidação do cinema como expressão artística e, consequentemente, arte. Com muitos percalços no caminho (apesar da fama rápida), Eisenstein deixou alguns clássicos e muitas influências. Uma de suas mais bem-sucedidas influências foi o diretor Nikita Mikhalkov, reconhecido mundialmente com algumas de suas obras, tendo até mesmo sendo indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional duas vezes. Nikita é o líder da Russian Cinematographers' Union, associação cinematográfica criada para assegurar os direitos dos profissionais legalizados do audiovisual no país. Nikita teria destaque em nosso “mês russo”, visto que foi solicitado pela coordenadora do projeto a exibição de filmes “mais atuais”, após algumas reclamações da estética das películas mais antigas. Uma notícia que me abateu foi dada por um dos participantes assíduos, informando que o grupo que eu carinhosamente apelidava de “público consumidor” não poderia mais comparecer à nenhuma das exibições, pois tanto no horário principal, quanto na reprise, eles estariam em aula. Aliás, o tal gap na verdade era o término do período, significando que as semanas de exibições seriam as semanas de prova. Era cristalino que o alcance do Cineclube naquele mês específico seria reduzido drasticamente, porém acreditei em um número mínimo de participantes e firmei minha vontade em prosseguir com as exibições. SEMANA 5 – Urga ou “Urga - Uma Paixão no Fim do Mundo” de Nikita Mikhalkov (1991) Fazendeiro mongol que vive com a esposa numa tenda tem sua vida mudada quando faz amizade com motorista cujo caminhão quebra nas cercanias. Na cidade grande, se metem em confusões e o fazendeiro ajuda seu amigo a sair da cadeia. (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

Urga utiliza uma abordagem antropológica no relato do choque entre as culturas mongol e russa. De maneira peculiar e dinâmica, aborda o conceito de cultura de maneira sutil e introduz o elemento da surpresa no espectador. Um diálogo marcante aconteceu quando, 63


após um homem mongol salvar um homem russo que estava perdido e correndo risco de vida, este o leva para a “cidade grande”: - Você viu o homem? Viu seu dinheiro? - E daí? - Vamos lhe arrancar um pouco, hein? - O que você está falando? Sem ele eu teria assado na estepe até agora! - Vamos mostrar Lenin a ele, hein? - Recebeu-me como um ser humano! - Qual o nome dele? - Gombo! Gombo! Gombo! - Mas entende o que ele está falando? Você entende? Ele não entende nada, e você derrama sua alma sobre ele! O que eles entendem sobre nossa alma? - Alma? Que alma? Nossa alma, aqui! Aqui está a nossa alma, viu? Dois yuans cada, uma alma por dois yuans! Aqui a nossa alma, é isso! Nossa alma, nossa alma... Merda.

O filme possui belas paisagens e cenas que misturam o real com o imaginário, com diversas simbologias visuais retratando a ausência de fronteiras quando se trata de cultura. Além disso, o filme também possui forte teor político, evidenciando com certo eufemismo os pré-conceitos e a rigidez da sociedade russa. No que se refere à exibição, o público foi limitado e apareceram exatamente três pessoas, entre elas um funcionário do setor responsável pela manutenção do auditório. Ainda assim, procurei observar as reações dos presentes. Na totalidade, a projeção não foi tão frutífera quanto as anteriores. As impressões foram bastante rasas, limitandose à vestimenta mongol e piadas sobre a própria palavra “mongol”. Procurei insistir e “lançar” alguns questionamentos: não era interessante o fato de duas culturas completamente diferentes encontrarem similaridades entre si? Não seria ainda mais interessante a família mongol aceitar muito mais rapidamente a presença de homem russo em sua casa do que os russos da cidade aceitarem a presença de um mongol andando por suas ruas? - É verdade, mas é que nem os pobres e os ricos aqui no Brasil. Se rico um dia passa necessidade e precisa de ajuda, não tem pobre que negue. Agora vai ver se algum rico gosta de ter pobre perturbando o juízo? Nenhum!

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Aprovei mentalmente a conexão com a própria vida daquele senhor da EJA, até mesmo comentei que havia achado a colocação bastante interessante e que gostar cinema era exatamente isso, analisar minuciosamente e encontrar elementos úteis para a nossa caminhada diária. Não que fosse necessário tirar lição de vida de filme algum, apenas tornar útil o conteúdo enorme que absorvemos através do cinema, da maneira mais conveniente para cada um. SEMANA 6 – Utomlionnie Solntsem ou “O Sol Enganador” de Nikita Mikhalkov (1993) Num dia de verão em 1936, coronel reformado que vive no campo com esposa Maroussia e a filha, recebe a visita do misterioso e atraente Dimitri que, além de apaixonado por sua mulher, é oficial da polícia política de Stalin. (Sinopse do filme pelo site “Filmow”, especializado em avaliação e crítica cinematográfica).

Dito por muitos como um filme para refletir o estalinismo e a destruição política aos bolcheviques, O Sol Enganador é um filme diverso, como o anterior de Mikhalkov, trata de culturas diferentes, ainda que pertencentes a um mesmo país. É um filme altamente envolvente com personagens curiosos e icônicos. Devido a esse envolvimento, vários momentos são agoniantes. A leitura feita combina muito bem elementos de contradições morais (remetendo ao conceito de idealismo), romance e crítica política, tudo muito bem construído em um drama excepcional. Conta a história de um herói da revolução Russa, com uma vida familiar em um ambiente tranquilo (contrastando com a rigidez do período Stalinista). O filme foi vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 1995. Novamente não tivemos um público extenso, mas algumas almas perambulantes brotaram no auditório. Interessados, e pelo que pude entender em nosso debate final, eles já estavam aprovados em todas as suas matérias. Haviam comparecido ao Instituto apenas para saber de suas notas finais e esbarraram com a divulgação do “filme russo estranhão”, segundo suas próprias palavras. A projeção foi extremamente tranquila, e ao final as questões levantadas fizeram menção aos fatos históricos. Um dos presentes conhecia um pouco da história da Revolução Russa e discutimos sobre a cruel liderança insana de Stalin, assim como a “birutice” dos militares russos, relacionando-os até mesmo com os brasileiros em alguns aspectos. 65


Eu, Eu mesmo e um Até Logo

Disse até logo. Ao final do mês já havia passado o pequeno modelo de divulgação das datas de exibição e emprestado meus DVD’s com os filmes da programação anual completa para o próximo que assumiria em meu lugar. Foi uma experiência enriquecedora, talvez muito mais para mim do que realmente para quem se propôs a participar.

Conclusão A cultura cinematográfica independe de intermédios para fazer parte da vida de alguém. Em um mundo absolutamente interconectado, há tanta informação a ser descoberta que muitas são deixadas de lado em uma espécie de “interesse seletivo”. A internet, por exemplo, facilita o acesso aos filmes e ao mesmo tempo o acesso ao ilimitado conteúdo. Assim sendo, não se pode dizer que é maioria a parcela da população que se interessa por cinema, e menos ainda a parcela que se interessa por sua história. Ao direcionarmos um Cineclube eclético, mas que possui um tema pré-definido anualmente, aos estudantes de um Instituto Federal, somos os intermediários desta descoberta. É uma bênção e absolutamente uma maldição: não sou um educador, quiçá tenho alguma formação em cinema, e ainda sim, em minhas mãos estava a responsabilidade de transmitir uma primeira impressão de clássicas obras à meninos e meninas que nunca sequer pesquisaram sobre elas. Como disse anteriormente, o projeto foi de valia sobretudo para mim mesmo. Posto sem discussão no papel do intermediário, procurei minimamente analisar a contribuição cultural que cada indivíduo trouxe para aquele recinto e o impacto da junção destes diferentes perfis culturais para que pudesse transferir meus pensamentos para palavras nesta escrita. Não cabe a ninguém o pré-julgamento e a definição prévia do gosto peculiar de outros, cabe a nós facilitar o acesso e despertar o interesse pela cultura que o cinema nos traz.

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Cultura, mídia e educação para o público infanto-juvenil Luci Alves da Silva Beatriz Brandão Denise Figueira-Oliveira

As ciências estão tão presentes no cotidiano, e de forma tão natural que muitas vezes, nem percebemos. Ler uma bula de remédio e interpretar uma conta de luz, são exemplos do uso de conhecimentos básicos de ciências. Há também os temas que envolvem decisões políticas, sociais, econômicas e culturais, como aborto, mudanças climáticas, alimentos transgênicos, poluição, dentre outros. A lista dos assuntos que trazem o conhecimento cientifico para nosso cotidiano é enorme e diariamente por meio dos jornais, rádio, revista ou TV. E explicar os principais fenômenos da natureza sempre foi algo que o ser humano buscou. Hoje em dia, por meio do estudo das ciências naturais, uma criança passa a reunir condições de explicar praticamente os principais fenômenos da natureza (chuva, furacões, nevascas, terremotos, maremotos e muito mais). Ao ensinar ou facilitar acesso à ciência estamos ajudando a criança a compreender o mundo à sua volta. Quando a criança realiza experimentos e investiga para responder a questões como “O que acontece se…?” ou “Quais as diferenças e as semelhanças entre…?”, ela está envolvida na aprendizagem das ciências naturais. Por meio de questionamentos importantes que despertam ainda mais a curiosidade, a ciência pode fazer com que uma criança passe a pensar muito mais sobre as coisas do mundo. Assim, a forma com que é feita a divulgação das ideias da ciência para o público infantil tem sido materializada em diversos suportes, contribuindo para a formação de uma educação científica dentro e fora do âmbito formal de ensino. Na televisão, os chamados programas de divulgação científica começam a ganhar espaço na produção brasileira a partir da década de 1970. Mas, o que é um programa educativo? O que é um programa de divulgação científica? Estas não são certamente perguntas simples e não podemos deixar de refletir sobre elas. 68 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Para Massarani (2005, p.24), “a televisão é um dos meios que assume importância como fonte de informações, modismos, vocabulário, gestual, modos de se portar. Divertindo espectadores [...] lida com o fator lúdico”. Eis uma potencialidade característica do Programa O Show da Luna, tema deste estudo. As reflexões apresentadas propõem compreender que elementos estão presentes no desenho O Show da Luna que podem contribuir para a relação entre ciência e público? O Show da Luna se insere no debate sobre o contexto dos desenhos animados e programas voltados para o público infantil, transmitidos pelas emissoras de TV de canal aberto e pagos. Têm um potencial grande de estimular o interesse por temas variados, incluindo de ciências naturais, de forma criativa, instigante, agradável e provocativa. Esse estímulo ganha chances de aproximar o discurso científico do universo infantil, ainda fora do âmbito escolar (SIQUEIRA, 2006). Denise Siqueira (2006) aponta o público infanto-juvenil como o mais visado no que diz respeito ao tema ciência e defende que, entre um sortido repertório de temas, os desenhos veiculam imagens de ciência e de cientistas. A televisão, assim como outros veículos de comunicação, tende a representar os cientistas de diferentes maneiras, homens brancos de óculos, jalecos, cabelos arrepiados ou despenteados, um gênio responsável por invenções inteligentes e surpreendentes, cientista que trabalha para benefício próprio.

Divulgação Científica e o Público Infantil Nos últimos anos têm sido frequentes a utilização nas pesquisas no campo da Educação em Ciências, de diferentes expressões para designar a necessidade de aproximar a ciência da população: alfabetização científica, divulgação científica, popularização da ciência, cultura cientifica, entre outros (JACABUCCI, 2008). Divulgadores da ciência galvanizaram iniciativas para ampliar o debate sobre o tema. Durant (2005, p 14) refere-se à “alfabetização científica no sentido de saber como a ciência funciona”. Já Chassot (2003, p. 91) “ser alfabetizado cientificamente é saber ler a linguagem em que está escrita a natureza”. Massarani (2005) defende que as crianças sistematicamente tentam entender como as coisas funcionam e como é o mundo a sua volta. 69


Nesse esforço, experiências educacionais e pesquisas (GOUVÊA, 2000; MARANDINO, 2005; MASSARANI, 2008) vêm demonstrando que o público infantil tem grande capacidade de lidar com temas de ciência. As crianças convivem em seu dia-a-dia com fenômenos naturais, mesmo que ainda não frequentem a escola, elas elaboram explicações acerca do mundo. E estimular o interesse das crianças pelo mundo da ciência significa abrir uma porta para que cada vez mais conheçam e descubram os saberes sobre variadas áreas de conhecimento. A alfabetização científica emerge então, como parte desse processo pelo qual as crianças, futuros cidadãos, podem desenvolver a capacidade de ler, compreender e expressar opinião sobre temas do universo científico relacionando-os com a vida. Portanto, pode-se divulgar ciência ao público infantil, e essa divulgação ocorre antes mesmo da criança ler e escrever. Um caminho possível e escolhido por nós nesta pesquisa foi observar e lançar reflexões sobre a divulgação científica por meio de um desenho animado como O Show da Luna. Siqueira (2005) analisa de uma maneira geral programas de televisão e as dinâmicas empreendidas para que as crianças possam ser informadas dos discursos científicos. Siqueira identifica essa proximidade quando afirma: Assim como os artistas, os cientistas são figuras muito exploradas na programação de animação infantil. Doutor Quest, Professor Pardal, Doutor Xavier, Dexter e Jimmy Neutron são alguns dos muitos e distintos personagens cientistas que vêm entretendo espectadores de desenho animados [...] (SIQUEIRA, 2005, p. 24).

Como instrumento que desperta o interesse, apresenta novos conceitos, gêneros e linguagens, a televisão coloca-se como recurso instigador. Esse aspecto crítico e atento também é sinalizado por Napolitano (2001, p. 25), quando diz que o poder e a influência da televisão só podem ser revertidos em conhecimento escolar na medida em que o uso da TV em sala de aula seja a consequência de um conjunto de atividades e reflexões partilhadas (o que não invalida as eventuais iniciativas individuais).

Nesse mesmo percurso reflexivo, Siqueira (2008) alerta que os desenhos animados são colocados como entretenimento e diversão infantil, porém não são vazios de conteúdos. Tais desenhos veiculam 70 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


imagens de violência e temas complexos, como poder e também sobre ciência. A ciência passa a ser divulgada pela televisão em programas, incluindo os desenhos. Massarani (2005, p.23) por sua vez afirma que: “A televisão pode ser muito útil à sociedade na transmissão de informações, de saber, de conhecimento, na divulgação científica”. A divulgação científica bem feita é considerada um instrumento útil para a consolidação de uma cultura científica na sociedade, como cita Almeida (2002:69): A divulgação científica traria como resultado a familiaridade de todos com as coisas da ciência e, sobretudo, uma confiança proveitosa nos métodos científicos, uma consciência esclarecida dos serviços que estes podem prestar.

Compreendendo o papel que a televisão ocupa no imaginário e no cotidiano das crianças, o êxito popular do programa O Show da Luna fez emergir a oportunidade de um olhar mais detido para esse meio de comunicação como boa iniciativa para a divulgação científica para o público pré-escolar.

O programa O Show Da Luna e suas estratégias para educar a imaginação Ao considerar o conhecimento como se encontrando entre as coisas mais belas e dignas do maior valor, sendo umas mais penosas do que outras, quer em virtude do seu maior rigor quer em virtude de dizer respeito a coisas mais belas e elevadas, decidimos, devido a essas duas mesmas causas, considerar toda a investigação respeitante à alma como sendo de importância fundamental (De An., 402a) (Grifo da autor).

O filósofo grego Aristóteles, na obra Anima, reflete sobre a imaginação e o intelecto, características tipicamente humanas e que ele destaca-as como habilidades especiais. O intelecto, segundo essa visão deve preferencialmente ser nutrido pela sensibilidade, pela percepção e instâncias dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) para a constituição dos saberes. Sob essa visão o mundo sensório tem, um papel no processo de ensino, na aprendizagem, na informação, na partilha de saberes de uma forma mais ampla e pode favorecer o entendimento da materialidade, das relações sociais e outras coisas do mundo cotidiano. 71


Dessa forma, eleger um produto cultural como o programa O Show da Luna é reconhecer o papel de meios de comunicação que estão diretamente ligados a esse mundo sensório, tratando do tema deste estudo, divulgação científica para crianças, em busca da transformação do pensamento das crianças sobre as ciências. Célia Catunda (2016) descreveu assim seu processo de criação da protagonista: A personagem surge do traço em primeiro lugar. Certa vez eu desenhei um esboço sem muito compromisso e, a partir daí, comecei a pensar numa protagonista feminina, forte, e me ocorreu falar em ciência, do ponto de vista da curiosidade. Sobre o desenho - O que é O Show da Luna

Célia Catunda e Kiko Mistrorigo, são responsáveis pela criação e produção do programa O Show da Luna, uma série de desenho animado brasileiro, com o músico e compositor André Abujamra responsável pela direção musical. Produzido pela TV Pinguim1, foi lançado em 2014 e está em sua terceira temporada. A começar pelo nome, Luna. Os autores da personagem mencionam claramente que o nome da personagem foi escolhido por ser simples e com mínimas dificuldades para tradução em outros países. A ligação da personagem com a astronomia e com as viagens na imaginação que ela realiza com seu irmão caçula Júpiter e o furão de estimação Cláudio, Luna e Júpiter parecem sugerir um reflexo de um fato científico espetacular que foi a ida de seres humanos à lua, em 1969. O programa O Show da Luna tem como protagonista uma garota de 6 anos que é apaixonada por ciências. O planeta Terra para Luna é um imenso laboratório para suas experiências, a começar pelo quintal de sua casa, aonde pode descobrir diversas curiosidades. A curiosidade da protagonista impulsiona os episódios e Luna não sossega até conseguir responder perguntas como: “O que está acontecendo aqui? Eu quero saber! Eu preciso saber!”. A cada episódio, uma curiosidade é abordada, seja na praia, no zoológico ou simplesmente no quintal da casa de Luna, aonde sem saber, Luna, seu irmão mais novo, Júpiter, de 4 anos e o furão de estimação da família, Cláudio, praticam ciência diariamente, formulando hipóteses e fazendo experimentos. 1  Retirado do site da TV Brasil, endereço http://tvbrasil.ebc.com.br/oshowdaluna

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Luna conduz as crianças pelo processo de questionamento científico e, assim, o conhecimento vai sendo construído pela soma de pequenas descobertas e suas interconexões. Os autores do Show da Luna compuseram os diálogos, com o auxílio de uma consultoria pedagógica (psicólogos, educadores, escritores, físicos, astrônomos e biólogos) (CATUNDA, 2015). As áreas de estudo privilegiadas no programa são a Biologia e a Astronomia, conforme exemplificado no Quadro 1. Quadro 1 Quantidades de disciplinas cientificas inseridas no desenho da 1ª temporada

Área de estudo

Quantidade de episódios

Biologia

9

Astronomia

6

Física

5

Física-Química

4

Química

1

Paleontologia

1

Para cada episódio com temas independentes entre si encontramos uma contribuição direta para disciplinas estabelecidas, como pode ser observado no Quadro 2 a seguir: Quadro 2 Disciplinas inseridas nos episódios

Título do episódio

Disciplina

A dança das Abelhas

Biologia

Afunda ou flutua?

Física

Asas para voar

Biologia

Borboleta Luna

Biologia

Cadê os marcianos?

Astronomia

Cheirinho de terra molhada

Física/Química

Como a água vira chuva?

Física/Química

Cores para Cláudio

Biologia

Doce pão doce

Química

Encaracolados

Biologia

Espelho, espelho meu

Física/Química 73


Formidável formiga

Biologia

Glub, glub

Biologia

Luna Sauro Rex

Paleontologia

Luzinhas voadoras

Biologia

O amarelo que ficou verde

Física

Nem tudo nasce semente

Biologia

Nos anéis de Saturno

Astronomia

O arco-íris

Física

O rastro da estrela

Astronomia

Os gigantes do gelo

Física

Pra baixo ou pra cima?

Física

Quatro luas para Luna

Astronomia

Por que as estrelas piscam?

Astronomia

O mistério da couve

Física/Química

Sol vai, noite vem

Astronomia

Estratégias

No programa O Show da Luna os idealizadores usam estratégias e movimentos que visam aguçar a curiosidade ou mesmo dar espaço a ela no universo infantil, a alegria na descoberta, sob uma linha lúdicopedagógica que estimula o pensamento de um público em um estágio anterior a escrita, o público pré-escolar. Vygotsky (1989) entende e aponta esse estágio da linguagem falada como meio de expressão do pensamento, ou seja, de dar vazão a imaginação. Naquilo que nos foi possível apreender da teoria desse autor aproxima-lo deste estudo, podemos observar que, na medida em que a criança é envolvida nessa esfera cognitiva a significação de objetos, situações, ações e a linguagem falada passam a compor a relação entre o imaginário e o real. Assim, seu pensamento e imaginário criam um novo sentido para a realidade. Segundo Fischer (2001), a mídia televisiva é um meio que interage ativamente dessa socialização de saberes da cultura contemporânea. Entendemos que o objeto de estudo selecionado, o Programa Show da Luna simboliza esse corte temporal. Como afirma a autora, [...] queremos tratar da TV como criação, como produção cultural que nos oferece uma série de possibilidades de expressão 74 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


audiovisual, de comunicação de sentimentos, ideias, indagações, informações; ao mesmo tempo, desejamos fazer desse estudo da TV uma forma de pensar os problemas, as possibilidades e os impasses da educação na contemporaneidade – fortemente marcada por alguns sintomas culturais, relacionados às mudanças tecnológicas nas diferentes práticas de comunicação e de informação de nosso tempo, e modos de aprender e de ensinar, certamente alterados justamente pela existência desse e de outros meios de comunicação e informação (FISCHER, 2001, p. 17).

Seguindo um roteiro de seis perguntas, sugerido por Fischer (2001), que tem como objetivo demonstrar a amplitude que o estudo da televisão proporciona e a sua importância pedagógica, fizemos uma análise do programa O Show da Luna, baseando-nos em um roteiro de seis perguntas que permite compreender suas estratégias. Que tipo de programa é O Show da Luna? É uma animação lançada, primeiro nos Estados Unidos, com a versão em inglês (Earth to Luna) e foi exibida em agosto de 2014 na NBC. No Brasil, O Show da Luna entrou no ar em 12 de outubro, dois meses depois, no Discovery Kids, o horário da programação é de segunda a sexta às 11h e 20h, sábado às 21h40 e domingo às 20h40. A série está em sua terceira temporada, e é exibida também na TV Brasil, de segunda a sexta às 9h52 e 14h15 e sábado 10h09 e TV Aparecida, de segunda a sexta às 19h, sábado e Domingo às 16h45. Qual a estrutura básica do programa? A estrutura do programa está em sua terceira temporada, com 78 episódios com cerca de 15 minutos cada. Os episódios não possuem continuidade e são exibidos aleatoriamente. A quem se destina? O público são crianças na faixa etária de 3 a 6 anos. Luna, a personagem principal da animação, é uma menina de 6 anos, super curiosa e apaixonada por ciência. Ela, seu irmão Júpiter, de 4 anos, e o furão de estimação Cláudio, usam o quintal de sua casa para fazerem muitos experimentos. Observamos a iniciativa dos autores do programa, de sair da visão estereotipada de que ciência se faz em laboratório, mostrando também uma ciência multidisciplinar. Com que linguagem se faz o programa? O encantamento mobiliza a mente infantil como o programa revelando, um sentido de grande valia para educar. A série usa efeitos, recursos e técnicas de animação (cores, movimento, musicalidade, temática e temporalidade) por meio de uma linguagem coloquial. 75


A música é um dos elementos -chave do Programa O Show da Luna, que tem morada nas diversas linguagens (visual, corporal, musical). Dentre os recursos atrativos, temos a dança e os gestos, utilizados para atrair a atenção. São essas linguagens que parecem alcançar com êxito as crianças de acordo com o tema de cada episódio, cumprindo um dos objetivos da divulgação científica que é aproximar o discurso das ciências de um público em geral (MASSOLA; CROCHIK; SVARTMAN, 2015). Quem fala? O trio principal do desenho (Luna, Júpiter e Cláudio) formula a cada episódio perguntas sobre como funcionam as coisas e procuram as respostas sempre usando a formulação de hipóteses, experimentos, observação e conclusão. Eles conversam, cantam e dançam sobre o tema principal do episódio. O roteiro do desenho não se restringe às perguntas, é possível notar o esforço para a aventura em busca das respostas. O roteiro é voltado para o estímulo para os personagens irem além e descobrirem os segredos escondidos no nosso mundo. Qual temática é de interesse para a Educação? O presente estudo demonstrou que a representação de um mundo imaginário por meio da ludicidade, cores vibrantes foram capazes de atrair olhares. O desenho animado evidencia uma importante fonte de comunicação, aprendizagem e alimentando, assim, o imaginário infantil, o que em si já apresenta desdobramentos para a Educação, como argumento influente no desenvolvimento infantil na contemporaneidade. Como gênero de entretenimento capaz de conquistar a simpatia de diferentes idades, os desenhos animados abrigam elementos simbólicos que além de seduzir, nutrem o imaginário. Como lembra Salgado (2005): [...] os desenhos animados são os textos midiáticos que ganham maior visibilidade por duas razões: terem como suporte a televisão, meio de comunicação mais popularizado atualmente, que se estende a diversos grupos sociais, e serem constituídos por narrativas que convidam a criança à brincadeira e ao jogo, além de apresentar-lhe modos de ser criança no mundo em que vive. (SALGADO, 2005, p. 19).

Com as transformações tecnológicas em alta velocidade, as crianças são os principais alvos e consequentemente os maiores afetados com essa intensa transformação. Segundo Siqueira (2008), 76 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


um dos temas mais explorados pelos meios de comunicação de massa na contemporaneidade é a ciência. A televisão passa a ser um dos produtos de maior consumo do público infantil. A linguagem, os sons, imagens, cores e personagens começam a fazer parte dessas percepções e experiências. Música

A percepção pública dos efeitos da popularidade2 do Show da Luna parece apontar para a experiência afetiva gerada com a música tema do Programa, intitulada, Eu Quero Saber (O Show da Luna - André Abujamra, 2014), a saber: A letra da abertura: Esse é o Show da Luna… Luna… Luna… Esse é o Show da Luna Tudo que é pergunta a Luna faz Porque a luz acende? Cadê a estrela cadente? Porque a gente perde dente? Será que existe duende? Dá pra andar de trás pra frente? Abacaxi não tem semente Tudo que é pergunta a Luna Faz… Esse é o Show da Luna… Luna… Luna… Letra da música “Eu quero saber” Eu quero saber… Porque o gato mia Verde por fora vermelha por dentro é a melancia, Eu quero saber Não quero dormir O que tá acontecendo eu vou descobrir… ***assobio*** 2  O Show da Luna é sucesso não só na TV como na internet, com seus quase 230 milhões de visualizações no YouTube e audiência no Discovery Kids, com 13 milhões de espectadores no primeiro trimestre de 2016. https://extra.globo.com/tv-e-lazer/fenomeno-entre-as-criancas-showda-luna-ganha-versao-para-os-palcos-20276061.html

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Eu quero saber pra quê que serve a lua Eu tenho tanta pergunta Porque que a pulga pula Eu quero saber Não quero dormir O que tá acontecendo eu vou descobrir…”

As letras das músicas do O Show da Luna, são tantos porquês? Eu quero saber? A criança curiosa vai explorar e descobrir. E o que é mais prazeroso sobre a descoberta é compartilhá-la com alguém. Em cada episódio, os personagens se reúnem em um teatro no quintal para apresentar para seus pais à explicação da questão elaborada. Uma mostra da natureza social dos seres humanos, a busca pela recompensa e do olhar de admiração das pessoas que amamos e respeitamos. Esta aprovação provoca prazer e orgulho para sustentar a criança através de novos desafios e até mesmos as frustrações. As crianças, desde cedo, são expostas a diversos sons e ritmos. Isso acontece desde o período em que estão no ventre de suas mães, continuando no decorrer de suas vidas. Durante as diversas fases do desenvolvimento das crianças, assim como o desenvolvimento cognitivo, motor e afetivo, a música pode influenciar de forma positiva, contribuindo para o desenvolvimento da criatividade, das expressões corporais e artísticas, da memorização e para a aprendizagem das crianças (VYGOTSKY, 1999). Ao longo de uma atividade envolvendo música, por exemplo, a criança pode desenvolver a sensibilidade, a criatividade, imaginação, atenção, a movimentação e inclusive a socialização. Todos os aspectos do desenvolvimento estão intimamente relacionados e exercem influência uns sobre os outros, a ponto de não ser possível estimular o desenvolvimento de um deles sem que, ao mesmo tempo, os outros sejam igualmente afetados (WEIGEL, 1988, p. 13).

O desenvolvimento da criança se dá em todos os momentos e espaços de sua vida, começando pela família onde acontece seu primeiro contato social e provavelmente irá se alastrar em seu convívio escolar e por qualquer outro espaço social que ela percorra. O estímulo que a música provoca nas crianças, contribui para que o conhecimento caminhe de uma forma mais divertida. Gordon (2000, p. 6) ressalta que: 78 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Através da música, as crianças aprendem a conhecer-se a si próprias, aos outros e à vida. E, o que é mais importante, através da música as crianças são mais capazes de desenvolver e sustentar a sua imaginação e criatividade ousada. Dado que não se passa um dia sem que, duma forma ou doutra, as crianças não ouçam ou participem de música, é-lhes vantajoso que a compreendam. Apenas então poderão aprender a apreciar, ouvir e participar na música que acham ser boa, e é através dessa percepção que a vida ganha mais sentido.

A partir do momento em que a criança entra em contato com a música, seus conhecimentos se tornam mais amplos e descobrir o mundo a sua volta torna-se uma tarefa prazerosa. As músicas cantadas no programa O Show da Luna mostram ciência e favorecem o desenvolvimento intelectual, facilitam e incentivam a curiosidade natural das crianças, direcionando-as a um verdadeiro interesse científico, ao estimulá-los a explorar seu entorno, já que “o mundo é um grande laboratório” segundo a protagonista Luna3. O exercício de descobrir, respeitar o meio ambiente é um aspecto muito relevante nessa etapa da formação. Representações sociais

A partir das mídias e também de programas de televisão, são construídas representações e interpretações sobre mundo que nos cerca. Sendo assim, as representações sociais, de gênero, de tempo, de espaço, de cores e gostos também são construídas com base no conteúdo e nas histórias transmitidas pelos desenhos animados, desde cedo. As representações midiáticas têm uma grande influência do fenômeno conhecido como representações sociais. O termo foi fundado por Serge Moscovici e busca estudar uma forma de conhecimento dinâmico e característico das sociedades atuais e das culturas contemporâneas (MOSCOVICI, 1961). Moscovici defende que as representações sociais são os conjuntos de conceitos, afirmações e explicações que o homem utiliza para entender, explicar e comunicar o mundo em que vive. As representações sociais são conhecimento que usamos em nossa vida, seja no cotidiano, seja nas ideias de um grupo de pessoas a partir do compartilhamento de suas experiências e também, 3  Retirado do site da TV Brasil, endereço http://tvbrasil.ebc.com.br/oshowdaluna

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por meio dos conhecimentos acrescidos dos produtos midiáticos, em específico o desenho animado. Sendo assim, ao buscar identificar a representação social no programa O Show da Luna, percebemos que ele traz a imagem de uma infância que lida com valores de amizade, entre irmãos, amor à natureza, gentileza para com os outros, enfrentando a curiosidade e as perguntas intrigantes sem perder a diversão. O desenho animado O Show da Luna trabalha com valores que refletem a possibilidade do desenvolvimento da autonomia, em todos os episódios, pois os personagens sem ajuda dos adultos buscam respostas para suas perguntas. A capacidade da protagonista em ir buscar uma resposta para a pergunta que a intriga, demonstra a autonomia em solucionar seus próprios problemas. Luna ama seu irmão e se aventura com ele. A família de Luna não só incentiva como participa dos experimentos. Há clara determinação dos idealizadores do programa ao estímulo da curiosidade e fomento a descoberta e a real exploração do potencial infantil. A partilha das ações e dos sentimentos dos personagens parece possibilitar a criação da representação social acerca da infância. O sentimento de infância, de preocupação com a educação pedagógica e moral, o comportamento no meio social, são ideias que surgiram já na modernidade. Segundo Ariès (1981), a descoberta da infância deu-se a partir do século XIII, acompanhou um avanço entre os séculos XV e XVI, mas desenvolveu-se no fim do século XVI e durante o século XVII. A sociedade passou a preocupar-se com as crianças a partir do momento em que houve um reconhecimento de sua importância no meio social. Historicamente, a criança era vista como um adulto em miniatura, não se percebia uma caracterização do ser criança. “Não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido” (ARIÈS, 1981). Havia a carência do sentido de infância, um estágio importante para o desenvolvimento da pessoa. O programa o show da Luna em um novo lugar de fala para o desenho animado: gênero feminino no protagonismo

A participação do movimento da ciência, em nossos dias, é claramente importante para a cultura geral da sociedade. A ciência é, portanto, uma área de excelência do conhecimento com um patamar de importância diferenciado quando comparada a outras áreas, colhendo inclusive benefícios econômicos e políticos típicos de uma posição hegemônica (FIGUEIRA-OLIVEIRA, 2012). 80 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Assim, o discurso da ciência presente em desenhos animados, dentre eles, o programa O Show da Luna, reflete esse potente lugar de fala difundido na sociedade. Os autores dessa produção artística e cultural, nas entrevistas selecionadas neste trabalho, pontuam suas experiências mal sucedidas afetivas e cognitivas na escola quando os temas de aula eram as ciências (Entrevista de Celia Catunda à ApexBrasil4). Enquanto produziam seus produtos essa questão foi colocada em pauta, no sentido de oferecer uma alternativa a essa visão que ainda é a realidade educacional de várias salas de aula brasileira (DE MEIS, 1998; MENDONÇA et al, 2008). É possível aproximar essa postura de revés ao que Vygostky assinala que o peso psicológico central é capaz de gerar uma reação estética (VYGOTSKY, 1999). Célia Catunda a desenhista de Luna, a pessoa que atribuiu às marcantes características a essa protagonista afirma em entrevistas sobre seu processo criativo, querer reverter a visão estereotipada da ciência por meio de sua obra de animação. Eis que a intencionalidade reforça o argumento de uma mudança de como desenhos animados apresentavam até, então, o gênero feminino, já que a televisão também assume um papel relevante neste processo de construção da distorção social do gênero, já que a imagem de personagem cientista dentro do imaginário coletivo, em sua maioria, preferencialmente até então era do sexo masculino. A protagonista é do gênero feminino, foi criada para reverter a imagem coadjuvante que tradicionalmente aparece em mídias audiovisuais, como a televisão. A televisão assume assim um papel relevante neste processo de construção distorção social do gênero. Luna não usa rosa necessariamente, não apresenta limitação ou timidez para executar suas atividades e apresenta muitas habilidades para sanar a sua curiosidade. Após tomarem conhecimento sobre o estímulo as mulheres na carreira científica em países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, os idealizadores do programa foram enriquecidos intelectualmente na construção da protagonista. Não mais a figura masculina como detentora do saber e a mulher como coadjuvante (SIQUEIRA, 2008). Na referida animação, o papel é invertido.

4  Entrevista no YouTubeem 08/12/16 à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qz4vhy23O2I. Acesso em 26/05/2017.

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O protagonismo masculino na história se reflete não só na ciência, mas em quase toda produção intelectual (CHASSOT, 2011). Do ponto de vista histórico, Chassot não tem dúvida que foi um processo cultural, no qual as mulheres não tiveram espaço e liberdade de expressão, especialmente no que se refere à Ciência. Falar da participação das mulheres na ciência é antagonicamente falar de sua ausência por séculos que foi negada (CHASSOT, 2011). Contudo, o crescimento da participação feminina dentro da pesquisa científica é evidente e cada vez mais acelerado. A imagem da mulher na ciência se modifica e constróise a nova imagem da cientista do século XXI, uma mulher moderna, independente, bem-sucedida e bela. Quando se fala na presença das mulheres na ciência, o primeiro nome que surge destacado e isolado é da matemática e filósofa da Grécia Antiga, Hipácia (370-415), que trabalhava na Escola Neoplatônica de Alexandria e foi assassinada por monges fanáticos cristãos (CHASSOT, 2011). A história de Hipácia é relatada no excelente filme Agora, dirigido por Alejandro Amenábar, lançado na Espanha em 2009. E Luna é uma menina protagonista, quebrando estereótipos e contribuindo para que haja uma mudança na percepção das meninas e dos meninos sobre a mulher cientista. Quanto à vida social da personagem Luna, pode-se dizer que ela é bem estruturada. Ela tem amigos que possuem nomes que lembram cientistas famosos, como o carteiro Edison (Thomas Edison), o padeiro Nilton (Isaac Newton) episódio “Doce pão Doce”. Luna tem a participação constante da família e dos amigos. O pai aparece cozinhando e possui uma horta no quintal e na maioria dos episódios aparecem comendo comida saudável. A mãe surge trabalhando em um notebook em casa. Uma família tradicional é formada pelo pai e mãe, unidos por matrimônio ou união de fato, e por um ou mais filhos, compondo uma família nuclear ou elementar. Segundo Silvio Venosa (2014, p. 2), a família tem um conceito amplo, "é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar", em conceito restrito, "compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder". Para Kaloustian e Ferrari (1994), a família é o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo familiar ou da forma como vêm se estruturando. 82 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


É a família que propicia os aportes afetivos e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. A partir do nascimento da criança, a família inicia sua socialização, passando padrões de comportamento, hábitos, costumes, padrão de linguagem, maneiras de pensar, agir e expressar. A família desempenha um papel decisivo na educação formal e informal. Educação, formação são processos sociais e culturais, não cessam enquanto o indivíduo vive. Durante toda a vida, cada pessoa se educa em contato com outras pessoas, fontes de referências, meios de comunicação de massa e, também, através da educação formal fornecida por escolas em todos os níveis – da educação infantil à pós-graduação. Considerar educação apenas como instrução formal é reduzir todo o processo e minimizar o papel dos grupos sociais e das culturas na formação do indivíduo. (SIQUEIRA 2006, p. 134).

A televisão, os pais e as escolas são fontes de informação para as crianças constituindo-se no que conhecemos como educação informal (GADOTTI, 2005). E tanto a televisão, quanto a escola lida com essa comunicação de conhecimento de forma diferente. As crianças devem ser bem instruídas e qualificadas pela escola, pelos professores e pela sua família. Esta representação da vida social da Luna contraria a imagem do cientista solitário, que trabalha individualmente em seus projetos. Neste estudo também foi possível mostrar pelo programa analisado o movimento de transição dessa visão estereotipada sobre a ciência como a possível causa do distanciamento dos alunos da disciplina (SILVA; SANTOS; RÔÇAS, 2016). O investimento de novas abordagens para o pensamento infantil evidencia-se como reflexo de um movimento coletivo, nas artes, nas ciências, na comunicação e na expressão de ideias inventivas de divulgação científica com um reflexo natural de tornar as profissões científicas mais próximas da sociedade.

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Reflexões Finais Somos o vazio. Somos tempo e espaço. Somos luz. Somos energia. Somos matéria. Somos átomos. Somos o Universo. O Universo está constantemente se desdobrando. Se desdobrando em matéria, e matéria se desdobrando em vida. Vida que é mutação e evolução. Vida que se desdobra em instinto. Vida que se desdobra em pensamento. Pensamento que imagina o Universo. Somos vida. Somos ritmo e movimento. Diversidade. Palavra e silêncio. Somos memórias. Conhecimento. E invenção. Somos Terra. Somos o Universo se desdobrando. Se desdobrando em matéria, matéria em vida, vida em pensamento. Somos o pensamento que imagina o Amanhã, Amanhã que é aqui e agora5. Fernando Meireles

O texto acima reproduzido, foi pensado pela equipe criadora do Museu do Amanhã (Rio de Janeiro, Brasil) para o primeiro momento da Exposição Cosmos, onde pretendem despertar reflexões sobre a conhecida curiosidade humana sobre: Como chegamos até aqui? A curiosidade é um elemento que está expresso na trajetória de Luna, personagem central do programa infantil selecionado para esse estudo, que sempre quer saber mais sobre alguma coisa. O texto, de autoria do cineasta Fernando Meireles, introduz a experiência sensorial do Museu do Amanhã (Rio de Janeiro) ao apresentar o Cosmos e sua evolução como um todo. Eis que essa rica e dinâmica inquietação em busca de compreensão do mundo que nos circunda apresentada por Fernando Meireles no texto acima, pode significar o lugar de sentimentos e pensamentos que ocupam a humanidade desde os primórdios da existência. Perceber a realidade, decifrar os códigos que ampliam desde a consciência ingênua fragmentada até uma visão mais crítica faz parte desse movimento fundamental de ser e estar no mundo. É inerente ao pensamento esse atravessar, sair de si para entender e quem sabe alterar a ordem das coisas. Assim, interrogações novas podem ser permanentemente elaboradas, o que é conhecido posto em dúvida, os sentidos óbvios 5  MEIRELLES, FERNANDO Disponível em: https://museudoamanha.org.br/sites/default/files/ Roteiro_Portal-Cosmico.pdf

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e imediatos terem alteradas suas competências e muitas vezes propor ressignificações. A partir dos resultados teóricos e discussão, foi possível apresentar as reflexões desenvolvidas nessa pesquisa, lançar elementos e argumentos para reconhecer as potencialidades do programa infantil, Show da Luna para a divulgação científica. O desenho animado, objeto dessa pesquisa, é composto por diversas formas de expressões estéticas, como, a atividade lúdica em si, o desenho, a música cativante, o lugar na linguagem em várias instâncias que entendemos apresentar perspectivas pedagógicas que antecedem até o período escolar contribuindo para a educação da imaginação. Kiko Mistrorigo, produtor do programa ratifica esse caminho em entrevista ao G1 em 20146: Luna é uma menina sem frufru. A série não tem nenhum adulto, máquina ou Google que tira as dúvidas. É ela que vai atrás e, pela imaginação, consegue formular as próprias hipóteses e tirar as conclusões.

O programa Show da Luna nos parece um projeto educacional e poético, na medida em que lança para um público pré-escolar um espaço pleno para exercícios da curiosidade, do afeto, da imaginação e da criatividade, associando uma base de conteúdos coerentes construídos pelos autores junto a especialistas, sem subestimar a capacidade cognitiva desse grupo social que inicia a (de) codificação do mundo circundante. Essa aproximação evidencia o território da fantasia, da sensibilidade dos múltiplos sentidos que entendemos compor a experiência exitosa dessa animação, já que como qualquer atividade humana, nem sempre o racional prevalece. Sob olhar do neurobiólogo chileno, Humberto Maturana (2004) em resposta sobre a importância das emoções na própria evolução humana, a seguinte afirmação é partilhada: As emoções são centrais na evolução de todos os seres vivos, porque definem o curso de seus fazeres: onde estão, para onde vão, onde buscam alimentos, onde se reproduzem, onde criam seus filhotes, onde depositam seus ovos etc. Bem, com os seres humanos ocorre exatamente a mesma coisa. O emocionar, o fluxo das emoções, vai definindo o lugar em que vão acontecer as coisas que fazem no conviver. Então, se uma pessoa se move, por exemplo, a partir da frustração, isso vai definir continuamente o espaço relacional na qual se encontra e o curso que vai ter seu viver. Se vive a partir da confiança, vai seguir um curso distinto. 6  Entrevista do produtor Kiko Kistrorigo ao G1.

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Assim, portanto, o que guia o fluxo do viver individual são as emoções e na constituição evolutiva também. É o emocionar que se conserva de uma geração a outra na aprendizagem das crianças.

Em um primeiro momento, a pesquisa centrou forças na compreensão da relação entre as ciências, a sociedade e as formas de divulgação desses saberes por meios de comunicação de massa, como a televisão, em seguida buscamos descobrir fatos ou princípios relativos à divulgação científica. Tendo como base, uma breve revisão bibliográfica sobre televisão e a divulgação científica, associamos os episódios da primeira temporada e as entrevistas dos criadores artísticos do Programa Show da Luna para colher elementos que testemunham uma trajetória mais inventiva para a apresentação do discurso científico na área do desenho animado. Luna é dotada de uma energia, curiosidade e sagacidade que em boa parte de desenhos era reservada para personagens do gênero masculino. Luna foge do estereótipo sexista. A intencionalidade de seus idealizadores em darem destaque as suas aventuras parece sinalizar que, observar, investigar, formular hipóteses, planejar e discutir temas das ciências são caminhos possíveis para meninos e meninas, sem distinção. Os autores fogem também ao estereótipo das vestimentas tipicamente femininas, nas cores rosa ou amarelo claro para assumir o azul marinho em seu figurino. No lugar onde a realidade é incorporada, na linguagem, as falas ágeis estabelecem laços de correspondência com a busca inicial da personagem. Luna se nega a dormir enquanto não descobrir o que se propõe. Essa determinação a faz pesquisadora da realidade e cidadã atuante para obter mais conhecimento. Tal ímpeto parece apresentar equivalência à prática profissional do (a) cientista, desenhada para conhecer mais e mais a realidade. A construção criativa do programa Show da Luna parte da linguagem como principal mote para a relação entre mundo sensório e mundo racional. São nas situações experimentadas pela protagonista e seus amigos. Os autores revelam, também, que essa escolha por uma personagem nesses moldes tem como pano de fundo também uma visão de mercado para projeção e êxito nesse empreendimento cultural. Nas palavras de Mistrorigo (2014): “Criamos entretenimento infantil, procurando pensar sempre num produto globalizado. Por isso, toda a produção já é feita primordialmente em inglês”. 86 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Finalmente, acreditamos que o estudo realizado aponta para as potencialidades dos desenhos animados, quiçá novas formas artísticas com elementos semelhantes, voltados para aproximar o universo, o discurso das ciências de todo tipo de público. No caso do programa O Show da Luna, que parte do que se pode entender como ensino informal, ainda longe das salas de aula, para o uso planejado e direcionado para deflagrar reflexões sobre as ciências em todas as idades em um mundo que envolve símbolos e sentidos.

