Tertúlias na Educação de Jovens e Adultos, na educação inclusiva e nas políticas educacionais

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coleção

DEBATES

C o n te m p o r â n e o s em

E DUC A Ç Ã O

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TERTÚLIAS Na educação de jovens e adultos, na educação

inclusiva e nas políticas educacionais

organização

MAYLTA DOS ANJOS


AUTORES Aline da Silva

Aline de Fátima Santos Câmara Cooper Ana Maria Ribeiro de Seabra André da Silva Rangel

Carolina Barbosa dos Santos

Cláudia Terra Nascimento Paz Cristiane Cordeiro Vasques

Diovana Paula de Jesus Bertolotti Fabiana Bezerra de Andrade Fabiana Gama Chimes

Fabíola Pessoa Figueira de Sá

Fernando Setembrino Cruz Meirelles José Alfredo Gomes Neto Leila Cordeiro da Cruz Luana Lima Borges

Lyana Machado Bueno

Marianna Duarte Alves Marina Morim Gomes Maylta dos Anjos

Patrícia Maneschy Duarte Renata Ramos Paixão

Roberta Cristina Moreira Simões Rose Mary Latini

Rosi Marina Rezende

Stella Barbara Serodio Prestes Tarcísio Jorge Santos Pinto

Thiago Rodrigues de Sá Alves Valdimir Mosquezi

Vivian Zepellini Lima Fernandes Wallace Vallory Nunes


coleção

DEBATES

C o n te m p o r â n e o s em

E DUC A Ç Ã O

TERTÚLIAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS, NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Organização Maylta dos Anjos

São Paulo 2020

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Copyright © 2020 Maylta Brandão dos Anjos Os fatos, opiniões e juízos de valores expressos neste livro são de exclusiva responsabilidade dos autores.

Publisher EDER DE ARAÚJO

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito dos autores.

Coordenação Editorial e Direção de Arte VIVIAN ZEPELLINI

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Editoração Eletrônica PEDRO PENAFIEL https://pedropenafiel.myportfolio.com/

CONSELHO EDITORIAL

Capa VIVER CULTURAL

Dra. Andréa Alves de Abreu - UFRJ e UCB Dra. Caroline Bordalo - Cefet/RJ Dr. Dario de Sousa e Silva Filho - UERJ Dra. Gabriela Ventura - IFRJ Dra. Grazielle Pereira Rodrigues - IFRJ Dra. Luciana da Cunha e Souza - IBMEC Dra. Maria Sarah da Silva Telles - PUC/RIO Dra. Marta Abdalla - IFRJ Dra. Maria Simone Alemcar - UNIRIO Dra. Maylta Brandão dos Anjos - IFRJ Dra. Michele Waltz Comarú - IFES Dr. Renato Matos Lopes - FIOCRUZ Dra. Roselene Crepaldi - USP Dra. Selma Alves - UFF Dr. Wallace Vallory Nunes - IME/RJ

Foto Capa e ilustração vetorial Capa by freepik - www.freepik.com Imagens dos Artigos fornecidas pelos autores Ficha Catalográfica VZLF

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A619t Anjos, Maylta Brandão dos Tertúlias na Educação de Jovens e Adultos, na educação inclusiva e nas políticas educacionais / Maylta Brandão dos Anjos - - São Paulo : Viver Cultural, 2020. -- (Coleção Debates Contemporâneos em Educação ; 02) 368 p. ; eBook. ISBN. 978-65-990819-4-1 1. EJA 2. Educação Inclusiva 3. Educação 4. Políticas Educacionais I. Título. CDD (21 ed.) 370.19 CDU (ed. 99) 37.017

REALIZAÇÃO EDITORA VZLF: Viver Cultural www.vivercultural.com.br vivercultural@vivercultural.com.br


Este livro é dedicado a todos que lutam por uma educação livre, de qualidade, questionadora, construtora, democrática e acolhedora. Que criam uma educação de patilha, afeto e compreensão, onde caibam todos.



Nosso homenageado é Rubem Alves, um dos nossos grandes professores que, junto a Paulo Freire, nos deixou um legado de exemplos e inspirações.


SUMÁRIO

PREFÁCIO 9

APRESENTAÇÃO 13

SABERES E SABORES DA AVALIAÇÃO REGULADOR A:

UMA HISTÓRIA DE SUCESSO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

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Fabiana Bezerra de Andrade, Valdimir Mosquezi e Vivian Zepellini Lima Fernandes

PENSANDO A CULTURA INCLUSIVA DE UMA ESCOLA ESTADUAL MINEIRA

Leila Cordeiro da Cruz, Diovana Paula de Jesus Bertolotti

e Tarcísio Jorge Santos Pinto

TEMAS AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS:

À LUZ DO INDEX DA INCLUSÃO

UMA ANÁLISE A PARTIR DAS PROPOSTAS CURRICULARES PARA

Thiago Rodrigues de Sá Alves e Rose Mary Latini

INCLUSÃO SOCIAL E ACESSIBILIDADE NO TEATRO

Valesca de Queiroz Sandes e Maylta Brandão dos Anjos

AUTISMO NA ESCOLA: DESAFIOS À CONSTRUÇÃO DE UMA PR ÁTICA

Rosi Marina Rezende e Cláudia Terra Nascimento Paz

66

O ENSINO DE QUÍMICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INCLUSIVA NO ENSINO PROFISSIONAL

AS NARRATIVAS DA EJA IMPULSIONANDO

O ENSINO INTERDISCIPLINAR – CIÊNCIAS E ARTE

Cristiane Cordeiro Vasques

30

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM UMA ANÁLISE DE

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ACERCA DA CATEGORIA TRABALHO

Aline de Fátima Santos Câmara Cooper e Maylta Brandão dos Anjos

104

147

162

174


NARRATIVA DE UMA MULHER NEGRA EM AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL NOS DIAS ATUAIS

197

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO MAGISTÉRIO

Fabiana Gama Chimes, Fabiola Figueira de Sá e Lyana Machado Bueno

205

A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: AS MUDANÇAS NA ESCOLA, NO CURRÍCULO E NA VIDA DOS ALUNOS E PROFESSORES

216

224

ENSINO DE CIÊNCIAS E REDE SOCIAL: UM ESTUDO ACERCA DO FACEBOOK COMO METODOLOGIA COMPLEMENTAR

José Alfredo Gomes Neto, Wallace Vallory Nunes e Maylta Brandão dos Anjos

RELAÇÕES DIALÓGICAS E REFLEXÕES SOBRE O BULLYING ENSINO FUNDAMENTAL – UM VIÉS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

248

Aline da Silva, Carolina Barbosa dos Santos e Stella Barbara Serodio Prestes

Luana Lima Borges e Roberta Cristina Moreira Simões

Ana Maria Ribeiro de Seabra

EDUCANDOS: SUJEITOS AUTÔNOMOS?

318

MARIANA, BRUMADINHO E OS CURRÍCULOS DAS ENGENHARIAS: A RESPONSABILIDADE DAS UNIVERSIDADES E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NA APLICAÇÃO EFICIENTE DA LEGISLAÇÃO

330

Fernando Setembrino Cruz Meirelles e Patrícia Maneschy Duarte

A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DOCENTE NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA

343

POSFÁCIO

353

140 SUGESTÕES DE FILMES

357

MINIBIOGRAFIA DOS AUTORES

361

QUEM FOI RUBEM ALVES?

366

André da Silva Rangel

Renata Ramos Paixão


Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode leválos para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. Rubem Alves


PREFÁCIO

A questão da diferença é deliciosamente1 atraente como objeto de pesquisa das ciências humanas porque, ao mesmo tempo que parece aos nossas ouvidos tão lógico que somos todos diferentes, que o respeito às diferenças deve fazer parte das políticas públicas de todas as naturezas (incluindo as educacionais) e que é na diferença que se instituem as inovações e as tecnologias, também é fato que historicamente o campo das diferenças representou ao longo dos anos um cenário de lutas, de tragédias marcadas por muita violência, intolerância e equívocos com consequências ainda pouco resgatadas ou que foram evidentemente vergonhosas e incorrigíveis, especialmente pela sociedade ocidental ocupante do globo. Mas por que será que algo que soa tão óbvio (para alguns) requer tanto esforço da comunidade científica para uma produção acadêmica quase que com fins de sensibilização? A quem devemos sensibilizar? Quem poderia discordar do fato social teórico de que todos devem ter acesso ao conjunto de oportunidades, tecnologias e conhecimentos produzidos pela humanidade ao longo da história? Para minha surpresa Pierucci (1990) me revelou uma pesquisa realizada por Hans J. Eysenck (1950) na segunda metade da década de 40 do século passado na Inglaterra que apresenta depoimentos de mais de 700 cidadãos da classe média (conservadores, socialistas e liberais), adultos, urbanos e brancos. Na referida pesquisa aparecem depoimentos como “As pessoas não-brancas são inferiores”, “As mulheres não são iguais aos homens em inteligência”, “Só as pessoas com um determinado nível mínimo de inteligência e educação deveriam votar”, “Pessoas com graves defeitos hereditários deveriam ser compulsoriamente esterilizadas”, entre outros que nos soam como verdadeiros absurdos (nem para todos, infelizmente). Poderíamos a partir dessa leitura suspirar: ainda bem que não somos nós e sim a elite conservadora inglesa. Pois nos anos 80 do mesmo século o mesmo Pierucci fez pesquisa semelhante tendo como sujeitos investigados os ativistas eleitorais de direita na cidade de São Paulo e encontrou 1 O termo deliciosamente é usado aqui por uma pesquisadora radicalmente imersa nessa questão há pelo menos 12 anos... uma pesquisadora que migrou da área da “bancada” dos estudos biomédicos para a área da educação por estar completamente seduzida pelo conhecimento que se desenvolve em prol de quem entende humanidade como sinônimo de inclusão, fraternidade e evolução. Da ideia romântica de produzir ciência para um mundo melhor, mas que por isso, ou justamente por isso, necessita de aprofundamento teórico e político sólido.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | – não surpreendentemente – resultados muito semelhantes (PIERUCCI, 1987). E fica aqui uma provocação: nos dias atuais, diante do cenário conservador que se instaurou no Brasil, acredito que a reprodução da pesquisa não nos revelaria resultados muito diferentes. Assim o autor nos mostra que “mais que uma fórmula de governo, o pensamento, a mentalidade e a sensibilidade de direita articulam uma concepção global de sociedade a um modo de sociabilidade” (PIERUCCI, 1990), ou seja, o desejo de uma sociedade que ignora a diferença, a desrespeita e, pior, a rejeita, vem de uma parcela da sociedade. Segundo o próprio autor: a diferença vem da direita. Então outro suspiro nos assalta: ainda bem, não somos de direita. Mas é, e sempre foi, o pensamento da direita classe média letrada brasileira que construiu os textos e as ações que nortearam todas as políticas públicas da história republicana brasileira. E foi esse modo de sociabilidade (sexista, eugenista, racista, moralista, aristocrático) pré-determinado pela direita que nos foi imposto de uma forma tão enraizada e entranhada em nossos livros, equipamentos sociais, instrumentos culturais, músicas, piadas, textos religiosos, novelas, a ponto de não conseguirmos pensar diferente do que nos soa absurdo. Daí a ciência social para nos fazer ao menos refletir, mas mais do que isso, reagir, construir, pensar criticamente e lutar. Se Eu Largar o Freio (Autores: Carlos Caetano / Claudemir / Marquinho Índio) Vou de casa pro trabalho/Do trabalho vou pra casa na moral Sem zoeira, sem balada, sem marola/Sem mancada, eu tô legal Faça sol ou faça chuva/O que eu faço pra você Nunca tá bom/Pago as contas, faço as compras Tudo bem, eu sei/É minha obrigação Mas eu tenho/Reclamações a fazer Mas eu tenho/Que conversar com você A pia tá cheia de louça/O banheiro parece que é de botequim A roupa toda amarrotada/E você nem parece que gosta de mim A casa tá desarrumada/E nem uma vassoura tu passa no chão Meus dedos estão se colando/De tanta gordura que tem no fogão Se eu largar o freio/Você não vai me ver mais Se eu largar o freio/Vai ver do que sou capaz 10


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Se eu largar o freio/Vai dizer que sou ruim Se eu largar o freio/Vai dar mais valor pra mim Uma das estratégias frequentemente encontradas nos pilares do modo de sociabilidade que nos foi imposto é a negação da diferença. Como negar que homens e mulheres têm entranhados nos seus âmagos a sensação ou a real certeza de que têm papéis diferenciados na sociedade (ou no modo de sociabilidade imposto pela classe dominante). Tenho certeza que ao ler a canção popular apresentada e vocalizada pelo cantor brasileiro Péricles, o(a) respeitável leitor(a) pensou imediatamente num homem como o personagem autor do discurso. Sim, dificilmente alguém pensaria numa mulher provedora do lar, retornando ao domicílio e reivindicando que os afazeres domésticos estivessem convenientemente executados por seu companheiro e no direito de realizar a ameaça trovejante do abandono. Percebemos com esse exemplo simples o tamanho da dificuldade de que tais transformações sociais possam sequer serem cogitadas na mentalidade de classe média conservadora e que nos é imposta. Observemos: a canção não foi composta por membros da classe dominante e imposta aos trabalhadores e membros das classes sociais C e D. Somos nós que reproduzimos o discurso. Somos nós que dizemos que não somos racistas, homofóbicos, machistas. Mas somos nós que, ao mesmo tempo, perguntamos a uma mulher frequentemente quando que ela será mãe, nos questionamos porque mulheres negras faveladas têm tantos filhos, porque um surdo não vai para a escola exclusiva dele, ou pra que um idoso precisa aprender conteúdos escolares com mais de metade da sua vida já vivida. Nesse contexto, nos saltam diariamente as notícias de violência e intolerância que distraidamente não relacionamos à falta da crítica ao que Pierucci chamou de modo de socialidade e eu chamo de modo homogenista de socialidade, a saber: aquela que espera ser homogênea. A escola brasileira se construiu nessa perspectiva – em decorrência do modelo da escola europeia. Assim, a função primordial da escola de preparar para o convívio em comunidade, prepara o sujeito social para uma sociedade que não existe: a sociedade homogênea – ignorando a diferença. Reproduz um ambiente de homogeneidade, com métodos uniformes, comportamentos e regras uniformes e pouca ou quase nenhuma variação de cenários ou de atores. Quando se estuda numa escola só de ricos, só de homens, só de brancos, só de ouvintes, só de videntes, só de jovens, e se ignora os diferentes, há um conflito (que pode evoluir para estranheza, rejeição e, na pior das hipóteses, violência) ao se deparar com a realidade dos seres humanos 11


| Maylta dos Anjos (Org.) | diferentes que estão fora da escola. O discurso da homogeneidade subsidia o preconceito e a intolerância. Não os justifica, mas os promove. Está aí o perigo da escola que não considera a diversidade: o desastre de formarmos gerações de pessoas que reforçam um discurso elitista de eugenia, limpeza, segregação, que não é de todos mas torna-se reforçado por todos, ensinado a todos. Já a ideia de construirmos a escola da diversidade que prepara seus alunos para conviver em harmonia, dentro dos limites democráticos do respeito, compreendendo que a cada um cabem defeitos e talentos diferentes e que está na multiplicidade dos saberes o grande salto da humanidade, se apresenta como caminho para a construção de uma sociedade igualmente justa e pacífica. Assim, a inclusão passa a ser muito mais importante para aqueles que sempre foram incluídos no sistema escolar do que para aqueles que, a princípio, seriam beneficiados por finalmente terem a chance de integrá-lo. No entanto, mudar tal sistema requer um montante robusto de produção científica que permita dar conta do “como fazer”. E é aí que chegamos à importância dessa produção que chega às vossas mãos. Estimados(as) leitores(as) a obra “Tertúlias em educação de jovens e adultos, educação Inclusiva e políticas educacionais” chega a nós como uma literatura reflexiva e instrumental para nos ajudar a desconstruir conceitos (e preconceitos) por anos infiltrados nas nossas estruturas sociais. Autores e autoras se debruçam em discussões que nos ajudam a pensar a diversidade e não negá-la. Aqui os textos foram produzidos tendo como temáticas as diversas formas do “como fazer” em cenários de diversidade na EJA, na inclusão social dos mais pobres e dos alunos com deficiência. Buscam trazer luz aos temas apresentando como pano de fundo a defesa do acesso e da produção da pesquisa acadêmica que constrói a nova escola que queremos: a que forma cidadãos para a sociedade da diferença. Espero que aproveitem a leitura e sigam conosco nesse movimento que é de transformação e de enfrentamento, mas também de amor e de comunhão2. Michele Waltz Comarú Lisboa, 28/06/2020 2 Referências EYSENCK, Hans J. Social Attitude and Social Class. British Journal of Sociology. London: 1: 56-66, mar. 1950. PIERUCCI, Antônio F. Ciladas da diferença. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, 2(2): 7-33, 2º sem. 1990. PIERUTTI, Antônio, F. As bases da nova direita. Novos Estudos Cebrap. São Paulo, 19: 26-45, dez. 1987.

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APRESENTAÇÃO

As trajetórias da Educação de Jovens e Adultos – EJA e da Educação Inclusiva – EI não foram valorizadas com a devida importância que lhes cabem, necessitando serem pensadas para além do ato de escolarizar. Esse sentido ao ser ampliado ressalta que a educação é um direito para que jovens, adultos e deficientes sejam seres autônomos, críticos e que vivenciem suas realidades, seus cotidianos. Como afirma Nilda Alves (1988:12): “O cotidiano está pleno de alternativas, pois construí-las é a própria forma de ser, de usar, de fazer.” Não foi intuito do livro escrever sobre o âmbito legal que constitui a educação de jovens e adultos e a inclusão educacional, mas problematizar essas questões. Nos artigos desse livro estão sublinhados a importância dessa educação e do uso de suas metodologias, respeitando as especificidades do educando, em uma tessitura com o mundo do trabalho, suas vivências e experiências. Artigos que renovam e amplificam o debate. Tudo isso envolvido num movimento entre as esferas: social-político-filosófica, permanentemente em comunicação, onde o jovem/adulto e deficientes, para que tenham a oportunidade de se expressar no mundo escolar. Segundo Paulo Freire “Expressar-se, expressar o mundo, implica comunicar-se”. Os artigos nos levam a pensar a EJA, a IEE as políticas públicas, conduzindo-as à resultados de libertação, pois muitas vezes (em sua grande maioria), o educando traz consigo o sentimento de fracasso, além de sofrer discriminações. Também se sente oprimido pelo fato de não conseguir percorrer por essa “cultura letrada”, como um ser autônomo e se sentir estigmatizado e alijado do processo prender deficiente. O livro tenta romper com esse olhar segmentado. Ele trava uma luta para que essa educação esteja sempre vinculada à justiça e à igualdade social, numa constante entre criticidade e diálogo, indo além das conversas entre as pessoas, Em Freire: “... ė esse encontro que os decretos nos mediatiza pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” Vemos no transcorrer dos artigos ser colocado que as situações de ensino devem partir da valorização dos saberes, pois isso ajudará o educando a perceber que ele sabe e que o saber não vem somente da escola, mas se constrói com ela. Nos mostra também ser importante as relações democráticas, participativas e dinâmicas, que abrem horizontes para esse sujeito, que além de 13


| Maylta dos Anjos (Org.) | compreender seu dia-a-dia, atue sobre ele, contextualizando o que foi aprendido. Esses caminhos apresentados e tecidos nos artigos, nos diferentes e específicos locais de análise, levarão às transformações, às inclusões, tão necessárias à valorização e ao crescimento humano. Todo processo que envolve a educação precisa ser de intervenção, participação, reflexão...precisa de bons textos, boas pesquisas e bons livros. E esse aqui, vejo cumprir o rigor. Abordagens fundamentadas, por exemplo, representam o respeito pelo conhecimento trazido para professores e educandos da EJA e da IE, formalizados por meio das relações sociais, do trabalho, de sua trajetória. O educador Paulo Freire já expressava essas questões ao iniciar seus trabalhos com a inclusão de sujeitos com diversas deficiências na alfabetização de jovens e adultos. Respeitar e valorizar saberes é respeitar e estimar o cidadão de todas as formas, cores, situações. Educar é uma busca constante. Para melhor configurar essa questão, reproduziremos as palavras de Freire, [...] A educação, portanto implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém. [...]. A busca é permanente. [...] Ninguém pode buscar na exclusividade. Trabalhar educação é entender, reconhecer, amar. Acerca dessa relação, Rubem Alves, refere-se: “ Se Nietzsche disse que para pensar é preciso saber dançar, digo eu que, para ensinar, é preciso fazer amor. Fazer amor é como conhecer, conhecer é como fazer amor.” A EJA e a IE precisam ser reconhecidas como educação problematizadoras, libertadoras, que possam emancipar os educandos de toda “ carga” que eles carregam como “ sujeitos analfabetos e deficientes”. Assim, o que temos nesse livro se compete de uma bela contribuição para esse intento. Os textos valorizam os sujeitos alunos da EJA como pessoas que trazem experiências, vivências, saberes, incentivando a mudarem a realidade em que vivem, fomentando uma nova forma de compreensão entre as relações deles com a vida. De que juntos estaremos, educadores e educandos, nos integrando ao esforço na construção de uma sociedade democrática, cidadã, reflexiva, participativa. Muito há ainda que se fazer pela EJA e pela EI com discussões e ações conjuntas que, expressas na leitura dos artigos, trazem singelos subsídios, inserindo-as como manancial de significativas mudanças, tão necessárias à promoção da justiça social e da realização do ser como pessoas, sujeitos de suas ações. Trago uma citação da organizadora que guia esse sentimento de amor 14


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | à educação e ao próximo: “Mergulhar nas ideias do educar é perceber que sentimentos que estão submersos devem ser trazidos à superfície e assim serem vivenciados. O amor ao mundo e às pessoas iluminará ações verdadeiramente educativas”(Anjos, 2007:1). Por isso, a EJA e a EI precisam acontecer nas políticas públicas educacionais e serem trilhadas numa dimensão não preconceituosa, rumo à cidadania. Uma educação onde, além de reconhecermos, valorizemos as diversidades, promovendo a extinção das desigualdades e cultivando as esperanças. Os distintos autores apontam que as duas dimensões trabalhadas no livro não podem, em hipótese alguma, caminhar junto à discriminação. O processo educacional precisa ser social, onde possamos extinguir barreiras, alguns conceitos e atitudes que não condizem com as transformações que almejamos, tão necessárias à vida. Todos os alunos têm o direito de entrar e continuar na escola onde, em Freire, a “dialogicidade” auxiliará o caminho das estratégias nos mananciais educacionais. Entendemos que os processos educacionais tomados como referência desse livro são desafiadores. Necessitam ser alicerçados através dos diálogos, debates, articulações, (re)construções, (des)construções..., num compartilhamento de conhecimentos e experiências. Precisam estar em consonância numa trajetória que busca valorização do cidadão e transformação na vida. A escola deve se adaptar para atuar nas necessidades dos alunos. Porém, sem amor, afeto e motivação, não acontecerão as transformações necessárias. importantíssimo acreditar na inclusão. Lutar sempre, unindo responsabilidades, entendendo que não há uma fórmula pronta para o trabalho. Ademais o livro nos mostra ser necessário modificações e adaptações constantes na promoção de uma escolarização de qualidade para que o aluno se desenvolva e se sinta incluído. O planejamento, sua sistematização e seu acompanhamento são também pontos empatia para refletirmos sobre o trabalho em que socialização e escolarização vão se descortinando. A motivação deve estar sempre presente em cada ação e a singularidade necessita ser valorizada. A educação precisa ser afetiva e efetiva, num olhar que se volta para o extermínio do processo pervertido de exclusão social e educacional. Inclusão Educacional, Educação de Jovens e Adultos – acreditar, amar, lutar!! Parabéns aos autores. O livro trata de temas caros para a inclusão escolar, para a educação de jovens e adultos e para as políticas educacionais. Busca coadunar várias ações que são desenvolvidas com foco nas demandas apresentadas pela escola. Ressalta 15


| Maylta dos Anjos (Org.) | a importância de formulação de políticas públicas educacionais para suprir as imensas demandas nas áreas específicas da EJA e da EI. Investiga as causas que provocam evasão, baixa entrada e exclusão dos sujeitos alunos no sistema educacional, apontando para a necessidade da construção de paradigmas plurais, que visam pressupostos epistemológicos de inclusão e de integração democrática. Perfaz um caminho na defesa de que todos os alunos têm potencialidades e formas diferentes de conhecimento e apreensão cognitiva, devendo ser respeitados nas suas singularidades e especificidades. Defende novas práticas de ensino que trabalhem na perspectiva problematizadora, interdisciplinar, autônoma e emancipatória, proporcionando maior estabilidade emocional e vivência nas possibilidades dos sujeitos. Os artigos organizados neste livro passeiam por diversos assuntos tangenciados pela EJA, EI e PE, entre eles, os “Saberes e sabores da avaliação reguladora: uma história de sucesso na EJA”; “Pensando a cultura inclusiva de uma escola estadual mineira à luz do index da inclusão”; “Temas ambientais na EJA: uma análise a partir das propostas curriculares para o ensino de química do RJ”; “Inclusão social e acessibilidade no teatro”; “Autismo na escola: desafios à construção de uma Prática Inclusiva no Ensino Profissional”; “As narrativas da EJA impulsionando o ensino interdisciplinar – ciências e arte”; “EJA em uma análise de representações sociais acerca da categoria trabalho”; “Narrativa de uma mulher negra em ações afirmativas no Brasil nos dias atuais”; “Políticas públicas para formação de professores do magistério”; “A reforma do ensino médio: as mudanças na escola, no currículo e na vida dos alunos e professores”; “Relações dialógicas e reflexões sobre o bullying no ensino fundamental”; “Educandos: sujeitos autônomos?”; “Mariana, Brumadinho e os currículos das engenharias: a responsabilidade das universidades e das políticas públicas de educação na aplicação eficiente da legislação”; e por fim “A importância da atividade docente na formação da consciência crítica”. Por fim vemos que todos expõem análises e práticas pedagógicas que divulgam o que se faz entre os muros escolares, num contexto de formação dos sujeitos e de suas próprias ações, fundadas na autonomia da ação educacional. Importante destacar que práticas cotidianas que constroem esse pensamento se pautam em experiências baseadas no engajamento a uma causa justa, ética e afetiva à aprendizagem, que deve acontecer livre de preconceitos e estigmatizações. Boa leitura. Maria de Fatima M. S. Braga 16


Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes. Rubem Alves



SABERES E SABORES DA AVALIAÇÃO REGULADORA: uma história de sucesso na educação de jovens e adultos Fabiana Bezerra de Andrade Valdimir Mosquezi

Vivian Zepellini Lima Fernandes

Introdução O trabalho de construção do conhecimento nas turmas de Jovens e Adultos (EJA) deve ser estruturado em propostas pedagógicas que não sejam as mesmas desenvolvidas com crianças. Partindo das contribuições de Vygotsky, é possível perceber que as interferências dos contextos, sociais e culturais ao qual uma pessoa está inserida, causam mudanças anatômicas e funcionais no cérebro, pois a quantidade de neurônios e as conexões existentes entre eles (sinapses) mudam de acordo com as experiências vivenciadas. Isso significa que é primordial que o professor compreenda todas essas peculiaridades. Cabe ao docente de EJA perceber que não é coerente lecionar se valendo de estratégias pedagógicas limitadas e repetitivas, pois as salas de aula são compostas por um público muito distinto, sendo essa uma das razões que levam os estudantes dessa modalidade a evasão escolar. A apropriação dos conteúdos na EJA são processos complexos, assim como são para as crianças, no entanto, o trabalho pedagógico necessita ser diferenciado, como cita Savani (2003, p. 26), “é necessário viabilizar as condições de sua transmissão e assimilação”, ou seja, é de suma importância que o professor compreenda que a construção do conhecimento no cérebro de um adulto 19


| Maylta dos Anjos (Org.) | acontece de forma diferente do cérebro de uma criança, pois estes são sujeitos com experiências de vida, com um saber cotidiano, que mesmo não sendo um conhecimento formal, do ponto de vista acadêmico, deve ser levado em consideração quando o docente for escolher os conteúdos a serem ensinados. Além disso, é importante ressaltar que se valer dos mesmos materiais destinados às crianças, pode gerar ao aluno uma frustração e uma falta de estímulos em continuar a aprender. Diante disso, é necessário que sejam escolhidos conteúdos articulados com temas que desenvolvam a curiosidade, vontade de aprender e uma aplicação efetiva. Com isso, e tendo em mente que todo o processo cerebral depende das sinapses, ou seja, da comunicação entre os neurônios e que o processo de plasticidade cerebral torna o ser humano mais ativo e proporciona inúmeras modificações no cérebro, os alunos da EJA Emilie de Villeneuve são estimulados a desenvolver diversos projetos. Projetos estes que proporcionam uma nova forma de conhecer e reconhecer conteúdos dos quais já possuía acesso. Porém, se falamos de uma forma diferente de ensinar é primordial termos uma forma diferenciada de avaliar este conhecimento.

A significação de conteúdos por meio de projetos transdisciplinares Pensar um projeto de forma transdisciplinar, com base na estrutura curricular do curso, divididos em áreas do conhecimento – Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens e Códigos e Matemática e que permita o desenvolvimento de competências e conteúdos é um desafio a cada início de ano. A escolha de temas que tenham relação com fatos e eventos da atualidade e que fazem parte do contexto social, político e econômico, seja em âmbito nacional ou mundial permite ao aluno da EJA articular a construção de novos conceitos, procedimentos com o aprimoramento de competências pré-existentes propiciando a formação acadêmica e a qualificação para um mercado de trabalho cada vez mais exigente e desta forma torna-o protagonista e autônomo. A maior inovação tanto na forma de aprender como na forma de avaliar está na socialização das aprendizagens pelos alunos em três linguagens diferentes e em três momentos diferentes. 20


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A escolha do tema destes projetos conta com a participação do grupo de professores e coordenação, de modo que todos tenham como trabalhar o assunto dentro das suas respectivas áreas, considerando as competências e habilidades a serem desenvolvidas em cada série (módulo), conforme podemos ver na Figura 1 Figura 1. Equipe de professores reunida: a) levantamento de temas b) reflexão das possibilidades educativas.

a) b)

Na sequência, os professores estruturam o projeto e relacionam os conteúdos e tópicos a serem explorados e pesquisados pelos alunos. Neste momento refletem e organizam os momentos de aprendizagem individual, em grupo ou com toda a turma da sala. Também selecionamos e indicamos os locais de Estudo de Meio que podem agregar conhecimento ao projeto, bem como convidamos especialistas ou pessoas com vivências no tema para conversar ou realizar palestras para as turmas (Figura 2). Figura 2. Organização dos momentos de aprendizagem: a) palestrantes b) estudos de meio c) sala de aula interativa

a)

b)

c)

Depois que o projeto está estruturado e organizado, é apresentado aos alunos a proposta do projeto e cada professor fica responsável por orientar e acompanhar a sua área de especialidade do conhecimento, o que não impede de estar articulada com outras áreas, e os professores se auxiliarem nos momentos de pesquisa e orientação. 21


| Maylta dos Anjos (Org.) | O primeiro momento de pesquisa e leitura acontece de forma mais individualizada, mas logo os alunos são organizados em grupos para iniciarem as escritas, experimentos e aprofundamento nos assuntos e conteúdo específicos. Após terem adquirido toda a base teórica, conceitos e conhecimentos específicos, inicia o processo criativo, como apresentar conhecimento utilizando diferentes linguagens e que as mesmas possuam relações com o tema. Os professores são mediadores nesse processo, onde o aluno é o protagonista e buscará a solução mais criativa para apresentar seu trabalho. Neste momento os alunos precisam atender 3 abordagens específicas, organizadas em 3 dias de apresentação: Artístico Cultural, Alimentação e Exposição/Instalação, conforme as Figuras 3, 4 e 5. Figura3. Apresentação cultural do módulo I e II (referente à 1ª à 4ª série EF) com o tema Literatura infantil do projeto Literatura no mundo.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Figura 4. Apresentação de alimentos pelo Módulo IV (referente à 7ª e 8ª série do EF) com o tema Gandhi no projeto Líderes mundiais

Figura 5. Instalação do módulo do ensino médio I (referente à 1ª e 2ª série do EM) com o tema mobilidade urbana dentro do projeto Emiliópolis: uma cidade sustentável.

Definidas as formas de apresentações, as turmas se organizam para a produção prática, organizam a compra dos materiais necessários e iniciam a etapa de produção e ensaios, apresentações orais em sala de aula, com a orientações dos professores em postura, voz, entonação e vestimentas adequadas para cada situação. O fechamento do projeto acontece entre o 3º e 4º bimestre, com os três dias de apresentações. 23


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Novas formas de aprender, novas formas de avaliar De acordo com Hoffmann (apud RIGO, 1993), muitos professores ainda encontram problemas em suas práticas pedagógicas, mais especificamente problemas que resultam dos erros cometidos no processo de avaliação. Onde traz à tona as discussões sobre os mitos e desafios em desenvolver uma avaliação comprometida com um processo libertador. No livro Avaliação: Mito e Desafio, Hoffmann faz uma abordagem sobre as investigações realizadas em relação as dúvidas e os anseios que os docentes vivenciam ao realizar sua prática pedagógica. Mostrando o desejo de desenvolver uma avaliação na perspectiva construtivista, tendo esta como como uma ferramenta útil ao desenvolvimento do educando, tornando-o um instrumento capaz de proporcionar a conscientização das diferenças sociais e culturais, além de possibilitar uma auto regulação da aprendizagem. O desenvolvimento da investigação e coleta de dados diante do tema proposto até a socialização das produções e criações artísticas, científicas e literárias, individuais e coletivas, consideram as especificidades de cada área e, concomitantemente, as inter-relações existentes entre as mesmas. Os conteúdos, objetivos e avaliações são planejados de forma articulada para cada bimestre, considerando o tempo necessário de estudo dos temas até a apresentação final. Muitas vezes o processo de avaliação se inicia em um bimestre considerando as pesquisas e levantamentos iniciais dos assuntos, passando para o processo de produção, criação e ensaios e muitas vezes a avaliação final da conclusão e apresentação é encerrada no bimestre seguinte. A primeira etapa avaliativa acontece individualmente, onde cada aluno inicia sua trajetória de pesquisa, a qual deve atender os conteúdos e objetivos específicos de cada uma das áreas. Na sequência os alunos são organizados em grupos para desenvolver os textos iniciais, os debates em equipe auxiliam no entendimento dos conteúdos e o professor é um mediador, auxiliando e indicando os caminhos e necessidades de aprofundamento no tema. O professor fará as avaliações considerando as dificuldades e avanços individuais e coletivas (Figura 6).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Figura 6. Exposição em sala pelos alunos dos conhecimentos construídos por meio de pesquisa, entrevistas, leituras e aulas dos professores.

A segunda etapa avaliativa considera o momento de criação e articulação dos conhecimentos adquiridos e apropriados pelos alunos. Em grupos projetam e produzem materiais visuais que representem seus conhecimentos. A avaliação acontece o tempo todo, na articulação individual do aluno, com o grupo, nas resoluções dos problemas e conflitos existentes; na solução de uso de materiais viáveis e sustentáveis; na busca de referências criativas; até o produto final. Nesta segunda etapa muitas aulas acontecem em dupla docência, de forma interdisciplinar e a avaliação considera os aspectos específicos esperados para cada área do conhecimento, bem como a forma que se articulam conjuntamente, conforme a Figura 7. Figura 7. Elaboração de socialização dos conhecimentos construídos.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | A terceira etapa é o ápice da avaliação. É o momento onde os alunos adquiriram conhecimento, autonomia e segurança suficiente para brilhar e mostrar o tema estudado com o uso de diferentes linguagens. Na apresentação artístico cultural, os alunos podem produzir peças, esquetes, filmes, debates, dança, apresentação musical etc., neste momento serão avaliados pela oralidade, expressão em diferentes linguagens, conhecimento do conteúdo estudado e transmitido através de uma linguagem artística. Na apresentação da alimentação, os alunos preparam uma deliciosa degustação de pratos, mais uma vez precisam ter a pesquisa como norte, pois os alimentos devem estar relacionados aos temas estudados. Temperos, ingredientes, preparo e a apresentação do alimento devem seguir as características específicas de cada região ou abordagem de estudo. Além de serem avaliados pelo preparo do alimento, fazem uma apresentação oral, onde explicam e contextualizam o que estamos degustando. O fechamento acontece com uma exposição, a qual normalmente é organizada em forma de instalação artística, criando uma ambientação. Neste momento temos acesso as pesquisas, cartazes explicativos, mapas, gráficos, réplicas de peças históricas, monumentos, maquetes, caracterizações de personagens, jogos e uma infinidade de maneiras criativas para demonstrar o conhecimento adquirido ao longo do processo. Mais uma vez são avaliados pela expressão oral, postura, conhecimento e produções visuais. O tempo todo as áreas do conhecimento se articulam, se conversam e interagem, assim como em muitos momentos o fechamento de alguns objetivos acontece conjuntamente com 2 ou mais professores, conforme observamos na Figura 8. Figura 8. Etapa final da avaliação: a) exposição de trabalhos b) explicação de trabalhos c) representação de personagens.

a)

b)

c)

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Logo, nossa avaliação acontece de forma ininterrupta com o objetivo de acompanhar o processo de aprendizagem do início ao fim do projeto. Assim como cita Libâneo (1991). “A avaliação é uma tarefa didática mecânica e permanente do trabalho docente, que deve acompanhar passo a passo o processo de ensino aprendizagem. Através dela, os resultados que vão sendo obtidos no decorrer do trabalho conjunto do professor e dos alunos são comparados com os objetivos propostos, a fim de constatar progressos, dificuldades e reorientar o trabalho para as correções necessárias. A avaliação é uma reflexão sobre o nível da qualidade de trabalho escolar tanto do professor como dos alunos...A avaliação é uma tarefa complexa que não se resume à realização de provas ou atribuição de notas... A avaliação, assim, cumpre funções pedagógico-didáticos, de diagnóstico e de controle em relação às quais se ocorre a instrumentos de verificação do rendimento escolar” (LIBÂNEO, 1991, p.195).

Considerações Nessa perspectiva de desenvolver projetos com foco em temas atuais e instigantes, tendo como avaliação um processo constante, com acompanhamento do passo a passo do processo de ensino e aprendizagem, podemos afirmar que houve uma aprendizagem significativa, não só pelo aumento de notas, mas também pela forma como os alunos se desenvolvem. É notório uma evolução na articulação dos conhecimentos abordados, na oralidade, apresentação com recursos tecnológicos, desenvolvimento de pesquisas e escrita. Além disso, é perceptível que estes passam a ter um aumento de autoconfiança, o que os leva a buscar novos conhecimentos, tornando-se sujeitos ativos em seu processo de aprendizagem, além de passarem a questionar, argumentar, criar e indagar sobre os mais variados temas. Essa mudança na forma de se ver e de ver o mundo os estimula a pensar adiante, em mudar a própria vida, desenvolvendo perspectivas, ideais e sonhos, como em realizar cursos técnicos ou formação superior.

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REFERÊNCIAS HOFFMANN, J. Avaliação: Mito e desafio – uma perspectiva construtivista. 11º ed. Porto Alegre: Educação Realidade, 1993. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. RIGO, A. M. R. Avaliação: instrumento na construção de uma prática consequente. Proposta de dissertação de mestrado. UNIPLAC. 1993. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8ª ed. Campinas: Autores Associados, 2003. VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

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As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Rubem Alves


PENSANDO A CULTURA INCLUSIVA DE UMA ESCOLA ESTADUAL MINEIRA À LUZ DO INDEX DA INCLUSÃO Leila Cordeiro da Cruz Diovana Paula de Jesus Bertolotti Tarcísio Jorge Santos Pinto

Introdução Este texto é um recorte de uma pesquisa que buscou compreender como se dá o processo de inclusão escolar dos alunos que demandam atendimento especializado no ambiente escolar em uma instituição escolar mineira para, assim, elencar ações que podem ser desenvolvidas pela equipe gestora a fim de potencializar essa inclusão. Tal pesquisa elencou três objetivos específicos relacionados ao seu desenvolvimento, quais sejam: (i) descrever o contexto de inclusão escolar dos alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) no estado de Minas Gerais, (ii) analisar como se efetivam as estratégias gestoras e pedagógicas para promoção da inclusão escolar dos alunos que demandam atendimento especializado na escola tomada como objeto de análise; (iii) propor um Plano de Ação Educacional que se configure como um instrumental de apoio para que a gestão desta escola propicie um atendimento aos alunos em conformidade às suas necessidades educacionais diferenciadas. Dentro do recorte promovido por este texto, teremos como foco o segundo objetivo específico, relacionado à análise das práticas gestoras e pedagógicas conduzidas na Escola Estadual Padre Menezes para inclusão. Tomamos como base as perspectivas teóricas de Antunes (2012) e Mantoan (2015) para conceituação da inclusão. Como o desenho metodológico da pesquisa fundamentou-se, especificamente, no Index para a Inclusão (BOOTH; AINSCOW, 2011), que tem como 30


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | pressuposto pensar a inclusão escolar a partir dos pilares das práticas inclusivas, políticas inclusivas e culturas inclusivas, optamos por apresentar aqui os principais resultados de pesquisa vinculados ao elemento culturas inclusivas. A partir daí, destacamos as seguintes problemas a serem trabalhados: (i) os alunos entendem a escola como um espaço de diversidade, no entanto, muitos reconhecem que não há respeito às diferenças entre eles, seja física ou intelectual; (ii) os professores e demais servidores alegam não serem capacitados para lidar com os alunos com NEE; e (iii) os professores regentes e o professor de apoio afirmam que falta oportunidades para que possam interagir realmente, de modo que possam planejar juntos aulas que contemplem bem a diversidade da sala de aula. O movimento advindo de ações sociais, políticas, pedagógicas e culturais em busca do respeito às diversidades tem se consolidado como estratégia importante para igualdade de direitos e, também, determinante para a efetivação particularmente do direito à inclusão escolar. A inclusão escolar é um fenômeno complexo quando analisado no contexto das escolas brasileiras e direito fundamental do aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEE)3 . Toda escola deve promover ações pedagógicas que sejam capazes de estimular o aluno a adquirir habilidades para se tornar parte da sociedade, com autonomia para uma vida cidadã que vai além dos muros da instituição escolar. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva se posiciona quanto ao direito de que os alunos com NEE recebam à educação de qualidade: a educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola (BRASIL, 2008, p. 1). 3 Embora o termo NEE seja usado, no contexto acadêmico, de forma mais generalizada, referenciando as mais diferentes necessidades que se evidenciam no contexto educacional, a definição utilizada no cenário das políticas públicas é bem mais restrita, limitando, de certo modo, as oportunidades de atendimento educacional especializado aos discentes que demandam atenção especial. Nesse sentido, mesmo entendendo essa contradição, estamos denominando de alunos com NEE, nesta dissertação, aqueles que possuem deficiência, ou seja, aqueles que são o público alvo do Apoio Educacional Especializado, de modo a manter uma congruência com as orientações normativas que delineiam as ações e as práticas da educação inclusiva.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Antunes (2012) também propõe uma definição de inclusão como um princípio educativo e avança ao defender que a educação inclusiva precisa “garantir a todos os alunos – independentemente de sua deficiência ou necessidade especial – acesso, permanência e pleno desenvolvimento acadêmico” (ANTUNES, 2012, p. 24), sendo necessário, para isso, pensar em políticas e estratégias educacionais que sejam capazes de propiciar a plenitude da escolarização e do desenvolvimento desses alunos. Nas últimas duas décadas é possível identificar movimentos em prol da institucionalização da inclusão e do ingresso das pessoas com NEE nas instituições de ensino regular. Esses movimentos se refletiram em um crescimento significativo de matrículas no ensino regular no cenário nacional, avanço que também se fez presente, numericamente, no contexto do Estado de Minas Gerais e no âmbito da cidade de Lagoa Santa, onde está a escola considerada na pesquisa que serviu de base para a elaboração deste artigo. A escola pesquisada está localizada na área urbana de Lagoa Santa, na região central, e oferta a modalidade de ensino médio regular e da Educação de Jovens e Adultos. Ao longo dos últimos anos, a escola tem recebido um quantitativo crescente de matrículas de alunos com NEE, o que nos instigou à análise de como a escola desempenha a sua função de possibilitar a permanência e o pleno desenvolvimento acadêmico desses alunos com NEE que foram integrados ao ambiente escolar. A partir daí, o recorte da pesquisa apresentado nesse artigo tem como objetivo analisar as estratégias gestoras e pedagógicas para a promoção da inclusão escolar dos alunos que demandam atendimento especializado. Como referência principal para auxiliar a organização da pesquisa visando atingir esse objetivo, utilizamos a proposta metodológica do Index para a Inclusão. Consideramos o Index, portanto, como orientador não só dos fundamentos teóricos mobilizados neste trabalho, mas também da realização das entrevistas com os sujeitos da pesquisa e da forma de análise dos dados. Assim, a pesquisa de campo também tem como base o Index, entendendo que ele constitui o instrumental necessário para avaliar, de maneira uniforme e inclusiva, o modo como a formação na escola é posta em prática (BOOT; AINSCOW, 2011). O Index para a inclusão (BOOT; AINSCOW, 2011) traz, em sua proposta, três indicadores principais para nortear o trabalho a ser desenvolvido na instituição escolar que funcionam como “aspirações inclusivas para a escola”, quais sejam: (1) políticas inclusivas; (2) culturas inclusivas; (3) práticas inclusivas. No contexto deste artigo escolhemos organizar a discussão teórica considerando especialmente o elemento (2), culturas inclusivas. 32


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Perspectivas teóricas e metodológicas da pesquisa de campo O processo de ida a campo propôs analisar os dados à luz de uma pesquisa qualitativa, objetivando compreender o processo de inclusão escolar dos alunos que demandam atendimento especializado no ambiente escolar considerado. Com base neste objetivo, optamos por realizar uma pesquisa por meio de um estudo de caso, buscando analisar de forma interpretativa os desafios enfrentados em relação à inclusão dos alunos com NEE por todos os partícipes da comunidade escolar, incluindo os próprios alunos com NEE. A pesquisa qualitativa que desenvolvemos foi realizada em quatro etapas, fazendo uso de quatro procedimentos metodológicos diferentes, quais sejam: (i) pesquisa documental, (ii) entrevistas à vice-diretora, à especialista e à professora de apoio, (iii) aplicação de questionários aos alunos e pais e, por fim, (iv) grupo focal com professores do turno da tarde. No recorte da pesquisa que aqui apresentaremos, abordaremos mais especificamente os três últimos procedimentos metodológicos (entrevista, questionário e grupo focal). Como escrevemos acima, para orientar toda pesquisa foi usado o “Index para a Inclusão”. O Index é um documento basilar no trabalho com inclusão em pesquisas de vários níveis, desde trabalhos de especialização a dissertações de mestrado e teses de doutorado. Além disso, vincula-se a vários níveis de atuação, desde o ensino infantil aos cursos superiores. Uma das responsáveis por pesquisas através desse instrumento, Mônica Pereira dos Santos, fez a primeira tradução em português do Index no Brasil em 2002. A pesquisadora é fundadora do Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE) da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a tradução desse documento para o português, ficou mais fácil o uso do mesmo em projetos de pesquisa e inicialmente eles aconteceram em três escolas municipais do Rio de Janeiro, todos coordenados pela pesquisadora Mônica dos Santos. É importante destacarmos que o referido documento foi elaborado para um contexto diferente do contexto brasileiro. No entanto, apresenta uma estrutura que torna possível sua adequação aos diferentes contextos de diversidade no ambiente escolar, buscando promover o diálogo de todos os partícipes envolvidos, como versa Booth e Ainscow: 33


| Maylta dos Anjos (Org.) | O ‘Index para a inclusão: desenvolvendo a aprendizagem e a participação nas escolas’ é um conjunto de materiais para apoiar a autorrevisão de todos os aspectos de uma escola, incluindo atividades no pátio, salas de professores e salas de aulas e nas comunidades e no entorno da escola. Ele encoraja todos os funcionários, pais/responsáveis e crianças a contribuírem com um plano de desenvolvimento inclusivo e a colocá-lo em prática (BOOTH; AINSCOW, 2011, p. 9).

Sendo assim, o documento é basilar não só para o trabalho com a diversidade em geral, mas também como uma ferramenta de pesquisa qualitativa para analisar o contexto escolar para a inclusão: apresentando dimensões que se podem adequar ao trabalho de gestão das escolas, o Index acaba se tornando parâmetro para a boa inclusão dos alunos com NEE. De acordo com o documento referência para a pesquisa a ser realizada, a fundamentação do Index é assim descrita: O Index pode ser integrado a este processo de planejamento por meio da estruturação de uma revisão detalhada da escola e de sua relação com a comunidade e seu entorno, envolvendo os funcionários, gestores, pais/responsáveis e crianças. Tal processo contribui para o desenvolvimento inclusivo da escola, assim como parte do que já é conhecido pela escola e encoraja o aprofundamento investigativo. Este processo fundamenta-se nos conceitos de barreiras à aprendizagem e à participação, recursos de apoio à aprendizagem e participação e apoio à diversidade (BOOT; AISCOW, 2011, p. 13).

Como aporte a todo o trabalho com a diversidade encontrada nas escolas, o Index atua em três dimensões4: (i) criando práticas inclusivas, (ii) produzindo políticas inclusivas e (iii) desenvolvendo práticas inclusivas. Nele, o uso dos indicadores5 tem como objetivo auxiliar, por meio de um aprofundamento investigativo, a compreensão sobre como o processo de inclusão escolar se efetiva na escola. Tal aprofundamento pode fornecer dados para que a gestão escolar promova diálogos sobre as ações e os valores que visam à inclusão. A primeira dimensão do Index, Criando culturas inclusivas, que será a dimensão mais diretamente trabalhada neste artigo, permite analisar o envolvimento 4 As dimensões do Index dizem respeito a abrangência de todas os objetivos que as pesquisas pretendem alcançar através da utilização. 5

Os indicadores são questões norteadoras que servirão para analisar o nível de inclusão dos alunos com NEE.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | da comunidade escolar nas questões que propiciam uma cultura de inclusão como forma de respeito à diversidade, tendo como parâmetro as relações interpessoais entre todos os sujeitos que fazem parte do contexto escolar. Ao ressaltarmos aqui particularmente a pesquisa dessa temática, pretendemos mostrar como, a partir dela, procuramos mobilizar a comunidade escolar e estabelecer valores inclusivos para melhorar o cotidiano da escola estudada, de forma a aprimorar as suas práticas de inclusão. A estrutura de planejamento do Index para a inclusão ajuda a assegurar que, após a pesquisa, as ações concebidas a partir daí possam oferecer suporte umas às outras. Considerando isto, procuramos no trabalho que desenvolvemos refletir sobre as ações praticadas na escola, traçar diálogos e incitar novas questões até então não abordadas. Por apresentar um roteiro capaz de dimensionar as ações e os valores inclusivos de todos os partícipes do processo de ensino e aprendizagem no espaço escolar, como já destacamos, o Index configura-se como uma ferramenta capaz de fornecer, através dos questionários disponibilizados, dados que podem tornar o espaço escolar mais adequado às NEE dos alunos. Para a escola objeto de nossa pesquisa, o Index teve que ser adaptado, uma vez que o documento original previa o trabalho com crianças e na referida escola o público é de adolescentes, num contexto de inclusão dos alunos com NEE no âmbito do Ensino Médio. Além disso, o documento foi adaptado no sentido de abordar a diversidade particularmente relacionada à questão da deficiência e não de forma geral, englobando questões vinculadas à diversidade racial ou de gênero, por exemplo. Reiteramos que o Index para a Inclusão foi um documento metodológico de caráter inspirador para a nossa pesquisa, buscando evidências de que a escola estaria no caminho para uma inclusão efetiva ou se os alunos estariam apenas integrados na sala de aula. Com base nesse documento inspirador, todos os instrumentos que utilizamos foram formulados e adequados aos alunos, professores, funcionários e pais do Ensino Médio. As perguntas foram formuladas no sentido de avaliar o trabalho que estava sendo desenvolvido na escola com os alunos com NEE frente às políticas públicas de inclusão. Conforme mencionamos acima, o primeiro instrumento que foi utilizado na pesquisa foi a entrevista, realizada com a vice-diretora, a orientadora educacional e a professora de apoio. É importante ponderar que a entrevista se torna um instrumento de pesquisa bastante eficaz na captação de informações que se pretendem obter sobre o trabalho com inclusão na escola porque, segundo 35


| Maylta dos Anjos (Org.) | Ludke e André (1994), através da entrevista é possível realizar correções, esclarecimentos e adaptações para a obtenção das informações desejadas. O segundo instrumento de pesquisa pelo qual optamos foi o grupo focal, destinado aos professores do turno da tarde. Esse turno foi escolhido por concentrar o maior número de alunos com NEE, um total de 5 alunos. O grupo focal possibilitou uma investigação com o grupo de professores que desenvolve o trabalho diretamente com os alunos com NEE, ou seja, os professores especializados por disciplina. Quando os professores são levados a refletirem sobre suas práticas em sala de aula acabam ficando introspectivos, ainda mais por se tratar de um tema que não dominam bem. Mesmo assim, a intenção foi a de verificar qual a percepção deles frente ao trabalho desenvolvido junto aos alunos com NEE. Por fim, o último instrumento utilizado na pesquisa foi o questionário, aplicado tanto aos alunos das quatro turmas do turno da tarde (turno que, como dissemos, é o foco da pesquisa) como também enviado aos seus respectivos pais. Acreditamos que, com base na análise das respostas às perguntas que fizemos, foi possível criar indicadores capazes de dar condições à uma revisão do cenário da cultura inclusiva efetivada na escola, de modo a propor mudanças que atendam às reais necessidades dos alunos com NEE.