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A educação e o teatro proletário em Benjamin Andréa Alves de Abreu

Resumo Ao considerar, segundo Walter Benjamin, que a encenação teatral infantil educa, tendo em vista a realidade social, esse texto teve por objetivo descrever a compreensão benjaminiana de que o teatro é também um espaço para educação dos filhos dos proletários assim como o é dos adultos. De forma correlata, procurou ensaiar uma aproximação entre essa descrição e alguns conceitos caros à Piaget, Vygotsky e Wallon. À guisa de conclusão, pode-se estimar que a compreensão de Benjamin sobre a importância da coletividade na educação da criança dos proletários esteja mais próxima às compreensões de Vygotsky e Wallon relativas a importância do meio social como constituinte do homem. Isso estaria em franco acordo com a defesa de que o contexto é formador da classe em que o proletário e sua criança estão.

Palavras-chave: educação, proletariado, contexto social.

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Introdução Walter Benjamin (2009) elabora o “Programa de um Teatro Infantil Proletário” considerando que a encenação teatral feita por crianças deve ter uma função educadora tanto para elas mesmas quanto para adultos. A forma como o teatro infantil é produzido corresponde ao meio pelo qual a criança experimenta uma compreensão nova (porque impregnada de fantasia) da realidade e os modos de seu enfrentamento. Em seu “Programa”, Benjamin afirma que o teatro infantil proletário é o contexto para se educar a criança e também que a observação feita pelos adultos da encenação infantil é educadora: “as crianças sobem ao palco durante a encenação e ensinam e educam os atentos educadores” (BENJAMIN, 2009, p.118). Embora, nesse texto, Benjamin não justifique a eleição dessa faixa etária, justifica a eleição do teatro como contexto de educação das crianças dos proletários e, também, porque os atentos adultos são educados por elas. Considerando isso, esse trabalho possui dois objetivos correlatos. Um deles é descrever as razões de Benjamin para alegar que o teatro infantil é, ao mesmo tempo, um espaço de educação das crianças dos proletários e de educação dos adultos. O outro é analisar se as razões descritas por Benjamin para tanto podem ser compreendidas a partir de alguns conceitos enunciados por Piaget, Vygotsky e Wallon. Para cumprir esse objetivo, inicialmente será descrito o texto eleito de Benjamin; a seguir, serão descritos os conceitos de Piaget, Vygotsky e Wallon que poderiam fundamentar as razões presentes no método de Benjamin ao elaborar um programa de teatro infantil. Ao final, será feita uma tentativa de aproximação conceitual entre os autores descritos.

Teatro infantil em Benjamin: a educação proletária Segundo Benjamin, o método para a educação das crianças dos proletários deve se basear na consciência de classe, deve ser um método sistemático, ou seja, contextualizado à realidade da classe. Isso implica que as crianças sejam educadas proletariamente “em questões ligadas à técnica, à história de classe, à eloquência etc” (BENJAMIN, 2009, p. 112). O teatro se prestaria a isso como instrumento, pois nele “realidade e jogo se fundem para as crianças, imbricam-se tão intimamente que 91


sofrimentos encenados podem converter-se em sofrimentos autênticos, surras encenadas em surras reais (...)” (BENJAMIN, 2009, p. 114) – e isso pode dar pistas para a aproximação conceitual que se pretende com os demais autores já citados. Nesse teatro, o papel do diretor é distribuir conteúdos, tarefas, eventos. A ele importa gerar tensões que serão resolvidas, coletivamente, na própria encenação. Essas mesmas tensões serão os autênticos educadores. Em Benjamin, atentar ao papel da coletividade é essencial para se compreender a importância e função do teatro infantil, pois ele é o lugar da resolução coletiva de tensões e o que importa à educação proletária é essa coletividade, pois é nela que as tensões entre os adultos são, também, apresentadas e resolvidas. As assembleias populares, o exército e a fábrica, por exemplo, são os espaços dos adultos para resolução das tensões coletivamente. O teatro seria o mesmo para as crianças. O público do teatro infantil também se constitui como coletividade. Em Benjamin, o teatro infantil “exige a classe”. Esse público não está ali para receber um mero entretenimento. Sua função é observar, prestar atenção à coletividade infantil, pois essa “irradia não apenas as forças mais poderosas, mas também as mais atuais”. (BENJAMIN, 2009, p. 115). Nessa observação, ações e gestos infantis são sinais do mundo em que vive a criança e todos a sua volta. Suas ações e gestos resultam da inervação criadora com a inervação receptiva. Benjamin se vale da compreensão de Konrad Fiedler (BENJAMIN, 2009, p. 116) sobre o gesto do pintor para pensar o gesto da criança. O pintor é aquele “que observa mais intimamente com a mão quando o olhar se tolhe; que transmite a inervação receptiva dos músculos ópticos à inervação criadora da mão”. (BENJAMIN, 2009, p. 116) Da mesma forma, a criança emprega nos gestos aquilo que vê. Nesse teatro a improvisação é o veículo pelo qual os gestos sinalizadores emergem. Isso porque pela constituição da improvisação surge o inesperado e o instante efêmero do gesto é o lugar da revelação que, pela compreensão de Benjamin, a criança pode trazer. Porque ela o pode e porque seus sinais devem ser objeto da atenção dos adultos? Ela o pode, pois por viver “como ditador (...) todo gesto infantil significa uma ordem e um sinal” (BENJAMIN, 2009, p. 116). Nesse texto eleito Benjamin não faz uma arqueologia da natureza infantil ou uma gênese dessa possível natureza a fim de justificar a ditadura infantil. Antes, toma

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isso como um princípio baseado na percepção1. Sem roteiro diretor, já imersos em um mundo proletário, atuando coletivamente, os gestos infantis (sinais) emergem da representação desse mundo. Nas palavras de Benjamin (2009, p. 125): A criança proletária nasce dentro de sua classe. Mais exatamente, dentro da prole de sua classe, e não no seio da família. Ela é, desde o início, um elemento dessa prole, e não é nenhuma meta educacional doutrinária que determina aquilo que essa criança deve tornar-se, mas sim a situação de classe. Essa situação penetra-a desde o primeiro instante, já no ventre materno, como a própria vida, e o contato com ela está inteiramente direcionado no sentido de aguçar desde cedo, na escola da necessidade e do sofrimento, sua consciência. Essa transforma-se em consciência de classe.

Ao atentarem aos gestos infantis durante as encenações, os adultos podem ver o que há de novidade por vir no mundo, “o sinal secreto do vindouro” (BENJAMIN, 2009, p. 119). O “Programa de um teatro infantil proletário”, prevê que através de oficinas de trabalho o diretor conduza as crianças à execução da pintura, recitação, música, dança sempre improvisando. Sua tarefa é, ainda, “libertar os sinais infantis do perigoso reino mágico da mera fantasia e conduzi-los à sua execução nos conteúdos” (BENJAMIN, 2009, p. 116). Libertos da mera fantasia e entregues aos conteúdos (pintar, recitar, cantar, dançar improvisando), a criança não os toma como um produto a ser entregue ao mundo adulto, ela não tenta reproduzir o mundo adulto. Ela o cria e o seu gestual pode indicar como ele pode vir a ser, posto que, por ser criação, alude ao novo.

Descrições conceituais em Piaget, Vygotzky e Wallon

O sujeito epistêmico em Piaget

Os estudos que ocupam Piaget se referem aos processos cognitivos e sua gênese a partir da relação sujeito que conhece (sujeito 1 Penso que essa tomada talvez não implique um descuido com o uso de princípios. Talvez implique um repúdio ao critério de fornecimento de justificativa de princípios, embora nada de positivo seja posto no lugar desse possível repúdio. É preciso tentar compreender isso dentro da filosofia de Benjamin.

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que age) e do objeto que deve ser conhecido (objeto que recebe a ação do sujeito). Seu problema epistemológico é entender como se transita do estado de desconhecimento ao de conhecimento. A questão que o interessa é como o sujeito parte dos conhecimentos adquiridos a priori, dos dados imediatos à percepção, àqueles construídos a posteriori, produtos da abstração e da reflexão. O que está em jogo é compreender como os sujeitos concebem teorias sobre o mundo, resolvem problemas e explicam fenômenos. A perspectiva piagetiana compreende que os alunos devem ser tratados de acordo com as suas particularidades cognitivas – sem que isso possa servir para hierarquizar capacidades. Em Piaget, os processos de assimilação, acomodação e equilibração são considerados categorias pelas quais o conhecimento é concebido. O sujeito assimila o que não conhece a algo conhecido; acomoda os novos conhecimentos ao seu acervo anterior - superando o desnível entre sujeito e objeto - e chega ao equilíbrio que se estabelece entre sujeito conhecedor e objeto conhecido. Isso se dá em um processo que sofre permanentes recomeços durante toda a vida do sujeito, independentemente do ambiente social e cultural em que esteja envolvido. Tal processo de conhecimento possui uma determinação biológica e marca uma potência para conhecer que necessita do meio para que se aprofunde. As condições materiais e sociais do sujeito são essenciais ao processo de desenvolvimento cognitivo. Nas palavras de Cunha (2003): Se determinados indivíduos exercitam adequadamente suas potencialidades e percorrem integralmente a linha de desenvolvimento cognitivo para a qual estão biologicamente capacitados, essa é uma questão que diz respeito ao ambiente em que a pessoa vive. Condições materiais de vida poderão interferir positiva ou negativamente nessa trajetória.

De acordo com a teoria do desenvolvimento cognitivo, quatro grandes períodos caracterizam o desenvolvimento intelectual do sujeito epistêmico. Esses períodos devem ser considerados indicativos de faixas etárias, mas não são determinam, categoricamente, faixas etárias para conhecimentos específicos. São eles: 1º período: Sensório-motor (0 a 2 anos, conhecimento sensório-motor); 2º período: Pré-operatório (2 a 7 anos, formação de imagens mentais e simbólicas); 3º período: 94 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Operações concretas (7 a 12 anos, dependência dos dados empíricos); 4º período: Operações formais (entre 12 e 16, capacidade de formular conhecimentos a posteriori). Cada um deles corresponde a diferentes potências cognitivas que, embora siga uma linha pré-definida, varia individualmente de acordo com o ritmo em que ocorre e com as particularidades individuais (CUNHA, 2003). A zona de desenvolvimento proximal em Vigotsky

Vygotsky preocupa-se com o processo pelo qual o sujeito conhece sem, no entanto, formular uma trajetória cronológica de desenvolvimento epistêmico. Embora compreenda que esse processo possua um desenvolvimento genético, enfatiza que o meio social é fundamental para o seu desenvolvimento. A forma de avaliar o desenvolvimento cognitivo de um indivíduo se fundamenta a partir da compreensão de dois diferentes níveis de desenvolvimento: real e potencial. O nível de desenvolvimento real equivale aquele em que o sujeito é capaz de realizar tarefas de forma independente e resulta de processos de desenvolvimento já consolidados. O nível de desenvolvimento potencial, equivale aquele em que a criança necessita de alguém para desenvolver determinadas tarefas. Por possuir o sujeito um nível de desenvolvimento potencial, entre o que ele já sabe e aquilo que pode vir a aprender, existe um domínio psicológico que Vygotsky denomina de zona de desenvolvimento proximal a qual se constitui a partir de outros sujeitos (sejam eles adultos e/ou crianças) que devem contribuir para a formação do conhecimento real. Oliveira (1993, p.60) cita Vygotzky que define a zona de desenvolvimento proximal como: a distância entre o nível de desenvolvimento real que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros mais capazes.

Essa compreensão de que é o meio social que possibilitada o aprendizado e de que é o aprendizado que possibilita o desenvolvimento das potências internas do sujeito para conhecer, tanto caracteriza o pensamento de Vygotsky quanto o diferencia do de Piaget. Esse compreende que o meio é o desencadeador das potências para conhecer, mas que a capacidade de conhecer já está dada pela biologia. Vygotsky, ao contrário, compreende que é o meio 95


social que proporciona o aprendizado que, por sua vez, proporciona o desenvolvimento das potências que permitem conhecer. Nas palavras de Oliveira (1993, p. 58): Essa concepção de que é o aprendizado que possibilita o despertar de processos internos do indivíduo liga o desenvolvimento da pessoa a sua relação com o ambiente sociocultural em que vive e a sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros indivíduos de sua espécie. E essa importância que Vygotsky dá ao papel do outro social no desenvolvimento dos indivíduos cristaliza-se na formulação de um conceito específico dentro de sua teoria, essencial para a compreensão de suas ideias sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizado: o conceito de zona de desenvolvimento proximal.

Ciente disso, o papel da pedagogia seria o de criar condições favoráveis para a consolidação do desenvolvimento real. Isso pode ser feito oferecendo oportunidades para que o desenvolvimento se potencialize o que será obtido a partir de desafios geradores de conhecimentos diferentes daqueles já consolidados. Para que isso aconteça, o processo educacional escolar precisa considerar os conhecimentos já adquiridos pela criança (seu nível de desenvolvimento real) e o professor seria o interventor para que as potências possam emergir. Entre os métodos para que o educador possa interferir no processo cognitivo está o uso da imitação se compreendida como a capacidade de criar algo novo através daquilo que foi possível observar no outro. Aqui, os pais e os demais colegas na sala de aula seriam fontes legítimas de construção do conhecimento, pois são eles as condições para que o processo de conhecer se consolide. Tal qual os demais sujeitos, os brinquedos também seriam agentes de formação do conhecimento real. Com os brinquedos a criança atribui significados às coisas concretas que diferem de suas concretudes (nas brincadeiras de faz-de-conta, um tijolo pode ser um ônibus, por exemplo), e isso pode favorecer a capacidade de pensar se desvinculando do concreto. Do motor ao mental em Wallon

Wallon possuía formação em filosofia e medicina e aliou seus conhecimentos em neurofisiologia aos estudos em psicologia. Sua psicogenética descreve as primeiras etapas do desenvolvimento 96 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


psicomotor: estágios impulsivo, emocional, sensório-motor e projetivo. Seu método de estudo e trabalho privilegia a observação e foi, equivocadamente, classificado como organicista: trata-se de um método genético que incorpora a psicologia histórica e que considera a necessidade social que, no homem, o orgânico possui para se desenvolver. A motricidade humana associa-se, intimamente, aos atos mentais e as patologias motoras e mentais, necessariamente, se confundem. Wallon se interessa pela musculatura e pelas estruturas mentais correspondentes à sua organização. As atividades musculares cinéticas (ou clônica) e postural (ou tônica) respondem, respectivamente, pela mudança de posição espacial do corpo (correspondendo ao movimento visível) e à manutenção da posição assumida, mímica (músculo parado). A internalização do ato motor é dada na atividade tônica, daí a sua importância para se pensar o antagonismo motor-mental proposto por Wallon: cronologicamente a vida do homem corresponde a fases de menor e maior desempenho ora motor, ora mental sempre em condições oponentes em função do maior nível de formulações intelectivas – considere-se que a musculatura contraída, em estado tônico, reflete o esforço intelectual invertendo o quadro inicial: de motor-mental a mental-motor. Aqui o meio social influencia e é fortemente influenciado por essa troca de estados. O que aparece como um espelho de si ao sujeito é o automatismo da mímica a qual lhe é inconsciente. Torná-la consciente provoca a reação de prestance (presença) a qual se associa à sensação de estar sendo observado. A sequência psicogenética de movimentos se dá dos desordenados, aos expressivos, à exploração direta sensório-motora da realidade (marcha, investigação da realidade), evoluindo, lentamente, até que as competências básicas de pegar, olhar um objeto e andar se concluem. Fecha-se aí a fase o período sensório-motor e inicia-se a etapa práxica da motricidade a qual antecede a fase simbólica e semiótica. Estas trazem os ideomovimentos (movimentos que expressam ideias) e marcam a transição do sensório ao mental. Nomeadamente, as fases da gênese da inteligência se dão em três momentos: afetividade emocional ou tônica; afetividade simbólica e afetividade categorial. Nos momentos de desenvolvimento em que prevalece a afetividade sobre a cognição, a construção do sujeito se dá pela interação com os outros sujeitos; ao prevalecer a cognição sobre a afetividade, é o objeto, a realidade externa que é elaborada graças aos instrumentais dados pela cultura. Ressalte-se que ambos os processos são desenvolvidos socialmente e 97


respectivamente são, interpessoais e culturais. Uma citação à Dantas (1992, p. 97) pode sintetizar os processos que se dão do motor ao mental: O processo que começou pela simbiose fetal tem no horizonte a individuação. Paradoxalmente, poder-se-ia afirmar dessa individuação que ela vai de um tipo de sociabilidade para outro, através da socialização que ela vai de um tipo de sociabilidade para outro, através da socialização. Não há nada mais social do que o processo através do qual o indivíduo se singulariza, constrói a sua unicidade. Quando ele superou a dependência mais imediata da interpessoalidade, prossegue alimentando-se da cultura, isto é, ainda do outro, sob a forma, agora, do produto do seu trabalho.

A educação deverá atender as demandas desses processos de desenvolvimento da inteligência proporcionando a satisfação das necessidades orgânicas e afetivas através dos variados recursos favoráveis às manifestações expressivas: plástica, verbal, dramática, escrita, direta ou indireta através de personagens capazes de promover identificação.

À Guisa de Conclusão Este trabalho pretendeu alcançar dois objetivos correlatos: descrever as razões de Benjamin para alegar que o teatro infantil é, ao mesmo tempo, um espaço de educação das crianças dos proletários e dos adultos, assim como analisar se as razões descritas por Benjamin para tanto podem ser compreendidas a partir de alguns conceitos enunciados por Piaget, Vygotsky, e Wallon. Pode-se concluir que o teatro infantil proletário educa, necessariamente, de forma coletiva – tal qual se dá e se sustenta a vida operária - as crianças ao possuir um diretor que as oriente à apropriação dos materiais teatrais (dança, música, pintura e que tais) e que as deixe operá-los de forma improvisada. Nessa improvisação, o gestual das crianças emite sinais do que pode ser a nova forma de compreender e estar no mundo operário em que todos (crianças e adultos) estão. Essa referência necessária à coletividade e ao contexto social ao qual a criança proletária emerge e está, pode se aproximar tanto de Piaget 98 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


como de Vygotsky e Wallon. Os três autores consideram importante o meio social para o processo de desenvolvimento cognitivo do homem. Enquanto para Piaget o meio social desencadeia as potências para conhecer já condicionadas pela biologia, em Vygotsky é através do outro que o desenvolvimento potencial se converte em real; por sua vez em Wallon é o meio social que constitui o desenvolvimento do homem encaminhando-o do sensório ao mental. Talvez, a compreensão de Benjamin sobre a importância da coletividade na educação da criança dos proletários esteja mais próxima às compreensões de Vygotsky e Wallon sobre o meio social como constituinte do homem. Isso porque Benjamin se refere ao contexto como formador da classe em que o proletário e sua criança estão. Talvez outro ponto de aproximação entre Benjamin, Vygotsky e Wallon seja a referência de operar sobre os materiais deixando a fantasia intercambiar-se com a realidade formando, a partir desse intercâmbio, o novo. Descrições e investigações mais detalhadas poderiam ajudar a compreender se essa suposta proximidade de Benjamin a Vygotsky e Wallon se sustenta. Referências BENJAMIN, Walter. Programa de um teatro infantil proletário. In: ______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. 2a ed. São Paulo: Duas Cidades/ Editora 34, 2009. p. 111-119. BENJAMIN, Walter. Uma pedagogia comunista. In: ______. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. 2a ed. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2009. p. 121-125. CUNHA, Marcos Vinícius da. Piaget Psicologia Genética e Educação. In: ______. Psicologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 69-103. DANTAS, Heloysa. Do ato motor ao ato mental: a gênese da inteligência segundo Wallon. In: TAILLE, Yves de la; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Sumus, 1992. DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. In: TAILLE, Yves de la; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Sumus, 1992. OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotsky. Aprendizado e Desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.

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Divulgação científica e recursos audiovisuais:

estudo sobre as orientações pedagógicas para o ensino médio Nilza Dias Silva Maylta Brandão dos Anjos

Resumo Os recursos audiovisuais compreendem ferramentas que possibilitam compartilhamento e acesso diversificado, podendo assim constituir suportes pedagógicos de amplo alcance na escola e no ensino de ciências. Por isso, este trabalho explorou como os recursos audiovisuais estão dialogando com a divulgação científica em seus propósitos de incentivar questionamentos e reflexões de cunho filosófico, ético e moral dentro do ensino de ciências. Para tanto, foi analisada a orientação pedagógica da SEEDUC/RJ para uso dos recursos digitais no 1º ano, do ensino médio, na disciplina de biologia. Para embasamento da discussão sobre divulgação científica foram apresentados os conceitos que nos pareceu ser uma abordagem e metodologia próprias para aprofundar o diálogo e análise de dadas situações que carecem de maior contextualização. A metodologia utilizada é própria da investigação social, sendo essa, uma pesquisa qualitativa, onde foi realizada uma análise de conteúdo sobre o corpus, para a exploração dos resultados. Como resultado, percebe-se que a proposta da SEEDUC/RJ demonstra um atravessamento das características da divulgação científica, por contemplar recursos audiovisuais como ferramentas pedagógicas e dentro de uma variedade de formatos. Porém é preciso, igualmente, garantir a representação das diversas vozes sociais dentro do discurso científico, confluindo num debate envolto por valores sociais, e essa representação não foi alcançada nos vídeos propostos, mostrando a necessidade de mediação para o alcance deste objetivo. Por isso, os resultados do trabalho buscam contribuir na construção de caminhos para pesquisa e/ou uso dos recursos audiovisuais na área do ensino e da divulgação científica. Palavras -chave: recursos audiovisuais, divulgação científica, ensino.

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Introdução Há de se popularizar os resultados e descobertas da ciência. Isso acontece porque as descobertas científicas influenciam diretamente a organização social, dando às pessoas mais poder sobre os modos de produção de objetos e alimentos e o manejo sobre a qualidade de vida. A divulgação científica (DC) é responsável por difundir a ciência para os leigos no assunto e também para os cientistas das diversas áreas, levando, junto com o tema científico reflexões para além das questões da ciência, tais quais aquelas que envolvem, os valores sociais, éticos, culturais etc. Segundo o texto de Henrique César da Silva, O que é divulgação científica? Pode-se dizer que a DC, além de criar diálogos entre cientistas e cientistas, entre cientistas e não cientistas, estabelece um espaço para uma reflexão de teor filosófico, moral e ético junto às questões científicas (SILVA, 2006). Segundo Moreira (2006), a DC cumpre a democratização da informação e o acesso aos debates e decisões sobre os rumos da sociedade às camadas menos privilegiadas socialmente, colaborando com um dos aspectos da inclusão social: o entendimento sobre a ciência e seu funcionamento (MOREIRA, 2006). A ideia de estudar os recursos audiovisuais (RAV) surge tanto pela percepção do interesse dos alunos por aulas que trazem aparatos digitais diferenciados quanto por entender o modo como esses recursos influenciam a percepção. Em relação aos conteúdos tratados, possibilita o reconhecimento de imagens familiares associadas ao conteúdo disciplinar tratado e o despertamento para a busca de mais informações pertinentes ao assunto, motivados por sua curiosidade. O uso de RAV em aula, ou fora dela, tem sido frequente em nossa sociedade, tanto na escola, em todos os níveis, como na vida do cidadão comum. Além disso, historicamente, os RAV, “compõem uma gama de materiais que podem – e devem ser utilizados em salas de aula pelos professores” (SANTOS; ARROIO, 2009, p. 2), e que, em geral, têm contribuído para ilustrar, exemplificar ou introduzir conhecimentos de um tema a ser ensinado. Arroio e Giordan (2006), ao considerar o vídeo, por exemplo, entendem que esse é suporte pedagógico não convencional, e que o papel do vídeo está para além da motivação às aulas, por reunir características tais como som, imagem e ação contribuindo para reflexão 101


de ideias e construção do conhecimento do aluno, aspectos alcançáveis mediante um apropriado plano de aula. Vidal e Rezende Filho (2009, p. 2) citando Arroio, Diniz e Giordan (2005), entendem os RAV, associando seu uso à educação formal, deixando claro a liberdade que o professor tem para utilização em sala de aula. Para os referidos autores, o uso de imagens tem papel essencial dentro das práticas educativas, servindo ao processo de ensino e aprendizagem e, por isso, constitui-se como importante objeto de estudos e de pesquisas publicados em periódicos e eventos da área do ensino de ciências. Portanto, como na sociedade da informação e comunicação, com o aumento do número de pessoas conectadas em celulares e computadores, o vídeo se tornou ainda mais popular nas redes sociais, e tendo por substrato essa lógica, o presente estudo investigou como o uso dos RAV pode auxiliar no processo da divulgação científica, tendo por base as orientações pedagógicas da SEEDUC/RJ. As orientações pedagógicas da SEEDUC/RJ estão disponíveis à leitura pelo acesso ao site chamado1 Conexão Escola, que tem direcionamentos para conteúdos on-line referentes ao estudante, à família e ao professor, da rede estadual de educação. Para acessar tal conteúdo os professores do estado do Rio de Janeiro devem fazer um login com a matrícula e o CPF. O conteúdo, também, encontra-se disponíveis para consulta dos alunos, pais ou outros professores, sem a necessidade de login. A realização dessa pesquisa, portanto, torna-se importante para que sejam construídos debates, reflexões, ponderações sobre como os RAV vêm sendo abordados na escola e, sobretudo, no ensino médio. Além disso, o entendimento de como a DC pode dialogar e com outras vozes (sociais) presentes nos vídeos. Para, com isso, contribuir na construção de caminhos para o uso dos RAV no contexto escolar e na DC. O problema de pesquisa passa, portanto pelo interesse em entender as perspectivas de abordagem da DC por meio dos vídeos propostos pela SEEDUC/RJ como apoio pedagógico ao professor. Nessa direção, a pergunta de pesquisa que procuramos responder é a seguinte: Que aspectos são ressaltados em relação aos RAV na base das orientações pedagógicas da SEEDUC/RJ? Tendo como objetivo geral 1 conexaoescola.rj.gov.br/

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analisar a relação que vem sendo constituída entre os RAV e a DC, além de entender a importância da DC no aspecto foco do estudo. Toda voz compreende um diálogo tecido por vozes, nem sempre, presentes no mesmo texto, porém correspondente a respostas a questões que permeiam determinados tema, assuntos e áreas. Para Bakhtin essas vozes demonstram a natureza social da linguagem e atua na constituição do sujeito social (CORREA e RIBEIRO, 2012), por isso espera-se que os diálogos demonstrem esforço para buscar uma inclusão social e democrática da informação, diversificando a utilização do vídeo tanto no meio acadêmico e escolar como no meio informacional. Espera-se, também que o uso das RAV seja relacionado a métodos acadêmicos de ensino e propagação de informação como ferramenta de baixo custo e alcance rápido e facilitado, principalmente pelos meios virtuais. Portanto a hipótese que perpassa essa pesquisa é que há uma relação sendo constituída entre os RAV e a DC na base das orientações pedagógicas da SEEDUC/RJ.

Fundamentação Teórica A atividade de divulgação da ciência começa com o início do fazer científico, ainda quando filósofos, astrônomos e pesquisadores tentavam partilhar suas descobertas com a sociedade. Tais descobertas transformaram, profundamente, o meio social e foram elementos importantes para a tomada de decisões na construção da sociedade. Porém, a atividade científica e sua divulgação, geralmente, vêm acompanhadas de interesses políticos, econômicos e sociais refletindo o contexto ou época que lhe segue, frequentemente, privilegiando alguns comportamentos sociais em detrimento de outros. Por isso, atualmente, busca-se uma forma de integrar a sociedade, nos seus diversos grupos, aos debates científicos por meio de alguns dispositivos como a divulgação científica. No Brasil, somente, depois de 1800, com a vinda da família real para o país, começou o investimento em ciência e sua divulgação, com a criação de universidades e a fundação de jornais (MOREIRA, 2002). Desde então essa atividade tem ganhado espaço no meio acadêmico e se consolidado cada vez mais e com diferentes ferramentas. Mesmo no século XXI considera-se a DC um caminho em construção. (MOREIRA, 2002) 103


Moreira e Massarani fazem uma perspectiva histórica da DC no Brasil e afirmam que a DC ainda é posta como uma ferramenta de redenção ao excluído socialmente, àquele que não tem conhecimento, chamado de leigo, dando a este a possibilidade de se libertar da falta de conhecimento. Para estes autores este não é o papel da DC, pois tal divulgação não deve apenas informar sobre as descobertas científicas, mas, ao contrário, fazer refletir sobre tais descobertas. Essa reflexão não deve ser posta apenas para os leigos no assunto, mas também para toda comunidade científica e população no geral. Para Valerio e Bazzo (2005), essa construção deve considerar as interações entre ciência, tecnologia e os valores sociais, trazendo um debate sobre os anseios e perspectivas que envolvem todos os grupos sociais e a representatividade de suas vozes. A DC tem um papel fundamental na inserção do cidadão no debate científico, além de se configurar como uma ferramenta educativa, a sua combinação com a educação formal contribui na formação de um público preparado para não só para refletir criticamente, como também para atuar socialmente. A divulgação científica, tal qual é pensada e praticada atualmente, congrega uma série de questões problemáticas, dentre as quais a maneira como concebe e contempla as inovações em C&T. Até o presente momento, a maior parte dos veículos de divulgação científica tem se preocupado pouco com a sua dimensão educativa e, assim, não contribuem significativamente com a formação em seu público de uma visão crítica sobre C&T. (VALERIO; BAZZO, 2005, p. 35).

Para esses autores há diferenças relativas à concepção sobre ciência e tecnologia relativas à DC, sendo negligenciada a dimensão educativa. Alguns restringem o papel da DC ao de disseminação de informação, porém a dimensão educativa, a qual Valério e Bazzo (2005) se referem, remete à formação do sujeito enquanto cidadão. Para que a DC faça mais do que apenas divulgar descobertas científicas, mostrando sua face social de formadora de cidadãos críticos e participativos socialmente. A DC está na forma como a ciência é abordada, pode ser identificada quanto ao modo de construir conhecimento científico, promovendo o debate entre os diversos grupos sociais e acesso ao fazer e ao conhecimento científico (SILVA, 2006). Entende-se, então, que a DC vai além de somente levar uma informação ou propor acesso às pessoas leigas aos conhecimentos científicos, pois ela evidencia os 104 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


debates que envolvem os assuntos científicos e os valores envolvidos que permeiam a sociedade, promovendo uma reflexão não somente sobre assuntos que cercam o mundo da ciência, mas que vão além deste. A DC pode ser feita através de textos, peças teatrais, dinâmicas, filmes, séries, músicas, vídeos, livros, entre outros, e em lugares diversificados. O formato, nesse caso, não é a mais importante, mas sim o modo como a dinâmica da divulgação vai acontecer, os meios pelos quais acontece, o público/ audiência que participa e o debate que ela introduz. Por isso, é possível perceber que os instrumentos e recursos utilizados para fazer divulgação científica são variados em sua constituição, possibilidades, aplicação, forma entre outras coisas. Diante desse contexto, a DC revela-se uma importante estratégia dentro do ensino de ciências para trazer questionamentos e reflexões de cunho filosófico, ético e moral, que, somente, o texto de cunho estritamente científico não dá conta de trazer. Valério e Bazzo (2005) apoiam o fortalecimento da DC com o ensino formal como uma das medidas para a consolidação da DC diante de uma nova sociedade, crítica e capaz de compreender entre ciência, tecnologia e sociedade. A educação escolar é regida por regras e normas educativas que elege saberes a cada fase e período escolar que estão contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, na Base Curricular Comum e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996. Mesmo que o conteúdo escolar tenha que concordar com as tais leis e recomendações, não significa que o conhecimento por ele gerado deva ser uma ferramenta de treinamento técnico e mecânico dos saberes escolares. Visando uma educação de cunho crítico, como também é um dos propósitos da DC, onde o aluno possa refletir sobre os conteúdos escolares e aplicá-los à sua realidade para manutenção ou mudança dela, a ação do professor será o grande diferencial do processo educacional. Nesse sentido, Paulo Freire em seu trabalho intitulado Pedagogia da Autonomia, elege alguns saberes que deveriam estar aliados à prática pedagógica do Professor para uma educação crítica-progressista. O que me interessa agora, repito, é alinhar e discutir alguns saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou progressista e que, por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto possível, deve ser elaborada na prática formadora. 105


[…] um destes saberes indispensáveis que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindose como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (FREIRE, 1996, p. 22)

Segundo Freire, esses saberes referem-se diretamente ao modo como o aluno pode passar da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica, tornando-se epistemológica a partir desta última. E, com isso, tornar-se sujeito do seu saber, tornando-se, consequentemente, sujeito das suas escolhas e da sua história. Para esse autor, a educação deve proporcionar mais do que a aprendizagem da leitura e dos conhecimentos de forma mecânica e isolada da realidade da população pobre, ela deve, porém, proporcionar ferramentas, principalmente para o pobre, de reconhecer seus saberes ao lado dos saberes eleitos como universais, saber usar os conhecimentos ditos universais para sua realidade enquanto sujeito desse saber. Neste trabalho, Paulo Freire, se concentra nos saberes necessários à prática educativa defendendo que o professor não deve ter uma ação passiva, mas uma ação ativamente crítica quanto aos conteúdos escolares e sua aplicação social. Ele questionava o porquê de “não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deve associar a disciplina cujo conteúdo se ensina […] por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?” (FREIRE, 1996). O questionamento de Freire ecoa na DC como uma forma de possibilitar ao cidadão comum, ou especialista em alguma área, a propriedade sobre o conhecimento produzido cientificamente de forma a operar a reflexão sobre ele e suas aplicações sociais, para que este mesmo cidadão possa fazer escolhas para si e para a sua sociedade considerando os valores morais, éticos e sociais que a beneficie como um todo. No ensino de ciências, tal questionamento, leva o aluno à aplicação da ciência em sua vida prática de forma crítica e progressista. Aspecto também importante, segundo Ferreira (2002), em seu texto Ciência e Interdisciplinaridade, diz respeito a como os fenômenos naturais estão sendo representados, em nossa sociedade, como um sistema distante do homem, trazendo a ideia de fragmentação entre a existência do ser humano e da natureza. Ideia que nem sempre se fez presente, quando, por exemplo, os cientistas na Grécia antiga reuniram filosofia, arte, ciência e religião em seus conhecimentos. 106 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Para Ferreira (2002), a solução para inserir esse debate na educação de ciências é a busca por uma interdisciplinaridade no seu ensino. A interdisciplinaridade motivaria o olhar holístico sobre o mundo e seus fenômenos naturais e sociais, proporcionando ao aluno uma visão mais crítica sobre o assunto, pois seria mais fácil para ele associar a ciência à realidade vivida e consequentemente nasceriam os questionamentos e as reflexões, tanto sobre a ciência como sobre a intercessão desta com sua prática. Essa perspectiva conduz o aluno ao protagonismo, pois permite que olhe sua realidade como agente do fazer, tendo seus questionamentos originados da sua realidade transversalmente à realidade social, de modo que suas decisões o favorece socialmente. Por exemplo, se a população e o governo sabem dos riscos reais, ao meio ambiente, da implementação de uma fábrica que mexe com produtos químicos, por que, então, o permitem? Nessa relação, quem é o maior prejudicado? Existe a possibilidade de implementação sem agressão ao meio ambiente e à saúde dos moradores locais? É nesse contexto que os recursos audiovisuais (RAV) se apresentam como uma possibilidade de explicar a ciência mesclada às questões que permeiam o corpo social de forma interativa e dinâmica. Seja pelo dinamismo promovido pela junção de imagens, cores, áudios e movimentos, seja pela semelhança ao cotidiano social, que esse dinamismo destaca, os RAV têm boa aceitabilidade no meio juvenil. Além de oferecer baixo custo na sua produção e fácil compartilhamento nas redes sociais. Segundo Férres (1994, apud VIDAL; REZENDE FILHO, 2009, p. 2) os RAV (vídeos, cinema, desenho animado entre outros) se caracterizam pela “técnica e método em que existe interação entre elementos visuais (imagens fixas ou em movimento) e elementos auditivos (palavra, música ou efeitos sonoros)”. Esse processo garante leveza e movimento às cenas, se assemelhando mais a momentos de entretenimento do que a processos formais. Além do que a imagem fílmica reproduz a realidade em sua quase totalidade, aproximando o espectador à imagem assistida. Sobre a imagem, Martin, (2005, p. 27-30) ao falar das características fundamentais das imagens fílmicas, destaca a representação unívoca da imagem onde um objeto ou uma realidade, que possui múltiplas perspectivas, são apresentados por uma única imagem/ realidade, resultado do tratamento objetivo daquilo que é real. Por exemplo, 107


uma cena que mostra uma casa, não tem como mostrar todas as casas do mundo com os seus diferentes formatos ou explorar os vários significados para essa palavra, ao contrário disso elege uma imagem com suas características específicas que representará as demais casas. Todavia, mesmo com uma representação concreta da realidade, é possível que uma cena traduza ideias abstratas. Para Martin a construção das ideias abstratas se faz devido à simbologia das imagens e à “generalização que se opera na consciência do espectador, a quem as ideias são sugeridas com uma força singular e uma precisão inequívoca pelos choques das imagens entre si: é o que se chama montagem ideológica”. (2005, p. 27-30). Nesse caso a intencionalidade integra o processo de construção das cenas de um filme, sendo direcionadas diversas vezes, por interesses particulares. Por isso, a característica de tratamento objetivo da realidade cria a falsa ilusão de veracidade e imparcialidade sobre aquilo que está sendo transmitido. Essa ação acaba por legitimar discursos que se tornam totalitários, pois não coexistem com as vozes produzidas pelos diversos grupos sociais, e tendenciosos, já que representam o interesse particular de um determinado grupo. Nesse sentido é preciso estar atento àquilo que o RAV traz enquanto discurso e alertar ao aluno como esse discurso se reproduz nos meios de comunicação. Logo, a relação dialógica de um filme não é construída somente pela exposição das imagens, mas também pela junção desta com aquilo que insinuará. Essa insinuação depende do contexto frequente da imagem, de como o produtor do filme a idealizará e de como o espectador a receberá, daí surgem as várias interpretações que um filme pode produzir. Essas teorias de produção de sentido a partir de vídeos são objetos dos estudos de recepção fílmica, em que o receptor nunca é passivo, mas atua interpretando as cenas a partir de seu contexto social. Rezende Filho, Pereira e Vairo (2011), no artigo Recursos Audiovisuais como temática de pesquisa em periódicos brasileiros de Educação em Ciências, sugerem como referenciais para pesquisas que tratarão de RAV na sala de aula, quando o foco é o telespectador: a semioprogmática do cinema (ODIN, 2005); e, para pesquisas que vão estudar as possibilidades de leitura dos filmes a partir dos diferentes contextos de recepção, os estudos culturais e a teoria da recepção (BARBERO, 1995; CANCLINI, 1999).

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Ainda, no artigo citado anteriormente, os autores ressaltam a importância de fazer estudos de vídeos com base em autores da área, utilizando as pesquisas já realizadas na área específica e dando continuidade as pesquisas e propostas de estudos sobre RAV. Diante disso, a proposta desse trabalho utilizará a perspectiva de recepção fílmica no sentido de conceber o telespectador como agente no processo de recepção e de ressignificação, refletindo, portanto, sobre a teoria de Barbero (1995). O telespectador, portanto, não é um agente passivo cuja mensagem impactará sem que nenhuma resposta ocorra. Ao contrário disso, nessa perspectiva, o telespectador nem sempre recebe a mensagem em acordo com seu emissor, mas ele a interpreta a partir do seu lugar de vida, das suas experiências, da sua cultura e sua formação. Isso pode fazê-lo aceitar ou não a mensagem, podendo transformála ou não para atender às suas perspectivas, reproduzindo ou não a mensagem, como foi recebida ou a partir das suas convicções. Segundo Dantas (2008), a abordagem cultural da comunicação proposta por Jesús Martín-Barbero mostra que o foco da mensagem não está nela mesma, mas também no modo de sua recepção, ou seja, como ela é ressignificada pelo interlocutor. Esse modelo de comunicação criou um novo olhar sobre o receptor, destacando o mundo que move esse destinatário e a maneira como ele o vê. Essa abordagem, além de evidenciar os elementos socioculturais, destacou também, os discursos hegemônicos e a negociação desses discursos pelo receptor. Dantas (2008) em seu texto sobre a proposta de Jesus MartimBarbero demostra essa teoria afirmando sobre essa negociação de sentido entre emissor-receptor, que o receptor não apenas decodifica a mensagem, como também rejeita discursos culturais que não reconhece. Tornando-se, o espaço de recepção, também, “um espaço interior de resistência”, ainda que este seja considerado economicamente dominado (DANTAS, 2008, p. 7) Conceber o processo comunicacional a partir do modelo cultural de Barbero promove a perspectiva de que existem elementos sociais e culturais envolvidos no processo informacional e de comunicação que não podem ser descartados quando se quer falar sobre os acessos aos espaços de comunicação e os discursos dominantes que dele emergem. Essa teoria traz uma reflexão sobre a posição daqueles que promovem o discurso, mas também daqueles que recebem o discurso, entendendo que a resistência pode surgir nesses espaços a partir da negociação de sentido atribuída. 109


Por isso, pode-se afirmar que para Arroio, Diniz e Giordan (2005) os RAV são ferramentas pedagógicas de cunho cultural capaz de mediar ações e os propósitos definidos em sala de aula. Para isso, é essencial a ação mediadora do professor que pode potencializar o uso desse instrumento dentro do processo educacional. Para esses autores, o vídeo pode ser classificado como vídeo-motivador, vídeo-apoio ou vídeo-aula, em que cada um deve ser utilizado dentro de situações e tempos determinados para melhor aproveitamento. Nichols Bim em seu livro Introdução ao Documentário aponta como princípio do documentário sua capacidade de imprimir autenticidade. Essa maneira que o documentário tem de transmitir a realidade causa impacto no telespectador de tal forma que é capaz orientar sua ação e decisão no mundo. Por isso, torna-se o modelo de produção fílmica para instalar um ponto de vista ou enfocar algum assunto. A propaganda política, como a publicidade, também se funda na nossa crença em um vínculo entre o que vemos e a maneira como o mundo é, ou a maneira como poderíamos agir nele. Assim fazem muitos documentários, quando têm a intenção de persuadir-nos a adotar uma determinada perspectiva ou ponto de vista sobre o mundo (NILCHOLS, 2005, p. 20). Para ele, o documentário pode representar a realidade, o interesse de outros, como os patrocinadores do documentário ou a comunidade, ou, ainda, representar o mundo, apresentando um ponto de vista e provas, com a finalidade de influenciar a opinião pública (NILCHOLS, 2005, p. 28-30). Nesse sentido, pode-se afirmar que o documentário, ainda que pareça, não transmite a realidade como ela é, de forma impessoal. Ao contrário disso, ele tem o poder de se revestir de impessoalidade para induzir pontos de vista mostrando-os como se eles fossem naturais ou necessários à sobrevivência da comunidade. Sobre os RAV, Ferres (1996, apud ARROIO; DINIZ; GIORDAN, 2005) afirma que o vídeo pode ter como função introduzir um assunto, provocando motivação ou curiosidade, além de exemplificar ou simular experiências. Essas são algumas das vertentes que serão consideradas nos exames dos vídeos propostos pela SEEDC/RJ em seu site de apoio pedagógico, assim como as interseções com a DC e a predisposição para provocar, interpelar ou estimular questionamentos.