O cenário da diversidade na E. E. Padre Menezes A Escola Estadual Padre Menezes, integrante da Rede Estadual de Ensino do município de Lagoa Santa, Minas Gerais, foi criada em 21 de fevereiro de 1986 e ocupou inicialmente, à época, o prédio municipal da Escola Nossa Senhora da Saúde. O Projeto Político Pedagógico da escola registra que, em 1987, aí foram implantados os cursos Científico e o Curso Técnico em Contabilidade. A escola ministrava ainda o Ensino Médio Geral no período noturno. Em 2011, implementou-se o Curso Normal – Formação de Professor de Educação Infantil – e, em 2014, foi implementada a Educação de Jovens e Adultos (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016a). Desde julho de 2018, a Escola Estadual Padre Menezes passou a estar localizada na região central da cidade de Lagoa Santa, recebendo alunos de todos os níveis sociais e econômicos oriundos de vários bairros do município, contribuindo, assim, para que a comunidade escolar seja bastante diversificada (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016a). É uma escola de tamanho 36


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | médio e, em 2018, atendeu 1075 alunos distribuídos nos turnos matutino, vespertino e noturno, nas modalidades de EM Regular e EJA, além da turma do curso técnico Normal – Educação Infantil. A escola funciona em um prédio localizado à Avenida Belmiro Salomão, Bairro Pastinho. E com a mudança para esse novo prédio, conforme destacamos acima, a partir de 2018, há novas perspectivas para a realização do trabalho escolar, uma vez que espaço atual possui seis laboratórios específicos: Matemática, Química, Física, Biologia, Línguas e Informática. Também possui uma biblioteca com dois pavimentos, proporcionando maior incentivo à leitura, e vários espaços de convivência. A escola também incentiva um maior envolvimento dos pais com as atividades escolares de seus filhos, inclusive ficando aberta aos sábados e domingos para que a comunidade do entorno possa praticar esporte na quadra. Há ainda a cessão da sala multiuso para reuniões da Metropolitana C e outras demandas que surgirem por parte da comunidade local. Os profissionais que compõem o corpo pedagógico têm formações bastante diversificadas. O quadro de funcionários conta ainda com servidores efetivos e designados, reunindo ao todo 48 professores, oito auxiliares técnicos da Educação Básica, 18 auxiliares de serviços da Ed. Básica, um professor de apoio, um diretor, três vice-diretores e três especialistas. Antes de apresentar o cenário de inclusão dos alunos com NEE na escola pesquisada, convém destacar que o número de matrículas desses alunos no segmento de Ensino Médio no contexto desta escola é bem menor se comparado com o número de matrículas nos segmentos de Ensino Fundamental I e Fundamental II nas demais escolas do município. Ao observar o Quadro 1, fica evidente que, no segmento de EM, o número de alunos com NEE é significativamente menor: Quadro 1 – Matrícula de alunos com NEE na cidade de Lagoa Santa ANO

ENSINO FUNDAMENTAL I

ENSINO FUNDAMENTAL II

ENSINO MÉDIO

2012

90,1%

453

100%

140

100%

2

2013

90,3%

455

100%

169

100%

4

2014

89,1%

427

100%

150

100%

10

2015

88,8%

371

100%

196

100%

16

2016

87,2%

286

100%

221

100%

20

Fonte: CRUZ (2018, p. 53).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Embora o acesso ao segmento do Ensino Médio ainda seja difícil para alunos com NEE, muitos deles estão avançando no processo de escolarização, como pode ser comprovado no Quadro 1, que mostra um aumento de 1000% nas matrículas nesse nível de ensino de 2012 para 2016. Sobre o aumento de matrículas dos alunos com NEE no EM, pontua Antunes: Isso demonstra que os alunos com deficiência estão avançando no processo de escolarização e ingressando nas séries finais da Educação Básica. Paralelamente, nota-se que o quantitativo de alunos no Ensino Médio é muito inferior ao quantitativo do Ensino Fundamental, o que sinaliza para o fato de que os alunos com deficiência ainda têm dificuldade de acesso a este segmento (ANTUNES, 2012, p. 38).

Sendo o EM o segmento que contribui para a inserção dos jovens no mercado de trabalho, ele constitui um cenário de expectativas que também é compartilhado pelos alunos com NEE no município de Lagoa Santa. O próprio crescimento expressivo do número de matrículas no segmento do EM, tal como demonstra o quadro acima, ainda que menor que o dos demais segmentos, parece demonstrar que os alunos com NEE também almejam alcançar um nível maior de escolarização para ter uma chance no mercado de trabalho e/ou continuar o estudo em níveis superiores. No caso específico da E. E. Padre Menezes também foi possível perceber um crescimento nas matrículas de alunos com NEE nos últimos anos. O Quadro 2, a seguir, apresenta dados relacionados ao ingresso desses alunos entre os anos de 2014 a 2017, ilustrando o panorama de atendimento a essa demanda na escola. Quadro 2 – Alunos com NEE na E. E. Padre Menezes TIPO DE NEE

Baixa Visão

2014

2015

2016

2017

1

1

1

Deficiência Visual Deficiência Física

1

Síndrome de Asperger Deficiência Intelectual Total de alunos

1

1

1

2

1

5

2

3

8

Fonte: CRUZ (2018, p. 51).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Como a escola pesquisada oferta apenas a modalidade de Ensino Médio, não foi possível ter informações in loco sobre a trajetória escolar anterior dos alunos relacionados acima e nem de quais tipos de atendimento tiveram para transpor as barreiras que as deficiências provocavam. A falta de informação sobre a trajetória desses alunos no segmento anterior fez com que a equipe gestora e pedagógica da escola tivesse que começar do zero na oferta de atendimento especializado. Não se teve acesso a relatórios de acompanhamento das vidas escolares desses alunos com NEE a partir das escolas que frequentaram anteriormente, o que permitiria à equipe escolar da E. E. Padre Menezes dar continuidade ao trabalho desenvolvido até o ingresso no EM. De fato, pouco ou quase nada se soube da trajetória desses alunos, como será relatado a seguir. No ano de 2014, apenas uma aluna com baixa visão frequentava a escola no turno da tarde, matriculada no 2º ano do Ensino Médio. Apresentava muitos problemas de relacionamento, constantemente se envolvia em pequenos conflitos. Também manifestava, segundo consta nos relatórios de professores e da especialista, a resistência em aceitar o material adaptado de acordo com sua necessidade educacional. Foi aprovada sem encontrar nenhuma dificuldade em relação aos estudos. No ano seguinte, foi remanejada para o turno da manhã, mas logo no início do período letivo pediu transferência da escola. Já em 2015, dois alunos com NEE foram matriculados na escola, uma aluna com deficiência intelectual e o outro com deficiências múltiplas, ambos na 3ª série do EM. Na sala de aula, segundo relatórios feitos pelos professores e especialistas, “eram alunos esforçados, apesar das necessidades educacionais especiais, e desempenhavam as atividades propostas pelos professores” (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2015). Não havia trabalhos elaborados especificamente para eles e, ao final do ano, foram aprovados pelo Conselho de Classe, conforme ata do departamento de especialistas (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2015), mas não permaneceram na escola. No ano de 2016, três novos alunos com NEE foram matriculados na 1ª série. De acordo com seus laudos médicos, um deles era cego, o outro tinha Síndrome de Asperger e a última possuía deficiência intelectual. O aluno com deficiência visual frequentou o Ensino Fundamental em escola especializada na cidade de Belo Horizonte. Segundo o relatório de acompanhamento à época, tal estudante “demonstrava facilidade com a área de exatas”, recebendo auxílio de um professor especializado no contraturno e, como material de apoio, um computador adaptado (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016b; 2016c). 39


| Maylta dos Anjos (Org.) | O aluno com Síndrome de Asperger, de acordo com a professora de apoio, “demonstrava muito interesse e criatividade com as palavras” e fez acompanhamento com profissionais de diversas áreas para auxiliá-lo nas atividades escolares diárias (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016b; 2016d). Por fim, a aluna com deficiência intelectual era “não-alfabetizada e apresentava problemas de comportamento”, segundo relatório da professora de apoio e da especialista. Infelizmente não recebeu nenhum auxílio de profissionais especializados, o que, neste caso, explica de certo modo a situação de negligência em relação à sua inclusão mais adequada, já que, como mencionamos, chegou ao EM sem estar alfabetizada. Foram, assim, oito a dez anos de escolarização sem resultado efetivo, compondo neste caso um cenário que deixou claro a negligência das escolas anteriores em relação ao compromisso de proporcionar um ensino de qualidade a todos indistintamente. Os três alunos acima relacionados, no ano de 2016, frequentaram a mesma sala e contaram com o auxílio de um mesmo professor de apoio, que era o mediador entre eles e o professor especializado. As avaliações eram adaptadas de acordo com a capacidade de cada um, sendo preparadas pelos professores regulares e adaptadas pela professora de apoio em cooperação com a especialista do turno da tarde (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016b; 2016e). No mês de dezembro de 2016, na reunião de final de ano para verificar o desempenho dos alunos, foi constatado que esses alunos com NEE, embora não obtivessem nota para uma possível aprovação, demonstraram um avanço ao longo do período letivo. Normalmente, os estudantes em geral são aprovados de acordo com o desenvolvimento demonstrado e registrado no Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). Em relação aos estudantes com NEE, foi registrado o seguinte: “o aluno com Síndrome de Asperger evoluiu nos itens leitura e escrita, compreensão de textos diversos e foi aprovado para a série seguinte; já a aluna com deficiência intelectual começou a ser alfabetizada, mostrando evolução em relação a etapa anterior e foi também aprovada; por fim, o aluno cego demonstrou habilidade e competência em todos os conteúdos e igualmente foi aprovado” (ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES, 2016b). De acordo com dados do Simade apresentados na tabela acima, podemos registrar um crescimento do número de alunos com NEE atendidos pela escola no ano de 2017. Além dos três alunos que já pertenciam à escola e tiveram sua 40


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | matrícula renovada para o segundo ano do Ensino Médio, cinco novos alunos entraram e demandaram, também, a atenção da equipe gestora e docente. No quadro 3, a seguir, são identificados os referidos alunos, com suas respectivas necessidades educacionais especiais, o turno em que estudam, o tipo de atendimento requerido e o que foi ofertado pela escola. Quadro 3 – Relação de Alunos com NEE e demandas de atendimento especializado na E. E. Padre Menezes (2017) ALUNO

1

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DIAGNÓSTICO

DESCRIÇÃO

DEMANDA DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

ATENDIMENTO OFERTADO

Deficiência visual total

Sexo masculino, cursando 3º ano do EM com 17 anos no turno da tarde

- Notebook, - Livros acessíveis - Kit para aluno cego, disponibilizado pela SEE/MG

- Professor de apoio. - Avaliações adaptadas - Computador adaptado

Sexo masculino, cursando 3º ano do EM com 17 anos no turno da tarde

- Kit CSA (Comunicação Suplementar Alternativa) para alunos com disfunção neuro motora grave e autismo matriculado na Educação Básica - Professor de apoio (disponibilizados - Avaliações pela SEE/MG): adaptadas 01 DVD com aproximadamente 50 programas livres e gratuitos adaptados para pessoas com disfunção neuro motora/autismo; bibliografia básica de leitura/estudo e adaptações diversas

Síndrome de Asperger

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| Maylta dos Anjos (Org.) |

ALUNO

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DIAGNÓSTICO

Deficiência Intelectual

Deficiência Intelectual

Deficiência Intelectual

DESCRIÇÃO

DEMANDA DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

ATENDIMENTO OFERTADO

Sexo feminino, cursando 3º ano do EM com 17 anos no turno da tarde

- Condições de acesso ao currículo de modo adaptado para a utilização adequada dos materiais didáticos e pedagógicos; dos espaços, dos mobiliários e equipamentos; dos sistemas de comunicação e informações

- Professor de apoio. - Professor alfabetizador - Avaliações adaptadas

Sexo masculino, cursando 2º ano do EM com 16 anos no turno da manhã

- Condições de acesso ao currículo de modo adaptado para a utilização adequada dos materiais didáticos e pedagógicos; dos espaços, dos mobiliários e equipamentos; dos sistemas de comunicação e informações

- Avaliações em sala separada.

Sexo masculino, cursando 1º ano do EM com 17 anos no turno da noite

- Condições de acesso ao currículo de modo adaptado para a utilização adequada dos materiais didáticos e pedagógicos; dos espaços, dos mobiliários e equipamentos; dos sistemas de comunicação e informações.

- Professor Alfabetizador

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos |

ALUNO

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DESCRIÇÃO

DEMANDA DE ATENDIMENTO ESPECIALIZADO

ATENDIMENTO OFERTADO

Sexo feminino, cursando 3º ano do EM com 17 anos no turno da tarde

- Condições de acesso ao currículo de modo adaptado para a utilização adequada dos materiais didáticos e pedagógicos; dos espaços, dos mobiliários e equipamentos; dos sistemas de comunicação e informações.

- Não há atendimento específico. - Aulas de reforço fora da escola.

Deficiência Intelectual

Sexo feminino, cursando 1º ano do EM com 17 anos no turno da noite

- Condições de acesso ao currículo de modo adaptado para a utilização adequada dos materiais didáticos e pedagógicos; dos espaços, dos mobiliários e equipamentos; dos sistemas de informação e comunicação.

- Não há atendimento específico.

Baixa visão Deficiência Física

Sexo masculino, cursando 2º ano do EM com 17 anos no turno da tarde

- Kit para aluno com baixa visão, matriculado na Educação Básica, disponibilizado pela SEE/MG

- Não há atendimento específico.

DIAGNÓSTICO

Deficiência Intelectual

Fonte: CRUZ (2018, p. 55).

A relação dos alunos acima traz uma diversidade de necessidades educacionais especiais que demandam atendimento diferenciado por parte da equipe de funcionários da escola. No entanto, é possível perceber que, do material que deveria ser disponibilizado para o trabalho pedagógico com as diversas NEE, segundo o Guia da Educação Especial (MINAS GERAIS, 2014), o único equipamento recebido pela SEE/MG foi um notebook para o aluno com deficiência visual. 43


| Maylta dos Anjos (Org.) | Somou-se a este material disponibilizado, o auxílio de um professor de apoio, autorizado para atender ao aluno com Síndrome de Asperger. Tal professor, presta auxílio ainda ao aluno com cegueira e à aluna com deficiência intelectual, porque todos frequentam a mesma sala de aula. Para os alunos que precisam ser alfabetizados, o trabalho de alfabetização fica a cargo do Professor do Uso da Biblioteca (PEUB), já que ele se disponibilizou a alfabetizar aqueles que, em princípio, não se encontravam aptos a estarem no EM. A escola conta, portanto, apenas com um professor de apoio. É importante registrar, ainda, que três alunos (6, 7 e 8) não recebem nenhum tipo de atendimento demandado a partir do laudo médico, conforme as suas necessidades educacionais especiais. O aluno 7 chegou ao EM sem estar alfabetizado e, diante desse cenário, a gestão da escola ofereceu a ele, como já mencionamos logo acima, o apoio de uma professora alfabetizadora que exerce o cargo de PEUB: assim ele pôde ter acesso ao currículo para a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos. (Tal ajuda foi proposta pela equipe gestora e equipe pedagógica, sendo que a professora PEUB aceitou como um trabalho extra no contraturno de estudo do aluno). Tudo isto foi comunicado à família do estudante, no entanto, devido à atividade exercida pelo mesmo de servente de pedreiro, não foi possível que ele estivesse presente na escola para ser atendido pela docente. Apesar de todas essas dificuldades, podemos perceber que alguns procedimentos já estão sendo feitos pela escola para que os alunos com NEE sejam mais adequadamente atendidos de acordo com suas necessidades. Embora haja um atendimento especializado ofertado pelo Estado, este ainda é precário em relação aos efetivos direitos dos alunos com NEE, ficando restrito a apenas algumas deficiências. Como exemplo, na escola considerada, vemos que apenas o aluno portador da síndrome de Asperger pôde ter atendimento do professor de apoio. E, conforme destacamos, este mesmo professor passou a atender 5 alunos com NEE, auxiliando-os durante as aulas: isto também demonstra como o atendimento a esses alunos com NEE na escola acontece de forma problemática, prejudicando um efetivo apoio. Assim, a falta de liberação de recursos, de equipamentos adequados e da contratação de mais professores especializados dificulta o tratamento adequado aos referidos alunos. Diante de tudo que foi exposto nesta sessão, considerando também o que já está sendo desenvolvido na E. E. Padre Menezes, ressaltamos a necessidade de se concretizar aí um trabalho mais integrado, de modo a atender 44


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | melhor as diferentes demandas individuais dos alunos com NEE. Com base nesse cenário geral que procuramos delinear, analisaremos e discutiremos em seguida o que conseguimos apurar mais detalhadamente a partir da aplicação dos instrumentos de pesquisa, objetivando com isto também chegar a uma visão mais clara das ações possíveis de serem construídas para o enfrentamento dos problemas encontrados.

Pensando as culturas inclusivas na E. E. Padre Menezes – possibilidades para o aprimoramento da inclusão Realizar a análise dos dados da pesquisa através do eixo de culturas inclusivas implica pensar sobre os valores disseminados no ambiente da escola e as ações de todos os partícipes do processo ensino-aprendizagem como objetivo de poder avaliar bem o quão próximo a escola está do processo de inclusão de seus alunos. Pelos dados obtidos por meio dos questionários aplicados, 94,32% dos alunos reconhecem a sua escola como um lugar de diversidade de pessoas. No entanto, 54,54% dos mesmos dizem que não há respeito aos alunos, seja nas diferenças físicas, seja nas intelectuais, o que manifesta uma situação bem contraditória, uma vez que eles gostam de estar na escola, embora ela não seja ainda é um espaço em que a diferença do outro é totalmente acolhida e integrada. Sobre a escola ser um espaço de diversidade, assim assevera Gomes: Do ponto de vista cultural, a diversidade pode ser entendida como a construção histórica, cultural e social das diferenças. A construção das diferenças ultrapassa as características biológicas, observáveis a olho nu. As diferenças são também construídas pelos sujeitos sociais ao longo do processo histórico e cultural, nos processos de adaptação do homem e da mulher ao meio social e no contexto das relações de poder. Sendo assim, mesmo os aspectos tipicamente observáveis, que aprendemos a ver como diferentes desde o nosso nascimento, só passaram a ser percebidos dessa forma, porque nós, seres humanos e sujeitos sociais, no contexto da cultura, assim os nomeamos e identificamos (GOMES, 2008, p. 17).

Os professores também reconheceram, no grupo focal, que a diversidade de alunos está presente no cotidiano da escola. No entanto, há algumas situações em que eles ficam incomodados, principalmente nos primeiros anos do EM, quando os alunos demonstram imaturidade na convivência com os alunos 45


| Maylta dos Anjos (Org.) | tidos como diferentes. Segundo os mesmos professores tais situações não são mais presenciadas quando os alunos chegam ao terceiro ano, conforme relata um deles: Os meninos, por exemplo, do 3º ano, tentam conscientizar os colegas do esforço que os outros (com NEE) fazem para aprender, pra tá ali, sem as condições que eles têm de visualização, intelectual e tudo. Os meninos se esforçam. Então, eu acho que ao longo do tempo, os meninos do 3º ano, eles estão bem mais desenvolvidos quanto a isso. Os meninos do 1º tão chegando agora, então, assim, vai ser um serviço que, infelizmente, vai ficar na nossa mão (ENTREVISTA COM O P5).

Segundo o professor, essa atitude dos alunos mais novos em relação à diversidade de seus pares trata-se de uma falta de educação, problema que tem sido deixado para a escola trabalhar além da transmissão do conteúdo específico. Neste sentido, um outro professor menciona que há brincadeiras entre eles, mas não no sentido da prática do bullying. Eu nunca presenciei. Eu trabalhei com alunos aqui, 2, 3 anos seguidos, né? E eu nunca vi nenhum tipo de bullying. Nenhum tipo de é... fala diferente. Claro que existem as brincadeiras deles que, é claro, se revelam como brincadeira pelo processo de idade deles, né? Mas...” (ENTREVISTA COM O P1).

Nesta mesma direção é o depoimento da especialista educacional do turno da manhã, ao dizer da convivência dos alunos e do respeito entre eles. Esse relacionamento é muito bom. Eu nunca vi preconceito, eu nunca vi bullying. E creio que nem a direção e nem os professores, né? É uma relação de muita ajuda. E até entre eles, né? por exemplo, o autista ajuda o cego, né? Eles estão na mesma sala, o autista ajuda o cego, ele enxerga, isso, isso é muito bom para o autista, eles têm uma dificuldade de interagir, de interação muito grande. E ele é muito prestativo, o autista é muito prestativo. Ele gosta de carregar as coisas dos professores, né? O material do professor, levar o material do professor de uma sala para outra. E ele, quando ele percebeu que o cego tem dificuldade de locomoção, ele doou o ombro dele para levá-lo pra merenda, pra cantina, pra quadra, né? E... É, caminhar, locomover, na escola e nos próprios trabalhos. Então é muito interessante, para mim foi uma das coisas mais fantásticas que aconteceu ano passado, a festa junina, né? Porque quando ele dançou quadrilha foi lindo, ele dançou com outra aluna, que é da noite, e essa aluna também tem um grau de deficiência, foi lindo. A interação dele, pra mim aquilo ali é uma vitória da escola, é uma grande conquista da escola.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Aquele aluno autista, com dificuldade de comunicação, com dificuldade de interação social e tá ali, no meio da quadra dançando, é... E curtindo a dança. E muito feliz. Isso daí talvez seja a maior integração, é da deficiência, do deficiente na escola, do deficiente na sociedade, né? Ele poder estar ali dançando quadrilha, né? igual todos os alunos. E os meninos, os outros alunos, os outros adolescentes não discriminaram em momento algum, não percebo isso e, com certeza os professores, os outros funcionários também perceberam isso. É uma vitória para escola. Outra questão também é a essa questão de inclusão ali, que foi feito pelos professores e a direção, quais os alunos seriam destaque, e o aluno cego foi o destaque, pelo empenho dele, pelo esforço dele, né? e pelo desenvolvimento dele. Então ele foi destaque e isso eu acho que é muito importante, né? E foi muito bem recebido por todos os alunos, eu percebo isso (ENTREVISTA COM A EEb).

A fala da especialista nos permite refletir sobre a diferença entre o que os estudiosos delimitam como movimentos de integração escolar dos alunos com NEE e uma efetiva mobilização para que a inclusão propriamente dita possa realmente acontecer. Vemos que a especialista dá espaço, em sua fala, a aspectos como a interação social do aluno com os colegas na escola, a potencialização da comunicação e a relação do professor com esses alunos como sinônimos de inclusão. Entretanto, tendo como base os estudos de Sassaki (2005) e Glat, Pleitsch e Fontes (2007), podemos perceber que essas são características mais relacionadas aos processos de integração do aluno com NEE e que o processo efetivo de inclusão requer a concretização de estratégias pedagógicas que impliquem a comunidade escolar de forma mais ampla nesse processo. Partindo, então, desse pressuposto é possível considerar que a integração é uma realidade na E. E. Padre Menezes, já que grande parte dos pais (63,04%) assinalaram que os seus filhos normalmente gostam de estar na escola porque se sentem parte dela. Olhando especificamente para as respostas dos pais dos alunos com NEE, podemos constatar que 100% das mesmas atestam a satisfação desses alunos em estarem na escola e se sentirem parte integrante dela. Já os professores alegam que, apesar de a escola poder ser um espaço de diversidades, de respeito às diferenças, muitas vezes não consegue concretizar isto quando não possui os recursos necessários para que os alunos sejam atendidos nas suas dificuldades e necessidades, tornando ainda mais difícil o trabalho com os alunos possuidores de NEE. Assim é o relato de um professor: 47


| Maylta dos Anjos (Org.) | Eu acho que falta material didático também adaptado, principalmente pros deficientes visuais. O Mateus, por exemplo, tinha um livro gravado em áudio, mas um áudio que foi até a metade do livro, pelo menos na minha matéria. E esse ano ele ainda não tem, ele falou que tão gravando, tão providenciando. Então acho que tá escasso ainda o material (ENTREVISTA COM O P1).

O Professor 4 alega, de modo similar, que a falta de recurso tanto material quanto humano atrapalha o trabalho com os alunos que têm NEE: “Eu acho que falta recurso. Falta investimento em pessoal, material, a logística da sala de aula.” Pensando, por exemplo, no caso do aluno cego. vemos que os recursos materiais a que se referem os professores precisam ser encaminhados para o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, para serem traduzidos para o Braille, processo moroso que dificulta ainda mais o trabalho do professor com os alunos com essa “Necessidade Educacional Especial”. De nossa parte, reconhecemos a importância dos recursos materiais para um trabalho de excelência com os alunos com NEE. No entanto, também julgamos que é preciso ponderar se a ausência de tais recursos materiais seria fator impeditivo para o trabalho com esses alunos. Nas entrevistas os professores alegaram ainda não disporem de tempo suficiente para práticas pedagógicas específicas com os alunos com NEE. Assim pontua o professor 5: Eu acho que no caso dos nossos alunos inclusos, é..., o tempo nosso na sala de aula com eles é muito rápido. Então quando você começa preparar algum material pra eles, prático, que eles consigam dar conta de trabalhar, já acabou a aula, não deu tempo. Pra esses alunos, o tempo não é suficiente (ENTREVISTA COM O P5).

Levando em consideração o que assinala Antunes (2012, p. 94) que “sem a mediação pedagógica e diante de um modelo de ensino que, ainda hoje, reproduz o academicismo e a lógica disciplinar fica muito difícil proporcionar aos alunos oportunidades de desenvolvimento e crescimento cognitivos.” Nota-se que é fundamental a mudança nas práticas pedagógicas dos professores no trabalho com a diversidade. Os pais dos alunos com NEE, num percentual de 100%, alegam que os alunos não são ajudados por seus colegas e nem por seus professores quando apresentam dificuldades em alguma matéria. Este percentual cai para 54,35% em se tratando dos pais dos demais alunos ao considerarem o que sucede com seus filhos no contexto de sala de aula. Considerando-se os dois conjuntos de 48


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | referências, torna-se evidente que muitos dos nossos alunos relatam para seus pais que não estão sendo amparados nas suas dificuldades. O laudo médico é um importante documento no trabalho com a diversidade na sala de aula, pois ter a informação de que o aluno possui um laudo médico, no ato da matrícula, é uma garantia a mais de que esse aluno pelo menos poderá ter um amparo para receber auxílio a partir de suas necessidades. Com efeito, esse laudo médico é o documento comprobatório para que haja a disponibilização de professor de apoio e recursos para as salas multifuncionais pela SEE/MG. Porém, segundo o relato de alguns professores, um ponto dificultador do trabalho com os alunos com NEE é o fato de que eles não possuem conhecimento de todos os alunos que possuem laudo, ficando evidente que alguns o apresentaram já que houve a incorporação do auxílio da professora de apoio à escola, embora a mesma acabe atendendo também aqueles que não apresentaram laudo. Adicionalmente, os professores colocam ainda em evidência a situação de alunos que possuíam laudos, anteriormente, nas escolas de ensino fundamental e que acabam não os trazendo para dar sequência no ensino médio. Assim relata um dos professores: é um absurdo, no Estado, o aluno vem do 9º ano pra cá e não traz documento nenhum. Os pais muitas vezes não fazem questão de acompanhar, os pais têm vergonha do menino ter problema. Cê tá vendo que o menino tem problema, mas o pai não vem e não participa. Chega no final do ano, cê descobre que o menino realmente tem um problema sério, a gente não tem é... não tem funcionário, não tem apoio, muitas vezes o pai não tem tempo e nem quer vir aqui e quer que a gente cuida do menino pra ele aqui. Isso me dá um desânimo muito grande (ENTREVISTA COM O P2).

Essa sensação de angústia que o professor relata, por não conhecer direito a história do aluno, podendo ter uma noção prévia de suas dificuldades, é um ponto dificultador para um trabalho que busque respeitar realmente as NEE dos alunos. Muitos dos alunos da E. E. Padre Menezes passam de 4 a 8 anos nas escolas municipais e manter um diálogo com as escolas de origem deles no ensino fundamental poderia ser um ponto de partida para um trabalho com práticas pedagógicas mais efetivas, entendendo que seria de responsabilidade particularmente da gestão escolar buscar esse relacionamento. Embora muitos pais possuam receio de levar o laudo médico de seus filhos por medo de que eles sejam tratados com preconceito por parte dos colegas no 49


| Maylta dos Anjos (Org.) | interior da escola, não há dúvidas que este documento pode converter-se num importante auxiliar para o trabalho com foco na diversidade e inclusão. Sem contar que ainda há aqueles pais que sequer sabem que os filhos possuem alguma dificuldade de aprendizagem, por não terem condições de acompanhar a vida escolar de seus filhos. Nesta mesma direção, Santos (1999) pontua o seguinte: No que cabe às relações entre família e escola, torna-se imperativo assumir um compromisso com a reciprocidade. De um lado, a família, com sua vivência e sabedoria prática a respeito de seus filhos. De outro, a escola com sua convivência e sabedoria não menos prática a respeito de seus alunos. É preciso entender que esses mesmos alunos são também os filhos, e que os filhos são (ou serão) os alunos. Dito de outra forma: cabe às duas instituições mais básicas das sociedades letradas o movimento de aproximação num plano mais horizontal, de distribuição mais igualitária de responsabilidades (SANTOS, 1999, p. 5).

No ambiente escolar, nota-se normalmente que os alunos em que a família está mais presente na escola têm o desempenho melhor em relação àqueles cujos pais não efetivam a parceria de responsabilidade escola/família. No caso da E. E. Padre Menezes, temos o exemplo do desempenho do aluno cego em relação aos outros alunos com NEE. O fato de sua mãe, antes de passar a acompanhar seu aprendizado no Ensino Médio da escola, ter o acompanhado durante 9 anos, todos os dias, de Lagoa Santa a Belo Horizonte, para que pudesse complementar sua formação no Instituto São Rafael, fez toda a diferença. Assim, entendemos que a relação família-escola de fato se apresenta como um fator chave para todo processo educativo, tal como também versam Castro e Regattieri (2010): Na empreitada pela equidade, a relação escola-família ressurge como um fator-chave. Mesmo que não haja uma comprovação científica da influência direta da interação escola-família na melhoria do aprendizado dos alunos, inúmeras pesquisas no Brasil e no mundo todo têm mostrado que as condições socioeconômicas, as expectativas e a valorização da escola e o reforço da legitimidade dos educadores são fatores que emanam da família e estão altamente relacionados com o desempenho dos alunos (CASTRO; REGATTIERI, 2010, p. 18).

Pudemos constatar que os alunos que têm o suporte da família realmente conseguem um desempenho melhor em relação aos que não possuem tal 50


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | suporte. Em nossa pesquisa, a maioria dos pais que dela participaram, num total de 80,44%, ao serem perguntados se foram convocados para reuniões para tratar de assuntos relacionados aos filhos e às normas da escola, relataram que sim. Num percentual semelhante, em torno de 80%, os pais de alunos com NEE também responderam à mesma pergunta afirmativamente. No entanto, apenas 54,35% do total de pais respondeu que procuraria a escola para pedir auxílio caso notassem uma dificuldade do filho diante de alguma situação. Esta informação demonstra que a escola pode não estar sendo amplamente reconhecida como um espaço de apoio para a família no enfrentamento de dificuldades. Entretanto, esse cenário já é bem mais positivo quando olhamos as respostas dos pais de alunos com NEE: todos eles responderam que procurariam a escola para relatar eventuais dificuldades. O trabalho com alunos com NEE na escola em análise começou a requerer mais atenção por parte de toda a equipe da escola em 2016, com o ingresso dos três alunos na mesma série com necessidades distintas que destacamos mais acima no quadro 2. A partir daí tornou-se um desafio maior para todos trabalhar nesse contexto de inclusão. Quando questionados sobre o envolvimento da equipe gestora nos processos inclusivos, as respostas caminharam no sentido de assinalar o papel de apoio ainda pouco sistematizado às demandas de inclusão que vão aparecendo no dia a dia da escola. O meu envolvimento é a preocupação, enquanto professora, em envolver os alunos que têm alguma dificuldade, né? Mesmo não tendo laudo... Em relação à função de vice-diretora, é procurar chamar os familiares, procurar detectar quando há algum relato de professora que percebe que o aluno tem uma dificuldade além da consideração. Em situações comuns, de alunos que vêm com alguma defasagem, chamar sempre os familiares para ver se têm algum laudo, traçar algumas estratégias com os professores, orientadora, especialistas, quando for o caso (ENTREVISTA COM A VD).

Com base no relato da vice-diretora é possível perceber, então, a existência de mais um trabalho de apoio fora da sala de aula, através do contato com os pais para a descoberta de possíveis necessidades que os alunos apresentaram ao longo da vida escolar. Nesta mesma direção, a especialista relata seu envolvimento com a inclusão: Ah! O meu envolvimento com a inclusão na escola é de receber os pais e os alunos inclusos, né? Conversar com esses pais, iniciar o plano de desenvolvimento individual com conversa com os pais, pegar o laudo médico dos pais, quando esse laudo existe, e fazer as perguntas que

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| Maylta dos Anjos (Org.) | estão no PDI relacionadas à anamnese da criança, ou seja, conhecer a criança através dos pais, depois ter uma conversa com os pais, né? O que eu fiz lá na Escola Estadual Padre Menezes foi, após essa conversa com os pais, após conversar com os alunos, eu colocar os professores cientes da situação do aluno, repassando esses laudos para os professores e para a direção da escola. Foi feita uma circular com as orientações, e o pedido de entrega desse PDI para todos os professores. Inicialmente não tinha professora de apoio, então [o PDI] foi pedido aos professores. Ocorreram inúmeras vezes resistências de diversos professores, alguns professores entregaram este Plano de Desenvolvimento Individual e outros não. Então quando a professora de apoio chegou foi feita uma adaptação do que os professores entregaram como PDI, e a professora acompanhou. Então minha atuação é de acompanhamento desses alunos juntamente com os professores regentes, juntamente a professora de apoio e, quando necessário, chama-se os pais (ENTREVISTA COM A EEB).

Pela fala da especialista somos levados a depreender, então, que têm sido estabelecidas quatro ações principais com relação ao atendimento aos alunos com NEE, quais sejam: (i) conversa inicial com a família e com os alunos com NEE; (ii) repasse dos laudos para professores e direção; (iii) construção de circulares com orientações acerca desses alunos; (iv) solicitação de entrega do PDI inicialmente para os professores regentes e depois, especificamente, para a professora de apoio. No entanto, o relato dos professores foram na contramão dessas informações sobre os laudos, na medida em que eles destacam que tomavam conhecimento dos mesmos somente ao final do ano, como relata o professor (P5): “Tem alguns casos em que o aluno traz o laudo e o professor não recebe, a gente fica sabendo no Conselho de Classe, né? Aí fala ‘fulano tem laudo”. Um outro professor também relata que teve pouco acesso aos laudos e que eles eram pouco descritivos: Eu tive pouco acesso aos laudos dos alunos com necessidades especiais, ..., mas eu não sei o que nele consta, acho que deveria constar as habilidades que esse aluno consegue desenvolver na sala de aula, pra gente poder se preparar um pouco, né? Eu acho. Não sei o que consta nesses laudos, é somente os distúrbios que ele tem? (ENTREVISTA COM O P3).

No momento do grupo focal, pudemos esclarecer para os professores que a maioria dos laudos que a escola recebe informa, geralmente, apenas o CID referente à NEE do aluno. Vemos que é de responsabilidade da equipe gestora e 52


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | pedagógica pesquisar e se organizar para informar à equipe docente sobre qual NEE o laudo se refere, assim como repassar maiores orientações administrativas e pedagógicas sobre a NEE. Também pudemos constatar com a pesquisa que essa situação de falta de conhecimento dos alunos que possuíam laudo foi modificada no ano de 2018, quando os professores passaram a receber os nomes de todos os alunos que vinham com laudos que apresentavam suas respectivas necessidades educacionais especiais. No que diz respeito à ação descrita pela especialista sobre a solicitação do PDI, a vice-diretora confirmou que a especialista requisita que ele seja feito por todos os professores que possuem alunos com NEE, porém essa não é uma prática que todos os docentes efetivam na escola. Segundo a vice-diretora: Há uma recusa muito grande por parte dos professores em fazer esse PDI, muitos se esquivam. A especialista precisa ficar ‘pegando no pé’ dos professores, ‘correndo atrás’, pedindo que entreguem, né? Porque tem que ser papel do professor, e se o professor não faz, alguém tem que cobrar, né? Então a especialista acaba ficando com esse encargo, e aí gera um atrito, né? Então, pelo relato da especialista, eu sei que alguns professores fazem esse trabalho. Outros, simplesmente se esquivam durante o ano todo (ENTREVISTA COM A VD).

Especificamente no que concerne à relação dos servidores da escola com o processo de inclusão escolar, o que mais se evidenciou nas falas dos entrevistados foi o fato dos professores regentes se posicionarem como não capacitados para lidar com as necessidades educacionais especiais desses alunos. Um outro professor (P4) relatou o seguinte: “A capacitação no setor público eu nunca vi, nunca fui; e no privado eu tive oportunidade de tentar aprender Libras, é..., fiquei 4 meses, eu falo pra você que é difícil.” Normalmente os docentes alegam que as capacitações, quando acontecem, não atendem às expectativas. Esse é um tipo de discurso recorrente dos docentes quando se referem à temática da inclusão, como versam as autoras Capellini e Mendes: Uma das reações mais comuns por parte dos professores é apontar que não estão preparados para trabalhar as diferenças nas escolas. Essa causa é aventada quando surgem quaisquer problemas de aprendizagem nas turmas e até mesmo quando eles existem, concretamente. Tal prerrogativa é extensiva aos casos de indisciplina, enfim, quando se deparam com uma situação diferente, que foge ao usual, nas suas turmas. Essas preocupações são reais e devem ser consideradas, mas, na maioria das vezes, referem-se

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| Maylta dos Anjos (Org.) | a problemas rotineiros, que se agigantam, pela insegurança, pelo medo de enfrentar o novo (CAPELINNI; MENDES, 2007, p. 115).

Assim, ainda que os professores aleguem despreparo para trabalhar com os alunos com NEE, conforme as autoras acima ponderam, vemos que de fato em grande parte das vezes as situações que demandam atenção são problemas rotineiros, que não são enfrentados de forma incisiva e recorrente. Infelizmente, de acordo com o que pontuam ainda Capelinni e Mendes (2007) , os professores muitas vezes foram formados para trabalharem na expectativa de uma homogeneidade, delineando um protótipo de “aluno ideal” que não condiz com a realidade das escolas públicas e, como consequência, não contribui para a configuração de um cenário propício à educação inclusiva. Nesse sentido, como também ressalta Cruz, A igualdade de direitos na educação deve significar um trabalho de comunidade inclusivo, onde se tenha em conta os vários tipos de diversidade: gênero, classe, cultura e as variações na capacidade funcional. O processo educacional tem que ultrapassar a perspectiva sobre a vida e a linguagem da cultura dominante, para também incluir a perspectiva acerca da vida e as formas de expressão das culturas não dominantes. Neste contexto, preconiza-se que todos os alunos se sintam bem com o ambiente de ensino-aprendizagem e, concomitantemente, de experienciar que a sua origem, a sua língua e a sua identidade própria são também aceites e respeitadas (CRUZ, 2010, p. 28).

Vemos, então, que a própria dificuldade do professor regente em trabalhar o conteúdo com os alunos com NEE acontece sobretudo pelo fato dele não entender o real problema do aluno. Conforme já destacamos um pouco acima, uma estratégia elaborada pela gestão da escola estudada para minimizar essa situação, a partir de 2018, foi o envio de um ofício para os professores com a relação de todos os alunos com NEE matriculados na escola e a descrição dos problemas de cada um. Dessa forma, compartilhando-se a informação, abriu-se a possibilidade para que fossem traçadas estratégias diferenciadas pelos professores desses alunos durante o ano letivo. Todavia, o distanciamento dos professores em relação à verdadeira inclusão condiz com uma visão de que, para os alunos com necessidades educacionais especiais, deve ser destinada uma educação especial, uma escola especial. Segundo Ferreira, ao considerarem a escola onde normalmente atuam e as prerrogativas de seu trabalho, grande parte dos professores não se abrem à inclusão dos alunos com NEE: 54


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | O lugar deste aluno não é nesta escola pois não dispomos de condições especiais de ensino”; “Temos que ter um professor que se encarregue destes alunos”; “Se temos um professor para apoiar o aluno, aí o professor da classe não precisa se preocupar com ele”; “Ele recebe atividades para desempenhar que são só dele”. Este ponto parece apontar para a impossibilidade de termos uma educação inclusiva caso não radicalizemos na ruptura com a educação especial. Todavia, nossa interação com a rede indica que quando um aluno, diferente do ideal esperado pela comunidade escolar, é matriculado na escola, ele gera uma desestabilização do sistema, sistema que é pouco flexível na medida em que tem uma estrutura que não oferece muita abertura para ações segundo as necessidades específicas de cada criança. A desestabilização mobiliza todos os participantes da escola, podendo criar resistências que impossibilitam a inclusão; mas, contraditoriamente, a tensão gerada pelo fato altera a rigidez da estrutura escolar e possibilita movimentos favoráveis à plena educação do aluno (FERREIRA, 2012, p. 144).

Nossa pesquisa também evidenciou outra forma de resistência docente no trabalho com os alunos com NEE que reforça o distanciamento demonstrado acima. Quando a equipe gestora foi questionada sobre a importância do laudo médico como garantia de um olhar diferenciado do professor para os alunos com NEE, as integrantes desta equipe relataram que muitos professores contestam o laudo médico de alguns desses alunos. Dessa forma, esses relatos evidenciam que o laudo acaba não se configurando como suficiente para essa garantia de um tratamento diferenciado para os alunos com NEE. Não, infelizmente! Mesmo quando os pais trazem laudos de alunos que têm, por exemplo, TDH, muitos professores questionam: “Ah, mas como que fulano é hiperativo para determinadas coisas e para outras coisas não; é uma questão complicada”. Os professores questionavam os laudos médicos, né. Teve a situação de uma aluna; a mãe trouxe o laudo que ela era portadora de transtorno opositor desafiador e o professor não aceita o laudo médico; fica complicada a situação da avaliação (ENTREVISTA COM A VD).

O ponto de vista da especialista vai ao encontro do ponto de vista da vice-diretora: Muitas vezes o laudo não é suficiente, porque é... devido à resistência dos professores. Dizem: ‘Não, isso é preguiça dos alunos’. Principalmente o déficit de atenção, principalmente quem tem dislexia, ele tem até esse quadro mesmo de preguiça, de desânimo. Tem

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| Maylta dos Anjos (Org.) | um aluno lá que tem a discalculia e os professores não aceitam isso. Então torna-se muito difícil tá com um laudo na mão e ter a resistência de inúmeros professores; não de todos, mas de inúmeros professores. Quando tem um laudo de deficiência intelectual, tem um CID lá e é escrito lá claramente, deficiência intelectual. Então esse aluno, ele não é muito trabalhado por alguns professores, por quê? Prá trabalhar tem que fazer uma adaptação, tem que ir devagar com esse aluno, né? Tem que ir de acordo com que o aluno sabe, então isso torna-se difícil (ENTREVISTA COM A EEB).

O laudo médico de fato é um documento importante para esclarecer sobre as necessidades que os alunos possuem, um documento oficial que é anexado à documentação do aluno como garantidor de um direito a ser respeitado frente às suas necessidades educacionais especiais. Assim, a resistência em aceitar o laudo evidencia que os docentes estão acostumados a trabalhar com as mesmas ferramentas para ensinar a todos os alunos e querem continuar assim. Os laudos médicos apontam os problemas que os alunos possuem e acabam desestabilizando o trabalho do professor regente, uma vez que mostram de forma mais contundente que o mesmo precisa flexibilizar sua forma de trabalhar, adequando-a aos diferentes alunos, incluindo os que tem necessidade educacionais especiais. A flexibilização mencionada pelos autores perpassa também pelo trabalho do professor de apoio frente aos alunos com NEE, o qual converte-se em um trabalho que se complementa ao do professor regente, e não o substitui. Porém, de acordo com o que atesta nossa pesquisa, os professores regentes normalmente não se reúnem com o professor de apoio. Quando questionados, no grupo focal, sobre o relacionamento com esse professor de apoio, somente o professor 5 deu maiores esclarecimentos, alegando falta de tempo para a efetivação das reuniões: Eu nunca me reuni com a professora de apoio. Ela me ajuda muito em sala, porque eu trago material diferenciado para os meninos. Ela que me ajuda para eu dar conta dos outros. Mas eu nunca parei um outro horário, mesmo porque ela não tem esse horário pra reunir com a gente. Ela tem que ficar os cinco horários com os meninos dentro de sala. Não tem possibilidade de reunião (ENTREVISTA COM O P5).

A reclamação da falta de tempo por parte do professor é uma questão substancial na escola. No entanto, é preciso reforçar que os professores regentes possuem uma carga horária de 24 horas para cumprir na instituição, sendo 56


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | 16 horas/aulas de efetivo exercício em sala de aula e oito horas de atividade extraclasse, distribuídas em 4 horas/aula por semana que devem ser cumpridas em local à escolha do professor e 4 horas/aulas por semana de módulo II na escola, que devem ser cumpridas seja em reunião administrativa/pedagógica, seja planejando as aulas e preenchendo diários digitais. Desta forma, ainda que esse tempo de atividade extraclasse também seja utilizado para outras demandas da escola, é importante considerar que não há a previsão de tempo específico para encontros pedagógicos entre os professores regentes e os de apoio. O contato entre ambos acaba acontecendo, então, somente nas reuniões destinadas ao cumprimento do Módulo II, que acontecem aos sábados com o objetivo de atender a demandas diversas, tanto no campo pedagógico como no administrativo. O relato de outro professor mostra que sua relação com o professor de apoio é de total dependência no que diz respeito ao trabalho com o aluno com NEE. A fala do docente indica o movimento de delegar ao outro colega (o professor de apoio) a responsabilidade pela condução do trabalho com esse aluno, ao invés de procurar construir um trabalho colaborativo como previsto: Isso que você está falando é tão sério, que pra te falar a verdade, na maioria das vezes que eu trabalhei com alunos, eu só trabalhei aqui na escola com o Mateus porque eu delegava à professora de apoio, porque eu não sabia nem como preparar o material. Eu não tinha nem uma ideia de como eu... Muito mais eu aproveito dela, o que ela podia trazer pra mim, eu simplesmente delegava pra ela e falava: ‘ah não, o que você falar pra mim, tá certo?’ É lei porque ela conhece muito mais do problema do que eu (ENTREVISTA COM O P2).

Através da fala do professor regente, é notório como o trabalho colaborativo pode ser uma ferramenta para o desenvolvimento da docência compartilhada na perspectiva de incluir todos os alunos: se, por um lado, o professor de apoio conhece do problema pontuado no laudo, o professor regente detém o conhecimento específico do conteúdo curricular a ser lecionado, podendo atuar na seleção do que seria realmente significativo para os alunos com NEE. Sobre esse conhecimento específico, por seu lado a professora de apoio relata sua dificuldade em trabalhar determinados conhecimentos com os alunos com NEE: Muitas dificuldades, muitas, o que acontece: o professor de apoio geralmente, vou falar não só por mim, mas por outros professores que eu conheço de apoio, eles pegam PDI e começam a fazer sozinhos. E

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| Maylta dos Anjos (Org.) | aí a gente tem um registro, por exemplo, Matemática. Trabalharam PA e PG; o aluno de espectro de autismo, ele não acompanha, mas ele tem que aprender multiplicação. Então vamos lá, multiplicação do dois, do três, do quatro, ele não vai chegar no PA e no PG. Não sei se eu vou lembrar, a análise combinatória; ele não vai conseguir fazer aquilo, mas ele vai ter que trabalhar a multiplicação e quem sabe falar mais sobre esse assunto. Eu não sou especialista em Matemática, nem Inglês. Eu tenho que me sentar com o professor de Matemática e registrar o que... que ele sabe. Eu sei por que eu trabalhei com Matemática do primeiro ao quinto, a gente consegue fazer as atividades elaborando do primeiro ao quinto e Educação Infantil, mas o professor tem que estar ciente do que eu estou registrando. No Padre Menezes, a dificuldade é ainda maior, porque no Ensino Médio requer um conhecimento maior, mais especializado (ENTREVISTA COM A PA).

A partir das falas acima, podemos perceber que o relacionamento pedagógico entre o professor regente e a professora de apoio na E. E. Padre Menezes se constitui, acima de tudo, na expectativa do primeiro de que a segunda possa exercer o que Santos (2008) denomina um trabalho “facilitador” do processo de ensino aprendizagem. Não há, assim, a construção de uma relação entre os dois docentes que gere, efetivamente, um trabalho colaborativo dos mesmos em prol do aluno, tal como exemplifica Carvalho: A presença de dois professores na sala de ensino regular, trabalhando cooperativamente, é bem diferente da presença de facilitadores, tal como estão atuando atualmente. Na cooperação, os dois professores estão a serviço da turma toda, embora com atenção mais dirigida aos alunos com necessidades educacionais especiais. Aliás, um deles, por ser especialista, ao cooperar no planejamento didático, ofereceu sugestões de atividades que permitiram desenvolver um trabalho com a turma toda, preferencialmente organizada em grupos (CARVALHO, 2008, p. 29).

Mascaro também traz um exemplo nesse sentido, ponderando que o normalmente o professor regente tende a delegar a responsabilidade de atuar pela aprendizagem dos alunos com NEE aos outros docentes que estão envolvidos no processo, seja o professor de apoio, seja o professor da sala de recursos. Outra dificuldade na efetivação da proposta de integração era a falta de interação entre o professor regente da turma da qual o aluno com deficiência fazia parte, e o professor da sala de recursos que lhe daria suporte especializado. Em vez de trabalhar em

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | conjunto, o professor da turma comum seguia a rotina pré-programada, sem fazer qualquer adaptação em sua prática pedagógica para facilitar o acompanhamento do aluno especial. Na realidade, pouca atenção era dada a esses alunos e, na maioria dos casos, a responsabilidade por sua aprendizagem era delegada ao professor da sala de recursos (MASCARO, 2013, p. 38).

A E. E. Padre Menezes não conta com uma sala de recursos para ser mais um espaço de apoio aos alunos com NEE podendo, inclusive, integrar o trabalho dos professores regentes no planejamento do atendimento aos mesmos alunos. Esse é, portanto, um limitador significativo para as práticas pedagógicas inclusivas que podem ser desenvolvidas pela escola. Mesmo com um quantitativo maior de alunos com NEE há mais de dois anos, ainda há na escola a cultura de se inserir esses alunos em sala de aula sem um planejamento que contemple bem as suas necessidades educacionais. Como vimos, os professores que participaram do grupo focal foram unânimes em responder que não estão preparados para lidar com eles, uma vez que não tiveram capacitação para esse trabalho mais singular. O mesmo acontece com a vice-diretora que diz: Se eu me sinto ou não preparada para trabalhar na educação inclusiva? Eu não me sinto preparada. Eu não tive nenhuma capacitação, nenhum treinamento e no dia-a-dia, na correria do cotidiano escolar é que eu acabo buscando informações. É... pesquisando formas de tentar ajudar os alunos que apresentam laudo que de uma forma ou de outra precisam ser incluídos junto com os demais colegas então acaba sendo uma experiência muito mais, vamos dizer, prática, né? Tem mais um conjunto de tentativas do que na verdade, ações que foram passadas por especialistas, com realmente segurança pra que as nossas ações na escola sejam as mais adequadas. Então a tentativa eu acredito que é válida, mas eu me sinto realmente não preparada para lidar com determinadas situações, determinados tipos de inclusão, porque eu vejo que na prática essa inclusão não acontece como poderia acontecer. Eu acabo me sentindo impotente diante de determinadas situações pelas quais os alunos passam. Então mesmo aqueles que não têm laudo ou que não apresentam, vamos dizer, algum diagnóstico, nós sabemos, é perceptível a necessidade de inclusão a partir da dificuldade que eles apresentam. Mas, mesmo assim, nós acabamos ficando muito amarrados. É devido a vários fatores que acabam impedindo com que esses alunos sejam realmente incluídos nas tarefas escolares (ENTREVISTA COM A VD).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Assim, os relatos de grande parte dos profissionais da escola demonstram a dificuldade para que o processo inclusivo se efetive realmente nesse contexto. Considerando situações similares, Mendes (2012) versa sobre o quanto a participação de toda a comunidade escolar é essencial para a efetividade da proposta de educação inclusiva: Os estudos sobre educação inclusiva têm endossado a adesão ao princípio de que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas sim em equipes, compostas por um grupo de indivíduos cujas propostas ou funções são derivadas para uma filosofia comum e alcance de objetivos mútuos (MENDES, 2012, p. 170).