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Metodologia Essa pesquisa é de cunho qualitativo, onde busca-se, principalmente, o aspecto social dos resultados e das discussões, pois é essa realidade que desejasse conhecer e influir. Segundo Minayo (2001) a pesquisa de valor social busca observar a vida humana dentro das relações sociais, utilizando para isso uma abordagem que contemple as questões humanas. Por isso, apesar de a análise desta pesquisa estar direcionada para elementos produzidos por pessoas e não diretamente para as pessoas, a metodologia cumpre os parâmetros de uma pesquisa de investigação social. A análise comportada nessa pesquisa é a análise de conteúdo sobre o corpus da pesquisa, que é constituído, pela orientação pedagógica da SEEDUC/RJ para uso dos recursos digitais na disciplina de biologia, para o primeiro ano do ensino médio. Essa análise seguiu como objeto de investigação a intercessão dos vídeos propostos com a divulgação científica, em seus propósitos de incentivar questionamentos e reflexões de cunho filosófico, ético e moral, que, somente, o texto de cunho estritamente científico não dá conta de trazer, em sala de aula. Por isso nos RAV selecionados a partir da proposta pedagógica da SEEDUC/RJ, foram analisados o modo como dialogam com as áreas científicas e social, público e autores, pesquisadores e teorias, entre outros e quais as vozes ou recursos que aparecem para aproximar os vídeos com a DC. Para o primeiro ano do ensino médio, em biologia, a proposta da SEEDUC/RJ traz a sugestão de 8 vídeos: vídeo 1 – Cosmos – Origem da Vida; vídeo 2 – Reprodução sexuada e assexuada; vídeo 3 – Tradução – a síntese de proteínas; vídeo 4 – Transcrição – a síntese de RNA; vídeo 5 – Música Ácido nucleico; vídeo 6 – Vídeo Oficial Dia da Biodiversidade; vídeo 7 – ICMBio – Biodiversidade Brasileira; e vídeo 8 – Animais e o ambiente. A proposta também sugere a pesquisa em sites, porém o recurso digital explorado nesta pesquisa é o RAV. Os vídeos sugeridos estão divididos, respectivamente, um para o primeiro bimestre (vídeo 1), quatro para o segundo bimestre (vídeos 2, 3, 4 e 5), nenhum para o terceiro bimestre e três para o quarto bimestre (vídeos 6, 7 e 8). Os vídeos têm em média a duração entre 4 e 10 minutos, abordando assuntos referentes aquilo que o currículo mínimo determina para a disciplina e encontram-se localizados no ambiente 111


virtual da internet, num site de vídeos chamado Youtube. Alguns estão disponíveis em DVD, material disponível na escola enviado pelo MEC. A observação feita aos vídeos contemplou como os conceitos científicos, referentes ao bimestre, foram abordados: contexto em que tais conceitos foram apresentados, se foram encadeados através de esquemas, figuras ou contexto social, se as figuras estão mais relacionadas ao conceito científico ou se elas introduzem a ideia de comunidade, ou seja, se contempla conflitos sociais como conflitos armados, violência, pobreza, fome, preconceito racial e questões de gênero, e entre, além de explicitar elementos que provoquem o interesse pela pesquisa ou busca de informação fora do vídeo. Por isso, não foi realizada uma análise fílmica nos vídeos, nem uma análise pormenorizada da abordagem científica, ou seja, a que autores ou linha de raciocínio os conceitos científicos expostos estão relacionados. Mas, a observação, aqui proposta, é aquela que lança seu interesse para a questão social como o centro motriz, tanto da pesquisa bem como da educação. Portanto, o olhar lançado sobre os vídeos pesquisa a disposição como este demonstra tal questão. Os filmes foram vistos pelo menos 4 vezes cada um, em busca dos elementos citados anteriormente. Nessa busca, procurou-se, no primeiro momento, somente assistir, depois assistir e descrever. A primeira transmissão do vídeo foi corrida, como se fosse para um espectador comum. Nessa primeira vez procurou-se não fazer nenhuma anotação. Embora algumas negociações de sentido já estivessem claras e latentes, pois como pesquisador é difícil não observar as questões exploradas na pesquisa. Na segunda transmissão, o vídeo foi assistido pausadamente e foise fazendo uma descrição do mesmo concomitante à transmissão. Essa descrição, também, não se idealizaram as questões exploradas, mas foi feita uma observação direta dos fenômenos apresentados nos vídeos propostos. Uma descrição objetiva e direta sobre os acontecimentos e elementos presentes, a ordem de apresentação destes, o tipo de narração, o fundo musical e o tempo de transmissão. Na terceira transmissão, averiguou-se os fundamentos dos conteúdos disciplinares abordados, ou seja, os conceitos pertinentes à disciplina de biologia para aquele ano e no quarto momento, de investigação dos vídeos, observou-se a adequação às questões sociais e sobre as observações descritas acrescentaram-se outras 112 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


observações sobre as questões exploradas pela pesquisa. Examinouse as generalidades relacionadas às questões sociais, como palavras marcantes, objetos, imagens, situações, créditos finais, patrocinadores e sua relação com o assunto. Todos os resultados foram anotados e posteriormente transformados em uma tabela – a tabela 1 do trabalho – e transformados nos parágrafos que informam sobre o vídeo. Os parâmetros para elementos de cunho social estão de acordo, principalmente, com a proposta de Paulo Freire (1996) e de Silva (2006). Foram observados, nos vídeos, os diálogos, as imagens, o fundo musical, o tipo de narração, a colocação das palavras, os créditos finais, e a abordagem dos conteúdos disciplinares propostos.

Resultados e discussão

Tabela 1 Conceitos científicos abordados e tipos de apresentação VÍDEOS SUGERIDOS PELA SEEDUC-RJ COMO APOIO PEDAGÓGICO PARA O PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO Vídeos Cosmos Origem da Vida 1º bimestre

Reprodução sexuada e assexuada 2º bimestre

Autor / produtor Ano

Tipo

Conceitos científicos

Descrição apresentada pela proposta da SEEDUC/RJ

Produzida pela KCET e Carl Sagan Productions, em associação com a BBC e a Polytel International

Documentário

Ilustração do Big Bang, a origem da vida a partir da evolução das espécies

Vídeo explicando de forma resumida a origem da vida na visão da Ciência (vídeo no DVD).

Sangari Brasil

Documentário

Reprodução sexuada Reprodução assexuada: - fragmentação - partenogênese Reprodução das plantas sexuada/ assexuada

Descrição: Vídeo do YouTube explicando sobre os tipos de reproduções (12 minutos e 10 segundos).

Bossa Nova filmes 2009

113


Tradução - a síntese de proteínas 2º bimestre

Maximiliano Mendes

Vídeo aula

Tradução do DNA Códons

2009

RNA Transcrição

Vídeo do YouTube explicando sobre o processo de tradução (9 minutos e 22 segundos)

Proteína Transcrição a síntese de RNA 2º bimestre

Maximiliano Mendes

Vídeo aula

Síntese do RNA DNA

2009

Genes Transcrição

Música ácido nucleico

Professor Fernando Galvão

2º bimestre

Paulo Alexandre (letra)

Vídeo clip

Transcrição RNA Tradução do DNA

Julinho Carvalho (música)

4º bimestre

GEOMEDIA – Environment Communication Development 2010

ICMBio – Biodiversidade Brasileira

ICMBio Instituto Chico Mendes

4º bimestre

EPTV Patrocício VALE

Vídeo institucional (semelhante a documentário)

Produção Unicamp

4º bimestre

Realização FNDE

Ecossistemas Biodiversidade Desenvolvimento sustentável Dia da diversidade biológica

Vídeo institucional (semelhante a documentário)

Biodiversidade no Brasil

Documentário

Clima e vegetação

2011 Animais e o ambiente

Vídeo do YouTube explicando (na forma de música e esquemas) sobre o DNA, sua duplicação e os tipos de RNA. (4 minutos)

2010 Vídeo Oficial Dia da Biodiversidade

Vídeo do YouTube explicando o processo de transcrição. (5 minutos e 14 segundos)

Ministério da Ciência e Tecnologia

Desenvolvimento e conservação Desenvolvimento sustentável

Ecologia Diversidade biológica Evolução

Ministério da Educação 2012 Fonte: Dados trabalhados pela pesquisadora

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Vídeo no YouTube demonstrando a biodiversidade e os ecossistemas, com destaque à importância e preservação dos mesmos. (6 minutos) Vídeo no YouTube demonstrando a biodiversidade brasileira, os diferentes biomas e o trabalho do Instituto Chico Mendes no Brasil. (10 minutos e 47 segundos) Vídeo da série Seres Vivos, apresenta a diversidade de seres vivos, fazendo relações entre as características de várias espécies de animais e o meio em que vivem (vídeo no DVD).


Tabela 2 Vertentes sociais dos vídeos VÍDEOS SUGERIDOS PELA SEEDUC-RJ COMO APOIO PEDAGÓGICO PARA O PRIMEIRO ANO DO ENSINO MÉDIO Vídeos Cosmos – Origem da Vida 1º bimestre Documentário Reprodução sexuada e assexuada

Principais palavras dos vídeos norteadoras para a pesquisa

Não dá possibilidade de outra forma de origem da vida

Trata da origem da vida a partir da teoria da evolução das espécies. Sob um olhar científico.

Reprodução

Associa reprodução humana a união de dois seres de diferentes sexo.

Apresenta a reprodução entre casais como preservadora das espécies. A planta como a base de quase todas as cadeias alimentares. Aponta a diferença entre os seres como uma vantagem para a sobrevivência.

ciclo de vida espécies

Documentário

fêmea/macho

diferenças plantas curiosidades

2º bimestre

Analogia DNA proteínas

Transcrição a síntese de RNA

Molécula transcrição

Não associa o conteúdo a questões sociais.

Compara a planta de uma casa feita no computador, que será passada para o papel com o processo de Tradução e Transcrição genética.

Não associa o conteúdo a questões sociais.

Reprodução (processo)

genes RNA

Música ácido nucleico

Escada

Vídeo clip

Não reflete sobre o ciclo de vida dos indivíduos

moléculas

Vídeo aula

2º bimestre

Não abre espaço para a reprodução por inseminação artificial

síntese

Vídeo aula

2º bimestre

Algumas questões sociais demonstradas

Evolução matéria átomo galáxia planetas

2º bimestre

Tradução - a síntese de proteínas

Algumas questões sociais não atendidas

síntese DNA RNA

Imagens com questões Reprodução (música) sociais sobre a reprodução

síntese transcrição

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Vídeo Oficial Dia da Biodiversidade

Sustentabilidade desenvolvimento

4º bimestre

harmonia

Vídeo institucional

natureza

ecossistemas

Situar as grandes empresas na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Mostrar possibilidades do projeto nas grandes cidades urbanas.

arte povos ICMBio – Biodiversidade Brasileira

Conciliar biodiversidade

4º bimestre

conservação

Vídeo institucional

sustentável

4º bimestre Documentário

diversidade ambiente

Conscientização sobre a importância da harmonia com a natureza. Desenvolvimento sustentável. Valorização da natureza. Preservação do meio ambiente.

natureza

Ecologia

Desenvolvimento sustentável.

Diversidade de povos. O impacto das grandes indústrias nas áreas de preservação.

Parcerias com a população local.

parceiros Animais e o ambiente

Conscientização sobre desenvolvimento sustentável.

O impacto do ser humano no meio ambiente e a ecologia.

adaptação

Valorização da natureza sociedade / comunidade Interação com o meio ambiente.

evolução

Fonte: Dados trabalhados pela pesquisadora

O Vídeo 1 de título Cosmos – Origem da Vida, usa termos como fusão nuclear, matéria, átomo, cosmos e etc, que sugere que o aluno tenha conhecimento prévio de tais termos, ou que o professor venha explicá-los após a exibição do vídeo, o que denota a importância de um mediador para a exibição do vídeo em sala de aula. As imagens de nuvens esfumaçadas e coloridas sugerem a imagem da formação do universo, acompanhadas de imagens do que seriam as galáxias e a formação do sol, acompanhadas de uma música instrumental de fundo. O vídeo é do tipo documentário e tem, ainda, uma narração sobre a formação do mundo como se fosse um fato certo, pronto e acabado e, portanto, inquestionável. Mesmo quando o narrador afirma que “por acidente surge uma molécula capaz de se replicar...” não são acrescentadas outras possibilidades para esse acidente ou para a formação do mundo, de forma que fosse equiparável às histórias mitológicas ou religiosas da criação do planeta. Narra o que foi a formação dos planetas e da vida sobre um prisma químico, físico e biológico, porém não cita nenhum cientista que versa sobre o assunto. 116 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


O vídeo 2, Reprodução sexuada e assexuada, trata de conceitos científicos, mas também insere questionamentos e informações extras sobre o assunto de que trata, como quando dá informações sobre o fato do escorpião amarelo somente atacar quando acuado pelo homem. É uma informação que pode ser expandida para várias outras, como questões sobre se a presença do ser humano em alguns lugares atrapalha mais o ecossistema do que o ajuda, ou até que ponto o ser humano deve interferir no meio ambiente. Enfim são lacunas como essas que permitem a possibilidade de exceder ao assunto puramente científico para dialogar com questões sociais. Os vídeos 3, Tradução – A síntese de Proteínas, e 4, Transcrição – Síntese do RNA, são do tipo vídeoaula, narrados como se fossem uma aula com demonstrações dos compostos e esquemas biológicos e químicos. Nestas vídeoaulas aparece uma tela em branco, onde as imagens vão surgindo para ilustrar aquilo que está sendo explicado e, por isso, a imagem do professor não aparece. A explicação é dada por meio da voz do narrador, que tem um som um pouco abafado, os dois vídeos têm as mesmas características e foram feitos pela mesma pessoa. Ao final do vídeo aparecem as referências bibliográficas. O vídeo é didático, explicativo e demonstrativo, trabalha com os conceitos de biologia referentes à matéria e se prende à sua demonstração de uma forma esquemática. O vídeo 5, Música Ácido Nucleico, é um videoclipe de uma música autoral explicando sobre os tipos de ácidos nucleicos. Apresenta figuras clássicas dos livros didáticos, das fitas em espiral e dos elementos químicos, que acompanham as frases fazendo a demonstração/ ilustração destas. O vídeo une ensino e entretenimento, por abordar os conceitos envolvidos na tradução e transcrição do DNA e RNA, por meio de uma música seguida de um ritmo mais agitado e alegre. É um vídeo que introduz a criatividade, ao unir educação formal e divertimento, porém pode ou não fortalecer a educação tradicional através da memorização dos esquemas sem a devida compreensão da dimensão social deste conteúdo disciplinar. O Vídeo 6 Oficial da Biodiversidade, é um vídeo do tipo documentário que mostra a constituição do Dia da Biodiversidade, criado pelas Organizações das Nações Unidas. Produzido com parcerias de várias instituições, esse vídeo mostra a situação da biodiversidade no planeta e o quanto ela está afetada, e sugere como resposta para os questionamentos propostos o desenvolvimento sustentável. Faz links 117


interessantes sobre economia e natureza. As imagens que acompanham o desenvolvimento do vídeo valorizam os vários povos e cultura do mundo, além de apresentar questionamentos e informações que podem despertar o interesse por buscar mais informações pertinentes ao contexto. É o vídeo que mais relaciona seu conteúdo aos diversos contextos sociais, pois ele segue uma lógica de associar o assunto principal, à preservação da biodiversidade, ás demandas socioeconômicas dos diversos povos e culturas. Por isso é possível observar a valorização inclinada à coletividade e suas relações. Apesar de manter um vínculo direto com o contexto real e associar fatos e problemas das comunidades ao conhecimento científico, não garante a fala do cidadão comum, somente a representa através de figuras e questões pertinentes a ela. O vídeo 7, ICMbio – Biodiversidade Brasileira, é um vídeo institucional que apresenta o Instituto Chico Mendes, seu objetivo, atribuições e modo de ação, além dos locais de atuação. Dentre vários projetos, o vídeo apresenta a preservação ao Gavião Real, em parceria com a Vale, a Impar e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia. As imagens seguem a narração alternando cenas da natureza e as especificidades do que está sendo apresentado, com um fundo musical instrumental agitado que sugere aventura na natureza. Apresentado por um único narrador, o vídeo demonstra a importância do instituto na preservação da natureza. O vídeo 8, Animais e Ambientes, apresenta vários tipos de animais e espécies através de uma narração que vai citando as características dos diferentes animais, acompanhadas das imagens dos respectivos animais e um fundo musical que lembra o som de uma flauta nas músicas para meditação. O vídeo é bem didático, associado a uma visão científica da evolução das espécies e às atribuições dos conceitos de Ecologia. O vídeo foi feito pela Universidade Federal de Campinas com várias parcerias. Para melhor aproveitar a discussão, os vídeos foram divididos em dois grupos segundo a função que mais se aproximaram suas características. Portanto, um grupo segue as principais características do tipo vídeoaula, explicando e apresentado conceitos específicos dentro da disciplina de biologia. E outro grupo se aproximou mais das características de produção de documentário, onde se mostra uma realidade presente. A partir da realidade pota pelo documentário, aborda-se alguns conceitos e opiniões a respeito do assunto. 118 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Os vídeos 3, 4 e 5, são vídeos didáticos explicativos do tipo videoaula. Para Arroio, Diniz e Diordan (2005), este tipo de vídeo pode ser bem aproveitado na função informativa e fatigante se o professor limitar a aula à exposição deste. Ele também pode ser usado com a função de motivar a turma ou dar apoio ao professor. Nesse caso, o professor é a peça fundamental para melhor aproveitar as contribuições que o vídeo aula pode trazer para o seu planejamento em sala de aula. Neste caso, é importante lembrar que mesmo a ferramenta audiovisual, usada na educação como uma tecnologia da inovação, também pode ser usada para a educação tradicional, deixando toda sua característica de inovação para reafirmar a educação clássica. Arroio, Diniz e Giordan, 2005, apontam que para isso, o professor é o mediador que deve levar o aluno a participar criticamente e a construir significados a partir do vídeo, ou seja, estabelecer uma interação crítica entre o aluno e o material apresentado. Por isso, pode-se dizer que a DC não seria plenamente abarcada somente com a apresentação dos vídeos 3, 4 e 5 que a SEEDUC/ RJ propôs, mas a presença de um mediador faz-se necessária para tal objetivo. E os discursos predominantes destes recursos são encaminhados pela preocupação com o conteúdo disciplinar científico, o que mostra um atravessamento da educação tradicional formal nas ferramentas. Consequentemente, não há voz representativa do discente, sendo possível, apenas, por meio da mediação dos RAV. A forma como os vídeos 1, 2, 6, 7 e 8 são construídos, a junção da narração à imagens/ sons e conceitos, aproxima-os a produção de um documentário. Por retratar a realidade e os fenômenos referentes a ela, o documentário passa uma ideia de confiabilidade e veracidade a respeito daquilo que publica. Excluindo, portanto, os questionamentos e intervenções contrárias aos conceitos veiculados por ele. Em sala de aula, para alcançar um ensino crítico é preciso que haja intervenção de um mediador para fazer as desconstruções necessárias. Essa consideração é importante e traz outro olhar sobre as indicações de vídeos feita pela SEEDUC/RJ. Não um olhar de julgamento, pois é possível que as escolhas feitas tenham se baseado nessa crença, onde os documentários transmitem uma verdade e por isso estes seriam mais adequados ao ensino de ciência. Mas também é possível que haja a intenção de trabalhar essas informações como verdades inquestionáveis. O importante nesse caso é trazer um questionamento sobre as possibilidades de construção desse tipo de vídeo. 119


É levar para sala, junto com o documentário a possibilidade de questionamento e reflexão sobre o que é veiculado. Nichols (2005) afirma que o documentário é uma democracia representativa, que demonstra o mundo por meio dos olhos do cineasta, não contemplando o discurso da comunidade, mas um único discurso que a represente. Esse é um grande perigo, pois, por meio desse dispositivo podem-se instalar realidades que não são verdadeiras. Nesse sentido, o documentário é ponto de maiores debates para DC, pois, segundo Silva 2005, esta propõe um espaço para as diversas vozes emergentes no contexto social e científico. Trabalhar com o documentário é, portanto, um desafio para a DC, que necessitará, dependendo do documentário, inserir outras vozes no discurso do vídeo exibido, exigindo, portanto, um mediador. É nesse momento que o espaço de resistência, apontado por Barbero (apud DANTAS, 2008), pode ser fortalecido, sendo o contexto cultural, dos alunos, evidenciado. Ampliando o espaço de comunicação para além do vídeo e da sala de aula, para além de emissor / mensagem / receptor, incluindo, neste processo, a voz, tanto do aluno, como da comunidade que ele representa. Objetivo, também, apontado pela DC e que nos casos dos vídeos propostos pela SEEDUC/RJ, necessitará de um mediador, que pode ser o professor, outro vídeo, um texto, letras no vídeo. Por isso, para que o olhar crítico, a que se refere Paulo Freire, seja construído é preciso abordar não somente o conteúdo disciplinar, bem como suas condições de criação e o impacto social que ele terá. E falar das condições de criação de um documentário é apontar as organizações que estão financiando os principais conceitos e opiniões transmitidos no vídeo, quem é o produtor e sua implicação na educação e no mundo. Por exemplo, o vídeo sobre o Instituto Chico Mendes é patrocinado pela empresa Vale, que tem como principal atividade a mineração, uma atividade considerada essencial ao desenvolvimento, mas que polui solos e rios, sendo possível apenas a redução do seu impacto no meio ambiente. Qual é o interesse da empresa em patrocinar um vídeo sobre o meio ambiente? Qual é o interesse em fazer parcerias com uma instituição responsável pela proteção da biodiversidade? É a responsabilidade ambiental e o desenvolvimento sustentável? Essa parceria representa os ideais políticos de Chico Mendes? 120 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Nesse sentido, as leituras sobre os RAV vão para além da junção da imagem e som, para além do que a imagem mostra. Ela deve contemplar todos os elementos que cercam a comunicação, principalmente os detalhes, como o exemplificado no parágrafo anterior, que podem conter outras informações que não estão expostas tão claramente e precisam de uma pesquisa mais apurada, fora dos RAV, para seu discernimento. E dessa leitura nasce o senso crítico, como diz Freire (1996), da curiosidade ingênua para a curiosidade crítica.

Considerações Finais A sugestão da SEEDUC/RJ para o material de apoio pedagógico digital é um avanço em termos de diálogo entre a educação e a tecnologia e incentiva o uso de tais recursos na promoção de conhecimento dentro do ambiente escolar, associado aos conteúdos disciplinares propostos pelo currículo mínimo. Esse movimento, ainda que apresente certas fragilidades, estimula uma educação desafiadora e contextualizada por meios, geralmente, conhecidos dos alunos. No entanto, somente a proposta embasada em recursos digitais não assegura uma educação crítica e libertadora que garanta aos discentes a apropriação do conhecimento de forma a transformar sua realidade. Existe o perigo de ensinar o mesmo, a educação tradicional, hierárquica e excludente por meio de uma nova forma: a tecnologia. Para fugir do tradicionalismo excludente é necessário denotar como os conteúdos disciplinares estão ligados à realidade do aluno e mostrar como a educação escolar pode influenciar positivamente nessa realidade. Dessa forma, mesmo para os recursos digitais, como a sugestão de site e vídeos, é preciso que estes dialoguem com o aluno e sua realidade e provoquem nele o desejo de buscar mais e de se posicionar criticamente diante do mundo. Ao primeiro momento, parece que a ciência não é lugar para as críticas, mas baseado em tudo que foi exposto neste trabalho, é possível afirma que o fazer científico deveria ser o lugar onde nascem as críticas e onde elas se consolidam. Porque é justamente a desconfiança sobre as afirmações, sobre o que está posto como conhecimento que faz o cientista tentar provar sua veracidade ou não. 121


Percebe-se que a ciência se faz baseada em perguntas e não em respostas prontas. Para determinar uma resposta, que pode ser momentânea ou duradora, até que se prove o contrário, é preciso “experimentar”, observar, testar, averiguar, retestar, aplicar vários métodos de comprovação, e só então, depois de provado, designar uma verdade ou conceito, que pode e deveria passar por novas provações. Os alunos devem estar revestidos dessas perguntas e essas perguntas devem estar atravessadas por suas necessidades, para que estas alcancem o máximo de respostas. É interessante a forma como a DC busca incentivar o ensino de Ciência e a faz que esteja coberta pela criticidade, justamente, por entender que ela faz a ciência crescer e a torna mais próxima de seus usuários e de seus colaboradores, também. Como pensar em tecnologia do alimento se ainda temos povos morrendo de fome? Como pensar em criação genética se a acessibilidade e vida de deficientes físicos ainda são tão difíceis? É difícil designar uma resposta para todos os problemas sociais que cercam o mundo, entretanto é preciso começar a associar tais questões às construções científicas atuais para que a apropriação da ciência seja um desejo de toda a sociedade. A proposta da SEEDUC/RJ para os vídeos do apoio pedagógico digital contempla uma visão que envolve diversas formas de abordar a ciência. São propostos oito vídeos para a exibição ao longo de um ano. As diferentes formas de abordagem da ciência contemplam um vídeo didático narrativo, duas videoaulas, um documentário, um videoclipe, um vídeo institucional e um vídeo didático explicativo narrativo. Essa diversidade mostra que a proposta quis contemplar os diferentes tipos de vídeos e isso é muito importante, pois mostra para o aluno as várias possibilidades de abordagem em vídeo que podem ser usados dentro da educação. Por isso, percebe-se que a proposta concebe os parâmetros da DC para o ensino de ciência quando indica a ferramenta audiovisual e quando esta dialoga com outras formas de fazer a educação, como música, videoaula, documentário, etc. Essa habilidade que o vídeo tem em apresentar, demonstrar, associar, exemplificar, despertar, provocar ou introduzir novos conceitos favorece a realização de debate e reflexão desejados pela DC. E isso gera uma nova forma de pensar, tanto a ciência, como a educação. Porém, para que este debate ocorra, a presença de um mediador é essencial, seja com a implementação de uma cartilha, seja com a 122 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


preparação do professor. Nesse caso, o ideal é que a SEEDUC/ RJ preparasse orientações para a realização de debates a partir de conhecimentos fílmicos e estudos sobre a recepção fílmica ou orientações que apontassem caminhos para a leitura de vídeos. Talvez se a Secretaria preparasse um material com orientação sobre análise fílmica ou mesmo um curso de formação, estes habilitariam o professor na leitura e ocorrência de debate de qualquer material audiovisual, escolhendo assim o vídeo que melhor atenda ao que deseja levar para a sala de aula. Quanto a observação dos vídeos, fica perceptível a ausência da representação das vozes dos diversos atores sociais e suas questões. É notório que dificilmente todas as vozes sociais serão representadas em um único vídeo, mas é preciso começar a falar sobre esta representação tão necessária, principalmente para aqueles que sempre tiveram seu discurso excluído dos processos sociais, políticos, e econômicos que envolvem a sociedade. Trazê-las para o processo educacional do ensino público é possibilitar um espaço de identificação das questões dos discentes. É nesse sentido que a DC se estabelece na educação, atendendo a necessidade da representação, nas ferramentas educacionais, do sujeito e seus conflitos. Uma vez que, dentro da ciência, os assuntos tratados envolvem o sujeito e suas demandas, então, por que não representá-lo, através da sua própria voz, neste contexto. Tal representação tornarse-ia um incentivo para a participação ativa da população no fazer científico e o despertamento do interesse na mesma.

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Divulgação científica e jornalismo científico: um olhar na educação

Gustavo Maiato Beatriz Brandão

Resumo O presente trabalho se baseou em análises de textos e reportagens do periódico Boletim do Meio Ambiente (BMA) para entender, através do método qualitativo e da análise de conteúdo, como o jornal usa métodos e técnicas do jornalismo científico para promover a divulgação científica e a educação ambiental em seus textos. A publicação é produzida por alunos, bolsistas, professores e voluntários do Instituto Federal do Rio de Janeiro - campus Maracanã (IFRJ) - sob a supervisão de um professor encarregado. Foram analisadas quatro reportagens publicadas entre 2013 e 2017, tanto na versão online quanto na impressa sobre diversos temas dentro de ciência e tecnologia e educação ambiental, sempre com um viés crítico em respeito ao tema central do jornal. O trabalho buscou identificar quais elementos e características do jornalismo científico estão inseridos nos textos e quais não estão. Dentre esses elementos, estão a diversidade de fontes de informação, ouvir o contraditório, as dificuldades na tradução da linguagem do cientista e a visão do cientista que não está em um altar inalcançável. Dessa forma, é possível verificar se os textos do Boletim apresentaram esses elementos e identificar se houve falhas nas reportagens ao longo do tempo.

Palavras-chave: Jornalismo Científico. Divulgação Científica. Educação Ambiental.

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Introdução O Boletim do Meio Ambiente (BMA) é um jornal com versão impressa e online produzido no campus Maracanã do Instituto Federal do Rio de Janeiro. O projeto começou em 2007 e ao longo dos anos foi estabelecido o formato atual impresso com folha A5. O blog foi criado em 2010 e assim o Boletim passou a ter a versão digital também. O assunto principal de cada edição é sempre uma reportagem com média de duas páginas sobre temas controversos e questões ambientais como o lixo na Baía de Guanabara, mobilidade urbana, reciclagem e conflitos de território. O jornal também traz frequentemente colunas de opinião feitas em sua maioria pelos alunos do IFRJ ou por pessoas convidadas. Nas colunas, o tom é bem opinativo e os temas são assuntos que os alunos se interessam e têm vontade de escrever sobre. Outra característica do periódico são as charges que vêm sempre na última página da edição e trazem um tom de humor para debater questões como o aquecimento global ou os transportes coletivos. Nessa mesma última página existe um espaço destinado aos eventos do mês que vão acontecer no Brasil e que tenham a ver com a temática ambiental. O jornal usa também uma grande quantidade de fotos tanto nas reportagens quanto nas colunas opinativas para ilustrar e complementar o conteúdo. De acordo com o site oficial do BMA, o foco do jornal é relacionar o meio ambiente com as outras esferas que estão ao redor como a política e a economia: O blog mantido pelos alunos da graduação, do médio-técnico do IFRJ, bolsistas de Iniciação Científica e por professores da Instituição. Nosso objetivo é discutir sobre questões ambientais que afligem a sociedade atual, que vão bem além das questões básicas como poluição, materiais recicláveis ou economia de recursos. Este questionamento considera toda a sinergia que existe entre o humano e o natural. Você encontrará neste sítio discussões sobre política, economia, modelos de desenvolvimento e estilos de vida. Tudo com uma visão crítica e, ao mesmo tempo, democrática. (QUEM SOMOS...)

O Boletim possui em seu expediente uma média de quatro repórteres, além de um diagramador, revisor, chefe de reportagem e editora. Todo o projeto está vinculado ao Núcleo de Pesquisa Em Ensino e Divulgação de Ciências (NEDIC), que foi criado em 2007 e possui 127


outros campos de atuação além do Boletim como frentes de pesquisa e de desenvolvimento de material didático. No artigo “Boletim do Meio Ambiente, a controvérsia e os conflitos socioambientais: Quais os vínculos de risco?”, Roseantony Rodrigues Bouhid, uma das professoras responsáveis pelo projeto do Boletim, e Fátima Teresa Braga Branquinho explicam os objetivos do jornal: O projeto foi submetido pela primeira vez em 2007 e contou com uma aluna de IC, que produziu duas edições em 2008. Os objetivos iniciais se concentravam em criar um ambiente de divulgação científica e de eventos, que contribuísse para a promoção de boas práticas ambientais e para a integração dos alunos e professores da área ambiental da unidade Rio de Janeiro do então Cefet-Química de Nilópolis, esse período foi anterior à lei que transformou os Cefets em institutos federais (BOUHID; BRANQUINHO, 2013, p. 211).

O Boletim faz, portanto, um trabalho de divulgação científica. Nesse artigo vamos utilizar o conceito de divulgação científica proposto por Zamboni que entende a divulgação como a partilha social do saber que aproxima o homem comum das questões científicas que ele foi apartado ao longo da história. A divulgação científica é entendida, de modo genérico, como uma atividade de difusão, dirigida para fora de seu contexto originário, de conhecimentos científicos produzidos e circulantes no interior de uma comunidade de limites restritos, mobilizando diferentes recursos, técnicas e processos para a veiculação das informações científicas e tecnológicas ao público em geral (ZAMBONI, 1997, p. 69).

Continuando com o conceito de partilha social, o Boletim propõe em seus temas assuntos do cotidiano de muitas pessoas e problemáticas que afetam o dia a dia de uma forma geral como poluentes orgânicos que são encontrados nas atividades diárias ou o efeito estufa. Assim, ao longo dos textos, o leitor sente essa aproximação com as questões científicas e entende como isso afeta sua vida. É a veiculação desses assuntos mais técnicos para fora do círculo científico, com uma linguagem que busca um fácil entendimento. Dentro do conceito de divulgação científica como atividade de difusão, está inserido o jornalismo científico, que é a editoria jornalística voltada para a divulgação de temas científicos. Isaltina Gomes propõe a visão de que o jornalismo científico deve publicar as questões científicas de modo que o público leigo possa se inteirar do assunto: 128 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Aqui ponderamos que a função do jornalismo científico é, essencialmente, tornar públicas as experiências e os avanços da ciência e da tecnologia de modo que o leitor leigo possa inteirar-se, e não reproduzir os detalhes das pesquisas que, provavelmente, só seriam compreendidos por especialistas no assunto. (GOMES, 1995, p. 171).

Para Teixeira (2010), existe uma deficiência no jornalismo científico praticado no Brasil, cujo jornalista não usa o princípio do contraditório e acaba confiando na palavra do cientista ou instituição sobre um determinado assunto científico, além de tratar o assunto de maneira sensacionalista e sem se perguntar a viabilidade e veracidade da afirmação do cientista. Essa é a prática de colocar o cientista em um altar inalcançável onde tudo que ele diz é a verdade inquestionável. Teixeira, nesse trabalho, analisa, sob o viés do jornalismo científico, de que maneira os textos produzidos reproduzem ou não os padrões positivos e negativos da prática do jornalismo científico no Brasil. A prática do jornalismo científico, como Isaltina Gomes explica (1995), tem o foco no resultado das pesquisas e sua aplicação no cotidiano e o repórter pode acrescentar informações que ele já dispunha sobre o assunto no texto, como muitas vezes ocorre no Boletim. A outra face do periódico é a educação ambiental, uma vez que o principal tema das matérias é o meio ambiente e suas questões políticas, econômicas e culturais. Como explicam Kondrat e Maciel, a educação ambiental é um tema que vem ganhando força e precisa estar presente no ambiente educacional: A educação ambiental sustenta uma recente discussão sobre as questões ambientais e transformações de conhecimentos, valores e atitudes que devem ser seguidos diante da nova realidade a ser construída, constituindo uma importante dimensão que necessita ser incluída no processo educacional. (KONDRAT; MACIEL, 2003, p. 826).

A educação ambiental faz parte do tripé teórico que sustenta o Boletim (os outros dois lados sendo a divulgação científica e o jornalismo científico) e sua presença está não só na temática das reportagens como na divulgação dos eventos da área. No site do Boletim, os textos levam palavras que são chamadas de “marcadores” que facilitam a busca por um termo específico dentro do texto. Os principais marcadores são todos relacionados ao tema da educação ambiental como “consumo”, “poluição”, “resíduos sólidos” e “energia renovável”. 129


Divulgação científica e jornalismo científico: uma análise Como foi visto, o trabalho feito no Boletim do Meio Ambiente tem um viés de divulgação científica muito forte, na medida em que se debruça sobre temas científicos e ambientais e a ideia é propagar esses temas para fora da comunidade científica, ou seja, para seus leitores. Sarita Albagli (1996) propõe o conceito de difusão científica (ou disseminação) como o campo maior que abrange a comunicação de saberes científicos e a partir daí divide-se em comunicação científica e divulgação científica (ou popularização da ciência). O primeiro refere-se ao conhecimento comunicado entre a comunidade científica, valendose de termos e linguagem técnica e o segundo é a comunicação feita para o público em geral, leigo. Nesse caso, é necessária a retextualização e a transposição ou tradução propostas por Gomes (1995) para facilitar o entendimento dos assuntos técnicos. É um recurso que o jornalista explora para deixar o texto mais palatável e atraente para seu público alvo. Albagli entende a mídia como um veículo de divulgação científica, logo o jornalismo científico estaria dentro do grande conjunto da divulgação científica (é um modo de divulgação científica). Albagli também percebe a divulgação científica como detentora do papel de levar o conhecimento ao público leigo: É preciso ver na atividade de divulgação mais do que uma forma de lançar pontes de trânsito entre o saber institucionalizado e o não-saber laico. Ela cumpre, em certa medida, essa função, não se pode negar. E a sociedade tem demonstrado ansiar pela partilha do saber da ciência e da tecnologia- principalmente se os conhecimentos lhe trouxerem algum impacto positivo na melhoria das condições de vida (ZAMBONI, 1997, p. 63).

Porém, ela entende que a prática da divulgação científica se dá também por uma pressão da comunidade científica para que o cientista produza artigos para que meios de comunicação noticiem e assim trazer prestígio para a instituição bem como aumentar a visibilidade e as bolsas de dinheiro que o governo oferece. Sobre a lógica mercadológica que a divulgação científica bem como o jornalismo científico tem, Lilian Zamboni entende que a exposição pode gerar lucros:

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Seu potencial de atração de investimentos públicos e privados de longo prazo é inegável. Ao tomar conhecida a operosidade e produtividade de um grupo de pesquisadores, ela toma visível tal grupo e o diferencia em termos de retomo de investimento mais rápido e seguro (ZAMBONI, 1997, p. 64).

De acordo com Albagli (1996), a atividade científica não é feita por um cientista isolado e sim resulta de um processo que sofre influência do meio e do próprio tempo e espaço (1997). O jornalismo científico é a parte do jornalismo que procura traduzir os conceitos científicos em uma linguagem palatável para o seu interlocutor (ouvinte ou leitor). Ela entende que o jornalismo científico pode ser tanto informativo quanto opinativo e que está sujeito à ideologia do veículo em que está inserido. Nesse contexto, um dos objetivos do veículo é o lucro e muitas vezes as notícias vendem mais quando noticiadas de forma sensacionalista, provocando emoções ao público (1996). A questão da visão da ciência onde não se questiona seus métodos e suas verdades também é um fator importante na discussão do jornalismo científico. Zamboni alertou para a imagem da ciência “exercida por um indivíduo vulgarmente caricaturado” (1997, p. 51 e 52). Albagli ainda chama atenção para a problemática do mito da ciência, da neutralidade da ciência e do preconceito que a ciência pode ter com os meios de comunicação e como a relação entre os cientistas e os jornalistas precisa ser saudável para que esses fatores não ocorram. Fabiane Cavalcanti exemplifica um caso em a dificuldade de expressar com precisão os resultados de uma pesquisa científica traz malefícios na relação jornalista e cientista. Ela substitui os nomes verdadeiros das pessoas envolvidas por números: O pesquisador 6 conta que durante uma entrevista disse que o cloro na água produz substâncias chamadas clorofórmios e que elas são cancerígenas acima de um determinado limite. O título saiu: "Cloro na água dá câncer" (CAVALCANTI, 1995, p. 145).

Para completar, foi preciso definir os conceitos relativos à educação ambiental. O tema tornou-se relevante na medida em que a sociedade foi se debruçando sobre questões como sustentabilidade e seus diversos subtemas como reciclagem e energias reutilizáveis. Guimarães (1995, apud KONDRAT; MACIEL, 2013) entende que a humanidade evoluiu sem se importar com as questões ambientais: “Contudo, ao longo de suas conquistas, o homem foi perdendo a noção de sua integração com o meio ambiente, adquirindo uma consciência mais individualista”. 131


Campos (2004) complementa e alerta para a função que a mídia tem de difundir temas relativos ao meio ambiente: “[...]vemos o importante papel que têm os comunicadores e a mídia de levantarem um debate amplo e aprofundado sobre tais questões, discutindo com os setores competentes a formulação de políticas públicas voltadas para a inclusão social [...]” (2008, p. 20). Logo, o jornalismo e o Boletim do Meio Ambiente pretendem cumprir esse papel definido por Campos (2004) e procura passar em seus textos a noção de que somos integrados ao meio ambiente como propõe Guimarães. Se analisarmos os principais temas das matérias ao longo dos anos, veremos temas como “energia renovável”, “poluição” e “resíduos sólidos” como uns dos mais abordados. Uma das principais funções do Boletim é dar essa voz para que os colaboradores (a maioria alunos) se expressem sobre as questões que eles mais convivem diariamente e muitos alunos são de áreas onde existe algum tipo de degradação ambiental. É claro que existem outros temas presentes como política e economia, mas todos de alguma forma se relacionam com a questão ambiental.

Critérios de escolha das reportagens e análise O método de pesquisa desse trabalho consiste no método qualitativo através da análise de conteúdo de três reportagens do periódico Boletim do Meio Ambiente. A técnica da análise de conteúdo, como explica Campos, tem o objetivo de buscar sentido nos documentos ou em um texto (nesse caso, as reportagens jornalísticas). A análise de conteúdo feita aqui perpassa as fases de préexploração do material, da seleção das unidades de análise e do processo de categorização propostas por Campos. As categorias serão apriorísticas, que acontece quando o pesquisador já tem algum interesse prévio ou experiência anterior com o assunto (2004). Na fase de pré-exploração ainda não foram selecionadas as matérias e o objetivo é o pesquisador se tornar familiar com as principais ideias e conceitos: Nesta fase a utilização de uma leitura menos aderente, promove uma melhor assimilação do material e elaborações mentais que 132 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


forneceram indícios iniciais no caminho a uma apresentação mais sistematizada dos dados. Essas leituras iniciais promovem uma visão “descolada”, a qual permite ao pesquisador transcender a mensagem explícita e de uma forma menos estruturada já conseguir visualizar mesmo que primariamente, pistas e indícios não óbvios. (CAMPOS, 2004, p. 613).

Quanto à escolha das reportagens desse estudo, foram escolhidas duas reportagens do ano de 2013, quando minha participação como jornalista colaborador tinha começado, e duas reportagens de 2017, quando meu olhar já estava mais afastado do produto final. As reportagens têm como denominador comum os assuntos ambientais relacionados com a divulgação científica. Pensando nas fases da análise de conteúdo propostas por Campos, a relação entre o pesquisador e o objeto estudado é de interdependência (2004) e é importante que, durante a escolha, o objetivo seja responder perguntas feitas previamente: Uma das mais básicas e importantes decisões para o pesquisador é a seleção das unidades de análise. Nos estudos qualitativos, o investigador é orientado pelas questões de pesquisa que necessitam ser respondidas. Mais freqüentemente, as unidades de análises incluem palavras, sentenças, frases, parágrafos ou um texto completo de entrevistas, diários ou livros (9). Existem várias opções na escolha dos recortes a serem utilizados, mas percebemos um interesse maior pela análise temática (temas), o que nos leva ao uso de sentenças, frases ou parágrafos como unidades de análise (CAMPOS, 2004, p. 613).

Uma das reportagens do ano de 2013 se chama “O caso do bisfenol A”1 e tem como tema a problemática envolvendo o uso e comercialização dessa substância chamada bisfenol A, que seria prejudicial para a saúde e foi debatido pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional do Rio de Janeiro. A reportagem sobre o bisfenol A traz um debate sobre o uso dessa substância que é presente em inúmeros objetos do nosso dia a dia como sabonetes e até mamadeiras. No corpo da notícia, foi inserida a arte da campanha contra o uso da substância promovida pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. A outra foto que ilustra a reportagem mostra produtos de maquiagem feminina, para explicitar que a substância pode estar presente nesses produtos. 1  As reportagens estarão completas nos anexos ao final deste trabalho.

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A reportagem também traz o parecer da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto e informa que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) baniu o bisfenol A por precaução. A outra reportagem se chama O gás revolucionário... será? e tem como tema a difusão de técnicas para obtenção do gás de xisto que pode ser danosa ao meio ambiente de diversas formas. A matéria não possui ilustrações ou fotos e traz muitos dados sobre a coleta do gás em questão ao redor do mundo e como diversos países tratam do assunto. Duas autoridades são ouvidas, sendo elas John Larson, da consultoria ISH Global Insight e Magda Chambriard, diretora da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O texto traz ainda a discussão sobre o primeiro leilão de gás de xisto no Brasil e mostra a distribuição desse gás no território brasileiro. Nota-se aqui que os valores ambientais estão sendo discutidos e trazidos para a sala de aula, como propõe Kondrat e Maciel (2003). Já no ano de 2017, as reportagens falam sobre dois temas que dialogam com nosso dia a dia. O primeiro é sobre o saneamento básico de Nova Iguaçu, município da baixada fluminense. A reportagem traça uma relação entre o saneamento e a saúde e traz números que atestam a baixa qualidade do serviço na cidade. Dentro do conceito da divulgação científica como partilha social, a reportagem aproxima o homem comum dos problemas de sua cidade, trazendo informações sobre doenças causadas pela baixa qualidade do serviço, e sobre os possíveis rumos que a situação pode tomar. A reportagem é um exemplo de como o Boletim do Meio Ambiente alia o jornalismo científico com a divulgação e o meio ambiente. A outra reportagem do ano de 2017 é sobre as arboviroses, que são doenças transmitidas por artrópodes. É mais um caso de uma matéria que traz um assunto cotidiano, além de promover a divulgação científica com informações sobre termos científicos, doenças e o histórico de combate a essas enfermidades. Tendo como base essas quatro reportagens, é necessário expor os métodos e critérios utilizados na análise de como o jornalismo científico e a divulgação científica perpassam os textos. O primeiro conceito que é necessário expor é o de transposição que ocorre do texto-fonte até o texto jornalístico. Trabalharemos com as quatro operações para a retextualização do texto-fonte citados por Van Dijk (1990) que são a “eliminação” (retirar 134 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


elementos irrelevantes do texto), “acréscimo” (o repórter acrescenta informações que ele mesmo dispõe), “reordenação” (determinar um novo critério para a ordem das informações seguindo uma relevância jornalística) e “substituição” (substituir completamente parágrafos ou orações). Cavalcanti exemplifica como essa reordenação das informações pode prejudicar um aspecto do estudo científico tema de uma reportagem, dando mais valor para um tópico que o cientista não necessariamente acha o mais importante: Muitas vezes o enfoque dado à matéria não é o que o cientista esperava ou gostaria que fosse. O repórter 5 afirma que o critério de hierarquia da notícia choca os pesquisadores. O jornalista 1 ilustra a situação com o exemplo de um cientista que está fazendo uma pesquisa sobre a produção de papel usando caule de bananeira. Para ele, o pesquisador está muito mais preocupado com quantos gramas de soda cáustica ou de cloro vai usar para branquear. “Entretanto, jornalisticamente é mais importante dizer ao pequeno produtor que a bananeira que ele tem no fundo do quintal, que é tratada como lixo, serve para fazer papel” (CAVALCANTI, 1995, p. 146).

Esse conceito faz parte da tentativa que o jornalista precisa fazer de deixar o texto mais interessante para seu público, mas sem perder as informações científicas cruciais para seu entendimento. Ainda pensando na dificuldade de tradução do texto-fonte (científico) ao texto jornalístico, outro critério utilizado para a análise foi verificar se os textos passam a visão de que o cientista está em um altar inalcançável. Isso quer dizer que a ciência é vista como “salvadora da pátria” e que as descobertas ou estudos científicos mostrados nas reportagens são a única resposta possível para os problemas. Albagli explica que é preciso cuidado ao transmitir os resultados de uma pesquisa ou uma descoberta científica, para não causar um alarde nas pessoas e na sociedade que pode não ser justificado: Uma das tarefas mais difíceis a serem realizadas no desenvolvimento de programas de popularização da ciência e tecnologia é alcançar um equilíbrio entre o entusiasmo pela ciência dos profissionais envolvidos na sua concepção e aplicação e a necessidade de se evitar transmitir ao público leigo um visão exagerada das possibilidades da ciência moderna. (ALBAGLI, 1996, p. 402).

Quanto menos o jornalista envolvido sabe sobre o assunto tema da reportagem de ciências que está escrevendo, maiores são 135


as chances de ocorrer essa dificuldade na tradução e de ocorrer essa visão do cientista como salvador. Cavalcanti entende que o movimento pela maior qualidade dos textos de jornalismo científico começa pela qualificação do repórter, mas compreende os obstáculos no caminho: O repórter precisa investir nele mesmo, buscando cada vez mais informação para poder efetuar um contato mais integrado com a fonte e se aprofundar nos temas das matérias. Para a empresa, é uma especialidade que custa caro, tendo em vista que, dentro da mesma redação, enquanto repórteres de editorias como geral, política e economia produzem duas ou três matérias numa tarde, os de ciência produzem, habitualmente, uma (CAVALCANTI, 1996, p. 148).

Os últimos quesitos na verdade são complementares: Diversidade de fontes e ouvir o contraditório. É importante perceber que todos os quesitos se relacionam entre si. Quando um jornalista ouve o contraditório e pesquisa em diversas fontes sobre um determinado assunto, a chance de ele não retratar a ciência como única saída possível ou de cometer erros na “tradução” do texto-fonte é menor. A diversidade de fontes e o uso do contraditório são aspectos que estão presentes não só no jornalismo científico, mas na prática de todas as editorias de um jornal. Na editoria do jornalismo científico, como em todas as outras, essa característica é muito importante para não trazer uma visão única ao leitor ou ouvinte. A reportagem precisa mostrar sempre o outro lado da história. Assim como na política, quando o jornal mostra um caso de corrupção e apresenta as provas, é necessário ouvir os advogados de defesa ou até mesmo outras pessoas que possam ter uma opinião divergente. No jornalismo científico é muito comum uma reportagem falar sobre o aquecimento global como verdade absoluta, sem levar em conta, por exemplo, uma grande corrente de cientistas céticos que afirmam que o aquecimento global não existe e é alimentado pela mídia. Ao tratar de uma reportagem sobre emissão de gases poluentes, o jornalista deve prezar pela variedade de fontes e ir atrás de cientistas que podem afirmar que esses gases não interferem em nada no ambiente. O papel do jornalista é o de apresentar as informações de maneira que o leitor possa ele próprio tirar suas conclusões. É necessário se ater aos fatos, sem querer também a presunção de achar que existe essa total imparcialidade. A voz do jornalista é um fator importante e que 136 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


pode aparecer no texto, como propõe o conceito da adição de Van Dijk. Porém, ao acrescentar seus próprios questionamentos e sua própria visão e informações de sua bagagem intelectual, o jornalista precisa pensar em um modo de não trazer para o seu discurso um tom de oficial. É justamente esse diálogo entre as fontes que vai possibilitar um real entendimento do leitor.

Análise das reportagens Como dito anteriormente, levarei em conta para as análises das reportagens a diversidade de fontes de informação, o uso do contraditório (ver os diversos ângulos e implicações), a dificuldade na tradução da linguagem do cientista e a visão do cientista e da ciência como intocáveis, em um altar inalcançável. Complementando essa primeira análise, verifiquei de que maneira as quatro ações de retextualização proposta por Van Dijk estão presentes nos textos, sendo elas o acréscimo, reordenação, substituição e eliminação. Outro fator que perpassou os textos em menor ou maior grau foi a temática ambiental. As quatro reportagens trazem assuntos ambientais que dialogam com a vida das pessoas comum. Primeiro, focarei na análise das reportagens do ano de 2013 de acordo com os critérios previamente estabelecidos. A primeira é “O Caso do Bisfenol A”, que trata de pesquisas recentes que indicam que o uso de tal substância, que está presente em inúmeros objetos do nosso dia-a-dia, causa obesidade, síndrome do ovário policístico e infertilidade. Logo no primeiro parágrafo, pode-se verificar a tradução da linguagem científica, para explicar ao público leigo do que se trata o assunto principal da matéria: Desreguladores, disruptores e interferentes endócrinos: tais expressões são sinônimos utilizados para caracterizar um determinado grupo de micropoluentes (assim chamados por estarem presentes na biosfera em concentrações muito baixas). (O CASO..., 2013).

A opção por explicar o que é um interferente endócrino logo no primeiro parágrafo é um caso de reordenação do texto jornalístico. O autor determinou um critério para a ordem das informações seguindo a relevância jornalística e julgou necessário dar essa primeira explicação para contribuir com o entendimento do leitor. 137


Para o cientista, associar o bisfenol e dizer algo como “não compre mamadeiras, pois pode fazer mal para seu bebê” não foi o foco da pesquisa. O que mais importa para o cientista é o aspecto mais “frio” do estudo, ou seja, as técnicas e tudo envolvido em como provar suas hipóteses, o que foi preciso fazer em termos de estudo para chegar às conclusões que ele chegou. Pode-se observar também o uso do contraditório e a utilização de diversas fontes como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional Rio de Janeiro (SBEM-RJ) e a Organização Mundial de Saúde (OMS). Se analisado juntamente com outros trechos, o trecho onde o autor cita a OMS e a SBEM-RJ é um exemplo do uso do contraditório, que contribui também para combater a visão da ciência como verdade absoluta. Existem diversas vozes com opiniões diferentes e não só a visão do cientista. Em certo trecho, a doutora Tania Bachega explica sobre a atividade da substância que pode trazer obesidade e síndrome do ovário policístico, entre outras complicações. Já a seguir, a OMS rebate o argumento e dá o seu ponto de vista em relação ao problema, que é diferente do ponto de vista da doutora: No entanto, segundo o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em 2011, foi observado que para diversos desfechos analisados, o nível de exposição humana ao BPA é muito inferior ao que provocaria os efeitos adversos. (O CASO..., 2013).

Outro fator a ser considerado é que o texto procurou focar nas aplicações do dia-a-dia que o estudo traz. O bisfenol A está presente em objetos como sabonetes que são de uso diário e esse foi um dos focos principais da reportagem. O contraditório foi empregado na medida em que vemos vozes conflitantes em relação ao problema. Entretanto, faltou na reportagem um maior cuidado na tradução da linguagem técnica. Um público não familiarizado com os termos apresentados logo no início pode não compreender de cara a ligação que o assunto abordado pode ter com sua vida. O texto começa falando em micro poluentes que estão em baixa concentração na atmosfera, depois explica a posição da Sociedade Brasileira de Endocrinologia a respeito do tema e ainda fala sobre o sistema endócrino do corpo humano. Tudo isso é explicado logo no primeiro parágrafo, mas não temos uma explicação sobre o que é o sistema endócrino por exemplo. 138 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Em seguida, uma frase diz que esses micros poluentes são encontrados em diversos objetos do dia a dia. Isso ao longo do texto é rebatido por algumas fontes, mas a opção por colocar no início uma frase de impacto assim é bastante jornalística, pois chama a atenção do leitor, convidando-o para terminar a leitura. A segunda reportagem se chama O Gás Revolucionário... Será? e aborda o tema da exploração do gás de xisto, tratando da problemática ambiental envolvida em sua extração e explicando ao leitor o que é esse gás e como diversos grupo econômico e político se relacionam com o tema. É uma reportagem com um pano de fundo político, já que a exploração desse gás pode trazer uma vantagem para um país no desenvolvimento de uma energia competitiva e sem dependência do petróleo. Pensando nas técnicas propostas por Van Dijk, no segundo parágrafo vemos um caso de acréscimo, onde o repórter inclui explicações que ele já dispunha anteriormente, sem precisar de fontes especializadas: O xisto é um tipo de rocha que se encontra a aproximadamente quatro quilômetros abaixo da superfície terrestre. Ele aprisiona um gás composto por nitrogênio, metano, sulfato de hidrogênio, tolueno e outros solventes. Os avanços tecnológicos possibilitaram o crescimento da produção de gás de xisto nos Estados Unidos e em outras localidades do globo. A técnica de fratura hidráulica (fracking) é a mais utilizada (CRUZ, 2013).

A explicação sobre o gás do xisto e a técnica de exploração foi feita pelo repórter com base em seus conhecimentos prévios. O repórter julgou necessário explicar sobre o gás e a técnica de exploração para o entendimento da matéria, o que caracteriza a tradução da linguagem científica. Nessa reportagem vemos novamente o uso de muitas fontes como a Diretora Geral Da Agência Nacional Do Petróleo (ANP) e a organização econômica ISH Global Insight. Dentro da discussão se a extração seria benéfica ou não, o autor reserva um parágrafo no final do texto para colocar uma consideração sua onde, depois de analisados os dois lados, o questionamento ainda fica no ar. Dessa forma, a ciência é colocada em cheque, pois os avanços proporcionados por ela são questionados. Para piorar, nenhuma agência reguladora (ANA e IBAMA) detêm estudos específicos envolvendo a indústria de gás 139


não convencional. Mesmo num horizonte obscuro, empresas como OGX, Petrobras e Petra já estudam as oportunidades na exploração de gás de xisto. A polêmica é grande. Afinal, essa riqueza trará os avanços que precisamos? (CRUZ, 2013).

O texto faz uso em diversos momentos da tradução da linguagem científica como na explicação sobre a técnica de fratura hidráulica (frackling) e na explicação sobre a natureza do gás xisto. A problemática ambiental, constantemente presente nos textos do Boletim do Meio Ambiente, é vista também ao longo dos parágrafos. Aqui é exposto que um avanço científico pode ser analisado sob diversos ângulos e o que é benéfico para uns pode não ser para outros: Apesar de tantos benefícios econômicos, sérios problemas ambientais são gerados no processo de extração do gás. Dentre eles está a contaminação dos lençóis freáticos pelos coquetéis utilizados na técnica de fratura hidráulica. Essas substâncias químicas são omitidas pelas empresas, dificultando a análise do impacto real nos corpos hídricos (CRUZ, 2013).

Um grande problema verificado na reportagem foi o uso reduzido de fontes para tratar o assunto sob diversos ângulos e assim fazer com que o leitor possa tomar sua própria decisão sobre o tema. A única voz no texto além da do autor é a diretora geral da Agência Nacional do Petróleo, mas ela limita-se a dar informações sobre a extração de petróleo e gás no Brasil e não emite opiniões pessoais ou técnicas sobre a exploração em si e suas possíveis consequências. Um dos principais enfoques da matéria são as consequências políticas da exploração do gás de xisto. Os cientistas que se debruçam sobre o gás de xisto, entretanto, estão focados nas técnicas que tornaram possíveis a extração, mas jornalisticamente falando, é mais importante falar das consequências políticas e até mesmo da questão de ser um substituto para o petróleo. A seguir, foram analisadas as reportagens do ano de 2017, que foram colocadas no site oficial em maio. A primeira se chama “Arboviroses: Elas vivem entre nós” e trata das doenças transmitidas por artrópodes como a dengue e o zika vírus. O tema da reportagem é extremamente atual e dialoga diretamente com o dia a dia do público alvo do jornal, sendo de grande interesse público. A questão da transmissão de doenças através de mosquitos é um velho problema de saúde pública nacional e inserir esse tema 140 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


no contexto do Boletim do Meio Ambiente, que é majoritariamente produzido por alunos, está de acordo com a visão de Kondrat e Maciel (2003), que defendem a transmissão de conhecimentos na dimensão ambiental no processo educacional. O início da reportagem apresenta uma dificuldade na tradução do texto-fonte para o jornalístico, pois não explica para o público geral o que são “artrópodes”. O próprio termo “arbovirose” ganhou pouca explicação ao longo do texto. O principal problema da matéria é a falta de vozes para corroborar os argumentos do autor. A única entidade que emite opinião no texto é a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) que explica sobre a importância do saneamento básico no combate aos mosquitos vetores. Embora não seja uma pessoa falando e sim um parecer oficial da entidade. Para manter o princípio do contraditório, podiam ter sido ouvidos autoridades que combatem os mosquitos, médicos especializados, pessoas que foram infectadas e especialistas pesquisadores sobre arboviroses ou até epidemiologistas. Pensando na tradução da linguagem científica e em sua adaptação, a reportagem utiliza muito a técnica da adição de Van Dijk, onde o jornalista insere a própria voz no texto, trazendo argumentos e informações previamente coletados, de conhecimento próprio. Essa técnica é muito utilizada quando o assunto da reportagem dialoga com experiências que o autor/jornalista já conviveu ou convive. Outro exemplo de adição é quando a matéria diz que o ressurgimento da dengue pode estar relacionado com o processo de globalização. Essa informação não vem de nenhuma fonte oficial ou nome importante na área, é o próprio autor que afirma e expõe no texto. Também é possível ver a técnica da subtração ao longo da reportagem. No começo, são apontadas quatro doenças relacionadas aos artrópodes: Dengue, chikungunya, febre amarela e zyka. Ao longo do texto, o autor reservou um parágrafo para cada uma das doenças trazendo explicações e dados sobre essas enfermidades. Porém, ele deixou de lado a doença chikungunya. A opção foi por explicar mais profundamente as outras três doenças, onde o autor viu maior valor jornalístico, maior possibilidade de interesse de seu público. Uma característica positiva do texto foi não colocar a ciência como salvadora da pátria, como algo inalcançável. O texto mostra claramente que a solução não vem só ou necessariamente só dos estudos científicos 141


que produzem vacinas e remédios. A frase “Sem ignorar o fato de que é de vital importância as ações individuais de limpeza dos criadouros domésticos...” (CRUZ, 2017) não atribui à ciência o papel de salvar o mundo dessas doenças. A ideia da reportagem é despertar em cada cidadão comum o senso de que ele pode fazer diferença, cuidando de sua casa e da sua rua para evitar a proliferação do mosquito. Já a reportagem “O saneamento de Nova Iguaçu é o pior do Brasil” dialoga ainda mais de perto com os envolvidos na feitura do Boletim do Meio Ambiente, pois muitos alunos e professores residem em Nova Iguaçu ou nas imediações da Baixada Fluminense. Mais uma vez vemos a temática ambiental e social presente. A dificuldade de tradução dessa vez não foi muito presente no texto, embora sejam perceptíveis alguns resquícios de termos científicos e dados de difícil apreensão. Termos que não são utilizados comumente como “macro determinantes” são de difícil compreensão, e são mais empregados no universo acadêmico ou científico. Outra expressão em que vemos uma dificuldade de tradução é quando o autor se refere ao tratamento de esgoto de Guandu 1, que tem capacidade de “12 m/s”, sem explicar o que isso representa de fato. Um leitor que não está familiarizado com os termos vai ter dificuldade de compreender o quão bom ou ruim é a estação de tratamento. Mesmo que o leitor saiba que se trata da abreviação de “metros por segundo”, faltam informações sobre o que relacionar com essas grandezas. O texto também não coloca a ciência como única atividade detentora das respostas para as mazelas sociais. O tom geral é de que os órgãos envolvidos vão se deparar com dificuldades ao longo dos anos. Nessa reportagem também vemos pouco o uso do contraditório e das diversas fontes. Humberto Melo Filho, diretor da CEDAE, é a única pessoa ouvida, trazendo dados sobre os investimentos da empresa na rede de água do município de Nova Iguaçu. A reportagem, por outro lado, apresenta dados vindos de diversas fontes como o Instituto Trata Brasil e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). Durante a matéria, poderiam ter sido ouvidas pessoas que são diretamente afetadas pelo péssimo saneamento na região, autoridades políticas responsáveis por administrar as finanças públicas destinadas ao saneamento, cientistas que lidam diretamente com saúde pública e médicos que tratam doenças que a falta de saneamento pode proporcionar. 142 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Pode-se concluir que, tendo em vista as análises das quatro reportagens, o Boletim do Meio Ambiente é um produto midiático com a pretensão de cumprir seu papel como instrumento de divulgação científica. Os alunos redatores se utilizaram de diversas técnicas e instrumentos do jornalismo de uma maneira geral e mais especificamente do jornalismo científico para produzir reportagens sobre os mais diversos temas sempre com o viés crítico, sendo observados também alguns erros e usos inapropriados dessas técnicas. Nessas quatro reportagens o periódico se mostrou atento às questões ambientais e trouxe para o debate os temas controversos do saneamento básico, saúde pública e energia limpa. A divulgação científica como atividade de partilha social está presente em todas as reportagens, mostrando o compromisso da publicação com a divulgação de temas relevantes para a sociedade.

Referências ALBAGLI, Sarita. Divulgação científica: Informação científica para a cidadania? Belo Horizonte: Ciência da Informação, 1996. BOUHID, Roseantony Rodrigues; BRANQUINHO, Fátima Teresa Braga. Boletim do Meio Ambiente, a controvérsia e os conflitos socioambientais: Quais os vínculos de risco? Rio de Janeiro: Revista de Educação, Ciências e Matemática, 2013. CAMPOS, Claudinei José Gomes. Método de análise de conteúdo: ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Brasília: Revista Brasileira de Enfermagem, 2004. CAVALCANTI, Fabiane M. C. G. Jornalistas e cientistas: Os entraves de um diálogo. São Paulo: INTERCOM, 1995. GOMES, Isaltina Maria de Azevedo Mello. Dos laboratórios aos jornais: um estudo sobre jornalismo científico. Recife: UFPE, 1995. KONDRAT, Hebert; MACIEL, Maria Delourdes. Educação ambiental para a escola básica: Contribuições para o desenvolvimento da cidadania e da sustentabilidade. São Paulo: Revista Brasileira de Educação, 2013. Quem Somos Nós? Disponível em: http://boletimmeioambiente.blogspot.com. br/p/quem-somos-nos.html TEIXEIRA, Mônica. Pressupostos do jornalismo de ciência no Brasil. São Paulo: Parcerias Estratégicas, 2010. VAN DIJK, Teun A. La Noticia como Discurso: Compreensión, estructura y producción de la información. Barcelona: Paidós Comunicacción, 1990. ZAMBONI, Lilian Márcia Simões. Heterogeneidade e subjetividade no discurso da divulgação científica. Campinas: UNICAMP, 1997.

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Notícias socioambientais de um telejornal Talita Nogueira Lopes Maylta Brandão dos Anjos

Resumo Neste artigo realizamos algumas reflexões acerca de notícias socioambientais de um jornal de ampla veiculação nacional. O eixo condutor se deteve à pergunta: há nas reportagens uma contribuição para a divulgação científica? Analisamos, de forma breve, notícias veiculadas numa única exibição do Jornal Nacional, identificando o que seria pertinente à divulgação científica no contexto das matérias veiculadas, nesse dia, pelo referido telejornal. Dessa forma, concluise, ficou claro, a partir da análise, que as reportagens abrangem conceitos como o do meio ambiente, questões sociais, políticas, populacionais, étnicas e econômicas. A metodologia se baseou numa abordagem qualitativa de livre interpretação das matérias do JN em sua apresentação. Por fim, observamos que no jornalismo deveria haver maior comprometimento com a divulgação científica, ainda que a ciência não seja seu foco principal, contudo assuntos relacionados às diversas áreas científicas estão presentes em seus editoriais, fazendo com que este programa forme conceitos de ciência no cotidiano da sociedade, muitas vezes forma conceitos com lacunas científicas. Narrativas científicas se fazem necessárias para que se atualize a população, ainda que sejam breves e superficiais os conceitos transmitidos pelos telejornais em tão exíguo tempo, há que se corresponder à luz da ciência.

Palavras-chave: Jornalismo; Divulgação Científica; Educação.

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Introdução A educação formal e não formal tem um papel social importante para nossa sociedade, contudo o acesso ao conhecimento científico é bastante restrito para grande parte da população brasileira. A televisão é o meio de comunicação mais popular em nosso país e, através por meio dela, várias pautas que englobam a divulgação científica tomam proporção nacional e, recentemente, passaram a atrair o interesse dos telespectadores. Segundo Caldas (2004, p. 65-66), o interesse pela popularização do conhecimento cientifico agregado à inovação se torna estratégico para o desenvolvimento nacional e a melhoria da qualidade de vida, e vem se tornando assunto frequente nos telejornais brasileiros. Sob este prisma, o artigo busca fazer uma reflexão de um telejornal que grande parte da sociedade tem amplo acesso e o usa como fonte de informações científicas: O Jornal Nacional (JN), veiculado pela Rede Globo. Será analisado até que ponto o JN é uma ferramenta não formal de divulgação científica, os tipos de abordagens e os conceitos de um meio de comunicação jornalístico que comumente forma diversos tipos opiniões. Sabemos que a Rede Globo é uma empresa que faz parte do oligopólio da informação no Brasil, e não está isenta de exaltar notícias que atendam a seus interesses próprios para manter seu poder midiático. Por se tratar de um noticiário, o JN pode ter uma visão jornalística diferente e superficial da que o cientista possui. É possível verificar como a dominação do conhecimento acaba manuseando parte dos telespectadores, fazendo a pensar da maneira que o meio de comunicação deseja através de seus próprios interesses. (GRAMSCI, 1916 apud MORAES, 2010). Dentro de uma postura que busca entender a educação como um agente da transformação social, surge a necessidade de refletirmos os conceitos transmitidos pela TV e como o é discutido no âmbito acadêmico e escolar. De um modo mais amplo, a divulgação científica é responsável por promover a união do homem comum com as questões científicas que a ele foram apartadas ou tolhidas ao longo dos anos, para tal partimos do entendimento proposto por Zamboni de que: 145


A divulgação científica é entendida, de modo genérico, como uma atividade de difusão, dirigida para fora de seu contexto originário, de conhecimentos científicos produzidos e circulantes no interior de uma comunidade de limites restritos, mobilizando diferentes recursos, técnicas e processos para a veiculação das informações científicas e tecnológicas ao público em geral. (ZAMBONI, 1997, p. 20).

Sabendo ser a televisão o meio de comunicação de massa mais potente que atinge uma abrangente parcela da sociedade, e se faz dotada de formação de opinião e consciência, vemos seu papel real, e popular, na esteira da construção da divulgação científica. Entendemos que a divulgação científica possui um papel educacional, cívico e de mobilização popular, como afirma Albagli (1996). Esses três aspectos estão interligados e Albagli explica como a divulgação científica pode ter um papel cívico: “isto é, o desenvolvimento de uma opinião pública informada sobre os impactos do desenvolvimento científico e tecnológico sobre a sociedade, particularmente em áreas críticas do processo de tomada de decisões” (ALBAGLI, 1996, p. 397). Para tal, analisamos, de forma breve, um dia de veiculação de conceitos socioambientais que estão inseridos na pauta do JN. Utilizamos as perspectivas fundamentadas em Moraes (1981) e Christofoletti (1982). Dessa forma, foi possível avaliar as temáticas que estão sendo veiculadas no programa televisivo. Ficou claro, a partir da análise de uma apresentação inteira do JN, que as reportagens abrangem conceitos como o meio ambiente, questões sociais, políticas, populacionais, étnicas, econômicas, naturais etc. Assim, o conteúdo veiculado pela grande mídia mostrou uma lacuna na construção do pensamento crítico ao que se refere à divulgação científica. Avaliamos que as informações veiculadas pelo jornal deveriam ser fiéis à veracidade científica, somente assim seriam sérios como veículo da divulgação científica, para a construção de conhecimentos sólidos e críticos, criando um espaço para a reflexão da ciência, das questões socioambientais e políticas que perpassam o mundo da divulgação científica. Isso ocorre porque existe uma deficiência no jornalismo científico praticado no Brasil, no qual o jornalista não usa o princípio do contraditório e acaba confiando na palavra do cientista ou instituição sobre um determinado assunto científico, além de tratar o assunto de maneira sensacionalista e sem se perguntar a viabilidade e veracidade da afirmação do cientista. E aí cabe nossa pergunta sobre de que 146 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


maneira as reportagens produzidas reproduzem ou não os padrões positivos e negativos da prática do jornalismo científico no Brasil. Essa discussão também perpassa pela questão da democracia, sobre o alcance democrático do conteúdo veiculado e como esse viés de democracia se revela no cotidiano, principalmente escolar, como é nosso enfoque. Dessa forma, a partir das análises sobre reportagens, é possível verificar os aspectos da união dialogal do jornalismo, divulgação científica e democracia no cenário social, midiático e educacional. Enfim, Cabe, no curto espaço d nessa pesquisa reconhecer os processos dos meios de comunicação na atual a configuração do espaço e do tempo que podem ser facilmente citados em matérias jornalísticas. O estudo bibliográfico partiu de textos referenciais que permitiram aprofundar o debate e embasar nosso posicionamento científico e pedagógico acerca da questão abordada. A pesquisa que redundou no presente artigo, buscou analisar como o Jornal Nacional veicula as questões socioambientais e sua implicação para a divulgação cientifica. A metodologia se baseou numa abordagem qualitativa de livre interpretação em que avaliou o referido JN em uma apresentação. O estudo qualitativo nos serviu para mergulhar em suas reentrâncias e analisar um quadro sob os seus mais diferentes vieses. Optamos por um programa, para que a análise que se propõe se aprofunde nos temas trabalhados, tendo em questão que a linha editorial segue a uma racionalidade e intencionalidade prescrita. Para essa análise sobre como o JN veicula notícias que envolvem a ciência socioambiental servindo de instrumento para a divulgação científica, os procedimentos metodológicos foram divididos em duas etapas: a primeira etapa foi apresentada as aparições dos conteúdos em suas exibições na TV, observando as áreas de conhecimento abordadas, quais os assuntos mais recorrentes durantes esse período e as vertentes mais exploradas. O que se pode observar na edição recortada ao final desse artigo. A segunda etapa consistiu em refletir como essa ciência foi divulgada pelo telejornal no seu contexto social, como os conceitos foram conduzidos.

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O trabalho também pleiteou uma questão pedagógica que aparecerá de forma livre nas análises recorrentes ao programa. Dessa forma, estivemos atentos a aplicação dos conceitos socioambientais, bem como das áreas afins, para a compreensão de fenômenos naturais, de processos geo-históricos, da produção tecnológica, das manifestações culturais e artísticas. Por fim, metodologicamente, buscamos reconhecer a importância e o significado da temática socioambiental na veiculação do JN e das questões que podem tangenciar as suas implicações para a divulgação cientifica.

Referencial teórico Iniciamos a reflexão tendo as temáticas do jornalismo, divulgação científica, ciência e debate democrático num breve explanar sobre as questões da notícia. Assim, verificamos que o aumento da produção cientifica é de extrema importância para a nossa sociedade, desenvolve o lado econômico e social dos países e da sociedade, porém para que esse desenvolvimento científico se torne presente na realidade cotidiana da população se faz necessária a democratização do conhecimento. A ciência precisa ser divulgada para que seus objetivos, como a cidadania e a elevação do conhecimento humano sejam alcançados (BUENO, 1984). Existem meios de difusão da informação: a divulgação científica e o jornalismo cientifico. A difusão científica figura como um gênero que comporta as espécies ‘disseminação científica’ (difusão para os pares) e ‘divulgação científica’ (difusão para o público leigo). Nessa última, subdividida em ‘divulgação científica’ feita por especialistas e por nãoespecialistas, estaria localizado o ‘jornalismo científico’ (GOMES, 2002). Assim, fica claro que o jornalismo científico é uma forma de divulgação científica feita por não especialistas, O JN não se enquadra na categoria de jornalismo científico, pois a ciência não é seu foco principal, contudo assuntos relacionados a diversas áreas da ciência estão presentes em suas editorias, fazendo com que este programa seja um braço para a divulgação da ciência. A mídia, a televisão, soma no processo de acesso as informações científicas, o telejornal é o principal objeto para divulgar a ciência no dia a dia, conforme os acontecimentos vão ocorrendo no cotidiano de nossa sociedade, os grandes eventos se tornam públicos, e para muitos deles, se faz necessária uma explicação científica, 148 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


atualizando a população, mesmo que haja uma “superficialização” dos conceitos científicos. O jornalista não é o cientista, para a elaboração de telejornais existem prazos, dificuldades de pesquisa profundas, diálogos com especialistas sobre o assunto que é veiculado daquela realidade, naquele dia, e que deve ser transmitida de maneira fácil entendimento para a população o mundo cientifico. Essas questões tangenciam a vertente socioambiental no Jornal Nacional da Rede Globo, observando como a divulgação científica é vinculada. No que se refere ao JN como difusor de ciências, Gomes, Salcedo e Alencar (2009) fizeram uma análise de como a ciência é promovida pelo JNe quais são os principais apelos utilizados por ele. Mostram que todas as grandes áreas do conhecimento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Ciências exatas e da Terra, Ciências humanas, Engenharias, Ciências Agrárias, Ciências Biológica, Ciências da Saúde, Ciências Sociais e Linguística, Letras e Artes) foram citadas pelo programa em maior ou menor escala. Ressaltam como o jornalismo científico é feito e suas estratégias, quais os tipos de fontes, explicam porque certas pautas são mais recorrentes no editorial, e também apontam defeitos e incoerências apresentados pelo JN. Desse modo, reafirmam que a televisão participa na formação da identidade e é um importante instrumento para a mediação e interpretação da realidade. Outro aspecto que nos leva à reflexão são os livros de Bourdieu sobre a televisão, que falam sobre o poder de manipulação da mídia, seu papel político e democrático. Segundo Bourdieu “o que poderia ter se tornado um extraordinário instrumento de democracia direta se converteu em instrumento de opressão simbólica” (BOURDIEU apud NOGUEIRA, 1997, p. 13). Tendo esse referencial, podemos discutir sobre como a TV pode formar um senso comum, e se tornar uma ferramenta para induzir seus telespectadores, já que é uma das únicas fontes de informação para grande parcela social. Há uma proporção muito importante de pessoas que não leem nenhum jornal, que estão devotadas de corpo e alma à televisão como fonte única de informações. Some-se a isso o fato de que as mensagens transmitidas pela televisão são embaladas de forma atrativa, com imagens, cor e movimento. Esses atributos contribuem para tornálas simples, cotidianas, favorecendo a compreensão por parte dos telespectadores, qualquer que seja seu nível educacional e sociocultural (Ibidem, 1997, p. 23). 149


A televisão vive em busca de audiência e isso pode ser um choque quando se trata de ciência, pois corresse o risco da espetacularização do processo cientifico da manipulação de dados para que o conteúdo exibido se torne mais atrativo, e isso deve ser passível de um estudo. As notícias veiculadas pelo jornalismo, nos remete, novamente, à Bourdieu quando analisa que a televisão poderia agir na contramão de um discurso que mantém a lógica instituída pelo status quo. Assim, o autor nos diz que a TV “poderia ter se tornado um extraordinário instrumento de democracia direta se não se convertesse em instrumento de opressão simbólica” (Ibidem, p. 13). Continua o debate quando fala do “domínio dos instrumentos de produção” e da exibição narcísica que a televisão assume no momento atual. A televisão não se apresenta como um meio de comunicação livre e independente, o conteúdo veiculado apresenta vícios e nuances que mudam conforme o interesse econômico e político por trás de cada matéria. Exerce um papel manipulador dando manchetes a assuntos sem grande relevância e de fácil entendimento para seus telespectadores e por muitas vezes ocultando pautas importantes que deveriam ser noticiadas para a grande massa. Nesse sentido, para Bourdieu (1997) a TV oculta mostrando, ou seja, recorta de uma cena apenas uma leitura, escondendo o outro lado, assim torna parte o que deveria ser inteiro, e o que é importante, mostra de um jeito insignificante ou mesmo com outro sentido, emprestando a análise das cenas e situações o que ela quer, não o que de fato é. O jornalismo noticiado pela TV tem um cunho muito mais comercial do que cultural ou científico, e com essa metodologia adotada pela televisão acaba se perdendo a chance de ser uma fonte elucidadora de transmissão de conhecimento para a população, pois este tem maior interesse atrelado ao lado econômico e a audiência do que na transmissão de conhecimento idôneo. Acerca do campo jornalístico, Bourdieu (1997) o classifica como um espaço socialautoestruturado, composto por um processo de dominação – dominante e dominado, sujeitos as exigências de mercado, influenciando a produção cultural e com uma grande importância social, pois é a fonte de maior acesso de informação. O jornalismo se torna dependente de forças externas e isso pode trazer consequências graves, pois a TV dita quais notícias devem ter relevância mundial e o que deve ser omitido, ou até mesmo editado para seus interesses próprios. 150 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


A notícia veiculada, passa, dessa forma, não pelo crivo da isenção, mas pelo crivo das omissões e aparências estruturadas numa falsa verdade. É assim que se estrutura ideias e fenômenos distantes da ciência, da análise social como de fato ocorre e distante das complexidades que envolvem as notícias. Bourdieu (1997) ressalta que a informação atinge ao público de forma distorcida, incompleta, parcial, ocultando o que a ela pode ser ameaçador e colocando em evidência aquilo que somente quer mostrar para manter-se, economicamente, sem suas perdas e reinando no meio da notícia fácil e palatável, entretanto distorcida. Gramsci (2000) contribui para o debate acerca do jornalismo, ciência e divulgação mostrando como os meios de telecomunicações pertencem às classes dominantes e são esses grupos que possuem e decidem como e que tipo de conhecimento a população dominada deve adquirir através da mídia. Para o autor, informação e conhecimento se traduzem em poder, que são passíveis de mudança em uma estrutura social, quando o processo de conscientização e formação intelectual e educacional acontecem. No entanto, o que se vê na grande mídia é a transmissão de apenas o que é interessante para aqueles que dominam e mantêm o poder sobre as classes que não possuem outros meios de conhecimento e as tornam pessoas fáceis de observarem apenas um discurso e o consumirem como verdade. Portanto, segundo Fonseca (2001, p. 01), as notícias veiculadas pela grande mídia são capazes de “influenciar a opinião de inúmeras pessoas sobre temas específicos; participar das contendas políticas, em sentido lato (defesa ou veto de uma causa, por exemplo) e estrito (apoio a governos, partidos ou candidatos); e atuar como “aparelhos ideológicos” capazes de organizar interesses”. Tal afirmativa nos leva a pensar que ao contrário de se trabalhar uma opinião “neutra”, “independente”, os órgãos da mídia agem como “prestadores de serviços” ao capital. Isso nos remete ao conceito gramsciano de “aparelhos privados de hegemonia” Gramsci (2000), que observa que o Estado se “amplia” no âmbito de atuação dos agentes “privados” por uma dada hegemonia.

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Reflexões sobre a matéria A metodologia escolhida para esta pesquisa teve como condução a análise de pontos socioambientais de uma exibição do Jornal Nacional. Foi realizada a partir da observação e reflexão de um programa aleatório. Escolhemos essa aleatoriedade porque avaliamos que, qualquer dia que fosse temas que tangenciassem a divulgação científica estaria presente nas apresentações. Dentro desse dia, pinçamos as matérias que tinham maior correspondência com as questões que envolviam sociedade, ambiente e com os fenômenos ocasionados por esses temas. Assim, chegamos a uma livre interpretação, baseada no aporte teórico trabalhado nesse artigo, o que nos levou a pensar que divulgação científica ocorre no jornalismo veiculado pela grande imprensa. Primeira Seleção da Reportagem do Programa Veiculado no dia 09/01/2016

Título da reportagem: Seminovos superam modelos zero quilômetro na preferência nacional Lide da reportagem: “Em 2015, foram vendidos mais de 4 milhões de carros seminovos no Brasil. Carros seminovos são opção para economizar; veja a conta.” A reportagem Dois mil e quinze foi o ano do carro usado. Com a crise econômica, o modelo zero quilômetro perdeu a preferência nacional, mas não foi só o preço que conquistou o brasileiro. Renato esperou janeiro para comprar o carro zero: “Quando vira o ano, sempre aparece ne alguma oferta, alguma coisa”. Ele pensou certinho. Para esvaziar os estoques, as concessionárias estão fazendo uma espécie de “liquidação” de carros novos. O desconto pode chegar a R$ 10 mil. O Caio ainda deu o usado na troca: “A avaliação foi bastante justa e tem bastante modelo do carro aqui, acho que dá para escolher um que encaixar no orçamento”, conta Caio Antônio, autônomo. Nesse ritmo, a concessionária começou 2016 bem melhor do que terminou 2015, um ano que só não foi pior por causa da venda de usados. No ano passado, foram vendidos mais de 4 milhões de veículos seminovos no Brasil, segundo a associação nacional do setor. É mais de 1 milhão a mais que em 2014. “No ano passado teve muitas vendas com cliente com 152 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


o carro de valor mais alto, trocando por um seminovo de menor valor para pegar o dinheiro de volta”, explica Silvana Arruda Gomes, gerente de concessionária. Quem não faz questão do cheirinho de carro novo, economiza. Por exemplo: um modelo zero quilômetro custa R$ 48.990,00. O mesmo modelo com oito meses de uso é um seminovo de 2015. Por isso, o preço caiu pra R$ 43.990,00. São R$ 5 mil a menos. A economia é ainda maior, porque no caso dos seminovos o IPVA é da concessionaria. Pelo menos, a primeira parcela. Se fosse zero, pra pagar o imposto e ainda emplacar, o dono gastaria mais uns R$ 3 mil. Sabe em quanto tempo o carro foi vendido? Três dias! Alexandre está atrás de uma caminhonete para a oficina dele. “Eu deixo até o nome aqui, quando eles tiverem algum carro de baixa quilometragem, me ligam”, diz Alexandre Sales, empresário. Pode esperar o telefone tocar Luciano, porque novo ou usado, todo mundo está querendo fazer negócio. “A gente não perde venda. Até pelo o que a gente passou em 2015. Às vezes, em 2015, muita gente quis segurar uma lucratividade um pouquinho maior e acabou perdendo. Hoje, não perde por nada”, conta Rodrigo Gomes de Sousa, gerente.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem remete somente a um momento de crise econômica em que o volume de compra de carros novos está diminuindo a compra dos carros novos estão sendo diminuídas em detrimento dos carros usados, para tanto não faz nenhuma veiculação da importância de uma economia que se faria no campo ambiental, ou seja, menos carros nas ruas, menor emissão de poluentes. Ressalta para o ouvinte que se arma de uma visão crítica, a baixa consciência do uso de transportes coletivos, ou alternativos como a bicicleta. Observamos, assim, um histórico político geográfico em que o transporte está ligado a um modelo produtivista de consumo e não de economia de recursos naturais. A reportagem reproduz um modelo político e social que atende aos apelos da indústria e que coloca em xeque outras vertentes necessárias à preservação da natureza. Outro ponto que cabe reflexão é o modelo rodoviário implementado e incentivado pela política brasileira, desde o governo de Juscelino Kubitscheck, um descabimento, para um país com dimensões continentais, impulsionar seu sistema de transportes em um modelo rodoviário, passível às críticas, já que se torna retrogrado e pouco eficaz. 153


Outra explanação que fica implícito nessa matéria é a relação entre o empregador e o empregado da indústria. Se na matéria apresentam-se dados de uma queda abrupta da venda de carros novos, não se fala dos reflexos diretos causados por esse fenômeno, em nenhum momento menciona o trabalhador destas fábricas de carros que, com a queda de vendas, é um dos elos mais fracos a ser atingido. São milhões de postos de trabalhos que podem ser perdidos pela retração econômica e isso se torna ainda mais sério se a cidade onde essa fábrica de carros se instalou for a principal fonte de renda. Logo, um sistema que já era fadado a uma possível crise desde o seu momento de instalação deveria ter, do governo, uma previsão para possíveis danos à sociedade afora a tentativa de reverter essa situação. Parafraseando Bourdieu (1997), a informação que atinge ao público vem de forma parcial, ocultando o que a ela pode ser ameaçador. A questão socioambiental, as questões sociais, o desemprego, a crise econômica, o erro da escolha do sistema rodoviário, em nenhum momento aparecem, em plano nenhum, dessa reportagem. Pelo contrário, ela evidencia economicamente as perdas dos grandes empresários. Vemos, portanto, que se é evidenciado o que foi apresentado acima no pensamento de Bourdieu e Gramsci, principalmente, de que a televisão opera como aparelho privado de hegemonia. Tal sentido privado de acentuação dos interesses econômicos é expresso em matérias como essa, que se enfocam uma perda econômica sem dar, minimante, uma noção contextual dos maiores atingidos ou alguma explicação sobre a origem do problema, momento esse propício para a apresentação e diálogo com a geografia em sua face socioambiental. A reportagem reforça a força na ênfase dos interesses econômicos, o que canaliza para as consequências, sem se pensar origens, práticas e soluções, sem elucidar nenhuma questão ambiental e social na relação homem e ambiente, o que minimiza e não reverbera a divulgação científica em seus objetivos primeiros e últimos.