Segundo a mesma autora, o planejamento com o envolvimento de todos é um dos principais caminhos para se efetivar esse trabalho em equipe, e o compromisso dos professores que atuarão com os gestores e da comunidade é fundamental, além da necessidade de se agregar tempo, apoio, recursos, acompanhamento e persistência às atividades(MENDES, 2012). Considerando isto, todavia, não podemos deixar de registrar que a experiência recente da E. E. Padre Menezes com a inclusão tem sido impactada diretamente pelos movimentos de greve dos últimos anos na rede estadual de ensino. O estado de Minas tem passado por greves de professores que representaram diversos dias de paralisação das atividades. Assim, todo o trabalho teve que ser reorganizado e redimensionado, implicando, também, na dificuldade de se elaborar um trabalho colaborativo mais efetivo entre os partícipes do processo de ensino-aprendizagem, resultado de uma continuidade das ações de planejamento e de organização. Diante da análise das culturas inclusivas da E. E. Padre Menezes, podemos concluir que muito deixou de ser feito aí devido à falta de compreensão e de envolvimento mais amplos da equipe em prol de políticas inclusivas consistentes. Embora seja uma realidade em muitas escolas regulares, a cultura de inclusão ainda não é uma realidade na escola pesquisada, uma vez que alguns alunos ainda não respeitam os seus pares em suas diversidades, os professores não se sentem capacitados para trabalhar com os alunos com NEE, e também não há de fato um trabalho colaborativo sistemático e bem desenvolvido entre o professor regente, o professor de apoio e demais membros da equipe pedagógica e administrativa da escola. Por fim, o quadro abaixo sintetiza as principais conclusões da pesquisa a respeito das culturas inclusivas da escola, indicando, também, algumas sugestões de ações propositivas que poderiam ser implementadas pela gestão 60


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | escolar para minimizar as dificuldades para a promoção de políticas verdadeiramente inclusivas. Quadro 4 – Relacionando os dados de pesquisa com as ações propositivas DADOS DE PESQUISA

AÇÃO PROPOSITIVA

Busca de parcerias, com faculdades e setores especializados da SEE, com objetivo de criar cursos e oficinas, em contraturno, para os professores, visando capacitá-los a trabalhar de forma mais ampla e mais profunda as questões da diversidade e da inclusão. Os alunos entendem a Através desta formação, os professores poderão ter condições escola como um espaço de de despertar maior interesse dos educandos e promover melhor diversidade. No entanto, a interação inclusiva entre eles, auxiliando-os a compreender muitos reconhecem e incorporar o significado das diferenças em suas vidas. Todo que não há respeito às esse trabalho deverá ser feito agregando diferentes estratégias diferenças entre eles, seja didáticas, incluindo a elaboração de jogos que promovam a física ou intelectual. boa interação entre todos os estudantes. Aqueles que queiram poderão também se tornar monitores e multiplicadores das ações apreendidas.

Os professores e demais servidores alegam não serem capacitados para lidar com os alunos com NEE.

Além das ações descritas anteriormente, a escola deverá fazer uso de reuniões de Módulo II para motivar, sensibilizar e ampliar a formação, do corpo docente e demais servidores envolvidos, em torno da inclusão. Será importante também a capacitação de alguns professores monitores que poderão repercutir de forma mais ampla o que foi aprendido, trabalhando em conjunto com alunos monitores, por exemplo, na criação de atividades lúdicas que deverão ser incorporadas ao trabalho com a diversidade na escola. objetivando incluir melhor os alunos com NEE junto às suas turmas e promover a boa interação de todos.

Falta de oportunidades Organização de um calendário de reuniões regulares entre os para que os professores professores regentes e o professor de apoio a partir do conjunto regentes e o professor de de horas extraclasse. Criação da Sala de Recursos como mais uma apoio interajam, planejem oportunidade de potencializar o trabalho conjunto entre esses aulas que contemplem professores, os quais poderão utilizar esta sala como meio de a diversidade da sala de efetivar melhor a inclusão dos alunos com NEE. aula. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Cruz (2018).

Tendo como base o diagnóstico sintetizado no quadro acima, o estudo de caso da referida escola evidenciou que as ações relacionadas à articulação pedagógica entre os atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem em relação à inclusão está sendo comprometida pela falta de formação que o assunto demanda. Entendemos que muitas atividades já estão sendo 61


| Maylta dos Anjos (Org.) | desenvolvidas em prol dos alunos com NEE na escola, mas a proposição é que tais ações se potencializem com os encontros de formação continuada. Além disso, compreendemos que a inclusão dos alunos no EM é um propósito recente para a educação pública no país, tendo em vista que os esforços para inclusão no nosso sistema educacional estavam, até pouco tempo atrás, majoritariamente direcionados ao nível de ensino de educação fundamental. Na medida em que os alunos com NEE foram sendo progressivamente inseridos e atendidos com êxito na etapa de ensino fundamental, os mesmos também se fizeram presentes no ensino médio, trazendo, com isto, o desafio de repensar as culturas e práticas para inclusão para esse nível de ensino específico, que já lida com grandes desafios relacionados à sua configuração curricular, ao protagonismo juvenil e ao fluxo escolar, por exemplo. Portanto, a possibilidade de concluir esta pesquisa concretiza um desejo de contribuir para a construção de caminhos mais sólidos na busca de uma escola inclusiva em todos os seus níveis de formação, onde a diversidade não apareça como um obstáculo na oferta de uma educação de qualidade mas, ao contrário, seja um elemento fundamental para a sua realização. Nesse sentido, é importante compartilhar com a comunidade escolar a responsabilidade de traçar estratégias para a implementação consistente das políticas públicas que tratam da inclusão dos alunos com NEE nas escolas regulares, seja na elaboração dos documentos oficiais da escola, seja na busca de ações que efetivem a prática da inclusão.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. [Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela portaria n. 555/2007, prorrogada pela portaria n. 948/2007, entregue ao ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008]. Brasília: Secretaria de Educação Especial, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial. pdf. Acesso em: 03 mar. 2020. CAPELLINI, V. L. M. F.; MENDES, E. E. G. O ensino colaborativo favorecendo o desenvolvimento profissional para a inclusão escolar. Educare et educare. Revista de Educação, Cascavel, v. 2, n. 4, p.113-128, jul./dez. 2007. CARVALHO, R. E. Cartografia do trabalho docente na e para a educação inclusiva. Revista @mbienteeducação, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 21-30, ago./dez. 2008. CASTRO, J. M.; REGATTIERI, M. (org.) Interação escola-família: subsídios para práticas escolares. Brasília: UNESCO; Ministério da Educação, 2010. CRUZ, L. C. Desafios da inclusão escolar na Escola Estadual Padre Menezes. 2018, 165f. Dissertação (mestrado profissional) – Faculdade de Educação/CAEd, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018. CRUZ, M. R. D. F. Desmistificando o mito da turma homogênea: caminhos duma sala de aula inclusiva. Revista de Educação Especial, Santa Maria, v. 23, n. 36, p. 2742, jan./abr. 2010. Disponível em: http://www.ufsm.br/revistaeducacaoespecial. Acesso em: 03 mar. 2020. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Ata de Conselho de Classe, de 19 de dezembro de 2015. Lagoa Santa: 2015. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Projeto Político-Pedagógico. Lagoa Santa: 2016a. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Relatório do Serviço de Orientação educacional da Escola, de 19 de dezembro de 2016. Lagoa Santa: 2016b. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Relatório de Plano de Desenvolvimento Individual de aluno com deficiência visual. Lagoa Santa: 2016c. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Relatório de Plano de Desenvolvimento Individual de aluno com Síndrome de Asperger. Lagoa Santa: 2016d. ESCOLA ESTADUAL PADRE MENEZES. Relatório de Plano de Desenvolvimento Individual de aluno com deficiência intelectual. Lagoa Santa: 2016e.

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Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.

Rubem Alves


TEMAS AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS PROPOSTAS CURRICUL ARES PAR A O ENSINO DE QUÍMICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Thiago Rodrigues de Sá Alves Rose Mary Latini

Introdução A trajetória da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil nos aponta para a fragilidade que perpassa essa modalidade de ensino em nosso país (FÁVERO, 2004; GENTIL, 2005; FREIRE, 2007; STRELHOW, 2010; MENDES et al., 2011). Muitos dos programas desenvolvidos tiveram sua extinção e/ou criação devido à interesses políticos e econômicos, e muitos desses buscavam somente o fim da erradicação do analfabetismo, omitindo, assim, uma continuidade de estudo para os alfabetizados. Nos últimos anos, no estado do Rio de Janeiro, várias foram as modificações feitas nas propostas curriculares para essa modalidade de ensino. Até o ano de 2012, a EJA era ofertada pelo governo em três fases – Fases I, II e III – e os alunos se formavam no tempo de um ano e meio (RIO DE JANEIRO, 2009). Nesse período, os professores que atuavam nessa modalidade tinham como diretriz a Reorientação Curricular, proposta pela Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) em 2006, o qual é um documento que orientava o trabalho a ser desenvolvido nas diferentes Fases. No ano de 2013 foi criado o currículo mínimo da EJA, sendo que nesse mesmo ano ocorreu, quase que paralelamente, a implementação de uma nova política de educação para os jovens e adultos intitulada Ensino Médio Programa 66


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Nova EJA, que conta com a parceria do próprio Estado e da Fundação Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro – CECIERJ. No caso da disciplina de Química, objeto deste estudo, a proposta curricular do programa Nova EJA é bem próxima do Currículo Mínimo/RJ, apresentando pequenas diferenças, principalmente, em relação ao conteúdo de Química Orgânica. Destacamos que na Base Nacional Comum Curricular/BNCC não existe um direcionamento para a EJA, apenas se sugere que os princípios presentes nesse documento sejam inseridos nas propostas curriculares a serem desenvolvidas para a EJA. No caso específico da educação ambiental sugere-se que às redes de ensino “incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora” (BRASIL, 2019, p.19). Dentre os temas citados apresenta-se a educação ambiental, a partir do seu aparato legal: “Lei nº 9.795/1999, Parecer CNE/CP nº 14/2012 e Resolução CNE/CP nº 2/2012” (BRASIL, 2019, p.19). Assim, no Estado do Rio de Janeiro, continua sendo utilizado o Programa Nova EJA. O programa Nova EJA é ofertado em quatro módulos – I, II, III e IV – e a disciplina de Química aparece no módulo II, com quatro tempos de aula, e no módulo IV, com três tempos de aula. As aulas são presenciais e ocorrem de segunda a sexta feira com um total de cinquenta minutos. Para que os professores atuem nessa modalidade, eles precisam realizar o curso de formação continuada de forma semipresencial, por meio de Plataforma Moodle, com encontros em polos definidos pela SEEDUC e Fundação CECIERJ, quando fazem a capacitação para a inserção de novas metodologias em sua prática docente e para que estejam sempre atualizados. Para acompanhamento dos conteúdos em sala de aula os alunos recebem um material didático elaborado pela SEEDUC/CECIERJ. Na disciplina de química no módulo II são apresentados conteúdos de Química Geral e somente um conteúdo de Físico-Química e, no módulo IV, conteúdos de Físico-Química e Orgânica. O programa Nova EJA ainda não possui um currículo específico para a química, como é encontrado no ensino médio regular. Devido a isso, os professores precisam seguir esse material didático, que possui diversas propostas/ possibilidades para que os mesmos trabalhem os conteúdos com suas turmas. As novas propostas apresentadas para a EJA sugerem metodologias que visam sempre a aproximação da experiência de vida dos estudantes aos conteúdos escolares. Na área de Ciências da Natureza essa é, inclusive, a proposta 67


| Maylta dos Anjos (Org.) | apresentada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino regular, no sentido de não só dar significado aos conteúdos trabalhados, mas também da metodologia utilizada contribuir na mediação da compreensão dos mesmos. Contudo, o material didático disponível encontra-se com os conteúdos um pouco que distantes do cotidiano dos alunos, além de apresentar esses mesmos conteúdos bem próximos ao currículo mínimo do ensino médio regular, em alguns momentos. Assim, além da dificuldade de se trabalhar tantos conteúdos em pouco tempo, na prática o que observamos é um distanciamento desses conteúdos da realidade dos alunos. Dessa forma, a ênfase maior está nos conceitos pedagógicos de ensino e aprendizagem, o que de certa forma, aponta para as teorias tradicionais de currículo, que possuem ênfase maior em questões técnicas, como didática, avaliação, planejamento, dentre outras (SILVA, 2007). Considerando as especificidades da EJA, entendemos que metodologias de ensino que desconsideram o contexto social e o cotidiano desses sujeitos pouco podem contribuir para a construção de conhecimentos científicos. Entendemos ainda que pensar a realidade socioambiental pode trazer para o ensino aprendizagem de química uma possibilidade para que o conhecimento dessa ciência permita não só a compreensão, mas a possibilidade de intervenção. A discussão da temática se faz urgente dado o contexto atual marcado por calamidades, de falta de água, poluição, pobreza dentre outros. A amplitude da questão implica que todos os setores da sociedade se envolvam no sentido de mobilização para o enfrentamento da crise socioambiental atual. Considerando ainda a urgência do debate ambiental, acreditamos que a sua inserção nas aulas de química, através de temas extraídos da realidade socioambiental dos educandos, têm muito a contribuir para melhor compreensão dessa realidade e de possibilidades de intervenção. Diante dessas discussões nos aproximamos dos pressupostos da Educação Ambiental/EA, em sua vertente crítica – a Educação Ambiental Crítica/EAC. (GUIMARÃES e FONSECA, 2012; LAYRARGUES, 2000; LOUREIRO, 2003; TOZONI-REIS, 2007) que caminha paralelamente ao Ensino de Ciências e que tem como pressupostos, a formação de um cidadão crítico e transformador e que esteja em plena consciência de que deve estar ativo na sociedade, como já discutia Paulo Freire (FREIRE, 2002). Sendo assim, a escola enquanto lócus de formação precisa se inserir como espaço de intervenção a partir das suas práticas escolares. Acreditamos desta maneira, que um possível caminho que venha a contribuir para ampliar 68


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | conhecimentos e a compreensão das pessoas, assim como tornar o ensino de química mais significativo é sua interlocução com as questões socioambientais, principalmente, aquelas relacionadas à realidade concreta dos educandos (FREIRE, 2002). Nesta perspectiva, o ensino de química, a partir da educação para o ambiente tem a possibilidade de “promover uma maior integração entre os aspectos econômicos, sociais e culturais com os aspectos ecológicos, configurando-se, portanto, uma abordagem integradora e socioambiental” (LAYRARGUES, 2000, p.7), sendo que essa abordagem socioambiental demanda conhecimentos para compreensão e busca de soluções para as questões reais. Apesar dos discursos presentes nas propostas curriculares, na prática o que se observa é a organização do trabalho pedagógico voltado principalmente sobre o conteúdo químico propriamente dito, a partir do uso de diferentes recursos, como vídeos e experimentação, o que até mesmo podemos considerar como um avanço, pela diversidade de recursos didáticos. Assim, apesar de toda inovação tecnológica e dos recursos oferecidos, o ensino de Química na EJA se faz de forma tradicional, isto é, com valorização de conceitos químicos e/ou relação fenomenológica com as atividades experimentais. Dessa forma, as propostas de aproximação do conteúdo químico com questões do contexto social e ambiental dos alunos, assim como os seus conhecimentos prévios, presentes nos documentos oficiais, nem sempre são valorizados nas práticas docentes realizadas na EJA. Neste contexto, nos questionamos “De que forma essas propostas curriculares propõem a inserção de temas ambientais no ensino de química?”. Acreditamos que o ensino de química possa contribuir para a construção de conhecimentos que permitam o entendimento da realidade e a intervenção sobre esta, a partir da contextualização e da interdisciplinaridade inerentes a esta interlocução. Assim, nesse artigo, temos por objetivo analisar como se dá a articulação entre a Química e o Ambiente nestas propostas curriculares. Para tal, analisamos o programa de Química da EJA do estado do Rio de Janeiro, assim como os documentos oficiais. Este artigo é um recorte da dissertação de mestrado intitulada “Educação de Jovens e Adultos: sugestões de abordagem no Ensino de Química a partir da realidade socioambiental” que teve por objetivo a inserção de temas ambientais na EJA que contribua para a aproximação do Ensino de Química da realidade socioambiental dos alunos. 69


| Maylta dos Anjos (Org.) | Acreditamos que nós, professores, precisamos estar em busca de uma educação na qual o indivíduo seja autor de sua própria trajetória e que essa educação seja, de fato, emancipatória e não bancária, como apontava Freire. Para Tozoni-Reis (2006, p. 97) essa educação crítica e também transformadora ...exige um tratamento mais vivo e dinâmico dos conhecimentos, que não podem ser transmitidos de um pólo a outro do processo, mas apropriados, construídos, de forma dinâmica, coletiva, cooperativa, contínua, interdisciplinar, democrática e participativa, pois somente assim pode contribuir para o processo de conscientização dos sujeitos para uma prática social emancipatória, condição para a construção de sociedades sustentáveis.

Encaminhamentos Metodológicos Para o levantamento de dados analisamos os principais documentos que apresentam propostas para a Educação de Jovens e Adultos no Estado do Rio de Janeiro. A Reorientação Curricular foi o documento de referência, na época, para todas as modalidades de ensino e, durante anos, foi ele que orientou a prática docente na EJA, sendo, em 2013, substituída pelo currículo mínimo. Assim, o currículo mínimo de química foi outro documento analisado e, para melhor compreensão utilizamos para sua análise o currículo mínimo de química da EJA do Ensino Médio. Logo a seguir, também em 2013, a SEEEDUC/ CECIERJ lança uma nova política para a educação de jovens e adultos, conhecida como NEJA (Nova Educação de Jovens e Adultos), a qual produziu orientações para prática docente, nesta modalidade, disponibilizada em materiais didáticos para alunos e professores. O tratamento de dados foi realizado pela Análise Textual Discursiva (ATD) por meio das discussões identificadas nos trabalhos de Moraes (2003); Moraes e Galiazzi (2006). Optamos por trabalhar com categorias estabelecidas a priori, tendo em vista que pretendemos uma formação de jovens e adultos que possibilite um entendimento da realidade socioambiental, tendo por base a construção de conhecimentos numa perspectiva mais integradora, onde conhecimento científico, ambiental, cultural, tecnológico, dentre outros; possam contribuir para (re) posicionamento dos sujeitos frente à realidade. Esta perspectiva aproxima as práticas de ensino aprendizagem de química de uma proposta contextualizada; é claro, para além da simples ilustração; 70


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | já que de fato este deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada do trabalho pedagógico. Nesse sentido, as práticas mediadoras devem se apropriar da contextualização como forma de compreensão da realidade, devidamente problematizada, com objetivo de ampliar compreensão desta realidade a partir de conhecimentos científicos, tecnológicos e socioambientais. Dessa forma, esse estudo é recortado pelas categorias, contextualização e conceitos químicos, e tendo em vista que a inserção da dimensão ambiental na prática educativa é uma forma de desenvolver propostas de ensino contextualizadas, esta análise tem como pano de fundo a temática ambiental. Assim, entendemos contextualização, uma das categorias de análise nesse estudo, na perspectiva da dimensão ambiental, como uma prática de mediação que toma questões da realidade socioambiental; local e/ou global, tomados nos seus diferentes aspectos político, econômico, ambientais, dentre outros; como norteadora da construção de conhecimentos. E, considerando que “o pensar e o agir com maior sabedoria sobre o mundo real e tecnológico são possíveis pela significação conceitual, pela mediação de uma linguagem muito especial, que constitui o conhecimento científico” (COSTA-BEBER e MALDANER 2011, p.2), tomamos também como categoria de análise os conceitos químicos com o objetivo de compreender como esses conhecimentos contribuem para o entendimento da questão proposta. Na análise realizada, a partir de uma leitura dos documentos, num primeiro momento, o da “unitarização” buscamos identificar a inserção da temática ambiental. Assim termos como: ambiental, reciclagem, poluição, cidadania, lixo e crise hídrica foram utilizados para fragmentação do texto originando as unidades de significado. A seguir, passamos à etapa de categorização, realizando a análise desses com base nas categorias de análise e, por fim, sendo então elaborados os “metatextos”, textos descritivos e interpretativos.

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Resultados e Discussão

Reorientação Curricular6 É uma proposta do Estado do Rio de Janeiro elaborada pela Secretaria de Educação do Estado (SEEDUC) e que contou com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como parceira. Nesse estudo utilizamos o volume VI que está direcionado à EJA e que envolve a área de Ciências da Natureza e Matemática, mais especificamente a disciplina Química. Inicialmente é apresentada uma “Introdução” geral sobre a importância que a Ciência tem na sociedade e como os conhecimentos são gerados pelo homem e também para ele, fazendo com que o ensinar ciências seja, portanto, indissociável da vida em sociedade, ou seja, todos os saberes produzidos por ela jamais estiveram separados das pessoas. Com isso o ensinar Química busca “[...] propiciar ao jovem e ao adulto uma visão mais ampla de mundo e de criar meios para intervir na realidade, conferindo lhes maior autonomia e oferecendo-lhes subsídios para o pleno exercício democrático da cidadania (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 113). O segundo tópico desse documento, “Marco Teórico”, nos fornece uma rápida visão de como a Reorientação é apresentada aos professores – “mostrar a interação entre o discurso científico e o discurso cotidiano e a estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas consequências ambientais, socioeconômicas e políticas” (RIO DE JANEIRO, 2006, pp. 113-114) – destacando que os conceitos científicos compreendidos pelos alunos possibilitarão a interação dos mesmos com o mundo do trabalho já que eles, por meio desses conceitos, estarão relacionando-se com a realidade na qual vivem. Para Vygotsky (2001), a interlocução entre os conceitos científicos e conceitos cotidianos favorece a construção do conceito científico de forma descendente, isto é, mais concreta, enquanto que os conceitos cotidianos ou espontâneos se desenvolvem de forma ascendente, para formas cada vez mais elaboradas, ou de maior abstração. 6 Destina-se aos professores do Ensino Médio e do Ensino Fundamental (2º segmento) da rede pública estadual de ensino, estando organizada em três volumes: área de Linguagens e Códigos (livro I), área de Ciências da Natureza e Matemática (livro II), e área de Ciências Humanas (livro III). Há ainda um volume específico, denominado livro IV, destinado aos professores de formação profissional das escolas Normais, e outros dois volumes (V e VI) direcionados à Educação de Jovens e Adultos (EJA). (ABREU e LOPES, 2006, p. 178)

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | O terceiro tópico é conhecido como “Temas Estruturadores do Ensino de Química” (Quadro 1) e tem o objetivo de indicar os conteúdos que, favorecem a abordagem desses temas pelos professores. No total são quatro temas estruturadores e para o desenvolvimento dos mesmos indicam-se as “Unidades Temáticas” que apresentam os conteúdos de química e os objetivos a serem alcançados dentro de cada tema estruturador para que “o desenvolvimento dos conhecimentos aconteça de forma articulada entre conceitos, linguagens, procedimentos próprios e habilidades” (RIO DE JANEIRO, 2006, p.114). Quadro 1: Conceitos químicos necessários para o desenvolvimento dos Temas Estruturadores I, II, III e IV I – O MUNDO MACROSCÓPICO: A MATÉRIA COMO A PERCEBEMOS

II – O MUNDO MICROSCÓPICO: A MATÉRIA COMO A INTERPRETAMOS

1. Propriedades gerais e específicas da matéria 2. Os estados físicos 3. As mudanças de estado físico 4. Processos endotérmicos e exotérmicos 5. Misturas homogêneas e heterogêneas 6. Métodos de separação de misturas 7. Substâncias e os critérios de pureza 8. Os fenômenos físicos e químicos

1. A linguagem química – símbolos e fórmulas 2. Os átomos 3. As partículas fundamentais 4. Números atômicos e de massa 5. Os íons 6. Distribuição eletrônica 7. A tabela periódica dos elementos 8. Ligações químicas e as propriedades das substâncias

III – AS TRANSFORMAÇÕES: A MATÉRIA COMO A OLHAMOS (APRECIAMOS, CONTROLAMOS)

IV – RECURSOS ENERGÉTICOS E TECNOLÓGICOS: A MATÉRIA COMO A UTILIZAMOS

1. Oxidação e redução Caracterização dos fenômenos Corrosão Pilhas Baterias

1. Evidências de uma transformação química 2. Representação dos fenômenos – equação química 3. Aspectos quantitativos 4. Os ácidos e as bases mais comuns 5. Indicadores ácido-base 6. Reações de neutralização – formação dos sais mais comuns 7. Os óxidos mais comuns 8. Reação de combustão – algumas substâncias orgânicas de uso diário

2. Combustíveis Gás Natural Petróleo Biogás Álcool

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3. Poluição Efeito estufa Chuva ácida Destruição da camada de ozônio Contaminação por metais pesados 4. Radioatividade Caracterização do fenômeno Fusão nuclear Fissão nuclear Aplicação na medicina e em outras áreas


| Maylta dos Anjos (Org.) | Os três primeiros temas estruturadores possuem cada um oito unidades temáticas. Somente o quarto tema estruturador é que possui quatro unidades temáticas apenas, mas apresentam conteúdos que abordam questões de relevância para a sociedade envolvendo conhecimentos científicos e da tecnologia envolvida. No final de cada tema estruturador existem “Sugestões Metodológicas” nas quais propostas como “o uso de artigos, notícias de jornais dentre outros recursos que abordem temas relevantes para comunidade em questão” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 115) podem ser encontradas para que a aula do professor se torne ainda mais enriquecedora. E por fim, ao final desse documento, encontramos as “Considerações Finais” mostrando a importância da apropriação de “conceitos científicos para o entendimento de situações problemas reais”. A articulação entre a Química e o Ambiente Em se tratando dos temas estruturadores do ensino de química o documento procura enfatizar conteúdos que deem suporte para se introduzir na sala de aula “assuntos de importância social, ambiental, econômica e política que afetem diretamente o indivíduo”. De um modo geral o que podemos perceber é que a temática ambiental surge nos temas estruturadores: I, III e IV, já que nos mesmos surgem, em alguns momentos, possibilidade de discussão de temas ambientais. No Tema Estruturador I, “O mundo macroscópico: a matéria como a percebemos”, o documento destaca que nesse momento podem ser “levantadas questões de relevância ambiental e social, como as águas naturais e seu tratamento e exploração, o lixo, os ciclos naturais”. Em “Sugestões Metodológicas” além de recomendar o uso de artigos e notícias de jornais chama a atenção para que se abordem: ...Temas relevantes para comunidade em questão, como tratamento de água, lixo, preservação das condições ambientais e de vida, com a finalidade de apresentar as definições propostas pela química como um instrumento para entender e intervir na sua realidade (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 115)

Nesse sentido, a proposta apresentada no documento aponta para uma perspectiva crítica da educação ambiental ao propor uma aproximação do ensino aprendizado de química para o entendimento da “sua realidade” com perspectiva de intervenção a partir de conhecimentos construídos. Para Guimarães (2004, p.31) a educação ambiental crítica “objetiva promover ambientes 74


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | educativos de mobilização dos processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas socioambientais”. O tema estruturador aponta, nesse sentido, para uma proposta de ensino contextualizada já que toma temas relevantes para a comunidade como estruturador do ensino. Os conceitos científicos, outra categoria de análise nesse estudo, são sugeridos para serem inseridos na prática educativa como forma de compreensão da realidade e consequentemente, como instrumento de intervenção nela. Dessa forma, observamos que existe uma subordinação dos conteúdos ao tema proposto, evidenciando que para que o nosso alunado possa compreender o mundo macroscópico é necessário que esses conceitos estejam ligados à sua realidade local, como descrito nas sugestões metodológicas. Além disso, para alcançarmos esse objetivo “devem ser levantadas questões de relevância ambiental e social, como as águas naturais e seu tratamento e exploração, o lixo, os ciclos naturais”. E como a sugestão de abordagem é contextualizada com a realidade local possibilita a construção desses conceitos científicos num contexto definido e dando sentido a conceitos espontâneos dos alunos. No início das sugestões metodológicas, é mostrado que “é necessário que se caracterize, por meio da observação controlada, as propriedades e comportamentos dos diversos materiais” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 115). E, como sugestão de abordagem propõe a realização de “pequenas demonstrações com materiais caseiros que façam parte do cotidiano do aluno, levando-o a estabelecer um vínculo efetivo entre a ciência e sua vida” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 115). Mesmo diante dessa preocupação em discutir a elaboração dos conceitos e utilização dos diversos materiais, já que estamos, nesse primeiro momento, iniciando as primeiras reflexões sobre a Química e sobre como a matéria é constituída, é preciso que o professor fique atento para que esta não seja uma atividade isolada dentro da prática pretendida, mas entender que esta é apenas uma das atividades de mediação para construção de conhecimentos articulando conceitos espontâneos e científicos. Este entendimento é essencial para evitar aquelas atividades que privilegiam apenas a exemplificação do que foi ministrado pelo professor em sala de aula, mesmo que façam parte do cotidiano do aluno. No tocante à temática ambiental o Tema Estruturador III, “As transformações: a matéria como a olhamos”, aponta para a questão da poluição da atmosfera, entretanto, enfatiza apenas “a identificação e a representação, por meio 75


| Maylta dos Anjos (Org.) | de nomes e fórmulas químicas, dos principais óxidos do cotidiano, presentes na crosta terrestre, no mar e na atmosfera e os que apresentam um papel relevante na composição e na poluição da atmosfera” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 118). Entendemos, dessa forma, que o item acima aponta para uma proposta de exemplificação, o qual é reforçado nas Sugestões Metodológicas, quando diz que o tema “permite apresentar e caracterizar os materiais presentes na crosta terrestre, no mar e na atmosfera, os que apresentam um papel relevante no processo industrial, na poluição atmosférica, no fenômeno do aquecimento global, no processo de obtenção e energia” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 118). Esse tema estruturador, embora enfoque questões globais importantes de compreensão para intervenção nesses processos, não aponta para proposta mais problematizadora, já que suscita apenas a caracterização desses materiais no ambiente destacando que “os conhecimentos adquiridos ficam interligados a um determinado contexto, o que permite uma maior compreensão do meio que nos cerca e das responsabilidades sociais e econômicas que precisamos assumir” (RIO DE JANEIRO, p. 118). Como se apenas conhecer os materiais presentes em cada um desses fenômenos fosse suficiente para um novo posicionamento frente à natureza. Essa é uma perspectiva característica da educação ambiental de cunho conservador que tende, [...] a privilegiar ou promover: o aspecto cognitivo do processo pedagógico, acreditando que transmitindo o conhecimento correto fará com que o indivíduo compreenda a problemática ambiental e que isso vá transformar seu comportamento e a sociedade (GUIMARÃES, 2004, p. 27).

No tocante aos conteúdos químicos, podemos identificar que existe uma subordinação dos conteúdos ao tema proposto e, alguns momentos, estes apontam para uma aproximação com a temática ambiental quando se objetiva realizar “a identificação e compreensão de transformações químicas que estão presentes no nosso dia a dia, que ocorrem na natureza e que são utilizadas em sistemas produtivos”. Entretanto, mesmo que esse estudo deva ser percebido pelos alunos em seu cotidiano, o objetivo aqui é de somente identificar e compreender as transformações químicas, não havendo uma sugestão para a problematização. Essa mesma característica pode ser percebida em “a identificação e a representação, por meio de nomes e fórmulas químicas, dos principais óxidos do cotidiano, presentes na crosta terrestre, no mar e na atmosfera e os que 76


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | apresentam um papel relevante na composição e na poluição da atmosfera” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 116) cujo objetivo é de somente identificar e representar os principais óxidos. Esse perfil nos remete a um viés conteudista e muita das vezes sem sentido para o aluno. O Tema Estruturador IV “Recursos energéticos e tecnológicos: a matéria como a utilizamos”, “objetiva aumentar a compreensão do mundo físico dando maior significação aos processos naturais e aos tecnológicos” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 118). Sugere que se dê destaque aos aspectos positivos e negativos das “ações antrópicas no ambiente com objetivo de geração de energia e insumos” e que se avalie as “implicações sociais e ambientais do uso de energia provenientes de transformações químicas” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 118). Não apresenta proposta de problematização da produção de energia em determinado território, o que favorece a discussão da produção de energia que privilegia apenas os aspectos científicos e tecnológicos associados a essa produção e os possíveis impactos ambientais. Dessa forma, discussões que favorecem a apropriação dos conceitos científicos em determinados contextos, não são apresentados, conforme proposto no tema estruturador I. No tocante à temática ambiental podemos concluir que os temas estruturadores III e IV vão de encontro à proposta da inserção de temas ambientais apresentada no tema estruturador I. Os conceitos químicos presentes estão relacionados ao tema e permitem compreender processos de produção de energia do ponto de vista científico e tecnológico, mas a sugestão metodológica não favorece a superação de tais conceitos para problematização e compreensão da produção de energia no Rio de Janeiro, por exemplo, mesmo que sejam propostos recursos como “a implementação de projetos ou a utilização de textos promotores de debates, antes do processo de sistematização do conteúdo” para tornar o entendimento desses conteúdos mais eficaz, visto que para os autores todo esse processo é “de grande valia para despertar o interesse pelo assunto, desenvolver a capacidade de expressão e argumentação e a capacidade crítica” (RIO DE JANEIRO, 2006, p. 118).

Currículo Mínimo EJA Após a finalização do Currículo Mínimo para o Ensino Médio Regular, em 2012, a SEEDUC percebeu que a EJA necessitava de um currículo específico e 77


| Maylta dos Anjos (Org.) | que fornecesse orientações para os professores, assim como as competências que os alunos dessa modalidade precisassem desenvolver. O Currículo Mínimo da EJA entrou em vigor no ano de 2013 nas escolas do Estado do Rio de Janeiro. O documento é composto por uma “Apresentação” onde se informa que o material foi elaborado por uma equipe de professores da rede estadual sob a supervisão de docentes de universidades públicas do Rio de Janeiro em parceria com a Fundação CECIERJ, sendo, portanto, também, um guia para os professores que atuam nessa modalidade de ensino. E, apresenta a proposta do currículo de Química nessa modalidade de ensino, onde buscou-se “fugir de um currículo conteudista, que pressupõe o aluno como uma tabula rasa, privilegiando-se uma proposta que permitisse um processo de aprendizagem dialógico” (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 02). Logo depois há uma “Introdução” onde é destacada a importância do ensino de química, o papel do professor na EJA e as habilidades e competências que devem ser priorizadas por esses docentes para a formação dos alunos. Assim, o Currículo Mínimo entende que “o professor deve privilegiar os fenômenos químicos e suas relações com o cotidiano, em detrimento ao tradicional ensino numérico-matemático, com um grande número de regras e exceções”. (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 03). De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais a contextualização, juntamente, com a interdisciplinaridade são eixos centrais na organização do trabalho pedagógico. Tal encaminhamento está também presente nos outros dois documentos que nortearam a elaboração do currículo mínimo. Entretanto, na Apresentação e Introdução desse documento aos professores não está presente uma proposta que aponte para inserção em sala de aula de práticas de ensino que tomem a contextualização, categoria de análise nesse estudo, como um princípio norteador do ensino de química ou mesmo estruturador do trabalho pedagógico. É apenas pontuado “que o professor deve privilegiar os fenômenos químicos e suas relações com o cotidiano” ou então se valer de “exemplificação” para apontar a “importância de compostos orgânicos” (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 03). Tais pontos podem ratificar entendimentos equivocados sobre contextualização, como se apenas uma “exemplificação” ou o estabelecimento de relações com o cotidiano, sem a devida problematização, pudessem ser tomadas como práticas contextualizadas (WARTHA e FALJONI-ALÁRIO, 2005, pp, 43-44). No documento podemos ainda identificar uma estrutura onde são sugeridas habilidades e competências para as três fases do ensino médio. Em cada 78


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | fase existem dois bimestres e seus respectivos eixos temáticos que são os assuntos principais que os professores deverão desenvolver junto com os alunos. Dentro de cada eixo são apresentadas essas habilidades e competências “como o mínimo necessário à formação de um aluno do EJA”, como se fossem objetivos que o professor deve alcançar com os alunos sugerindo que “cada professor se sinta verdadeiramente a vontade para acrescentar a ele quaisquer novas possibilidades, de acordo com a realidade pessoal e de seu contexto educacional”. (RIO DE JANEIRO, 2013, p.03). Assim, a possibilidade de aproximação de conceitos científicos com a “realidade pessoal ou contexto educacional” é reforçada pelo viés da “relação com o cotidiano” ou “exemplificação”. Dessa forma, como não está explicitada na Apresentação e na Introdução do documento a intencionalidade em se trazer a contextualização para o ensino de química na EJA, a temática ambiental, que seria uma proposta para tal, também não está presente. A articulação entre a Química e o Ambiente Na apresentação do Currículo, propriamente dito, fizemos a leitura do conteúdo de cada uma das fases, eixo temático e habilidades e competências, buscando a inserção da temática ambiental. Assim, foram analisados somente os dois primeiros bimestres da Fase I e o primeiro bimestre das Fases II e III. A Fase I do primeiro bimestre é intitulada “Química, Tecnologia, Sociedade e Ambiente”, proposta essa que o próprio título nos remete ao movimento CTSA (Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente). Nos documentos oficiais que nortearam a elaboração desse currículo há uma série de indicações que apontam aproximações do ensino de ciências com a educação CTSA, como forma de contextualização no ensino. São essas: Entender a relação entre o desenvolvimento das ciências naturais e o desenvolvimento tecnológico e associar as diferentes tecnologias aos problemas que se propuseram e propõem solucionar. Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências naturais na sua vida pessoal, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social.

Aplicar as tecnologias associadas às ciências naturais na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para sua vida. (BRASIL, 2000, p. 13). Apesar de esse eixo trazer a intenção de se incluir a temática ambiental, já explicitada no seu título, que também aponta para a perspectiva CTSA, das onze “Habilidades e Competências” definidas para esse bimestre apenas uma 79


| Maylta dos Anjos (Org.) | se aproxima da temática ambiental “Conhecer algumas tecnologias aplicadas na melhoria da sociedade e como a Química está relacionada às mesmas (energias alternativas, fármacos, metalurgia, nanotecnologia)”. Entretanto, seguindo as orientações constantes da Apresentação e Introdução do currículo, esta competência/habilidade se relaciona mais com ilustrar ou “exemplificar” onde a química está presente na sociedade, do que entender as relações que são estabelecidas entre o conhecimento químico, a tecnologia a ele associada e os impactos socioambientais resultantes, com a intenção apenas de ilustrar para os alunos a importância da Ciência Química. Nesse sentido, “a ideia evidenciada é que as práticas de ensino devem ser ilustrativas no sentido do entretenimento, mas sem a realização de nenhum tipo de discussão de como este tipo de prática pode de fato contribuir com a formação do conceito científico” (OLIVEIRA et al, 2015, p.33). Tal perspectiva, nesse bimestre, é reforçada, quando em alguns momentos se diz, que se deve estabelecer relação de conceitos químicos com o cotidiano. Ao se tratar de “energias alternativas”, tema inerente à temática ambiental, esta estrutura aponta para uma abordagem da temática de forma descontextualizada da realidade social e com viés conservador (GUIMARÃES, 2004), como se apenas a ilustração ou exemplificação de onde determinado conhecimento químico é aplicado fosse suficiente para se entender questões ligadas ao cotidiano social, o que não contribui para o entendimento do tema e, muitas vezes, nem mesmo para o entendimento dos conceitos químicos a ele relacionados. Além disso, nessa visão conservadora “os conteúdos são ensinados teoricamente e muitas vezes não são assimilados com a realidade, sendo apenas uma transmissão de conhecimentos fragmentados” (BEGNAME et al, 2015, s.p). Além de situar a Química em relação a sua origem e evolução e de como a mesma se relaciona com tecnologias aplicadas na melhoria da sociedade, nesse bimestre estão presentes conceitos, outra categoria de análise nesse estudo, referentes ao conteúdo matéria e suas transformações. Assim conceitos de mudança de estado, substâncias, misturas e propriedades físicas e químicas estão presentes nesse bimestre. Espera-se, ainda, que o aluno aprenda a representar e interpretar tais fenômenos graficamente. Nesse caso, não observamos nem uma subordinação de conteúdo e/ou conceitos ao tema do eixo desse bimestre ou de tema ao conteúdo. Apesar do eixo temático estar relacionado à química e suas relações com a tecnologia, sociedade e ambiente os conceitos abordados nesse bimestre, 80


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | seguem um conteúdo tradicionalmente presente nos livros didáticos de Química e também presente nas aulas de cursos regulares com o objetivo de diferenciar substâncias simples e compostas; identificar propriedades químicas e físicas; compreender estados físicos, dentre outros. Não que tais conceitos não sejam relevantes para os alunos de EJA, mas na estrutura do currículo mínimo o próprio tema do eixo, do primeiro bimestre, caracteriza também uma ilustração. Tal característica pode ser consequência dos currículos que ainda se caracterizam com um viés conteudista, sendo que “na maioria deles ainda se encontra a mesma sequência de conteúdos vista em sumários de livros didáticos de química para o ensino médio”. (RIBEIRO e MESQUITA, 2012, p. 173). O segundo bimestre, Fase I, cujo eixo temático se intitula “Atomística, Tabela Periódica e Reações Químicas”, possui onze “Habilidades e Competências” sendo que apenas uma se aproxima da temática ambiental “Reconhecer a presença dos elementos químicos na natureza, como nos recursos minerais, atmosfera e fora de nosso planeta”. Mais uma vez, observamos que não existe orientação para uma abordagem contextualizada dos conteúdos, mas apenas uma “seleção de competências e habilidades que resgata maior interesse pelos sentidos e representações do imaginário social do aluno” (RIO DE JANEIRO, 2013, p.03). Essa forma de “exemplificação” ou “ilustração” corrobora para as discussões realizadas até o momento nesse trabalho e que está intrinsecamente ligada à fala de Macedo e Silva (2010, p. 02) quando os mesmos relatam que esse tipo de abordagem busca somente “a utilização de aspectos do cotidiano”, assim como “articular o conteúdo ministrado em sala de aula com a realidade vivenciada pelo aluno em seu dia-a-dia”. Além disso, essa temática encontra-se respaldada pelo caráter mais conservador da EA, onde é necessário somente identificar a presença dos elementos químicos na natureza e não problematizar as causas e as consequências desses mesmos elementos na natureza. Com relação à categoria conceitos químicos o que observamos foi somente a caracterização dos elementos químicos de forma geral. A única possibilidade de problematização e de entendimento da presença desses elementos químicos, em função de suas propriedades, seja na saúde, no ambiente, nos avanços tecnológicos, dentre outros está presente no item “Reconhecer a presença dos elementos químicos na natureza, como nos recursos minerais, atmosfera e fora de nosso planeta”. Mesmo item discutido no parágrafo anterior. 81


| Maylta dos Anjos (Org.) | A Fase II, primeiro bimestre, é representada pelo eixo temático “Comportamentos químicos das substâncias” e possui oito “Habilidades e Competências”, sendo identificadas duas próximas à temática ambiental. A primeira delas se refere a questões ligadas a recursos naturais, mas no sentido apenas de “reconhecimento de que o solo e a água presente na hidrosfera possuem um caráter ácido e/ou básico”. Além disso, os conceitos químicos presentes nesse eixo temático “nomear os principais ácidos, bases, sais e óxidos e relacioná-los à sua aplicação” reforçam o caráter de ilustração do conhecimento químicos em situações cotidianas. A segunda “Habilidade e Competência” aponta para uma maior aproximação com uma proposta contextualizada, como preconizado nos documentos oficiais e em trabalhos de autores da área, no momento em que chama os sujeitos para “Compreender a contribuição dos óxidos para a formação da chuva ácida e suas consequências ambientais”. Essa temática nos possibilita, mesmo com a carência de uma proposta de como trabalharmos a mesma em sala de aula, de articular conceitos químicos e tecnológicos com problemas ambientais. Tal articulação é bastante presente também nos livros didáticos de Química comuns em aulas regulares do Ensino Médio. Entretanto, na maioria das vezes, essa articulação surge de forma mais ampla, isto é, aponta-se que quando determinados óxidos interagem com a água presente na atmosfera formam o que chamamos de chuva ácida e está pode alterar o pH de água de lagos, danificar patrimônios, etc. Esta mesma possibilidade de articulação de conceitos químicos e tecnológicos com problemas ambientais é observada no primeiro bimestre da Fase III “Associar a queima de combustíveis ao processo de transformação de energia (potencial em cinética) 7 e à poluição” Para possibilitar uma leitura mais crítica da realidade essas abordagens precisam se aproximar mais do contexto social dos educandos, de forma que estes conhecimentos favoreçam a problematização, a compreensão dessa realidade e a superação de ideia de responsabilização da degradação ambiental posta em “um homem genérico, fora da história, descontextualizado social e politicamente”. (LOUREIRO, 2005, p. 1475). Esta perspectiva aproxima o ensino de química com a educação ambiental crítica, que, 7 No referido documento a informação de transformação de energia é apresentada de forma equivocada, sendo a queima de combustíveis associada ao processo de transformação de energia química em cinética.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | [...] objetiva promover ambientes educativos de mobilização dos processos de intervenção sobre a realidade e seus problemas socioambientais. As ações pedagógicas devem superar a mera transmissão de conhecimentos ecologicamente corretos... No entanto, superar essa tendência não significa negá-las, mas apropriá-las ao contexto crítico que pretendemos no processo educativo (GUIMARÃES, 2004, p. 31).

Em relação aos conceitos químicos presentes nesse eixo temático podemos dizer que existe uma subordinação dos conteúdos ao tema do eixo. No tocante à habilidade e competência “reconhecer características de cadeias carbônicas para estabelecer relação com as frações de petróleo, saturação de gorduras e presença de eteno no amadurecimento de frutas”, novamente é trazida uma proposta de ilustração de algumas situações nas quais determinado tipo de cadeia carbônica se apresenta. O eixo traz ainda o conceito de calor de combustão associado ao número de carbonos dos compostos orgânicos, o que pode possibilitar uma discussão acerca da emissão de gases contribuidores do aquecimento global, com base nos combustíveis utilizados ou somente uma discussão acerca das relações estequiométricas entre combustível e calor liberado. Ao analisar os conteúdos presentes nas duas modalidades de ensino observamos que os conteúdos tabela periódica, ligações químicas interatômicas e intermoleculares, quantidade de matéria e cálculos estequiométricos, termoquímica, cinética de decaimento radioativo, equilíbrio químico, eletroquímica e polímeros são alguns dos conteúdos que estão presentes no currículo mínimo do Ensino Médio Regular e que não estão presentes no currículo mínimo da EJA. Podemos ainda observar que alguns conceitos característicos de cada um desses conteúdos perpassam algumas das “habilidades e competências” previstas para a EJA, como por exemplo, “relacionar calor de combustão com o número de carbonos do combustível utilizado”. Ou ainda, em alguns momentos, o conteúdo da EJA ultrapassa aquele previsto para o Regular, como no caso da “Dualidade onda-partícula e a incerteza probabilística no modelo atômico quântico” no estudo do átomo. Podemos observar que, como um todo, o documento aponta uma preocupação maior com os conteúdos/conceitos a serem trabalhados na EJA, isto é, os conceitos mínimos que devem estar presentes nessa modalidade de ensino. E que, juntamente, com a ausência de orientação para o trabalho dos professores, embora esteja presente nos documentos oficiais como os PCN que 83


| Maylta dos Anjos (Org.) | nortearam a construção do Currículo Mínimo, a forma de apresentação dos objetivos, isto é, as “Habilidades e Competências” de cada eixo temático aponta, o tempo todo, para uma prática de ensino em que a ilustração e exemplificação são as formas de contextualização pretendidas na EJA. Neste sentido, entendemos que quando a temática ambiental é inserida, esta tende a seguir pelo viés mais conservador da educação para o ambiente.

Nova EJA – Manual do Professor Em 2013 a SEEDUC/CECIERJ lança uma nova política para EJA, onde são apresentados para os professores dessa modalidade de ensino metodologias, currículo específico, material didático próprio, recursos multimídias e propostas de aulas. Por esta nova política a inserção do professor se dá por adesão, sendo “obrigatória a sua participação nas formações em dois módulos, na mesma disciplina” (RIO DE JANEIRO, 2015, p. 5). Assim, a EJA passa a ter um material didático próprio, tanto para o aluno quanto para o professor, para todas as áreas de conhecimento, distribuídos em quatro módulos. Estes materiais estão disponíveis no sítio eletrônico do Projeto SEEDUC8. O material para a disciplina Química é apresentado nos Módulos II e IV que se dividem em dois Volumes. Cada Volume possui um total de cinco Unidades, que possuem o mesmo título no Material do Aluno9. No Material do Professor cada uma dessas unidades é iniciada com uma pequena Introdução, onde são apresentadas sugestões de abordagem da unidade em sala de aula. A seguir são detalhados a estimativa de número de aulas para se trabalhar a unidade, objetivos da mesma e as atividades disponíveis (recursos multimídias, propostas de atividade em grupo e/ou individual, exercícios, avaliações...). Observamos que não existe no material uma indicação de quais os conteúdos químicos que serão trabalhados na unidade. Eles são possíveis de identificação apenas pela descrição dos objetivos da unidade e das atividades propostas. Consta ainda do Material uma espécie de “um passo a passo” para o trabalho em sala de aula. Este é apresentado na forma de “Seções”. 8 Disponível em : <http://projetoseeduc.cecierj.edu.br/eja.php> 9 O Material do Aluno é dividido por área. A Química integra a área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Após são apresentados “Recursos e ideias para o Professor” utilizar em sala de aula. Esses recursos são propostos de atividades que o professor pode utilizar em cada uma das Seções. Tanto a atividade inicial quanto as seções possuem Aspectos Operacionais e Aspectos Pedagógicos. Os Aspectos Operacionais surgem como uma orientação de como o professor deve iniciar a dinâmica em sala de aula com a atividade escolhida, assim como orientar, de forma correta, os alunos. Os Aspectos Pedagógicos, por sua vez, surgem como um passo a passo da ação do professor em sala de aula. Em alguns momentos, sugere, também, alguns questionamentos que os professores podem fazer para os alunos, as possíveis respostas e como o professor deve agir ao respondê-las. Ao final da última seção existe a seção conhecida como “Atividade de Avaliação” e o gabarito das atividades que são realizadas em grupo ou que são distribuídas em sala pelo professor. Além disso, o professor encontra dicas como: filmes, artigos, jogos e textos sobre os conteúdos da unidade. A unidade se encerra com os anexos que são justamente as atividades que serão escolhidas pelos professores. Como cada unidade possui os objetivos que se deseja alcançar com os alunos, criamos, através desses objetivos e das atividades da unidade, a Tabela 4 com os principais conteúdos de química.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Tabela 4: Principais conteúdos de química identificados no programa Nova EJA MÓDULO II VOLUME 1

N O V A E J A

MÓDULO IV VOLUME 2

1. Ligações químicas 1. Propriedades gerais e e as propriedades das específicas da matéria substâncias 2. Os estados físicos 2. Evidências de uma 3. As mudanças de transformação química estado físico 4. Misturas homogêneas 3. Representação dos fenômenos – equação e heterogêneas química 5. Métodos de 4. Aspectos separação de misturas quantitativos 6. Os fenômenos físicos 5. Os ácidos e as bases e químicos mais comuns 7. A linguagem química – 6. Indicadores ácidosímbolos e fórmulas base 8. Os átomos 7. Reações de 9. As partículas neutralização – fundamentais 10. Números atômicos e formação dos sais mais comuns de massa 8. Os óxidos mais 11. Distribuição comuns eletrônica 9 . Estequiometria 12. A tabela periódica 10. Soluções dos elementos

VOLUME 1

VOLUME 2

1. Introdução a Química Orgânica 1. Termoquímica 2. 2. Cinética Hidrocarbonetos Química 3. Funções 3. Reação de Orgânicas combustão Oxigenadas 4. Equilíbrio 4. Funções Químico Orgânicas 5. Oxidação e Nitrogenadas Redução 5. Polímeros Sintéticos

A articulação entre a Química e o Ambiente Na etapa de unitarização da análise buscamos levantar a presença dos temas ambientais. De um modo geral, essa temática pouco se destacou no Material do Professor, mesmo existindo, em algumas unidades, a possibilidade de discussão de temas ambientais. No Módulo II, Volume 1, identificamos somente na Unidade 12, mais especificamente nas seções 2 e 3, a presença de palavras referentes à temática ambiental. E para que a densidade não fique restrita ao espaço escolar, instigue-os sobre alguns problemas ambientais, para ressaltar alguns dos efeitos da densidade no dia a dia. Por exemplo, situações onde óleos são derramados ao mar e que por serem menos densos, acabam sendo uma barreira à passagem da luz solar, impedindo a

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | fotossíntese do fitoplâncton que acabará por comprometer toda uma cadeia alimentar (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 61, módulo II, volume 1).

Observamos que apesar do documento sugerir aos professores que estes busquem “ressaltar alguns dos efeitos da densidade no dia a dia” dando como exemplo problemas ambientais, tais como o derramamento de óleos no mar, este se limita à exemplificação de um conhecimento científico no dia a dia, para que o mesmo “não fique restrito ao espaço escolar”. Portanto, os Aspectos Pedagógicos surgem no sentido de valorização da experiência sensível e não da experiência problematizada que possa fornecer uma leitura crítica do assunto. Em termos de entendimento da temática ambiental as orientações/sugestões contidas nessa Unidade reforçam um viés conservador do entendimento da crise ambiental. Assim, com orientações/sugestões para ensino aprendizagem de conceitos químicos, restritos a uma visão de “contextualização relacionada a aplicações do conhecimento químico, ou seja, concepções sobre contextualização como exemplificação e ilustrações de contextos para ensinar o conteúdo de química” (WARTHA et al, 2013, p. 88), referentes à propriedades da matéria que possa contribuir não só para o entendimento dos conceitos químicos, como também para se compreender dados da realidade/cotidiano de nossos alunos, não é favorecida. Para o Módulo II, Volume 2, a temática ambiental foi identificada somente na Unidade 13, mais especificamente na Seção 5, onde é retratada a poluição por veículos e a preocupação com os gases liberados. A atividade onde se insere o tema se inicia com a leitura de uma reportagem sobre a poluição veicular no estado de São Paulo, entretanto, nos aspectos pedagógicos é dito que a mesma pode “se encaixar perfeitamente no Rio de Janeiro” e, acrescenta que: Achamos interessante explorar quais seriam os poluentes liberados (óxidos de nitrogênio, de enxofre e de carbono, os hidrocarbonetos, além do material particulado) e os efeitos que acarretam na população (comprometimento dos olhos, nariz e garganta, dores de cabeça, tosse, enjoo, assim como problemas respiratórios mais graves) [RIO DE JANEIRO, 2013, p. 81-82].