Título da reportagem: Desastre de Mariana (MG) faz dois meses e população espera soluções Lide da reportagem: “Moradores se queixam de prejuízos em suas atividades. A economia e os serviços essenciais estão ameaçados na região”. 154 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


A reportagem “O maior desastre ambiental do país completou dois meses esta semana. E os moradores de várias regiões atingidas pela lama da barragem da Samarco em Minas estão à espera de soluções. Além da economia, serviços essenciais estão ameaçados. O Rio Piranga tem a água um pouco marrom, mas é limpa. O sítio, às margens do rio, usa a água do Piranga para irrigar o viveiro de mudas de árvores frutíferas. “A lama não atingiu nós aqui porque nós estamos acima do Rio do Carmo, porque se a gente estivesse onde o pessoal está morando lá embaixo, teria sido muito afetado”, diz o encarregado de serviços Dalci Antônio da Silva. É que o Rio do Carmo, que fica do outro lado, trouxe a lama das barragens com tanta força que os rejeitos venceram a correnteza do Rio Piranga por vários metros. Os dois rios se encontram em um determinando ponto e é possível ver claramente a diferença na tonalidade. De um lado, a água mais turva, com rejeitos de mineração. Desse encontro, surge o Rio Doce, que segue o curso até o mar. Desse ponto em diante, muda a cor e a vida no rio. O gado tenta beber a água com lama de rejeitos de minério. Nelson extraia areia no rio. Imagens que ele fez mostram como era o lugar antes do rompimento. E veja na reportagem, logo depois que a lama chegou, levando tudo. Todo o equipamento de extração de areia se perdeu. “É muito prejuízo, né? Nós não recebemos benefício nenhum, de nada, até agora. Por enquanto está isso aí que vocês estão vendo. Os canos ‘tudo’ soterrado. Eles vêm, conversam, falam que vão resolver, alguém vai procurar e até hoje, nada”, afirma Nelson Coelho, empresário. Outro empresário, Ricardo de Freitas, também reclama de prejuízos. Ele diz que a extração de areia e de ouro no Rio Doce, com o uso de mergulhadores, era a única fonte de renda dele. “Nessa situação não tem como trabalhar devido à lama, cada vez descendo mais rejeito e eu não sei o que eu vou fazer para sobreviver e sustentar minha família”, diz.A usina de Candonga parou de gerar energia quando a lama chegou ao reservatório. Boa parte da arrecadação dos municípios de Rio Doce e de Santa Cruz do Escalvado vem da venda da energia produzida na região. “É um recuso vital para o funcionamento dos municípios. No caso de Rio Doce, a gente faz a utilização desses recursos para pagamento de combustível da área de saúde e da área de educação, transporte escolar, além de pagamento de bolsa de estudo, um programa municipal que a gente concede a todo estudante”, explica Silvério da Luz, prefeito de Rio Doce. O comerciante Simeão Rodrigues pescava há 14 anos no rio doce. Os peixes sumiram. “Dói no fundo do coração a gente falar, você vê que eu estou até engasgando. É difícil pra gente.”, diz ele. A Samarco declarou que oferece auxílio financeiro emergencial para pessoas que tiveram a sua fonte de renda comprometida e esclarece que vai tratar de indenizações mais à frente em processos separados.” 155


Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem inicia com o tema do desastre ambiental na cidade de Mariana (MG), trabalha um eixo sobre rios afluentes que foram afetados pelo derramamento de lama provocado pela empresa Samarco S/A. No início da reportagem é mostrado através de um mapa o curso do rio Ipiranga, e logo depois outro mapa que mostra por onde passa o Rio do Carmo, e mais a frente, um terceiro mapa que mostra onde esses rios se encontram dando origem ao Rio Doce. É uma boa maneira de elucidar para população em geral, que acredita que apenas o rio Doce foi atingido por essa negligencia ambiental, afirmam que mesmo o rio Ipiranga, estando contra a correnteza, o ritmo em que essa lama desceu foi tão forte que contaminou até mesmo o citado rio. Outro eixo apresentado foi à situação atual da população ribeirinha e como isso teve um forte impacto ambiental, social, econômico e de saúde pública, pois com a água contaminada, se contamina não só o solo, mas também os animais, os alimentos irrigados. A população se vê impedida de exercer suas atividades econômicas triviais, já que a grande parte dessas atividades estava ligada diretamente nos rios. Uma questão que não foi abordada em nenhum momento foi a de como será feita a limpeza do meio ambiente, apenas se falou em indenizações, esquemas monetários e judicias para tratar o problema, a reportagem em nenhum momento especula um possível plano da empresa que gerou o desastre, um projeto de despoluição da área afetada, como se apenas uma indenização fosse compensatória aa todo esse dano causado. O que vemos nessa matéria é um hiato sobre o que é central e mais importante a ser apresentado e a dinâmica da educação ambiental e sua promoção. Levamos em conta que a responsável veiculação na área midiática abre para uma absorção democrática, acreditamos que se pode atrelá-la a uma propagação também no ambiente educacional. Como nos salientam Kondrat e Maciel, a educação ambiental é um tema que vem ganhando força e precisa estar presente no ambiente educacional. A educação ambiental sustenta uma recente discussão sobre as questões ambientais e transformações de conhecimentos, valores e atitudes que devem ser seguidos diante da nova realidade a ser construída, constituindo uma importante dimensão que necessita ser incluída no processo educacional (KONDRAT; MACIEL, 2013, p. 826). 156 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Por isso, a notícia ao invés de promover uma aproximação públicociência age numa falsa aproximação, gerando engano quanto a todo processo que deveria ser seguido: jornalismo, ciência, aprofundamento socioambiental, divulgação científica e sua possível imbricação com a educação ambiental. Tema da reportagem: Amostras da água do mar em Abrolhos são coletadas para análise Lide da reportagem: “Material coletado junto ao arquipélago baiano será enviado ao RJ para análise que dirá se a lama da barragem da Samarco contaminou a região”. A reportagem “As autoridades ambientais já coletaram as amostras que vão confirmar se o arquipélago de Abrolhos, no litoral da Bahia, foi, ou não, atingido pela lama da barragem da Samarco. O material vai ser enviado para análise na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. A lancha do Instituto Chico Mendes, que administra o Parque Marinho de Abrolhos, voltou do arquipélago com 12 amostras coletadas em diferentes pontos do trajeto e no entorno das ilhas. O material foi levado para a sede do instituto em Caravelas, no sul da Bahia. Aparentemente, a água está limpa, não tem sinais de poluição. As amostras serão analisadas por uma equipe de especialistas da UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro. É o mesmo grupo que analisou o material coletado na foz do Rio Doce, quando a lama da barragem da Samarco chegou ao mar. Os pesquisadores vão fazer uma comparação para saber se as amostras da Bahia têm a mesma composição química das que foram colhidas no Espírito Santo.O resultado deve sair em 15 dias. A preocupação começou na quinta-feira (7) quando o Ibama disse ter visto manchas na região de Abrolhos que poderiam ser da lama que se espalhou pelo litoral do Espírito Santo. O parque marinho tem a maior biodiversidade do Atlântico Sul, é rico em corais e peixes, além de ser área de reprodução das baleias jubarte.O secretário do Meio Ambiente de Caravelas quer um monitoramento rigoroso das condições da água. “Vai ser necessário monitorar, mesmo que a lama não chegue hoje – chegue amanhã ou no ano que vem. A gente sabe que vai ser um efeito crônico”, diz Fábio Negrão. Quem tira o sustento da água e dos manguezais, como Anderson, que vive da pesca do siri, está apreensivo.“Meu medo é não ter a nossa profissão, no caso aqui do siri. Nós não vamos poder pegar mais, porque ele vai sumir”, diz o pescador Anderson Cajueiro. 157


Reflexões suscitadas sobre a reportagem A matéria começa com uma dúvida de que se o arquipélago de Abrolhos (BA) foi ou não atingido pela lama decorrente do desastre ambiental de Mariana. Para fundamentar tal questionamento são mostradas imagens comparativas das águas de Abrolhos antes do ocorrido e após, com águas mais turvas. O que a reportagem não explica para a população é que a foz do Rio Doce deságua no litoral norte do Espírito Santo, realmente próximo ao estado da Bahia, porém existem as chamadas correntes marítimas, que são grandes massas de água que circulam pelos oceanos e são regidas pelo vento e o movimento de rotação. A corrente do Brasil se desloca no sentido norte-sul, e para que a água contaminada do litoral do Espírito Santo chegasse ao litoral de Abrolhos seria necessário um movimento da água marítima de sul para norte, devido ao posicionamento geográfico dos estados. Figura 01 – Correntes Marítimas

Segundo a presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Marilene Ramos, “a mancha que vinha se espraiando na direção sul ao longo do litoral do Espírito Santo, nos últimos dois dias, em função de um vento sul muito forte, também se espraiou para o litoral norte”. Nessa fala cabe a dúvida gerada, mas nada ainda foi apurado cientificamente, apenas em fotos e imagens de uma água turva, o que já causa uma grande apreensão entre a população ribeirinha, de que seu território e sustento seja impactado pelo desastre, se desdobrando em impactos socioeconômicos. 158 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Título da reportagem: Pior seca dos últimos 50 anos no Nordeste mobiliza profetas do sertão Lide reportagem: “Açude do Cedro está com apenas 0,52% da capacidade. Profetas se reuniram pra compartilhar as previsões” A reportagem “A pior seca dos últimos 50 anos no Nordeste está mobilizando os profetas do sertão. Até esses brasileiros, que sabem como ninguém interpretar os sinais que vêm da terra, estão quebrando a cabeça para prever o fim da estiagem. A água chegava aos degraus. Mas, depois de quatro anos seguidos de seca, o Açude do Cedro, um dos mais antigos do Ceará, está com apenas 0,52% da capacidade. Para quem tem visto tanta seca, um dia nublado, pode até dar esperança. Mas quem realmente trabalha com a terra busca outros sinais pra ter certeza de que vai ter um bom período de chuva. E tudo tem uma lógica: se o passarinho faz o ninho um pouco mais alto na árvore, quer dizer que a terra vai encharcar, então vai ter boa chuva. Se o ninho estiver mais baixo é o contrário. É desse jeito que os profetas do sertão fazem sua previsão do tempo todos os anos. Josimar analisou cada detalhe das árvores pra saber se o tempo de chuva, chamado de inverno na região e que costuma acontecer no começo do ano, está mesmo próximo. “Essa florzinha está começando agora, aí se demorou, com certeza é sinal que o inverno também demora”, ensina. Neste sábado (9) os profetas se reuniram pra compartilhar as previsões, cada um à sua maneira: ranhuras que apareceram no caule da Ibiratanha animaram Seu Renato. “Ela está dando sinal que vai haver grande abundância de chuva”, diz. Dona Lurdinha botou pedrinhas de sal num tabuleiro com os meses do ano. “Quando o inverno vai ser bom, desmancha todas. Fiquei muito alegre porque as pedrinhas molharam quase todas”, diz ela. Certeza mesmo é que, faça chuva ou faça sol, ninguém vai deixar a terra de onde se tira até a previsão do tempo. “A gente faz que nem o finado Luiz Gonzaga: ‘enquanto minha vaquinha tiver o couro e o osso, e puder com o chocalho pendurado no pescoço, só deixo meu Cariri no último pau de arara’. Nós somos sertanejos, não pode desistir”, diz Josimar.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem une dois aspectos: o climático e o cultural. A população sem acesso às discussões e ao debate que envolve conceitos que envolvem a ciência acaba por mistificar teorias que justifique ou afague consequências do tipo de clima do local em que vivem e a falta de políticas públicas para tentar diminuir esta problemática. 159


Sabemos que o tipo climático que encontramos no sertão nordestino é o clima semiárido e um dos maiores influenciadores da seca é o planalto da Borborema. A chuva é decorrente do ciclo hidrológico, que consiste na evaporação da água do litoral, o processo de condensação que transforma em nuvens, essas que circulam pela nossa atmosfera através do vento. Sendo que na região nordeste existe uma barreira física que impede parte das nuvens carregadas de umidade a chegarem ao sertão nordestino, essa barreira física é o Planalto da Borborema, devido a sua altura, grande parte das nuvens fica retida de um lado, enquanto o outro lado, o sertão, algumas nuvens ultrapassam, e dai a chuva se torna escassa. Figura 02 – Representação do Planalto

Fonte: http://geoprotagonista.blogspot.com.br/2014/03/a-acao-do-planalto-daborborema-no.html

No entanto, o que poderia ser uma ótima oportunidade de se juntar uma explanação científica com a cultura popular, se apega apenas ao popular. Deixando a ciência de lado. A questão da falta de água não é meramente um problema geográfico e sim uma falta de politicas públicas. Com o conhecimento cientifico é possível o planejamento para que a população não sofra com a seca, se o clima é seco devemos criar maneiras para nos adaptar e não é o que o governo vem fazendo, vide a reportagem que mostra como o sertanejo ainda sofre com um fenômeno natural, previsível, porém nada é feito para amenizar um problema anunciado. Essa reportagem apresenta, portanto, o mesmo problema estrutural mencionado na última notícia comentada. Não há uma explicação científica para os fenômenos geográficos e atmosféricos, muito menos uma articulação sobre como tal problemática ambiental afeta – e é afetada – pelo vácuo de políticas públicas na área e na região, principalmente. 160 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Tema da reportagem: Trinta mil pneus velhos são amontoados no autódromo de Brasília Lide reportagem: “Bombeiros dizem que a cada 15 dias jogam veneno e que não há focos do Aedes aegypti. Dez mil pneus já foram levados para a reciclagem” A reportagem “Nessa época de chuvas, tem que redobrar os cuidados com o mosquito Aedes aegypti. Mas o JN encontrou 30 mil pneus velhos amontoados num autódromo e acumulando água parada em Brasília. Eles eram usados para proteção, mas agora o local passa por reformas. Os bombeiros dizem que a cada 15 dias jogam veneno e que não há focos do mosquito transmissor da dengue, febre chikungunya e do zika vírus. Dez mil pneus já foram levados para a reciclagem. E o trabalho de retirada vai ser intensificado agora, por causa do período de chuvas.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem Existem três eixos dentro dessa matéria: o de saúde pública, o climático, e o ambiental. Conforme vemos na reportagem ficam algumas perguntas, por que tantos pneus amontoados? Como isso é permitido? O Brasil enfrenta os problemas relacionados ao mosquito Aedes Aegypti de seu processo de colonização e não vemos nenhuma política pública séria para tentarmos diminuir o efeito das doenças transmitidas por esse mosquito. Muito pelo contrário, mostra a falta de interesse e preocupação com o problema. Vivemos em um país tropical, na zona intertropical, que fica próximo a linha do equador, portanto durante o verão temos muita incidência dos raios solares, o que aumenta a quantidade de água evaporada, logo, aumentando o nível das chuvas. Portanto, no verão chove muito mais, mesmo tendo essa convicção pneus são deixados em nosso meio, que se tornam locais propícios ao crescimento desses mosquitos. A questão ambiental também pode ser avaliada, pois em nenhum momento da matéria se fala porque a prefeitura deixou a chegar a esse estágio e como será feita esse tipo de reciclagem.

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Título da Reportagem: México anuncia que vai extraditar traficante El Chapo para os EUA Lide da reportagem: “El Chapo foi levado para presídio de Altiplano, de onde fugiu por um túnel. Prisão do traficante marcou o fim de uma caçada de seis meses” A reportagem “O México anunciou na noite deste sábado (9) que vai iniciar o processo de extradição para os Estados Unidos de um dos principais traficantes do mundo: o mexicano El Chapo. Pra surpresa geral, El Chapo foi levado para o presídio de Altiplano, o mesmo de onde fugiu no ano passado por um túnel com luz e ventilação. Nesta sexta-feira (8), o traficante mais poderoso do mundo teve de encarar as câmeras, na cena que marcou o fim de uma caçada de seis meses. El Chapo foi preso com armas pesadas em Sinaloa, onde fundou o cartel que distribuía drogas para os Estados Unidos e para a Europa. Há um mês, as forças de segurança começaram a monitorar a casa onde ele foi encontrado. Durante a invasão, cinco traficantes morreram na troca de tiros. Mas El Chapo fugiu pela rede de esgoto, roubou um carro e só foi capturado na estrada. Enquanto esperavam reforço, os militares trancaram o traficante num motel. Duas pistas levaram a El Chapo: os investigadores seguiram os passos de um especialista em construção de túneis e também descobriram que El Chapo queria gravar um filme sobre a própria história. Ele chegou a entrar em contato com atores e produtores, o que acabou ajudando a localizar o criminoso. A Procuradoria do México informou que vai iniciar o processo de extradição de El Chapo para os Estados Unidos, onde ele é acusado de homicídio e tráfico de drogas. Enquanto isso, já se discute quem será o novo chefe do cartel de Sinaloa. Um historiador diz que sempre vai ter um sucessor, enquanto existir um comércio rentável de substâncias proibidas.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem aborda uma questão judicial da prisão de um narcotraficante mexicano, porém deixa implícito o âmbito das relações internacionais entre os dois países protagonistas, o México e os Estados Unidos da América (EUA). Esses dois países junto com o Canadá, são signatários de um bloco econômico chamado: Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (INGLÊS: North American Free Trade Agreement ou NAFTA). Este tratado estabelece a queda de barreiras comerciais 162 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


entre esses países, meramente isso, diminuição tarifas alfandegárias, livre circulação de produtos, redução das fronteiras em uma questão unicamente comercial. Em nenhum momento deste acordo cita-se a livre circulação de pessoas ou serviços, como ocorre na União Européia (EU), muito pelo contrário, frisa-se que é um acordo comercial, o que a reportagem não explica é porque os EUA, que possuem uma notória política de deportação de cidadãos mexicanos que adentram sua fronteira ilegalmente, agora estão empenhados em prender um detento que cometeu um crime em solo mexicano, e que esse mesmo, seja levado para uma prisão nos EUA. Se o crime acontece com um cidadão mexicano, em solo mexicano, fica o questionamento. Desde o processo de expansão territorial dos EUA, que o México é visto como uma área a ser dominada, seja por apropriação de seu território, ou seja, por influência econômica. Os EUA possuem uma doutrina antidrogas severa desde o governo Richard Nixon 1971, com sua política de “guerra às drogas” em que colocou a todos usuários e vendedores na ilegalidade. A lógica do combate contra narcóticos seria aplicar as leis do país dentro do país. Se é proibido a venda do produto, que o Estado arque com a repressão dentro de seus território e fronteiras seguindo suas regras preestabelecidas. O que acontece é que essa guerra não está sendo combatida apenas em solo estadunidense, ela extrapola os limites territoriais, se impõe como lei em outros países e não se mostra eficaz. O próprio EUA não consegue barrar a entrada de drogas em suas fronteiras e acaba por tentar diminuir e intervindo na soberania de diversos países, impondo suas regras e suas leis em outros países, como nesse caso, o México. A própria reportagem mostra que mesmo com a prisão de “El Chapo” em solo estadunidense, não seria o fim de seu cartel, simplesmente uma outra pessoa ficaria em seu lugar como mandante da organização.

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Título da matéria: Aumento em passagens gera protesto em São Paulo e outras capitais Lide da matéria: “Passagens estão R$ 0,30 mais caras em São Paulo. Oito ônibus foram depredados na sexta-feira (8) e vão passar por perícia” A reportagem “As passagens de ônibus, trem e metrô ficaram mais caras na maior cidade do país. O aumento gerou protestos nesta sexta-feira (8) em São Paulo e em outras capitais, que também tiveram reajuste. Os oito ônibus depredados na sexta estão fora de circulação. Dois deles foram trazidos pra delegacia, onde vão passar por uma perícia. Três agências bancárias também tiveram as vidraças arrebentadas nos confrontos que começaram durante o protesto contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo. Manifestantes bloquearam ruas, e a polícia usou bombas de gás para liberar o trânsito. Um grupo jogou pedras e bombas caseiras contra os policiais. Mascarados partiram então pra destruição de carros da companhia de engenharia de tráfego, agências bancárias e ônibus. Três policiais militares e um manifestante ficaram feridos nos confrontos. Ao todo, 17 pessoas foram trazidas pra delegacia, mas quase todas foram liberadas logo depois. Na tarde deste sábado (9) apenas um homem continuava detido porque a polícia encontrou na mochila uma bomba incendiária caseira. No início da noite, ele foi liberado por uma decisão da Justiça. No Rio, o tumulto foi no fim da manifestação. Homens mascarados jogaram pedras nos PMs que faziam patrulhamento na Central do Brasil. Os policiais usaram bombas de efeito moral. Um grupo parou um ônibus e obrigou os passageiros a descer. A PM usou cavalos para dispersar o bando. Os confrontos terminaram com dois policiais feridos e três pessoas detidas. Duas foram liberadas logo depois. A terceira, pega em flagrante saqueando, foi levada para a delegacia e continua presa.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem acima mostra o caos que se tornou o transporte público em escala nacional, já que são citados dois movimentos sociais relacionados ao tema, nas duas maiores cidades do Brasil. No texto, aparecem as reivindicações da sociedade contra o aumento da passagem e os embates gerados entre manifestantes e o Estado. O que não é abordado é o que leva aos grandes empresários, que possuem licenças públicas para a prestação deste serviço, serem permitidos a permissão para aumentarem os valores da passagem em um montante exorbitante. 164 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Não foi especificado quais foram os motivos que levaram ao aumento das tarifas e não foi explicitado o porque a população se revoltou contra o aumento. Seria uma questão meramente monetária ou uma questão da qualidade do serviço? O sistema viário brasileiro se baseia no transporte rodoviário, o que já é um erro estrutural, assim, concessões públicas no setor de transporte para grandes empresários, só deixa o trabalhador mais refém deste sistema. Outro ponto a ser refletido é a criminalização de movimentos sociais, a população tem o direito de se manifestar quando seus interesses são diretamente atingidos, nesse caso, o direito de ir e vir é um deles. Mas a reportagem tende a dar maior ênfase à depredações e conflitos, do que ao ponto central da discórdia. O que levou o povo as ruas? Quais os direitos básicos que o cidadão comum será impedido de realizar, caso esse aumento seja aprovado? O jornalista apenas incrimina, utilizando termos como “mascarados” e mostra como a polícia pode ser repressiva quando existe um movimento contra os interesses dos grandes empresários e de conjuração de acordo com o Estado.

Título reportagem: Medo de atentados muda hábitos dos italianos Lide reportagem: “Depois dos ataques de Paris, dois terços italianos, principalmente romanos, mudaram os seus hábitos” A reportagem “Uma pesquisa mostra que o medo de atentados terroristas está mudando o comportamento dos italianos. A reportagem é da correspondente em Roma, Ilze Scamparini. Conhecida pela sua beleza e também pela segurança, hoje Roma é uma capital bastante mudada. Uma pesquisa do Centro de Estudos e Investimentos Sociais da Itália, revelou que o terrorismo aqui amedronta mais do que se imaginava. Depois dos ataques de Paris, dois terços dos 60 milhões de italianos, principalmente romanos, mudaram os seus hábitos: 73% não viajam mais para o exterior e 52,7% não vão mais ao cinema. Mais de 30% deixaram de pegar o metrô. Os que mais temem um atentado são as mulheres de 35 a 44 anos. As magnificas praças italianas se esvaziaram. A maioria da população pede a criação de uma força europeia que possa combater os terroristas: 24% dos italianos querem o fechamento das fronteiras. Cresce também a desconfiança em relação aos estrangeiros. O percentual dos que acreditam que a imigração 165


seja um problema, subiu de 12% pra 31%. Os números do Censis também informam que mais da metade dos italianos agora evita os monumentos e lugares de grande aglomeração como o Vaticano, que há um mês reuniu milhares de fiéis para a cerimônia do jubileu da misericórdia e do perdão. A pesquisa também confirmou que diminuiu o público em na praça São Pedro por causa da ameaça de atentados: 30% a menos que o ano passado.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem Para refletir sobre a matéria acima é necessário que se entenda o conceito do que é terrorismo de fato, para tanto, é citado uma declaração das Nações Unidas do que seria esta ação: Atos criminosos pretendidos ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, num grupo de pessoas ou em indivíduos para fins políticos são injustificáveis em qualquer circunstância, independentemente das considerações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou de qualquer outra natureza que possam ser invocadas para justificá-los. Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional (Resolução 49/60 da Assembleia Geral, § 3).

A cidade de Paris na França sofreu atentados terroristas no final do ano de 2015, que foram motivados em retaliações pela participação do país europeu na coalizão contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. Contudo, o que não fica claro é porque este receio tão grande dos cidadãos italianos. O que poderia ser explicado para os telespectadores é que assim com a França, a Itália é uma aliada dos EUA, principal oponente ao estado islâmico, portanto poderia receber retaliações devido ao seu apoio às atividades estadunidenses em território sírio e iraquiano. A reportagem apresenta dados estatísticos sobre como os italianos estão se comportando após o ataque ao país vizinho e como parte da população pretende acabar com a esfera de medo instaurado. Diminuindo a circulação de pessoas pelas cidades e tentando coibir a entrada de estrangeiros em solo italiano, propagando a xenofobia e não revendo o tipo de política internacional que o país de fato está propagando e incentivando pelo mundo afora.

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Tema da reportagem: Merkel pede mais rigor com refugiado que cometer crime na Alemanha Lide reportagem: “Pedido da chanceler é resposta ao ataque a mais de cem mulheres na cidade de Colônia, na virada do ano. Refugiados teriam cometido o crime”. A reportagem “A primeira ministra da Alemanha defendeu regras mais severas para a permanência no país de refugiados que cometerem crimes. É uma resposta ao ataque a mais de cem mulheres na cidade de Colônia, na virada do ano. Os crimes teriam sido cometidos por refugiados”. (Declaração sobre Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional - Resolução 49/60 da Assembleia Geral, § 3). Angela Merkel disse que os que afrontaram as mulheres devem sentir o peso da lei. Em Colônia, simpatizantes de um movimento anti-islâmico de extrema direita organizaram um protesto na área da Catedral, onde os ataques aconteceram. Houve confrontos com a polícia. Cerca de 120 mulheres relataram que foram roubadas, agredidas e até estupradas durante a festa de réveillon. A maioria dos suspeitos identificados é de imigrantes do norte da África e Oriente Médio. No ano passado, a Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A reportagem começa discorrendo a respeito de um ataque contra mulheres na cidade de colônia na Alemanha. Durante a fala da chanceler alemã, pede a ONU uma punição mais severa para refugiados que cometam crimes. A Alemanha vem se tornando foco de notícias, pois durante esses últimos anos houve um intenso fluxo migratório de refugiados para solo alemão, tanto do norte da África como de países árabes. Em ambos os casos essas migrações foram subsequentes aos conflitos políticos, armados ou sociais. A Alemanha aderiu uma política de receber e dar abrigo a esses refugiados, antes marginalizados. Porém após esse episódio, alguns deles estão sendo acusados de participarem desses ataques fica claro na fala de Angela Merkel que apenas refugiados que cometerem crimes devem ser punidos. Apenas os que cometeram crime, para que não haja uma generalização e que aumente os casos de xenofobia no país. É um recado para a população alemã e mundial. Vide que a extrema direita, que as raízes do pensamento conservador caminham a passos largos, não só em solo alemão, mas por todo mundo. 167


Título reportagem: Muçulmana é expulsa de comício de Donald Trump Lide reportagem: “Durante um comício do pré-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, uma muçulmana foi expulsa” A reportagem “Uma muçulmana foi expulsa de um comício do pré-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump tinha sugerido que os refugiados sírios são ligados aos terroristas do grupo Estado Islâmico. Um homem protestou e foi retirado da plateia. A mulher vestia uma camiseta que dizia: “venho em paz”. Em seguida, a mulher saiu escoltada por policiais, enquanto era vaiada e hostilizada por eleitores. Em dezembro, Trump pediu a proibição temporária da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos.”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem Essa matéria trata, mais uma vez, do caso de xenofobia contra muçulmanos, porém nos EUA. O até então candidato à presidência estadunidense, Donald Trump, é um opositor à entrada de estrangeiros nos EUA, devido a convicções políticas de que estrangeiros tirariam direitos de cidadãos natos. No caso da reportagem, dois manifestantes foram retirados de um comício por apoiar o povo árabe, mas o que não fica claro na reportagem é o porque dos muçulmanos serem tão hostilizados, e que podem vir a ser proibidos de pisar em solo estadunidense. Com um conhecimento prévio mínimo, suponha se que seja pelos ataques do Estado Islâmico, e que esse futuro presidente, generalize como que todos os árabes sejam possíveis terroristas. A edição apenas mostra o conflito na convenção, mas deixa de lado aspectos históricos e geopolíticos que fundamentam a guerra entre os Estado Unidos e o Estado Islâmico, como as guerras no Afeganistão, Iraque, Síria e até mesmo a criação do Estado de Israel. Para o entendimento do telespectador seria necessário apresentar os dois lados da história, as ações e interferências que os EUA fizeram em todo o Oriente Médio e o processo de retaliação de grupos mulçumanos independentes contra a política dos EUA.

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Título da reportagem: Soldados de Israel matam dois palestinos acusados ataques Lide da reportagem: “Os dois palestinos mortos por soldados de Israel foram acusados de tentar ataca-los com facas num posto de controle na Cisjordânia” A reportagem “Soldados de Israel mataram, hoje, dois palestinos acusados de tentar atacá-los com facas. O ataque foi num posto de controle na Cisjordânia e os militares não ficaram feridos. Hoje, milhares de pessoas participaram do funeral de quatro palestinos mortos a tiros por Israel, supostamente por tentar esfaquear militares. A atual onda de violência na Terra Santa começou em outubro, por causa do aumento de visitas de judeus à esplanada das mesquitas, em Jerusalém. O local é sagrado para muçulmanos e judeus. Desde então, ataques de palestinos com faca, armas de fogo e atropelamentos deliberados mataram 21 israelenses. Entre os palestinos, 139 morreram, a maioria apontada por Israel como agressores. ”

Reflexões suscitadas sobre a reportagem A referida matéria trata de um conflito antigo, o árabe israelense. Uma disputa que mistura território e fé, que já dura há séculos e que após a criação do Estado de Israel, vide apoio militar dos EUA e ONU, ocupou espaço que antes se encontrava a Palestina. Existem duas nações que pleiteiam um mesmo espaço, uma nação rica apoiada pelo exército e armamento dos EUA e outra nação sem território e subjugada como inferior, a Palestina. Na reportagem, parte-se do princípio que o telespectador já saiba de todo esse conflito e que os Palestinos estão em uma luta árdua para retomar seu território. Ela apenas menciona que a polícia israelense já matou 139 palestinos, enquanto Palestinos mataram 21 israelenses. Isso mostra a desigualdade do embate. Israel com o território e o apoio do exército americano, justifica morte de palestinos, por ataques da outra e não por conflitos culturais e territoriais, o que gera maior revolta e concomitantemente mais conflitos futuros.

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Considerações finais As reportagens, brevemente analisadas, versam sobre temáticas variadas, que vão de questões socioambientais e espaciais e que dialogam com a geografia, conflitos políticos, ideológicos, territoriais e indentitários. Mesmo se tratando de uma gama muito extensa de temas, a linha analítica que seguimos foi a forma foi tratada, sobretudo no que tangencia à divulgação científica. É notório, como foram apresentadas nos comentários reflexivos sobre o papel de cada matéria, que em todas houve uma lacuna no que se refere a um compromisso sociocientifico e conceitual com seus telespectadores, tratando-os como se todos já fossem sabedores de todo o contexto histórico, cenário político social e ambiental. Sabendo ser a TV, e seus respectivos jornais, um dos únicos meios que grande parte dos telespectadores usam para informação geral e formação científica e cidadã, podemos falar sobre uma “negligência” científica que o telejornal operacionaliza com quem o assiste e o usa como meio de propagação (in)formativa. Bourdieu (1997) nos remete ao espaço social e as exigências de mercado do jornalismo que influencia a produção cultural. Tal fato pode trazer consequências graves, pois a TV dita quais notícias devem ter relevância mundial. Como vimos, a notícia veiculada, passa, dessa forma, não pelo crivo da isenção, mas pelo crivo das omissões e aparências estruturadas nas intencionalidades de apenas alguns. Dessa forma, a informação atinge ao público de forma distorcida, incompleta e parcial. Vimos em Gramsci (2000) a contribuição para o debate acerca do jornalismo e divulgação, em que a informação e conhecimento se traduzem em poder. Assim, o que se vê na grande mídia é a formação de “aparelhos privados de hegemonia” que ampliam a atuação dos agentes “privados” no Estado. Tendo por base essa lógica, o artigo realizou reflexões acerca de notícias de um telejornal de ampla veiculação nacional. Ao identificar o que seria pertinente à divulgação científica no contexto das matérias veiculadas, nesse dia, pelo referido telejornal, ficou claro que as reportagens caminham por um discurso midiático que possuem lacunas e conceitos controversos e que agem como cortina de fumaça para o melhor aprendizado. 170 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


A metodologia baseada na abordagem qualitativa nos permitiu, na livre interpretação das matérias do JN, mergulhar nas intenções e analisar um quadro sob os seus mais diferentes vieses. Por fim, observamos que no jornalismo deveria haver maior comprometimento com a divulgação científica, ainda que a ciência não seja seu foco principal, contudo assuntos relacionados às diversas áreas da ciência estão presentes em seus editoriais, fazendo com que este formato de programa forme conceitos de ciência no cotidiano da sociedade. Narrativas científicas se fazem necessárias para que se atualize a população, ainda que sejam breves e superficiais os conceitos científicos transmitidos pelos telejornais em tão exíguo tempo há que se corresponder à luz da ciência. Os conceitos não podem frisar aquém do que nele é científico. As mensagens transmitidas devem ir além da sua forma atrativa, com imagens, cor e movimento. Devem ser responsabilizadas e corresponderem a uma isenta verdade. E isso não prescinde a narrativa da simplicidade que favorece a compreensão por parte dos telespectadores.

Referências bibliográficas BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão: seguido de A influência do jornalismo e Os Jogos Olímpicos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1997. BRASIL, Ministério da Educação – MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica – SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília, MEC/SEMTEC, 2006. VlIII. BUENO, W. da C. Jornalismo científico no Brasil: os compromissos de uma prática dependente. São Paulo: USP. Tese de Doutorado. 1984. CALDAS, Graça. O poder da divulgação cientifica na formação da opinião pública. In: MORAES DE SOUZA, Cidoval. (Org.). Comunicação, ciência e sociedade. Londrina, v. 15, no esp, p. 31-42, 2010. CHRISTOFOLETTI, Antonio. As perspectivas dos estudos geográficos. In: Perspectivas da geografia. São Paulo: Difel, 1982. FONSECA, Francisco. Mídia, poder e democracia: teoria e práxis dos meios de comunicação. Revista Brasileira de Ciência Política, no 6, p. 41-69, 2011. GOMES, Isaltina M. A. M.; HOLZBACH, A. D. A Identidade da Ciência nas revistas semanais de informação: uma construção discursiva. Relatório de Pesquisa UFPE/PIBIC. Universidade Federal de Pernambuco: Recife, 2002. GOMES, Isaltina Maria de Azevedo Mello; SALCEDO, Diego Andres; ALENCAR, Larissa Barros. O Jornal Nacional e a Ciência . In: Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 1, no 20, p. 15-33, janeiro/, 2009.

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GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 5 vols., 2000. GRAMSCI, Antônio. Os jornais e os operários. Marxists Internet Arquive, 2005. NOGUEIRA, Silvia. Sobre a televisão - seguido de a influência do jornalismo e os jogos olímpicos. Mana, Rio de Janeiro, v. 5, no 1, p. 160-163, abril 1999. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131999000100009&lng=en&nrm=iso MORAES, Antonio C. R. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC, 1981. MORAES, Denis. Comunicação, hegemonia e contra-hegemonia: a contribuição teórica de Gramsci. In: Revista Debates, Porto Alegre, v. 4, no 1, p. 54-77, jan.-jun. 2010. MOREIRA, Joao Carlos. Geografia Geral e do Brasil. Espaço geográfico e Globalização. Editora Scipione, 2010. Disponível em http://www.revista.vestibular. uerj.br/questao/questao-discursiva.php?seq_questao=1738 ZAMBONI, Lilian. Heterogeneidade e Subjetividade no discurso da divulgação científica. Tese de Doutorado: Unicamp, 1997. Imagem corrente marítima - http://www.revista.vestibular.uerj.br/questao/questaodiscursiva.php?seq_questao=1738 Link IBAMA - http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2016/01/mancha-de-lamada-samarco-pode-ter-avancado-para-abrolhos Link Jornal Nacional: edicoes/2016/01/09.html

09/01/2016

http://g1.globo.com/jornal-nacional/

Link ONU: https://nacoesunidas.org/acao/terrorismo/

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A experimentação didática em livros de ciências para os anos iniciais Raquel Angélica Andrade Corrêa de Albuquerque Maria Cristina do Amaral Moreira

Resumo O presente estudo procurou entender como a experimentação didática é apresentada no livro didático de ciências para os anos iniciais. Nesse estudo incluímos tanto uma revisão de literatura como a análise da experimentação didática da coleção Porta Aberta de ciências do 4° ano para o ensino fundamental. Trata-se de pesquisa qualitativa na qual foi utilizada a análise de conteúdo de Bardin. Os resultados apontaram que há na literatura uma discussão aprofundada sobre experimentação para os anos iniciais, compreendendo uma variedade de problematizações e de conteúdos da ciência. Entretanto, a análise mostrou que as atividades experimentais são pouco exploradas no livro de ciências para esse ano escolar, sendo somente sugeridas quatro vezes ao longo das unidades. Outro aspecto relevante é o formato das atividades experimentais que na sua maioria contém uma abordagem ilustrativa, praticamente sem a participação do aluno nas questões a investigar, nas etapas a realizar assim como nos questionamentos que poderiam ser suscitados.

Palavras-chave: Livro didático, experimentação didática, anos iniciais, ensino de ciências.

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Contextualização e problematização Esta pesquisa teve inspiração em vivências e observações da prática docente voltada para a educação básica e da preocupação em entender o lugar das atividades experimentais no ensino de ciências, sobretudo nos anos iniciais. A experimentação para os alunos dos anos iniciais, no contexto do ensino de ciências, constitui um importante aspecto a ser considerado na aprendizagem do conhecimento científico, em detrimento aos outros segmentos da educação básica (FRISON; VIANNA, 2016). O livro didático (LD) está presente no dia a dia da sala de aula, e constitui dentre os materiais da prática pedagógica um dos mais utilizados pelos professores e alunos, e em muitos casos o único material disponível para obtenção de informações. No ensino de ciências, as atividades experimentais têm sido incentivadas como forma de melhores resultados na aprendizagem e, além disso, são encontradas em LD desde os primeiros anos do ensino básico. Outro aspecto a respeito dessas atividades é a forma como vêm sendo sugeridas nos materiais didáticos, o que pode ou não contribuir para a sua realização uma vez que muitas delas não correspondem à cognição nessa faixa etária. Por configurar-se como um importante objeto pedagógico voltado para o ensino-aprendizagem (MACEDO, 2004), o LD se destaca pela sua função cultural e educacional, aspectos indispensáveis à inserção dos alunos na sociedade (OLIVEIRA, 2007). Segundo Oliveira (2007) as pesquisas sobre o LD, no ensino fundamental, corroboram para o entendimento desse objeto como o principal representante do currículo nas últimas décadas. Além disso, Selles e Ferreira (2004) entendem que o LD não apenas traz conteúdos, mas também formas de ensinar esse conteúdo. Por essa razão, pesquisadores sugerem que na formação inicial, o LD seja problematizado com os professores na relação com questões pedagógicas do ensino de ciências (GÜLLICH; PANSERA-DE-ARAÚJO, 2013). Nesse sentido, Marandino, Selles e Ferreira (2009) afirmam que a atividade experimental que ocorre nas escolas, resulta de processos de transformação de conteúdo e de procedimentos científicos para atender as finalidades de ensino, guardando semelhanças com o contexto científico, no que se traduz na experimentação didática. (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). 174 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Pesquisas em ensino de ciências têm discutido a construção de uma visão crítica de professores e alunos para com a qualidade dos LD, bem como seus limites e possibilidades (EMMEL e ARAÚJO, 2012). Nesse sentido, entendemos que o LD de ciências para os anos iniciais, ao mesmo tempo em que pode auxiliar, pode levar professores e alunos aos obstáculos de aprendizagem, expressos na: linguagem inadequada, qualidade das propostas de atividades experimentais, adequação das atividades à faixa etária, e no material necessário, entre outros. Pensando nos anos iniciais, parece bastante favorável um ensino de ciências que articule diversos saberes interdisciplinarmente, incluindo disciplinas correlatas tal qual a física, a química e a biologia desde os primeiros anos, para formar um aluno capaz de refletir, tomar decisões sobre questões da sua vida, orientado por tais saberes. Portanto, direcionando nosso olhar para os LD de ciências dos anos iniciais, mais especificamente para as atividades experimentais propostas por eles, nossa intenção foi a de analisar os livros mais utilizados para o 4º ano do ensino fundamental a nível nacional. O presente artigo apresenta os resultados parciais de um estudo maior que visa analisar as atividades experimentais em outros LD e anos letivos. Esse estudo que apresentamos é um piloto tanto pela revisão de literatura realizada como na elaboração de um referencial teórico-metodológico de forma a responder a questão de pesquisa. A pergunta de pesquisa que procuramos responder nesse estudo é a seguinte: Como têm sido apresentadas as atividades experimentais no LD de ciências mais utilizado e aprovado pelo PNLD 2016 para os anos iniciais, sobretudo, para o 4º ano do ensino fundamental? Para alcançar a resposta, iniciamos esclarecendo a expressão atividade experimental a partir da sua polissemia1 na área de ensino, quer dizer, a mesma expressão ou palavra pode incluir mais do que uma interpretação. Portanto, entendemos por experimentação a prática pedagógica do ensino de ciências que aproxima os alunos do trabalho científico e na qual são mobilizados conhecimentos teóricos e práticos.

1  Para Bakhtin (1995) o tema depende da significação e vice-versa, não como simples reflexo do outro, as “mesmas palavras” significam diferentemente, ou seja, elas ganham vida a partir de apreciações sociais valorativas criadas no processo enunciativo, que apontam para diferentes aspectos históricos, nem sempre sinalizados linguisticamente, mas convocados na enunciação.

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Um panorama das pesquisas sobre atividades experimentais no ensino de ciências para os anos iniciais A proposta da revisão de literatura do estudo se deu por dois motivos, a necessidade que tínhamos de entender o que já vinha sendo pesquisado sobre a experimentação didática para os anos iniciais e, a própria polissemia do termo experimentação tradada nos artigos e trabalhos por diversas denominações. O resultado da revisão de literatura nos possibilitou compreender o estado das pesquisas voltadas ao nosso objeto de estudo, assim como, as diversas palavras e termos que se referem a essa ideia de experimentação didática para o ensino de ciências. A revisão de literatura incluiu duas buscas diferenciadas. A primeira a partir das atas do encontro de grande impacto na área de ensino de ciências, o Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), promovido pela Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC). E a segunda busca teve como alvo as pesquisas mais consolidadas, ou seja, as dos periódicos acadêmicos tanto na grande área de ensino como na da educação. Essa segunda busca foi realizada em revistas Qualis estratos A1, A2, B1 e B2, por intermédio da versão eletrônica de acesso livre da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Em ambas as revisões, fizemos o recorte de busca referente ao período de 2005 a 2015. A seleção de palavras para a busca obedeceu, num primeiro momento, um grupo de termos ou expressões, tais como: séries/anos iniciais e/ou ensino fundamental seguida de outro grupo de palavras tais como atividade(s) experimenta(is), atividade(s) prática(s), laboratório e prática(s) experimenta(is). Verificamos esses termos, inicialmente, no título, no resumo e nas palavras-chave. Posteriormente, buscamos por esses termos nos itens da metodologia e das considerações finais dos trabalhos/artigos. Após a identificação dos trabalhos procedemos à leitura dos mesmos de forma a entender as principais abordagens buscando a interface entre os selecionados do Enpec com os das revistas Qualis Capes. O Quadro 1 a seguir esclarece o total de trabalhos e artigos encontrados por intermédios das buscas.

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Quadro 1 Trabalhos/artigos encontrados Revisão

Total encontrado

ENPEC

16

Revistas área ensino e educação

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Uma primeira constatação inferida desse resultado diz respeito à pequena quantidade de trabalhos encontrados, mas que também informa a sua presença e diversidade de problematizações e de conteúdos. Dentre as problematizações, uns focaram nas atividades experimentais como estratégias e recursos de ensino; outros nas concepções de experimentação, de professor e de aluno; outros ainda sugerindo a interseção de subáreas de pesquisa do ensino de ciências (História e Filosofia das Ciências, aprendizagem significativa; formação de professores) (BIAGINI; GONÇALVES, 2015; FREIRAS; OLIVEIRA, 2015; PHILIPPSEN; MELO, 2015; VIDAL; FILHO; CASARIEGO, 2013; CHAVES; MOURA, 2011). Alguns deles tinham como metodologia de pesquisa a revisão de literatura, mas nenhuma dessas revisões se referia especificamente aos anos iniciais e sim, ao ensino fundamental, não sendo possível a identificação do ano ou da série. (DAHER; MACHADO; GARCIA, 2015; RODRIGUES; WESENDONK; TERRAZZAN, 2013; SILVA et al, 2013). Os principais conteúdos curriculares discutidos nos trabalhos/ artigos encontrados foram o ar, a água, tensão superficial, transformações químicas entre outros, e em geral, buscavam aprofundar dificuldades do aluno em compreender os conteúdos mencionados e a importância de relacionar as atividades experimentais ao ensino (SILVA et al, 2011; IRIAS et al, 2007; LIBANORE et al, 2005). Nos trabalhos sobre a História e Filosofia das Ciências, os autores buscaram indicar a trajetória das teorias científicas ao longo das décadas e do papel da experimentação (demonstrativa, ilustrativa, empírica, investigativa etc.), para historicizar as atividades experimentais realizadas em sala de aula atualmente. (PHILIPPSEN; MELO, 2015; CHAVES; MOURA 2011). Dois trabalhos sinalizaram um ensino de ciências focado na reprodução de práticas já superadas nas aulas ou no LD (GÜLLICH; SILVA, 2011; OLIVEIRA; VIVIANI, 2011). 177


Outros trabalhos privilegiaram os aspectos mais voltados à escolha, avaliação, ao papel das mesmas atividades experimentais etc. no processo educacional (GUSMÃO; GOLDBACH, 2013, AGOSTINI; DELIZOICOV, 2009). Há aqueles que discutiram o papel do professor em estimular uma perspectiva investigativa durante as atividades experimentais nas aulas de ciências para os anos iniciais, apresentando as atividades experimentais como fundamentais para o aluno compreender o mundo a partir de hipóteses e conhecimentos prévios. (ZÔMERO; PASSOS; CARVALHO 2012; SALOMÃO; AMARAL; ARAÚJO, 2014; MARQUES et al, 2015). Nessa linha, um trabalho/artigo analisava a atuação do professor quando ensina ciências em sala de aula sobre a natureza da ciência e as atividades experimentais. (BENEDIT; RAMOS, 2013). De modo geral, os pesquisadores incluem uma crítica em relação às atividades experimentais demonstrativas e ilustrativas com o objetivo de comprovação e reprodução da teoria científica, que muitas vezes levam a desmotivação dos alunos e até mesmo a dificuldade em entender o que está sendo ensinado. Para esses autores as atividades experimentais do tipo demonstrativa e ilustrativa não são mais adequadas para o ensino de ciências; mas sim aquelas que levam os alunos ao questionamento, investigação, elaboração de hipóteses, e construção do conhecimento (GUSMÃO; GOLDBACH, 2013, AGOSTINI; DELIZOICOV, 2009). Morli e Curvelo (2013) apontam que além da reduzida quantidade de atividades experimentais, a maioria delas exige dos estudantes não mais do que a montagem dos instrumentos não as integrando ao ensino. Os vinte e seis trabalhos/artigos encontrados possibilitaram entender as principais problemáticas voltadas ao ensino por atividades experimentais no fundamental e anos iniciais. Mas entendemos que a interface entre as atividades experimentais, os anos iniciais e o LD precisa ser ampliada tanto no aspecto da formação como do entendimento do que alunos aprendem quando fazem atividades experimentais sugeridas por ele. Porém, consideramos que ter encontrado dois trabalhos na última edição do Enpec relacionados especificamente ao LD dos anos iniciais e a discussão de atividades experimentais pode representar um caminho já traçado por outras pesquisas na direção da nossa investigação.

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Fundamentação teórica A fundamentação teórica do estudo se organizou a partir de dois principais aspectos. O primeiro deles diz respeito à discussão do que se entende por experimentação no âmbito do ensino de ciências e, o segundo refere-se às atividades experimentais no ensino de ciências para os anos iniciais. A experimentação didática e o ensino de ciências

Nesse item pretendemos explicitar a escolha pelo termo "atividades experimentais", buscando no referencial teórico as justificativas e definições. São muitas as formas de se referir as atividades experimentais, além das tipificações das mesmas, o que resulta numa alta polissemia. Por essas razões, percebemos a necessidade de escolher uma trajetória entre tantas possíveis para delimitar as análises. Um primeiro aspecto diz respeito a como documentos oficiais entendem as atividades experimentais. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998) de Ciências entendem que: (...) é fundamental que as atividades práticas tenham garantido o espaço de reflexão, desenvolvimento e construção de ideias, ao lado de conhecimentos de procedimentos e atitudes. Como nos demais modos de busca de informações, sua interpretação e proposição são dependentes do referencial teórico previamente conhecido pelo professor e que está em processo de construção pelo aluno. Portanto, também durante a experimentação, a problematização é essencial para que os estudantes sejam guiados em suas observações (BRASIL, 1998, p. 122).

O enunciado acima reconhece a importância de se adotar atividades experimentais (denominada atividades práticas) no ensino de ciências, buscando um diálogo que articule a teoria, prática e o desenvolvimento e construção de ideias dos alunos. No entanto, a expressão ‘atividades práticas’ parece ser um conceito mais abrangente do que o entendido para as atividades experimentais que nos propomos a investigar nesta pesquisa. Nesse sentido, entendemos que as atividades experimentais podem estar incluídas como um subgrupo das atividades práticas. Portanto, não nos interessa no contexto dessa pesquisa outras atividades, mesmo que tão relevantes quanto às atividades experimentais, mas que fogem ao escopo desse estudo, 179


tais como jogos, elaborações de modelos, júri simulado, pesquisas bibliográficas, confecções de cartazes, trabalhos em grupos, filmes, visitas programadas, exposições, atividades essas também presentes no LD de ciências para os anos iniciais. Além disso, nos parece importante à ênfase dada por esse documento oficial à participação ativa do aluno, tanto na problematização, quanto nas ações sobre os materiais e procedimentos, como também na discussão dos resultados dessas ações. No que diz respeito à conceituação e tipificação das atividades experimentais identificamos abordagens trazidas por diferentes autores. Campos (1999), por exemplo, considera que uma forma de realizar essas atividades, muito comum nas escolas, é pela demonstração prática, experimento ilustrativo e descritivo. Segundo o autor, esse tipo de atividade experimental se dá sem que os alunos tenham ampla oportunidade de intervir na atividade. Mostra-se análoga a um evento de entretenimento, não oportunizando questionamentos e nem estimulando a investigação (CAMPOS, 1999). Rosito (2008) tipifica a maioria das atividades experimentais realizadas como demonstrativas, voltadas à busca de verdades estabelecidas, não permitindo a construção nem a visualização do conhecimento como todo, apenas a reprodução do conhecimento. Essa autora ainda classifica essas atividades como: (i) dedutivista, ou seja, atividades orientadas por hipóteses derivadas de uma teoria e nas quais o conhecimento é ensinado através da observação e a experimentação guiada por pressupostos teóricos; (ii) empírico-indutivista, aquelas nas quais o conhecimento é gerado através da observação, usando sempre o método científico e por fim; (iii) o que ela chama de experimentação construtivista, que considera o conhecimento prévio dos alunos, e na qual o conhecimento pode ser construído ou reconstruído, sempre com diálogo e discussões levando o aluno as ações e reflexões do experimento. Hodson (1988) utiliza a expressão trabalho prático, considerando que essa atividade deve exigir do aluno uma postura mais ativa do que passiva, na qual seja solicitada a construção, registro, manipulação, observação e pesquisa por parte do discente. Para esse autor a atividade pode se dar ou não em espaços como laboratório. Esse autor também considera que muitos trabalhos em laboratórios escolares e na sala de aula servem apenas para “demonstrar um fenômeno”, ilustrar uma teoria ou mesmo testar uma hipótese. 180 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Um aspecto que converge com as questões apontadas por Hodson (1998), para entender o que alunos realizam quando estão envolvidos em atividades experimentais, foi também apresentado na pesquisa de Millar, Le Maréchal e Tiberghien (1999) intitulada Mapping the domainvarieties of practical work. Nessa pesquisa, os autores entendem que é fundamental que as atividades de laboratório (na escola), aqui entendidas como experimentais, apresentem uma ponte entre as concepções de laboratório e os objetivos de aprendizagem. Quer dizer, que a natureza da proposta de uma atividade experimental deve ajudar o aluno a estabelecer ligações entre o domínio dos objetos, coisas observáveis, e o domínio das ideias. Quer dizer, quando alunos realizam atividades experimentais eles manuseiam materiais (vidraria, pinças, lamparinas e muitos outros), procedimentos laboratoriais e conceituais (elaboração de hipóteses, escolha de variáveis, uso de controle, observação de evidências empíricas, entre outros) e, esse conjunto pode ser chamado de atividades experimentais ou experimentos. Os pesquisadores, citados anteriormente, criaram um sistema de classificação das atividades desenvolvidas em laboratórios escolares para a análise do grau de efetividade das mesmas. Essa classificação contribuiu, nessa pesquisa, nas categorias do quadro teórico-metodológico da análise do LD do 4º ano. No Quadro 2 estão representados os passos lógicos envolvidos no processo de planejamento e avaliação de uma atividade de experimentação. Quadro 2 Critérios para a análise das atividades experimentais Atividades experimentais

Planejar (escolha de variáveis, uso do controle).

Ações esperadas

Identificar padrões, regularidades no comportamento dos objetos ou eventos observados. Observar. Levantar hipóteses como base para a montagem dos experimentos.

Papel do conhecimento prévio

Os alunos usam suas ideias, modificandoas ou ampliando-as. Direciona a construção do experimento. Ajuda a entender o experimento pela evidência empírica. 181


O tempo dado para tarefa. O tipo de interação. Contexto da atividade

Informação dada: quadros, tabelas, imagens e desenhos. Aparatos envolvidos na atividade. Níveis de abertura/fechamento da atividade.

Importância dos registros

Ajudar a aprender o conteúdo e o processo das Ciências. Ajudar a aprender como escrever um registro científico. Lembrar a tarefa realizada.

Fonte: realizado pelas autoras

Marandino, Selles e Ferreira (2009) fazem um histórico do ensino de Ciências apresentando abordagens diferenciadas para cada dos momentos históricos, desde os pressupostos da escola nova (centrando a aprendizagem no aluno), passando pela experimentação pela redescoberta (método científico), experimentação como conflito cognitivo, até a discussão da experimentação como atividade didática no cotidiano escolar sob a perspectiva de cultura escolar. Essas autoras consideram que embora as atividades experimentais no ambiente escolar se fundamentem em características do experimento científico, isso não significa que essas sejam simplesmente a reprodução do trabalho científico nas aulas de ciências. Chamam atenção para o fato de que é importante destacar que as atividades experimentais se inserem no âmbito da didática do ensino, agregando elementos da experimentação da ciência referência, mas fundamentalmente todas elas são recontextualizadas no ambiente escolar. Marandino, Selles e Ferreira (2009) asseveram ainda que o uso das atividades experimentais, para o ensino de ciências, não tem como objetivo levar aos alunos a se tornarem cientistas. As atividades experimentais para os anos iniciais

Como já dito, o ensino de ciências se faz necessário desde os primeiros anos de escolarização. No entanto, cada nível escolar tem suas demandas de acordo com o desenvolvimento cognitivo dos alunos. O aluno dos anos iniciais ainda está desenvolvendo certas habilidades e competências e, portanto, o fundamental nesse segmento é que o ensino permita que ele se reconheça como individuo parte integrante de uma sociedade na qual possa refletir e interferir. 182 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


No ensino de ciências, encontramos propostas que defendem os estudos de conceitos científicos para os anos iniciais de escolaridade. Diversos pesquisadores descreveram a importância do ensino de ciências para crianças como forma de contribuição de seu aprendizado escolar e formação e desenvolvimento da subjetividade, além da formação cidadã, compreensão da cultura e sociedade (MEGIT NETO; FRAZALANZA, 1986; LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001). Para Marin e Terrazzan (1997) a escola é um espaço no qual os alunos têm acesso à linguagem científica e seus conteúdos e iniciam o contato com uma maneira peculiar de pensar, tendo assim uma oportunidade de desenvolver novas formas de raciocínio e conhecimento. Por conseguinte, é fundamental que desde cedo os alunos tenham contato com o pensamento científico. As crianças dão sentido ao que aprendem e os novos saberes podem ser apropriados por elas, observando o modo como expressam por escrito o processo de aprender. Juntamente com o processo de letramento nos anos iniciais, ao aprenderem conhecimentos de diversas áreas, as crianças estarão também aprendendo linguagens sociais e novas formas de estruturação dos saberes, novos significados e vocabulários em um processo gradativo (GOULART, 2011). O ideal é que o ensino possa contribuir para o questionamento do que o aluno costuma vivenciar, para a ampliação das explicações acerca dos fenômenos da natureza, para a compreensão e valoração dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos, para a compreensão dos recursos tecnológicos que realizam essas mediações, para a reflexão sobre questões éticas implícitas nas relações entre Ciência, Sociedade e Tecnologia. (BRASIL,1997). Nesse sentido, as atividades experimentais podem possibilitar a melhoria no ensino de ciências para os anos iniciais, não só numa ruptura com as metodologias tradicionais que se baseiam em memorização de conteúdos, mas também como uma estratégia para o desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). Lima e Maués (2006) informam que o pensamento e a palavra nas crianças estão circunstanciados aos conceitos cotidianos, os do senso comum. Para chegar ao conhecimento científico essa faixa etária necessita adequar a discussão de conceitos e fenômenos das ciências (Física, Química e Biologia) ao cotidiano, sobretudo pelo uso de materiais lúdicos e atividades experimentais, por exemplo. 183


O papel do professor (a) é o de ensinar para além dos conceitos cotidianos, de mediar o processo que vai abrindo caminho para os conceitos científicos. As crianças nessa fase da vida falam com desenvoltura sobre o que pensam, sem medo ou vergonha de errar. Estão mais desarmadas para ouvir explicações diferentes das delas, ainda que não as compreendam ou concordem totalmente. O ensino de ciências nos anos iniciais tem um papel importante no desenvolvimento, desde que oportunize as crianças expressar seus modos de pensar, de questionar e de explicar o mundo (LIMA; MAUÉS, 2006). Complementando, Carvalho et al (1998) entendem que nos anos iniciais as crianças apresentam concepções espontâneas sobre os diferentes conceitos científicos, o que permite a construção dos primeiros significados baseados num processo essencialmente construtivista. Mas, não há necessidade da precisão e da sistematização do conhecimento em níveis da rigorosidade, já que essas crianças evoluirão de modo a reconstruir seus conceitos e significados sobre os fenômenos estudados. O fundamental no processo é a criança estar em contato com a ciência, não remetendo essa tarefa aos níveis escolares mais adiantados (ROSA et al. 2007). Para discutir o ensino de ciências e a experimentação nos anos iniciais Colinvaux (2004) o faz por intermédio da psicologia infantil de dois clássicos estudos piagetianos sobre o aparecimento, de condutas experimentais e, o processo de descoberta; e ressalta a importância do desenvolvimento na criança da habilidade do pensar, e do pensar bem. Estudos sobre atividades experimentais nesta faixa etária mostraram que desde cedo, à semelhança dos cientistas, crianças interrogam a realidade, e desta forma constroem seus conhecimentos. Além disso, tais processos cognitivos se originam e desenvolvem a partir de uma interação com a realidade. Nesta direção, a ideia das atividades experimentais nesse segmento sugere um fértil caminho para introduzir as ciências para as crianças (COLINVAUX, 2004). Além disso, essas atividades podem estimular as crianças na produção de novos termos assim como no envolvimento em um ensino de ciências voltado a uma perspectiva mais processual. Nesse sentido, as atividades de cunho experimental são privilegiadas, possibilitando que os alunos realizem ações como observar, manipular materiais, seres vivos e modelos, realizar experimentos, manifestar seus conhecimentos através de descrições orais e desenhos, formular hipóteses e estabelecer relações entre conceitos e situações de seu cotidiano (SALOMÃO; MACHADO, 2012). 184 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Soares e Salomão (2015) consideram que além da construção de conteúdos conceituais, o ensino de ciências deve ser projetado para o desenvolvimento de conteúdos processuais. O ensino por experimentação pode proporcionar o envolvimento de atividades em grupo, momento em que os alunos têm a oportunidade de compartilhar ideias, refinar vocabulário e de cooperar entre si, posturas científicas que podem ser formadas com pouca idade. Logo observar, classificar, descrever, definir e levantar hipóteses configuram habilidades que podem ser praticadas e aprimoradas por meio dessas atividades.

Metodologia do estudo A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, e responde a uma pergunta muito particular (MYNAYO, 2010), tendo em vista que o objeto de estudo em questão é o de entender as atividades experimentais do LD para o 4º ano dos anos iniciais. Para Minayo (2001, p. 21) a pesquisa qualitativa volta-se para o “universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, das atitudes”. Portanto, o fenômeno social ao qual nos debruçamos diz respeito a uma faceta da realidade social do ensino de ciências. No caso dessa pesquisa para analisar as atividades experimentais dos LD recorremos à metodologia da análise do conteúdo (AC). Além disso, no que tange ao (s) texto (s) a ser (em) analisados Bardin (2011, p.123) entende que, quando fazemos a análise do conteúdo não há necessidade de um material muito extenso, como na seguinte citação “nem todo o material de análise é susceptível de dar lugar a uma amostragem, e, nesse caso, mais vale abstermo-nos e reduzir o próprio universo (e, portanto, o alcance da análise) se este for demasiado importante”. Para Bauer e Gaskell (2002) a relevância da pesquisa qualitativa está nas variedades de representações do mundo vivencial. Essas podem vir expressas nas explicações, estereótipos, crenças, identidades, ideologias, discurso, cosmovisões, hábitos e práticas, ligadas a um meio social. Esses autores entendem por unidades de registro aquelas partes que representam elementos que respondem à pergunta de pesquisa nos documentos analisados. Informam que na elaboração das categorias de análise, os critérios devem ser exclusivos e auto excludentes para tornar 185


os resultados mais coerentes. Também sinalizam que as categorias devem ser construídas, levando em consideração a orientação teórica e os objetivos da pesquisa. Bardin (2011) e Bauer e Gaskell (2002) indicam que uma categoria de análise deve suscitar além da exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade e fidelidade e a produtividade. Para fins da análise de conteúdo propriamente dita utilizaremos Bardin (2011) que contribui na incorporação da questão do significado e da intencionalidade como “dependente aos atos, às relações e suporte sociais, tanto no seu advento quanto em suas transformações como construções humanas com significados” (BARDIN, 2011, p 17).São três as principais fases da pesquisa: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. A primeira fase da AC é a pré-análise que objetiva a sistematização dos dados para realizar as próximas operações de análise. A primeira fase é a escolha dos documentos submetidos à análise, a formulação de hipóteses, ou seja, a fase na qual o material é organizado, compondo o corpus da pesquisa. (BARDIN, 2011). No momento da exploração do material, codificamos os dados, processo pelo qual esses são transformados sistematicamente e agregados em unidades. O processo de codificação dos dados restringe-se a escolha de unidades de registro, ou seja, é o recorte que se dará na pesquisa. Para Bardin (2011) uma unidade de registro significa uma unidade a ser codificada, podendo ser um tema, uma palavra, uma frase, ou uma sessão do livro como é o caso do estudo. Na interpretação dos dados, retornamos ao referencial teórico e a revisão de literatura, procurando embasar as análises dando sentido à interpretação. Uma vez que, as interpretações foram pautadas em inferências que buscam as representações dos enunciados. Constituiu-se como corpus da pesquisa as atividades experimentais presentes na coleção didática Porta Aberta, de ciências naturais para o 4° ano do ensino fundamental, distribuída para alunos da rede pública de todo o país, cujas autoras são Ângela Gil e Sueli Fanizzi. Essa escolha baseou-se na busca realizada no site do Ministério da Educação e Cultura (MEC) e no do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) nos quais foi possível obter a informação de que essa foi a coleção didática mais adotada na rede pública de ensino do Brasil nos PNLD de 2013 e 2016. No que diz respeito à autoria identificamos que as autoras não têm formação específica na área das Ciências Naturais. Uma delas é 186 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


licenciada em letras e atua por vários anos, como professora de língua portuguesa e de ciências nos anos iniciais. A outra, com mestrado em educação e licenciada em pedagogia, é professora dos anos iniciais atuando há vários anos nesse segmento, com experiência em assessoria pedagógica para o 2º ao 5º ano do ensino fundamental e, atuando ainda como colaboradora de programas para a TV Escola (MEC) autorando artigos publicados nos Cadernos da TV Escola (MEC). No Quadro 3 a seguir apresentamos as unidades do livro do 4º ano e seus títulos, configurando as temáticas abordadas em cada uma delas: Quadro 3 Os títulos das unidades dos LD 4º ano Porta Aberta Unidade 1

2 3 4 5 6 7 8 9

4º ano

Alimentação

Composição e propriedades da água Cuidados com o solo

As características da atmosfera terrestre Classificação dos vertebrados e invertebrados Funções vitais das plantas

Corpo humano: regulação, reprodução e manutenção da saúde Tratamento do lixo

Investigando o passado

Fonte: realizado pelas autoras

As nove unidades têm uma estabilidade de apresentação. Ao início de cada uma, é colocada uma imagem relacionada com o cotidiano do aluno acompanhada de uma pergunta voltada para o conteúdo foco da unidade. De certa forma, esse formato parece corresponder a uma perspectiva que busca os conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto a ser tratado na unidade. Identificamos no decorrer das nove unidades muitas perguntas interpretativas, valorização de trabalhos em equipe, relação entre os conteúdos conceituais, procedimentais e uma tentativa de inclusão de abordagens tais como da Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) na 187


unidade 3 do LD do 4° ano (GIL; FANIZZI, 2013, p. 38). Além disso, há uma diversidade textual (desenhos, histórias em quadrinhos e curiosidades), solicitação de leituras, interpretação de imagens, apresentados numa linguagem simples. Todo esse conjunto escrito com um tamanho de letra adequado ao público infantil. A coleção didática compreende quatorze seções temáticas distribuídas pelas unidades, são elas: 1- descobrindo palavras; 2glossário; 3-sua vez; 4- em dupla; 5-em grupo; 6- mãos à obra; 7- fique sabendo; 8- para se divertir; 9- ler para recordar e saber mais; 10- ler para saber mais; 11-dica de saúde;12- avanços da ciência; 13-investigando e experimentando; 14- recordando ideias. Nesse sentido, como unidade de registro selecionou-se a seção investigando e experimentando (IE) pelo seu o perfil de atividade experimental, por constituir atividade correlata à realizada pela ciência de referência. Essa seção tem como característica apresentar atividades experimentais relacionadas ao conteúdo da unidade. Apresenta-se sempre separada do texto principal em caixa de boxe, o que configura uma sessão específica com destaque no texto. As demais atividades (atividade em dupla, pesquisas em revistas ou em jornais, trabalho de campo etc.) não apresentavam características do que seja uma atividade experimental tal como apontamos. Análise das unidades de registro IE

O referencial teórico e a revisão de literatura possibilitaram a elaboração das seguintes categorias; o tema, o formato do experimento, natureza do envolvimento do aluno e as imagens.

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Categorias Tema

Formato

Natureza do envolvimento

Quadro 4 Categorias de análise

Explicação

Os assuntos relacionados às atividades experimentais (nos títulos dos capítulos, no texto principal do capítulo e nos títulos das atividades experimentais).

O passo a passo de cada uma das atividades experimentais.

Atividade experimental ilustrativa (AEI): Interpretações, ilustrações, relações. Instruções, comunicar resultados por registro específico. Determinação experimental de propriedades e comprovação de leis ou relações entre variáveis. Atividade experimental práticas (AEP): os níveis intelectuais como: observar e interpretar, classificar, controlar variáveis, planejar experimentos. Busca aprendizagem de procedimentos. Têm caráter especialmente orientado. - Práticas: medir, manipular, entre outras.

Procede de uma hipótese ou aprendizagem a partir do estudo teórico para interpretar um fenômeno / Os alunos são direcionados pelas ideias: as operações com objetos são realizadas para explorar algumas ideias conhecidas anteriormente . Os alunos nem sempre são guiados pelas ideias, em certas ocasiões o foco está na observação de material empírico. Procede do contexto da vida cotidiana. Compreensão procedimental da ciência; participação no planejamento e realização da investigação.

Imagens

A presença e a natureza da imagem. Fotografia, desenho. Função da imagem.

Fonte: Adaptada de Caamaño (2010) e de Millar, Le Maréchal e Tiberghien (1999).

Resultados e discussão

A seguir descrevemos a seção temática do LD, IE de forma a entender como essas atividades vêm sendo sugeridas para o ensino de ciências do 4º ano. Como já dissemos, o livro analisado contem nove unidades distribuídas em aproximadamente uma a duas páginas, sendo que o livro todo apresenta 160 páginas. Nesse total de espaço encontramos apenas quatro atividades experimentais, nas seguintes unidades 2, 4, 6 e 9.

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Unidades

Quadro 5 Unidades do livro e IE do 4º ano no I

IE

Cadê a água que estava aqui?

Página

Unidade 4

II

Descobrindo as propriedades do ar.

56 e 57

Unidade 6

III

Planta também transpira.

94 e 95

Unidade 9

IV

Imitação de fóssil.

Unidade 2

32

149

Fonte: realizado pelas autoras

Em duas unidades as atividades experimentais estavam localizadas logo após a explicação do conteúdo no corpo texto, e por isso elas aparecem com a função de introduzir um determinado conceito (atividade I e III). Em geral, as IE têm formato parecido, apresentando, o material a ser usado na atividade, um passo a passo, e ao final são incluídas questões a serem respondidas no caderno ou oralmente pelo aluno ao professor. Passaremos a análise de cada uma das atividades individualmente. A IE I (GIL; FANIZZI, 2013, p.32) está inserida na unidade que tem como tema a mudança de estado da água, e volta-se especificamente a evaporação da água. A atividade experimental tem como título uma pergunta (Cadê a água que estava aqui?). Embaixo do título do experimento é descrito separadamente o material a ser usado na IE. São pedidos quatro materiais todos eles sem especificação da quantidade. Depois do material solicitado o texto segue para o procedimento intitulado “como fazer”. Essa parte chama atenção pelos verbos no infinitivo (encha, cubra, deixe, escreva, anote, compare), ou seja, que representam uma forma linguística conotando ordem, não deixando muito espaço para mudanças de rumo. Após as três primeiras ações do “como fazer” é pedido aos alunos que escrevam em seus cadernos o nome do experimento e respondam duas questões relacionadas à atividade experimental, o que demostra uma preocupação com o registro da atividade. As duas perguntas são talvez, a parte na qual a interlocução com os alunos se deu de uma forma mais aberta, quer dizer, aquela na qual o aluno pode responder 190 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


de forma mais livre. A primeira pergunta tem como objetivo que os alunos elaborem hipóteses, mas há uma pressuposição de que um acontecimento apenas será possível pelo o uso do singular (o que vai acontecer). A segunda pergunta já explicita que seria possível mais de uma hipótese (compare os resultados com suas hipóteses). Nessa atividade a natureza do envolvimento do aluno é praticamente teórica, leva a uma formulação de hipótese, iniciado com um questionamento e depois reforçado nos resultados do experimento. Os alunos são direcionados pelas as manipulações com os materiais, fundamentais para explorar algumas ideias conhecidas anteriormente, como por exemplo, a roupa que seca no varal, a poça d’água que sumiu após um dia de sol. A atividade experimental possui uma imagem ao lado do material, de uma menina loira levantando uma tela (o tule) olhando para o prato vazio, complementando o texto de forma ilustrativa, dando a ideia de questionar cadê a água, aparentando uma surpresa. O formato da atividade experimental parece o de uma “receita” na qual o aluno lê primeiramente o material necessário, e depois o como fazer. Esse experimento pode ser realizado tanto pelo aluno como pelo professor. Portanto, a primeira IE foi caracterizada como uma atividade experimental ilustrativa. Nessa atividade a natureza do envolvimento do aluno tem algum nível de ação com ênfase na compreensão procedimental da ciência; e pouca participação no planejamento e realização da investigação. A segunda IE denominada “Descobrindo as propriedades do ar” (GIL; FANIZZI, 2013, p. 56-57) tem como tema as características da atmosfera terrestre, sua importância e suas camadas. O título da atividade experimental inicia com o verbo no gerúndio dando a entender que a ação se dará em conjunto (professor e alunos). A IE dá ênfase às três propriedades do ar a serem exploradas (ocupar lugar no espaço, peso, pressão) em detrimento as demais existentes. Embaixo do título do experimento o material é citado em uma lista. Um fato curioso diz respeito aos dois pedações de lã que integra a lista de materiais, que passam a ser chamados posteriormente de fios de lã (experimento 2). Esse fato pode gerar dúvidas tanto no professor quanto no aluno. Depois do material solicitado a IE apresenta os procedimentos divididos em três experimentos 1, 2 e 3. Cada experimento contém um 191


procedimento para ser realizado. Da mesma forma que na atividade experimental anterior os verbos nos procedimentos estão todos no infinitivo (encha, descreva, dê, prenda, amarre, suspenda, responda), ou seja, conotando ordens a serem seguidas. O formato da atividade experimental também parece uma “receita” na qual o aluno após ler o material necessário, elabora o experimento. Após o “como fazer” de cada experimento separadamente é pedido que os alunos respondessem oralmente aos questionamentos mais ou menos semelhantes solicitando que expliquem o ocorrido. O texto traz pronta a conclusão dos experimentos para o aluno destacado na IE, direcionando de certa forma os questionamentos propostos. O experimento 1 não apresenta imagem, o experimento 2 possui duas imagens do como fazer e, o terceiro uma imagem do resultado do experimento. As imagens são todas desenhos do material a ser utilizado nos experimentos. Cada desenho parece reforçar algum aspecto da realização da atividade. Por exemplo, a segunda imagem demonstra como segurar o experimento, ou seja, é demonstrativa, e os alunos visualizam como o experimento tem que ficar. Nessa atividade a natureza do envolvimento do aluno tem um pequeno nível de ação. Dando ênfase na compreensão procedimental da ciência; e pouca participação no planejamento e realização da investigação. Nessa IE quem dirige os experimentos são os objetos. É através de cada procedimento que os alunos constroem a ideia das características do ar: que o ar tem massa, que ocupa lugar no espaço e exerce pressão. As perguntas em cada procedimento de cada experimento não levam a elaboração de hipóteses. É uma atividade experimental ilustrativa, mesmo que tenha pedido que se meça, manipule materiais etc. Parece haver um direcionamento da participação dos alunos não apenas no passo a passo, mas nas imagens, levando a compreensão de uma ciência indutivista. A finalidade é demonstrar (como no texto da conclusão “os experimentos que você realizou demostram”) as três propriedades do ar. Nessa IE identificamos um erro conceitual na seguinte afirmativa “Peso: o ar tem massa. O balão cheio de ar é mais pesado do que o balão sem ar” (GIL; FANIZZI, 2013, p. 57). Quer dizer, os conceitos, peso e massa, aparecem como sendo semelhantes, ao contrário do que é ensinado pela física. 192 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Na IE III “Planta também transpira” (GIL; FANIZZI, 2013, p. 94-95) o tema do capítulo é o das funções vitais das plantas, levando à discussão do que os vegetais necessitam para sobreviver. São trabalhados os conceitos de energia e da energia solar ambos em textos separados. Em seguida, são apresentadas a fotossíntese e a respiração vegetal. Após essas discussões o conceito de transpiração é ensinado a partir da atividade experimental na sessão IE. A atividade experimental é apresentada com uma lista de material embaixo do título. Um aspecto que é recorrente em todas as atividades em análise, diz respeito ao quantitativo de material necessário a realizar os experimentos que nem sempre vem esclarecido podendo gerar dúvida ao leitor. As dúvidas poderiam ser, por exemplo, em relação aos frascos a serem usados no experimento, pois não há menção da tampa, ou seja, como não há imagens, não fica claro se os frascos devem permanecer abertos ou fechados. No caso da IE III, depois do material listado, os procedimentos são enumerados do 1 ao 6 constituindo explicações do passo a passo. Após o como fazer é pedido que os alunos respondam, em seus cadernos, as perguntas relacionadas ao experimento. Depois em destaque aparece a palavra “Resultados“ e uma orientação de como montar no caderno uma tabela com os dados obtidos no experimento. Consideramos que nesse caso houve uma diferenciação no que é ensinado na habilidade relevante de projetar e construir uma tabela. É uma atividade experimental prática, pois os alunos precisam manipular observar, ilustrar, interpretar e, com procedimentos diferentes controlarem as variáveis e depois discutirem a relação entre a transpiração da planta, o calor, a mudança após uma semana, comparando o que ocorreu com a água dos recipientes com plantas. Nessa atividade a natureza do envolvimento do aluno é prática e teórica, apresenta uma relação com o cotidiano e direciona a participação dos alunos com os procedimentos a serem realizados. Nesse sentido, dá ênfase na compreensão procedimental da ciência; e na realização da investigação. Nessa atividade experimental quem dirige os experimentos são os objetos e as ideias. É através de cada procedimento que os alunos constroem a discussão que as plantas também transpiram. As perguntas em cada procedimento de cada experimento levam a elaboração de hipóteses. 193


Por fim, a quarta IE “Imitação de fóssil” (GIL; FANIZZI, 2013, p. 149) com o tema investigando o passado, conta a história da origem do planeta Terra, da divisão dos continentes, do surgimento da vida, da origem dos répteis e da extinção dos dinossauros. Também é discutida a sobrevivência de algumas espécies, no contexto da teoria da evolução. A IE IV é inserida após apresentação do que são fósseis e da função de um paleontólogo. Essa atividade se volta ao ensino de um registro fóssil. A IE é apresentada como as demais, iniciando a partir de uma lista de material e embaixo do título acompanhada de uma imagem. Depois da lista de material aparece o “como fazer”, no qual se orienta os procedimentos da atividade. O formato da atividade experimental mais uma vez parece o de uma “receita” a qual o aluno segue de forma a realizar uma tarefa. É uma atividade experimental ilustrativa embora os alunos precisem manipular o experimento e no final observar, após uma semana, o que aconteceu. Nessa atividade a natureza do envolvimento do aluno é prática, ela direciona a participação dos alunos dando ênfase na compreensão procedimental. Levando a uma analogia de como são formados os fósseis. Não leva a formulação de uma hipótese. Nessa IE quem dirige os experimentos são os objetos. Essa atividade experimental possui três imagens: a primeira está ao lado da lista de material indicando aos alunos aproximadamente a quantidade de argila, a posição do copo e da folha vegetal a ser fossilizada. A segunda imagem aparece para explicar como cobrir a folha vegetal, ou seja, serve de orientação também. A terceira imagem demonstra o resultado esperado após o prazo (não citado do procedimento). Ou seja, a terceira imagem informa como a atividade experimental ficará após todo o procedimento realizado. Nesse caso o aluno pode compreender como são formados os fósseis tanto pela realização da atividade como pela interpretação dos desenhos.

Considerações Finais Consideramos que o LD do 4º ano apresenta um número reduzido de atividades experimentais distribuídas nas nove unidades. Nas quatro IE encontradas, os experimentos propostos são, em geral, bastante simples, sobretudo de caráter ilustrativo. 194 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Duas IE (I e II) procuraram explorar situações do cotidiano das crianças (ar e água). Embora o ideal seja a interdisciplinaridade dos temas, não percebemos nas atividades experimentais essa preocupação. Percebe-se a ausência de imagens relacionadas ao cotidiano do aluno em todas as atividades experimentais, pois as IE que possuem imagens, do tipo desenho servem apenas de base ilustrativa do material utilizado, contribuindo parcamente com a contextualização. A maioria do IE apresentou alguma dificuldade em relação aos materiais sugeridos (quanto à quantidade e qualidade) e no procedimento a ser seguido. Por exemplo, na IE I não é especificado o que se configura como “lugar seguro” para o experimento, podendo gerar inúmeras interpretações tal qual, seguro de luz solar, de mosquitos, para as crianças etc. Há perguntas, no final das IE (I, II e III), solicitando que os alunos respondam em seu caderno uma réplica do que foi observado, o que pode sugerir um “gabarito” ou resposta final do professor. Nenhuma das IE apresentou perguntas mais abertas e de conotação investigativa. Por meio dessa pesquisa concluímos que as IE permitiram uma pequena participação dos alunos (sobretudo a IE III) na realização das propostas sugeridas. Mesmo que, na maioria delas, a participação tenha sido parcial, as mesmas exigiram graus diferenciados de ação. Entendemos que em todas elas quem indica a metodologia a ser seguida é o texto (na pessoa do professor), pois o formato das mesmas pouco flexibiliza as ações voltadas ao aluno. Por fim, as atividades experimentais analisadas não contemplam os questionamentos que partem dos alunos, não possibilitam que eles escolham uma questão do seu interesse para investigar. O que contraria a visão dos pesquisadores que consideram como a maior preocupação com essa faixa etária, a possibilidade do aluno construir o seu conhecimento por intermédio das atividades experimentais. Nossa análise corrobora com o entendimento que precisamos ampliar a discussão da experimentação didática para os anos iniciais, para levar os alunos a participarem ativamente na investigação de problemas reais, e não focar em atividades ilustrativas, as quais dão ênfase a uma ciência da comprovação.

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O ensino de biologia e história em quadrinho digital Carolina Lima Pimentel Kaio Cesar de Azevedo Peres Ariany Tárzia Machado Wallace Vallory Nunes

Resumo Frente à necessidade de se ensinar a alunos que são nativos digitais, o professor precisa utilizar de ferramentas que aproximem o conteúdo da vida desses estudantes. As Histórias em Quadrinhos são uma dessas ferramentas por seu caráter lúdico e pelo seu poder de comunicação amplamente reconhecido em nosso país. Este trabalho apresentou a utilização de uma H.Q, produzida por meio do quadrinho digital StoryboardThat, no ensino de biologia, sobre o ácido lático, com duas turmas preparatórios para concursos, sendo uma com 15 alunos e outra com 10 alunos. Que evidenciaram que seu uso contribui com um momento de relaxamento e ludicidade por parte dos alunos.

Palavras-chave: História em Quadrinho, TIC, Ensino de Biologia.

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Introdução Muito se tem discutido e produzido na área de ensino de ciências com o objetivo de ampliar as possibilidades didático-metodológicas para trabalhar com os alunos. Neste cenário, o uso de Histórias em Quadrinhos vem crescendo muito, como um desses instrumentos, isso porque é um material que traz familiaridade ao aluno, é escrito de forma fácil e acessível que propiciam uma forte ligação com o indivíduo que se deixa envolver em sua narrativa Testoni e Abib (2003). Existem áreas da biologia que tem assuntos que em geral apesar de ter ligação direta com nossa vida, se mostram bem complexos como área de estudos pois apresentam uma série de siglas, ligadas a letras e números que confundem e dificultam a compreensão por parte dos alunos, esse é o caso de bioquímica por exemplo. Buscando uma melhor apreensão dos conteúdos por parte dos alunos, o uso das H.Q´s são uma alternativa possível. “Eram perceptíveis as dificuldades enfrentadas pelos alunos que se queixavam da complexidade do assunto e da falta de integração com o cotidiano, ou seja, falta de aplicabilidade dos conteúdos.” Matta e Neto (2016 p. 224). Acompanhando a ideia de Testoni e Abib (2003) de que o uso das HQ´s tornam a atividade mais leve, uma vez que são acionados mecanismos psicológicos que promovem um despojamento nas tarefas, em virtude da ludicidade que promove um relaxamento na execução da atividade. O uso das histórias em quadrinhos extrapola o conhecimento para além das “caixinhas” disciplinares enriquecendo a aquisição do conhecimento. Acreditando que essa ferramenta atrai o aluno e possibilita essa ampliação do conhecimento, uma vez que “trabalhar na conjunção de palavras e imagens, aumenta o nível de informação e consciência crítica, o auxílio no desenvolvimento ao hábito de leitura regular e ampliação de vocabulário” Nunes, Silva e Moura (2015 p. 238), nos aproximando da ideia de educação integral. E por estamos trabalhando com alunos que tem amplo acesso a internet sejam em dispositivos móveis como nos smartphones, ou em PC´s. A incorporação das tecnologias digitais, pode aproximar ainda mais o professor de aluno. Compreendendo que: 200 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


As ações humanas são fortemente re-significadas pela influência desses dispositivos bem como suas linguagens, e nossa rotina é totalmente permeada por eles. Por isso integrar alunos e professores ao mundo atual, para uma sociedade complexa, que exige domínio das tecnologias de linguagens e recursos digitais. Azevedo (2017, p. 2).

Por isso a opção de utilização das histórias em quadrinho digitais, une a ideia de utilizar um recurso que os alunos estão imersos diariamente por meio da linguagem digital ao recurso das histórias em quadrinho, que apresentam a possibilidade de unir o lúdico ao processo ensino-aprendizagem.

Aspectos históricos do uso das Histórias em Quadrinhos Pensando em Brasil, o uso das histórias em quadrinhos com o objetivo de entretenimento nos reporta ao início do século passado. Vislumbrando o sucesso do gênero na Europa, e nos Estados Unidos, autores apontam distintas como as pioneiras do gênero no país. Para Nunes, Silva e Moura (2015) primeira revista em quadrinhos brasileira, “O Tico-Tico”, publicada em 1905, pela editora O Malho, e que circulou até 1960. Já Camargo e Riveline-Silva (2017) nos reportam a "As aventuras de Nhô Quim", que além de ser a primeira história em quadrinho do Brasil, foi a pioneira no mundo em novelas gráficas em capítulos, publicada na revista semanal A Vida Fluminense, e retratava a vida de um caipira mineiro que veio para o Rio de Janeiro e se choca com a vida urbana. O sucesso do gênero no país se reflete inclusive na metonímia de chamarmos as histórias em quadrinhos de Gibis. Que foi uma revista lançada pela editora Globo em 1939, que fizeram tanto sucesso que passaram a denominar as HQ´s de Gibis, fato observado até em dicionários. A revista Gibi trazia vários contos em forma de história em quadrinho (MOYA apud NUNES; SILVA; MOURA, 2015). Em 1960, temos a primeira produção genuinamente nacional, com a criação por Ziraldo, de "Pererê", que na figura de um saci trazia em suas histórias as tradições e costumes nacionais. De lá para cá temos: "O Menino Maluquinho", "Uma Professora Maluquinha" ainda de Ziraldo, e a "Turma da Mônica" de Maurício de Sousa para crianças e para adultos 201


entre outros, Millôr Fernandes, Miguel Paiva com "Radical Chic" e "Gatão de meia idade", Veríssimo, e os irmãos Caruso com trabalhos do gênero voltados para o público adulto (NUNES; SILVA; MOURA, 2015). Os autores ainda trazem a discussão que nos anos 90, Bienais foram criadas e dedicadas somente ao gênero literário histórias em quadrinhos, em 1991 e 1993 no Rio de Janeiro e em 1997 e 1999 em Belo Horizonte, demonstrando o prestígio do gênero entre o público brasileiro.

Histórias em Quadrinhos no contexto educacional O Programa Nacional do Livro Didático (PNBE) que cadastra e distribui para as escolas públicas brasileiras os livros didáticos, em 2007, ampliou de 14 para mais de 500 obras de histórias em quadrinhos, cadastradas. O avanço desse gênero literário também é observado, quando obras tradicionais da literatura brasileira foram reescritas em formato de histórias em quadrinhos, como "O Alienista", de Machado de Assis, "O triste fim de Policarpo Quaresma" de Lima Barreto (NUNES; SILVA; MOURA, 2015). Além disso podemos observar seus usos em avaliações escolares e externas como o ENEM e Prova Brasil. No contexto do ensino de ciência destacam-se duas revistas em quadrinhos nacionais: a Sigma Pi, que trabalha com conceitos de química, junto ao cotidiano dos personagens da trama, utilizando a estrutura dos mangas (revistas em quadrinhos japonesas), e a GIBIOzine, que atua na divulgação científica, principalmente de temáticas ambientais. Ambas as revistas são desenvolvidas por estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (CAMARGO; RIVELINE-SILVA, 2017, p. 135).

A discussão acadêmica sobre seu uso também tem crescido muito no país, é o que nos diz o estudo de Camargo e Rivelini-Silva (2017), que realizaram um levantamento de que entre 2005 e 2016, 54 (cinquenta e quatro) artigos foram apresentados na ENEQ (Encontro Nacional de Ensino de Química) e ENPEC (Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências) com essa temática. E que nos últimos 5 anos esses artigos tiveram um crescimento de 70% em sua frequência. Ficando claro que o uso das Histórias em Quadrinhos nas salas de aula, tem além de prestígio com os professores, ganhado espaço na academia. 202 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


O uso das tecnologias da informação e comunicação no ensino O contexto em que vivemos não se caracteriza apenas por uma revolução tecnológica com o desenvolvimento da microbiologia, da energia nuclear ou do avanço da microeletrônica (SCHAFF, 1995). Uma característica importante da vida moderna é o crescimento das tecnologias de comunicação, ou seja, o telefone móvel e a internet com acesso a uma gama muito maior de fontes de informação Buckingham, (2000) e Schleicher (2012, p. 15) menciona que: a educação de hoje precisa ter muito mais relação com modos de pensar, envolvendo criatividade, pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisões, com modos de trabalhar, incluindo comunicação e colaboração; com ferramentas para trabalhar, incluindo a habilidade de reconhecer e explorar o potencial das novas tecnologias e “com a capacidade de viver em um mundo multifacetado, com cidadãos ativos e responsáveis”

Os jovens são imersos na cultura digital diariamente, isso afeta sua percepção quanto ao saber, isso vem afetando as relações entre alunos e professores, uma vez que já não é mais a escola a única fonte de informações. Segundo o alerta de Sarlo (1997, p. 102), estamos “numa época em que a cultura juvenil se enfrenta com a cultura letrada e esse campo de batalha simbólica são os meios de comunicação”. Na abordagem da perspectiva mencionada anteriormente, Filho e Lemos (2008, p.17) comentam: muitos pesquisadores têm defendido o surgimento de uma nova geração, batizada de “Geração Digital” também conhecida como “Geração On-Line”, “Geração Internet”, “Geração Conectada”, “Geração Z” (de zapping) ou “Geração Pontocom”, a qual, desde muito cedo, trava contato e convive com tecnologias como celulares, computadores e tantos outros aparatos tecnológicos, os quais “têm contribuído na produção de uma vida inteiramente diferenciada daquela de representantes das gerações anteriores”.

Quando verificamos a importância das Tecnologias da Informação e Comunicação nos documentos oficiais, os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam:

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É indiscutível a necessidade crescente do uso de computadores pelos alunos como instrumento de aprendizagem escolar, para que possam estar atualizados em relação às novas tecnologias da informação e se instrumentalizarem para as demandas sociais presentes e futuras (BRASIL, 1998, p. 96).

Nessa mesma discussão os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio mencionam que "as tecnologias da comunicação e da informação e seu estudo devem permear o currículo e suas disciplinas" (BRASIL, 1999, p. 134). Kenski (2010, p. 121) menciona que em relação ao uso das tecnologias pelos professores: (...) não são as tecnologias que vão revolucionar o ensino e, por extensão, a educação de forma geral, mas a maneira como essa tecnologia é utilizada para a mediação entre professores, alunos e a informação. Essa maneira pode ser revolucionária, ou não. Os processos de interação e comunicação no ensino sempre dependeram muito mais das pessoas envolvidas no processo do que das tecnologias utilizadas, seja o livro, o giz ou o computador e as redes.

Dando continuidade a esse discurso, Moran (2007, p.164) promove a seguinte ponderação: As tecnologias são pontes que abrem a sala de aula para o mundo, que representam, medeiam o nosso conhecimento do mundo. São diferentes formas de representação da realidade, de forma mais abstrata ou concreta, mais estática ou dinâmica, mais linear ou paralela, mas todas elas, combinadas, integradas, possibilitam uma melhor apreensão da realidade e o desenvolvimento de todas as potencialidades do educando, dos diferentes tipos de inteligência, habilidades. Ainda sobre este assunto, Fischer (1998, p.1) afirma que: a prática diária em sala de aula hoje, não pode ser vista sem que se considere a educação como imersa no grande espaço da cultura e, portanto, no grande espaço dos meios de comunicação, da cultura da imagem e da proliferação de mitos, de modos de ser.