Mesmo diante de uma atividade que propõe a problematização da poluição atmosférica e dos problemas que essas emissões acarretam para a população, não existe uma orientação de como o professor poderia “explorar” quais seriam os poluentes liberados no Rio de Janeiro e os “efeitos para a população”. 87


| Maylta dos Anjos (Org.) | Nesse sentido, considerando as orientações para o desenvolvimento dos conteúdos preponderantes no material, a abordagem da temática ambiental tende a surgir de uma forma mais ampla, isto é, identificando quais são os poluentes característicos de emissões veiculares e os tipos frequente de efeitos para a população, o que não favorece a compreensão de como tal situação acontece no cotidiano do aluno. No Módulo IV, Volume 1, por outro lado, a inserção de temas ambientais se fez presente em um número considerável de unidades. Na Unidade 11, onde se aborda os Combustíveis e Energia, logo na Introdução já é informado ao professor que os conteúdos da unidade estão relacionados, dentre outros, à questão ambiental. São igualmente abordados, dentro dessa unidade, os diferentes tipos de combustíveis explorados pelo homem. As questões energéticas nos remetem a outras, ligadas ao desenvolvimento dos países, onde o avanço tecnológico e crescimento trazem consequências diretas e indiretas ao meio ambiente. A Termoquímica com seus códigos, nomenclaturas e saberes, nos possibilita reflexões desde hábitos diários ligados à alimentação e ao sedentarismo, até as questões de desequilíbrio ambiental pelos processos de obtenção de energia, que ocorrem sem controle e visão de sustentabilidade (RIO DE JANEIRO, 2013, p.5).

A atividade inicial propõe a “reflexão como introdução ao tema “Combustíveis e Energia” de uma forma dinâmica e teatral” Compartilhamos da ideia de que desenvolver o senso crítico frente a uma situação é tão importante quanto todo o conteúdo tradicional que a cerca. As reações de combustão de combustíveis fósseis trazem consigo, além da energia em si, alguns subprodutos ou efeitos prejudiciais ao homem e ao meio ambiente. Há várias frentes em jogo, a poluição em si, o aquecimento global/efeito estufa, as consequências das alterações climáticas, as doenças respiratórias, o aumento das queimadas de ordem natural, entre outras. Assim, achamos interessante esta abordagem, dando à turma a oportunidade de questionar, discutir e refletir sobre as questões pertinentes a estes assuntos, de forma lúdica (RIO DE JANEIRO, 2013, p.15).

Para tal, propõe a leitura com a turma de três textos. O primeiro texto aborda as questões ambientais em que, estando tudo interligado, qualquer desequilíbrio na Natureza põe em risco

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | a própria existência do homem. O segundo, versa sobre as queimadas e suas agressões à fauna e à flora. O texto é na verdade a letra de uma música que pode ser, inclusive, ser apresentada a eles (se quiser e puder, é claro!). O terceiro texto, como um bálsamo, nos traz alguma esperança de que a distribuição e a manutenção energética se dê de forma igualitária e sustentável no nosso planeta (RIO DE JANEIRO, 2013, p.15).

Os textos propostos versam sobre temáticas globais, que são importantes para entendimento de fenômenos naturais, enfatizam o ambiente como o resultado do equilíbrio de fluxos energéticos e balanços de massa. Acabam por enfatizar apenas o equilíbrio da natureza e esvaziam de sentido a concretude da relação sociedade-natureza. A seguir são introduzidos os conceitos científicos: calor e temperatura; reações químicas com liberação ou absorção de calor; variação de entalpia e motores de explosão. Outros conceitos relacionados ao conteúdo de termoquímica são apresentados na unidade 12; completando assim a sequência tradicional do conteúdo termoquímica. Na Seção 6 “os motores de explosão: um exemplo de como se aplicam as reações endo e exotérmicas”, é quando surge a proposta de relacionar conteúdo químico com a temática ambiental, Professor(a), sabemos que tão importante quanto compreender as diferentes etapas de um motor de combustão interna, está a compreensão da queima dos combustíveis em si. Por isso, sugerimos esta atividade que envolve a interpretação de três situações distintas e suas correlações finais. Um bom momento para trabalhar também as questões ambientais ligadas à emissão de poluentes. (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 43).

Assim, o entendimento da emissão de poluentes e a sua relação com o aquecimento global se faz pela comparação do uso de três diferentes combustíveis e a quantidade de gás carbônico emitido na sua queima, assim como também a quantidade de energia por massa de combustível queimada. Na Unidade 13 “O estudo da velocidade das reações”, nas Seções 1 e 2, o que predominou foi “a importância de estar atento aos rótulos, saber a procedência, composição e, mais importante, a data de validade dos diferentes produtos” para evitar compras e geração de lixos desnecessários (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 95). Muitos alunos ficarão surpresos ao descobrirem que produtos como cosméticos e de higiene também possuem validade e que

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| Maylta dos Anjos (Org.) | poucas pessoas se preocupam em verificar. Assim, é possível evitar a compra de produtos que certamente não serão consumidos antes do vencimento e terão como destino o lixo. (RIO DE JANEIRO, 2013, p.95).

Mesmo diante de um tema rico de discussão, como o Lixo, o mesmo acabou ficando “em segundo plano”. Essa fragilidade de problematização baseada em estratégias de como evitar o descarte inadequado e principalmente da discussão de como minimizar esse impacto no meio ambiente e saber refletir de forma consciente e crítica sobre o consumo exagerado de produtos, acabou mostrando um perfil conservador (comportamentalista) da questão ambiental. Assim os conceitos químicos são introduzidos por meio da exemplificação do cotidiano, sem sua devida problematização, já que o objetivo dessa seção é de “ajudar o aluno a reconhecer a cinética química no cotidiano, através da observação dos prazos de validade de diferentes produtos, bem como reforçar essa prática na hora da compra para um consumo consciente (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 95)”. Na Unidade 14 “Equilíbrio Químico” a proposta de atividade inicial é de leitura e reflexão de um texto que chama a atenção “para um problema ambiental em que o conteúdo equilíbrio químico é o ponto central”. (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 116) Professor(a), acreditamos que retratar algo tão preocupante quanto à própria existência do Homem no planeta Terra, já é por si só bastante motivador para introduzir o conceito Equilíbrio Químico. Dessa forma, a atividade sugere valorizar a bagagem dos alunos com relação ao assunto e, a partir da leitura e discussão, fazer as intervenções necessárias. Os alunos estarão sendo apresentados ao assunto, mas talvez fiquem curiosos com o fato citado no texto de que, em temperaturas mais elevadas, a extensão dos buracos de ozônio se retraiu, o que está diretamente ligado ao princípio de Le Chatelier. Isso acontecendo, aproveite para explicar que a reação de destruição citada no texto é exotérmica, sendo assim, o aumento de temperatura favorecerá o sentido contrário, o da formação de ozônio. Desejamos um bom começo e um ótimo trabalho! (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 117).

Novamente, a proposta feita é de “chamar a atenção para um problema ambiental” e exemplificar onde os conceitos químicos são necessários para entendimento do fenômeno natural. Assim, em termos de entendimento da problemática ambiental, mais uma vez não há um favorecimento na proposta, 90


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ficando essa restrita a ilustrar as aulas de química. A seguir a Seção 1 “O ciclo da água é um processo reversível ou irreversível?” enfatiza que “além do conhecimento em si, as questões ambientais relacionadas a esse recurso são importantíssimas para um mundo sustentável” (RIO DE JANEIRO, 2013, p.119). Sugere como atividade a construção de miniecossistemas, aberto e fechado, para se estudar a reversibilidade da água. Entretanto, não propõe nenhum tipo de problematização. Também na Seção 4 “será que o equilíbrio resiste a alterações externas?” é proposta a leitura de um texto sobre corais marinhos. Professor(a), o assunto deslocamento de equilíbrio faz parte de alguns problemas ambientais gravíssimos, como esse que a atividade explora. Sugerimos que trabalhe bem com os alunos os conceitos que tratam de deslocamento de equilíbrio para que depois possam aplicá-los no texto. As questões de temperatura relacionadas aos gases também fazem parte desse momento, assim como a interdependência dos organismos vivos. O homem não foi citado diretamente no texto, então seria bom lembrá-los, em um segundo momento, de que forma o desequilíbrio marinho o afetaria (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 133).

Após o texto os questionamentos que se seguem são apenas relativos ao deslocamento de equilíbrio nos corais por fatores externos. Mais uma vez o problema ambiental surge como forma de ilustrar como o conhecimento químico está presente em nossa vida. A unidade seguinte, Unidade 15 “Colocando uma pilha na nossa conversa” segue o mesmo percurso. Inicia com um texto problematizando o descarte de pilhas no Brasil, sugere outras atividades que mostram a reciclagem como solucionadora dos problemas do uso de pilha. Tal proposta aponta novamente para um entendimento conservador da crise ambiental, já que a reciclagem surge como solucionadora dos problemas ambientais. Não que tais conhecimentos não sejam relevantes, mas precisam ser apropriados ao contexto para permitir a compreensão da questão. “O ideal, no entanto, seria que todos nós evitássemos o acúmulo de detritos, diminuindo o desperdício de materiais e o consumo excessivo de embalagem” (RODRIQUES et al. 2003, pág.7, apud BEZERRA, 2014, p. 71). Para alcançar isso há um longo caminho a percorrer, passando pela educação ambiental, leis mais rigorosas e que tenham funcionalidade, maior e verdadeiro compromisso empresarial e governamental, mudança de hábito radical da população, e, quem sabe

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| Maylta dos Anjos (Org.) | até um rompimento com o sistema político-econômico atual que nunca se mostrou sustentável e tem dado provas de sua incoerência, incompatibilidade e irresponsabilidade com o meio ambiente (BEZERRA, 2014, p.71).

No Módulo IV, Volume 2, verificamos nas Unidades 10 “ Introdução à Química Orgânica”, 11 “ Hidrocarbonetos e Unidade” e 14 “Polímeros” que o que prevaleceu foi também a preocupação somente de se exemplificar nos problemas ambientais onde conhecimentos químicos se inserem. Afinal podemos dizer que a exploração dos hidrocarbonetos é uma atividade antiga no mundo. E em função disso pode-se extrapolar e questionar muito as questões de exploração das reservas naturais de petróleo, de gás natural e as relações ambientais que são decorrentes desses processos (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 31). Há também, bem discreto por sinal, uma questão ambiental nessa dinâmica. Esta atividade dá uma “sobrevida” a alguns materiais descartados comumente, como as tampas de cervejas, refrigerantes e garrafas PET. Assim, ao utilizá-las estamos diminuindo o impacto ambiental gerado pelas mesmas, o que é ainda mais legal, se imaginarmos o número de colégios envolvidos na mesma... (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 63). Nesta fase final do nosso caminhar, serão abordados os tipos de polímeros existentes, como se dão as suas ligações, suas reações e, principalmente, como impactam o meio ambiente. Dessa forma, não ficarão de fora desse contexto, a reciclagem, as coletas seletivas, as questões relativas aos símbolos dos materiais para reciclagem e a conscientização individual tão motivadora da coletiva por um mundo sustentável (RIO DE JANEIRO, 2013, p. 147).

Nesses trechos observamos que existe sim uma preocupação com as causas ambientais, de como destinar corretamente a matéria orgânica e fazer com que o ser humano possa se conscientizar, mas sempre caminhando para o entendimento da questão ambiental por um viés reducionista, característico de uma educação ambiental conservadora. O que não favorece fomentar uma problematização que contribuiria “para o processo de conscientização dos sujeitos para uma prática social emancipatória, condição para a construção de sociedades sustentáveis” (TOZONI-REIS, 2006, p. 97). Observamos que em todos os volumes inúmeros recursos que visam contribuir para a compreensão dos conceitos químicos estão presentes. Mas mesmo com a qualidade desses recursos e da facilidade em conseguir colocá-los em prática, ainda existe uma lacuna para como realizar uma abordagem com 92


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | referência ao contexto socioambiental para que o mesmo possa, portanto, ter uma significação conceitual.

Uma síntese das análises Na análise dos materiais voltados para o ensino de química na EJA – Reorientação Curricular, Currículo Mínimo e Material do Professor da Nova EJA – tomamos como categorias de análise a contextualização, na perspectiva da dimensão ambiental e os conceitos químicos presentes nestes documentos. Nesse percurso, identificamos que em todos os documentos a dimensão ambiental se faz presente. Entretanto, o entendimento de contextualização que permeia esses documentos reflete nas possibilidades de mediação para construção de conhecimentos químicos afetos ao tema ambiental, aproximando muito mais essas práticas do viés conservador de educação ambiental do que da perspectiva crítica. Este viés conservador se manifesta nos documentos [...] pela ideia de que a transmissão de conhecimentos e valores ambientais seja realizada acriticamente, tendo como objetivo a formação de indivíduos ecologicamente responsáveis, compreendido como indivíduos que considerem os aspectos ambientais em suas ações sociais sem questionar o contexto histórico-concreto de suas determinações. Essa tendência na educação ambiental tem caráter moralista e disciplinatório (TOZONI-REIS e CAMPOS, 2006, p.10).

Na Reorientação Curricular, embora seu Marco Teórico aponte para propostas que possibilitem aos alunos da EJA “uma visão mais ampla de mundo e de meios para intervir na realidade”, observamos que as duas perspectivas de educação ambiental estão presentes. A perspectiva crítica da educação ambiental se revela quando em um dos temas estruturadores, o Tema I, os autores chamam os sujeitos escolares para problematização da realidade e buscam a construção de conhecimentos químicos como forma de compreensão dessa realidade. Nos demais temas, quando a dimensão ambiental é sugerida essa perspectiva se perde e passamos a observar a ausência de propostas de problematização que aponte para uma educação mais crítica, que possa problematizar a realidade, assim como contribuir para a formação de um cidadão mais crítico, já que a mesma “está pautada num entendimento mais amplo do exercício da 93


| Maylta dos Anjos (Org.) | participação social e da cidadania, como prática indispensável à democracia e à emancipação socioambiental” (DIAS e BOMFIM, 2011, p.3). No Currículo Mínimo, documento apresentado aos professores, posteriormente, não existe uma preocupação com a contextualização de temas ambientais, mas apenas sugestões para que conhecimentos químicos estejam relacionados a fenômenos observados no dia a dia dos estudantes. De um modo geral, o objetivo do documento é mostrar onde a Química está presente ou como o professor deve proceder durante suas aulas, para levantar discussões sobre a temática ambiental, sem exercer uma problematização. No documento do NEJA, Manual do Professor, a dimensão ambiental surge em vários momentos, principalmente naquelas unidades em que os conceitos químicos permitem uma relação com um tema ambiental global, tal como aquecimento global, acidificação de oceano, dentre outros. Entretanto, na maioria das vezes, a ausência de propostas mais claras que utilizassem a contextualização como princípio norteador do ensino de química faz com que a questão ambiental seja apresentada na proposta com um perfil puramente de “exemplificação” ou “ilustração”. No tocante aos conceitos químicos relacionados aos temas ambientais propostos, observamos que esses estão sempre subordinados à temática ambiental. Entretanto, a escolha do tema ambiental é sempre realizada pelos conteúdos que precisam ser trabalhados em determinado período/módulo, refletindo as propostas curriculares oficiais existentes para essa modalidade de ensino. Os conceitos químicos necessários para o entendimento de temas ambientais, nosso foco de estudo, surgem nesses documentos, na maioria das vezes, somente para exemplificar situações que ocorrem no dia a dia dos alunos, sem ao menos serem utilizados para se problematizar as questões. Desta forma, surgem no cenário escolar não como possibilidade de permitir uma compreensão da realidade dos alunos, mas com o intuito de fazer com que eles sejam mais facilmente memorizados ou ainda com a compreensão de que apenas apontar fenômenos do cotidiano seja suficiente para apropriação conceitual. Concordamos com Silva (2007, p.15), que essa proposta busca [...] exemplificar fatos ligados à vivência do aluno com certos conteúdos, por meio de ilustrações e exemplos, na maioria das vezes, numa abordagem apenas superficial desses fatos. Nessa perspectiva, a contextualização fica apenas no campo da citação, sem estabelecer relações mais significativas com o conhecimento químico.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | É importante salientarmos que de todos os documentos analisados, somente a Reorientação Curricular «tenta», em alguns momentos, uma aproximação da compreensão da realidade ambiental dos alunos por meio dos conceitos químicos. Assim, no tocante à temática ambiental é necessário que possamos repensar melhores estratégias e metodologias para o ensino de química na EJA de modo a favorecer ao aluno o seu desenvolvimento e propiciar efetivas possibilidades para atuação em sua realidade. Em termos de conteúdos químicos podemos observar que todas essas propostas curriculares apresentam uma base bem similar para as primeiras fases, diferenciando apenas em alguns pontos de conteúdos onde são dados destaques a alguns conceitos científicos específicos, como o caso do átomo quântico no Currículo Mínimo. Podemos dizer que a maior diferença entre eles se encontra na última fase, quando o Currículo Mínimo e o Nova EJA introduzem novos conteúdos que estão na Reorientação Curricular, como o caso dos conteúdos de Equilíbrio Químico e Cinética Química. E, por sua vez, a Reorientação Curricular, em seu último módulo, traz conteúdos/Temas como Oxidação e Redução, Combustíveis, Poluição e Radioatividade que permitem a construção e inserção desses conteúdos em temas mais amplos. Um ponto preocupante é que os conteúdos do Nova EJA se assemelham aos do Ensino Médio, tanto o Regular quanto o do EJA, mesmo que a carga horária10 dessas modalidades sejam diferentes, o que acaba inviabilizando um aprofundamento desses conteúdos em sala de aula pelo professor. Assim, tendo em vista a fragilidade do entendimento de propostas contextualizadas ou daquelas que tomam questões do cotidiano como norteadora das práticas de mediação em sala de aula, juntamente com a quantidade excessiva de conteúdos para essa modalidade de ensino na prática, o que observamos é que ainda há uma tendência a se utilizar esses conteúdos em detrimento dos conteúdos que são, de fato, pertinentes para a realidade/cotidiano de nossos alunos.

10 Para o Ensino Médio Regular temos 80 horas para cada série, totalizando 240 horas. Para o Ensino Médio EJA temos 40 horas para cada série, totalizando 120 horas. Para o NEJA temos o Modulo II com 80 horas e o Módulo IV com 60 horas, totalizando 140 horas.

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| Maylta dos Anjos (Org.) |

Considerações As inquietações relativas ao ser e fazer docente na EJA, a necessidade de compreensão de problemas ambientais e as constantes modificações nas políticas educacionais relativas a essa modalidade de ensino, nos mobilizou para essa investigação na tentativa de pensar a inserção de temas ambientais na EJA que contribua para a aproximação do ensino de química da realidade dos alunos. Nesse percurso nos propusemos à análise das propostas de ensino de Química quando, para além da compreensão de como a temática ambiental atravessa esses programas, podemos perceber que as constantes modificações nestas propostas apresentaram poucas mudanças em termos de conteúdos químicos e, algumas mudanças na forma de como trabalhar esses conteúdos, isto é, dos objetivos do ensino de química nessa modalidade de ensino. O primeiro documento oficial voltado para a EJA, a Reorientação Curricular, aponta que o ensino de química deve possibilitar uma visão ampliada de mundo e com possibilidades de intervenção na realidade. Embora nem sempre os temas ambientais presentes surjam no documento com propostas que favoreçam o desenvolvimento de práticas nesse sentido, a sua intencionalidade está explícita em seu marco teórico. Assim, o Currículo Mínimo, que se apresenta em seguida à Reorientação Curricular, traz uma proposta de ensino de química pautada em competências e habilidades que cada indivíduo deve desenvolver. Nesse sentido, apresenta uma proposta de conteúdos de química que tenta se aproximar ao mundo, apenas tentando exemplificar onde a química se insere no cotidiano das pessoas. Em relação ao marco teórico da reorientação curricular o que podemos dizer é que este foi um retrocesso no entendimento do que se pretende com um ensino-aprendizado de química que favoreça uma visão ampliada de mundo e de possibilidades de intervenção, não só em termos da temática ambiental, mas também dos conteúdos que embora sejam praticamente os mesmos, a forma pretendida de abordagem é bastante diferenciada. Ainda no mesmo ano, o governo do Estado do Rio de Janeiro lançou uma nova proposta para a EJA, a qual ficou conhecida por NEJA, que por sua vez, traz também conteúdos bem próximos às propostas anteriores, mas difere nas metodologias definidas, as quais se traduzem na elaboração de material próprio, utilização de diferentes recursos didáticos e obrigatoriedade de participação de 96


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | professores nas atividades de formação para utilização dos diferentes recursos oferecidos. Em termos de objetivos se assemelha ao Currículo Mínimo da EJA; pois as metodologias procuram valorizar a experiência do aluno pelo viés da ilustração/exemplificação dos conteúdos de química com a realidade dos alunos, em alguns momentos caminha pelo viés da História da Química, e pretende também desenvolver habilidades e competências para o mundo do trabalho. O que nos chama mais atenção nesse material é que, apesar de oferecer uma diversidade de atividades e recursos que o professor pode escolher para utilizar em sala, ele traz atividades avaliativas, exercícios de fixação de conteúdos químicos – que fogem à própria orientação de aproximar a química da realidade dos alunos -, perguntas que podem ser feitas e as possíveis respostas dos alunos. Todas essas atividades que perpassam todos os módulos, juntamente com o treinamento para utilização do material, apontam para uma limitação da autonomia do professor. De modo geral, a temática ambiental, quando surge nesses documentos, caminha pelo mesmo viés, isto é para uma educação que objetivou apenas identificar como os compostos químicos participam nos processos de poluição ou como se apresentam em compartimentos geoquímicos e matrizes ambientais, reforçando, dessa forma, a utilização de aspectos do cotidiano articulado com os conteúdos químicos desconsiderando, assim, a possibilidade de se problematizar esses conhecimentos por meio de aspectos da realidade local e global. Assim, o professor, por possuir o papel de mediador, não deve estar preso ao método tradicionalista, no qual o aluno é somente um mero expectador. Para isso, precisa estar voltado para o aluno e atento ao processo de ensino-aprendizagem ao desenvolver caminhos que contribuam para o entendimento de conceitos químicos e também da realidade. Acreditamos, portanto, que a abordagem de questões ambientais pode oferecer discussões que envolvam o homem, a natureza, assim como o contexto socioambiental, promovendo, desta maneira, novas compreensões de cunho científico e ambiental. Assim, como resultado dessa pesquisa construímos propostas de inserção de temas ambientais que possam ser utilizados como temas geradores de problematização na EJA11. Portanto, não tivemos a intenção de fazer propostas de mudanças curriculares, mas a partir do entendimento dos propósitos da educação ambiental crítica, apresentamos sugestões de temas que possibilitam a 11 As propostas podem ser encontradas no site http://www.mestradoensinociencias.uff.br/index. php/producao-academica-discente.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | introdução de conceitos químicos para entendimento de questões ambientais e maior significação dos conceitos construídos. Acreditamos que desafios como uma formação continuada de qualidade para os professores, na qual os mesmos possam discutir e problematizar suas ideias com outros professores através do diálogo; salas de aula informatizadas para o acesso aos materiais pelos alunos e/ou professores; olhar mais crítico ao material, pois os mesmos continuam sendo adaptações do ensino médio regular, por mais que tenham metodologias específicas; mais tempos para as aulas, para que os professores não tenham que priorizar somente os conteúdos e metodologias específicos; despontam como necessários, por mais que eles não se mostrem presentes nessa nova política pública. Por fim, precisamos lançar um olhar mais cuidadoso para as políticas voltadas para a EJA, para que essa modalidade de ensino supere tendências “que só reforçam os estigmas que colocam a EJA independente e inferior em relação sistema regular, repetindo a seletividade, a exclusão, o ensino precário, a centralidade nos conteúdos e a visão do educando como objeto passivo” (ANDRADE, 2004, p. 3).

Referências ABREU, R. G. ; LOPES, A. C. Políticas de currículo para o ensino médio no Rio de Janeiro. Contexto & Educação, v. 21, p. 175-200, 2006. Disponível em: http://www. educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/setembro2013/quimica_artigos/ politc_curric_ens_med_quim_rio_ janeiro.pdf ANDRADE, E. R. Os sujeitos educandos na EJA. In: TV Escola, Salto para o Futuro. Educação de Jovens e Adultos: continuar... E aprender por toda a vida. Boletim 20 a 29 set. 2004. Disponível: http://www.forumeja.org.br/files/Programa%203_0.pdf BEGNAME, T. ; SILVA, K. ; TOSTES, R. B. ; REZENDE, C ; REZENDE, L. Educação ambiental: uma prática interdisciplinar entre universidade e escola. Educação Ambiental em Ação, v. 53, p. 1-10, 2015. Disponível em: http://www.revistaea.org/ pf.php?idartigo=2110 BEZERRA, A. F. N. Reciclagem: o outro lado da moeda. In: ELDEIR, Soraya Giovanetti (organizador). Resíduos Sólidos: perspectivas e desafios para a gestão integrada. Recife, EDUFRPE, 2014.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ________Secretaria Estadual de Educação. Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Módulo 2, Volume 1, Química, Material do Professor. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2013a. ________Secretaria Estadual de Educação. Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Módulo 2, Volume 2, Química, Material do Professor. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2013b. ________Secretaria Estadual de Educação. Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Módulo 4, Volume 1, Química, Material do Professor. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2013c. ________Secretaria Estadual de Educação. Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Módulo 4, Volume 2, Química, Material do Professor. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2013d. ________Secretaria Estadual de Educação. Reorientação Curricular – Educação de Jovens e adultos. SEEDUC/UFRJ. Livro VI, 2006. ________Secretaria Estadual de Educação Currículo Mínimo EJA. SEEDUC, 2013. ________Resolução SEEDUC nº 4359 de 19 de outubro de 2009: Fixa diretrizes para implantação das Matrizes Curriculares para Educação Básica nas unidades escolares da rede pública e dá outras providências. Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC-RJ), Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. 21 de out. de 2009. p.18. Disponível em: http://download.rj.gov.br/documentos/10112/485574/ DLFE-33307.pdf/RESOLUCAON435909DE19DEOUTUBRODE2009.pdf SILVA, E. L. Contextualização no ensino de química: ideias e proposições de um grupo de professores. Dissertação, USP, São Paulo, 144p, 2007.Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/marco2012/quimica_ artigos/contex_ens_quim_dissert.pdf STRELHOW, T, B. Breve História Sobre A Educação De Jovens E Adultos No Brasil. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.38, p. 49-59, jun.2010. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/38/art05_38.pdf TOZONI-REIS; CAMPOS, M. F. Temas ambientais como “temas geradores”: contribuições para uma metodologia educativa ambiental crítica, transformadora e emancipatória. Educar, Curitiba, n. 27, p.93-110, 2006. Disponível em: http:// revistas.ufpr.br/educar/article/view/6467/4656 ________Fundamentos teóricos para uma pedagogia crítica da educação ambiental: algumas contribuições. In: 30ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, MG, 2007. Anais da 30ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, MG, 2007. Disponível em: http://30reuniao.anped.org.br/trabalhos/GT22-3311--Int.pdf

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| Maylta dos Anjos (Org.) | VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e Linguagem. Edição eletrônica: Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: http://ruipaz.pro.br/textos/pensamentolinguagem.pdf WARTHA, E. J.; FALJONI-ALÁRIO, A. A contextualização no ensino de química através dos livros didáticos. Química Nova na Escola, São Paulo – SP, v. 22, p. 4247, 2005. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc22/a09.pdf WARTHA, E. J.; SILVA, E. L; BEJARANO, N. R. Cotidiano e contextualização no ensino de química. Química Nova na Escola (Impresso), v. 35, p. 84-91, 2013. Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc35_2/04-CCD-151-12.pdf

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Quando a gente ensina, a gente continua a viver na pessoa que foi ensinada! Rubem Alves


INCLUSÃO SOCIAL E ACESSIBILIDADE NO TEATRO Valesca de Queiroz Sandes Maylta Brandão dos Anjos

Introdução Segundo o Censo Demográfico 12 , “Em 2000, o segmento das pessoas com pelo menos uma das deficiências abrangia um contingente de [...] 14,5% da população brasileira. Em 2010, esse número subiu para [...] 23,9% da população total”, alcançando mais de 45,6 milhões de pessoas, num crescimento de 10% ao longo do período. Mas para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, isso não significa necessariamente um aumento desta parcela da população. Este crescimento pode ser atribuído às mudanças feitas pelo IBGE nos questionários utilizados para a elaboração do CD 2010, que passam a classificar graus de severidade das deficiências visual, auditiva e motora, incluindo, neste quantitativo, pessoas com dificuldade moderada para enxergar, ouvir e se locomover. Aliado a isto, especialistas do Instituto13 (PITA, 2011) acreditam que esse aumento se deva a uma mudança comportamental impulsionada pelos avanços sociais, pois “no momento em que o cidadão vê que seus direitos começam a ser respeitados, pode assumir com mais dignidade a sua condição. Assim, talvez muitas pessoas que no Censo anterior tenham deixado de declarar a deficiência, passaram agora a fazê-lo.” 12 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (Brasil). (2012). Cartilha do Censo 2010 – Pessoas com Deficiência. Brasília: SDH-PR/SNPD. 13 PITA, M. (21 de Novembro de 2011). Economia: Terra da Diversidade. Disponível em https://www. terra.com.br/economia/terra-da-diversidade/deficientesrepresentam-24-da- populacao-do-brasil-diz-ibge,7258b920548da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Frente ao exposto, há uma ideia que sempre me instiga como objeto de pesquisa, ou melhor, como problema de pesquisa: de que forma ocorre a oferta de produtos culturais e de entretenimento às pessoas com deficiência? É possível realizar projetos que atendam esse público de forma satisfatória sem, entretanto, deixar de ser um atrativo para os demais? Pensando nisso, a investigação foi feita a fim de ligar efetivamente a produção e seus produtos às pessoas com deficiência, e comecei a buscar por projetos que tivessem facilitado esse acesso. Foi então que conheci o espetáculo “Ninguém mais vai ser bonzinho”, uma peça de teatro com acessibilidade na comunicação, baseada na obra “Ninguém mais vai ser bonzinho, na sociedade inclusiva” de Cláudia Werneck (1997). Tal peça teve fundamental importância para o meu aprofundamento acerca deste assunto, fazendo observar e questionar o porquê desta não ser ainda uma prática comum em meio aos projetos culturais. Hoje acreditamos na possibilidade de expandir o acesso das pessoas com deficiência aos produtos e equipamentos culturais14 através da adequação dos serviços, recursos e espaços, seguindo as normas técnicas de acessibilidade, tanto em termos de instalações físicas como em comunicação. Existem, disponíveis no Brasil, tecnologias comunicacionais inclusivas que são ferramentas de auxílio à compreensão das pessoas com deficiência, como os intérpretes de língua de sinais, a audiodescrição, a disponibilização de materiais em braile15, entre outros. Assim, apresentamos este estudo que tem como objetivo maior analisar de que forma a viabilidade da execução de projetos culturais acessíveis às pessoas com deficiência contribui para o processo de inclusão social destes sujeitos. Ao longo do estudo, poderemos entender melhor cada área de deficiência, com as principais barreiras encontradas pelas pessoas que as possuem e entender de que forma o mundo não inclusivo as deixa de fora de diversas atividades. Em seguida, entender quais ferramentas dispomos atualmente para superar esses obstáculos, como funcionam as mesmas e de que forma é viável implementá-las nos projetos a serem realizados. Por fim, ponderar a participação do produtor cultural como agente facilitador do acesso à cultura, tornando-se uma valiosa ponte para a inclusão social dessas pessoas. 14 Espaços utilizados para interação entre as diversas manifestações culturais e o público, como: teatros, cinemas, centros culturais, museus, livrarias, casas de culturas, entre outros. 15 Sistema de escrita tátil utilizado por pessoas cegas ou com baixa visão, que ganhou este nome em homenagem ao seu criador, Louis Braille.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Diante dessa questão levantaremos, brevemente, alguns pensamentos acerca cultura e inclusão social, frente ao processo de acessibilidade e de direitos, no que se refere à quebra de estigmas e preconceitos criados pela sociedade. A metodologia assumida na pesquisa tem base em estudos qualitativos acerca da cultura no processo de inclusão, amparados pelas normas técnicas de acessibilidade, bem como pelos padrões atuais adotados pelos projetos culturais. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica utilizada para analisar o acesso à cultura das pessoas com deficiência.

Teatro e inclusão: chão de saber, criação e possibilidades do acessível Dinâmico e envolvente, o teatro é uma das conhecidas formas de manifestação artística, praticado por pessoas de variadas regiões do mundo, cujo exercício independe de cultura, crença, raça, idade, condição financeira ou qualquer outro indicador utilizado nos conceitos que envolvem a vida em sociedade. No palco, podemos observar um ambiente plural e atemporal, capaz de nos transportar livremente no tempo e espaço, onde grandes encontros acontecem e experiências e saberes podem ser vividos. Polo de possibilidades, chão de saber e realidade posta em sentimentos, o teatro elabora e refina conhecimentos que se transmutam em partituras de poder de transformação, poder de reflexão sobre o existente e poder de colocação sobre atos, gestos e quereres. O teatro como chão de produção e de descobertas ativa e acelera conquistas sociais pelo domínio da arte revelada em cena. Nele encontramos com as nossas reais emoções, com aquilo que somos e não percebemos. É no teatro que vemos para além do objeto, das lentes postas do texto. É, portanto, a subjetividade, o fascínio e o enlevo que move produção, criação e arte para consolidação da representação do cotidiano e dos sentimentos que perpassam a vida. É forma de inclusão sob as diferentes vias do chão que sustenta a história que se faz na cultura interpretativa e representativa dessa arte. Em toda sua história, o teatro (do grego theatron16), vem despertando uma grande variável de sentimentos no público, que ao passar dos séculos pôde 16 Termo de origem grega, que significa “lugar para ver”. Inicialmente se referia ao lugar onde eram realizadas as cerimônias à Dionísio, Deus do vinho, em meio a música, dança e apresentações de coros fantasiados. Com o tempo, passou a fazer referência também às representações em si.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | notar as diferenças em suas formas de atuação e como elas se relacionavam com o espectador. Desde o teatro dramático (onde as cenas “personificam” os acontecimentos, levando o espectador para dentro delas), passando pelo teatro épico (que por sua vez coloca o espectador na posição de testemunha, provocando nele uma visão de mundo com possibilidades não evidentes), até o início do entendimento do teatro em sua forma didática, muitos foram os questionamentos acerca destas mudanças, que a longo prazo agregavam valores significativos à vivência em sociedade. À partir deste momento, segundo Brecht 17, O palco principiou a ter uma ação didática. [...] Coros elucidavam o espectador acerca dos fatos para ele desconhecidos. Por meio de montagens cinematográficas, mostravam-se acontecimentos de todo o mundo. [...] a ação dos homens era submetida a uma crítica. Havia uma forma certa e uma forma errada de agir. Apareciam os homens que sabiam o que faziam e outros que não sabiam. O teatro passou a oferecer aos filósofos uma excelente oportunidade, oportunidade, aliás, aberta apenas a todos aqueles que desejavam não só explicar como também modificar o mundo. Fazia-se filosofia; ensinava-se, portanto. (1978, p. 48)

Em decorrência do desenvolvimento deste olhar, o teatro hoje possui, entre outras, uma função educativa e, por consequência, social. Através de questionamentos levantados nos palcos, podemos atentar para uma série de problemáticas muitas vezes não discutidas entre grupos, seja por desconhecimento do tema, divergência de pensamentos, preconceitos ou por se tratarem de assuntos que incorporaram o estigma de tabu11. Desta forma, incita uma reflexão crítica sobre o mundo em que vivemos, que é fundamental para o início de um processo de inclusão social, partindo do ponto em que nos perguntamos qual o nosso papel efetivo em cada história. O exercício desta arte, seja inserido em cena, por trás dos processos de produção e realização da mesma ou em forma de espectador, nos permite trazer à tona sentimentos muitas vezes existentes dentro de nós, desmistificando-os. Viver a experiência do teatro é também viver política, diferenças, história, direitos, sociologia etc., trazendo à tona “[..] a capacidade de tornar coletivo sentimentos individuais e de nos conscientizar individualmente sobre 17 BRECHT, B. (1978). Estudos sobre teatro. (F. P. BRANDÃO, Trad.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 11 Proibição social de caráter inquestionável. Faz referência a algo que não se pode tocar, viver ou falar sobre, seja por questões religiosas (em virtude do sagrado) ou culturais.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | questões coletivas.” (LOURO, ANDRADE, GONZALES, SOARES, & ZANCK, 2010, p. 34).18 Mais que isso, o uso de técnicas de teatro como os jogos dramáticos, dinâmicas de improvisação e o uso de máscaras, se torna cada vez mais eficientes no processo redescoberta interior de indivíduos naturalmente marginalizados pela sociedade. Com o auxílio desta forma de expressão, vemos sujeitos diversos retomando seu estado (e consciência) de cidadãos, ao despertar para uma nova realidade onde é possível se enquadrar e realizar ações corriqueiras, das quais outrora estiveram distanciados. E então vemos o teatro num papel que vai além da arte e da estética, gerando movimentos e manifestações em meio à vida em sociedade. A exemplo disso, podemos citar Irlei Machado19, que desenvolveu por 3 anos um trabalho com pacientes de unidades do NAPS de Santos – SP, doentes mentais, com o objetivo de promover a reinserção social dos mesmos através da montagem de um espetáculo de teatro. Ao longo do processo por ela descrito, observamos muitas barreiras encontradas no caminho, mas acima de tudo uma grande vontade de fazer valer à pena. E findada a jornada, com expressivos resultados que puderam ser vistos aos olhos das plateias que os assistiram, conclui que “O teatro, como potencializador da subjetivação, torna-se uma ferramenta de inclusão para aqueles que raramente teriam a oportunidade de se verem considerados como cidadãos” (2010, p. 116). A partir dos escritos de Brandão (2016), inspiramo-nos a dizer que por ser o teatro narrativa e arte da vida, sem que seja simulacro de verdade, mas uma verdade vivida e transformada em várias intensidades, não é cópia fosca nem indevida da realidade, é um revolver de entranhas que emociona e sensibiliza, quebrando paradigmas que são e que seriam deletérios à vida humana. O teatro pode desmistificar estigmas e recontextualizar o tempo histórico, cultural e político, bem como as ações que emanam desse tempo. Ele é fato e retrato do que se constitui em nós e em nossas cenas da vida. É nossas cenas em nós e a cena de cada sujeito nessas cenas. Por ser instrumento, ferramenta e artifício de contar verdades, faltas, abundâncias e necessidades ele se concretiza num se fazer em sonhos, e se coloca em arte. Ele assume uma faceta e um 18 LOURO, V., ANDRADE, A., GONZALES, F., SOARES, L., & ZANCK, S. (2010). Arte e Responsabilidade Social. São Paulo: TDT Artes. 19 MACHADO, I. C. (2010). O Teatro como mecanismo de Inclusão Social. Em Em extensão (pp. 108117). Uberlândia.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | comprometimento, para além da diversão e do entretenimento, com o contexto, demandas sociais e culturais, transformando-se em vanguarda de registros e reivindicações de diretos. E, nesse caso específico, a demanda de acessibilidade é um viés que nos aponta como o cenário teatral pode ser pensado como campo de resistência, luta e reflexão. Nesse intuito, o estudo se fez baseado numa necessidade de refletir o teatro quanto aos aspectos da inclusão e sobre os temas que por ele perpassam. Assim, concluímos que a inclusão social deva acontecer sob os seus vários aspectos e nas diferentes ordens em que estão presentes as expressões político, sociais e culturais. Isso porque arte e cultura aos todos pertencem e na difusão do fazer democrático, acolhedor, questionador, problematizador e reflexivo deve ser posto aos sujeitos sociais. Nesse sentido, partimos para a análise do conceito de inclusão social, relacionando-o à sua importância para a produção cultural que se faz cada vez mais presente no momento atual.

O conceito de inclusão social Segundo o dicionário20, entende-se por inclusão o “ato ou efeito de incluir(-se)” (s.d.), tornar-se parte de um todo, de modo a gerar uma relação de pertencimento. Neste caminho, é possível entender a inclusão social como o processo que leva o indivíduo a fazer parte de um grupo social, seja ele qual for, em iguais condições de participação dos demais, sem que haja barreiras físicas ou filosóficas para tanto. Portanto, qualquer meio ou ação que vá de encontro à exclusão de oportunidades e benefícios relativos à vida em sociedade, pode assim ser chamado. A vida em sociedade prevê a convivência em um estado de colaboração mútua em todos as vertentes que envolvem o âmbito social, como o trabalho, o ambiente de educação, a prática religiosa, o acesso aos direitos, entre outros. No entanto a fruição plena deste conceito torna-se quase utópica, uma vez que todos esses fatores também são formados por uma consciência cultural, criada dia após dia por pessoas de todo o planeta. O sociólogo Émile 20 Dicionário. (s.d.). https://www.google.com.br/search?q=dicionario&rlz=1C1NHXL_pt-BR BR764BR764&oq=dicionario&aqs=chrome.0.69i59j69i60l2j69i61j0l2.1653j0j9&sourceid=chrome &i e=UTF-8#dobs=inclus%C3%A3o

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Durkheim21, ao falar sobre o consciente coletivo, nos mostra nuances que levam a este impedimento da linearidade dos atos sociais, em virtude da dinâmica que envolve o conhecimento passado de um indivíduo para o outro, além da singularidade existente em cada um. Em sua teoria, ele menciona o consciente particular como formador primário de um pensamento, mas destaca para o fato de que, em grupo, os sujeitos tendem às repetições de ações por eles observadas. Mas, dirão, um fenômeno só pode ser coletivo se for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se for geral. Certamente, mas, se ele é geral, é porque é coletivo (isto é, mais ou menos obrigatório), o que é bem diferente de ser coletivo por ser geral. Esse fenômeno é um estado do grupo, que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles. [...] Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar. Ora, cumpre assinalar que a imensa maioria dos fenômenos sociais nos chega dessa forma. (2007, p. 4)

Pautados também nessas variantes de pensamentos e comportamentais, chegamos ao quadro de exclusão social, uma realidade mundo afora, que afeta de maneira expressiva nosso país. Pessoas em condições divergentes das adotadas como padrão em certos grupos, sejam elas em virtude de gênero, raça, idade, educação, nível econômico ou moradia, são excluídas dos meios comuns e passam a caminhar à margem da sociedade. Para cada uma das possibilidades anteriores, existe uma linha de ações sociais, em sua maioria idealizadas por órgãos do governo ou instituições/entidades que lutam contra esta situação, visando o bem-estar de todos através da quebra de barreiras impostas por tantos paradigmas. Essa chave de pensamento, que bebe na sociologia uma das interpretações de um fato social, remete não somente à díade exclusão e inclusão, e aos aspectos sociais formadores dessa vertente, mas remete também às críticas desta questão social às suas representações no estudo da inclusão social. 21 DURKHEIM, É. (2007). As regras do método sociológico (3ª ed.). (P. NEVES, Trad.) São Paulo: Martins Fontes.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Esse estudo pressupõe o conhecimento pelo qual os conceitos situam-se conforme a época e nas suas características de definição, que podem ser abertas e flexíveis. Dessa forma, os conceitos devem incorporar os vários segmentos que estão configurados na sociedade, entretanto, como são restritos ao tempo e ao espaço, são passíveis de renovação, com novas análises e consequentes modificações. Em Sheppard22 (2006), o conceito de inclusão social é formulado como busca de estabilidade social. Estabilidade essa que é advinda da cidadania social, que tem na noção de direitos o seu aporte maior de sociedade e de bem-estar cidadão. Esse conceito veste o que pretendemos na associação dele com a cultura e ao teatro, que são caminhos de conquistas de cidadania. Outro conceito que nos é bastante representativo é de Wixey et al.23 (2005) quando remete à inclusão social a possibilidade e o fazer da valorização das pessoas e grupos. Valorização esta que deve estar livre de preconceitos e deve acontecer independente de religião, etnia, gênero ou diferença de idade. Segundo Wixey e outros, as estruturas sociais devem possibilitar escolhas na prática da inclusão social e adensar os envolvimentos das decisões que afetam a sociedade. Este fato liga-se, sobretudo, à criação e disponibilidade de oportunidades iguais, bem como ao acesso e recursos necessários para que todos possam participar plenamente na sociedade. ais conceitos de inclusão social colocados, tanto por Sheppard (2006) quanto por Wixey et al. (2005), estão uníssonos ao que pretendemos e entendemos como aproximação do exercício desta arte e dos processos de acesso a ela, como espectador, na desmistificação das impossibilidades. Seguindo este pensamento podemos apontar que o termo incluir é polissêmico. Brandão24 (2016) produz um entendimento de inclusão a partir da exclusão. Assinala então que a inclusão não se traduz numa trajetória de rupturas parciais, que pode chegar a ruptura total com os vínculos que os ligam à sociedade. Para que a inclusão seja conceituada a partir do substrato que a cria, é necessário observar que ela pode ser pensada a partir de um outro ângulo, onde se caracteriza por um processo e movimento localizados ao longo de um 22 SHEPPARD, M. (2006). Social work and social exclusion: the idea of pratice. Aldershot: Ashgate. 23 WIXEY, S. e. (2005). Measuring Accessibility as Experienced by Different Socially Disadvantage Groups. funded by the EPSRC FIT Programme – Transport Studies Group. Universidade de Westminster. 24 BRANDÃO, B. (2016). Entre a rua e o refúgio: juventude e abrigamento no Rio e em Roma. Curitiba: Appris.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | eixo, em que os vínculos vão constituir “uma unidade social de pertencimento” (ESCOREL, 1999, p. 18)25 . Essa unidade social de pertencimento não exclui a experimentação do teatro, que traz a experiência de viver também a arte, viver política, diferenças, histórias, direitos e participação. As atividades sociais, culturais e de lazer assumem um papel crucial no âmbito social e na formação de uma cultura de pertencimento, caso processos de inclusão se mantenham ativos na consagração de uma cidadania ativa e de reconhecimento de direitos. Por fim, cabe trazer Arendt26 (1991) quando assinala as potencialidades da condição humana que se dão numa heterogeneidade múltipla. Para ela, nessa heterogeneidade a igualdade surge da cidadania, do direito a ter direitos (iguais); situação de princípios inclusivos e de condições concretas para o exercício dos direitos civis, políticos, sociais e, incluímos aqui, culturais. Essa capacidade de mover-se e distinguir-se na esfera pública, que é comum a todos, deve ser colocada de forma inclusiva a todos nas dimensões e nos vínculos que a configura. Em Arendt (1991) encontramos aporte para concluir que a inclusão significa a possibilidade de realizar a condição humana, sobretudo pela capacidade do exercício da cidadania e vida dos direitos políticos e sociais na cena pública e na participação cidadã. Definição está, reforçada por uma das Políticas Nacionais de Saúde27 brasileira, ponderando que “As sociedades devem se modificar, de modo a atender às necessidades de todos os seus membros. Uma sociedade inclusiva não admite preconceitos, discriminações, barreiras sociais, culturais ou pessoais”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil), 2010, p. 17)

O teatro como objeto da produção cultural A produção cultural, como induz o próprio nome, trata da produção de ações e produtos, que tenham como fim divulgar, questionar, ratificar e/ou propagar questões culturais, que por sua vez possuem um embasamento também social. Essa produção engloba atividades desenvolvidas em diversas etapas, entendidas conceitualmente por planejamento, pré-produção, produção 25 ESCOREL, S. (1999). Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ. 26 ARENDT, H. (1991). A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 27 MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). (2010). Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Ministério da Saúde. Brasília: Editora MS.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | e pós-produção, descritas com detalhes de seus processos individuais por Rômulo Avelar em seu livro O Avesso da Cena28 (2010). Além disso, o objeto das produções possui um vasto campo de possibilidades de atuação, capaz de alcançar múltiplos interesses em uma sociedade. Desde a dança, passando pela música, artes visuais, audiovisuais, até as artes cênicas, são diversas as formas de abordar temas, que variam dos mais simples, vividos cotidianamente, às complexidades como o entendimento da própria arte ou mesmo o quadro/perfil político existente em nosso país. Produzir cultura é não deixar apagar a chama da esperança, da transformação, da alegria, da arte, da superação e do conhecimento. É, portanto, contribuir para o enriquecimento da cultura de um povo; mas que cultura? Afinal, a que nos referimos quando falamos em cultura de um povo? Antes de chegar ao que compreendemos hoje como cultura, diversas teorias foram levantadas desde os primeiros estudos antropológicos a esse respeito, registrados a partir do século XVII. Ao debater sobre esse conceito, Laraia29, em seu livro Cultura: um conceito antropológico, traça uma linha de desenvolvimento sobre os princípios que nortearam este entendimento e que aos poucos foram sendo refutados. Podemos citar o determinismo biológico, ao qual ele se refere como “[...] velhas e persistentes [...] teorias que atribuem capacidades específicas inatas a ‘raças’ ou a outros grupos humanos” (LARAIA, 2001, p. 17). Segundo ela, características comuns a um povo são determinadas no momento em que são gerados, enquanto seres humanos, ignorando a possibilidade de um indivíduo pertencente a outro grupo desenvolver as mesmas propriedades. Entretanto “Os antropólogos estão totalmente convencidos de que as diferenças genéticas não são determinantes das diferenças culturais”, podendo uma criança nascida na Suécia e transportada logo após para o Brasil, para crescer e se educar no seio de uma família sertaneja, em nada se diferenciar mentalmente de seus irmãos de criação, como o próprio autor exemplifica. Numa outra visão, nos deparamos com o determinismo geográfico, que “[...] considera que as diferenças do ambiente físico condicionam a diversidade cultural” (LARAIA, 2001, p. 21), dentro da qual haveria uma “[...] relação entre 28 AVELAR, R. (2010). O Avesso da Cena (2ª ed.). Belo Horizonte: Duo editorial. 29 LARAIA, R. d. (2001). Cultura um conceito antropológico (14ª ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 24 No texto, o autor cita o teuto-americano Franz Uri Boas e os americanos Clark Wissler e Alfred Louis Kroeber.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | a latitude e os centros de civilização, considerando o clima como um fator importante na dinâmica do progresso”. Após 1920, alguns antropólogos24 conseguiram não só negar esta teoria, pautados no fato de que existem diversos limitadores na influência que a posição geográfica exerce sobre fatores culturais, como também demonstraram que “[...] é possível e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente físico”. Por fim, e aqui isenta da intenção de esgotar este assunto, Ruth Benedict30 nos leva a perceber a cultura como sendo “uma lente através da qual o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas” (1972, apud LARAIA, 2001, p. 67). A este fator soma-se a visão da cultura como um conjunto dinâmico e, deste modo, suscetível a transformações contínuas, graças à capacidade de questionamento e consequente mudança dos atos do homem, por ele mesmo. Essa mudança cultural pode acontecer de duas maneiras: “[...] uma que é interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um sistema cultural com um outro” (LARAIA, 2001, p. 96). Apesar de ocorrerem de formas e em tempos distintos, ambas possuem fundamental importância para o sucessivo processo de construção cultural de um povo, estabelecendo relação direta com a forma como os indivíduos são criados, o ambiente em que vivem e as informações às quais tem acesso ao longo de sua vida. Apoiada nesses pilares em constante edificação é que percebemos a produção de cultura, seja ela do segmento que for, como um elemento de suma importância para comunicação e disseminação de práticas e saberes em uma sociedade. Aqui destacamos o papel do teatro, um viés das artes cênicas, com maior facilidade de disseminação entre grupos graças à sua forma de atuação, que pode acontecer de maneira especialmente democrática, a exemplo do Teatro do Oprimido31 de Boal. Por meio das histórias contadas nos palcos e balanceando a maneira como essas produções acontecem – estrutura física de cenários, recursos técnicos e soluções tecnológicas, complexidade de figurinos, volume de atores e equipe, alcance de divulgação, escolha do local de apresentação e custo de ingressos, 30 BENEDICT, R., 1972 apud LARAIA, R. d. (2001). Cultura um conceito antropológico (14ª ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 31 Método teatral, desenvolvido pelo teatrólogo brasileiro Augusto Boal, que cria um diálogo claro com o público, utilizando para isso uma nova forma de preparação do ator, com o objetivo maior de democratizar os meios de produção teatral, ampliando o acesso à mais camadas da população.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | entre outros – é possível alcançar desde a massa à um seleto grupo de espectadores. Uma mesma ferramenta com várias facetas distintas, capaz de enxergar além do limite das barreiras. Eis a magia que envolve o teatro. Para Boal:32 “toda a ação humana modifica a sociedade e a natureza. A arte e a ciência modificam a natureza de uma forma organizada [...], segundo as suas próprias leis”, e sob este aspecto podemos enxergar o teatro e as ações que o envolvem como elementos contínuos de transformação. Destaca ainda que “há uma diferença fundamental entre a ciência e a arte. [...] A ciência atua diretamente sobre a realidade, modificando-a. Pelo contrário, a arte modifica os modificadores da sociedade, transforma os transformadores.” (BOAL, 1982, p. 22)

Por fim, Boal nos auxilia a pensar que o teatro como objeto da produção cultural pode e deve agir à bem da sociedade e, mais ainda, à bem da humanidade. E nesse campo, a temática inclusiva é componente de ação, mobilização e inspiração para que roteiro e interpretação sejam o grande cenário agregador, receptor e construtor de verdades que façam cair por terra o que cinde, subjuga e torna menor o igual.