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Metodologia Para a elaboração desse trabalho durante as aulas de Informática Aplicada no Ensino de Ciências, que é ministrada pelo docente Wallace Vallory Nunes, presente na grade curricular do Programa de PósGraduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro no campus Nilópolis. Durante a aula do dia 16 de maio de 2019 foi apresentado sugestões para o desenvolvimento de possíveis produtos educacionais, dentre eles a construção de quadrinhos digitais utilizando Storyboard That onde desenvolvemos uma história em quadrinhos no laboratório de informática. Quando utilizamos o Storyboard no ensino, definidos por Rabaça e Barbosa (2002 p. 694), como “uma sequência de desenhos que indicam e orientam, visualmente, determinadas tomadas descritas no roteiro de um filme, anúncio ou programa a ser realizado”. Preece et al (2013) definem Storyboard como “a representação de sequências de ações ou eventos pelas quais o usuário e o produto devem passar para executarem uma ação”. A pesquisa tem uma natureza qualitativa pois o que se pretende avaliar é o valor/concepções que os investigados trazem. Onde analisou-se as impressões e sensações dos jovens alunos, frente ao uso de uma HQ digital previamente elaborada para avaliar o conhecimento adquirido pelos alunos frente a um tema da área de biologia. A pesquisa se deu com 25 alunos. Onde se utilizou uma HQ. criada no Storyboard That de forma indicada por Testoni e Abib (2003) para fixar um ‘fenômeno previamente estudado’. Os procedimentos foram: Se ministrou uma aula sobre os Músculos e posteriormente foram dados exercícios a fim de fixar o conteúdo trabalhado. Depois de recolhido a folha de atividade, se perguntou o que eles acharam da atividade, e o que sentimentos eles tiveram em relação ao uso da HQ em meio aos exercícios. O conteúdo trabalhado na H.Q. foi a presença do ácido latico no músculo pós treino. Como segue na figura:

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(Criação dos pesquisadores)

Análise dos Dados

Como complemento do quadro em branco na HQ, era necessário explicar como o ácido latico era liberado e porque isso causava dor, destacamos abaixo algumas respostas dadas pelos alunos: “Tem a ver que o nome já se refere ao que ele é, ‘um ácido’, causa dor. É provocado pelo acúmulo desse ácido em certa região, um acúmulo excessivo desse ácido é o que causa a dor. Ele é responsável por queimar calorias, onde acumulado em excesso causa essa ardência, ou dor.” ”Quando se pega peso em excesso o músculo libera o ácido lático em grande quantidade e o acúmulo do ácido lático provoca a queimação/dor no músculo.” “Devido a intensidade dos exercícios, é gerada uma reação, onde é produzido o ácido lático em excesso, causador da dor local.” “Ácido lático, é o excesso de ácido no músculo, por isso causa ardência, a melhor forma de melhorar é continuando o treino, seu corpo vai entender que isso é comum e essa dor vai passar amigão!” Os alunos não apresentaram dificuldade para elaborar as respostas, apesar de alguns apresentarem dificuldade de entender o conteúdo abordado. Todos os alunos participantes alegaram que a 206 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


associação do conteúdo com o dia a dia, neste caso a musculação, facilitou o entendimento. Após a aula e a aplicação a História em Quadrinho apresentada acima, os alunos foram perguntados sobre o que eles achavam do uso da história em quadrinho como uma ferramenta para avaliar seus conhecimentos. Os alunos declaram que o uso da HQ foi uma forma agradável e mais próxima de seu cotidiano de se pensar sobre o conteúdo trabalhado. Essa resposta foi dada de forma espontânea e corrobora com os argumentos de Testoni e Abib (2003) que alegaram que o uso das HQ´s são atividades que aliviam as tensões cotidianas, pois são atividades lúdicas que se aproximam do cotidiano dos alunos. Entre algumas falas dos alunos quando questionados sobre o que acharam da HQ podemos destacar: “Achei interessante, foge um pouco da rotina dos exercícios”, “bem legal, podia ser assim na prova, é mais leve”, “interessante, acho que estimula a pensar pra elaborar a resposta, não é só marcar e pronto”, “se toda questão discursiva fosse assim ia ser mais legal”. Sendo assim, podemos observar que a HQ cumpre a função de ser um método avaliativo mais leve, porém, diante das respostas dadas pelos alunos não se pode concluir se a HQ foi ou não auxiliar na aprendizagem, já que a mesma depende de uma explicação teórica para ser aplicada. Contudo ao ler o que eles responderam não foi possível identificar um nível de maior acerto com relação aos demais exercícios. A margem de erros e acertos foi a mesma. Ou seja se o aluno acertou as questões do exercício tradicional de perguntas e respostas, ele também acertou a resposta contida na HQ E se ele errou os exercícios de perguntas e respostas ele também não conseguiu elaborar uma boa resposta para a pergunta da HQ. Este fato vem de encontro ao que Sarlo (1997) expôs sobre o embate entre a cultura juvenil digital e a cultura letrada como o autor coloca uma batalha simbólica em que os meios de comunicação são o campo de disputas. Seu uso atingem logo que inicio o lado psicológico dos alunos que vêem com mais suavidade esse tipo de recurso, se ele está ligado a uma questão avaliativa, o que os deixa mais confortáveis na execução da tarefa. Mas que também por si só, não tem a capacidade de ampliar as respostas corretas. Para tal, acreditamos que seu uso deve mudar de foco, e estar ligada a um aspecto de criação das HQ´s. 207


Pôde ser observado, ao serem questionados sobre o conteúdo num momento distinto e posterior a aplicação, que os alunos apresentaram recordar o conteúdo com base nos quadrinhos, onde muitos mencionaram a HQ como referência para o assunto abordado. Com isso, pode-se observar que, apesar de não ter como comprovar a eficácia da HQ elaborada como forma avaliativa, é possível utilizá-la como meio de fixação de conteúdo, por abordar o assunto de uma forma lúdica e fugir do cotidiano do aluno.

Considerações finais A simples utilização das HQ são uma boa ferramenta para o ensino, bastante presente hoje nos materiais didáticos, vem sendo explorada pelos professores durante suas aulas e está presente nas mais diversas avaliações externas brasileiras, como nas provas do ENEM, provinha Brasil e nos vestibulares. Ficou claro em nossa pesquisa que seu uso traz um sentimento de relaxamento e satisfação por parte dos alunos na execução de tarefa que tem sua presença. O uso das TIC no ensino promovem colaborações com os professores para a elaboração de suas aulas, contribuindo no processo de construção do aprendizado de seus discentes. Neste caso, o uso do StoryboardThat permitiu uma personalização do quadrinho ao tema que foi trabalhado, associando o conteúdo trabalhado ao cotidiano do aluno. O que contribuiu bastante na transposição didática no ensino da biologia, especificamente no ensino de bioquímica, que em geral é um tema árido e que os alunos declaram bastante dificuldade. Contudo, para um melhor aproveitamento da ferramenta, o ideal é que tendo as condições materiais para tal, os alunos sejam convidados a elaborar suas HQ´s digitais dentro da temática trabalhada, com esse processo criativo e a colocação do aluno como protagonista em seu processo de aprendizagem, teremos um encontro em as demandas advindas desse nativo digital muito acostumado com o manuseio de tecnologias digitais e a do professor que deixa de ter o papel de destaque isolado no processo de ensino de aprendizagem, garantindo assim a plena participação discente no seu processo de ensino aprendizagem.

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O uso das histórias em quadrinhos como possibilidade de ensino na escola Emerson de Souza Queiroz Priscila da Paixão Silva Veras Wallace Valory Nunes

Resumo As histórias em quadrinhos (HQ) fazem parte do cotidiano das pessoas ao longo do tempo. Com a evolução tecnológica, os quadrinhos digitais ganham espaço na mídia de entretenimento e podem ser utilizados como recursos que contribuem no processo de ensino e aprendizagem. Este artigo traz a experiência de uma oficina sobre saúde e fake news com alunos de um preparatório para o Enem e sugere a criação e utilização de HQs nos espaços educativos para a promoção da saúde. Recomenda ao docente o uso do HQ digital, quer na confecção das histórias para impressão e aplicação em sala de aula ou em oficinas com estudantes em laboratórios de informática.

Palavras-chave: HQ digital; promoção de saúde; campanhas de vacinação.

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Uma breve história da HQ impressa ao digital No século XXI é normal o uso de tecnologias em nossa sociedade, a utilização do papel tornará obsoleta com o passar dos anos. E não será diferente com as histórias em quadrinhos (HQ). Quem teve a oportunidade de nascer em um tempo que as revistas eram somente impressas conhece bem as dificuldades da época. Hoje a tecnologia nos permite armazenar esse conteúdo em mídia digital, fácil de ser divulgada e compartilhada. Com esse avanço, a utilização da HQ como recurso pedagógico é bem interessante e atrativo ao estudante, conhecer um pouco da evolução histórica desse recurso poderá contribuir na valorização e utilização como ferramenta de ensino e aprendizagem. Segundo Eisner (2005), a evolução não foi somente tecnológica, mas na forma narrativa durante as evoluções socioculturais; Com o passar dos séculos, a tecnologia propiciou o surgimento do papel, das máquinas de impressão, armazenamento eletrônico e aparelhos de transmissão. Enquanto evoluíam, esses aperfeiçoamentos também afetaram a arte da narrativa (EISNER, 2005, p. 12).

A partir dessa evolução da arte da narrativa é possível traçar uma breve ordem cronológica das histórias em quadrinhos. Iniciaremos a partir das tirinhas de jornais e outros meios impressos. A arte sequencial de narrativas gráficas bem definem a HQ como forma artística que utiliza elementos básicos como quadros, figuras, palavras e narração. Nunes (2015) admite em seu texto que as primeiras tentativas de escritas nas cavernas seriam espécies de representações narrativas com pinturas rupestres e mais bem mais tarde os egípcios com os hieróglifos, compondo assim exemplos dos primeiros indícios de narrativas de histórias em quadrinhos. Segundo Nunes (2015), as histórias em quadrinhos de forma icônica impressa nos dias atuais, surgem nos Estados Unidos da América, com o Yellow Kid (O menino amarelo) desenhado por Richard Fenton Outcault, no Jornal New York World, em 1895. Nessa época a HQ foi afetada pela tecnologia, a linguagem tipografada criada no papel assumiu características de literatura nas tiras em quadrinhos. As tiras diárias nos jornais mudaram a forma de contar história com o texto e imagens. 211


Com todo o sucesso, a tecnologia evolui e as máquinas de impressão começam suportar mais cores. Quase 40 anos depois do Yellow Kid, surgem as primeiras revistas em quadrinhos, por volta de 1934. As narrativas foram ampliadas em função da tecnologia ganhando histórias mais longas com páginas e edições. Essa evolução não parou, segundo Nunes (2015) com a chegada do computador pessoal em 1980, surgem às primeiras revistas em quadrinhos produzidas digitalmente. Esse formato digital serviu como suporte a revista de papel impresso, mas o formato digital passou ser apenas uma simples projeção para quem tinha a revista impressa. Mais tarde com o uso de software e seus recursos digitais, a história em quadrinhos se aperfeiçoa e aparece a primeira HQ online no Minetel Francês, aparelho que foi usado até 12 de julho de 2012, tecnologia digital eletrônica feita especificamente para leitura digital em tablet. Hoje com toda essa evolução, esses recursos de HQ digital podem ser usados no processo de ensino e aprendizagem. O docente pode confeccionar revistas em quadrinhos e aplicar em sala de aula ou desenvolver oficinas com os estudantes na criação da HQ.

Promoção de saúde nas escolas com o uso da HQ A Educação e promoção de saúde na escola prima pela qualidade de vida na busca por hábitos e costumes saudáveis. Contribui na mudança de postura do indivíduo, conscientizando que saúde não é a ausência de doenças. A prevenção também faz parte de uma vida saudável e o governo Federal utiliza políticas públicas de saúde como as campanhas de vacinação para evitar e erradicar doenças. Segundo Porto e Pontes (2003), Entre os instrumentos de política de saúde pública, a vacina ocupa, por certo, um lugar de destaque. No Brasil, as estratégias de vacinação têm alcançado altos índices de eficiência e servido de parâmetro para iniciativas semelhantes em outros países. Exemplos como os das campanhas contra a varíola e a poliomielite, bem como a proximidade da erradicação do sarampo em nosso território, demonstram os bons resultados dos programas de cobertura vacinal coordenados pelo Ministério da Saúde. 212 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Mesmo com todo empenho citado acima é preciso estratégia e seriedade na prevenção. Nosso país após registrar casos de sarampo desde 2018 perdeu a certificação de país livre da doença, título conferido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Reportagem do Jornal O Globo relata: Foi o que aconteceu no país: em fevereiro do ano passado, registrou-se um surto do vírus, vindo da Venezuela. Ao longo de 2018, segundo os dados oficiais, foram confirmados 10.326 casos — houve surtos no Amazonas e em Roraima. Em 2019, até 19 de março, já são 48 casos no país. Um caso de sarampo endêmico ocorrido no Pará em 23 de fevereiro deste ano foi o marco que levou à perda do certificado da Opas. (BAIMA, 2019, Jornal O Globo. https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/surtos-desarampo)

Dentre as campanhas do Governo Federal, a vacinação contra a gripe tem ganhado grandes proporções nos últimos anos. A infecção pelo vírus influenza tem atingido grande parte da população, provocando complicações graves, onde a mais comum é a pneumonia. Segundo Bacurau e Francisco (2018), a forma mais eficaz de prevenir a influenza é a vacinação. Em nosso país as campanhas de vacinação ocorrem desde 1999 e contribuem para prevenção da gripe sazonal na população, reduzindo hospitalizações, gastos com medicamentos e óbitos que poderiam ser evitados. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) e o Ministério da Saúde recomendam a vacinação anual contra a influenza em pessoas com risco elevado para as complicações de doenças: crianças de 6 meses a 6 anos incompletos, gestantes, mulheres que deram à luz nos últimos 45 dias, pessoas com mais de 60 anos, profissionais da saúde, professores da rede pública e particular, população indígena, portadores de doenças crônicas, como diabetes, asma e artrite reumatoide, indivíduos imunossuprimidos, como pacientes com câncer que fazem quimioterapia e radioterapia, portadores de trissomias, como as síndromes de Down e de Klinefelter, pessoas privadas de liberdade, adolescentes internados em instituições socioeducativas (BIERNATH, 2019; https://saude.abril.com.br/medicina/vacinagripe-quem-deve-tomar).

Outra barreira encontrada nas campanhas de vacinação são as fake news. Pessoas sem o menor conhecimento científico divulgam por 213


meio das redes sociais informações contra as vacinas, que vão de efeitos colaterais inexistentes até óbitos. Mas é preciso utilizar esses recursos tecnológicos para transformar informações em conhecimento. Buscar fontes confiáveis como o site do Ministério da Saúde, artigos científicos, corroborando para a promoção da saúde na comunidade. Nessa perspectiva de prevenção se faz necessárias campanhas nas escolas, com objetivo de alcançar toda comunidade escolar e se possível obter a parceria dos postos de saúde. É possível utilizar diversos recursos pedagógicos na busca de bons resultados de conscientização da população, dentre eles um dos mais usados é a história em quadrinhos. Segundo Prado et al (2017), pesquisas apontam a importância do uso da HQ como documentos informativos e formadores de opinião para a educação e promoção da saúde. É muito comum encontrar histórias em quadrinhos em postos de saúde, um exemplo clássico é a revista em quadrinhos do Zé gotinha, ícone da campanha de vacinação entre as crianças. Os quadrinhos possuem características que facilitam as campanhas, além das informações escritas, apresentam ilustrações de fácil acesso à comunidade que atingem diversas classes sócias, com vocábulos que alcançam todas as idades. Esta proposta da HQ como recurso pedagógico na promoção da saúde foi utilizada com estudantes do município de Seropédica no Rio de Janeiro. Como citado acima, após diversos casos de óbito pelo vírus da gripe, se fez necessário à conscientização da campanha de vacinação colaborando com o Ministério da Saúde. Por meio de uma oficina de reflexão sobre a vacinação e fake news, foi discutido a importância da vacinação e de se combater as notícias falsas que circulam, prejudicando as campanhas de vacinação. Os alunos foram desafiados a pensar nessa problemática através da resolução de problemas e os HQs foram uma das possibilidades abordadas.

Metodologia Neste trabalho, utilizamos a metodologia da resolução de problemas (RP). Esta metodologia foi escolhida por proporcionar que 214 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


o aluno “exponha as suas ideias de maneira participativa e dialogada, tornando-se o protagonista no processo de ensino-aprendizagem” (RIBEIRO et al, 2018, p. 8), o professor torna-se o mediador desse processo e, segundo os autores, o ambiente escolar pode se tornar favorável “à apropriação dos conceitos e levar o estudante a construir seu próprio conhecimento.” Pozo (1988, p. 14) traz a reflexão do que seria um problema, ao dizer que: uma situação somente pode ser concebida como um problema na medida em que exista um reconhecimento dela como tal, e na medida em que não disponhamos de procedimentos automáticos que nos permitam solucioná-la de forma mais ou menos imediata, sem exigir, de alguma forma, um processo de reflexão ou uma tomada de decisões sobre a sequência de passos a serem seguidos.

Assim, a metodologia de resolução de problemas torna-se uma aliada para que os alunos proponham soluções para problemas da sociedade. Ao realizar esse processo reflexivo e pensar em estratégias, se impõe de forma consciente, tornando-se um cidadão ativo na sociedade. O autor ainda destaca que na resolução de problemas é necessário o uso de estratégias, como também, a tomada de decisões acerca de que processo de resolução seguir (POZO, 1988). As estratégias para a resolução de um problema podem ser muitas. Quando o problema, por exemplo, é a baixa adesão às campanhas de vacinação do Ministério da Saúde, as soluções podem estar em maior acesso à informação às pessoas, o que pode refletir em diversas estratégias para alcançar à população, entre elas: comerciais na TV aberta, outdoor nas ruas, panfletos, e entre eles, os próprios HQs.

A oficina: vacinação e fake news A atividade foi desenvolvida com cerca de 20 estudantes do Preparatório para o Enem da UFRRJ. O Preparatório é um Programa da Pró-reitora de Extensão e acontece no Campus de Seropédica da UFRRJ. O Programa atende a alunos e ex-alunos de escolas públicas dos municípios de Seropédica, Nova Iguaçu e Itaguaí, que objetivam serem aprovados no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e ingressarem 215


em universidades públicas. Os alunos foram convidados a participarem de uma atividade que envolveria os temas vacinação e fake news que ocorreria uma hora antes do início das aulas deles que acontece das 18:00h às 21:45h, de segunda à sexta. Assim, a duração da oficina foi de um encontro de uma hora. Foi utilizada uma apresentação de powerpoint para abordar o tema. Ao longo de toda atividade, haviam questionamentos para que os alunos refletissem e pudessem fazer posicionamentos. Para iniciar a discussão, foi exposto aos alunos um vídeo do Ministério da Saúde (MS) chamado “Contra o arrependimento não existe vacina” (figura 1a) para sensibilizar os alunos e instigar algumas reflexões neles. Após isso, foi conversado como surgiu a primeira vacina (figura 1b), abordando o contexto histórico-social da época. Também foi discutido como a vacina é feita, abordando os procedimentos utilizados para a replicação da mesma. Além disso, discutimos como a vacina age no corpo, abordando o sistema imunológico e trazendo reflexões da diferença entre vacinas e soros (soro antiofídico, soro antiescorpiônico, entre outros). Figura 1: Vídeo de sensibilização “Contra o arrependimento não há vacina” (a), um trecho da apresentação de slide (b), os alunos participantes (c e d).

Figura 1a

Figura 1b

Figura 1c

Figura 1d

Fonte: Os autores

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Após a apresentação, construção de alguns conceitos e reflexão de alguns processos importantes, foi apresentado para os alunos reportagens de diversos veículos de comunicação online que abordavam, entre outros, como as campanhas de vacinação estão tendo pouco alcance, inclusive a vacina da gripe. As reportagens também destacavam que o país perderá o certificado de erradicação do sarampo pela alta nos casos apresentada recentemente. Além dessas, também foi apresentado aos alunos reportagens que traziam que as campanhas de vacinação estão sendo influenciadas por notícias falsas, chamadas de fake news, que circulam pelos meios digitais de comunicação como WhatsApp e Facebook. Novamente foi apresentado um vídeo, também do Ministério da Saúde, que apresentava uma conversa em um grupo de família no aplicativo de troca de mensagens, WhatsApp. Nessa conversa, uma pessoa compartilha que a vacina ABCDX causa autismo e as pessoas do grupo vão comentando, dando crédito à notícia, até que uma pessoa comenta que a notícia parece falsa e divulga que o Ministério da Saúde tem um canal de comunicação com a população para envio de notícias recebidas e verificação, se é verdadeira ou falsa. Foi divulgado aos alunos o canal de comunicação do Ministério da Saúde, chamado de Saúde sem fake news. Também foi apresentado algumas das notícias que foram recebidas e avaliadas pela equipe do MS. O site da Sociedade Brasileira de Imunização que também realiza um trabalho de informação à população e combate às notícias falsas também foi divulgado. Como proposta de atividade foi apresentado aos alunos o seguinte problema: As campanhas de vacinação do governo cada vez mais estão tendo baixa adesão. Se formos falar da vacina da gripe, o Rio de Janeiro é o estado que teve a menor adesão do país, apenas 55% das pessoas foram vacinadas. Segundo dados do Ministério da Saúde, 99 pessoas morreram por gripe esse ano. Entre as mortes, 90% das pessoas apresentavam fatores de risco, e tinham direito à imunização. Boa parte da baixa aderência às campanhas de vacinação se dá por notícias falsas que circulam na internet. As notícias alarmam as pessoas falando entre tantas coisas, que as vacinas causam mal e podem matar. Como podemos combater as fake news relacionadas à vacinação? Pense em uma proposta de ação através das mídias digitais. 217


Foi apresentado aos alunos os quadrinhos (figura 2) desenvolvidos pelos autores desse artigo como possibilidade de construção de uma comunicação para combater fake news. Os alunos gostaram muito dos quadrinhos e acharam que essa proposta chama atenção, sendo uma forma de comunicação que deve conseguir atingir às pessoas. Figura 2: Quadrinhos criados pelos autores no site Storyboardthat

Fonte: Os autores

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Cabe ressaltar, que a ideia inicial da atividade seria que os alunos desenvolvessem em quadrinhos sua proposta de ação através do site Storyboardthat.com. Porém, devido à ausência de equipamentos de informática e também o tempo reduzido, foi inviável neste momento desenvolver a atividade dessa forma. Uma possibilidade para driblar a ausência de recursos poderia ser os alunos desenvolverem os quadrinhos em folha de ofício e depois ser digitalizado para o computador. Porém, esse desenvolvimento em ofício também demanda tempo. Para pensarem em uma proposta de ação, os alunos se juntaram em alguns grupos e discutiram entre eles algumas propostas. Após um breve tempo, eles expuseram as propostas de ação que pensaram. As redes sociais como Facebook e Instagram estiveram presentes em todas as falas. Os alunos destacaram que postagens nessas redes atingiriam um público bem expressivo. Ressaltaram também que seria necessário que o texto presente nessa mensagem fosse de linguagem fácil, para que atingisse mais as pessoas. Alguns trouxeram a importância de divulgar o canal de comunicação do Ministério da Saúde, que por sinal, durante a discussão na apresentação, ninguém conhecia. Muitos alunos falaram da importância de se fazer vídeos, pois hoje muitas pessoas assistem, principalmente na plataforma do YouTube. Eles destacaram também a importância da linguagem desses vídeos que deviam ser direcionados a grupos, como por exemplo, os jovens. Neste momento, ressaltaram que o Ministério da Saúde deveria considerar essa linguagem e os diversos públicos alvos para que as campanhas atingissem mais pessoas, como também, a circulação nos meios de comunicação como a televisão, visto que, são mais acessíveis à população.

Considerações finais As campanhas de vacinação do Ministério da Saúde não têm conseguido atingir as metas de público-alvo e isso é muito preocupante. As vacinas são aliadas na prevenção de doenças e quando a população deixa de tomá-las, ficam suscetíveis à muitas doenças, entre elas, algumas muito graves. A escola como espaço de formação do sujeito é um local que deve promover discussões sobre saúde, principalmente as que estão circulando na sociedade atualmente, promovendo a contextualização do ensino. 219


Quando os alunos se envolvem nessas discussões podem se impor na sociedade criticamente, tornando-se sujeitos ativos, participantes, como também, tornam-se multiplicadores de informação na sua casa e na sua comunidade. É necessário que as informações que são divulgadas relacionadas à saúde, à vacinação e ao combate de fake news cheguem até as pessoas, possuam linguagem de fácil compreensão e sejam adequadas ao público alvo. Os HQs podem ser aliados para a promoção de saúde. Despertam o interesse de pessoas de diversas idades, possuem ilustrações, o que chama mais atenção, os diálogos são curtos e podem apresentar uma linguagem adequada à distintas faixas etárias. Eles podem ser produzidos pelos alunos, promovendo a construção do conhecimento e o desenvolvimento de diversas habilidades.

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Educação sexual e relações familiares Daniel Costa Matos Giselle Rôças Valéria da Silva Lima

Resumo A sexualidade tem ganhado espaço nas discussões em torno da educação. Sendo uma das múltiplas identidades humanas, possui componentes biológicos, psicológicos e sociais que se manifestarão de forma única em cada indivíduo. Por seu caráter ímpar, a sexualidade é vivida de forma individual, o que, por vezes, pode dificultar a empatia em relação ao outro que não compartilha das mesmas vontades e desejos sexuais, especialmente no que tange à orientação sexual. A adolescência por si só já é um período de descobertas e transformações fisiológicas, psicológicas e sociais. Quando este desenvolve uma sexualidade diferente da heterossexualidade esperada, podem surgir conflitos internos, refletidos em problemas de auto-aceitação, quanto externos, expressos em divergências com a família e amigos. Este artigo propõe uma análise na relação familiar de jovens que se declararam não heterossexual. Foram colhidos depoimentos durante a realização de uma roda de conversa entre educadores e discentes de espaços formais e não formais de ensino. Os resultados apontam para o importante papel da família e da escola, mediante a educação sexual, no suporte à auto-aceitação e na superação de violências que jovens poderiam estar expostos, visto que nossa sociedade ainda encara a homossexualidade como maldição.

Palavras-Chave: Homossexualidade; Bissexualidade; Educação Sexual; Roda de Conversa

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Introdução A sexualidade tem sido um tema de grande repercussão na sociedade atual. É retratada em produções cinematográficas, propagandas publicitárias, livros, revistas e telenovelas e contribuem sobremaneira para a formação da auto-imagem por meio da cultura que se representa. Nunes (1997) compreende a sexualidade como uma dimensão humana, histórica, social construída em determinadas estruturas, modelos e valores determinados por interesses de épocas diferentes, inserida num contexto de relações econômicas e sociais, onde se destacam os modelos hegemônicos de vivência e construção. Marilena Chauí (1984) descreve a sexualidade como um fenômeno humano que não se limita ao aspecto meramente biológico, natural, sofrendo modificações quanto ao seu sentido no tempo e espaço, assumindo, com isso, uma função regulada pela história, como um fenômeno mais global que envolve nossa existência como um todo, dando sentidos inesperados e ignorados a gestos, palavras, afetos, sonhos, humor, erros, esquecimentos, tristezas, atividades sociais (como trabalho, religião, a arte, a política) que, à primeira vista, nada têm de sexual. Busca-se a superação do modelo da sexualidade ditada apenas pela natureza biológica em vista de uma concepção que abarca múltiplas dimensões na formação de uma sexualidade única e individual, característico da própria personalidade, dando sentidos inesperados a uma série de aspectos da vida comum. Segundo Louro (2000), a sexualidade compõe uma de nossas identidades sociais, sendo formada pela cultura e pela história. Somos sujeitos de múltiplas identidades, que nos definem como pertencentes a um grupo social de referência. Assim como outras identidades sociais (classe social e orientação política), a identidade de gênero não é algo definitivo e imutável. É transitório e metamórfico. Dentre todos os componentes da nossa identidade, a sexualidade parece ser a mais confiável e, por isso, a dificuldade em aceitar sua fluidez. Seria como alterar a “essência” do sujeito e, por isso, somos capazes de aceitar que um empregado se torne patrão, ou que um político mude suas convicções ideológicas, mas não somos capazes de aceitar uma nova identidade sexual ou de gênero (WEEKES, 1995). Dado o nível de complexidade das múltiplas dimensões da sexualidade, muitas vezes torna-se difícil se colocar no lugar do 223


outro e entender suas vontades e desejos sexuais, o que pode levar à incompreensão e intolerância refletidas em palavras, ofensas, injúrias e, em alguns casos, lesão corporal. Muitas vezes vemos a intolerância ser alimentada por grupos hegemônicos que tentam manter a estrutura do poder em torno da sexualidade. Segundo Foucault (1984), a resistência seria inerente ao poder, ou seja, enquanto grupos oprimidos tentam deslocar o poder em relação ao que se entende por sexualidade saudável, surgem com mais intensidade as resistências de grupos conservadores, que exercem o poder hegemônico de ditar o que seria a sexualidade “normal”. Toda sociedade, seja ela qual for, está constantemente impondo seus modelos ou padrões aceitáveis e desejados, tomando ações para apartar àqueles que não correspondem ao modelo. Destarte, a heteronormatividade é o paradigma ao qual, quando nascemos, deveríamos nos encaixar, utilizando, para tal, as categorias de gênero macho e fêmea, opostas entre si. Segundo Knobel (1992), ao nascer, a família já inicia sua diferenciação sexual através de roupas, cores, brinquedos e objetos. Os pais sutilmente impõem as diferenças entre meninos e meninas durante a infância enquanto a sociedade trata de acentuá-las mediante elementos externos. Apesar de receberem mensagens sobre seu papel sexual na sociedade desde o nascimento, Knobel (1992) aponta que é a partir do instante em que o indivíduo se integra à sua genitalidade que está passa a dominar sua conduta e aspirações. A adolescência não é marcada apenas pelo desenvolvimento fisiológico, mas por transformações psicológicas, sociais e culturais. O jovem está cada vez mais vulnerável a informações de diferentes fontes que podem, muitas vezes, ser antagonistas e confundir a construção de suas concepções, principalmente no que tange à identidade. A sexualidade adquire um papel de destaque nessa fase, pois é nesse período que a identidade sexual está se formando, se experimentando e se descobrindo. Quando o adolescente desenvolve uma sexualidade diferente do que lhe é esperado, ou seja, da norma heterossexual, alguns conflitos podem ser gerados, tanto de ordem interna, refletidas em problemas de auto-aceitação, quanto de ordem externa, através da recusa de familiares em aceitar essa sexualidade considerada “desviante”. A escola é o grande palco onde esses conflitos se condensam, tanto pelas relações com o outro ou mesmo pelo desempenho escolar. 224 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


A adolescência se encontra nesse espaço de convivência plural, em que buscam ser ouvidos e aprenderem pela convivência e pelo diálogo, não tanto pela simples imposição de ideias. Tais aspectos foram observados numa investigação de mestrado em que a sexualidade, em especial a educação sexual, foi investigada durante a realização de uma roda de conversa com educadores de espaços formais e não formais de ensino. Alguns pontos importantes trazidos pelos participantes nos ajudam a compor um quadro sobre como algumas famílias reagem diante da notificação de uma sexualidade não heterossexual, os possíveis desdobramentos e a perspectiva de contribuição da educação sexual escolar para a auto-aceitação e quebra de preconceitos. Foi utilizada a abordagem da Triangulação Metodológica (TM), que confere à análise maior coesão para a combinação, melhor articulação das ideias que conduzem a investigação, ampla conexão e cruzamento dos temas, métodos, técnicas e estratégias de pesquisa. Essa metodologia objetiva averiguar a múltipla dimensão construída pelos sujeitos sociais em comunicação com o mundo que o circunda. Nesse sentido, e apoiados em Meksenas (2007), justificamos nossa opção pelo método qualitativo através da realização da roda de conversa, pois há, nas rodas e nas considerações acerca delas, as especificidades da pesquisa empírica que conjectura abstrações e subjetivações no campo objetivo do método científico e que também permitem a livre interpretação, baseadas em autores que conduzam à linha teórica e metodológica do trabalho na sua triangulação que redunda à análise. Na visão de Creswell (2010), é uma forma de investigação adequada para explorar e entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a uma questão social ou humana. Denzin e Lincoln (2006) afirmam que a triangulação presume uma importante concepção do fenômeno investigado, se constituindo num desenho seguro à pesquisa, garantindo rigor, riqueza, complexidade e complementaridade. A opção pela realização de rodas de conversa se deu por entendermos que essa estratégia possibilita uma aproximação entre o pesquisador e o universo da população-alvo da pesquisa, além de diminuir as possíveis influências que o pesquisador teria sobre os sujeitos da pesquisa ao deslocar o poder da discussão para o grupo (MADRIZ, 2000). Segundo Borges e Santos (2005), a roda de conversa permite aos seus participantes que se expressem, de forma conjunta, suas opiniões, impressões, conceitos e concepções sobre o tema proposto, 225


trabalhando de maneira reflexiva as manifestações apresentadas pelo grupo. Possibilita a criação de um espaço de diálogo e de escuta de diferentes “vozes”, incluindo a de grupos minoritários, que, muitas vezes, são silenciados ou interpretados segundo a ótica do outro que não compartilha da sua mesma opinião ou não possui os mesmos questionamentos. Constitui-se em um valioso instrumento de compreensão de processos de construção de uma realidade por um grupo específico. Por sua possibilidade de interação entre os participantes, a técnica de Roda de Conversa permite segundo Gatti, Compreender processos de construção da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e relações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias prevalentes no trato de uma dada questão por pessoas que partilham alguns traços em comum, relevantes para o estudo do problema visado...além de ajudar na obtenção de perspectivas diferentes sobre uma mesma questão, permite ideias partilhadas por pessoas no dia-a-dia e dos modos pelos quais os indivíduos são influenciados pelos outros (GATTI, 2005, p. 11).

Ao utilizar essa estratégia, objetivamos obter as concepções dos participantes, enquanto um grupo social, que dialoga entre si e constrói suas visões, não só de forma individual, mas também na relação que se estabelece entre seus pares. Por meio de um clima de acolhimento e cordialidade, espera-se que os sujeitos da pesquisa se sintam confortáveis para dividir experiências, aprendizados, situações do cotidiano e outros aspectos relevantes para a pesquisa sobre a sexualidade. Segundo Iervolino e Pelicioni (2001), a coleta de dados por meio da roda de conversa tem como base a discussão focada em tópicos específicos e diretivos em que, da interação com o pesquisador, os participantes são incentivados a emitirem o seu ponto de vista em relação ao tema de interesse. As “falas” produzidas representam as opiniões do grupo de estudo. Não há o compromisso de apresentar consenso durante as discussões, podendo existir pensamentos convergentes e divergentes que irão alimentar o debate. Cabe ao mediador garantir a participação igualitária de todos, evitando o monopólio da fala por um único participante, bem como estruturar as discussões de modo a 226 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


manter o foco no tema de estudo e evitar que polêmicas se prolonguem e desviem os participantes do objetivo da roda de conversa. A Roda de Conversa ocorreu na cidade de Mesquita, um município da baixada fluminense, e contou com a participação de, aproximadamente quarenta professores da rede pública, estudantes de licenciaturas e pedagogia e alunos da rede pública. O convite aos participantes, em função do grupo social a ser estudado, abrangeu sua variabilidade por experiência profissional, não obstante todos estavam ligados aos espaços formais e não formais de ensino. Por tratar-se de uma pesquisa cujo foco de investigação está diretamente relacionado a seres humanos, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovado sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 80346317.3.0000.5268. Ao iniciar a roda de conversa, todos os participantes foram informados dos objetivos do encontro, assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e um Termo de Autorização do uso de Imagem, uma vez que toda a discussão seria registrada em vídeo para posterior análise.

Resultados Conforme os participantes chegavam ao local da roda de conversa, eram recepcionados com um café da manhã bem diversificado. Este momento ajudou a criar um ambiente de acolhimento e possibilitou uma primeira interação entre os participantes. A sexualidade era o mote central do encontro, que visava, entre outros motivos, entender as concepções do grupo sobre o tema em questão, de maneira geral e no âmbito da sala de aula. As temáticas que surgiram desse momento versavam sobre diferentes aspectos da sexualidade. Destacamos, neste artigo, os depoimentos que dialogam com a relação da família ante a notícia de uma orientação sexual não heterossexual e as possibilidades de intervenção da escola na superação de dificuldades. Visando preservar a identidade dos depoentes, apresentamos nomes fictícios. Daniele é uma jovem de dezoito anos que cursa o último ano do ensino médio em uma escola próxima ao local de realização da roda de conversa. Seu depoimento nos leva ao momento em que comunicou à sua mãe sobre sua sexualidade homossexual.

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[...] Quando eu me assumi para a minha mãe, ela não aceitou muito. Teve a as perguntas e as desavenças, mas é aquela coisa de família. Mas eu cresci numa família que me acolheu sem saber o que eu era. Então foi um choque. Poxa, ontem minha mãe estava me abraçando, mas hoje está me batendo. E ainda tem as falas da rua. Ah, você é isso (gay), mas você já foi à igreja? Você já namorou um menino? Então. Essas coisas, as pessoas acham que não machuca, mas machuca. E ainda falam “nossa, você é tão bonita pra ser isso! [...] (Daniele).

Na fala da participante, podemos perceber os conflitos vividos ao assumir sua sexualidade. Como uma jovem que, desde cedo, já identificava sua sexualidade homossexual, o passo seguinte foi comunicá-la aos familiares próximos. Seu depoimento nos conta que sempre recebera apoio e carinho da família e, por isso, a surpresa ao ver todo aquele suporte familiar desaparecer ao assumir sua sexualidade. Conflitos com sua mãe, que não a aceitou, abalaram a relação das duas. O apoio familiar é muito importante para a superação de dificuldades. Jovens homossexuais precisam lidar com preconceitos, discriminações e incompreensões de grande parte da sociedade (PALMA; LEVANDOWSKI, 2008). Nesse sentido, a falta desse suporte por parte da família torna esse processo de lidar com a própria sexualidade muito mais difícil e turbulento. Muitas vezes, esse momento de emancipação da própria sexualidade se transforma em frustração por conta do abandono familiar. Em alguns casos, a família não só deixa de apoiar o jovem gay como também pode contribuir para a violência e preconceito. Daí advém comportamentos de automutilação e pensamentos suicidas que podem, em casos extremos, se traduzirem em ações concretas para pôr fim à própria vida. [...] Eu me assumi quando eu tinha 12 anos. Como uma menina de 12 anos fala isso pra mãe? Depois de quatro anos tentando conseguir o respeito da minha mãe e a aceitação, [...] eu tinha 16 anos, eu falei “mãe, eu não mudei. Eu ainda sou gay” [...] Ela olhou nos meus olhos disse: eu não te aceito, mas eu te respeito. E aquilo foi o ápice para mim. Mudou tudo. É diferente porque sem o amor da minha mãe, eu pensava em suicídio, eu pensava no fim, eu falei: porque eu to aqui? Eu sou um fardo para minha família. Mas depois que minha mãe disse aquilo, eu comecei a ver meu futuro... Eu sou gente. Eu estou sendo gente que eu mereço ser. Os homossexuais merecem ser (gente) [...] (Daniele).

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Vários autores apontam a ideação suicida como consequência após a vitimização homofóbica (BIRKETT et al., 2009; BONTEMPO; D'AUGELLI, 2002; FAULKNER; CRANSTON, 1998; HERSHBERGER; D'AUGELLI, 1995; RIVERS, 2001, 2004; RUSSELL, 2011; RUSSELL et al., 2011). A ausência de suporte familiar para lidar com uma carga emocional elevada advinda de preconceitos, agressões físicas e morais e discriminação no ambiente escolar pode fazer surgir, em alguns indivíduos, os ideais suicidas. Um retrato infeliz da nossa herança cultural e de uma sociedade que vê a homossexualidade como maldição. Foi consenso entre os participantes da roda de conversa que a falta de suporte psicológico, a ausência de apoio familiar e alguns fatores fisiológicos internos poderiam se somar na produção do suicídio, no entanto é difícil apontar um único fator ou uma única causa que leve alguém a cometer esse ato de violência contra si próprio, tornando ainda mais difícil o acompanhamento e a prevenção. E o papel da escola nesse cenário? Foi colocado, durante a roda de conversa, que a escola possui grande potencial ao se manter alerta aos pequenos sinais que adolescentes e jovens dão, no dia a dia, indicando uma possível fragilidade ou desequilíbrio emocional. Em uma sociedade cada vez mais exigente, alguns jovens podem adquirir elevados níveis de ansiedade perante a necessidade de corresponder a determinadas expectativas. Nesse momento, a falta de apoio pode comprometer a estabilidade emocional. A escola, como um espaço de convivência, tem potencial para auxiliar na observação e alertar aos responsáveis para que estes possam obter o auxílio necessário. Talvez a própria figura do psicólogo escolar poderia atuar mais diretamente com os jovens de famílias que, muitas vezes, não possuem os meios ou recursos para buscar ajuda especializada. Segundo Teixeira-Filho e Rondini (2012) a adolescência é um período em que o indivíduo se torna mais susceptível a conflitos emocionais. À medida que se dá o desenvolvimento e amadurecimento biológico e psicológico, ele/ela depara-se com as primeiras pressões sociais que, articuladas à realidade emocional dos envolvidos, podem contribuir para alterações de comportamento e surgimento de quadros depressivos, os quais, se não forem superados, correm risco de desembocar em ideações e tentativas de suicídio. Diversos estudos concluíram que a tentativa de suicídios e ideias suicidas em homossexuais pode ser até três vezes maior que em indivíduos heterossexuais, sendo a adolescência o período mais crítico 229


(RAMAFEDI, 1994; SAVIN, 1996; PAUL-GIBSON, 1989; GAROFALO et al, 1998; TAMAM et al, 2001; D’AUGELLI et al, 2002; HERRELL et al, 1999 apud TEIXEIRA-FILHO; RONDINI, 2012). A prevalência de suicídios em adolescentes não heterossexuais está relacionada à desesperança e negação interna da sexualidade, que costumam ser reforçadas pela sociedade heteronormativa em que vivemos (OLIVEIRA, 1998). É necessário viver o luto pela identidade heterossexual antes de viver e aceitar a sua própria identidade sexual. Para alguns jovens, esse processo pode ocorrer de forma abrupta, ou de maneira muito lenta ou ainda nem ocorrer, tornando-o frustrado em relação à sua vida sexual. Apesar de, hoje em dia, haver maior flexibilização em relação aos papeis desempenhados pelos gêneros, a adolescência para jovens que não se alinham ao padrão heterossexual ainda permanece marcada por conflitos. O(a) adolescente homossexual sabe que sua sexualidade diferente da de seus colegas pode ser fator de não aceitação por seu grupo de amigos, familiares e sociedade em geral. A homossexualidade é negativamente tratada, em programas humorísticos, novelas, filmes e na escola (LOURO, 1997; CLAUZARD, 2002; NASCIMENTO, 2004) e contribui paras posturas e sentimentos negativos a respeito de si mesmo, que, como estudou Hardin (2000), nascem das mensagens negativas amplamente divulgadas pela sociedade em torno da homossexualidade, resultando numa introjeção dessa homofobia. Todos esses fatores tornam a pessoa não heterossexual mais vulnerável a apresentar determinados comportamentos de risco, que, em geral, são comuns na adolescência. A educação sexual, como um programa escolar, poderia contribuir para desmistificação da homossexualidade e de seu caráter pejorativo que ainda é reproduzido na sociedade. Além de auxiliar o(a) jovem homossexual na auto-aceitação e na superação pela heterossexualidade perdida, poderia contribuir na construção de cidadãos que valorizam outras formas de representação da sexualidade. Como a participante diz em sua fala, “os homossexuais são gente e merecem ser gente”. São pessoas como todas as outras e não cidadãos de segunda classe. Abolir concepções preconceituosas e construídas sobre bases da segregação e superioridade heteronormativa são pontos importantíssimos dentro da fala e da voz dessa participante que convergem para o avanço de uma sociedade mais justa e igualitária. O depoimento levantou reações de apoio à Daniele. Muitos demonstraram surpresa por, desde muito cedo, a participante ter a 230 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


convicção de sua orientação sexual. Houve algo como um acolhimento maternal, talvez para tentar mostrar o apoio que sua mãe demorou tanto para conceder. E também para deixar claro que há muita gente interessada nas questões dos homossexuais, na luta contra o preconceito e contra a discriminação. Outro depoimento que conversa com a orientação sexual não heterossexual foi dado por uma professora que buscou criar um diálogo com sua filha a respeito de sua sexualidade. (...) minha filha tem 13 anos, vai fazer 14 em outubro [de 2017] e ela vinha num processo de muitos conflitos e mãe sabe coisas. Antes de pensar, a mãe tem intuição e sabe. Então eu senti que ela tinha algo a me dizer a respeito da sexualidade dela, mas eu respeitei o tempo dela me dizer, né. Houve um momento que eu perguntei pra ela “e você filha, gosta de menino ou de menina?” Ela me olhou assustada. “Não, minha mãe não pode fazer essa pergunta”. E ai, pelo whatsapp, ela não mora comigo, mora com a avó paterna, mas a gente tem um diálogo reto, horizontal. “Mãe, preciso te contar porque eu sinto que você tem que saber, você merece saber, e eu descobri que sou bissexual e é isso. Depois de muito refletir, eu cheguei à conclusão de que eu sou bi mesmo e é isso”. Aí eu respirei porque, até então entre intuir e saber, ne. Não, de forma algum meu amor diminuiu ou passou por mim aquela questão de “ah, preciso aceitar”. (Helena)

O discurso acima evidencia uma mãe que deseja participar da vida de sua filha, inclusive no que diz respeito à sua sexualidade. Apesar de não estarem próximas fisicamente, o uso de tecnologias permite a aproximação emocional das duas. Segundo conta a participante, a intuição de mãe a fez perceber que sua filha poderia ter uma orientação sexual não heterossexual. A reação surpresa da filha ao ser questionada poderia indicar que ela ainda não se sentia preparada para compartilhar essa parte importante da sua vida. Ou talvez ainda não compreendesse o que estava sentindo. Em relação a isso, Mott (1987) afirma que são poucas as homossexuais/bissexuais que conseguem a maturidade da auto-aceitação e revelam a sua orientação sexual para familiares ou colegas. Algum tempo depois, após refletir e compreender melhor o que se passava em seu interior, a própria filha buscou a mãe para compartilhar seus sentimentos acerca de sua própria sexualidade. O que antes era intuição, agora é certeza e diante disso, a mãe procura dar um suporte emocional, mostrando que o amor não mudou em absolutamente nada diante da notícia de uma orientação sexual 231


diferente do padrão heteronormativo. Mott (1987) também afirma que a maioria das mães que têm filhas homossexuais parece esperar uma mudança nessa orientação sexual com o passar dos anos, evidenciando a não aceitação à orientação sexual da filha e uma esperança num retorno à heterossexualidade. A fala da participante “não, de forma algum meu amor diminuiu ou passou por mim aquela questão de ‘ah, preciso aceitar” parece criticar alguns casos, principalmente dentro das famílias, que dizem aceitar a condição de não heterossexualidade, contudo se mostram deprimidas diante da notícia. A própria roda de conversa apontou para a frequência de discursos como “respeito, mas não aceito”, a exemplo do depoimento de Daniele. Este pensamento contribui para a intolerância e o inconformismo diante da notícia, tornando a família, para a maioria de lésbicas e bissexuais, a principal fonte de repressão e cobradora de compromissos sociais heterossexuais. As famílias atuam a partir da crença de que todos os filhos serão heterossexuais e crescerão segundo esse estilo de vida (SANDERS, 1994). A dissonância entre o projetado e a realidade pode ser fonte de conflitos que não serão facilmente dissolvidos sem mudança dos pressupostos da família. Arquivos do Grupo Gay da Bahia trazem registros de filhos e filhas que sofreram inúmeras agressões físicas por parte dos pais, quando esses descobriram sua homossexualidade/bissexualidade (MOTT, 2003). [...] A minha preocupação é como eu vou conduzi-la numa sociedade que é tão preconceituosa e separa “isso é de menina, isso é de menino”. Mas eu conheço minha filha desde a barriga. Já sabia que em algum momento algum processo poderia acontecer. E ai, meu discurso pra ela foi que “primeiramente não precisa ter vergonha de me falar nada, por mais errada que esteja, eu quero ser a primeira a saber. Segundamente, eu te amo. Nada muda. E vamos então agora procurar uma psicóloga. Não tem mais escolha porque você vai precisar estar preparada pra enfrentar a não aceitação, inclusive dos avós, que acham que ela está errada. Mas o meu amor, a minha admiração não muda, ela é minha filha, meu amor [...] (Helena).