Breve histórico da acessibilidade A trajetória do que entendemos hoje como acessibilidade mostra-se recente e oscilante no que tange a real visualização da necessidade de sua existência, diante de outros fatores sociais. Há pouco mais de 6 décadas iniciou-se uma preocupação, ainda que discreta e de forma restrita, acerca do tema, ainda não intitulado como tal. Em Sassaki33 (2009) podemos observar uma cronologia deste desenvolvimento até a formação do conceito em que nos apoiamos atualmente e sobre o qual trataremos a seguir. Após Assembleia Geral ocorrida em 10 de dezembro de 1948, ainda estremecida pelas barbáries ocorridas durante a recém findada Segunda Guerra 32 BOAL, A. (1982). 200 exercícios para o ator e o não ator com vontade de dizer algo através do teatro (4ª ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 33 SASSAKI, R. K. (2009). Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e educação. Revista Nacional de Reabilitação (Reação), 10-16.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Mundial, a Organização das Nações Unidas34 proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a fim de construir um novo mundo sobre bases mais sólidas e dignas à toda a humanidade. Seu artigo XII, onde consta que “Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção” (ONU, Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948) foi o que, na década seguinte, provocou um questionamento de diversos profissionais da área de reabilitação quanto à existência de barreiras físicas que limitavam a locomoção das pessoas com deficiência. A partir de 1960 Sassaki destaca o início de um movimento, vindo especialmente de Universidades Americanas, no sentido de eliminar os empecilhos arquitetônicos que impediam a liberdade de locomoção dessas pessoas dentro de seus espaços. “Áreas externas, estacionamentos, salas de aula, laboratórios, bibliotecas, lanchonetes etc.” (SASSAKI, Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e educação, 2009) passam a ser adaptadas para garantir a livre circulação de todos. Nos anos 70, com o entendimento de que as pessoas com deficiência ainda representavam uma parcela da população em desigualdade de condições do exercício de seus diretos, novamente a ONU se manifesta e em 09 de dezembro de 1975 aprova a Declaração dos Direitos da Pessoa Deficiente. Em seu artigo 3º afirma que “As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade...” e em sua publicação “apela à ação nacional e internacional para assegurar que [...] seja utilizada como base comum de referência para a proteção destes direitos”. (ONU, 1975). Sassaki cita na década seguinte outras medidas importantes pata este fim, destacando uma nova ação da ONU que ratifica sua preocupação em assegurar os direitos das pessoas deficientes. A proclamação do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981) levou pessoas com deficiência a desencadearem campanhas mundiais para alertar a sociedade a respeito das barreiras arquitetônicas e exigir não apenas a eliminação delas (através do desenho adaptável) como também a não-inserção de barreiras já nos projetos arquitetônicos (através do desenho acessível) (SASSAKI, Inclusão: Acessibilidade no lazer, trabalho e educação, 2009). Por fim, nos anos 90 inicia-se o entendimento da necessidade de caminharmos em direção a um desenho universal, em que os ambientes, utensílios e meios de transporte fossem projetados com vistas à sua completa e fluida utilização, 34 ONU. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos. Paris.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | não apenas pelas pessoas com deficiência, como também por toda a população. Esta fase se tornou mais um marco na construção do sentido do termo acessibilidade, pois retrata não mais uma atenção meramente às questões físicas/arquitetônicas, e abre precedentes para olhares e contínuas análises à outra barreira, que vem sendo amplamente debatidas desde o início dos anos 2000.

O conceito de acessibilidade O século 21 representa um período de grandes avanços com relação à implementação da acessibilidade em seu sentido mais amplo. Apesar de uma das primeiras manifestações claras deste termo ter havido em 1985 por meio da Norma Brasileira ABNT NBR nº9050, está ainda objetivava apenas a “adequação das edificações, equipamentos e mobiliário urbano à pessoa portadora de deficiência”. Foi em 2000, que a Associação Brasileira de Normas Técnicas instituiu o Comitê Brasileiro de Acessibilidade (ABNT/CB-40) a fim de pesquisar e regulamentar para uma normalização no campo de acessibilidade atendendo aos preceitos de desenho universal, estabelecendo requisitos que sejam adotados em edificações, espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, meios de transporte, meios de comunicação de qualquer natureza, e seus acessórios. Nessas condições, nos deparamos com um termo a ser entendido em âmbitos cada vez mais amplos e que, para isso, precisa ter reforçadas algumas premissas. Não se pode pensar apenas nas pessoas com deficiência de maneira objetiva; é preciso vislumbrar outras questões que não só impedem o acesso como também o dificultam. Além disso, nem só os deficientes necessitam de “facilitadores” de acesso; há diversos grupos de pessoas que em caráter temporário ou definitivo precisam de fluidez de ações em sua vida social, como as gestantes, os idosos e pessoas obesas, e nem por isso se enquadram em grupos de deficiências. E ainda, é fundamental esclarecer que existem diversos outros campos de contato no meio social, além de estruturas físicas, que podem se tornar barreiras invisíveis aos olhos da massa da população e que por isso precisam de atenção. Observando estas questões e com o intuito de tornar o assunto uma vivência real entre a população e não somente uma pauta dela, no ano de 2004 o termo acessibilidade ganha vida em documentos oficiais no Brasil. Em meio a tantos debates e desdobramentos sobre os direitos das pessoas com deficiência, a definição deste conceito surge agora com uma visão mais abrangente. 117


| Maylta dos Anjos (Org.) | I – Acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro, 2004). Cabe ainda citar a posterior participação de Sassaki para a continuidade da expansão do entendimento desta questão quando, em um de seus artigos escritos para a Revista Nacional de Reabilitação, descreve as variadas formas de barreiras como dimensões a serem trabalhadas e analisadas individualmente, a saber: [...] arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação etc.), instrumental (sem barreiras instrumentos, ferramentas, utensílios etc.), programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas etc.) e atitudinal (sem preconceitos, estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para pessoas que têm deficiência) (SASSAKI, 2009). Ao pontuar essas formas de acessibilidade, Sassaki nos mostra as diferentes necessidades que precisam ser supridas por intermédio de políticas e ações públicas, de setores organizados da sociedade e de ações humanas que busquem torná-la um fato real.

Quando a acessibilidade na cultura ganha forma de lei Em meio à crescente movimentação acerca da garantia do cumprimento dos direitos das pessoas com deficiência, a Lei nº 10.09835 cumpre um importante papel quando, em seu artigo 17, capítulo VII – Da Acessibilidade nos Sistema de Comunicação e Sinalização, elenca o acesso à cultura dentre os quesitos a serem promovidos pelo poder público. Nos termos do referido artigo. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência 35 BRASIL. (2000). Lei nº 10.098 de 19 de dezembro. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília: DOU

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer. (BRASIL, 2000). Poucos anos após, e em concordância com a Convenção sobre do Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Assembleia da ONU em Paris, o Brasil promulga a referida Convenção, através do Decreto nº 6.94936. Este documento vem somar valor à causa, zelando pelo cumprimento dos direitos das pessoas com deficiência e, através de seu artigo 30 – Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte – reforça a necessidade de se colocar os princípios da acessibilidade em prática também nos parâmetros da difusão de cultura. A alínea 2 deixa isso claro ao reforçar aos governos a responsabilidade de prover medidas adequadas “[...] para que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, não somente em benefício próprio, mas também para o enriquecimento da sociedade.” (BRASIL, 2009). Alguns esforços puderam ser notados no sentido de tornar a acessibilidade um fato entre os processos e meios culturais, dos quais podemos destacar a criação do primeiro curso público a nível de pós-graduação do país, realizado pelo MinC em parceria com a UFRJ em 2013. Apesar de não se tratar de uma legislação, vale ressaltar que foi uma iniciativa de um órgão do governo, a fim de e efetivar a cidadania cultural das pessoas com deficiência através da formação de agentes multiplicadores das soluções acessíveis disponíveis em nosso país. Tal ato reforça os princípios a caminho de uma cultura democrática e inclusiva, além de representar uma forma de “[...] Resposta às conquistas do movimento social nas legislações brasileiras” segundo Patrícia Dorneles37, coordenadora do curso. (2013, p. 1). Por intermédio dos dispositivos legais muitos passos foram dados, mas até pouco tempo nosso país ainda tinha uma grande carência de concentração de informações a respeito dos direitos das pessoas com deficiência. Além das já citadas, outras medidas legais foram sendo tomadas (sejam elas em forma de decretos, leis ou resoluções), mas quando vistas de maneira isolada dificultam – em muito – o entendimento da questão em toda sua 36 BRASIL. (2009). Decreto nº 6.949 de 25 de agosto. Promulga a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo. Brasília: DOU. 37 DORNELES, P. (2013). Acessibilidade Cultural. Ministério da Cultura, Curso de Especialização em Acessibilidade Cultural, Rio de Janeiro.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | complexidade. Em 2015, enfim, é instituída a Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência, que consolida, nos seus 125 artigos, as conquistas registradas nas últimas décadas, expressas de forma sintetizada no art. 8º, que diz: É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico. (BRASIL, 2015). As legislações que regem os princípios da acessibilidade e garantem seu cumprimento com base nos direitos constitucionais, se transformadas num fazer cotidiano, dimensionam e colocam em prioridade a cidadania como componente de participação e de olhar ao outro no compêndio das ações culturais. Essas se traduzem na via da inclusão social, que não prescinde do cenário cultural, muito pelo contrário, para que ela aconteça há necessidade de parcerias, conjunções e uniões nesse cenário.

O cenário cultural das produções teatrais como termômetro de acessibilidade Basta pararmos um instante para analisar esta questão e, não demora, nos deparamos com um quadro que expressa parte do peso de nossa realidade. Quantas vezes estivemos presentes em um espetáculo de teatro compartilhando esta vivência com pessoas com deficiência? Dentre essas, quantas foram as que essa(s) pessoa(s) com deficiência não era(m) cadeirante(s)? Melhor ainda: quantos de nós já viveram alguma vez essa experiência? Difícil chegarmos a um número significativo, não é? Eis uma de nossas grandes dificuldades, enquanto país: ver a acessibilidade implementada em todas as suas formas de existência. Em termos gerais segundo Patrícia Dorneles, “As políticas públicas culturais pouco conhecem o tema da acessibilidade cultural para pessoas com deficiência, reduzindo-o na perspectiva da acessibilidade física do espaço e não do produto cultural” (2013, p. 4). Este provavelmente seria o maior motivo pelo 120


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | qual a implantação de exigências e fiscalização do cumprimento das determinações legais a este respeito em âmbito nacional tiveram uma abrangência tão discreta desde que estas legislações entraram em vigor. Dispomos de leis, decretos, resoluções, estatutos, e convenções, mas as pessoas que as deveriam manipular, de fato, parecem ainda não estar cientes (ou talvez conscientes) do que determinam. Apesar de toda a dificuldade que a produção de cultura no Brasil ainda encontra, podemos dizer que temos um número significativo de espetáculos teatrais realizados todos os anos, e que se tornam possíveis especialmente em virtude dos aportes das Leis de Incentivo Fiscal, de âmbito Federal, Estadual e até Municipal. Dentre eles, poucos são os casos que contemplam apresentações acessíveis a todos os públicos – dados tão singelos que são difíceis de serem pontuados através de indicadores sociais e culturais. Entretanto diversas ações com vistas à prática e estímulo à acessibilidade cultural vem sendo realizadas nos últimos 15 anos, mesmo que em pequenas doses e como pontos isolados no mapa teatral de nosso país. São grupos de teatro dedicados ao tema, equipamentos culturais públicos e privados se adaptando aos poucos, setores de cultura que exigem adequações em algumas produções e políticas públicas promovendo o incentivo à projetos que contemplem apresentações acessíveis. O Ministério da Cultura, exercendo seu papel de assegurar o direito fundamental à cultura para a plena constituição da cidadania, nos últimos 10 anos determinou e os projetos aprovados [...] para captar recursos por meio da Lei Rouanet tiveram de cumprir com algum tipo de requisito que contemplasse a acessibilidade como a garantia de espaço reservado para pessoas com deficiência para assistirem a espetáculos e uso de Libras (Língua Brasileira de Sinais), por exemplo. (CAMPANERUT, 2016)38 Além dele, outras figuras importantes tomaram inciativas igualmente marcantes para este processo, como Cláudia Werneck, escritora e militante da inclusão que representa hoje uma das vozes mais importantes na luta pelos direitos dos deficientes no Brasil. Em 2002 fundou a ONG Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, preocupada com a comunicação para a acessibilidade, e desde então desenvolve diversos projetos na área. 38 CAMPANERUT, C. (21 de Março de 2016). Notícias Destaque: Cultura acessível a pessoas com deficiência. Disponível em Ministério da Cultura: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/ asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/culturaacessivel-a-pessoas-com-deficiencia/10883

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| Maylta dos Anjos (Org.) | No ano seguinte, e estimulados por Cláudia a integrar os projetos da ONG, um grupo de 6 jovens atores e atrizes (dentre eles Talita Werneck, sua filha) cria uma Cia Teatral com o objetivo de utilizar o teatro para disseminar o conceito e a prática de uma sociedade inclusiva. Nasce então “Os Inclusos e os Sisos – teatro de mobilização pela diversidade”, que somente nos seus 6 primeiros anos de existência, já havia se apresentado para mais de 30mil pessoas, em 20 cidades entre 13 estados brasileiros, contabilizando uma produção de mais de 45 esquetes39 e algumas peças de teatro. Recentemente, em 2014, a Companhia foi premiada pela ONU como uma das 40 experiências mais inovadoras do mundo. (MINISTÉRIO DA CULTURA (Brasil), 2010). Destacamos ainda a ação de Secretarias de Estado como as de São Paulo, que por meio de uma parceria entre as Secretarias dos Direitos da Pessoa com Deficiência e de Cultura, desenvolveram em 2013 o Programa Estadual de Acessibilidade na Cultura. Já em seu ano inicial, o Programa lançou um edital para que projetos de exposições em museus se tornassem acessíveis e para oferecer ao menos 59 sessões de espetáculos com acessibilidade comunicacional em alguns equipamentos culturais pelo Estado. Por fim vale pontuar uma importante conquista para os rumos do teatro acessível em nosso país: a criação do “Dia do Teatro Acessível: Arte, Prazer e Direitos”. Instituído pela Lei nº 13.442, sancionada em 08 de maio deste ano, o dia 19 de setembro passa a ter um significado importante na luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Este ato, por mais que venha a ser encarado como uma ação sem grande valor por alguns, tornou-se um estímulo especial para aqueles que batalham por esses direitos. A peleja é longa e ainda está distante do fim, mas com o incentivo e mobilização cada vez maior da sociedade civil e entidades públicas e privadas, enxerga um mundo pela frente a ser, mais do que desbravado, conquistado!

Acessibilidade e teatro: caminhos a percorrer [...] porque perante a lei somos todos iguais, mas na prática não somos. Isso não é um problema. As diferenças não são um problema, desde que elas não causem desigualdade. Pra isso acontecer, eu 39 Cena rápida; peça de curta duração (em média 10 minutos), geralmente de caráter cômico, produzida para teatro, cinema, rádio ou televisão

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | tenho a sensação de que a gente tem que começar a olhar pro outro; com humanidade, com afeto. É um exercício. Olhar pro outro com afeto é um exercício. E entender que o outro é sim uma extensão da gente.” (Informação verbal) Taís Araújo40 (2017)

Muito se fala a respeito das pessoas com deficiência, que se tornou um tema recorrente nos últimos anos, mas na prática boa parte da população tem uma compreensão ainda muito rasa a esse respeito. O que, afinal, implica em uma pessoa possuir uma deficiência? O que sabemos sobre este termo? De que forma devemos nos referir a essas pessoas sem que tenhamos um tom pejorativo em nosso discurso? “Pessoas com deficiência são, antes de mais nada, PESSOAS. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades.” Esta é a forma na qual se apresenta a cartilha da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, publicada no Brasil através da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com deficiência (2012)41 . A frase parece óbvia, mas muitas vezes esse é um sentido difícil de ser compreendido por algumas pessoas, especialmente quando há um preconceito (e, por que não, um pré-conceito) por parte das mesmas. Segundo a ONU, o termo “refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais”, independentes de sua origem, natureza ou gravidade. (1975) A Lei Brasileira da Inclusão – LBI, por sua vez, traz uma definição um pouco mais clara, especialmente no que tange o uso de terminologias mais adequadas, excluindo de seu texto palavras que tendem a visões discriminatórias como “incapaz”. Em seu artigo 2º discorre que considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (2015). 40 ARAÚJO, T. (Agosto de 2017). TEDx: Como criar crianças doces num país ácido. disponível em You Tube: https://www.youtube.com/watch?v=H2Io3y98FV4&feature=youtu.be 41 SECRETARIA NACIONAL DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (Brasil). (2012). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Brasília: SDH-PR.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Essa é atualmente a forma mais apropriada para definir as pessoas com deficiência, mas antes mesmo de chegarmos à definição do termo, tivemos uma longa caminhada com relação a ele por si só; à maneira de nos referirmos a estas pessoas. Desde que começou a se tornar pauta em discussões e publicações, muitos adjetivos foram utilizados para se referir às pessoas com deficiência. Em seu artigo “Terminologia sobre Deficiência na era da inclusão”42, Sassaki (2003, pp. 160-165) faz comparativos entre o uso de certas expressões e seu processo de desenvolvimento desde a década de 50. Segundo ele, entre as décadas de 50, 60 e 70 um dos termos predominantes foi “criança excepcional”, utilizado especialmente para se referir à criança com Síndrome de Down ou deficiência intelectual. “Com o surgimento de estudos e práticas educacionais nas décadas de 80 e 90 a respeito de altas habilidades ou talentos extraordinários” (p. 161), o termo passou a fazer referência também a pessoas superdotadas ou gênios, colaborando para o seu desuso com relação às pessoas com deficiência. Até a década de 80, eram utilizados ainda diversos termos pejorativos para se referir às pessoas com deficiência, dentre os quais podemos citar: aleijado, inválido, defeituoso, paralítico, manco, incapacitado, nanico, retardado, mongoloide, mongol, ceguinho, mudinho e epiléptico. Em meados de 80, mais especificamente a partir de 1986, tornou-se bastante popular no Brasil o uso do termo “pessoa portadora de deficiência” (PPD) ou “portador de necessidades especiais” (PNE), que foi (e ainda é) muito questionado. Ora, “a deficiência [...] não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva)” (SASSAKI, 2003, p. 165). Deficiência não se porta, se tem! Oficialmente esta questão toma um rumo diferente quando, através da Portaria nº 2.344 43 (2010), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República adota o uso do termo “Pessoa com Deficiência” em detrimento de “Pessoas Portadoras de Deficiência”. Apesar da formalização desta nova nomenclatura ter ocorrido em 2010, é muito comum o uso de expressões equivocadas ainda hoje, por puro desconhecimento e/ou desinteresse das pessoas. Em jornais, revistas, livros, programas de televisão e de rádio, palestras, reuniões e salas de aula, pessoas ainda se 42 SASSAKI, R. K. (2003). Terminologia sobre Deficiência na era da inclusão. Em M629, Mídia e defciência (p. 184). Brasília: Andi; Fundação Banco do Brasil. 43 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA REPÚBLICA (Brasil). (2010). Portaria nº 2.344 de 03 de novembro. Brasília: DOU.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | referem às pessoas com deficiência de forma discriminatória (às vezes escondida por um eufemismo) e sem saber direito sobre o que falam afinal; sem entender das dificuldades e barreiras frequentemente impostas por cada tipo de deficiência ao dia a dia desses sujeitos. As deficiências, como entendidas hoje, são divididas em quatro categorias distintas: deficiência física, deficiência auditiva, deficiência visual e deficiência intelectual. Para torná-las mais claras, sem a menor intenção de esgotar o assunto, seguiremos com um breve descritivo acerca de cada uma. Vale ressaltar aqui, que há ainda uma quinta categoria, a deficiência múltipla, que nada mais é do que a combinação de duas ou mais áreas de deficiência em uma mesma pessoa.

Deficiência física Tipo de deficiência mais facilmente perceptível ao primeiro olhar, pode ocorrer tanto desde o nascimento do indivíduo quanto em decorrência de doenças ou outros incidentes ao longo da vida. Este grupo representa hoje uma fatia de 7% da população brasileira, de acordo com a base de dados do Censo 2010. Segundo o Decreto nº 5.296, considera-se como deficiência física a: Alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (BRASIL, 2004)

Deficiência auditiva Trata-se da perda total ou parcial da capacidade de ouvir, em decorrência de má-formação, lesão nas estruturas que compõem o aparelho auditivo ou na orelha. Em termos técnicos, compreende “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.” (BRASIL, 2004). 125


| Maylta dos Anjos (Org.) | Os deficientes auditivos, que de acordo com o Censo representam 5,10% da população em nosso país, são frequentemente tratados como mudos, um ato completamente equivocado, que talvez aconteça por não ser comum encontrarmos pessoas surdas se comunicando através da fala. Acreditamos que tal fato se dê em razão de muitas delas desconhecerem o som que as palavras têm e, portanto, não serem capazes de reproduzi-las. Entretanto, se estimuladas e acompanhadas por um profissional de fonoaudiologia, as pessoas com deficiência auditiva podem ser habilitadas à oralização (exceto nos casos em que haja danos nas pregas vocais e/ou demais músculos, tecidos e órgãos colaboradores da fala).

Deficiência visual Caracterizada pela perda total ou parcial da visão ou, ainda, por distúrbios que apesar de suas consequências no campo visual permitem um grau de resíduo de visão, é o tipo de deficiência mais encontrada em nosso país, atingindo cerca de 18,6% da população, segundo o Censo 2010. Em parâmetros oficiais compreende: Cegueira, na qual a acuidade visual44 é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (BRASIL, 2004)

Deficiência intelectual Também conhecida como deficiência mental, implica no “funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas”, das quais podemos citar “comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho” (BRASIL, 2004). 44 Característica pertinente ao olho, de identificar a forma e o contorno de objetos, determinada pela menor imagem que a retina do indivíduo é capaz de perceber, quando colocada à mesma distância de outras imagens maiores.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Esse tipo de deficiência é a que atinge menor parcela da população de deficientes no Brasil, equivalente a 1,4%. É importante ressaltar aqui que, apesar de muito confundidos entre os leigos, a deficiência mental nada tem a ver com a doença mental. Esta última refere-se a transtornos ou distúrbios de caráter psicológico e/ou mental, categorizadas e catalogadas pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças).

Ferramentas de acessibilidade Em decorrência das barreiras naturais provenientes de cada tipo de deficiência, amplamente observadas e estudadas e que se tornaram uma preocupação mundial especialmente a partir do século passado, algumas soluções precisaram ser buscadas para que as pessoas com deficiência pudessem gozar plenamente de seus direitos. No Brasil, respaldados por diversos dispositivos legais e sob regulamentação de algumas normas técnicas, tornou-se possível fazer da vivência em sociedade uma experiência acessível para todas as pessoas, apesar de enormes barreiras ainda existentes. Essas NBR (Normas Brasileiras) regulamentam processos de ampla abrangência, que vão desde a locomoção da pessoa com deficiência e mobilidade reduzida através dos meios de transporte existentes (em todas as suas variantes), passando pelos parâmetros de edificações, até os meios comunicacionais. Destacamos entre elas a ABNT NBR 9.05045 (2004) e a ABNT NBR 15.599 46 (2008), que tem suas regulamentações direcionadas à alguma questão fundamental para o processo de acessibilidade na cultura; para que as pessoas com deficiência, mobilidade reduzida e todas as demais tenham condições de acesso, participação e pleno entendimento acerca das atividades culturais e seus conteúdos. Não basta a um deficiente visual saber que está assistindo um espetáculo de teatro, por exemplo. É necessário que ele consiga perceber os personagens em suas peculiaridades e trejeitos, captar os detalhes do cenário, entender as 45 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. (2004). NBR 9050. Acessibilidade a edificações, mobiliário,espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT 46 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. (2008). NBR 15599. Acessibilidade – Comunicação na prestação de serviços. Rio de Janeiro: ABNT

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| Maylta dos Anjos (Org.) | emoções expressas facialmente pelos atores e se envolver na trama com os sentimentos por ela despertados, em igualdade de condições dos demais. Assim, seguimos abaixo com uma seleção que põe luz em recursos e fazeres facilitadores de acessibilidade, aqui tratados como ferramentas. Optamos pelo uso desta terminologia por serem elas instrumentos, ora proposto, de ação direta para a acessibilidade no contexto disponível. Portanto, o que faremos é uma breve colocação dessas ferramentas nas suas possibilidades de utilização. Não pretendemos, assim, estabelecer a crítica e nem destacar as fragilidades desses usos, o que nos parece ser importante para outros momentos e outros artigos com esse escopo.

Desenho universal Este conceito foi consolidado na década de 90, quando um grupo de arquitetos da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, pensando prioritariamente no ser humano com toda sua diversidade, se reuniu com o interesse de estabelecer princípios para que edificações e outras formas de construção proporcionassem acesso facilitado ao maior número de pessoas possível. Deste encontro surgiram os 7 fundamentos do desenho universal47, cuja maior preocupação era “a oferta de ambientes que pudessem ser utilizados por todos, na sua máxima extensão [...], favorecendo, assim, a biodiversidade humana e proporcionando uma melhor ergonomia para todos”. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010, pp. 14-15). Os critérios então estabelecidos passaram a ser adotados como parâmetro mundial para a realização de obras que visem a acessibilidade e consistem em sete, quais sejam: o uso equitativo em prezar pelo uso de espaços por todos os usuários em iguais condições, sendo atrativos e seguros sem promover segregação; o uso flexível que cria ambiente favorável à mudanças, para que possam ser adaptados facilmente de acordo com as necessidades dos usuários; o uso simples e intuitivo ao planejar espaços nos quais seja possível transitar com fluidez, de forma intuitiva, que independa de conhecimento prévio do local; a informação de fácil percepção que auxilia no ato de comunicar e de sinalizar compreensivelmente oferecendo informações táteis, sonoras e visuais sempre 47 GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. (2010). Desenho Universal: habitação de interesse social. São Paulo: CDHU – Superintendência de Comunicação Social.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | em contraste; a tolerância ao erro (segurança) ao prover nos ambientes itens de segurança (como corrimão e piso tátil), a fim de minimizar riscos de acidentes; o esforço físico mínimo que se apoia no ato de projetar “elementos e equipamentos para que sejam utilizados de maneira eficiente, segura, confortável e com o mínimo de fadiga”; e por fim o dimensionamento de espaços para acesso e uso abrangente, que possibilitem o alcance visual e uso confortável dos espaços, com variantes ergonômicas, para que não se tornem dificultores cotidianos. (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2010, pp. 15-21). O processo de desenvolvimento pelo qual passou o desenho universal, aliado à sua aceitação e consequente utilização em diversas partes do mundo como formato padrão, nos leva a crer que a adoção deste modelo seja fundamental para toda e qualquer construção, colaborando assim para a ampliação de espaços acessíveis. Desta forma, estaríamos diante de uma maneira de promover o melhor aproveitamento de acomodações diversas e realizar de forma funcional a circulação de pessoas, sejam elas deficientes ou não, seguindo o que determina a NBR 9.050, no sentido de “atender à maior gama de variações possíveis das características antropométricas e sensoriais da população”. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004, p. 3)

Língua Brasileira de Sinais – Libras A Libras, como o próprio nome diz, trata-se de uma língua brasileira, que se comunica através de sinais feitos com as mãos e muitas vezes aliados a gestos corporais e expressões faciais, criada no intuito de tornar possível e unificada a comunicação com/entre os surdos. Apesar de o início da história da educação de surdos no Brasil datar de meados do século XIX, foi apenas em 2002 que a Libras tornou-se uma língua oficial em nosso país, por meio da Lei nº 10.346, que a define como “forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.” (BRASIL, 2002)

Essa língua possui uma decodificação para as letras do alfabeto, chamadas de Alfabeto Manual ou Datilogia Libras (onde cada configuração de mão representa uma letra), por meio da qual podem ser construídas quaisquer palavras. 129


| Maylta dos Anjos (Org.) | Entretanto, assim como nossa língua oficial falada (Português) precisa que utilizemos palavras para uma comunicação eficiente, a Libras se utiliza dos sinais, que são gestos específicos e podem significar tanto palavras soltas quanto expressões, nomes de pessoas ou gírias populares. Por possuir estrutura gramatical própria, com “níveis linguísticos fonológico, morfológicos, sintático e semântico” (PORTAL EDUCAÇÃO, 2013)4849, a Libras é de fato uma língua, e não uma linguagem, e deve ser respeitada como tal. Vale ressaltar que apesar de ser uma língua visual-motora, a Libras possui algumas variantes como opção ao entendimento por sinais em movimento. Existe também a Libras escrita, onde é feita uma “representação gráfica dos sinais por símbolos que correspondam a configuração das mãos, dos movimentos e das expressões faciais, utilizados na língua de sinais” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2008, p. 36), e ainda a Libras tátil, utilizada por pessoas com surdo-cegueira, que consiste na adaptação dos sinais ao tato, onde a “informação é compreendida [...] pelo contato de uma ou ambas as mãos, com as mãos do interlocutor”. (2008, p. 34).

Estenotipia Esta ferramenta, utilizada para transcrição de falas em tempo real, “permite decodificar mensagens orais ou visuais” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2008, p. 36), gerando textos escritos, que agem como facilitadores para a efetivação da comunicação. Trata-se de uma forma mecânica/tecnológica de aplicar uma antiga técnica, conhecida como taquigrafia, onde através de símbolos ou abreviaturas de palavras, textos são construídos e/ou reproduzidos com grande agilidade. Uma das marcantes diferenças entre os dois é que, enquanto a taquigrafia se utiliza de papel e caneta para a o registro das informações, a estenotipia o faz por meio de uma máquina chamada estenótipo, onde são registrados e digitados os taquigramas (nome dado aos códigos utilizados). Com o auxílio de um software50 essas informações são imediatamente transferidas para um 48 PORTAL EDUCAÇÃO. (15 de maio de 2013). Artigos: Cotidiano: Libras, o que significa? 49 Disponível em https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/cotidiano/libras-o-que/47425 50 S.m. Conjunto de componentes lógicos de um computador ou sistema de processamento de dados.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | computador ou outro tipo de tela de transmissão (para o caso de utilização em eventos), já em formato de texto corrido. (CURY, s.d.).51 A estenotipia consiste hoje na técnica mais ágil para a transcrição de falas em tempo real, sendo utilizada em conferências, palestras, assembleias, programas de televisão e especialmente em sessões dos poderes Judiciário e Legislativo. Seu uso objetiva tanto ampliar o entendimento das pessoas surdas (que não se comunicam utilizando a Libras) e com dificuldade de compreensão das falas, quanto se tornar uma forma de registro na íntegra dos assuntos tratados nestas atividades.

Braile Codificado pelo francês Louis Braille, que se tornou cego em decorrência de um acidente sofrido na infância, foi publicado por ele na primeira metade do século XIX. O Braile é sistema de escrita tátil e consiste na “representação das letras do alfabeto, sinais matemáticos e de pontuação, números, notas musicais, simbologia química etc., formado por arranjos de pontos em relevo, dispostos em duas colunas de três pontos”. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2008, p. 2). Os pontos são organizados dentro de “pequenos blocos retangulares chamados de células [...]. O número e a disposição destes pontos distinguem os caracteres uns dos outros” (WIKIPÉDIA, s.d.) e sua leitura deve ser feita da esquerda para a direita. O Braile é uma ferramenta criada para atender as demandas de comunicação escrita das pessoas cegas e para referir-se a ela podemos utilizar duas formas possíveis de grafia, com dois “l” seguindo o nome seu criador (Braille) ou com apenas um “l” (Braile), que representa em nossa gramática a versão aportuguesada do termo. (SASSAKI, 2010)52

51 CURY, W. (s.d.). Perguntas Frequentes II. Disponível em Taquigrafia em Foco: http://www.taquigrafia.emfoco.nom.br/perguntasdois.htm#top 52 SASSAKI, R. K. (22 de julho de 2010). Artigo: Aprender com as diferenças. disponível em Planeta Educação: http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=188

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Audiodescrição – AD A audiodescrição é um recurso criado para transformar informações visuais em sonoras. É a tradução de imagens, sejam elas estáticas (sem movimento, como lugares e objetos) ou dinâmicas (caracterizadas pelo movimento, como pessoas e suas expressões), em palavras faladas, permitindo “a compreensão de sons e elementos visuais imperceptíveis sem o uso da visão”. (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2008, p. 38). Para a realização da audiodescrição, dois elementos são de fundamental importância: o audiodescritor e o locutor. Serão eles grandes responsáveis pela compreensão das pessoas com deficiência visual acerca da atividade da qual estão participando. O audiodescritor é a pessoa que transforma em palavras tudo o que vê em cada cena, e assim elabora o roteiro com todas as informações necessárias, a serem passadas para o público através do locutor. Este, por sua vez, é a figura do narrador nesse processo, que empresa sua voz para dar asas à imaginação dos ouvintes. (COSTA & FROTA, 2011)53 . Quanto a isso, e utilizando como exemplo a audiodescrição feita para um filme, Araújo destaca que devemos saber que, ao fazermos uma narrativa, sempre deixamos nossas impressões e nossa visão de mundo. O audiodescritor só precisa tomar cuidado na escolha de sua adjetivação para não colocar suas inferências no texto, principalmente aquelas cruciais para o entendimento do filme. A garantia da acessibilidade reside em que a leitura do filme seja feita pelo espectador, seja ele vidente, ouvinte, surdo ou com deficiência visual. Não faz parte do trabalho do audiodescritor facilitar essa leitura. Ele precisa traduzir as imagens para propiciar à pessoa com deficiência visual a oportunidade de fazer a própria interpretação. (ARAÚJO V. L., 2010, p. 98). Por fim, cabe ressaltar que além das pessoas com deficiência visual, há também alguns grupos formados por videntes que podem se beneficiar desta ferramenta, como pessoas com deficiência intelectual ou dislexia. Nestes casos a audiodescrição atua como facilitador da compreensão geral acerca do espaço em que estão inseridos e dos elementos ali dispostos. As ferramentas de acessibilidade são artifícios criados para permitir que as pessoas usufruam de serviços, produtos e afins de forma autônoma e por completo, em igualdade de condições. Referimo-nos aqui não apenas às pessoas 53 COSTA, L., & FROTA, M. (15 de dezembro de 2011). Audiodescrição: Primeiros Passos. Tradução em Revista, pp. 1-15.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | com deficiência, mas à todos os indivíduos, deficientes ou não, que possuem diferenças entre si, pois como dito por Santos54 , “as pessoas e os grupos sociais tem o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza” (2003, p. 56) Compreendendo as possibilidades em torno de cada uma dessas ferramentas, é possível pensarmos em meios de transformá-las, permitindo que saiam do âmbito da teoria e se tornem práticas cada vez mais comuns em nossa sociedade, colaborando de maneira expressiva para um processo de inclusão.

O teatro e as ferramentas acessíveis O teatro, como dito anteriormente, é uma forma de arte multifacetada, que caminha livremente no tempo e espaço, capaz de agregar à sua existência naturalmente cultural diversos outros valores, tais como social, educacional e político. Pensando sob esse prisma e unindo as ferramentas acessíveis ao teatro, é possível chegarmos a uma configuração de espetáculo onde consigamos englobar todas essas temáticas em uma única apresentação, que naturalmente se soma ao enredo da história, trazendo à tona uma nova (e possível) realidade. Ora, se é o teatro um dos mecanismos de demonstrar e passar conteúdos adiante, por que não utilizarmos dele para disseminar assuntos importantes para o desenvolvimento em sociedade, ampliando este acesso a todo e qualquer público? Em nosso país, apesar de termos dado alguns bons passos entre as décadas de 70 e 80 rumo à acessibilidade da pessoa com deficiência, em termos de legislação e direitos, a área da cultura só começou a sentir na prática esses efeitos no início dos anos 2000. Foi em 2007 que pela primeira vez uma peça brasileira foi encenada oferecendo ao público distintos recursos de acessibilidade na comunicação, simultaneamente, segundo o Ministério da Cultura (2009)55 . Após este primeiro passo dado, viu-se despertar o interesse de outras iniciativas, que aos poucos vão ganhando mais espaço, entrando em cena com espetáculos 54 SANTOS, B. d. (2003). Reconhecer para libertar: Os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 55 MINISTÉRIO DA CULTURA. (21 de agosto de 2009). Acesso à informação: Ninguém mais vai ser bonzinho. Disponível em Ministério da Cultura: www.cultura.gov.br/site/2009/08/21/acessibilidade-extrema/

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| Maylta dos Anjos (Org.) | que oferecem, se não todas, algumas formas de acessibilidade. Vejamos alguns desses casos a seguir. Como estreante no campo, em julho de 2007, citamos o espetáculo “Ninguém mais vai ser bonzinho”, da Cia de Teatro os Inclusos e os Sisos – Teatro de Mobilização pela Diversidade, uma iniciativa da Escola de Gente – Comunicação em Inclusão. A peça lançou mão de alguns recursos dos quais falamos no capítulo anterior, que pautaram o desenho e estruturação de todo o seu processo que, vale ressaltar, ocorreu com patrocínio da Oi e apoio da Lei Rouanet. A começar pela escolha do local de estreia (Centro Cultural Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro), que possui acessibilidade arquitetônica, permitindo que “as pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida circulem com autonomia” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 2009) por todo o espaço, todos os detalhes foram cuidadosamente pensados. Ao chegar no local, pessoas cegas ou com baixa visão recebiam um fone de ouvido, por meio do qual tinham acesso à audiodescrição do espetáculo, e a eles também estavam disponíveis exemplares do programa impressos em braile e a realização de uma visita guiada ao cenário, para melhor compreensão do espaço. Por sua vez, pessoas com deficiência auditiva tiveram a opção de acompanhar o desenrolar da história com o auxílio de intérpretes de libras ou pela legenda do texto, que era exibida em um telão ao lado do palco. Somado a isso, na estreia o público foi presenteado com uma edição impressa do livro que deu origem à peça, oferecido também no formato Daisy56 para pessoas com deficiência visual ou analfabetas. Destacamos ainda que, além da disponibilização de todas essas ferramentas de acessibilidade, o espetáculo foi pautado numa obra homônima, de Cláudia Werneck (1997), pioneira no Brasil em tratar especificamente da temática da sociedade inclusiva de forma descontraída, com um tom de comédia. Em 2011 outro projeto vem ao mercado reforçando a utilização das ferramentas assistivas a favor da inclusão social, a peça “Um amigo diferente?”, também da Cia de Teatro Os Inclusos e os Sisos, que se tornou o marco do primeiro espetáculo infantil com acessibilidade total. Com um discurso leve, conta a história de um menino de 9 anos que sempre foi considerado esquisito pela vizinhança e por seus colegas de classe e que, numa jornada em busca de amizades verdadeiras ao lado de seu fiel gato, descobre que “quanto mais diferentes 56 Daisy – Formato de livro digital que permite sua leitura/audição utilizando sintetizadores de voz.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | são as pessoas, mais divertida é a vida”. (TEATRO EM CENA, 2017).57 Esta peça tornou-se uma referência no assunto, atraindo críticas que destacam cada uma das ferramentas de acessibilidade utilizadas, exaltando a importância do cuidado com todos os detalhes, como a da revista digital Inclusive58 – Inclusão e Cidadania, que a respeito da experiência de assistir ao espetáculo ainda faz alusão à parâmetros legais, conforme abaixo. Som de rock’n roll. Decreto Federal nº 5.296/04 cumprido. Teatro lotado. Crianças riem. Visita ao cenário por pessoas cegas. Coreografia. Efeitos especiais. Decreto Legislativo nº 186/08 cumprido. Libras à direita do palco. Subtitulação eletrônica à esquerda. Jovens atores e atrizes cantam e dançam. Assentos reservados para pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida. Plateia usa fones com audiodescrição. Luzes e lazer: há animação nas imagens projetadas nas laterais do palco. Internet. Movimento. Muita ação. Decreto Federal nº 6.949/09 também cumprido. Programa da peça em braile. Livros Um amigo diferente? distribuídos em meios impresso e digital. Plateia vibra. Aplausos. Autógrafos. Depoimentos espontâneos do público. Emoção. Compromisso das empresas parceiras. Entusiasmo. Autoridades ratificam apoio. Esse foi o clima de estreia da peça Um amigo diferente? (INCLUSIVE. Inclusão e Cidadania, 2011). Além de peças que fazem dos processos e ferramentas de acessibilidade partes de seu contexto, podemos observar também iniciativas que levaram a acessibilidade para dentro dos equipamentos culturais, para que favoreçam distintas atrações dentro de sua programação. São A exemplo disso podemos citar o Teatro Vila Velha (Salvador / BA) e o Teatro Carlos Gomes (Rio de Janeiro / RJ). O primeiro realizou no ano de 2014 um projeto chamado Teatro para Sentir, por meio do qual algumas peças que passaram por lá puderam oferecer ao público os recursos de audiodescrição, tradução para Libras e visita guiada tátil ao cenário para os deficientes visuais, que se estendia a videntes desde que a fizessem com os olhos vendados. (BENGALA LEGAL, 2014)59 . 57 TEATRO EM CENA. (18 de novembro de 2017). Plantão: Infantil Um amigo Diferente? ganha sessões extras no feriado. Disponível em Teatro em Cena: http://teatroemcena.com.br/home/musical-infantil-um-amigo-diferente-ganha-sessoes-extras/ 58 INCLUSIVE. Inclusão e Cidadania. (29 de junho de 2011). Notícias: Musical totalmente acessível “Um amigo diferente?” faz sucesso no Rio de Janeiro. Disponível em Inclusive: http://www.inclusive.org.br/arquivos/20128 59 BENGALA LEGAL. (26 de setembro de 2014). Eventos: Teatro recebe peças acessíveis para pessoas com deficiência em Salvador. disponível em Bengala Legal: http://www.bengalalegal.com/ blog/?p=2886

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| Maylta dos Anjos (Org.) | O segundo, vem implementando desde 2012 o projeto Acessibilidade no Teatro Carlos Gomes, com uma abrangência ampliada aos poucos e que no ano de 2016 chegou a oferecer sessões acessíveis para todas as peças em cartaz, uma vez por mês. Nestas sessões o público pôde contar com audiodescrição, intérprete de Libras, legendagem eletrônica, programas impressos em braile e, quando possível, visita guiada ao cenário antes do início das apresentações. (LAVORO PRODUÇÕES, 2016) 60 Passados 10 anos do primeiro espetáculo de teatro inteiramente acessível, nos vemos ainda diante de uma incerteza acerca da disseminação desta forma de produzir cultura, em especial no teatro. No decorrer de nossa pesquisa não foram encontrados indicadores específicos, capazes de expressar em números a proporção de atividades teatrais com este perfil, se comparada ao total de produções teatrais que temos a cada ano. Entretanto, o processo de busca por esta informação nos conduz a crer numa realidade que, apesar de possuir visível crescimento, ainda parece incomum em nossa sociedade.

O porquê da escolha Falar sobre a inclusão da pessoa com deficiência foi, de certa forma, trazer à tona uma realidade de um período da minha vida, quando por quase quatro anos dentro de uma escola pública de Educação Especial, mergulhei nesse mundo e tive acesso a tantas, e tão valorosas, informações. Essa experiência foi, sem dúvida, o fio condutor que me trouxe a pensar sobre a relação das pessoas com deficiência e as formas de acesso e oferta de cultura a elas. Pensando nessas questões, nossa primeira opção como forma de pesquisa foi o estudo etnográfico. Estar em campo, buscar por grupos de pessoas com deficiência, entender suas dificuldades, suas necessidades, seus anseios e suas rotinas. Ao mesmo tempo, fazer um apanhado de espetáculos teatrais com acessibilidade, entrar em contato com seus produtores e idealizadores, realizar entrevistas, visitar teatros e constatar o que eles têm feito a esse respeito, além de assistir alguns espetáculos com as variantes acessíveis de comunicação, para viver na pele essas experiências. Entretanto tínhamos duas grandes dificuldades 60 LAVORO PRODUÇÕES. (2016). Acessibilidade no Teatro: Carlos Gomes e Sala Baden Powell. disponível em Lavoro Produções: http://lavoroproducoes.com.br/acessibilidadenoteatro/

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | para tal: um tempo muito curto para desenvolver toda a pesquisa e a necessidade de cumprir alguns requisitos burocráticos junto ao conselho de ética da instituição (IFRJ), em decorrência do tipo de estudo, que poderia prolongar ainda mais a duração total. Mas esse intento, permanece em nós para futuras pesquisas e interlocuções, que poderão acontecer tendo por base o aporte teórico levantado no presente objeto de estudo. Movidas por estes motivos, optamos por fazer um estudo bibliográfico, uma vez que desta forma seria mais viável e ágil a busca pelas informações necessárias. Assim, seguimos a pesquisa apoiadas em questões históricas que pudessem nos pontuar o desenvolvimento dos diversos fatos inerentes ao assunto, como base nos registros encontrados. Por fim, avaliamos que uma revisão bibliográfica acerca dos temas aqui propostos, organizaria o pensamento, fundamentaria a análise e comporia para próximas incursões de análise qualitativa sobre os respectivos assuntos.

Como se procedeu a busca e a pesquisa Para o início de nossas buscas tivemos um aparato de elevada importância, e que passou a ser o fator desencadeador dos próximos passos: o espetáculo de teatro “Ninguém mais vai ser bonzinho”, da Cia Os Inclusos e os Sisos. Buscamos materiais a respeito de sua idealização, dos fatores que motivaram sua criação e dos processos de desenvolvimento das atividades por ele propostas. A partir deste momento, um leque de opções se abriu em nossa frente e pudemos ampliar as bases de pesquisa, definindo seus eixos principais, quais sejam: inclusão social, acessibilidade, pessoas com deficiência, recursos de acessibilidade, teatro. Buscamos por livros, artigos, dissertações, sites, cartilhas, legislações nacionais, convenções internacionais, manuais específicos e todo tipo de documento que pudesse contribuir para o conteúdo desta análise. Assim, criamos uma cadeia de buscas, onde o primeiro projeto levou a um livro, que levou a alguns outros, que nos despertaram para novos temas. Durante as procuras, novos assuntos sempre abriam uma gama de opções ainda não desbravadas, recheadas de novidades que somaram em um crescente à elaboração de todo o conteúdo. Nesse sentido, o meio mais importante para o alcance que obtivemos com as pesquisas foi o digital, pois além de informações hospedadas em páginas 137


| Maylta dos Anjos (Org.) | online, encontramos alguns outros sites que agiram como grandes facilitadores, nos permitindo ter acesso a obras tradicionalmente impressas (especialmente livros e cartilhas) em versões digitais. Trabalhar com um levantamento bibliográfico também teve, neste momento, grande relevância para o desenvolvimento da pesquisa, pois desta forma tentamos problematizar as temáticas acerca da inclusão e do teatro, que envolvem o produtor e a produção cultural. Assim, a compreensão de conceitos a partir de buscas teóricas em descritores, parâmetros e registros, nos possibilitou aprofundar olhares, ideias e características de cada tema trabalhado. Tentamos, contudo, e de acordo com Gil61 (2008), a todo momento evitar fazer deste trabalho uma mera coletânea de conceitos, almejando ter conseguido afastar quaisquer armadilhas que nos levassem a este caminho. Esperamos, portanto, ter impresso em torno do tema da pesquisa um registro que muito nos preocupa e que requer olhar e ação especiais dedicados à acessibilidade, como passo fundamental de inclusão social.

Resultados As leituras realizadas conduziram para a afirmativa da necessidade de ampliar ainda mais o debate e a luta pelos direitos, sobretudo no que se refere ao processo de inclusão social. No teatro vimos que existe um esforço crescente em oferecer opções acessíveis às pessoas com deficiência, mas notamos que muitos dos casos refletem o agrupamento dessas práticas entre poucos pontos multiplicadores. Em geral, vemos instituições e organizações que possuem um direcionamento à causa da pessoa com deficiência e suas formas de acessibilidade desenvolvendo projetos deste tipo. Não encontramos, dentre as realizadoras das atividades acessíveis analisadas ao longo da pesquisa, nomes de grandes empresas produtoras de teatro. No que diz respeito às ferramentas utilizadas para promover a acessibilidade, descobrimos diversos recursos disponíveis, que se abrem formando um leque de possibilidades de aplicação. Soluções criadas pensando em uma área de deficiência e/ou dificuldade da pessoa, mas complementares entre si e que trazem variantes dentro do mesmo campo, para que não se faça a exclusão em decorrência das peculiaridades de cada cidadão. Vale ressaltar que todas as 61 GIL, A. C. (2008). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ferramentas às quais nos referimos no decorrer deste trabalho encontram-se disponíveis em nosso país e, em sua maioria, oferecem opções para contratação de seus serviços e/ou produtos. A nós, parece que a questão da acessibilidade no teatro e demais formas de manifestação cultural ainda é vista como um fator segregador, como se não fosse possível produzir projetos acessíveis tão interessantes quanto os que não o são. Aliás, a própria categorização de materiais como sendo para “deficientes” e “não deficientes” tende a ser um forte estímulo, mesmo que de forma inconsciente, à esta separação. Se faz necessária a lembrança de que o processo de inclusão acontece quando os laços das dimensões que promovem acessibilidade e cidadania acontecem para além do protocolar das palavras, pois essas devem virar ação de reconhecimento de diferenças que nos move ao respeito mútuo. A produção cultural, como agente multiplicador da arte e cultura, deve se mobilizar, segundo os estudos realizados no trabalho, para que o planejamento, a gestão, a organização do ambiente e as estratégias de acessibilidade ao público aconteçam de forma natural e frequente. Assim, projetos e produtos culturais oriundos do teatro têm plenas possibilidades de promover a inclusão social por meio da junção entre os diferentes tipos de pessoas, independente das deficiências que elas possam (ou não) ter. Portanto, há ainda um grande caminho a ser percorrido, no sentido também da contribuição do produtor e da produção cultural rumo à acessibilidade no teatro, para que possamos superar os estigmas e preconceitos erguidos como muro que nos divide a todo instante.

Considerações Enquanto eu acreditar que a pessoa é a coisa mais maior de grande, e na sua riqueza revoluciona, ensina, pelas aulas do tempo aprende, revolta por cima, eu vou cantar por aí, eu vou cantar por aí. Gonzaguinha

Analisando os materiais estudados com todas as informações que nos trouxeram, levantamos diversos questionamentos acerca do tema e, em determinado momento, nos perguntamos: para que lado estamos seguindo? Em que direção caminha a produção não só teatral, mas cultural em seu vasto sentido, com relação à inclusão social? Será que temos feito nosso papel nessa história? 139


| Maylta dos Anjos (Org.) | Se a cultura representa, entre outras coisas, um transformador social, não deveria ela zelar por questões pertinentes a esse assunto? Por muito tempo aqui no Brasil pouco se sabia acerca de acessibilidade e consequentemente a respeito das pessoas com deficiência. Ou melhor, poucos sabiam. Passamos por fases de preconceito generalizado (ainda hoje existente, apenas em menor escala), de subjugação, de vergonha, de medo e de ignorância, em sua mais ampla significação, que foram grandes responsáveis pela marginalização sócio, cultural e educacional vivida por essas pessoas há séculos. Porém hoje, neste tecnológico século 21, em meio à tantas fontes de informação que nos rodeiam onde quer que estejamos, não parece coerente que a falta dela se torne um item valoroso nesta problemática. Olhemos para o lado. E para o outro. E para todos. Talvez seja mesmo necessário que olhemos mais ao nosso redor, para que possamos enxergar através dos olhares, as necessidades, as vontades e os desejos dos outros, para além dos nossos. Nós, enquanto produtores de cultura, temos em nossas mãos a possibilidade de tornar diversas experiências culturais acessíveis a todos os públicos. Somos nós que desenhamos os primeiros passos dos projetos, planejamos, orçamos (quantificando e qualificando de acordo com nossos anseios), criamos e vendemos a imagem deles. Submetemos às leis de incentivo (ou não), buscamos por editais de patrocínio, captamos recursos ou mesmo escolhemos alguém para fazê-lo por nós. Atuar no campo cultural a Produção Cultural é carregar consigo a meta e o desafio da construção coletiva de uma ideia, arte e ação. O Produtor Cultural é um agente de realização de todo um espetáculo e também o viabilizador desse acontecimento, e deve, portanto, buscar superar alguns limites com disposição, consciência, alteridade e sobretudo sensibilidade. A produção de um evento, de um espetáculo, possui muitos meandros que perpassam sobre nossa formação e condição humana. Essas produções podem ter na promoção da inclusão social uma parte essencial e concreta para que essas realizações se tornem, de fato, acessíveis para todos. Por ter uma área de atuação ampla, o Produtor Cultural deve estar atento às questões mais emergentes da sociedade. O respeito e o acesso dos deficientes aos meios que promovem cultura e arte, apesar de demonstrar passos ainda curtos atualmente, já sinalizam um belo começo. Essa pesquisa, por isso, ainda que possua grandes e várias fragilidades, tem seu objetivo cumprido em ser mais uma voz que se ergue ao fundamental estudo da inclusão social na cultura. 140


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | O teatro na dimensão da cultura que se propõe inclusiva, é um relacionar, saber relacionar-se e expandir-se com e no outro. O teatro na esfera da arte que propõe inclusão, é uma reviravolta constante da intimidade de nós com o nosso mundo. É no exercício de reconhecer-se em curvas, cores, texturas, vozes, movimentos, sons, gestos, textos e pensamentos que a arte nos constitui no nosso íntimo e a cultura nos institui no outro e com ele. É no teatro que a forma dá contorno à vida, a palavra ganha os gestos, o texto ganha o cenário e as personagens ganham corpo, expressão e tom. Como elemento agregador, o teatro cumpre um ritual de ser muito mais que uma imitação da vida. Ele é verdade, ritmo e modelo. É denúncia do que nos faz menor em nossa humanidade e propagação e incentivo daquilo que nos fortalece. É nessa medida que a inclusão, em todos os seus aspectos, deve ser vivida como uma grande bandeira de luta e verdade no (e pelo) teatro, pois o instrumento da arte e da feitura dessa cultura, não rima na exclusão, no preconceito e na maldade. Rima, e nos cabe um grande sim, com possibilidade, reconhecimento, vanguarda, encantamento, cuidado e talento; e esses perpassam pela dinâmica da inclusão. Portanto não esqueçamos: temos em mãos um elemento transformador. Vamos usá-lo?

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Patativa do Assaré Que homem extraordinário! Leia essa poeminha e você virará um poeta: “Pra gente aqui ser poeta Não precisa professor. Basta vê no mês de maio Um poema em cada gaio Um verso em cada fulô”. (do livro: Ostra feliz não faz pérola) Rubem Alves


AUTISMO NA ESCOLA: desafios à construção de uma prática inclusiva no ensino profissional Rosi Marina Rezende Cláudia Terra Nascimento Paz

Introdução O presente estudo pretende apresentar, através de um relato de experiência, o desenvolvimento de um educando diagnosticado dentro do quadro do Espectro Autista, matriculado em um Curso Técnico em Informática para Internet e as ações resultantes do processo pedagógico. Nesse sentido, pretende-se refletir sobre os princípios da educação inclusiva e sobre a abordagem das ações de intervenção pedagógica desenvolvidas, objetivando à inclusão de um aluno com necessidade educacional específica em curso técnico profissionalizante, com vistas a auxiliá-lo em seu desenvolvimento social e cognitivo. Buscou-se identificar até que ponto as ações da escola construíram um caminho inclusivo para o aluno. Trata-se, então, de um estudo de relevância, considerando-se que ainda não dispomos na literatura acadêmica de um quantitativo significativo de estudo sobre o recorte proposto. A Sociedade Brasileira de Pediatria define o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) como sendo um “transtorno do desenvolvimento neurológico, caracterizado por dificuldades de interação social e pela presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos” (SBP, 2019). No Brasil, a Lei nº 12.764/2012, conhecida como “Lei Berenice Piana”, que criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo, garante os direitos dos autistas e os equipara às pessoas com deficiência (BRSIL, 2012). A pessoa com TEA pode também apresentar outros fatores de saúde associados. A Organização das Nações Unidas considera a estimativa global de que aproximadamente 1% da população pode ter autismo no mundo. “segundo 147


| Maylta dos Anjos (Org.) | estudo publicado pelo Centro de Controle de Doenças de Prevenção de Saúde Americano, nos Estados Unidos, o autismo afeta uma em cada cinquenta e nove crianças” (OLIVEIRA, 2019, p. 05). No Brasil, estatisticamente, ainda não se conhece ao certo o quantitativo de pessoas autistas, mas “estudo piloto realizado no município de Atibaia, interior de São Paulo, demonstrou que existe um autista para cada 367 crianças” (PAIVA JUNIOR, 2019, p. 6). Apesar da carência estatística quanto ao quantitativo de pessoas diagnosticadas ou não dentro do quadro do Espectro Autista, é importante ressaltar que as redes de ensino necessitam buscar os subsídios necessários para atender a esse público nas escolas regulares, oferecendo-lhe não só o acesso, mas a possibilidade de permanência e êxito. O estabelecimento da educação inclusiva como política educacional no Brasil coloca em questionamento os pressupostos que embasam a educação tradicional. Uma educação baseada nos princípios da inclusão objetiva garantir o acesso, permanência e qualidade do ensino para todos os alunos, implicando em transformações significativas nos modelos e práticas pedagógicas, bem como na organização curricular. Ressalta-se que, o Brasil fez opção pela construção de um sistema educacional que tem como um de seus objetivos a inclusão, ao concordar com a Declaração Mundial de Educação, que foi firmada em Jomtien, na Tailândia, em 1990, e também em concordar com o documento proposto na Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais – Declaração de Salamanca, realizada em 1994. (UNESCO, 1994). A inclusão de pessoas com deficiência no ensino regular encontra respaldo na Constituição Federal do Brasil, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996, na Resolução CNE/CNB 02/01 e em outras Diretrizes Nacionais que serão apresentadas neste estudo. Apesar do avanço significativo no âmbito da discussão e das políticas de inclusão, o discurso separatista ainda hoje permeia espaços escolares, muitas vezes fruto das incertezas, da desconfiança de que pode não dar certo, do medo diante da realidade desconhecida e da ausência de informação e formação que auxiliem o desenvolvimento de ações pedagógicas inclusivas. No que tange à educação profissional, é importante ressaltar a sua importância na formação de um indivíduo, no contexto de uma sociedade inclusiva, considerando as possibilidades de inserção social de sujeitos a partir da sua participação no mundo do trabalho. 148


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Os cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio têm por finalidade proporcionar ao estudante conhecimentos, saberes e competências profissionais necessários ao exercício profissional e da cidadania, com base nos fundamentos científico-tecnológicos, sócio históricos e culturais. (BRASIL, 2012).

Torna-se relevante, portanto, refletir e buscar subsídios didático-pedagógicos que auxiliem o desenvolvimento dos educandos com necessidades específicas, possibilitando a sua aprendizagem e desenvolvimento, colaborando consequentemente para a sua emancipação.

Metodologia Trata-se de relato de experiência que foi apresentado de modo contextualizado, ao aporte teórico. Para o desenvolvimento da pesquisa foram adotados procedimentos metodológicos de uma pesquisa qualitativa. “A pesquisa qualitativa ou naturalística envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes.” (BOGDAN E; BIKLEN, 1982, apud LUDKE E;ANDRÉ, 1986, p. 13). Utilizou-se da observação participativa, como instrumento para a coleta de dados, considerando que a pesquisadora deste trabalho fez parte do corpo técnico administrativo da instituição, atuando como Pedagoga na Coordenação Técnico Pedagógica e pode participar do processo de acompanhamento do desenvolvimento escolar do educando, desde a matrícula em 2011 à conclusão do curso em2015, assim como, participou ativamente dos diálogos com o grupo de docentes e coordenadores, encontros pedagógicos semanais, oficinas e elaboração de projeto de formação continuada em serviço. Segundo Fernandes, “em educação a observação é metodologia fundamental para avaliar comportamentos complexos como as interações professor-aluno e aluno-aluno (FERNANDES, 2007, p. 84)”. Viana corrobora com esse pensamento ao afirmar que “a observação é uma das mais importantes fontes de informações em pesquisas qualitativas em educação”. Sem acurada observação não tem ciência. (VIANNA, 2003, p.12). De acordo com Marietto (2018), na observação participante o pesquisador coleta os dados por meio da participação na vida cotidiana das pessoas ou do grupo que está sendo estudado. Ainda segundo o autor, a abordagem está na 149


| Maylta dos Anjos (Org.) | interação cotidiana, envolvendo conversas para descobrir as interpretações dos participantes nas situações em que estão envolvidos. (MARIETTO, 2018, p. 8). As informações que dão corpo ao presente Relato de Experiência foram realizadas em instituição de ensino profissional e são significativas para a área de estudo em questão.

Fundamentando teoricamente a experiência e seus achados: revisando a literatura e discutindo os resultados

Uma escola em implantação A escola em cujo estudo foi realizado iniciou suas ações de implantação em meados de 2010. Nessa época chegaram os primeiros professores, servidores técnicos e funcionários. Não havia uma equipe completa e quem chegou acumulou funções necessárias ao início das atividades da instituição. Uma equipe pequena, mas com muito fôlego. Em 2011, houve o primeiro processo seletivo para acesso ao curso. Dentre os candidatos inscritos, havia um cuja representante legal solicitou condições especiais para que o candidato realizasse a prova, por de tratar-se de candidato de espectro autista. O candidato fez sua prova em sala especial acompanhado pela pedagoga da escola. O objetivo era garantir-lhe um ambiente sem estímulos que pudessem desviar sua atenção ou deixá-lo ansioso. No início, a desconfiança, o medo e a incerteza diante da situação. Um aluno com traços de autismo num curso técnico? Seria possível mesmo? O que fazer? Como fazer se não estamos preparados para recebê-lo? Não seria perigoso para o aluno participar das aulas práticas de determinadas disciplinas? Questionamentos como esses foram levantados por vários professores. O início do trabalho em uma instituição de educação profissional em implantação, com um grupo de professores com relevante formação técnica, mas que não tiveram em seus currículos acadêmicos as disciplinas de conhecimentos pedagógicos trouxe para a direção, coordenação pedagógica e corpo docente a tarefa de pensar a escola dentre os vários aspectos, em uma pedagogia fundamentada na inclusão. A mãe do aluno foi convidada pela Coordenação Técnico-Pedagógica para alguns momentos na escola, inclusive para participar de uma das reuniões pedagógicas, quando também teve a oportunidade de falar sobre suas dúvidas 150


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | e inseguranças. Contou-se também com a presença da psicóloga que fazia o acompanhamento do aluno. Esses encontros foram muito importantes para se conhecer um pouco mais o educando e traçar ações que pudessem auxiliar o seu desenvolvimento em sala de aula. A partir da necessidade de conhecer o educando e de toda a inquietação gerada, a equipe escolar posicionou-se no sentido de implementar o projeto “Caminhos para a Escola Inclusiva”, que tinha como objetivo refletir com a comunidade escolar os preceitos da educação inclusiva e buscar consolidar uma prática pedagógica coerente com tais preceitos, em detrimento das práticas de exclusão. O projeto visava também estar em consonância com os dispositivos legais nacionais e internacionais, que alicerçam a política de inclusão, tais como o da nossa Constituição Federal de 1988, que preconiza em seu Artigo 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

O Artigo 206, inciso I da Constituição, acrescenta que, “o ensino será ministrado com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/1996, estabelece a Educação Especial como modalidade da educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos com necessidades educacionais especiais. (BRASIL, 1996). Este entendimento foi ratificado, através da Resolução CNE/CNB 02/01, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) que regulamenta os artigos da LDB e dispõe sobre a oferta da Educação Especial como parte integrante do sistema regular de ensino, definindo, entre outros, quem são os alunos com necessidades educacionais especiais, a natureza dos serviços de apoio à educação para a classe comum e as exigências de formação de professores. A inclusão educacional é um direito do aluno e requer mudanças na concepção e nas práticas de gestão, de sala de aula e de formação de professores, para a efetivação do direito de todos à escolarização (BRASIL, 2010, p. 5). Os preceitos legislativos aqui elencados são de suma importância e direcionam as ações da escola no sentido de reconhecer que a educação se constitui em importante alicerce da vida social, sendo uma de suas responsabilidades transmitir e ampliar a cultura e as margens da ação humana, tendo como um de seus propósitos a emancipação e o compromisso ético-político. 151


| Maylta dos Anjos (Org.) | A expectativa inicial com relação ao aluno e a busca por práticas pedagógicas inclusivas O diagnóstico apresentado pelos responsáveis do aluno foi essencialmente clínico, levando em conta o comprometimento e o histórico do paciente, norteando-se pelos critérios estabelecidos por DSM–IV (Manual de Diagnóstico e Estatística da Sociedade Norte-Americana de Psiquiatria) e pelo CID-10 (Classificação Internacional de Doenças da OMS), conforme descrição no relatório expedido pelo médico responsável. De acordo com informações da mãe, o período de gravidez foi normal, mas o filho apresentou atraso no desenvolvimento psicomotor. A comunicação oral teve início a partir dos dois anos e somente deu os primeiros passos após os três anos de idade. Obtiveram-se múltiplos diagnósticos a respeito do quadro comportamental apresentado pelo menino, mas que aos quatro anos foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista. Devido à dificuldade de adaptação escolar e por não apresentar aparente rendimento, a mãe foi aconselhada a tirar o filho da escola antes que este completasse sete anos. Os pais persistiram e, segundo a mãe, o aprendizado da leitura deu-se em silêncio. Num determinado momento, a professora se surpreendeu ao observar que a criança já dominava a leitura de palavras e frases. De acordo com os pais houve um receio inicial quando da entrada do filho no Ensino Fundamental, devido à preocupação com o seu processo de socialização e integração com os demais alunos. A mãe relatou que renomado psiquiatra, que acompanhava o tratamento do filho, deu-lhes o seguinte prognóstico: seu filho “nunca conseguirá chegar aos estudos”, fazendo referência a um nível de ensino superior às séries iniciais ao ensino fundamental, porém, o aluno com o apoio e perseverança dos pais, que buscavam o tempo todo o apoio da escola e de profissionais técnicos, concluiu o Ensino Fundamental e Médio. Apesar do avanço do filho na vida escolar, o pai demonstrava insegurança quanto ao seu ingresso na escola técnica, devido ao histórico de descredibilidade médica e escolar vivido pela família. O aluno ingressou no curso de Informática para Internet, oferecido na modalidade Pós Médio, no segundo semestre de 2011, aos vinte anos. Logo nos primeiros dias demonstrou pouco interesse em interagir com os demais colegas. Não estabelecia contato visual com as pessoas e ambientes. Não participava de atividades em grupo e não demonstrava iniciativa no contato com os demais alunos ou professores. Apresentava leve prejuízo na linguagem verbal. Normalmente se portava de forma quieta, cabeça baixa, preferindo sempre o 152


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | isolamento. Raramente desenvolvia todas as atividades e necessitava de apoio constante dos professores e monitores para desenvolver as atividades. Segundo Estanislau e Bressan (2014): Autismo é uma condição que reflete alterações no neurodesenvolvimento de uma pessoa, determinando quadros muito distintos, que têm em comum um grande prejuízo na sociabilidade. O autismo é considerado um transtorno neuropsiquiátrico, pois é caracterizado por um, conjunto de sinais clínicos, nem sempre provocados por uma causa comum (ESTANISLAU e BRESSAN, 2014, p. 220).

Dessa forma, a pessoa classificada dentro do quadro do Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, pode apresentar inabilidade para interagir socialmente, dificuldade no domínio da linguagem para comunicar-se ou lidar com jogos simbólicos, padrão de comportamento restritivo e repetitivo, sendo o grau de comprometimento de diferente intensidade, variando desde quadros mais leves, na qual não há comprometimento da fala e da inteligência, até formas graves em que o paciente se mostra incapaz de manter qualquer tipo de contato interpessoal, apresentando comportamento agressivo e retardo mental. Estanislau e Bressan (2014) ressaltam que “o Transtorno do Espectro do Autismo possui início precoce, podendo ser antes dos três anos e se estende ao longo da vida” (ESTANISLAU, BRESSAN, 2014, p. 220). Na medida em que foi adquirindo segurança no espaço escolar, notou-se que houve avanço no processo de socialização e, aos poucos, o aluno foi se aproximando e também permitindo a aproximação dos colegas, dando respostas ou correspondendo aos movimentos de interação em sala de aula e espaço de convivência. Durante todo processo, a família se fez muito presente e demonstrava confiança na escola. O educando demonstrava grande apego à rotina, apresentando dificuldade para aceitar mudanças de atividades ou imprevistos. Outra característica observada foi a presença de movimentos repetitivos que se intensificavam sempre que se sentia desafiado ou diante de situações novas. Os movimentos repetitivos consistiam em balançar o corpo em movimentos lentos para frente e para trás e puxar uma mecha de cabelos com os dedos polegar e indicador de forma persistente sobre a testa. Segundo Whitman, “a aderência inflexível à rotina e movimentos repetitivos e estereotipados são características que se associam ao autismo. (WHITMAN, p. 29, 2015). Esse comportamento era notado também nos momentos livres em sala de aula ou intervalos. 153


| Maylta dos Anjos (Org.) | O corpo docente, apesar do crescente resultado do trabalho, mostrava-se apreensivo e preocupado quanto ao atendimento ao aluno, pois temiam que o mesmo não obtivesse sucesso. Ao mesmo tempo, demonstravam interesse em buscar conhecimentos técnicos e teóricos que pudessem favorecer o processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, os questionamentos, o receio, os medos e o “não saber”, serviram como impulsos para mudança de paradigmas, reforçando a necessidade de se fazer da escola um espaço de reflexão, debate e construção permanente de caminhos para o fazer pedagógico inclusivo. A escola, naquele momento, não possuía a sala de atendimento multifuncional62 ou AEE – Atendimento Educacional Especializado, mas, após uma avaliação inicial realizada pela coordenação pedagógica com apoio dos docentes, verificou-se a necessidade de adaptações não significativas, visando atender o aluno com relação a interação no ambiente escolar e organizativas, considerando a necessidade de apoiar e atender o educando quanto à organização do tempo e ajustes dos elementos curriculares: objetivos, diversificação das atividades, avaliações. A maior parte das adequações curriculares realizadas na escola é considerada menos significativa, porque se constituem modificações menores no currículo regular e são facilmente realizadas pelo professor no planejamento normal das atividades docentes e constituem pequenos ajustes dentro do contexto normal de sala de aula. (MEC, 2003, p. 35).

Além dos ajustes curriculares, contou-se com o apoio de alunos monitores de disciplinas e laboratórios, que, a partir das orientações dos professores, colaboraram no apoio ao estudante no contraturno e em sala de aula. O fazer pedagógico é uma construção permanente e, nesse caso, a sala de aula pode ser vista como um laboratório onde o docente tem a oportunidade de refletir, encaminhar e intervir em todos os momentos com seus alunos, mas para isso é necessário que o educador esteja envolvido afetiva e efetivamente com o que ele próprio propõe e com a proposta pedagógica da instituição, além de ser necessário que se tenha conhecimento de diferentes metodologias e práticas que possam alicerçar o seu trabalho. 62 Sala de recursos multifuncionais são dispositivos de um programa do MEC, que fornece alguns equipamentos de informática, mobiliários, materiais didáticos e pedagógicos para a criação de salas destinadas a integrar alunos com necessidades específicas, nas escolas públicas regulares por meio da política de educação inclusiva.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Segundo Mello (2000, p. 02), “estudos sobre capacitação docente têm revelado que projetos de formação eficazes foram desenvolvidos a partir de demandas dos profissionais envolvidos no trabalho escolar”. Esses estudos apresentam alguns caminhos para a formação permanente nas escolas, em que se pode destacar o reconhecimento de que as tarefas de formação permanente são um instrumento básico para garantir o desenvolvimento profissional, principalmente, quando se quer construir práticas docentes com foco na inclusão. A partir do projeto “Do Discurso à Realidade: caminhos para a escola inclusiva”, discutiu-se temas relacionados a: Escola como Contexto de Formação Profissional e as Competências Exigidas para Atuação Docente; Políticas Públicas e Práticas Pedagógicas Inclusivas; Processo de Desenvolvimento Cognitivo e Aprendizagem; Educação Inclusiva e Transição Escola-Trabalho; Planejamento de Currículo para Alunos com Deficiência nas Classes de Ensino Regular; Educação Inclusiva e Cotidiano Escolar. Além dos estudos teóricos, o projeto ofereceu oficinas pedagógicas. Dentre as temáticas discutidas, refletiu-se sobre currículo, planejamento e adaptação curricular e avaliação. As ações do projeto e as reuniões pedagógicas semanais facilitaram o acompanhamento das atividades desenvolvidas em sala de aula, visando conhecer o desempenho não só do aluno de Espectro Autista, mas dos alunos em geral, facilitando também a avaliação e o replanejamento das ações. O curso Técnico em Informática para Internet, na Modalidade Concomitante e Subsequente ao Ensino Médio, possuí carga horária total de 2.400 (duas mil e quatrocentas horas), distribuídas em 35 (trinta e cinco) disciplinas, distribuídas em dois anos letivos ou quatro semestres. O projeto de curso foi elaborado de forma em que as disciplinas estivessem agrupadas por afinidade, visando desenvolver as competências e habilidades cognitivas dos educandos. Cada período do curso compreende um eixo, organizado da seguinte forma: 1º período – Web Design; 2º período – Programação com Banco de Dados; 3º período – Manutenção, Redes e Suporte; 4º período – Mainframe e Linux. O tempo previsto para integralização do curso é de dois anos, porém, o aluno necessitou do dobro do tempo para concluí-lo, conforme especifica o quadro.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Quadro 1 – Tempo de permanência do aluno no curso PERÍODOS

QUANTIDADE DE DISCIPLINAS POR PERÍODO

QUANTIDADE DE SEMESTRES PARA CONCLUSÃO DOS PERÍODOS

09

03

07

01

12

02

08

02

Fonte: Secretaria Acadêmica da unidade de ensino

É importante ressaltar, que a organização do curso prevê em seu Projeto Pedagógico, que o aluno não apto refaça somente as disciplinas cujos objetivos não foram alcançados de forma satisfatória ao final do período. Dentro de uma proposta inclusiva, essa é uma importante estratégia, pelo fato de considerar o avanço do aluno em cada disciplina, de forma isolada. Assim, foi possível ao aluno ir eliminando as disciplinas cujos resultados foram satisfatórios e cursar no semestre seguinte somente aquelas em que não obteve aprovação. O primeiro período foi aquele em que o aluno necessitou de maior tempo para cursar as disciplinas (três semestres). Isso é compreensível, considerando o processo de adaptação ao campus e ao curso. As disciplinas em que necessitava de raciocínio lógico e criação foram aquelas em que necessitou de mais tempo para consolidar as informações. É importante “identificar e conhecer as competências dos alunos para selecionar os recursos e as estratégias que proporcionarão a sua aprendizagem, de forma a superar ou compensar os comprometimentos ou dificuldades existentes. (GALVE e SEBASTIAN, 2002, apud POKER, 2013, p.18). Nesse sentido, visando o desenvolvimento do aluno em cada disciplina foram oferecidos atendimento individualizado pelos docentes e estudo em pequenos grupos com apoio de monitoria. Com o passar do tempo, a partir de maior envolvimento com a turma e com os professores, evoluiu no desenvolvimento das atividades, adquirindo mais confiança, autonomia, sendo capaz de participar na apresentação de trabalhos em grupo, o que se negava a fazer no início do curso. Glat e Blanco (2011) destacam que “alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, precisarão de metodologias e recursos didáticos diferenciados, currículos adaptados, bem como suportes adicionais em parte ou todo seu percurso escolar” (apud GLAT & ANTUNES, 2012, p. 01)”. Segundo 156


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Campbell (2009, P.116), “a maioria das discussões acerca da educação inclusiva está atrelada às adaptações curriculares e aos suportes pedagógicos”. O olhar diferenciado e os suportes oferecidos colaboraram para o desenvolvimento e permanência do aluno no curso. O aluno concluiu o curso em oito semestres, período necessário para que se adaptasse, superasse algumas dificuldades e adquirisse os conceitos necessários à sua formação profissional. Foi possível observar que no decorrer do desenvolvimento do curso, o aluno demonstrou maior satisfação com as disciplinas voltadas para a área de manutenção e montagem de computadores, sendo considerado, pelos docentes, capaz de configurar equipamentos de infraestrutura: cabos, placas, roteadores híbridos. A avaliação do corpo docente, com relação ao desenvolvimento do discente ao final do curso, apontou perspectivas muito positivas para a área profissional, considerando a sua evolução e a superação de dificuldades. O aluno também avaliou o seu desempenho, afirmando sua preferência pelas disciplinas técnicas. Justificou a escolha pelo curso Técnico em Informática para Internet porque acreditava que tinha habilidade para a informática. Pretendia trabalhar com montagem de computadores, com instalação de sistemas operacionais e configuração de redes, além de poder colaborar com pessoas que desejassem aprender a trabalhar com o computador. Muitos desafios foram enfrentados pelo aluno e equipe escolar, do início ao término do curso, mas com apoio constante, intervenções, atendimento individualizado e o olhar atento dos professores, muitos desafios foram superados. As limitações existiram, mas o foco maior sempre foi em suas habilidades, no que ele seria capaz. Muitos questionamentos foram respondidos na prática, na construção diária do trabalho em sala de aula.

Conclusão É importante destacar que, apesar dos avanços das últimas três décadas, a discussão em torno da educação inclusiva e a sua implementação nas instituições de ensino, ainda enfrentam resistência, carecendo de aprofundamento teórico e de ações concretas por parte dos profissionais da educação. Apesar das legislações específicas e de todo debate que embasam o processo de inclusão, as possibilidades educacionais para as pessoas com necessidades específicas estão atreladas à compreensão e envolvimento dos 157


| Maylta dos Anjos (Org.) | profissionais da escola quanto às suas funções e importância do papel que desempenham na sociedade. O ingresso de um aluno diagnosticado dentro do quadro de Transtorno do Espectro do Autismo – TEA, causou insegurança e medo em um grupo de docentes de um curso técnico profissional, ao mesmo tempo em que os levou a reconhecer a necessidade da busca de conhecimento teórico e prático sobre a temática. Nesse sentido, desencadeou-se ações que culminaram na elaboração do projeto “Caminhos para a Escola Inclusiva”, elaborado pela Coordenação Técnico Pedagógica – CoTP, envolvendo docentes, técnicos, funcionários e discentes, objetivando a sensibilização, o acolhimento e a discussão das legislações, os preceitos da educação inclusiva, adaptação curricular e estratégias necessárias ao processo de intervenção pedagógica que pudessem auxiliar o educando em seu desenvolvimento cognitivo e social. Esse projeto inclusive, foi submetido a edital de fomento, sendo contemplado com recursos financeiros por dois anos consecutivos, o que permitiu que o mesmo fosse estendido também para além dos muros da escola, beneficiando docentes das Redes Municipal e Estadual de Ensino, que se juntaram aos estudos e discussões. Damos ênfase também à importância e necessidade da implementação da formação continuada em serviço, considerando que o próprio ambiente de trabalho é uma oficina de aprendizagem constante, onde todos podem ampliar e repensar sua formação e seu conhecimento acadêmico e de mundo. As ações implementadas com vista ao aperfeiçoamento dos docentes e técnicos também impulsionaram a implementação do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas – NAPNE. Nesse momento a instituição passou a contar também com a presença de um psicólogo que colaborou junto a equipe para o crescimento e desenvolvimento das ações de inclusão e a quebra de barreiras atitudinais e educacionais. Foi preciso aguçar o olhar, construir e desconstruir teorias e práticas para compreender que era possível a inserção daquele aluno com necessidades específicas na educação profissional. Enquanto pesquisadora, observadora participante do processo, posso destacar que a unidade de ensino teve muitos ganhos e um deles está no exercício de reconhecer no outro as suas habilidades e a possibilidade de aprender, assim como, compreender que o tempo de aprendizagem não é igual ou não tem que ser o mesmo para todas as pessoas, e que isso não implica em ser superior ou inferior, mas sim reconhecer que lidamos com pessoas diferentes e todas têm o direito à educação de qualidade e ao êxito. 158


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Isso pode parecer óbvio para todos os educadores, mas nem sempre é perceptível para profissionais com formação em áreas técnicas, numa instituição que durante muitos anos primou por uma educação técnica de excelência, mas que, em nome dessa excelência, muitos foram excluídos. Em momento algum das discussões dissemos não ao ensino de qualidade, não obstante tentamos imprimir um novo olhar à excelência que buscamos, traduzindo-a em competência e oportunidade de emancipação individual e social para todos que buscarem a educação profissional.

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Meu único desejo, meu tema musical, meu diamante é a educação. Rubem Alves


AS NARRATIVAS DA EJA IMPULSIONANDO O ENSINO INTERDISCIPLINAR – CIÊNCIAS E ARTE Cristiane Cordeiro Vasques

Introdução A Educação de Jovens e Adultos (EJA) vem conquistando espaço nos ambientes de formação acadêmica. Textos, artigos, ensaios, dissertações e teses vêm sendo produzidos e divulgados com estudos sobre um público que tem sua trajetória marcada pelos processos de exclusão ao longo de sua história, que se confunde com a própria história da população brasileira. Ao longo do tempo, as iniciativas para a escolarização de adultos estiveram relacionadas aos movimentos de dominação, colonização e subordinação. No entanto, as contribuições de pesquisadores, autores e docentes, engajados com os processos de democratização da educação, vêm construindo um novo olhar para esses sujeitos – trabalhadores-estudantes – com direito à educação ao longo da vida. Nesta perspectiva, muitas proposições de trabalhos estão sendo realizadas de maneira a reafirmar o compromisso ético da educação com esta população aguerrida, que vence cotidianamente os desafios de viver numa sociedade com tantas marcas de desigualdade. Assim, buscamos com este breve texto, compartilhar algumas reflexões sobre a EJA, assumindo percursos de análise a partir de estudos realizados no grupo de pesquisa CAFE (Ciência, Arte, Formação e Ensino), que tem funcionamento no Programa de pós-graduação em Ensino de Ciências, do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – Campus Nilópolis. O grupo conta com pessoas com formação em diferentes áreas, em distintos momentos de produção acadêmica. Em nossos encontros buscamos analisar e discutir diferentes pontos de vista sobre a educação, a pesquisa e os 162


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | processos de ensino, trazendo o aporte de diferentes autores. As contribuições dos autores, nossas discussões no grupo, e o desejo de ampliar a pesquisa em curso sobre a EJA, trouxeram provocações que fizeram emergir questões muito relevantes com que se convive cotidianamente nas escolas, em especial naquelas que oferecem a modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos. Desta forma, este texto, além das reflexões, apresenta o relato de um trabalho pedagógico realizado em uma classe de Educação de Jovens e Adultos, articulando-o com a leitura de alguns autores que discutem a ação educativa permeada com questões sobre contextos e identidades culturais singulares, como Freire (2017), e sobre a organização curricular que busca a problematização dos conteúdos escolares, como Canen (2003). Nesta classe, a prática cotidiana se realiza a partir da valorização das narrativas63 de seus educandos, que vão compartilhando seus saberes, histórias e emoções, enquanto reformulam e reconstroem conhecimentos, ampliando informações e fortalecendo sua presença no mundo (FREIRE, 2017). Divulgar estas ações pode trazer maior encorajamento aos docentes de EJA para a realização de práticas que contribuam para a construção da autonomia dos sujeitos e sua formação cidadã, rompendo com a lógica dos estudos compensatórios que ainda povoam o imaginário de muitas linhas metodológicas. Ivenicki e Canen (2016) destacam a relevância do estudo que aborde e valorize o potencial multicultural do ensino e que reflita sobre os sujeitos plurais com quem estabelece o contato para análise. São contribuições do campo da pesquisa para o enfrentamento de questões que solicitam visões e interpretações diferenciadas da realidade.

Caminhos da pesquisa Para compreender melhor os espaços, tempos e sujeitos da EJA, e quem sabe trazer considerações que auxiliem na elucidação das questões específicas desta modalidade, foi iniciado este estudo. O convite para participação no grupo de pesquisa trouxe maior segurança para buscar caminhos metodológicos 63 A metodologia das narrativas na dimensão usada no texto considera uma forma de fazer pesquisa a partir de estudos considerados por meio dos eventos e acontecimentos que produzem histórias explicativas, como nos diz Polkinghorne (1995). Considera-se a narrativa como um método e também um fenômeno de estudos (PINNEGAR; DAYNES, 2007).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | que norteiem a investigação que se inicia. Até aqui, a pesquisa de caráter qualitativo, foi adotada devido sua clara adequação ao objetivo proposto, visando obter dados descritivos mediante o contato direto e interativo da pesquisadora com o seu objeto de estudo, encadeando conceitos e proposições de autores como, Freire (2017) e a prática dialógica, Alarcão (2011) com a escola reflexiva e Pollak (1992) com as questões sobre a memória coletiva e a identidade social. Este estudo traz para a análise alguns registros de situações de ensino coletados do diário de campo64 da pesquisadora, que atua como regente em uma classe de Educação de Jovens e Adultos, em uma escola municipal do Rio de Janeiro. As experiências relatadas são analisadas reflexivamente gerando novos caminhos de atuação e de entendimento sobre as funções e finalidades da EJA.

A interlocução com o grupo de pesquisa A partir dos estudos realizados no grupo CAFE, alguns autores foram suscitando a interlocução com o objeto de pesquisa – a Educação de Jovens e Adultos. Em Alarcão (2001 e 2011) encontramos uma análise da escola reflexiva, considerada como uma urgência para fazer frente às demandas da sociedade, alertando que “cada escola, deve conceber-se como um local, um tempo e um contexto educativo” (ibid, 2001, p.16). Ou ainda, “uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre educação” (ibid, 2011, p.41), situando a aprendizagem como processo cooperativo, autonomizante, pautada em relações dialógicas. Traz também uma afirmação sobre a escola reflexiva que se afina com o que se deseja concretizar no ensino de jovens e adultos: “acreditar que todos e a própria escola se encontram num processo de desenvolvimento e de aprendizagem” (ibid, 2011, p. 103). Desta forma, corrobora o que traz a legislação para a EJA, que apresenta para esta modalidade de ensino as funções reparadora, equalizadora e qualificadora, admitindo o princípio da igualdade para todos, em relação ao direito à educação ao longo da vida (BRASIL, 2000, p 5-6). 64 Os diários de campo aqui relatados registram as narrativas como fenômeno de estudos e pesquisas na visão de Pinnegar; Daynes, 2007, não caracterizando a pesquisa de cunho etnográfica como nas propostas de coletas investigativas sistemáticas, pois, embora destaque a relação social e a memória coletiva, não destaca a cultura específica do grupo como fundamento da interação relacional à aprendizagem coletiva. Como nos orienta André (2005, p. 28-29).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Num outro momento do CAFE, estudamos Corsino (2015), trazendo reflexões sobre a didática como um ato responsivo, que implica tomada de decisão e reconhecimento do outro a quem se direciona os processos de ensino. A autora apresenta um conceito de didática que rompe com a lógica tecnicista e instrumental, para assumir um processamento dialético entre teoria e prática, entre ensinar e aprender, onde uma ação suscita outra. Corsino (2015), baseia em Bakhtin (2003) a dimensão social da didática, tendo a linguagem como elemento constitutivo das relações que se estabelecem. Assim, os sujeitos envolvidos, professores e alunos, influenciam e são influenciados pelos processos realizados pela interação entre eles. É também em Bakhtin que alicerça a relação entre ciência, arte e vida, como terrenos da cultura e processo de construção de sentidos. Nesse contexto, Corsino (2015, p. 404-405) defende que “os processos ensino-aprendizagem são complexos e fazem parte de práticas sociais que estão diretamente relacionadas à formação dos sujeitos”. Proclama, ainda, que “o ensino, para ser transformador, exige o exercício constante de reflexão e crítica, diálogo com diferentes áreas, prospecção e engajamento social”. Essa assertiva fortalece o que prevê o Marco de Referência da Educação Popular para as políticas públicas (BRASIL, 2014) ao afirmar que o trabalho com a Educação de Jovens e Adultos requer uma aproximação dos princípios da educação popular e democrática como: emancipação, conhecimento crítico, transformação da realidade, entre outros. Esses aspectos são mobilizados pelas ações da escola que assumem uma abordagem reflexiva sobre sua própria prática e investe nos processos de aprendizagem dos alunos, utilizando a linguagem como instrumento de afirmação das identidades individuais e coletivas, inclusão social, e emancipação do sujeito. Trago a experiência de uma classe de alfabetização de jovens e adultos de uma escola municipal do Rio de Janeiro que atua com projetos didáticos em uma perspectiva multicultural. Nesta classe as atividades propostas buscam integrar os conhecimentos científicos com atividades artísticas que favoreçam a expressão oral e a criatividade, proporcionando momentos de compartilhamento de histórias de vida com conhecimentos próprios e singulares. No mês de maio, quando a mídia explorava a data em comemoração ao dia das mães, os alunos foram envolvidos em uma reflexão sobre SER MÃE. A partir da apresentação de um vídeo com a gravação da música Rainha do Lar (de Herivelton Martins e Davi Nasser – de 1950), interpretada por Angela 165


| Maylta dos Anjos (Org.) | Maria e Agnaldo Timóteo, os alunos iniciaram um passeio ao túnel do tempo. Após a escuta atenta da música, e vários relatos sobre as memórias musicais, em especial pelos alunos com mais idade, buscou-se responder a seguinte questão: Por que ela era a Rainha do Lar e não de outro lugar? Abriu-se uma discussão sobre a figura materna e suas representações sociais e familiares, o papel da mulher em diferentes contextos históricos, sua participação social no mercado de trabalho, na política e na luta pela igualdade de direitos, as diferentes estruturas familiares que surgiram nas últimas décadas, a organização e distribuição dos afazeres domésticos, as diferentes formas de ser mãe, a decisão de ser mãe ou não etc. A professora, junto aos alunos, fez um levantamento de questões que surgiram desta discussão e elencaram aquelas sobre as quais se debruçariam nas próximas aulas. Assim, nascia mais um projeto didático nesta turma, com ações interdisciplinares de grande relevância. Nos dias que se seguiram os alunos assistiram a vídeos e leram textos diferenciados sobre diversas composições de família, adoção e família acolhedora. Participaram de uma palestra proferida por uma professora de Ciências da própria escola, sobre anatomia humana, menarca, gravidez, menopausa, fertilização natural e artificial, menopausa, IST’s65 e métodos contraceptivos. Em parceria com o Posto de Saúde tiveram acesso a material informativo sobre métodos contraceptivos e receberam amostras de preservativos masculinos e femininos. Exercitaram a criatividade montando painéis informativos e artísticos, confeccionaram flores amarelas para a montagem de um ipê onde penduraram os nomes das mães de todos os alunos da turma. Gravaram vídeos com depoimentos, registrando suas narrativas e memórias sobre a convivência com suas mães. Ensaiaram músicas que abordavam o tema (Lady Laura – Roberto Carlos, Você é de Deus – Imagina Samba). Durante todo o projeto muitas discussões surgiram. Os alunos colocaram em pauta seus pontos de vista e exercitaram a argumentação e a escuta do outro, concordaram, discordaram e sobretudo, pensaram. Foi uma oportunidade ímpar para o desenvolvimento de habilidades muito necessárias ao desenvolvimento da tolerância e superação de atitudes preconceituosas ou discriminatórias. Esta classe de EJA, podemos dizer, executou uma estratégia pedagógica multicultural, apresentada por Grant & Wieczorek (2000) e citada por Canen (2003), denominada ancoragem social. 65 Infecções Sexualmente Transmissíveis

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Trata-se de uma estratégia que leva a conexões entre discursos históricos, políticos, sociológicos, culturais e outros, com vistas ao alargamento dos quadros de referência pelos quais compreendemos as relações entre conhecimento, pluralidade e poder. (CANEN, 2003, p. 13).

Na atividade apresentada, a professora “ancorou” o discurso literário a discursos sociológicos, históricos e científicos que possibilitaram a ampliação do conhecimento e a possibilidade de romper com conceitos pré-concebidos e contextos de discriminação social. Este relato nos remete a Alarcão (2011) ao discorrer sobre a escola na sociedade da aprendizagem: “conceptualizações deste tipo apontam para uma formação holística e integrada da pessoa que não se queda na informação, nem sequer no conhecimento, mas vai para além deles para atingir a sabedoria” (ibid – p.19). Desta forma, esta ação pedagógica contribui para o alcance dos objetivos da EJA ao oportunizar aos alunos a ampliação e contextualização de informações, a reelaboração de seus saberes, e a construção de novos conhecimentos. Um dado a ser destacado neste relato é o fato da professora assumir uma postura investigativa, realizando o levantamento das questões que denunciavam o interesse dos alunos, considerando suas opiniões. Essa postura caracteriza o que se denomina de prática reflexiva, e encontramos em Santos, Costa e Ferreira (2017) em um estudo sobre a formação de professores reflexivos, que “a prática reflexiva pressupõe uma situação institucional que conduz a ações coletivas, desse modo, orientadas para alterar as interações na sala de aula, na escola e na comunidade”. Neste aspecto, pode-se inferir o quanto as informações trazidas aos alunos puderam ampliar seu conhecimento e o entendimento de que questões políticas e econômicas interferem na qualidade de vida das pessoas, que o conhecimento sobre o próprio corpo pode auxiliar na tomada de decisões mais acertadas para uma vida mais saudável e feliz, entre outros aspectos. Outro projeto desenvolvido com estes alunos teve como tema os Direitos Humanos. Uma pesquisadora foi convidada a fazer uma palestra sobre o tema aos alunos da EJA. A pesquisadora abordou a questão dos Direitos Humanos historicamente. Iniciou sua fala questionando sobre a identidade (o que é, para que serve, as diferentes identidades que temos, e outras questões associadas à temática). Atuou na construção do conceito de identidade como aquilo que nos identifica, caracteriza e qualifica como cidadãos. Apresentou vídeos e conversou sobre como tudo aconteceu com o passar do tempo: as conquistas de 167


| Maylta dos Anjos (Org.) | Ciro, o grande (500anos a.C.), com a libertação de escravos e o reconhecimento dos direitos das pessoas, o nascedouro dos Direitos Humanos. Os retrocessos provocados pelas ações de Napoleão Bonaparte (França, 1800), e Adolph Hitler (Alemanha, 1933). As personalidades que lutaram em defesa dos Direitos Humanos, como Gandhi (Índia, 1915), a criação das Nações Unidas (1945), até que finalmente fosse feita a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1946). Após a palestra muitos comentários surgiram, e a professora da turma identificou um grande interesse dos alunos em aprofundar o estudo. Na sequência das ações os alunos receberam o texto com a versão popular da Declaração dos Direitos Humanos (sob orientação de Frei Beto)66 trazendo uma aproximação com as vivências do cotidiano e abrindo um novo canal de discussões sobre a questão social em nosso país. Destacaram as situações de desigualdade e negação dos direitos dos cidadãos brasileiros. Organizados em grupos, os alunos confeccionaram cartazes ilustrativos a partir de recorte de revistas, com os direitos sendo respeitados e não respeitados. Realizaram pesquisas de personalidades que lutaram pelos Direitos de Todas as Pessoas (Mandela, Gandhi, Maria da Penha, Zumbi dos Palmares, Malala, Martin Luter King, Madre Teresa de Calcutá, Che Guevara, Betinho, Tim Lopes, Maria Quitéria, Chico Mendes, Mariele Franco, entre outros). Os alunos tiveram a oportunidade de ouvir o texto A Carta de Savita (de Joel Hoestland). Esse texto apresenta a história de uma menina indiana que muito cedo foi trabalhar na casa de uma família para ajudar no sustento de sua própria família, que enfrentava o desemprego do pai e problemas de saúde da mãe. Esta leitura abriu uma roda de conversa sobre quais seriam os direitos das crianças. E então, presenciamos uma série de relatos sobre as vivências deste grupo durante a infância. O fio condutor que os aproximava era ter tido seus direitos negados. Fizeram a reescrita coletiva da Carta de Savita, tendo a professora como a escriba e realizaram a representação dos direitos da infância através de desenhos, tendo como ponto de partida sua própria vivência nesta fase de vida. Ainda sobre a questão dos Direitos Humanos, outras temáticas foram discutidas através da exibição de vídeos de campanhas publicitárias como Relações Abusivas (que discute a violência doméstica contra a mulher), Meninos e Meninas (discute a educação de crianças para o enfrentamento das desigualdades de gênero), e Macapá Brasil (discute a educação de crianças para uma cultura de não violência contra mulheres). 66 Vide referências.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Após cada exibição uma nova roda de conversa para debates e exposição dos diferentes pontos de vista. Para o desfecho do projeto foi apresentada a música Coração Civil (de Milton Nascimento) proporcionando o prazer de ouvir e apreciar a canção, analisar sua mensagem e conhecer a história do Pacto de São José da Costa Rica (1969) sobre os direitos fundamentais da pessoa humana, tendo entrado em vigor em 1978 e no Brasil somente em 1992. Tais relatos de experiências nos remetem ao pensamento de Pollak (1989), que trata da memória coletiva como algo que “reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras socioculturais” (ibid, p. 1). O trabalho pedagógico que considera as narrativas dos alunos oportuniza que reflitam sobre o que lhe é próprio, caracterizando sua identidade pessoal, o que constitui suas referências culturais e sociais, lhe inserindo no contexto das memórias coletivas que vão imprimindo sua identidade social. Os alunos da EJA, ao trazerem suas narrativas, vão articulando suas memórias individuais com as memórias dos outros alunos e consolidando a memória coletiva deste grupo. É interessante observar como ocorre identificação entre os alunos a partir das histórias relatadas, da fase da infância em especial, e da trajetória de vida como consequência, fazendo das rodas de conversa um momento único de compartilhamento e cumplicidade no grupo. Pollak (1992, p.2) chama a atenção para estas questões abordando sobre os “acontecimentos vividos pessoalmente” e os “vividos por tabela”, como fatos que são incorporados das vivências de outras pessoas, que criam pertencimento, devido ao expressivo grau de identificação. As narrativas da EJA impulsionando o ensino interdisciplinar – integrando Ciências e Artes, anunciado no título deste texto, estão marcadas nas proposições didáticas apresentadas e em tantos outros projetos desenvolvidos pela turma em questão. Na Educação de Jovens e Adultos são realizadas atividades que vão além da abordagem dos conteúdos previstos no currículo escolar. A prática pedagógica que se realiza, assume o viés de um currículo multicultural, e busca contemplar a adoção de temas transversais em interfaces inter e transdisciplinares, visando romper com a lógica “bancária” (FREIRE, 2017). O conceito de educação bancária está relacionado a uma prática conteudista e compensatória (PAULA e OLIVEIRA, 2011), que atua numa perspectiva reprodutivista (BOURDIEU e PASSERON, 1974), contribuindo para a exclusão, passividade, alienação e posturas acríticas. Por outro lado, a prática realizada a partir de proposições de vivências que integram diferentes áreas do conhecimento científico, sem perder o contato 169


| Maylta dos Anjos (Org.) | com os saberes trazidos pelos alunos, estimulando a dialogicidade e a participação efetiva, atua em uma perspectiva humanizadora e emancipatória, transgredindo e transcendendo os efeitos da disciplinarização (GALLO, 2000). Tudo isso é corroborado por Freire (2005, p. 103-104), ao afirmar que “ao terem consciência de sua atividade e do mundo que estão (...), os homens, ao contrário do animal, não somente vivem, mas existem, e sua existência é histórica”.

Considerações Esse trabalho se articula com o compromisso ético e social para uma escola que privilegie a democratização dos conhecimentos científicos e artísticos, valorizando a participação desses sujeitos que encontram razões diárias para retornar à escola. O campo de atuação da EJA ainda oferece muitas questões a serem investigadas. É preciso cultivar a resiliência em seu duplo sentido – resistência e superação, assim como elasticidade, para continuar investindo em pesquisas e aprofundamento do fazer pedagógico, que trarão referenciais para a militância coletiva e plural. O trabalho apresentado é fruto das interlocuções entre as reflexões sobre este campo de pesquisa – a EJA – e as contribuições do Grupo de Pesquisa CAFE (Ciência, Arte, Formação e Ensino) do IFRJ – campus Nilópolis. Este grupo de educadores vem consolidando o espaço da pesquisa como espaço de compartilhamento, aprofundamento e diálogo. As interações que vivenciamos são estímulos para a reflexão de nossa ação educativa como professores e pesquisadores, buscando elucidar, a cada dia mais, as intencionalidades do trabalho pedagógico e acadêmico. Alarcão (2011), ao defender que a rápida evolução dos conhecimentos deve estar atrelada à rápida evolução das necessidades da sociedade, afirma que “o conhecimento tornou-se e tem de ser um bem comum. A aprendizagem ao longo da vida, um direito e uma necessidade” (ibid, p.17). E assim nos incentiva a buscar permanentemente sítios de formação e inspiração, para mantermos aquecidas nossas formas de atuação no mundo e na educação. Os itinerários formativos de professores e alunos precisam fazer sentido, trazer significados para a vida pessoal e coletiva em seus espaços de relação profissional e social. A apropriação dos conhecimentos pode modificar a visão e a forma de atuar no mundo. Desenvolver esta compreensão, reforça a importância de participação em espaços de formação em interação com os pares, 170


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | sejam os alunos em cooperação com outros alunos e professores, sejam os professores, na busca pela ampliação dos saberes, inserindo-se em cursos de qualificação, ou em um grupo de pesquisa como o que temos a oportunidade de participar.

Referências ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. 12ª. ed. Campinas, São Paulo: Papirus. (Série Prática Pedagógica). ALARCÃO, I. Escola Reflexiva e Nova Racionalidade. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001. ________. Professores Reflexivos em uma Escola Reflexiva. São Paulo: Cortez, 2011. BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1974. BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CEB nº11. Brasília: MEC, 2000. ________. Marco de Referência da Educação Popular para as políticas públicas. Brasília: Secretaria Nacional de Assistência Social, 2014. CANEN, A. Refletindo sobre currículo e diversidade cultural. Currículo e Conhecimento Escolar: um olhar histórico-cultural. Rio de Janeiro: SME, nov. 2003. CORSINO, P. Entre Ciência, Arte e Vida: a didática como ato responsivo. Educação & Realidade. Porto Alegre, v. 40, n. 2, p. 399-419, jun. 2015. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS – Versão popular de Frei Beto. Disponível em: http://www.dhnet.org.br. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017. ________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. GALLO, S. Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar. O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. IVENICKI, A. CANEN, A. Metodologia da Pesquisa – rompendo fronteiras curriculares. Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna, 2016. PINNEGAR, S.; DAYNES, J. G. Locating narrative inquiry historically. In: CLANDININ, D. J. Handbook of narrative inquiriy: mapping a methodology. Thousand Oaks, London, New Delhi: Sage, 2007.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | PAULA, C. OLIVEIRA, M. Educação de Jovens e Adultos: a educação ao longo da vida. Curitiba: Ibpex, 2011. POLKINGHORNE, D. E. Narrative configuration in qualitative analysis. Qualitative Studies in Education, v. 8, n. 1, p. 5-23, 1995. POLLAK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n.3, p.3-15, 1989. ________. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, p. 200-212, 1992. SANTOS, S.; COSTA, P.; FERREIRA, D. A Formação de professores pesquisadoresreflexivos: efeitos possíveis sobre a práxis pedagógica. Revista Carioca de Educação Pública. Rio de Janeiro, v.2, n.3, p. 14-29, jun/set 2017.

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Eu quero desaprender para aprender de novo. Raspar as tintas com que me pintaram. Desencaixotar emoções, recuperar sentidos. Rubem Alves


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM UMA ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ACERCA DA CATEGORIA TRABALHO Aline de Fátima Santos Câmara Cooper Maylta Brandão dos Anjos

Introdução Apesar das tentativas de diminuição e dos esforços investidos por vários governos, a baixa escolaridade e o não letramento ainda persistem em grande parte da população brasileira e se impõem como um grande desafio a ser enfrentado para possibilitar, minimamente, a inclusão de grande parcela da sociedade, que de uma forma ou de outra não entrou ou nem completou o primeiro ciclo escolar e necessita do trabalho para se sustentar. Essa pesquisa busca estudar sujeitos que fazem parte dessa categoria educativa ligada à formação de jovens e adultos (EJA), tendo em vista que a precariedade na formação escolar desse grupo de indivíduos deve ser mais estudada como objeto de políticas públicas, considerando cuidadosamente o tempo que os alunos dessa modalidade dedicam ao trabalho. Sendo assim, a presente comunicação tem como objetivo conhecer as representações sociais que alunos do programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) possuem acerca da concepção de “trabalho” e alguns outros conceitos a ele relacionados. O instrumental teórico ao qual recorremos para o entendimento dessa questão tem na psicologia social de Serge Moscovici (1978, 2009) e nos estudos sobre o mundo do trabalho de Ricardo Antunes (2000, 2011, 2013), os principais pilares para nossas reflexões, pois suas análises nos fazem entender o universo sociocultural e político no qual esses alunos estão inseridos e quais representações sociais constroem a partir das relações socio educacionais que vivenciam e estabelecem em seu cotidiano em relação à categoria “trabalho”. 174


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Segundo Moscovici (2009), as representações sociais mediam sujeitos e mundo, desta maneira, o universo do trabalho, por nós trazido à luz, não prescinde de análises e auxílios que ampliem o entendimento acerca da dinâmica da vida social e política, envolvendo os conceitos aqui analisados. Tal entendimento é que mobiliza os sujeitos envolvidos a perceberem melhor o mundo em que vivem e a se situarem dentro dele. As representações são características desse “sentir e perceber”, desse situar-se e também movimentar-se, nas tessituras dos ciclos da vida. As representações, como processo de análise, aguçam os pesquisadores a perceberem as relações, os sentimentos, os pensamentos, as percepções, a vontade e a constituição dos afetos que estão perpassados por uma condição de trabalho no contexto da vida humana e nos percalços ocasionados por ela. Objetivando perceber melhor as questões que envolvem as representações dos alunos dos programas da EJA (Educação de Jovens e Adultos) em relação à categoria trabalho, buscamos entender os sentidos e significados das respostas que os sujeitos da pesquisa nos deram às 15 perguntas abertas da pesquisa. Observamos, nesse interim, a representatividade de um universo que entrelaça os processos cognitivos da vida às questões concretas e materiais por via de uma mediação e inter-relação que ressaltam a subjetividade dos sujeitos num contexto de interação socioeducacional, que se destaca nas atividades de ensino-aprendizagem da EJA em relação ao trabalho. Moscovici (2009) contribui de forma primorosa para fundamentar a nossa investigação, porque a partir de sua leitura podemos conhecer um pouco mais a realidade da EJA, dialogando com os sujeitos que vivenciam esse formato de atendimento, numa complexa trama social relacionada ao mundo do trabalho, que envolvem jovens e adultos de baixa escolaridade. Em relação às representações sociais dos alunos da EJA sobre a categoria trabalho, observamos que os estudos ainda precisam ser ampliados, crescentes e resolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Há representações bem interessantes, como as que envolvem as diferenças entre “trabalho” e “emprego”, ou as que giram em torno da responsabilidade ambiental no exercício da atividade laboral. Tais representações são analisadas cuidadosamente, com base em todo o referencial teórico abordado.