Nesta fala, a mãe revela a preocupação em relação aos desafios que a filha irá encontrar ao se assumir diferente da norma heterossexual. Preocupações que decorrem do preconceito, da discriminação e da violência que a filha poderá sofrer ao revelar sua identidade sexual. A mãe evoca mais uma vez a intuição para buscar ajudar a filha nesse aspecto de sua vida, pois entende que há muitas questões que podem 232 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


provocar ansiedade e abalo psicológico. E deixa clara a opção por amá-la integralmente, em todas as suas particularidades. Quando há o apoio familiar, os desafios da vida em sociedade se mostram menos assustadores. Mott (1987) nos diz que poucas famílias aceitam e convivem bem com membros de orientação sexual não heterossexual, estando mais presentes a intolerância e o inconformismo. Desses sentimentos negativos advêm rupturas na relação familiar em decorrência do luto pela alteração dos planos futuros. Strommen, citado por Goldfried e Goldfried (2001), enfatizou que os pais passariam por diferentes fases no seu processo de aceitação da homossexualidade dos filhos, sendo que a última delas, após a superação do luto pela identidade heterossexual do/a filho/a, seria a aceitação completa. Contudo, o tempo necessário para concluir este processo pode variar entre os diferentes indivíduos do grupo familiar. É comum a incitação à auto-anulação da identidade homo/bissexual, numa tentativa de reaver os sonhos e planos futuros decorrentes da identidade heterossexual. A mudança de perspectiva, com reorganização de valores e expectativas é o primeiro passo na aceitação da identidade homo/bissexual. Foi dito, durante a roda de conversa, que a negação da identidade homossexual/bissexual é a negação da realidade que se apresenta e que esta deveria ser “confrontada”, não no sentido do embate e sim na percepção, assimilação e aceitação para que possa haver um canal de diálogo aberto e propício à orientação, pensando sempre no crescimento pleno e saudável como uma pessoa que merece buscar sua felicidade afetiva. Nesse sentido, a participante orienta sua filha no que pensa ser o mais correto: o acompanhamento psicológico. Questões como a rejeição dos avôs e da sociedade como um todo foram levantadas para justificar esta ação. Segundo Palma e Levandowski (2008), o processo de aceitação da identidade não heterossexual nem sempre ocorre de forma espontânea, podendo haver a necessidade de uma intervenção psicológica no sentido de expandir a visão da sociedade e, consequentemente, das famílias, para a importância da aceitação e do apoio aos seus membros nas diferentes formas de relacionamentos afetivos, sexuais e arranjos familiares existentes na atualidade. Nessa perspectiva, quem mais necessitaria do apoio psicológico não é a filha em si, que revelou sua bissexualidade, mas os avós, que não a aceitam. 233


De acordo com a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a homossexualidade/bissexualidade não é passível de tratamento uma vez que não se configura doença. Ou seja, qualquer intervenção psicológica que tenha como propósito a reversão da identidade homossexual é considerada antiética e sujeita à punição pelo CFP. Podemos dizer que a homossexualidade não tem cura, mas o preconceito e discriminação sim. Seria ótimo se todos pudessem frequentar regularmente o psicólogo, mas esta é uma hipótese de difícil implementação. Uma alternativa poderia ser alcançada ao evitar que tais concepções se instalem, pois ninguém nasce odiando o próximo. Daí a importância da educação sexual desde a base, visando o entendimento da construção da sexualidade, mostrando que existem muitas formas de viver a própria sexualidade e que não há nenhum demérito em ser diferente da norma heterossexual. Quem sabe, um dia, a própria questão da heterossexualidade como um padrão possa ser superada. Mas na cabeça da gente, mãe, a preocupação é como o filho vai enfrentar o mundo lá fora. Porque a gente quer proteger. É natural que a gente queira proteger [...] Eu falei pra ela também hetero ou não, você tem que respeitar o seu corpo e o corpo do outro. Você é a mesma, se você ficar com menino é assim, respeitese. Respeita. Se você ficar com menina, respeita a menina, respeita você. A regra é básica, bem matemática (Helena).

Nesta fala, a participante demonstra a preocupação em orientar a filha em relação ao lidar com as relações humanas, independente de gênero. A roda de conversa se mostrou unânime em concordar que o respeito deveria estar em primeiro lugar ao nos relacionarmos com o outro, independente de ser uma relação esporádica, uma relação contínua ou mesmo afetiva/amorosa. São regras básicas da convivência em sociedade ou, como no discurso da participante, “bem matemática”. Outro ponto que chamou a atenção da roda de conversa foi o acolhimento da mãe à sua filha, abrindo caminho para que o diálogo se estabeleça de forma contínua. Mesmo em face da aparente dificuldade da filha em comunicar sua orientação sexual, a mãe compreendeu e tentou auxiliá-la da melhor forma que achou necessário. Atitudes como a de Helena ajudam às novas gerações ao dar segurança de que poderão contar com o apoio de seus pais, independentemente das idealizações que são feitas para a sua vida. Sabemos que todos os pais possuem altas expectativas em relação aos seus filhos e que, muitas vezes, é difícil corresponder a todos os planos que surgem antes 234 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


mesmo do nascimento. Porém no fundo, o que nos une a todos, pais e filhos, independente de cor, credo ou orientação sexual é o desejo de sermos felizes e ver a felicidade daqueles que amamos.

Considerações finais Falar sobre a sexualidade humana, ainda hoje, é considerado um grande tabu. Ainda mais agravado quando se trata de uma sexualidade não heteronormativa. O silêncio tem sido a atitude mais comum nas famílias e nas escolas, o que não impede a curiosidade ou o estabelecimento de uma orientação sexual divergente do padrão. Muitos não se sentem confortáveis para discuti-la, porém este debate é necessário a fim de entender a sexualidade como uma das identidades que nos define, sendo construída ao longo de toda nossa vida sob influência da cultura, da história e da sociedade a qual estamos inseridos. Ao admitirmos a sexualidade dessa forma, talvez seja possível abrir um canal que permita o diálogo e a compreensão do que nos faz ser humanos, ou seja, poli, múltiplo e diverso nas formas de amar, de se enxergar e de compreender o outro. A sexualidade como algo intrinsecamente e exclusivamente biológico nos levou a incompreensões, preconceito e violência e, por isso, devemos superar essa visão limitante. E a escola se mostra um local privilegiado para uma ação que se propõe a discutir e ampliar a visão de sexualidade da sociedade, pois é onde os jovens passam grande parte do seu tempo, frequentando desde a infância até, esperase, a conclusão do ensino médio, em contato com uma diversidade de indivíduos e opiniões diferentes. É esperado que, na escola, os jovens questionem, reflitam e se posicionem sobre vários aspectos da vida em sociedade, inclusive sobre a igualdade de gênero, homossexualidade e homofobia. Destarte, questões de relevância social devem ser inseridas e debatidas de maneira crítica e reflexiva, constituindo elementos fulcrais de uma educação sexual emancipatória. A educação sexual se constitui como um importante espaço de discussão, proposição e efetivação de ações concretas que promovam o combate à discriminação, o preconceito e a violência sexual, seja ela simbólica ou física. A escola é, em si, um espaço onde as manifestações sexuais se evidenciam nas relações cotidianas, ainda que, em sua 235


maioria, comportamentos e atitudes que exprimam curiosidade, desejo ou prazer em decorrência da sexualidade sejam coibidos pelo corpo escolar. Contudo, devemos superar o receito em falar sobre sexualidade para que possamos ir além de uma visão de educação sexual normativa, preventiva, moral e repressora. Os depoimentos trazidos à roda de conversa nos dão subsídios para entender a dinâmica que se estabelece internamente, quando o(a) jovem se descobre homossexual, e externamente, com as possíveis reações dos familiares. Todo esse processo, nem sempre harmônico e, muitas vezes, traumático, poderia ser menos doloroso caso o debate sobre a sexualidade fosse realizado desde cedo, seja nas famílias ou na escola. Talvez assim, outros jovens que divergem do padrão heterossexual, como Daniele, não demorariam pra compreender que são gente e que merecem ser felizes.

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Webmuseu: a cultura e o sagrado das plantas medicinais no ensino de ciências

“Mona ni kisaba, Kafuê ni kisaba” Luciano Henrique Lourenço

Introdução: Este estudo procurou mostrar a contribuição de se investigar sobre os conhecimentos tradicionais, em especial, sobre a importância das plantas medicinais sob a narrativa dos sacerdotes dos terreiros de candomblé angola, além de propor a produção de um webmuseu, tendo em vista o cotidiano da sala de aula atual, que necessita aproximar o dia a dia dos alunos tanto em relação ao conhecimento científico quanto do conhecimento tradicional africano. A escola deve ser vista como um espaço de compreensão e diálogo entre esses conhecimentos, a partir do seu grupo sociocultural, que são trazidos pelos alunos para serem socializados. De certa forma, esta também é uma visão das Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Ciências, que afirma que os saberes científicos e do cotidiano se relacionam no ambiente escolar, através de conhecimentos, por meio de diálogos e atividades desenvolvidas em sala de aula (PARANÁ, 2011). Para isso os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) orientam através de dois eixos principais: a interdisciplinaridade e a contextualização. A contextualização requer intervenção do estudante em todo o processo de aprendizagem, conectando os conhecimentos, podendo ser abordados aspectos físicos, psíquicos, culturais, políticos, mas podem também fazer referência aos seus familiares. O ensino de ciências contempla o estudo das plantas e as relações do ser humano com o meio ambiente, mas o que se observa é que o estudo sobre as plantas medicinais ainda é abordado de forma precária no que se refere aos conteúdos curriculares; entretanto, 239


o uso dessas plantas é comum entre os alunos e seus familiares no tratamento alternativo ou cura dos males físicos e emocionais (PARANÁ, 2011). Entender que há saberes sobre plantas medicinais na tradição familiar de algum grupo de educandos e trazer para o contexto histórico e social a existência desses saberes que é fruto do conhecimento indígena e africano que se perpetuou ao longo dos anos através dos ensinamentos e práticas não formais de aprendizagem através da oralidade é considerado um importante resgate cultural a se implementar e que se pretende investigar no presente projeto de doutorado. O tema em tela me despertou o interesse no decorrer da minha trajetória de vida profissional e espiritual e do ponto de vista pessoal, me iniciei no Candomblé de Angola e recebi o cargo de “Taata Kisaba”, que significa o responsável pelas plantas sagradas. Percebi o quanto de ensino tradicional existe dentro desse espaço e quanto podemos perder esse acúmulo da sabedoria tradicional e oral se não registrarmos esses saberes deixados pelos nossos ancestrais. Essa cultura é transmitida pela oralidade e muito já foi perdido. Considero relevante destacar que minha casa religiosa é um Ponto de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, onde realiza oficinas de “comidas sagradas”. Estar nessa militância para assegurar a cultura dessas comunidades tradicionais, aliada à forma, ainda, preconceituosa dos espaços educacionais no que se referem à cultura negra e, consequentemente, poder dar minha contribuição na área acadêmica e tecnológica para o resgate e manutenção dessa cultura. Isto se justifica pelo fato de que a maior parte da população brasileira é composta por pessoas que se autodeclaram negros e pardos, o que demonstra a miscigenação, principalmente, por parte dos negros africanos vindos através do tráfico negreiro. Estima-se que o tráfico negreiro trouxe cerca de cinco milhões de africanos para o Brasil (ALENCASTRO, 2000) de origem bantu, ewé, fon, yorubá entre outros. Essa população negra trouxe, após três séculos de tráfico escravo no Brasil, algumas espécies florestais trazidas da África, da mesma forma que os negros escravizados introjetaram algumas plantas nativas do Brasil na sua cultura. Os primeiros a chegarem (século XVI) e os mais numerosos (estima-se em 40%) através do processo escravagista, foram os do grupo linguístico chamado bantu que hoje compreende o Congo e Angola. 240 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


É importante salientar que os outros grupos linguísticos sofreram uma influência cultural e linguística do povo bantu, como por exemplo, a própria designação da religião: candomblé (BARROS, 2007). Os bantus chegaram no momento em que a escravidão indígena já estava instituída (MARQUESE, 2006; LUZ, 2005), mostrando que foram os primeiros a manter contato com os indígenas e com isso sofrendo forte influência cultural, principalmente, sobre os saberes tradicionais de utilização das plantas em curas. Conhecer a cultura afro-brasileira significa entre outras coisas, “quebrar” preconceitos. No Brasil ainda persiste [...] um imaginário étnico racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes europeias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana, a asiática (BORGES, 2015, p.1).

A Lei 10.639/2003 determina que as disciplinas escolares trabalhem conteúdos sobre a história e cultura afro-brasileira, possibilitando assim, que os alunos afrodescendentes resgatem na escola a sua identidade étnica (BRASIL, 2003) e a escola, sobretudo no ensino de Ciências, é um dos espaços onde há oportunidade de as pessoas aprenderem sobre o valor da cultura e manterem contatos com as diferentes práticas culturais, no que se refere à etnobotância, principalmente, que pode estar atrelada à botânica, cultura e saúde. Através do Decreto 6.040/2007 foi definido como Povos e Comunidades Tradicionais [...] os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas própria de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (SEPPIR, 2016, p. 02).

Nesse contexto, essas organizações coletivas e tradicionais incluem a relação com o universo sagrado oriundo de diferentes contextos culturais africanos e de desenvolvimento sustentável como promoção da melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais nas gerações atuais, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras. Os povos tradicionais de matriz africana são comunidades heterogêneas que preservam os macros padrões culturais que foram trazidos da África, devido ao tráfico negreiro (SEPPIR, 2016). 241


O candomblé de Angola é o representante do povo bantu no Brasil esse povo se caracteriza por ter o mesmo tronco linguístico para diversas línguas faladas nessa região, como por exemplo, kimbundu, kikongo e umbundu. Uma de suas características é a subdivisão desta nação religiosa em raízes, como se fossem “subnações”, o que na verdade seria uma composição familiar, amparada no mito das origens de seus fundadores (ADOLFO, 2010), mas que vão carregar elementos característicos de linguagem, rezas e fundamentos do sagrado vão se diferenciar muito pouco uma das outras. O principal argumento que apresento para justificar o presente projeto é a falta de pesquisa sistemática sobre o candomblé de Angola, principalmente no que se refere à flora utilizada de forma curativa e ritualística. As referências bibliográficas disponíveis na atualidade estão associadas à cultura Yorubana, principalmente as nações keto, nagô e jêje, como por exemplo: “Plantas Medicinais” (ALMEIDA, 2011); “Ewé: o uso das plantas na sociedade ioruba” (VERGER, 1995); “Ewé Òrìsà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casa de candomblé Jêje/ Nagô” (BARROS; NAPOLEÃO, 2015); “O segredo das Folhas: sistema de classificação de vegetais no candomblé Jêje-nagô do Brasil” (BARROS, 1993) e “O que as Folhas Cantam: para quem canta folha (SANTOS; PEIXOTO, 2014). Diante destes fatos parto do pressuposto de que além do conhecimento científico que já é amplamente divulgado como conhecimento verdadeiro há também os conhecimentos que circulam nas comunidades de terreiro, como o candomblé de angola, sobre plantas medicinais, saúde, cura, doença, que são ensinados por seus sacerdotes e sacerdotisas, e que também são válidos, mas são pouco divulgados, sobretudo pela comunidade científica do campo do ensino de ciências, que não tem desenvolvido pesquisa a respeito dessa temática.

Ensino de botânica e plantas medicinais O ensino de Botânica utiliza, em grande parte, listas de nomes científicos e termos dissociados da realidade para definir conceitos e sem vínculos com a realidade da natureza vegetal, os quais nem sempre são compreendidos pelos alunos e professores da educação básica (CRUZ; JOAQUIM; FURLAN, 2011). Nesse sentido, verifica-se também 242 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


que a maioria dos docentes assume a utilização de uma metodologia tradicional e memorizadora no ensino da Botânica (CRUZ; JOAQUIM; FURLAN, 2011), resultando em aulas, geralmente, desinteressantes e cansativas, comprometendo o processo de ensino e aprendizagem e tendo como consequência o desinteresse do aluno por estudar, compreender melhor o reino vegetal, sua biodiversidade, que é tão grande aqui no Brasil e que está sempre tão perto de qualquer pessoa, seja na alimentação, no quintal da casa, no canto da sala do apartamento, no jardim, nas avenidas e parques da cidade. Portanto, constata-se a necessidade de criar diferentes formas de ensinar e despertar o interesse dos alunos pela Botânica e o presente projeto tem esse propósito, com a criação de um webmuseu. Cruz, Furlan e Joaquim (2011) relata que “em geral, professores dependem de constante atualização para que ocorram modificações em suas práticas educativas” e cita uma experiência no ensino de Botânica com alunos da escola básica: [...] o ensino de botânica caracteriza-se como muito teórico, desestimulante para os alunos e subvalorizado dentro do ensino de ciências e biologia [...] as aulas ocorrem dentro de uma estrutura do saber acabado, sem contextualização histórica. O ensino é centrado na aprendizagem de nomenclaturas, definições, regras etc (KINOSHITA et al., 2006 apud CRUZ; JOAQUIM; FURLAN, 2011).

Cruz, Joaquim e Furlan (2011) em suas pesquisas com escolas de ensino fundamental utilizando plantas medicinais constatam que alguns alunos não tinham conhecimentos prévios efetivos sobre plantas medicinais, demostrando que o tema é pouco abordado e discutido nas aulas de ciências. Porém alguns alunos que mencionaram os nomes de algumas plantas possuem antecedentes familiares de pessoas que cultivam ou utilizam constantemente essas plantas, como, por exemplo, os avós que, em alguns casos, residem em zonas rurais. Na produção Didático-Pedagógica do estado do Paraná o ensino de ciências contempla o estudo das plantas e as relações do ser humano com o meio ambiente e o que se observa é que o estudo sobre as plantas medicinais é abordado de forma superficial nos conteúdos curriculares; entretanto, o uso dessas plantas é comum entre os alunos e seus familiares no tratamento alternativo ou cura dos males físicos e emocionais (PARANÁ, 2011). 243


Cruz, Furlan e Joaquim (2009) observaram que os professores não trabalham conteúdos específicos nas aulas de Botânica, somente aspectos sobre meio ambiente, como poluição e tipo de vegetação e ainda verifica-se que existe uma cautela para se inserir conteúdos referentes às plantas medicinais, o que justifica a necessidade de romper as barreiras disciplinares que dificultam reflexões interdisciplinares sobre o processo de ensino e aprendizagem dessas plantas, uma vez que esse tipo de estudo é importante, inclusive, para advertir sobre os perigos que estas exercem se forem utilizadas de forma incorreta. Para Machado e Amaral (2014) existe uma possibilidade de atrair os alunos para o mundo das plantas que seria estabelecendo um diálogo com a dimensão cultural e uma outra possibilidade é despertar as lembranças afetivas relacionadas as plantas atacando assim o que eles chamam de “cegueira botânica”. Almeida (2011, p. 43) exemplifica em seu trabalho, o uso da arruda nas rezas e o banho de sal grosso, para curar o mau-olhado como exemplo de remédio, em que “todos os meios físicos, químicos ou psicológicos através dos quais se procura o restabelecimento da saúde”, caracterizando, desse modo, as práticas religiosas de cura com utilização de ervas medicinais como sendo reconhecida na medicina tradicional. É importante o entendimento dos conceitos de saúde, doença e “remédio” da população que está sendo investigada, pois tais conceitos são variáveis em cada cultura e é necessário levar em consideração o contexto no qual uma determinada planta é considerada como medicamento (ALMEIDA, 2011). Araujo (2017) reafirma que a medicina tradicional é pautada na sua antiguidade, compreendendo o somatório de conhecimentos, competências e práticas que repousam sobre teorias, crenças e experiências próprias a diferentes culturas, sejam elas explicáveis ou não pela metodologia científica hegemônica no campo da saúde, mas que são utilizadas para a preservação da saúde, assim como para a prevenção, o diagnóstico e a melhoria ou mesmo o tratamento de doenças físicas ou mentais. O uso de plantas medicinais no Brasil está muito ligado à cultura indígena, (GRANTI et al, 1989) e depois com a influência africana devido à escravidão (BARROS, 2007). Os primeiros negros a chegarem ao Brasil (século XVI) e os mais numerosos (estima-se em 40%) através do 244 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


processo escravagista foram os do grupo linguístico chamado Bantu, que hoje compreende o Congo e Angola (BARROS, 2007). Os Bantus chegaram no momento em que a escravidão indígena já estava instituída (MARQUESE, 2006; LUZ, 2005), mostrando que foram os primeiros a manter contato com os indígenas e com isso sofrendo forte influência cultural, principalmente sobre os saberes tradicionais de utilização das plantas em curas. Essa medicina tradicional acabou tornando-se mais religiosa e apesar de empregarem recursos da natureza como recurso básico de intervenção de cura, ela é inegavelmente mais espiritualista, sendo “seu agente de cura mais importante é normalmente um sacerdote (ou sacerdotisa)” (LUZ, 2005, p. 156). Grandi et al (1989, p. 186) confirmam que “muitas plantas foram trazidas da África pelos negros e, além de serem usadas como medicinais, fazem parte dos ritos afro-brasileiros e, para grande parte da população, têm poderes mágicos”. Dessa forma, algumas espécies foram trazidas da África, da mesma forma que os negros escravizados introjetaram algumas plantas nativas do Brasil na sua cultura e em novas condições sociais e florestais, algumas plantas indispensáveis aos rituais foram substituídas (ALMEIDA, 2011). Essa aculturação bilateral entre os padrões europeus e africanos foi observada na medicina tradicional em 1942. Os Babalorixas e Yalorixas (sacerdotes) prescrevem o uso das folhas, raízes, sementes e cascas para fins medicinais, observando-se um intenso consumo de espécies vegetais em bancas de mercados populares e vendedores ambulantes, e constituindo assim um complexo sistema de saúde não oficial, onde participam erveiros, centros religiosos e comunidades (ALMEIDA, 2011). A autora conclui que o uso popular de plantas medicinais nessas condições, constitui um complexo sistema de saúde não oficial em que participam “erveiros”, centros religiosos e comunidade. Durante muitos anos, esse sistema paralelo de terapêutica foi duramente criticado pela sociedade e até mesmo alvo de perseguição. Diante do exposto, um webmuseu pode contribuir significativamente para que estudantes e professores possam se utilizar dessa ferramenta para uma maior aproximação com o conteúdo sobre plantas medicinais, contribuindo, desse modo, para uma maior aprendizagem do estudo da botânica.

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Sobre o webmuseu A proposta de webmuseu como uma ferramenta de apoio pedagógico vai ao encontro a Aquino et al (2007) ao afirmar que [...] as disciplinas ensinadas na escola mostram que nesse processo em que se inclui imagem, imaginário e representações, existem operações que podem conferir sentido, dar conteúdo e formas interpretativas das realidades, bem como fazer o contrário, a operação reversa, retirar sentido, eliminar conteúdos e formas de realidade, construindo a despotencializacão de alguma apropriação que se queria de um fato em si ou do que se imagina dele (AQUINO, 2007, p. 25).

Segundo Rinchart apud Oliveira (2007) a grande vantagem de ter um museu digital é a capacidade de alcançar públicos remotos, poder apresentar diferentes interpretações de exibições e coleções lado a lado e a natureza interativa do meio e isto reforça a justificativa do presente projeto, pois há o interesse de que o webmuseu proposto atinja diferentes públicos e que vivem em diversos municípios brasileiros, sobretudo aqueles que não possuem museus. Por muitas décadas, os museus vem se transformando e assumindo diferentes funções, assim como de disponibilizar informações e proporcionar fruição estética, lazer e sociabilidade (ROCHA, 2009). A partir de 1990, surge um novo conceito de museu que “decorre do nascimento de uma nova sociedade: a sociedade da informação, e da sua cultura” (LUSSÁ, 2002). Na atualidade, museu é sinônimo de coleção, de acervo, de documentação, conservação, exposição e informação de qualquer tipo de objeto, organizado por alguém ou por uma instituição, com ambição de apresentar ao público, criar formas educativo-pedagógicas, pesquisa e extensão, reconfigurando a ideia de que o museu seja um lugar de depósito de objetos antigos. Em 2001, houve a mudança de definição de museu pelo International Council of Museums - ICOM que, a partir de então, passou a ser: “centros culturais e outras entidades voltadas à preservação, manutenção e gestão de bens patrimoniais tangíveis e intangíveis (patrimônio vivo e atividade criadora digital)” foram oficialmente admitidas como membros da categoria “museu” (LOUREIRO, 2004). 246 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Mais recentemente, no final do século XX, a instituição museu, enquanto espaço físico, se amplia, com o avanço da tecnologia, e, desse modo, um novo museu, que está no ciberespaço, o virtual, prescinde do espaço físico, onde estão os objetos que devem ser observados. Desse modo, com a melhoria do tráfego de internet, aumentaram significativamente o número de sítios chamados de museus, ostentando nomes como webmuseu, cibermuseu, museu digital ou museu virtual; alguns deles apresentando-se como interface de instituição museológica construída no espaço físico. Ao mesmo tempo, foram criados sítios que, embora sem equivalência no mundo físico, também se intitulam museus e apresentam acervos formados por diversos tipos de reproduções digitais e também de obras de arte criadas originalmente em linguagem digital (LOUREIRO, 2004). Por um lado significando uma interface com os museus presenciais, de outro não possuindo uma interface presencial, designando os seus acervos para uma ordem digital e criando uma qualidade que tem o objetivo de manter a relação de semelhança com as origens daquilo que se conhece como museu (OLIVEIRA, 2007). Percebe-se uma mudança de paradigma na ideia de museu não somente pela materialidade dos lugares e dos objetos físicos, traço que acompanhou o fenômeno museu desde suas origens, mas pela centralidade de informações, em que os museus produzem e processam informações extraídas dos itens de suas coleções – individualmente ou em conjunto – de modo a gerar novas informações (OLIVEIRA, 2007). Isso se deve às Tecnologias de Informação e Comunicação - TIC que vêm modificando as relações dos indivíduos com a natureza, o trabalhos e a educação, colocando estes cada vez mais dependentes do uso da ciência e da técnica. E essa ideia perpassa por pensar as TICs como elemento construtor de uma sociedade mais inclusiva e justa socialmente (AQUINO et al, 2007). Loureiro (2003) afirma que os museus no ciberespaço se caracterizam pela imaterialidade, ubiquidade, provisoriedade, instabilidade, caráter não necessariamente institucional, hipertextualidade, estímulo à interatividade e tendência à comunicação bi ou multidirecional e ainda caracteriza os webmuseus como aparatos informacionais implica, entretanto, novo alargamento do conceito de documento, pois no conceito de documento digital está implícita a renúncia à materialidade como critério definidor. 247


Aquino et al (2007), trabalhando na criação de um museu virtual de imagens da cultura africana e afrodescendente, viram a necessidade imediata de reflexão sobre o papel que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) exercem na desconstrução de imagens preconceituosas e na construção de uma sociedade multicultural, inclusiva e justa socialmente. E por esse rumo caminho que o projeto caminha para alinhar as perspectivas pedagógicas relacionadas a plantas medicinais e os povos tradicionais de matriz africana num contexto cultural de utilização de plantas medicinais.

Considerações finais Falar sobre cultura negra é ainda um desafio e uma parte importante dessa responsabilidade tem que ser assumida pela escola e pela academia. Dar outros contornos de como podemos interagir com o meio ambiente dentro da visão cultural de um povo, pode ser uma contribuição valiosa e quando trazidas com detalhes e vivências, pode ser transformador. As TICs acabam ganhando grande importância porque bem aplicadas podem ajudar a reverter situações de exclusão social e cultural e se imaginarmos que o poder da democratização do conhecimento influenciado pelas TICs pode ampliar o acesso das oportunidades dos cidadãos, ela passa a ter um valor inigualável. O Webmuseu de plantas medicinais na perspectiva das comunidades afro-brasileiras, além da contribuição cultural e dos saberes ancestrais, poderá caminhar e crescer através de diversas ações e contribuições, desde que possamos reunir pesquisadores que se alinhem nesse sentido, visando valorizar o potencial de resistência da cultura afro-brasileira. O webmuseu é um produto pedagógico que colabora com a ampliação do conhecimento científico e tecnológico, além de estimular a curiosidade e é a partir das práticas tradicionais de cura; da memória sobre as plantas medicinais; dos seus usos e formas de compartilhamento com a comunidade local; de sua ritualística. Assim sendo é um espaço de registro cultural, de afirmação, de divulgação e de popularização do saber, onde o conhecimento estará organizado e sistematizado para um amplo acesso e, dessa maneira, considero que seja o ensino de ciência ganhando vida pela história de um povo que não perdeu sua memória. 248 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Referências ADOLFO, S.P. As famílias de Santo no Candomblé de Congo Angola. 2010. Disponível em http://inzotumbansi.org/home/as-familias-de-santo-nocandomble-de-congo-angola/ Acessado em: 15/01/2019. ALENCASTRO, L. O trato dos viventes. Formação do Brasil no Atlântico Sul. Companhia das Letras, São Paulo, 2000. ALMEIDA, M. Z. Plantas Medicinais. Salvador: EDUFBA, 2011, 221 p. Disponível em: http://books.scielo.org Acesso em: 15/01/2019. ARAUJO, J. S. Medicina Tradicional: as plantas medicinais no contexto de vida e trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde do município de Juiz de Fora. Minas Gerais, UFJF, 2017. Dissertação de Mestrado. 91 p. AQUINO, M. A.; COSTA, A. R. F.; WANDERLEY, A. C. C.; BEZERRA, L. T. S.; LIMA, I. F.; SANTIAGO, S. M. A ciência em ação: o museu virtual de imagens da cultura africana e afrodescendente. Inclusão Social, Brasília, v. 2, no 1, p. 18-29, out. 2006/ mar. 2007. BARROS, E. U. Línguas e Linguagens nos Candomblés de Nação Angola. São Paulo, USP. Tese. 2007. 295p. BARROS, J. F. P. O segredo das folhas: sistema de classificação de vegetais no candomblé jêje-nagô do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas: UERJ, 1993. BARROS, J. F. P.; NAPOLEÃO, E. Ewé Òrìsà. Uso Litúrgico e Terapêutico dos Vegetais nas Casas de Candomblé Jêje-Nagô. 7a ed. Rio de Janeiro: Bertrans Brasil. 2015. 514 p. BORGES, E. M. F. Inclusão da História e da Cultura Afrobrasileira e Indígena nos Currículos da Educação Básica e Superior: momento histórico ímpar. Revista Científica: FACMAIS. 2015. Disponível em: http://revistacientifica. facmais. com.br/wp-content/uploads/2015/08/artigos/cultura_africana.pdf. Acessado em: 15/01/2019. BRASIL. Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. DOU de 10 de janeiro de 2003. CRUZ, L. P.; JOAQUIM, W. M.; FURLAN, M. R. O estudo de plantas medicinais no ensino fundamental: uma possibilidade para o ensino da botânica. Thesis, São Paulo, ano VII, no 15, p. 78-92, 1° semestre, 2011. GRANDI, T. S. M.; TRINDADE, J. A. da; PINTO, M. J. F.; FERREIRA, L. L.; CASTELLA, A. C. Plantas medicinais de Minas Gerais. BrasilActa Bot. Bras. vol.3, no 2, supl. 1, Feira de Santana, 1989. LOUREIRO, M. L. N. M. Museus de arte no ciberespaço: uma abordagem conceitual. Rio de Janeiro, ECO/UFRJ-IBICT, 2003. 208p. Tese (Doutorado em Ciência da Informação). LOUREIRO, M. L. N. M. Arte e imagem: musealização e virtualização. 2004. Disponível: em: http://www.brapci.inf.br/index.php/article/view/0000002053/ 3c32217462b7c173e97377249d004598/ Acessado em: 15/01/2019. LUSSA, X. O design do museu na sociedade da informação. Salvador, FACOM/UFBA, jun. 2002. Disponível em: http://www.facom.ufba.br/ ciberpesquisa/404nOtF0und/404_17.htm. Acesso em 15/01/2019.

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SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORAS


Autores

Andréa Alves de Abreu - Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e doutoranda em Filosofia pelo Programa de Filosofia em Lógica e Metafísica (PPGL) pela UFRJ. Possui experiência no magistério superior há 22 anos. Leciona nos cursos de Graduação e de Pósgraduação presencias da Universidade Castelo Branco (UCB) no Rio de Janeiro. Também possui experiência em produção de material didático para cursos de graduação a distância. Ariana Rabelo - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências – PPGEC / Unigranrio. Possui Especialização em Psicopedagogia e Gestão Educacional. Graduou-se em Pedagogia. Atualmente é Gestora em uma escola da Rede Municipal de Ensino de Duque de Caxias e Supervisora Educacional na Rede Faetec. Possui experiência na área de Educação com ênfase em Formação de Professores e Educação Infantil. Atua como pesquisadora na área da Literatura Infantil e Ensino de Ciências. Ariany Tárzia Machado - Licenciada e Bacharel em ciências Biológicas pela UNIG, discente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu. Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Nilópolis. E-mail: lilatarziamachado@ gmail.com Carlos Daniel dos Santos Trindade Cabral - Produtor cultural, especialista em cinema. Coordenador e participante de projetos culturais na recém-publicado e privada. Amante do cinema em todas as suas formas de expressão: a sétima arte. hoteleiro de profissão. Carolina Lima Pimentel - Pedagoga do IFRJ, Professora do Município de Rio das Ostras, Licenciada em Ciências Biológicas pela UENF, discente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Nilópolis. E-mail: carolina.pimentel@ifrj.edu.br Daniel Costa Matos - Mestre em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro/ IFRJ. Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/ UFRJ. Professor de Ciências na Prefeitura Municipal de Mesquita. 252 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


Denise Figueira-Oliveira - Doutora e Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação de Ensino em Biociências e Saúde do Instituto Oswaldo Cruz - FIOCRUZ/RJ. Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Integra o corpo docente do Programa de PósGraduação Lato Sensu em Ensino em Biociências e Saúde, como orientadora. Atuou como colaboradora da Pós-Graduação em Oncologia no Instituto Nacional do Câncer nos Projetos Extra-Muros. Tem experiência na área de Ensino em Biociências e saúde, com interesse nos seguintes temas: ciência e arte, divulgação científica, educação em ciências, empatia, transdisciplinaridade, gênero, iniciação científica, prática docente e cooperação internacional em saúde. Pesquisadora Pós-Doc do PROPEC/IFRJ. Emerson de Souza Queiroz - Graduado em Matemática, especialista em Novas Tecnologias no Ensino da Matemática (UFF) e mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências (IFRJ). Foi agraciado com cinco menções honrosas pelos projetos desenvolvidos na Educação em municípios da Baixada Fluminense. Conquistou três prêmios em Educação, sendo o mais expressivo o Prêmio Shell de Educação Científica, que proporcionou um curso de aperfeiçoamento profissional no campo da Educação científica em Londres (Inglaterra). Giselle‬ Rôças - possui graduação em Ciências Biológicas Modalidade Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1995), mestrado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998) e doutorado em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Desenvolvo pesquisa e junto aos professores da Educação Básica e Superior com o intuito de promover uma maior articulação entre os saberes advindos da Biologia e das chamadas Ciências da Natureza com as práticas do Ensino das Ciências em espaços formais de ensino. Professora Associada III do ensino superior do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, com livros e artigos publicados, além de orientações de Iniciação Científica, Especialização e Mestrado. Atualmente participo de projetos de pesquisa com ênfase no Ensino de Ciências, com apoio da FAPERJ, CAPES, IFRJ e CNPq. No período de junho de 2013 a fevereiro de 2015 atuei como Coordenadora Adjunta dos Mestrados Profissionais na área 46 - CAPES. Sou docente permanente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências - PROPEC - do IFRJ. ORCID - http://orcid.org/0000-0002-1669-7725. Gustavo Furtado Gonçalves Maiato - Jornalista pela PUC-Rio e especialista em Ensino e Divulgação Científica pela IFRJ. Assessor de marketing digital, assessoria de imprensa e fotografia em diversas empresas como o CDPV, Oliveira & Carvalho e Instituto Alfa e Beto. Além disso, desenvolveu um trabalho de divulgação científica chamado "Boletim do Meio Ambiente", no campus Maracanã do IFRJ.

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Kaio Cesar de Azevedo Peres - Licenciado em Ciências Biológicas pela UFRJ, discente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu. Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Campus Nilópolis. E-mail: kaiocesarperes@gmail.com Luci Alves da Silva - Produtora Cultural. Especialista em Divulgação Cientifica. Servidora pública no Instituto Federal do Rio de Janeiro Campus Nilópolis. Luciano Henrique Lourenço - Graduado em Ciência da Computação, especialista em Gerência de Tecnologia em Informática pela Universidade Federal Fluminense (UFF) é Mestre em Ensino de Ciência da Saúde e do Ambiente. Atua como professor da educação profissional pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), onde exerce a função de Coordenador Técnico. Lucília Augusta Lino - Professora da UERJ, do Departamento de Educação Inclusiva e Continuada da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação de Professores. Presidente da ANFOPE, membro do Fórum Estadual de Educação (FEERJ) e do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE). Maria Cristina Amaral Moreira - Doutora (2013) em Educação em Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nutes, UFRJ. Graduação em Ciências Biológicas na USU, com especialização em ensino de Biologia pela UFF. Pós-Doc (2018/2019) na UNIRIO (RJ). Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, atua nos cursos de Doutorado, Mestrado Profissional, e, Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências e na Licenciatura em Física do IFRJ, Nilópolis. Com a experiência na área de Ensino de Ciências, tem a pesquisa voltada para os seguintes temas: formação de professores, discussão do livro didático, experimentação no ensino, com foco nas questões da linguagem. Nilza Dias Silva - Letras UFRJ. Professora do Estado do RJ. Especialista em Educação e Divulgação Científica, IFRJ. Psicóloga e Mestranda em Psicologia pela UFRRJ. Patricia Maneschy - Doutora em Educação (PROPED/UREJ), Mestre em Educação (PROPED/UREJ), graduada em Pedagogia (UFRJ), Especialista em Administração Educacional, Docência do Ensino Superior e Orientação Educacional. Experiência e atuação nas áreas: Docência em Graduação e Pós-Graduação, Gestão Acadêmica-administrativa no Ensino Superior e Extensão Universitária. Atuação como Pesquisadora nas áreas de Educação e Ensino de Ciências e Extensão Universitária (Políticas públicas e formação). Ênfase em estudos em políticas públicas em educação, formação de professores, didática, metodologias e educação online, currículo, processos de ensino e 254 | Diálogos Interdisciplinares no uso de diferentes linguagens na educação |


aprendizagem. Atualmente é docente do Programa de Mestrado e Doutorado Profissional de Ensino de Ciências (PROPEC) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Priscila da Paixão Silva Veras - Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRRJ, discente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências (PROPEC/IFRJ). Atua como Supervisora de Ciências no Pré-Enem da UFRRJ campus Seropédica, como Mediadora de Biologia no Pré-Vestibular Social da Fundação CECIERJ e como docente em um curso técnico de Enfermagem. Rafael Barreto Almada - Professor e reitor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) é Doutor em Engenharia Química pela COPPE – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ex-aluno do IFRJ, possui formação em Técnico em Química (2001), graduação em Química Industrial pela Universidade Federal Fluminense (2005), Licenciatura em Química (2009) e Especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Cândido Mendes (2009) e Mestrado (2008) em Engenharia Química pela COPPE- Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor de Físico-Química, Química Analítica e Química Ambiental no Campus Rio de Janeiro (Maracanã) do IFRJ. Ao longo da sua trajetória profissional, participou de importantes iniciativas e gestões educacionais: ViceCoordenador do Curso Técnico em Química – IFRJ, Conselheiro representante docente no Conselho Superior – IFRJ, Coordenador Geral de Programas e projetos, Pró-Reitor de Extensão – IFRJ, Coordenador Nacional do Fórum de Pró-reitores de Extensão – FORPROEXT/CONIF, Assessor Especial para o Desenvolvimento da Extensão Tecnológica do Núcleo Estruturante da Política de Inovação da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação – SETEC/MEC, Conselheiro representante do MEC no Conselho Superior do Instituto Federal do Acre, Instituto Federal de São Paulo, Colégio Pedro II e do Conselho Diretor do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, Conselheiro e Presidente do Conselho Regional de Química – Terceira Região. Tem experiência na área de Química, com ênfase em Química Analítica Ambiental, atuando principalmente nos seguintes temas: química de produtos naturais, química ambiental, controle ambiental, inovação tecnológica, tratamento efluentes domésticos e industriais e técnicas e avaliação de reuso para os diversos fins. Raquel Angélica Andrade Corrêa de Albuquerque - Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ. Especialista em Ciências do Laboratório Clínico UFRJ. Mestre em Ensino de Ciências pelo IFRJ. Doutoranda em Microbiologia e imunologia Médica humana na UERJ. Sonia Regina Mendes dos Santos - professora assistente do Programa de pós-graduação em Educação-Mestrado e Doutorado da Universidade Estácio de Sá - UNESA, integrando a linha de pesquisa em Tecnologias da Informação e Comunicação nos Processos Educacionais. Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980) e graduada em Psicologia pela 255


Universidade Federal Fluminense (1985). Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1994), Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001), tendo realizado seu Pós-Doutorado em Educação na USP (2011). É professora associada aposentada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, em que lecionou nos Cursos de Licenciatura em Pedagogia e Mestrado em Educação, Cultura e Comunicação das Periferias Urbanas, com as disciplinas de Didática, Currículo, Formação de professores e Estágio Supervisionado. Ocupou a função de Proreitora Comunitária e de Extensão de 2004 a 2018 na Universidade Unigranrio. Compõe o quadro de avaliadores dos cursos de graduação junto ao INEP, dedicase a pesquisas nas áreas de formação de professores, tecnologias educacionais e extensão universitária. é a atual presidente do Fórum de extensão Universitária das IES particulares (FOREXP) com mandato até 2020. Talita Nogueira Lopes - Licenciada em Geografia (UFRJ); Especialista em Educação e Divulgação Científica pelo IFRJ; Professora da rede pública estadual do RJ; participante do grupo de pesquisa sobre direitos humanos/UFRJ. Wallace Vallory Nunes - é doutor em Engenharia Nuclear pela COPPE/UFRJ e Licenciado em Matemática pela UFRJ. Desde 2006, atua como professor do IFRJ concentrando sua pesquisa nas áreas de Ensino de Matemática e Informática Aplicada ao Ensino de Ciências e Matemática. É professor do Programa de Pósgraduação em Ensino de Ciências (PROPEC/IFRJ) e atua como diretor geral do IFRJ/ Campus Nilópolis.


Organizadoras

Maylta Brandão dos Anjos Doutora e Mestre em Ciências Sociais. Docente e pesquisadora de Programas de Pós-Graduação stricto e lato-sensu. Experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino de Ciências, atuando principalmente nos seguintes temas: educação ambiental, sociedade, desenvolvimento sustentável e formação de professores. Desenvolve trabalhos de pesquisa junto aos professores da Educação Básica e Superior, com ênfase no Ensino de Ciências.

Valéria da Silva Lima Doutoranda e Mestre em Ensino de Ciências (PROPEC) IFRJ. Especialista em Contação de Histórias no Imaginário Social- UFRRJ. Especialista em Deficiência Auditiva/ Surdez - UniRio. Pedagoga e docente da Prefeitura Municipal de Barra Mansa. Criadora e Professora do Curso de Formação Inicial e Continuada de Contação de Histórias do IFEJ. Mediadora presencial do Consórcio Cederj/UniRio.

Beatriz Brandão Doutora e Mestre em Ciências Sociais. Especialização em Políticas Públicas e em Estudos Diplomáticos. Colunista colaboradora do jornal Le Monde Diplomatique. Pesquisa temas relacionados às dinâmicas e trajetórias institucionais. É pesquisadora associada ao Laboratório de Estética e Política da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEP-ECO-UFRJ) onde desenvolve pesquisa sobre interação social de refugiados no Brasil por meio de mobilizações artísticas. 257


Este livro foi composto na fonte Segoe UI em novembro de 2019.



Este livro reúne textos advindos de produções de pesquisas acadêmicas, tanto nos cursos de graduação quanto de pósgraduação. A construção dos diálogos interdisciplinares traz questões que envolvem temas como cultura e ensino de ciências realizados no território da educação. Temos artigos que vão da educação infantil ao fazer docente; do cinema à cultura; da ciência à divulgação científica; dos desenhos animados às histórias em quadrinhos; da educação ao teatro proletário; da sexualidade às relações familiares: do webmuseu à cultura e o sagrado das plantas. Assim, as possibilidades pedagógicas para o ensino de ciências caminham como direito que se constrói na ação, no fazer pedagógico diário das escolas, das universidades, dos centros de pesquisa e de todos os espaços, que formais ou não, atendem ao apelo de lapidar o conhecimento, despertando o saber. Por isso, buscamos ter iniciado um mosaico de contribuição para o prosseguimento dos olhares, brevemente, aqui apresentados. Vale a leitura!


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