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Contextualização teórica Para Kuenzer e Frigotto (1998), a concepção de “trabalho”, enquanto práxis humana, material e não material, que busca criar condições de existência, não se limita à produção de mercadorias e à produção de mais-valia, forma esta histórica específica que assume no capitalismo. Marx (1985, p.202 apud OLIVEIRA, 2006, P.77) define “trabalho” como: Uma atividade vital que expressa os poderes e capacidades do homem. O trabalho é um processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza [...] atuando, assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.

Em se tratando das relações no mundo do trabalho, dentro de um breve apanhado histórico, podemos dizer que, num contexto de crise, iniciada nos anos 70, a forma de produção então dominante, caracterizada pelo binômio taylorismo-fordismo, viu esgotar-se sua fórmula. Assim, os capitais de várias partes do mundo passaram a buscar novas formas de acumulação, mais ou menos diferenciadas do padrão de produção taylorista-fordista. E essas mutações, que também são significativas, afetaram muito profundamente o mundo do trabalho. O chamado “Toyotismo”, com surgimento no Japão, como um experimento do capital, avançou ainda mais profundamente, ao se apropriar do saber fazer intelectual do trabalho, envolvendo o trabalhador nesse processo. Neste modelo, deu-se ao trabalhador a aparência de que este efetivamente dispunha de autonomia para pensar no que é melhor para a empresa, com atrativos como: emprego vitalício, ganhos por produtividade, participação no processo produtivo, criação de células produtivas, círculos de controle de qualidade e uma série de outras transformações. A partir dos anos 80, o Ocidente incorpora tanto o ideário, quanto elementos da pragmática toyotista, criando o universo das chamadas empresas flexíveis, empresas enxutas, que impregnam a práxis da empresa capitalista dos nossos dias, resultando num enorme processo de precarização dos direitos do trabalho (ANTUNES, 2013). Segundo Santos (2010), o trabalho como categoria fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social leva à sua autocriação e reprodução ampliada, à explicitação e ao desenvolvimento das capacidades e à diversificação de 176


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | esferas do ser social. Contudo, no sistema capitalista o trabalho adquire status central. Devido a tal centralidade, os indivíduos são unidimensionalizados, exteriorizados de seu conteúdo humano, reduzidos a meros trabalhadores e, paradoxalmente, perdem o sentido da produção, sendo submetidos a uma dinâmica estranhada. A produção fica, desse modo, limitada à expansão infinita do valor, do capital, enfim, expropriação ilimitada de trabalho alheio. Ao se buscar uma definição para a categoria trabalho, nota-se que, por ser um conceito aberto, esta possui elementos externos e internos que se comungam para sua definição. Alguns desses elementos podem nos servir com um panorama, atendendo ao momento histórico e cultural no qual eles estejam inseridos, do modo como o trabalho está organizado, a forma como as relações de produção estão instituídas e dinamizadas, como o consumo se estrutura, como a distribuição das riquezas é realizada em certa época e certo lugar. A EJA emerge de lacunas do sistema educacional regular (escolarização) e envolve um conjunto muito diverso de processos e práticas formais e informais relacionadas à aquisição ou ampliação de conhecimentos básicos, de competências técnicas e profissionais ou de habilidades socioculturais. No Brasil, duas fortes argumentações sustentam políticas voltadas à educação e à formação profissional de jovens e adultos: as exigências da sociedade do conhecimento e a importância da coesão social. Tais políticas subordinam-se às características e demandas do padrão de acumulação flexível, que conferem particularidades à oferta de oportunidades educacionais aos trabalhadores que permanecem vitimados pelas engrenagens do processo de concentração de riquezas. Em realidade, o acesso a certificações de escolaridade, hipocritamente defendido pelo poder público, acaba por legitimar simulacros de educação, enraizados numa lógica compensatória. Em detrimento do efetivo acesso universal ao conhecimento, as políticas públicas, ao longo do tempo, têm aprofundado e legitimado desigualdades, sob a aparente democratização de oportunidades. Tal observação se faz presente quando analisamos as inúmeras maneiras de manutenção do quadro de privatização do conhecimento associadas aos processos de divisão social do trabalho vigentes (RUMMERT & ALVES, 2010, p. 515).

Em se tratando do surgimento das teorias de Representação Social, destacamos que o primeiro teórico a relacionar representações sociais a “representações coletivas” foi Émile Durkheim. Segundo este autor, o pensamento individual seria um fenômeno puramente psíquico, mas que não se reduziria 177


| Maylta dos Anjos (Org.) | à atividade cerebral, e o pensamento social não se resumiria à soma dos pensamentos individuais (MOSCOVICI, 1978, p. 25). Durkheim ligou o estudo das representações individuais ao domínio da psicologia e, o estudo das representações coletivas, ao da sociologia. Tal diferenciação se devia à crença, por parte desse teórico, de que as leis que explicavam os fenômenos sociais eram diferentes das leis que explicavam os fenômenos individuais. Já Moscovici (1978) defende que a representação social deve ser apreciada “tanto na medida em que ela possui uma contextura psicológica autônoma como na medida em que é própria de nossa sociedade e de nossa cultura” (MOSCOVICI, 1978, p. 45). Desse modo, a Teoria das Representações Sociais proposta pelo psicólogo social francês Serge Moscovici se baseia na inter-relação entre sujeito e objeto e como se dá o processo de construção do conhecimento, ao mesmo tempo individual e coletivo na construção das Representações Sociais, um conhecimento de senso comum. De acordo com Moscovici (1978, p. 41), as relações sociais que estabelecemos no cotidiano veem de representações que são facilmente apreendidas. Assim, a Representação Social, para o autor, possui uma dupla dimensão, Sujeito e Sociedade, e situa-se na área limítrofe, que permeia conceitos sociológicos e psicológicos (CRUZOÉ, 2004). Como um dos mais fortes aportes de nossas discussões e análises, Moscovici interessou-se por estudar as dimensões culturais e históricas dos processos mentais para perceber o mundo dentro das suas significações. Por conta disso, analisou o que estava subjacente ao comportamento por meio de pesquisas que trabalhavam e alargavam dinâmicas da esfera biopsicossocial. Para este autor, o indivíduo é sujeito ativo e se emancipa, se torna autônomo e construtor da sua história, capaz de produzir conhecimento sobre a realidade e agir sobre ela, ao mesmo tempo em que é influenciado por ela. Isso porque as relações não são estanques e seguem uma ordem dinâmica e mutatória. Nas várias maneiras diferenciadas através das quais a humanidade produz conhecimento, uma delas se traduz por representações que buscam encontrar respostas para as questões que implicam suas reflexões a partir das relações internas e externas com o mundo, ou seja, com o meio social e todos os seus contrastes históricos e culturais.

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Metodologia Como o estudo aqui investido tem por meta compreender que representações sociais são construídas em um grupo de 29 alunos da Educação de Jovens e Adultos – EJA sobre a categoria trabalho, nos servimos da Teoria das Representações Sociais de Moscovici e Ricardo Antunes como principais referenciais teórico-metodológicos. Desenvolvendo uma pesquisa de cunho qualitativo, buscamos nesse aporte os aspectos metodológicos de análise que nos permitissem uma variância de pluralidade dos aspectos e dimensões constituintes da relação ensino -trabalho. Para tanto, uma livre interpretação das respostas, nos deixou mais fortalecidos em trazer Moscovici que nos leva a perceber esses caleidoscópios de sentimentos, significados e representações que estão contidas ao longo das respostas às 15 perguntas que fizemos aos nossos sujeitos da pesquisa. Ao elaborar as perguntas aos sujeitos, buscamos captar as principais nuances a respeito das relações destes com o mundo do trabalho, presentes nas concepções e posicionamentos cotidianos por eles apresentados, relacionando tais dados aos principais aspectos da teoria das representações sociais. Visamos analisar como as dimensões da EJA ampliam as representações sociais e políticas dos jovens e adultos, aguçando as percepções sobre a realidade do trabalho. Trata-se de um estudo de realidade envolvendo a EJA e a mais genuína participação dos sujeitos. As representações sociais foram apreendidas, também, por meio de observações e interações com esses sujeitos enquanto alunos durante as aulas decorridas no período. A EJA é uma modalidade da Educação Básica que, no Brasil, desde o ano 2000, passou a ser regida por um parecer da Câmara de Educação Básica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA (RESOLUÇÃO Nº. 1/2000, 2000). A referida modalidade, bem como os ciclos de formação e as classes de aceleração, são esforços para a diminuição da repetência, da reprovação e da evasão, que aprofundam a distorção idade/série. Contudo, diferentemente das classes de aceleração, a EJA se caracteriza como uma categoria organizacional da educação nacional com finalidades e funções específicas, trazidas pelas diretrizes curriculares e pelo parecer (CURY, 2002). Destaca-se que, no município do Rio de Janeiro, funciona no Programa de Educação de Jovens e Adultos (PEJA) como uma política pública do Sistema 179


| Maylta dos Anjos (Org.) | Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, na etapa do Ensino Fundamental – anos iniciais e finais. A Educação de Jovens e Adultos na Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro foi implantada a partir de 1985, como parte do Programa Especial de Educação – PEE, elaborado sob a coordenação de Darcy Ribeiro. Destinava-se ao atendimento de jovens das classes populares, egressos do ensino regular, na faixa etária de 15 a 20 anos (FÁVERO; ANDRADE & BRENNER, 2007, p. 82). Os alunos da EJA trazem para as salas de aula experiências de vida, vivências profissionais, histórias escolares e aprendizagens levadas em conta na construção de uma proposta pedagógica que respeite as particularidades e necessidades desse público. A grade curricular do PEJA, no município do Rio de Janeiro, está estruturada em duas etapas – PEJA I, referente à primeira fase do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), e PEJA II, referente à segunda (6º ao 9º ano). Ambas estão organizadas em dois blocos de aprendizagem, com duração média de um ano cada, perfazendo um total de quatro anos para quem começa do zero. Com alunos já imersos ou buscando acesso no mercado de trabalho, formal ou informal, sujeito às suas mais complexas relações, podemos obter aspectos relevantes quanto às representações sociais diversas no que se concerne ao mundo do trabalho. Assim, a presente pesquisa se desenrolou em uma escola da rede municipal de ensino da cidade do Rio de janeiro, entre maio e agosto de 2018. Participaram 29 alunos de diferentes etapas do Peja II, com alguma relação anterior ou presente com o mundo do trabalho, estando ou não empregados. A participação foi voluntária e os alunos escreveram suas respostas nos próprios questionários, sendo estas, posteriormente, digitalizadas e analisadas. Foram utilizados questionários com 15 perguntas abertas, buscando aspectos básicos referentes às concepções em torno do mundo do trabalho.

Resultados Nesta parte da comunicação, buscaremos expor a grande maioria das respostas obtidas junto aos discentes envolvidos na pesquisa, bem como as questões abertas utilizadas e suas respectivas análises à luz do referencial teórico utilizado. Segundo a tabela 1, que trata das concepções dos alunos sobre “trabalho”, observamos que as repostas caminham entre várias concepções que se 180


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | identificam, se por um lado ao constructo religioso/moral (divindade, dignidade, edificação, auxílio ao próximo...) por outro, aponta a materialidade e a necessidade dele como trabalho econômico (sobrevivência, sustento, lucro, necessidade, conquista...). Dois alunos responderam simplesmente “ bom” e seis não responderam. Assim, temos clara uma representação de conflito teórico em suas representações, mas que se coadunam no campo. É interessante destacar que Moscovici nos faz ter maior atenção com relação ao conhecimento cotidiano (percepção e observação), mostrando como este transforma nossas ações e concepções. Ele ousou compreender o “poder das ideias” das minorias ativas, o modo como os homens persuadem e influenciam uns aos outros pela comunicação (Santos, 2010). Desta maneira, o meio sociocultural acaba por reverberar as ideias, concepções, crenças e valores dos que nele se encontram. Respostas dadas à primeira questão O QUE VOCÊ ENTENDE POR “TRABALHO”?

- Trabalho é o esforço feito por pessoas para atingir uma meta. - É qualquer atividade física ou intelectual realizada por um ser humano com o objetivo de ganhar algum lucro. - O meio de melhorar de vida. - Que é preciso para conquistar seus objetivos. - Ser pago para exercer certa função na empresa. - É nosso sustento. - Que o trabalho é digno. - Uma necessidade. - Vivo dele e contribuo para a sociedade. É nosso sustento. - Trabalho é o que movimenta o país. - O trabalho é a ocupação de uma pessoa, para alcançar um poder aquisitivo maior. - Entendo que, quando trabalho, estou ajudando meu próximo. - O trabalho edifica as pessoas. - Trabalho é uma forma de levar o pão de cada dia para casa. - De onde vem o meu sustento. - Eu entendo que é uma forma melhor para se manter. - Trabalho é digno e nos enobrece. - É muito bom trabalhar. Eu gosto de trabalhar. - Trabalho é um conjunto de atividades realizadas, é esforço feito por indivíduos, com o objetivo de atingir uma meta. - Porque é digno. - Não entendo muita coisa. Para mim, trabalho é uma coisa mais esforçada, mais braçal.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | A segunda questão “Por que você trabalha? ” Buscou identificar possíveis representações sobre a questão do valor do trabalho e de sua real necessidade para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e, geralmente, seus familiares. A Tabela 2 nos indica as respostas à tal questão. Respostas dadas à segunda questão POR QUE VOCÊ TRABALHA?

- Para ajudar meu irmão. - Eu trabalho porque estou ajudando minha família. - Para conquistar meus objetivos. - Para ajudar meus pais. - Eu preciso. - Para ter uma vida melhor e dar uma vida melhor para meus filhos. - Para sustentar minha família. - Trabalho para sustentar a mim e a minha família. - Porque tenho compromissos. - Preciso do dinheiro para sobreviver. - Porque eu gosto de trabalhar e ajudar em casa. - Porque precisa e gosto de minha independência financeira. - Para ajudar minha família financeiramente. - Para obter meus objetivos. - Preciso. - Porque o trabalho me faz digna de ter tudo que eu preciso para viver melhor. - Para ter uma qualidade de vida melhor. - Construindo casa. - Porque o trabalho nos dá autoestima e nos propõe necessidades, uma alimentação diversificada. - Porque eu trabalho para ter meu dinheiro e ajudar em casa. - Eu trabalho para ajudar em casa. - Porque sem trabalho o homem não consegue se conciliar a sociedade e outras coisas mais. - Para dar uma vida melhor à minha família. - Para me manter e manter meus filhos. - Por necessidade e cumprimento de meus deveres. - Para me manter e a minha casa. - Para investir nos meus estudos (curso, faculdade). - Trabalho para sustentar minha família. - Trabalho para me sustentar.

Observamos que maioria das respostas se relaciona à necessidade do trabalho como possibilidade de partilha coletiva com a família, manutenção pessoal e melhoria de vida. Duas respostas foram muito diretas: “preciso”, mostrando a questão da necessidade se configurando e, talvez, demonstrando 182


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | uma insatisfação com a atividade empreendida e a permanência nesta por falta de opção ou formação, para exercer uma atividade laboral mais prazerosa, mais valorizada socialmente etc. A análise estatística das respostas de terceira questão, relacionada ao número de horas trabalhadas diariamente pelos sujeitos (Gráfico 1), nos mostra claramente que a carga de horas trabalhadas citadas pelos alunos, muitas vezes ultrapassa as oito horas diárias, tidas normalmente como máximas em condições normais de trabalho, segundo a nova CLT (Lei nº 13.467/2017, 2017). Há dois sujeitos que ao responderem “24 horas”, assinalam o modelo de vida contemporânea, baseado na tecnologia virtual e “emocional” do trabalho que nos acompanha de forma contínua, com uso da internet, pelo aparelho celular e outros meios. Na nova CLT de 2017, Seção II, sobre a jornada de trabalho, o artigo 58 nos indica que a duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite. Tal artigo é ambíguo e permite interpretações errôneas. Os limites diferenciados de horários dizem respeito a acordos envolvendo plantões, dias alternados de trabalho, rodízios etc. O problema é que muitos empregadores poderão se valer de tal brecha pra impor números desumanos de horas diárias de trabalho, muitas vezes, a semana inteira, não deixando os trabalhadores com tempo para a convivência familiar-social, o lazer e o seu devido descanso. Alguns alunos complementaram suas respostas, indicando insatisfação quanto ao número elevado de horas de trabalho a que estão sujeitos durante a semana, que os leva quase à exaustão e atrapalha o seu rendimento junto ao cotidiano escolar. Tais trabalhadores saem prejudicados em dobro: possuem um tempo muito mais reduzido que o normal para se dedicarem aos estudos e, além disso, sua exaustiva rotina laboral os impedem de alcançarem melhores resultados em suas incursões escolares, por esgotamento físico e mental. A terceira pergunta é diretamente relacionada à quarta pergunta. A terceira: “ Você acha que trabalha um número de horas ideal? Explique”. A grande maioria dos alunos participantes do estudo respondeu que sim, explicando que conseguem equilibrar a “satisfação” dos empregadores com seu trabalho e a satisfação própria, pois ainda lhes sobra um pouco de tempo para os estudos. Raros são os alunos que possuem consciência de que o número excessivo de horas trabalhadas representa a exploração do capital. Vimos uma das falas relacionar trabalho e produtividade: “Trabalhar muito faz as pessoas produzirem menos. Uma pessoa que trabalha descansada produz mais. ” 183


Número de horas trabalhadas diárias | Maylta dos Anjos (Org.) | Número de horas trabalhadas diárias

Número de horas de trabalho (por dia) De 4 a 6

De 7 a 8

Mais de 8

20%

Mais de 12

30%

30%

20%

Outros aspectos ligados ao trabalho que também podem ser fonte de interessantes representações giram em torno da remuneração. A mídia, a cultura excessivamente consumista imposta pelo capitalismo, o enorme valor dado às materialidades e ao status, nos levam a um campo repleto de apelos de mercado, com suas mais diversas representações. Neste âmbito, a quinta questão pergunta se o trabalhador acredita ser bem remunerado pela atividade que realiza. Ao falarem de suas remunerações, muito é omitido da relação trabalho x salários, dentro das relações trabalhistas. Ainda que o “bem remunerado” possa conduzir a uma certa resposta, vemos dois sujeitos relativizando as suas. Talvez nessas respostas possam estar escondidos elementos de uma subjetividade e questionamento do que seja “bem”, ou mesmo possa relativizar o trabalho com a força empregada nele e o retorno, material, revertido por ele. A grande maioria dos alunos se diz satisfeito com a própria remuneração por esta, mesmo que ainda deficitária, ser melhor que a de muitos que os cercam. A fala de um dos alunos é contundente: ” Chego a ganhar mais que um salário mínimo nacional”, pois o salário mínimo passou a representar, mesmo que absurdamente insuficiente para manter níveis básicos de qualidade de vida de um cidadão, um patamar remuneratório aceitável no país. A sexta pergunta levantou dados sobre a idade na qual os alunos iniciaram atividades laborais (Gráfico 2.).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos |

Média de idade do início da vida laboral

Média de idade do início da vida laboral

Idade em que começou a trabalhar ENTRE 18 E 21

ENTRE 16 E 18

COM MENOS DE 16 0

5

10

15

20

Aqui verificamos que a enorme maioria iniciou sua atuação no mercado de trabalho antes dos 16 anos, alguns chegaram a sinalizar que tal iniciação se deu via mercado informal. Desta forma, é pertinente confrontarmos essa realidade com as questões a ela relacionadas na legislação, iniciando-se pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (LEI Nº 8.069, 1990). Legislação constituída em 13 de julho de 1990, o ECA é um marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Brasil. Dividido em dois livros, o estatuto trata da proteção dos direitos fundamentais à pessoa em desenvolvimento e também dos órgãos e procedimentos protetivos, como os de adoção, a aplicação de medidas socioeducativas do Conselho Tutelar e também os crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Segundo o referido estatuto, é considerada criança a pessoa com idade inferior a 12 anos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos. No documento, em seu Capítulo V , que trata do Direito à Profissionalização e à Proteção no Trabalho, no artigo 60, temos: “ É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz” (LEI Nº 8.069, 1990), com especificidades dadas pela Constituição Federal de 1988 (CONSTITUIÇÃO, 1988). A Constituição Federal Brasileira de 1988 é o primeiro instrumento legal que assegura a proteção da criança. Segundo ela, a proteção da infância e a garantia de seus direitos são “prioridade absoluta” do Estado e também da própria família e da sociedade o proibir o trabalho aos menores de 16 anos, 185


| Maylta dos Anjos (Org.) | a Constituição da República de 1988 ressalvou a possibilidade de ingresso no mercado de trabalho na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA,1988). Três principais convenções internacionais também determinam as fronteiras jurídicas do trabalho infantil e fornecem as bases para as ações nacionais e internacionais para o seu combate. São elas: Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC) e a Convenção nº 182 e a Convenção nº 138 da OIT (1973) – esta última estipula a idade mínima de 15 anos para admissão ao trabalho. Em 1989, a Assembleia Geral da ONU aprovou o texto da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que especifica o direito da criança de ser protegida contra a exploração econômica e de trabalho perigoso, além da abstenção de qualquer pessoa com menos de 15 anos para as forças armadas. Já a Convenção 182, da OIT, aprovada em 1999, é sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação. Desta forma, vemos que, por necessidade de subsistência, muitos dos envolvidos na pesquisa foram submetidos ao trabalho precocemente, de forma ilegal e, curiosamente, notamos dentre os que se encontram neste grupo uma fala curiosa:“ Iniciei no informal com 13 e formal com 18”, indicando que possivelmente, trabalhos informais levam a representações distorcidas, isentas de legalidade, mas aceitáveis, diante da necessidade. As respostas da sétima pergunta encontram-se na sequência.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Respostas da pergunta sete HÁ DIFERENÇA ENTRE “TRABALHO” E “EMPREGO”?

- Trabalho é como fosse trabalho em obra. - Sim, o emprego é fixo e o trabalho é quebra-galho. - Trabalho porque tenho carteira assinada. - Trabalho seria qualquer fornecimento de mão de obra sem estar garantido pela CLT. Emprego é quando você está de carteira assinada. - Trabalho é uma coisa mais esforçada, e tem hora que pode ser formal ou informal e não é bem remunerado. O emprego já é com formação ou algo assim. - Trabalho está ligado a objetivos. Emprego é simplesmente uma forma de conseguir renda. - O trabalho nos dá benefícios. - Sim, trabalho é tranquilo, agora, o emprego é um esforço. - Trabalho você sua para ganhar. Emprego você está em um bom lugar e não fica embaixo do Sol. Você estuda para ter um bom emprego. - Trabalho: tudo que você faz por dinheiro; emprego: certeza de um dinheiro certo. - Sim, hoje tenho um trabalho onde completo o orçamento doméstico. - A diferença em trabalho e que o trabalho não é de carteira assinada e emprego é de carteira assinada. - Sim, trabalhar é tipo freelance e emprego já é mais garantido. - Com certeza. - Qualquer “trabalho” e “função”. Emprego de carteira assinada. - Não vejo diferença. - Bom, trabalho é um trabalho mais esforçado, emprego não. - Trabalho está ligado a objetivos e realizações. Emprego é simplesmente uma forma de conseguir renda.

Nove sujeitos da pesquisa disseram apenas “sim” e dois sujeitos não responderam. A representação social que os alunos possuem de trabalho diferencia-se muito da concepção formada acerca do emprego. Somente um dos sujeitos assinalou não haver diferença entre os dois. Os que indicaram diferenças entre essas duas categorias, pontuaram o emprego dentro da formalidade e o reconhecimento ou proteção e garantias promovidas pela CLT. Apontam emprego de forma protocolar. Vemos que eles percebem de forma muito desigual aquilo que possui semelhanças. Em Marx podemos compreender que a noção de trabalho não se limita apenas ao fator “emprego”, ele se prolonga em outras subcategorias que aparecem nas falas dos sujeitos. De uma forma mais lato-sensu, o trabalho classificado a partir de Marx pode ser definido como “qualquer atividade/ação intencional que exija esforço físico e mental, a fim de se obter um resultado a partir do estabelecimento de um objetivo”. Por sua vez, o “emprego seria a aplicação do trabalho 187


| Maylta dos Anjos (Org.) | na execução de atividade fabril, comercial ou agrícola, visando uma remuneração advinda da venda da força de trabalho”. Vemos segundo Colli (2000, p.114) que: Trabalho social hoje, complexificado, socialmente combinado e intensificado nos seus ritmos e processos, se coloca como esfera central da sociedade enquanto processo que cria valor. E, ainda que o trabalho vivo esteja diminuindo, através da redução de seu tempo físico e do trabalho manual direto, há a necessidade de contínua recorrência do capital a formas de trabalho precarizadas e intensificadas, também em países desenvolvidos, o que denota uma verdadeira superexploração do trabalho, elemento este vital para a realização do ciclo produtivo do capital. A centralidade do trabalho se faz enquanto elemento fundante e estruturante do processo de sociabilização humana, dotando a vida de sentido e realização [...].

As questões 8 e 9 são relacionadas entre si, sendo a primeira, “ Quem é seu patrão/chefe? ”, e a segunda, “ Seu chefe também trabalha? ”. Ambas buscavam as possíveis representações sobre chefia e seu papel na relação laboral. A primeira pergunta obteve as respostas mais variadas, desde nomes dos empregadores, nomes de empresas e de familiares, até nomes dos próprios alunos. Todos apresentaram uma referência de chefia. Já a pergunta nove, obteve resposta positiva da grande maioria. Destacase a seguinte fala: “Sim, quando o bicho pega, ela cai para dentro junto com a gente. ”. Tais dados mostram muitas vezes uma referência a uma chefia imediata parceira e também explorada. As novas dinâmicas do mercado de trabalho e o momento de recessão econômica traduz no grande número de respostas apontando para o grande aumento de autônomos no mercado de trabalho. Esse fato é pontuado em Antunes (2011) quando este afirma que estamos vivenciando a erosão do trabalho contratado e regulamentado, dominante no século XX, e vendo sua substituição pelas diversas formas de “empreendedorismo”, “cooperativismo”, “trabalho voluntário” etc. É nesse quadro, caracterizado por um processo tendencial de precarização estrutural do trabalho, em amplitude ainda maior, que os capitais globais estão ansiosos também pelo desmonte da legislação social protetora do trabalho. Flexibilizar essa legislação social significa aumentar ainda mais os mecanismos de exploração sobre o trabalho, ampliando as formas de precarização e destruição dos direitos sociais que foram arduamente conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial. 188


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Na grande parte das respostas, o trabalhador exerce suas atividades laborais nos mesmos lugares que suas chefias imediatas. Muitas vezes não conhecem o real empregador, empresário, que se limita a administrar à distância os lucros provenientes da mais-valia, em alguns casos, estando até mesmo em outros países. Um outro conjunto de questões relaciona a de número 10 e a de número 11. Na questão 10, pergunta-se sobre a possibilidade de o aluno ter o desejo de exercer outra função laboral e pede especificação. A questão 11 inquire sobre o atual trabalho do aluno. No que concerne às respostas da questão 10, os alunos citam funções tais como, policial militar, cozinheiro, bombeiro hidráulico, técnico em química, farmacêutico, segurança, padeiro, nutricionista, mecânico etc. Observamos pelas respostas que a precarização do trabalho os leva a desejar, na grande parte dos alunos, somente profissões que estão no seu círculo de influência. Esse fato aponta as representações que se localizam nas contratações do trabalho fixo e temporário, já que alguns apontaram essa atividade. Vimos também que a baixa oferta de empregos atual causa cada vez mais a competitividade, o individualismo e a frustração. Ao apontarem o trabalho que exercem, em resposta à questão 11, vemos fuma grande quantidade de trabalhos autônomos. As condições desse trabalho são importantes para os sujeitos porque para esses jovens e adultos, estão cada vez mais difíceis de serem garantidos o acesso ao trabalho celetista. O contexto de trabalho no qual o jovem e o adulto se inserem potencializa os efeitos negativos do trabalho informal. As perguntas 12 e 13 tratam das concepções acerca da organização de trabalhadores em suas representações, sindicatos ou órgãos de classe. A questão 12 pergunta se os trabalhadores consultados saberiam dizer o que é um sindicato. Grande parte respondeu positivamente á pergunta, porém, ao tentarem explicar o conceito requerido, muitas vezes o fizeram de forma errônea, confusa ou incompleta, como na seguinte fala: “Se eu estiver certo, é grupo de pessoas”. A discussão sobre o trabalho e sindicatos ainda que tome maior proporção nacional, não é amplamente conhecido é percebido pelos nossos sujeitos. Nesse caso, podemos remeter às respostas anteriores em que a maioria estão em atividades trabalhistas de forma autônoma. Esse caso ganha atenção especial na sociedade brasileira e em instituições internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) que defende a proteção do trabalho do jovem 189


| Maylta dos Anjos (Org.) | e do adulto, a sua escolarização como aumento de oportunidades no mercado, incentivo econômico para trabalhadores que ainda não foram absorvidos no mundo do trabalho, para assim evitar que as famílias sofram pela precariedade de oferta ao trabalho. Quanto à questão 13, vinte e um participantes afirmaram não fazer parte de associações de trabalhadores ou sindicatos. Três deles não sabiam dizer do que se tratava a questão. A categoria “trabalho” requer remuneração e cumprimento de direitos e o sindicato, como uma das entidades de proteção que lutam por esses aspectos, não é muito conhecido e nem valorizado pelos sujeitos. As representações sobre os sindicatos, dos que demonstram algum conhecimento sobre estas entidades, giram em torno da concepção de um grupo de trabalhadores que luta pelo cumprimento da legislação trabalhista e por melhorias nas condições de trabalho. É um grupo de luta e confronto. Finalmente, o último bloco de perguntas, 14 e 15, procurava saber se os alunos tinham noção dos impactos sociais e ambientais de sua atividade laboral. Na pergunta 14, “O seu trabalho tem impactos sobre o meio ambiente? ”, uma fala chamou a atenção: “ Sim. Existe muita corrupção, inclusive com o pessoal do meio ambiente que são pagos...”. Tal resposta retrata como a representação do meio ambiente muitas vezes está ligada algo separado dos seres humanos, tão separado que sua destruição não causa revolta por conta de uma cultura na qual a corrupção de órgãos de fiscalização já seria algo institucionalizado. O trabalhador acha natural os possíveis crimes ambientais, diante de representações culturalmente difundidas de que o esperto é o que tira vantagem, dando o famoso “jeitinho brasileiro”. Quando quinze sujeitos assinalam que suas atividades não possuem impacto no meio ambiente. Temos demonstrado o quanto falta para que as populações possam compreender a vida numa dimensão de interdependência, de que nossas ações, sobretudo relacionadas ao trabalho, são impactantes sob vários aspectos. As atividades humanas são, na sua grande parte, causadoras das grandes desarmonias ambientais, responsáveis por terem colocado em xeque um ambiente que possui limites na sua vida útil. Desta forma, o modelo de trabalho atual necessita ser revisto, dentro dessa nova perspectiva de relação de causa e efeito no que tange à ação antrópica. A última questão busca saber se o trabalho dos envolvidos tem impactos sobre as pessoas a sua volta. Dezessete alunos afirmaram que seu trabalho possui algum grau de influência nas pessoas que os cercam. 190


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A pesquisa ao se propor discutir a categoria trabalho, buscou localizá-la a partir de perspectivas históricas e sociais. Entretanto, ao irmos a campo, em unidades públicas onde se pratica a EJA, e considerando esses mesmos sujeitos, vimos pelas respostas que a visão fragmentada de trabalho e ambiente aparece de forma majoritária. O dilema das precariedades de formação cultural e escolar fica evidente em suas respostas, nas quais se destaca uma alta demanda por empregabilidade, formação e absorção no mercado de trabalho. Há tanta segmentação em suas respostas que muitos desconhecem a legislação que regulamenta o trabalho, ocasionando assim um corte no que está intrinsecamente ligado, como natureza, humanidade e trabalho.

Considerações A promoção da Educação de Jovens e Adultos é dever constitucional para que o desenvolvimento do Estado. À guisa de reflexão final desse breve artigo, podemos inferir que a representação acerca da categoria trabalho, produzida pelos sujeitos investigados, apresentam pontos que remetem a uma representação protocolar e justificada sobre a questão no mercado, seguindo para uma resignação ao modelo exploratório e excludente que se produziu, do que a construção de uma representação mais crítica e aprofundada dessa relação com dados de produção, distribuição e consumo. Além disso, não se pode refletir sobre a Educação de Jovens e Adultos sem relacioná-la diretamente à forma como a sociedade está estruturada. Os cursos de alfabetização de adultos existem, exatamente, pela falta objetiva de oportunidades educacionais que garantam às crianças o acesso à escola, bem como à sua permanência, como comprovam os altos índices de evasão e repetência nas estatísticas sociais A presença de uma visão política progressista distorcida e manipulada indiretamente pelo capital, que teve lugar no país na última década, tem conferido à educação escolar a formação do cidadão-trabalhador, centralizando o desenvolvimento socioeconômico na educação, retirando, portanto, dos órgãos governamentais as devidas incumbências junto às instituições e aos profissionais da área educacional. O progressivo descompromisso dos governos, aliado a devastadoras políticas neoliberais, fizeram do campo educacional mais um espaço para a prevalência da lógica do mercado econômico. Sendo assim, a educação se caracteriza 191


| Maylta dos Anjos (Org.) | como uma concepção produtivista, exigindo do “aluno” competências sociais e cognitivas que marcam um perfil profissional desejado pela sociedade. É dessa forma que a educação de jovens e adultos vem sendo dimensionada no contexto social (FRIEDRICH, BENITE, BENITE & PEREIRA, 2010). Não devemos deixar de mencionar que, no Brasil, os diferentes serviços prestados à coletividade no âmbito da educação escolar, dirigidos à formação geral e à formação profissional nas diferentes etapas e modalidades da educação básica e superior, “têm origem em momentos diversos e sua criação atendeu a imposições econômicas, políticas e ideológicas distintas” (BEISIEGEL, 2009, p. 57). Sob essa perspectiva, devemos então situar os movimentos e as políticas de educação de adultos e de formação profissional como expressão das relações do processo educativo com as estruturas de poder e dominação social (MORAES, 2013). No ramo de Trabalho e Educação, há a concordância de que a etapa de desenvolvimento capitalista marcada pela reestruturação produtiva determina uma nova proposta pedagógica de educação dos trabalhadores, articulando as capacidades de agir intelectualmente e pensar produtivamente. Segundo Kuenzer (1998), essa nova forma de entender a educação, que busca uma nova subjetividade, em processo de constituição histórica a partir das novas bases materiais da produção, fazendo ligação entre as práticas pedagógicas e as relações de trabalho, tem se colocado como grande desafio teórico e metodológico a ser enfrentado pela área de estudos relacionada ao Trabalho e à Educação. O trabalho, como categoria social, é representado como um valor equivalente ao estudo, como o que confere dignidade e dá honra aos sujeitos. Entretanto, para alcançarem a absorção no mundo do trabalho muitas etapas excludentes deverão ser vencidas. Entre elas a escolarização. É uma das tentativas derradeiras de superar algumas dessas demandas é a EJA. A realidade do desemprego é crescente e os raros que são oferecidos requerem pleno adaptar-se ao modo do mercado, na linha dos funcionários obedientes e sem perspectivas de autonomia profissional. Enquanto a escola regular e a EJA não se fizerem e se colocarem de forma crítica na leitura da categoria trabalho, a formação dos jovens e adultos permanecerá limitada, sobretudo no que se refere às representações construídas a partir da realidade, isso porque esses sujeitos não estão isolados do seu tempo e do seu modo de vida, sendo sujeitos ativos e passivos desse mesmo meio social e político, este último sempre em movimento e em mudança que reconstroem tempo e renovam as interações sociais. 192


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Esses dados estão de acordo com o que Antunes (2013), fala acerca das principais características do modelo taylorista de trabalho em que ocorre a centralização do poder, trabalho repetitivo e pagamento por produção. Esse modelo parece, ainda, permear as representações de trabalho, que, por sua vez, remetem às representações sociais diretamente ligadas ao conhecimento produzido no senso comum, que tem sua origem nas práticas sociais e diversidades grupais. Aspectos cognitivos vinculados à baixa leitura e escrita deficitária contribuem para fatores de cujo psicológico, como a formação de uma baixa autoestima nas dimensões da vida formativa. O processo de apropriação da escrita e da leitura de uma pessoa adulta está imbricado à sua vida objetiva e as representações quebras acerca dela, sendo assim, a categoria trabalho possui extrema importância nesse estudo, porque destaca a relação e as dinâmicas de interação nas classes da EJA, com as práticas pedagógicas. Moscovici nos auxilia a pensar esse contexto quando assinala que as representações sociais ocupam uma posição curiosa entre conceitos, que têm como seu objetivo, inferir qual sentido do mundo possuem os sujeitos por via de suas percepções, intuições e colocar-se e comover-se nos fatos e questões e é a partir daí, que novas ordens de percepções, compreensões e ressignificações vão reproduzir o mundo, sendo criado um novo contexto de vida, de uma forma significativa, inteligível e compreensiva.

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Todo conhecimento começa com o sonho. O sonho nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina, brota das profundezas do corpo, como a alegria brota das profundezas da terra. Como mestre só posso então lhe dizer uma coisa. Contem-me os seus sonhos para que sonhemos juntos. Rubem Alves


NARRATIVA DE UMA MULHER NEGRA EM AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL NOS DIAS ATUAIS Aline da Silva Carolina Barbosa dos Santos Stella Barbara Serodio Prestes

Introdução A desigualdade social no Brasil parece ter uma discussão que não tem fim. Para amenizar a situação meritocrática capitalista da educação, sendo esta movida pelo poder financeiro e não pelas virtudes que o indivíduo possui, o governo criou políticas de ações afirmativas tornando-se pioneira a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), por meio da Lei Estadual nº 3524/2000, modificou os critérios de acesso às universidades públicas estaduais introduzindo modificações nos critérios de acesso às mesmas, reservando 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas. No ano seguinte, em 2001, a Alerj aprovou a Lei nº 3.708 em que se destinava 40% das vagas a candidatos autodeclarados negros e pardos. É inegável que toda a população periférica sofre com diversos fatores sociais, sendo o que mais afeta o futuro, sem dúvida, é a educação. Primeiramente apresentamos um resumo sobre a política de cotas no Brasil e em seguida trazemos uma narrativa através de um relato de uma mulher negra, demonstrando que, assim como tantas outros, as mulheres lutam para que essas ações sejam bem sucedidas e cheguem a todo o público que busca uma educação de qualidade, visando não somente o ensino superior, mas todos os níveis da educação na comunidade escolar pública. 197


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Política de cotas no Brasil “O corpo negro é elemento central na reprodução de desigualdades. Está nos cárceres repletos, nas favelas e periferias designadas como moradias”. Marielle Franco

Vigente desde 2012 no Brasil, a Lei nº 12.711, conhecida como Lei de Cotas, garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. As demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência. A Lei de Cotas foi regulamentada através do Decreto nº 7.824/2012 que define as condições gerais de reservas de vagas, estabelece a sistemática de acompanhamento das reservas de vagas e a regra de transição para as instituições federais de educação superior. Para a aplicação da lei, a Portaria Normativa nº 18/2012, do Ministério da Educação (MEC), estabelece os conceitos básicos para aplicação dela e prevê as modalidades das reservas de vagas e as fórmulas para cálculo, fixa as condições para concorrer às vagas reservadas e estabelece a sistemática de preenchimento das vagas reservadas. A política de cotas para ingresso no ensino superior tem sido defendida e desqualificada por diversos setores da sociedade. Muito desse alarde surgiu pela falta de conhecimento de suas normas e condições de existência. Alguns acreditam que o ingresso às universidades públicas deveria ser apenas pela meritocracia. Mas como utilizar o mérito acadêmico numa sociedade injusta impregnada de desigualdade social e racial, em que nas avaliações e classificações para ingresso às universidades não se tem oportunidades sociais em níveis iguais quando às vezes elas não existem por falta de oportunidade? “Na cotidianidade, as pessoas são discriminadas pela sua cor, sua etnia, sua origem, seu sotaque, seu sexo e sua opção sexual. Quando se trata de fazer uma política pública de afirmação de direitos, nossa cor magicamente se desmancha. Mas, quando pretendemos obter um emprego, uma vaga na universidade ou, simplesmente, não ser constrangidos por arbitrariedades de todo tipo, nossa cor torna-se um fator crucial para a vantagem de alguns e desvantagens de outros. A população negra é discriminada porque grande parte dela é pobre, mas também pela cor da sua

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | pele. No Brasil, quase a metade da população é negra. E grande parte dela é pobre, discriminada e excluída. Isto não é uma mera coincidência” (UFMG, 2006?).

Quase a metade da população brasileira é negra. São descendentes de escravos que desde sempre vem são discriminados por sua cor e/ou pela sua classe social. Diversos artigos vêm sendo produzidos para discutir e mostrar que os alunos cotistas estão em posição igualitária, muito próximo e até mesmo superior, aos alunos não cotistas de classe média. Vide artigos da página eletrônica sobre inclusão social da UFMG67 e do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ 68 .

Relato “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados.” Makota Valdina

Mulher, negra, pobre, da zona norte que estudou sempre em rede pública de ensino. Qual seria seu destino? Trabalhar no Mc Donald’s, ser caixa de supermercado, trabalhar em casa de família, ser babá, faxineira… Sim e com muito orgulho. Mas não, ela quis ser professora. Professora primária? Talvez! Seu ensino médio foi debilitado e não poderia pagar uma faculdade particular, lembrou-se que há políticas educacionais que auxiliam quem estudou em escola pública a ingressar em uma universidade. Então, ela estudou em um cursinho pré-vestibular do governo através do Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ) e intensificou seus estudos, pois havia terminado o ensino médio há 11 anos e não se lembrava de muita coisa daquela época. A sua intenção era conseguir uma bolsa integral, de 100%, no famoso Programa Universidade Para Todos (PROUNI). 67 Site sobre inclusão social da UFMG: https://www.ufmg.br/inclusaosocial/ 68 Site do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ: https://lpp-uerj.org/

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Estudou e estudou… durante seis meses não viu a “cor da rua”, a não ser para ir trabalhar. Seus finais de semana eram enterrados nos livros, pois teria que recuperar o tempo perdido. Ao cursar formação de professores no ensino médio não teve, como esperado e descrito na ementa curricular, as matérias básicas como matemática, química, biologia e física. Então procurou aprender em tempo recorde para realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Estudando muito passou para Química no o cotista e o segundo lugar geral no Mestrado Acadêmico de Ensino de Ciências no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Biologia no CEDERJ e ganhou 100% de bolsa para cursar Biologia na Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO). Com isso acreditou no seu potencial e passou a crer que as políticas públicas eram ações que ajudaram essa mulher a ingressar no ensino superior. Sendo assim, com essas possibilidades, ela escolheu cursar Licenciatura em Biologia no CEDERJ para poder conciliar os horários da faculdade com os do trabalho. Quando estava no segundo período da graduação, conquistou uma vaga de cotista de escola pública na UFRJ para cursar Biologia com bolsa auxílio. Largou tudo, trabalho e CEDERJ, e apostou na universidade federal que tanto sonhou em cursar. Mas ter bolsa não quer dizer que pode-se ficar tranquilo para cursar a faculdade. Com o seu déficit escolar anterior, necessitou recuperar do atraso para se manter com notas equilibradas e buscar estágio para complementar a renda, pois a bolsa é uma ajuda e não custeia todas as necessidades de um aluno. Essa mulher também foi estagiária de Iniciação Científica no laboratório de microbiologia, fez extensão acadêmica no aquário marinho do Rio de Janeiro (AquaRio) e foi estagiária de Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) durante três anos e meio, aumentando seu encanto pelo magistério. Passados os cinco anos de graduação formou-se em Licenciatura em Ciências Biológicas e com os mesmos dilemas de recém formados fora do mercado de trabalho, como conseguir um emprego? Fazer concursos, distribuir currículos em instituições de ensino e não parar de estudar foram as opções imediatas. Mulher, negra, pobre, da zona norte, conquistou o primeiro lugar como cotista e o segundo lugar geral no Mestrado Acadêmico de Ensino de Ciências no IFRJ em 2018. Mas como funcionam as regras para se inscrever como cotista em um mestrado? Existe alguma vantagem? Tem direito a bolsa? Ainda há 200


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | muitas dúvidas das vantagens e desvantagens de ser um cotista. Esta mulher relatada, por exemplo, sofreu com algumas palavras mencionadas por professores, colegas de curso e na sociedade em geral. Mesmo sabendo e vivenciando todos os desafios, essa mulher fica de exemplo para muitos da capacidade do ser humano em sonhar, lutar, crer e comprovar que todos são capazes e merecedores de oportunidades, principalmente numa sociedade dividida em muitas classes sociais onde o negro, independente de sexo, morador de comunidade pobre, é discriminado por falta de oportunidade.

Algumas outras conquistas Os negros, homens e mulheres, vem nos últimos anos conquistando seu espaço e direitos. A mulher negra tem o seu dia a ser comemorado. Sim, ela também é reconhecida! A lei nº 12.987/2014, que dispõe sobre a criação do Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em seu artigo 1º diz que “É instituído o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, a ser comemorado, anualmente, em 25 de julho”. Outra conquista foi a lei nº 10.639/2003 que torna-se obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, que inclui o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional; como também institui o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Em consonância à continuidade da conquista dos negros foi a reserva de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para negros (pretos e pardos) através da lei nº 12.990/2014.

Considerações Em resumo, ao refletir sobre o tema de ações afirmativas no Brasil e ao analisar alguns dados e referências sobre essas ações e desigualdades sociais, chamou a atenção a inclusão do negro na sociedade dos dias atuais. A partir desse recorte, restringiu-se sobre a mulher negra periférica das grandes cidades que se encontra em uma posição crítica, podendo ser estereotipada 201


| Maylta dos Anjos (Org.) | em relação a sua escolaridade, carreira, filhos e outros aspectos da vida social. Nos últimos anos, as políticas públicas de maior inserção da população negra em colégios, universidades e concursos públicos tem sido alvo de constantes críticas e tentativas de desqualificação do direito adquirido a partir dessas políticas, encontrando adeptos inclusive nos possíveis beneficiados por elas. Este trabalho teve como objetivo apresentar uma narrativa através do relato de uma mulher negra, estudante cotista, sobre a lei de cotas e enfatizar como algumas ações afirmativas foram benéficas e favoráveis à sua inserção na educação e ao seu desenvolvimento acadêmico. Apresentar e discutir políticas públicas, no âmbito educacional ou não, são importantes vias instrumentos para possível correção das injustiças sociais, pois a partir dessas discussões se é possível gerar uma força motriz para produção de profundas e significativas mudanças nesse contexto através da liderança, do exemplo e da ação constante das injustiças sociais. Como o avanço das políticas de cotas no Brasil os estudantes negros puderam ter uma esperança maior em almejar a continuidade no ensino superior e afins. Ser cotista em um meio onde a maioria inserida veio de condições escolares favoráveis é muito complexo, pois quem não as obteve sente-se com uma lacuna a ser preenchida, uma sede de conhecimento e ao mesmo tempo sem espaço cognitivo para preencher. Pois somos arrebatados de informações na graduação e na pós graduação, que sem uma base é difícil, mas não impossível, alcançar o objetivo sonhado e pretendido. O relato trouxe uma reflexão de que mesmo sabendo e vivenciando todos os desafios, essa mulher fica de exemplo para muitos da capacidade do ser humano em sonhar, lutar, crer e comprovar que todos são capazes e merecedores de oportunidades, principalmente numa sociedade dividida em muitas classes sociais onde o negro, independente de sexo, morador de comunidade pobre, é discriminado por falta de oportunidade.

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A linguagem tem a possibilidade de fazer curtoscircuitos em sistemas orgânicos intactos, produzindo úlceras, impotência ou frigidez. Porque são as palavras que carregam consigo as proibições, as exigências e expectativas. E é por isto que o homem não é um organismo, mas este complexo linguístico a que se dá o nome de personalidade. Rubem Alves


POLÍTICAS PÚBLICAS PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO MAGISTÉRIO Fabiana Gama Chimes Fabiola Figueira de Sá

Lyana Machado Bueno

Introdução Tendo em vista as mudanças nas formas de ensinar aos sujeitos das novas gerações que são nativos digitais, vislumbrando a condição e a preocupação de nós docentes formados em magistério anterior ao proposto atualmente, deixaremos um legado aos próximos docentes que estão por vir. De acordo com Saviani (2009) a formação docente foi instituída desde o século XVII, passando pela criação da Escola Nova, e chegando ao século XXI em exigência a uma mão de obra mais qualificada cada vez maior. A Escola Nova direcionava seus fundamentos aos avanços científicos da Biologia e da Psicologia, com a proposta que visava a renovação da mentalidade dos educadores e das práticas pedagógicas (MENEZES, 2001). Contudo, o que observamos nos dias de hoje é que a formação de profissionais da educação, em especial a formação dos professores, vai na contramão das exigências do mercado de trabalho que propõem uma formação completa que, de acordo com Nóvoa (2017), começaria pela valorização da profissão docente. No passado a história cultural da educação no Brasil se restringia as abordagens teóricas e metodológicas, valorizando a legislação e aspectos sociais, as instituições, currículos, disciplinas, culturas escolares, práticas, memórias e literatura, e dispunha de dispositivos matérias como: manuais, cadernos, quadro de giz, canetas, tinteiros, livros, etc. A formação de professores se intensificou durante a urbanização e a industrialização nas capitais do país, 205


| Maylta dos Anjos (Org.) | onde as escolas normais brasileiras já haviam se consolidado desde 1890. O movimento da Escola Nova trouxe organização das Diretorias de Instrução Pública e a implementação dos serviços de inspeção Escolar, e ampliação do acesso ao ensino primário (FREITAS, 2015). Logo, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, Lei 9.394/1996 (BRASIL, 1996), a legislação e documentos oficiais passaram a regulamentar as práticas da formação e profissionalização dos professores, mostrando a necessidade do exercício docente. Ao longo dos anos a formação de professores vem passando por transformações e avanços (ou regredindo), com perspectiva de construir uma pedagogia crítica, buscando o desenvolvimento das habilidades dos docentes em formar seres mais críticos e atentos as questões sociais. Assim, uma busca por maior autonomia e desenvolvimento do professor são constantes temas de discussão. De acordo com Silva e Duarte (2015), para que ocorra melhora na qualidade da educação básica e para garantir uma educação de nível elevado é necessário um investimento na formação docente desde seu início e que deve ser continuada durante toda a vida profissional do professor. Para o Ministério de Educação e Cultura – MEC (BRASIL, 2000) a formação de educadores tem destaque crucial, sendo o dos mais importantes entre as políticas públicas para a educação, onde os desafios exigem trabalho educativo nas escolas, em um nível profissional contemplando todos os aspectos afetivos, sociais, culturais e éticos. Nóvoa (2017b) destaca que a docência vem enfrentando uma série de fragilidades ao longo dos anos, fragilidades que ocorrem durante sua formação acadêmica e também após a obtenção do diploma, como questões salariais, desprestígio social da profissão e, em alguns casos, às precárias condições de trabalho. Durante a graduação, o futuro professor encontra uma fragmentação entre os diferentes cursos de licenciatura, independente da universidade, e ausência de comunicação entre a teoria ensinada nas universidades e a prática nas unidades de ensino para aprendizado. Foi apresentado em 2017 pelo MEC o texto sobre a Política Nacional de Formação de Professores, que contempla, entre outros aspectos, a criação de uma Base Nacional Docente e a ampliação da qualidade e do acesso à formação inicial e continuada de professores da educação básica (BRASIL, 2017a). Através dessa proposta o governo busca valorizar a profissão, tendo como ponto de partida a formação docente, permitindo uma qualidade melhor de profissionalização. 206


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A referida Política Nacional de Formação de Professores supracitada nasce então, a partir dos dados apresentados pelo Censo em 2016, alarmando diversas esferas no país que se uniram para melhorar a qualidade do ensino, pois possui como premissa de que a qualidade do ensino depende diretamente da qualidade do trabalho docente (BRASIL, 2017a). Os princípios da Política Nacional de Formação de Professores consistem na maior colaboração entre União, redes de ensino e instituições formadoras; maior articulação entre teoria e prática em cursos de formação de professores e domínio sistêmico da BNCC, além de uma visão sistêmica e articulação entre instituições formadoras e escolas de educação básica. As mudanças partiram de um diagnóstico preocupante: desempenho insuficiente dos estudantes, baixa qualidade da formação inicial dos professores no país, um histórico de currículos extensos com ausência de atividades práticas e estágios curriculares sem planejamento e sem vinculação com as escolas. de que a qualidade do ensino depende diretamente da qualidade do trabalho docente (BRASIL, 2017a, p. 1).

A Base Nacional Comum Curricular – BNCC é um documento normativo que serve de referência nacional para a criação e reformulação dos currículos escolares e materiais didáticos da educação básica, de acordo com as diretrizes do Plano Nacional de Educação – PNE e das Diretrizes Nacionais da Educação Básica – DCN (BRASIL, 2017b). A BNCC indica competências e habilidades que os discentes devem desenvolver com a presença do professor. Tendo como ponto de partida o BNCC, e com o objetivo de revisar as diretrizes dos cursos de pedagogia e das licenciaturas nas universidades brasileiras – que são os cursos que capacitam os alunos de graduação a lecionarem em escolas de educação básica para que tenham foco na prática da sala de aula, o MEC divulga a Base Nacional Curricular de Formação de Professores (BNC Formação de Professores). Esse documento surgiu da aprovação de uma resolução que implementa a sua criação a partir da BNCC em 2017. Atualmente a BNC de Formação de Professores está em análise pelo Conselho Nacional de Educação, sendo divulgada uma versão preliminar com previsão de conclusão para o fim do ano de 2019. Sua proposta é de “garantir uma formação mais conectada com a sala de aula”, pela qualificação dos professores ser “um dos fatores principais que influenciam a qualidade da Educação Básica” (PERES, YOSHIDA e SEMIS, 2018, p. 1). 207


| Maylta dos Anjos (Org.) | Tendo em vista que a Escola Nova defendia a renovação da mentalidade dos educadores, através dos avanços da ciência e da psicologia, a BNCC não foge a este modelo, pois em síntese, a mesma aponta que a Educação Básica brasileira deve promover a formação e o desenvolvimento humano global dos alunos, para que sejam capazes de construir uma sociedade mais justa, ética, democrática, responsável, inclusiva, sustentável e solidária (PENIDO, 2018). Toda via nos vem a reflexão de como será mensurada essa “qualidade” uma vez que não se pensou em uma política pública para a construção da identidade dos profissionais do Magistério. Silva (2010) sugere que a construção de uma identidade profissional deve ser formada através de currículos que tenham significado com a prática profissional e se trouxermos essas informações para a formação docente observamos a necessidade do resgate da autoestima e da identidade do trabalhador da educação como um profissional que deve ser valorizado. O presente trabalho visa apresentar as novas políticas públicas para formação de professores do magistério, com um olhar através da Política Nacional de Formação de Professores e da BNC de Formação de Professores. Pretende também analisar como o novo documento BNCC resgatará a identidade da profissional da educação. A metodologia deste trabalho tem uma abordagem qualitativa, recolhendo dados em artigos, analisando parte da educação no país. Através de um olhar histórico no passado da educação no Brasil e suas mudanças ao longo dos anos, onde as políticas públicas têm cada vez mais influenciado a formação de professores do magistério. Assim, como a nova política da BNCC onde, espera-se que todas as capitais sigam o mesmo modelo de educação e que unificará, de certa forma, o magistério. A proposta da criação da BNCC teve início após a publicação em 1988 da Constituição Federal, onde no artigo 210 indica a importância de garantir a todos os estudantes “a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988, p. 124). Essa concepção foi ratificada na LDB nº 9.394/96 e nos documentos oficiais subsequentes, como o PDN e a DCN. Em 2015 a BNCC começou a ser desenhada, após o comprimento de metas do atual Plano Nacional de Educação que possui vigência entre 2014 e 2024, e em 2017 o documento foi homologado, tendo o prazo de dois anos para total implantação nas instituições de ensino em todo território nacional. O Censo de 2016, utilizado como base para a criação da Política Nacional da Formação de Professores, apresentou como diagnóstico 208


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Resultados insuficientes dos estudantes, desigualdades aumentaram. Baixa qualidade da formação de professores. Currículos extensos que não oferecem atividades práticas. Poucos cursos com aprofundamento da formação na educação infantil e no ciclo da alfabetização. • Estágios curriculares sem planejamento e sem vinculação clara com as escolas (BRASIL, 2017c, p. 9). A partir desses dados e da criação da BNCC, a BNC de Formação de Professores propõe a reformulação dos cursos de licenciatura dividido em dois eixos principais, formação inicial (curso de licenciatura) e formação continuada dos docentes, permitindo uma capacitação contínua dos docentes (MORENO e FOREQUE, 2018). A Figura 1 apresenta o resumo de cada eixo da BCN de Formação de Professores.

Figura 1– Base Nacional Curricular de Formação de Professores

Figura 1 – Base Nacional Curricular de Formação de Professores

Base Nacional Curricular de Formação de Professores

DCN Licenciaturas Residência Pedagógica

Formação Inicial

ENADE Licenciaturas Prova para ingressos Estágo Probatório

Formação Continuada

Plano de Carreira Avaliação ao longo da carreira

Fonte: Adaptado de MEC.

Fonte: Adaptado de MEC.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | A versão preliminar do documento traz na formação inicial, a Residência pedagógica substituirá as horas de estágio obrigatório e terá início logo no primeiro semestre de graduação e o ENADE passará a ser anual e obrigatório a todos os estudantes de licenciatura que desejem trabalhar como professores. Na formação continuada, os recém-licenciados estarão vinculados às secretarias estaduais e municipais de ensino que incentivarão a participação e ofertas de cursos, eventos, troca de saberes, além de cursos de pós-graduação em instituições de ensino e participação em congressos e outros eventos (MORENO e FOREQUE, 2018). A residência docente, termo análogo a residência médica existente nos cursos de medicina, pode aproximar o futuro docente da realidade encontrada nas escolas de Educação Básica, principalmente as públicas, assim como reduzir a distância entre as universidades e as escolas (PERES, YOSHIDA e SEMIS, 2018). Com a realização dessas atividades, o futuro professor terá a possibilidade de um melhor embasamento para o mercado de trabalho e adaptado as mudanças que acompanham a sociedade e a educação, como o uso das tecnologias que auxiliam o ensino. Uma proposta para minimizar os problemas e dificuldades encontradas na docência e uma forma de modificar o olhar sobre essa carreira é o projeto de criação de um Complexo de Formação de Professores para promover “uma política integrada de formação de professores, integrando a Universidade na cidade” (NÓVOA, 2017a, p. 10). Essa proposta baseia-se em quatro pilares principais: • A formação de professores é uma formação profissional universitária. • A formação de professores necessita de um lugar institucional de referência. • O lugar da formação de professores é entre a Universidade e a cidade. • A formação de professores deve ser pensada no ciclo do desenvolvimento profissional: formação inicial, indução profissional, formação continuada (NÓVOA, 2017a, p. 13-14). A proposição de Nóvoa descrita acima conversa com a Política de Formação de Professores proposta pelo MEC, melhorando a qualidade do ensino, aproximando a teoria da prática e incentivando a formação continuada do docente, valorizando e estimulando os profissionais. A implementação da BNCC permite e incentiva que os docentes tenham no ambiente escolar um local de formação. Nóvoa cita que as escolas são “lugares de inovação”, pois os professores aprendem no seu próprio lugar de trabalho, refletindo sua prática e elaborando novas dinâmicas e propostas (NÓVOA, 2017c). 210


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Resultados Como resultado deste trabalho está a homologação da BNCC em dezembro de 2018, com vigência para entrar em vigor no início do ano letivo de 2020. A base define o conteúdo mínimo que os estudantes de ensino médio de todo o Brasil deverão aprender em sala de aula, e deve ser implementada em cada estado conforme as realidades locais. Antes da BNCC, o Brasil não tinha um currículo nacional obrigatório, e as únicas disciplinas listadas por lei como obrigatórias nos três anos do ensino médio eram português, matemática, artes, educação física, filosofia e sociologia. A reforma estabeleceu que as escolas podem escolher como irão ocupar 40% da carga horária do ensino médio. Os demais 60% serão estabelecidos pela BNCC. A reforma prevê mais escolas em tempo integral, focando em português e matemática. O foco é que o trabalho com o estudante do ensino médio não será mais aplicado em disciplinas, mas sim na resolução de problemas. Ao invés de estudar uma disciplina específica, ela tratará de problemas relativos da matemática ao meio ambiente, conjugando todos os conhecimentos e tendo foco no cotidiano.

Considerações Mudanças devem ser tratadas como oportunidades de melhoramento e, estando centradas no âmbito educacional, centradas no ensino e aprendizagem dos alunos pois, como afirmava Freire (1999, p.39), “é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. A BNCC e a BNC de Formação de Professores apresentam propostas que caminham com pensamento positivista acima, como o olhar voltado ao aluno e o incentivo a profissão docente. Em contraponto, apresenta aspectos que requerem um olhar mais atento por parte de toda população, como a flexibilização dos componentes curriculares e das formações e aulas na modalidade a distância. Na perspectiva de Gadotti, (1997, p. 1): “o conhecimento deve se constituir numa ferramenta essencial para intervir no mundo” e “a educação deve ter como paradigma o ser humano”, com isso, ao retirarmos o aluno da escola para um ensino à distância, estamos impedindo a troca de experiências e saberes que o ambiente 211


| Maylta dos Anjos (Org.) | escolar proporciona, saberes estes tanto pertinentes as competências curriculares, quanto ao saber individual de cada indivíduo, discente e docentes. Freire (1999) defendeu uma proposta pedagógica que aliava a sociedade à educação, tendo o diálogo como instrumento de mudança da sociedade. Partindo dessa colocação, perguntamos: Os alunos poderão ter acesso a seus diplomas no final do período proposto pela etapa que está cursando, mas até que ponto o aprendizado foi alcançado em sua plenitude? Acreditamos que o ensino na modalidade a distância não atenderá de forma plena o processo de ensino aprendizagem pertinente as etapas de ensino, sendo relevante a troca existente entre os pares em sala de aula. Como formar professores (e até outros profissionais) se estes não tiverem acesso a outros docentes? Nóvoa (2017a) ao apresentar um novo modelo instrucional para a formação de professores caminha contra essa forma de ensino não presencial, valorizando a prática e o estudo dentro do campo de trabalho docente, a escola. A profissão professor deve voltar a ter seu status restaurado, de profissional crítico, reflexivo e comprometido, apesar do cenário desfavorável que é encontrado nas unidades de ensino e por parte da sociedade. Vários itens são previstos e contemplados pelo documento que traz o BNCC, entretanto o que não é citado é que muitos cursos de licenciatura são feitos na modalidade a distância, que iria de encontro frontal com a ideia de residência pedagógica então proposta. Como realizar uma experiência presencial, no caso da residência pedagógica, se a graduação para o magistério aconteceu sem a formação da identidade, pois de acordo com Silva (2010) para que se crie o perfil desejado de qualquer profissional deve ocorrer a interação interpessoal. Encerramos esse artigo com um último questionamento: que a modalidade de ensino a distância realmente é o futuro ideal da educação brasileira?

Referências BRASIL. Ministério da Educação. Proposta de diretrizes para a formação inicial de professores da educação básica, em cursos de nível superior. Brasília, DF: MEC, 2000. ________. MEC lança Política Nacional de Formação de Professores com Residência Pedagógica. Brasília, DF: MEC, 2017a. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/ ultimas-noticias/211-218175739/55921-mec-lanca-politica-nacional-de-formacaode-professores-com-80-mil-vagas-para-residencia-pedagogica-em-2018.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ________. Base Nacional Comum Curricular – Ensino Médio. Brasília/DF: MEC, 2017b. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/ uploads/2018/04/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site.pdf. ________. Política Nacional de Formação de Professores. Brasília, DF: MEC, 2017c. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/docman/outubro-2017-pdf/74041formacao-professor-final-18-10-17-pdf/file. ________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l9394. htm. ________. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. FREIRE P. Pedagogia da Autonomia. 33.ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996. FREITAS, A. G. B. Formação de professores: demandas do passado e desafios do presente. Revista Pensar a Educação. v. 1, n. 3, p. 5-19, out-dez/2015. Gadotti M. Lições de Freire. Rev. Fac. Educ 1997; 23(1): 1-8. MENEZES, E. T. Escola Nova. Educa Brasil. 2001. Disponível em: http://www. educabrasil.com.br/escola-nova/ MORENO, A. C.; FOREQUE, F. MEC divulga base comum para reformar a formação de professores. Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/guia-de-carreiras/ noticia/2018/12/13/mec-divulga-base-comum-para-reformar-a-formacao-deprofessores.ghtml NÓVOA, A. Um novo modelo institucional para a formação de professores. Universidade Federal do Rio de Janeiro, nov/2017a. disponível em: http://www. epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/files/formacao%20professores%20ufrj.pdf ________. b. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017b. Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/cp/v47n166/1980-5314-cp-47-166-1106.pdf ________. c A escola do século XXI. Por dentro da BNCC – Base Nacional Comum Curriular – Material de Referência Pedagógica Educação Infantil e Ensino Fundamental. Moderna: v. 4, 2017c. PENIDO, A. BNCC e suas competências: qual aluno queremos formar?. Revista Nova Escola, ano. 32, n. 309, fev. 2018.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | PERES, P.; YOSHIDA, S.; SEMIS, L. Base Nacional Docente: veja o que muda na formação e carreira. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/educacao/2018/12/base-nacional-docente-veja-o-que-muda-naformacao-e-carreira.shtml SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, jan./abr. 2009. SILVA, P.; DUARTE, A. C. S. A formação de professores e um breve cenário das políticas de formação docente no Brasil. Revista Binacional Brasil Argentina, v. 4, n. 01, p. 251 a 269, jul/ 2015. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade; uma introdução as teorias do currículo. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.

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A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua: toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio!

Rubem Alves


A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: as mudanças na escola, no currículo e na vida dos alunos e professores Luana Lima Borges Roberta Cristina Moreira Simões

Introdução Há algum tempo a reforma do Ensino Médio é um assunto que vem sendo muito divulgado por meios de comunicação. Porém, não são todos os espectadores que sabem ou compreendem de fato as mudanças que ocorrerão no ensino com essa reforma. Por isso esse artigo tem como objetivo abordar o tema explicitando as mudanças que ocorrem no ensino médio com esta reforma e possíveis impactos causados na vida do estudante e do professor, na escola e no currículo. Diversas são as mudanças que ocorrem no Ensino Médio com a reforma e, segundo o Ministério da Educação (MEC), uma delas é a estrutura do sistema de ensino vigente, objetivando uma melhoria na educação do país e flexibilizando a grade curricular com os chamados itinerários formativos. Nesse contexto, cada escola irá oferecer um conjunto de disciplinas que se aprofundem em uma área do conhecimento e os alunos escolherão de acordo com suas habilidades e objetivos futuros. O MEC diz ainda que o currículo terá uma parte que será comum e obrigatória a todas as escolas, chamada de Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e uma parte flexível, que são os possíveis itinerários (BRASIL, 2017a). Além disso, os alunos ficarão mais tempo na escola, denominada escola integral, havendo um aumento de 800 para 1.000 horas anuais até 2020 e, desse total de horas parte será destinada à BNCC e o restante à parte flexível do currículo. 216


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Os alunos Sobre a escolha dos eixos itinerários que será realizada pelo aluno, Ruiz (2017) caracteriza essa reforma como uma farsa, onde tentam convencer os alunos que poderão de forma autônoma fazer a opção por um itinerário formativo mais conveniente ao seu futuro, quando na verdade terão que escolher apenas entre os itinerários disponibilizados pela escola, de acordo com suas condições de oferta, o que elimina a ideia de escolha e de autonomia. Em relação a isso, Ferretti (2018) reitera acerca da possível limitação de escolha pelo aluno ao optar por determinado itinerário que não seja ofertado pela escola. Não deve ser descartada a possibilidade, em face do atual contexto econômico e político do país, de que seja limitada a referida flexibilização dos itinerários formativos pelos estados, na medida em que, de acordo com o espírito da Lei, os Conselhos Estaduais de Educação de cada ente possam ser, de certa forma, pressionados para oferecer prioritariamente, ou em maior número, itinerários formativos mais afinados com a perspectiva dos interesses econômicos, quais sejam, os referentes às áreas das Ciências Naturais, Matemática e Linguagens e Educação Profissional (FERRETTI, 2018, p. 29).

O MEC afirma que com essa mudança do Ensino Médio a escola se aproximará da realidade do aluno e o preparará para o mercado de trabalho, mas sabemos que o papel do professor é auxiliar na construção do conhecimento, a fim de que sejam formados indivíduos críticos que sejam capazes de refletir e opinar e não gerar mão de obra para as indústrias alimentadoras desse mundo capitalista cheio de desigualdades. Para Kuenzer (2000), essa atual ideia do MEC contradiz à sua proposta de 1999, onde afirmava que o Ensino Médio, ao preparar a aluno para o trabalho, não o prepara para a vida. Segundo o MEC, esses eixos itinerantes formativos devem ser escolhidos de acordo com a carreira que o estudante deseja seguir, entretanto, levantamos a seguinte problemática: Deveria ser lançada sobre esse aluno ao iniciar o ensino médio, muitos com 14 ou 15 anos de idade, uma decisão tão importante que é a de decidir sobre qual carreira seguir? Devemos levar em consideração que muitos deles terminam o Ensino Médio sem saber qual carreira seguir e, nesse sentido, para Bodart (2016), o jovem deve passar por uma educação ampla, conhecendo todas as disciplinas minimamente. Em uma entrevista ao Jornal El Pais (2016), a socióloga Maria Alice Setúbal afirma que esta reforma é uma reestruturação complexa, que exige um cuidado 217


| Maylta dos Anjos (Org.) | especial durante o processo de implementação. É importante ressaltar que o fato desta reforma ter sido lançada por meio de medida provisória é grave porque não houve um processo de discussão mais amplo, sendo desconsideradas todas as discussões anteriores (BRASIL, 2016).

A escola Sabemos de todas as dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas brasileiras e vemos que muitas delas atualmente estão abandonadas pelo poder público e acabam sendo sucateadas. Como vimos inicialmente, as escolas poderão aderir ao Ensino Médio integral e receberão um valor de R$ 2.000,00 anuais por aluno, valor que consideramos insuficiente para manter um aluno em outro turno dentro da escola, e, diante disso, compactuamos com as ideias de Henriques (2017) quando afirma que, não adianta aumentar a carga horária desses alunos na escola se não houver investimentos em infraestrutura e se o ambiente não for adaptado, proporcionando o acesso à equipamentos e aos recursos escolares necessários ao ensino. E iremos além, questionando se, diante dos problemas enfrentados nos últimos anos no Brasil com a corrupção, esse dinheiro sairá do projeto? Ou até mesmo chegará nas escolas? Essas são questões que só poderão ser respondidas ao longo dos anos com a efetivação da reforma do Ensino Médio.

O Currículo Sobre a reestruturação curricular, compactuamos com as reflexões levantadas por Ferretti (2018) em que o autor questiona se a flexibilização do currículo seria uma forma de respeitar as expectativas dos estudantes em busca de qualidade na formação escolar ou se seria apenas uma forma de reduzir o currículo. Ainda segundo o autor, é preciso considerar quem são os interessados na intervenção proposta pela reforma. Silva (1999), ao abordar as teorias do currículo, questiona quais conhecimentos ou saberes devem ser ensinados e quem define a importância e a validade destes conhecimentos. Para o autor, o currículo está associado às questões de identidade e de subjetividade. 218


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Ainda sobre os valores atribuídos a determinados saberes em detrimento de outros no currículo, Moreira e Candau (2007, p. 10) afirmaram: Nessa hierarquia, separam-se a razão da emoção, a teoria da prática, o conhecimento da cultura. Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente reconhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Nessa hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e aprendidos. Nessa hierarquia, reforçam-se relações de poder favoráveis à manutenção das desigualdades e das diferenças que caracterizam nossa estrutura social.

Dessa forma, os currículos estão ligados aos interesses subjetivos onde os saberes dos grupos dominados não são valorizados, o que contribui para o fortalecimento das desigualdades sociais. Assim, Moreira e Candau (2007) questionaram a influência das relações de poder na construção dos currículos enfatizando a importância de uma participação crítica dos educadores, por meio de discussões e reflexões nos processos de elaboração de um currículo mais democrático. As alterações propostas deixam claro que as mudanças referem-se apenas à estrutura curricular, desconsiderando diversos problemas relacionados à infraestrutura das escolas, à valorização dos professores com salários e condições adequadas de trabalho, problemas sociais, violência, desestruturação familiar e necessidade do jovem trabalhar para complementar renda familiar, entre tantos outros impedimentos que dificultam a permanência do estudante na escola ou resultam em um Ensino Médio de baixa qualidade. De acordo com Ferreti (2018, p. 27), A Lei parece insistir na perspectiva de que o conjunto dos problemas presentes no Ensino Médio público poderá ser resolvido por meio da alteração curricular [...]. Nesse sentido a Lei parece apoiar-se numa concepção restrita de currículo que reduz a riqueza do termo à matriz curricular. A instância que busca dar conta dessa questão é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que, no entanto, não é entendida pelos seus próprios propositores como currículo.

Portanto, se as mudanças estão começando pela reestruturação curricular, as discussões deveriam envolver reflexões de todos os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem sobre o que deve ser ensinado, sobre quais conhecimentos deveriam ser priorizados e com que objetivos esses conhecimentos 219


| Maylta dos Anjos (Org.) | devem ser ensinados, considerando-se as desigualdades sociais existentes no país (SILVA, 1999). As mudanças sobre o currículo deveriam ser pensadas considerando-se que “o currículo escolar é, sobretudo, um desenvolvimento humano, e, portanto, uma construção social, cultural, histórica e um instrumento de poder” (MOZENA e OSTERMANN, 2016, p. 327).

Os professores Compactuamos com as ideias de Giannazi (2017) quando diz que havendo o aumento da carga horário no ensino, consecutivamente haverá um aumento da carga horária de trabalho do professor e a reforma não menciona aumentos de salários, além de enfraquecer as licenciaturas e os concursos públicos. De acordo com Noronha, devemos destacar também nesta reforma o notório saber, que é visto como a desregulamentação da profissão do professor, tornando possível o “bico” de profissionais de outras áreas na educação básica. Nesse contexto, enfatizamos que as mudanças podem contribuir para a precarização do trabalho dos professores e diminuição do número de postos de trabalho. Outro ponto a ser considerado é a exclusão das disciplinas de Sociologia, Filosofia, Educação Física e Artes, que de acordo com a Lei 13.415/17 (BRASIL, 2017b), estarão presentes apenas por meio dos “estudos e práticas”, não como componente curricular, mas como conhecimentos a serem ensinados dentro de uma disciplina específica ou projeto interdisciplinar. Além disso, professores formados em áreas não contempladas pelos itinerários formativos oferecidos pelas escolas perderão oportunidades de trabalho (FERRETTI, 2018).

Considerações No atual contexto político e diante do modo como a reforma do Ensino Médio vem sendo realizada, há dúvidas se as mudanças propostas realmente objetivam contribuir para um ensino de qualidade ou se as mudanças são apenas formas de atender aos interesses de determinadas instituições, com a intenção de reduzir as possibilidades de ampliação dos conhecimentos dos estudantes para o pleno exercício da cidadania e atuação crítica na sociedade. 220


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Se a Lei busca garantir a oferta de educação de qualidade aos jovens, aproximando a escola da realidade dos alunos, é necessário que a reforma também repense a realidade do estudante por meio de programas sociais, facilitando o acesso e a permanência do aluno em uma escola que realmente faça a diferença em sua vida. A reforma deve abranger não somente o currículo, as disciplinas a serem ofertadas, a quantidade de horas que o aluno permanecerá na escola, mas deve proporcionar ao aluno um ambiente acolhedor de aprendizagem e desenvolvimento. Sendo assim, a mudança deve considerar o contexto social desse aluno, contemplando a estrutura das instituições escolares, a formação continuada e a valorização dos educadores. Diante disso, o ensino deve ser repensado e reestruturado a partir da colaboração de todos os envolvidos no processo e não somente por meio da imposição da Lei elaborada a partir de interesses de grupos dominantes da sociedade. Por fim, afirmamos que, como professores devemos orientar os nossos alunos a refletirem sobre essa reforma e, de alguma maneira, já que a mesma é inevitável, também pensar sobre suas escolhas a fim de que as mesmas sejam favoráveis a sua vida após a escola, seja como profissional, seja como cidadão.

Referências BRASIL. Medida Provisória MPV 746/2016. Brasília, 22 set. 2016a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Mpv/mpv746.htm BRASIL. Lei 13.415. Diário Oficial da União, 17.2.2017a, Seção 1, p.1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm BODART, C. N. Blog Café com sociologia.Disponível em https://cafecomsociologia. com/por-que-ser-contrario-medida-provisoria-que-reforma-o-ensino-medio/ FERRETTI, C. J. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Estud. av., São Paulo , v. 32, n. 93, p. 25-42, Aug. 2018. GIANNAZI, C. Ato público contra reforma do ensino médio. Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 2017. HENRIQUES, R. Estadão jornal digital. Disponível em: http://www.estadao.com.br JORNAL EL PAIS “Plano de reforma do ensino pode aumentar desigualdades. Apresentá-lo por MP é grave.” Disponível em https://brasil.elpais.com/

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| Maylta dos Anjos (Org.) | brasil/2016/09/24 KUENZER, A. Z. O Ensino Médio agora é para a vida: Entre o pretendido, o dito e o feito. Educação & Sociedade, ano XXI, n. 70, p. 15-39, 2000. MOREIRA, A. F. B.; CANDAU , V. M. Currículo, conhecimento e cultura. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. 17-44. MOZENA, E. R., OSTERMANN, F. Editorial Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Ensino de Física. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 33, n. 2, p. 327-332, ago. 2016. RUIZ, A. I. A reforma do Ensino médio, 2017. Disponível em http://www.sinprodf. org.br/artigo-a-reforma-do-ensino-medio/ Acessado em: 06 de Janeiro de 2019. SILVA, T. T. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

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A palavra amor se tornou maldita entre os educadores. Envergonham-se de que a educação seja coisa do amor – piegas. Mas o amor – Platão, Nietzsche e Freud o sabiam – nada tem de piegas. O amor marca o impreciso e forte círculo de prazer que liga o corpo aos objetos. Sem o amor, tudo nos seria diferente – indigno de ser aprendido, inclusive a ciência. Não teríamos sentido de direção ou não teríamos prioridades. Rubem Alves


ENSINO DE CIÊNCIAS E REDE SOCIAL: um estudo acerca do Facebook como metodologia complementar José Alfredo Gomes Neto Wallace Vallory Nunes Maylta Brandão dos Anjos

Introdução O artigo procura trazer à luz o conhecimento desenvolvido na utilização dos recursos das Tecnologias de Informação e Comunicação, especificamente as Redes Sociais on line como complemento ao estudo em sala de aula. O Ensino de Ciências é um fator fundamental para o desenvolvimento de estudantes mais capazes e cidadãos mais completos, condicionando esse estudo a integrar a questão acadêmica, de produção científica à questão prática, bem como inseri-la num ambiente, ou meio, que notoriamente se destaca pela interação social, a Internet (World Wide Web). O tema escolhido para o desenvolvimento da proposta faz parte do conteúdo programático da disciplina de Ciências Naturais para o último ano do Ensino Fundamental, “Átomos, estrutura da matéria e modelos”, em um município RJ. Tal escolha se deve principalmente ao fato de que durante a disciplina “Tópicos em química I”, tivemos contato com propostas de trabalho na área e acesso a artigos que demonstravam a dificuldade de se trabalhar assuntos correlatos, e que nesse momento oportuno, veio à tona como mote para servir de eixo fundamental no intuito de diminuir esse distanciamento bem como evitar a formação de concepções alternativas por parte dos estudantes. Soma-se a isso a necessidade de aperfeiçoamento no tema, visto que assim como a maioria dos professores de Ciências no Ensino Fundamental que tem formação na área de Biologia e quase sempre carente de formação em química, 224


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | estamos inseridos. E ainda a afinidade descoberta justamente na prática diária em classe, criando assim um interesse maior pelo estudo do Ensino de Química. Nesse sentido, o trabalho contempla um viés social ao aproximar a investigação científica, acadêmica, a um âmbito que notoriamente carece de iniciativas do tipo, seja por falta de incentivo, interesse profissional ou oportunidades. Já a escolha pelos recursos das novas tecnologias se deu principalmente por acreditarmos no seu poder transformador e atrativo. Zancan (2000) destaca a necessidade de transformação do ensino informativo para o transformador e criativo como tarefa da comunidade científica, que por sua vez deve incentivar a exploração da curiosidade através de ambientes estimulantes. E ainda por ser presente na nossa prática como docente, bem como por dar continuidade a formação anterior. Dessa forma, procuramos investigar a utilização da tecnologia como aliada no processo de ensino e aprendizagem, encontra um alinhamento com o que se produz e se pratica atualmente nos mais diversos âmbitos, momentos e lugares da nossa sociedade e que consequentemente não poderia estar à margem dos processos de Educação nos espaços formais. A educação deve habilitar o jovem a trabalhar em equipe, a aprender por si mesmo, a ser capaz de resolver problemas, confiar em suas potencialidades, ter integridade pessoal, iniciativa e capacidade de inovar. Ela deve estimular a criatividade e dar a todos a perspectiva de sucesso (ZANCAN, 2000, p. 6).

Sob essa ótica, o estudo procura verificar alguns aspectos da utilização das Redes Sociais, mais precisamente a rede social Facebook, como complemento às aulas em classes tradicionais, como forma de propiciar uma nova possibilidade de estudo extraclasse, outrora “dever de casa”, e também no intuito de desenvolvimento de novas competências muito desejadas por nós professores para nossos alunos, como o hábito de estudo, responsabilidade, interação e autonomia. Assim: Pode ser visto como uma necessidade educacional, reconhecida por pais e professores, sendo concebido como uma ocupação adequada para os estudantes em casa; pode ser considerado um componente importante do processo ensino- aprendizagem e do currículo escolar, e pode ser concebido como uma política tanto da escola e do sistema de ensino, objetivando ampliar a aprendizagem em quantidade e qualidade, para além do tempo-espaço escolar [...] (CARVALHO, 2004, p. 95).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | A escolha pela metodologia das sequências didáticas vai de encontro à busca por associar e aproximar prática e teoria, além de ser uma ferramenta comprovadamente efetiva, permitindo o acompanhamento e avaliação da proposta, tanto do aproveitamento dos discentes como da nossa prática enquanto docentes bem como a associação com os recursos das TIC. Como aporte teórico, encontramos suporte na pedagogia sociointeracionista de Vygotsky, ao considerar o ambiente das redes sociais um universo com características privilegiadas no sentido de interação entre pares, nesse caso os estudantes que notadamente se sentem à vontade nesse meio, cabendo ao professor, mas não só esse, a função de mediação, ao incitar o desenvolvimento cognitivo a partir das atividades propostas. Há um considerável corpo de evidências que mostram que a aprendizagem de conceitos científicos pelos alunos pode ser melhorada como resultado de sequencias didáticas baseadas em pesquisa, e há ́ muitos exemplos na literatura onde os pesquisadores sugerem muitas mudanças para a prática de ensinar um tema da ciência com base na sua pesquisa. [...] um aspecto essencial da aprendizagem é a criação de processos internos de desenvolvimento por meio da interação com companheiros, processos que, quando internalizados, tornam-se parte do desenvolvimento independente do aprendiz. Se podemos dizer que a EaD autoinstrucional procura desenvolver a resolução independente de problemas, a aprendizagem em rede colaborativa passaria pelos dois processos definidos por Vygotsky (MATTAR, 2013, p. 38).

Como forma de avaliar o material produzido pelos alunos, através dos questionamentos propostos no início e ao final da aplicação da sequência didática, os dados foram tratados sob luzes da Análise de Conteúdo, proposta por Bardin (1977), utilizando a vertente temática, redundando resultados quantitativos e qualitativos interpretados com apoio de literatura correlata além das inferências dos autores a partir da vivência e relacionamento com os atores do universo em questão. De tal modo, após leitura e revisão e argumentação justificativa destacamos o problema em questão: como utilizar as redes sociais da internet, mais precisamente o Facebook, como ferramenta e metodologia complementar ao estudo em classes na educação formal? Portanto, analisamos a utilização da rede social Facebook como ferramenta complementar ao processo ensino-aprendizagem do conteúdo “Átomos, 226


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | estrutura da matéria e modelos”, em uma classe do 9o ano do ensino fundamental, através da aplicação de uma sequência didática. Como Garcia e Ferreira (2011, p. 7), grande parte dos objetivos surgidos a partir da questão problema estão relacionados ao implemento, desenvolvimento, validação e análise do modelo de abordagem proposto e sua criação efetiva na rede Facebook, dessa forma listamos abaixo as linhas gerais de desenvolvimento do projeto: criação de perfil na rede social Facebook para interação com alunos de turma de 9º ano do ensino fundamental; criação do “grupo” restrito no Facebook para interação com alunos da turma em questão; desenvolvimento, aplicação e validação da Sequência Didática que contemplou o conteúdo “Átomos, estrutura da matéria e modelos”, incluído no programa de ciências naturais; interação e mediação da participação dos alunos no grupo do Facebook; análise, organização e avaliação dos resultados obtidos a partir da participação dos alunos.

Estrutura atômica e modelos de átomos no ensino fundamental O ensino de química no Ensino Fundamental se encontra inserido na disciplina atualmente intitulada Ciências da Natureza, e que faz parte do currículo escolar das escolas de 6o ao 9o ano. Atualmente o Brasil não tem um currículo mínimo para a Educação Básica apesar de existirem as diretrizes curriculares nacionais para cada ciclo, como esses documentos são bastante genéricos, essa responsabilidade ficou a cargo das esferas estaduais e municipais, que têm essa autonomia. No documento “Currículo mínimo 2012” a Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro cita que, "para os anos finais do Ensino Fundamental (...) fica encarregado de apresentar aos alunos a estrutura conceitual e a linguagem científica” (Rio de Janeiro, 2012, p. 3), mais especificamente com relação ao conteúdo complementa, “No 9º ano, os conteúdos relativos à Química e à Física são trabalhados de forma contextualizada a partir das questões energéticas.” (RIO DE JANEIRO, 2012, p. 4). Embora muitos aspectos da química encontrem-se distribuídos nos conteúdos ao longo dos quatro anos, é mais comum que se dê ênfase ao estudo da Química, assim como da Física, na série final do Ensino Fundamental, o 9º ano. Mesmo que se pense em criar variações nesse quadro, criando novos 227


| Maylta dos Anjos (Org.) | programas ou buscando novas metodologias essas mudanças ainda são pontuais, principalmente devido à sensibilidade e esforço de docentes que buscam se esforçar e se especializar na tentativa de alcançar melhores resultados. Martins e Silva (2012). Identificam dificuldades e limitações nesse período, principalmente no que diz respeito à heterogeneidade dessa iniciação à Química, percebida na organização de materiais e livros didáticos bem como na formação dos professores. Podemos citar algumas das dificuldades encontradas, como a formação inicial dada aos professores que lecionam Química no ensino fundamental, onde sua grande maioria tem formação nas Ciências, licenciatura em Ciências Biológicas, com formação de uma carga horária mínima da disciplina Química nos seus currículos. (MARTINS e SILVA, 2012, p. 1).

Uma das formas de diminuir essas dificuldades e lacunas é a busca por adaptação dos programas, inovação das metodologias utilizada. Podemos citar algumas das dificuldades encontradas, como a formação inicial dada aos professores que lecionam Química no ensino fundamental, “onde sua grande maioria tem formação nas Ciências, licenciatura em Ciências Biológicas, com formação de uma carga horária mínima da disciplina Química nos seus currículos”. (MARTINS e SILVA, 2012, p. 1). Uma das formas de diminuir essas dificuldades e lacunas é a busca por adaptação dos programas, inovação das metodologias utilizadas, especialização dos docentes e o desenvolvimento da pesquisa em ensino de química associada efetivamente a prática em sala de aula. Tais investigações têm mostrado a necessidade de novas abordagens metodológicas do conhecimento químico na escola, “pois consideram que um tratamento tradicional pautado apenas na reprodução dos conceitos presentes nos livros didáticos é insuficiente para a aprendizagem de Ciências” (LEITE, SILVEIRA e DIAS, 2006 p. 72). Outro fator que interfere no efetivo desenvolvimento do ensino de química no ensino fundamental diz respeito a como os alunos recebem e processam o que lhes é destinado e a forma como isso é desenvolvido. Nesse ponto gerando desinteresse e indiferença visto que, acostumados a lidar com todo tipo de informação em “embalagens” ricas e atraentes veiculadas nos mais diversos meios de comunicação e informação, enxergam o conteúdo escolar como informações sem relevância, dissociadas do seu mundo. 228


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Oliveira, Silva e Ferreira (2010, p. 168), comentam essa percepção atribuindo esse fato “aos métodos tradicionais de ensino que, aliados a conteúdos complexos, tornam as aulas monótonas e desestimulantes”. Com uma rápida reflexão sobre o ensino de modelos atômicos notamos o quanto a ciência faz uso dos modelos para explicar o que não vemos ou o que não podemos tocar. Compreender como os modelos são constituídos, como são utilizados e como facilitam a aprendizagem de conceitos teóricos é extremamente importante no contexto da Química. (SCHEUERMANN, 2009, p. 1). Um dos conceitos centrais da química é o do átomo. Como é sabido, a preocupação com a essência da matéria fez parte da filosofia da Grécia antiga e foi nessa época que se postulou a noção de átomo, entendido como a partícula indivisível que faria parte da estrutura de todos os materiais. De antanho até nossos dias, o conceito de átomo foi refinado por muitas teorias, que utilizaram diversos dados empíricos e modelos conceituais distin- átomo de maneiras variadas, o conceito de átomo permanece fundamental à ciência química. (EICHLER, e DEL PINO, 2000, p. 835). O nível fenomenológico ou macroscópico caracteriza-se pela visualização concreta ou pelo manuseio de materiais, de substancias e de suas transformações, bem como pela descrição, analise ou determinação de suas propriedades. O nível representacional compreende a representação das substâncias por suas respectivas fórmulas e de suas transformações através de equações químicas. O nível teórico, caracteriza-se por uma natureza atômico-molecular, isto é, envolvendo explicações baseadas em conceitos abstratos, para racionalizar, entender e prever o comportamento das substâncias e das transformações. (DA SILVEIRA e CICILLINI, 2010, p. 141). Como ideia e definição geral sobre esse conceito de átomo e modelos de átomo, a maioria dos livros didáticos e outras fontes formais ou informais como sites de internet, já que atualmente são fonte de consulta para grande parte dos alunos dessa faixa etária, encontraremos algo parecido com o que nos pontua Marques e Caluzi (2003) ao descrever concepções desses alunos quando dizem que, o átomo deve consistir em um centro maciço eletricamente carregado e pequeno...” complementando que essa é uma noção difundida e comum “do átomo nucleado composto de um núcleo positivo e de proporções relativamente pequena circundado por elétrons de igual número as unidades positivas contidas no núcleo. (MARQUES e CALUZI, 2003, p. 3).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Já com relação aos modelos temos: “1. representação parcial de uma entidade, elaborado com um, ou mais, objetivo(s) específico(s) e que pode ser modificado e 2. situação provável e não algo certo ou acabado.” (SILVA, MACHADO e SILVEIRA, 2012, p. 1). É evidente que no estudo da química, estaríamos nos limitando enormemente se ficássemos nessas noções iniciais, apesar disso, devemos ter a consciência que nesse nível de amadurecimento cognitivo, certas abstrações se tornam realmente difíceis de alcançar pelos alunos. Eichler e Del Pino (2000, p.836) comentam inclusive que mesmo a visão quântica, mais recente e mais abrangente “não é inerentemente melhor que a visão clássica. Existem contextos em que essa última também é apropriada como ferramenta explicativa”. A forma como os modelos são percebidos no cotidiano do aluno difere da forma como estes são construídos em ciência. A maioria das concepções de senso comum refere-se a algo concreto, real, que pode ser até manuseado, enquanto que os modelos científicos são representações da realidade. (Melo e Lima Neto, 2010, p. 113). A ciência não é algo neutro e acabado, mas construída socialmente e em constante evolução, já que alguns modelos teóricos se apresentam com determinadas limitações na explicação do observado macroscopicamente, exigindo que novos modelos e leis sejam elaborados para explicar além das limitações. (MELO e LIMA NETO, 2010, p. 112). Por conta disso, acreditamos na necessidade de elaboração de novas abordagens, novas metodologias, a esse respeito concordamos com Silva, Machado e Silveira (2012) ao suscitar a utilização de recursos multimídia como ferramentas para auxiliar no processo de ensino e aprendizagem de conceitos abstratos, além de fomentar o desenvolvimento em competências que contemplem as novas tecnologias. Assim, os recursos multimídia apresentam-se como ferramentas cuja utilização em sala de aula poderá contribuir de forma significativa para o aprendizado dos alunos sobre os modelos atômicos e ainda promoverá o uso da informática em sala de aula. Podemos destacar que os recursos multimídia constituem-se como instrumentos ou ferramentas com grande potencial para ajudar os alunos a elaborar formas de pensar nas quais sejam estabelecidas relações entre fenômenos, modelos e representações. (SILVA, MACHADO e SILVEIRA, 2012, p. 2). Acrescentamos que o uso de recursos multimídia, mas não só estes, podem auxiliar no desenvolvimento de material alternativo para o ensino desse 230


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | conceito, bem como auxiliar o incentivo e fomento a pesquisa na área, principalmente aquela voltada efetivamente para a prática na sala de aula. Dessa forma se faz muito importante um planejamento minucioso e escolha cuidadosa do que e como ensinar. Destarte concluímos nosso aporte teórico e passamos no capítulo seguinte a descrever a rotina metodológica que guiou nossa pesquisa.

Metodologia O conteúdo escolhido, “Átomos, estrutura da matéria e modelos”, faz parte do currículo mínimo da Unidade escolar a qual se destina sua aplicação, e por ser reconhecidamente um assunto complexo se torna mote para investigação sobre alternativas de abordagem, nesse caso a partir da utilização de recursos das TIC, de forma a diminuir a formação de concepções alternativas bem como a criação de hábitos de estudo além da sala de aula. Após leitura, revisão e argumentação chegamos a questão de investigação: Como utilizar as redes sociais online, mais precisamente o Facebook, como ferramenta e metodologia complementar ao estudo em sala de aula, para o estudo do tema átomos, estrutura da matéria e modelos? Esse tema envolve a elaboração de ideias abstratas e o uso de recursos multimídia pode favorecer a compreensão do conteúdo pelos alunos que estão desenvolvendo a capacidade de abstração. Os alunos iniciam os estudos sobre os modelos atômicos com conceitos que já têm consigo e que são diferentes dos científicos e provenientes do que veem no seu cotidiano macroscópico. Esse tema exigiu grande capacidade de abstração e não possibilita a realização de muitos experimentos, além disso, não é de fácil contextualização. A partir do estudo dos modelos atômicos o aluno pode compreender melhor o significado das representações para as transformações químicas. (Silva, Machado e Silveira, 2012, p. 2). Essa pesquisa é um estudo de caso, “caracterizada como levantamento exploratório descritivo” (LIMA e VASCONCELOS, 2008, p. 350). Segundo Danton (2002, p. 18) “o estudo de caso parte de uma lógica dedutiva. O caso é tomado como unidade significativa do todo”, ainda sobre os tipos de pesquisa, Gil (2002, p. 41) embasa nossa proposta ao descrever que “embora o planejamento da pesquisa exploratória seja bastante flexível, na maioria dos casos assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso”. 231


| Maylta dos Anjos (Org.) | Estudos exploratório-descritivos combinados – são estudos exploratórios que têm por objetivo descrever completamente determinado fenômeno, como, por exemplo, o estudo de um caso para o qual são realizadas análises empíricas e teóricas. Podem ser encontradas tanto descrições quantitativas e/ou qualitativas quanto acumulação de informações detalhadas como as obtidas por intermédio da observação participante. (LAKATOS e MARCONI, 2003, p. 188). O desenvolvimento e aplicação prática do projeto tomou como locação e universo a ser pesquisado uma turma de 9o ano do Ensino Fundamental, da Escola Municipal Professora Márcia Francesconi Pereira, no município de Cabo Frio, estado do Rio de Janeiro. A turma estava composta por 33 alunos com idades que variam de 14 a 17 anos. A pesquisa se desenvolveu em três etapas. Na primeira etapa foi feito um levantamento sobre a forma e frequência da utilização dos recursos das TIC pelo universo pesquisado descrito no capítulo referente. A partir dessa investigação e constatação das suas possibilidades, a segunda etapa se debruçou sobre a elaboração e aplicação da sequência didática. Por fim, na terceira etapa, os dados coletados foram analisados numa análise interpretativa livre, apesar de se utilizar de técnicas e influências oriundas da Análise de Conteúdo e apresentados posteriormente a partir da reprodução de postagens dos alunos na rede social, bem como das análises a prévia e a posteriori da sequência didática.

Primeira etapa Como parte constituinte da pesquisa, descrita como primeira etapa, foi desenvolvida investigação prévia no intuito de sondar o alcance e hábitos de utilização dos recursos das TIC e das redes sociais, buscando respaldo no sentido de empreender o pretendido no projeto bem como diagnosticar as melhores ferramentas para tal iniciativa. Os resultados dessa investigação são descritos adiante em capítulo específico e encontram-se na seguinte referência, Neto e Nunes (2013), trabalho completo. Optamos por uma Sequência Didática, por essa oferecer ferramentas que facilitam a avaliação do aproveitamento e validade da mesma além de permitir a relação da prática pedagógica a pesquisa acadêmica. E como adição na busca por novos recursos, técnicas e metodologias associamos os recursos das TIC, mais notadamente as redes sociais, com 232


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | objetivo de complementação do estudo em sala de aula por permitir além da comunicação e mediação, o compartilhamento de material e atividades, na busca de variação de estímulos e desenvolvimento de competências desejáveis como o hábito de estudo. A coleta de dados conduzida por meio de uma questão aberta que generaliza e sintetiza o tema de consulta, o átomo e sua estrutura, é inserida na sequência didática com vistas a analisar e avaliar tanto o conhecimento prévio dos estudantes bem como o desenvolvimento das concepções formadas e aqueles relacionados à aceitação da ferramenta mediadora e metodologia utilizada, tomando viés quantitativo e qualitativo. A análise e interpretação de dados foram executadas sob luzes de literatura correlata influenciada por uma abordagem temática da Análise de Conteúdo a partir do lecionado por Bardin (1977). No que diz respeito a parte prática, a sequência didática aplicada em classe foi intercalada com atividades publicadas no grupo criado na rede social Facebook, com o objetivo de interação com os estudantes. Depois da apresentação do projeto para os alunos e sua anuência e concordância, foram definidos os passos seguintes, tendo como ponto de partida a criação do grupo na rede social Facebook. O grupo foi batizado como “Ciências” e descrito como “Grupo da turma X”. Por meio desse grupo foram desenvolvidas atividades pedagógicas mediadas e avaliadas no semestre letivo”, a partir do perfil previamente criado e mantido pelo professor e utilizado como meio de comunicação e divulgação de trabalhos e iniciativas pedagógicas.

Segunda etapa – Sequência didática A segunda etapa foi a elaboração e a aplicação da sequência didática, Leal (2012) descreve de maneira prática, sucinta e objetiva alguns elementos de uma sequência didática, bem como sugere uma forma de organização que utilizaremos adiante para demonstrar como fizemos a sua adaptação e aplicação, mesclando atividades aplicadas em sala de aula às atividades aplicadas na rede social Facebook para complementação do estudo. Vale ressaltar que além de se tratar de um processo de experimentação também vem como sugestão para utilização em outras circunstâncias, seja com outros temas ou em outras disciplinas. Para cada aula, usamos os mesmos elementos (ou itens) de planejamento, sendo: TEMA, OBJETIVO, RECURSOS INSTRUCIONAIS, MOTIVAÇÃO, 233


| Maylta dos Anjos (Org.) | TEMPO ESTIMADO PARA AULA, DESENVOLVIMENTO e AVALIAÇÃO. Para as atividades desenvolvidas pela rede social, usamos o símbolo da “arroba” (@) como forma de identificação. Segue adiante a descrição detalhada do planejamento da sequência didática: • Aulas 1 e 2 – 1º dia TEMA: Modelos – Análise a prévia OBJETIVO: Introduzir a ideia de que os modelos são representação de objetos e/ou conceitos que não podem ser verificados ou visualizados em determinadas condições e associar esse conceito a sua utilização em ciências. RECURSOS INSTRUCIONAIS: Miniaturas de objetos comuns, globo geográfico, caixa de papelão para dinâmica, quadro branco e canetas, computador e projetor multimídia. MOTIVAÇÃO: Fotografia da turma e apresentação das miniaturas para associação com a proposta da aula. TEMPO ESTIMADO PARA AULA: Duas aulas de 50 minutos DESEN­VOL­VIMENTO: Apresentação da proposta da sequência didática, descrevendo o processo, os objetivos e necessidade de participação na rede social “Facebook” para complementar as atividades desenvolvidas em classe; Confirmação da adesão dos alunos ao grupo criado no “Facebook”, intitulado “Ciências”. Questionamento sobre o que são modelos, o que entendem por modelos, discussão aberta; Convite à fotografia da turma, que irá servir de “capa” para o grupo na rede social e iniciar a associação ao tema, nesse caso, aos modelos fotográficos. Dinâmica: Caixa surpresa x modelos x método científico. Atividade onde os alunos procuram identificar o objeto que está dentro da caixa a partir de perguntas sobre o mesmo. Nessa atividade, a curiosidade, a formulação de hipóteses e a experimentação por meio das perguntas permite uma prática do método científico e dessa forma a associação do tema modelos, a sua aplicação em ciências, nesse caso a Química, que por sua vez poderá ser incitada ao incentivar os alunos a elaborarem questões sobre o material do objeto dentro da caixa. AVALIAÇÃO: Discussão aberta sobre o que foi debatido em sala durante o desenvolvimento da aula; Debate a partir da questão: “O que é um átomo, o que você conhece ou sabe sobre isso?”; Resolução individual da questão 234


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | proposta no caderno. (avaliação a prévia). @ – Publicar (transcrever) no grupo as respostas para as questões propostas em sala de aula. • Aulas 3 e 4 – 2º dia TEMA: Exposição oral intercalada com exibição do filme “BBC – Atom” OBJETIVO: Apresentar os conceitos básicos da estrutura atômica bem como a história do desenvolvimento dos modelos atômicos. RECURSOS INSTRUCIONAIS: Quadro branco e canetas para quadro, computador, projetor multimídia (data show). MOTIVAÇÃO: Aproveitando o tema discutido na atividade desenvolvida na rede social questiona-se a respeito do que “postaram”, leram e viram associando essa discussão ao tema principal, o átomo (e seus modelos). TEMPO ESTIMADO PARA AULA: Duas aulas de 50 minutos DESENVOLVIMENTO: A aula se inicia com questionamentos sobre a atividade desenvolvida na rede social, desde as questões práticas como aquelas relacionadas ao tema em si. Breve exposição oral sobre a estrutura atômica; Exibição do filme “BBC – Atom”, com pausas para rever as ideias e pontos chave do documentário, com relevância para o que já foi discutido e novos questionamentos. AVALIAÇÃO: Participação em enquete e postagens mediadas pelo professor/administrador do grupo. @ – Assistir ao vídeo “Evolução dos modelos atômicos” (Condigital – PUC)*. @ – Comentar o vídeo e o filme associando ao que foi discutido em sala de aula. • Aulas 5 e 6 – 3º dia TEMA: Atividade “Modelos de átomos e moléculas” OBJETIVO: Desenvolver noção de organização dos átomos em moléculas na formação de substâncias e promover a introdução breve de conceitos como substâncias simples, compostas, funções químicas e reações químicas. RECURSOS INSTRUCIONAIS: Quadro branco, canetas de quadro, computador, projetor multimídia (data show), 5 “kits” de modelos de átomos feitos em papel cartão colorido (produzidos pelo professor). Os modelos utilizam discos em papel cartão, utilizando cores e tamanhos diferentes representando átomos de elementos comuns. MOTIVAÇÃO: Revisão das atividades da rede social e projeção de imagem explicativa sobre o desenvolvimento da atividade e distribuição dos “kits” de modelos. 235


| Maylta dos Anjos (Org.) | TEMPO ESTIMADO PARA AULA: Duas aulas de 50 minutos. DESENVOLVIMENTO: A aula se inicia com a discussão sobre a atividade na rede social; É solicitada a formação dos grupos e os “kits” são distribuídos; Na projeção animada é apresentada a proposta da atividade, e são demonstrados alguns exemplos explicativos como a montagem de modelos de algumas moléculas comuns como gás hidrogênio (H2), gás oxigênio (O2) e água (H2O); São apresentadas a partir daí 4 sequências de fórmulas químicas de substâncias comuns (simples, compostas, funções químicas e reações químicas), para cada sequência os alunos tentam montar sobre suas carteiras reunidas por grupos os modelos correspondentes, usando aqueles de cada “kit”; No início de cada sequência é feita uma pequena exposição sobre as substâncias apresentadas e ao final de cada montagem, os alunos apresentam os seus modelos para o professor que verifica os erros e acertos. AVALIAÇÃO: @- Pesquisar e postar uma imagem de algum modelo atômico e comentá-la. Obs. Para incentivação, foi postada uma imagem sobre o tema. • Aulas 7 e 8 – 4º dia TEMA: Modelagem de modelos de moléculas simples com “Biscuit”. OBJETIVO: Construção de modelos de moléculas em massa de porcelana fria (biscuit). RECURSOS INSTRUCIONAIS: Quadro branco, canetas para quadro, computadores, “tablets”, telefones celulares, massa de porcelana fria (biscuit), palitos de dentes e/ou fósforos, clips, tinta colorida, cola quente, cola instantânea. MOTIVAÇÃO: Comentários sobre a atividade da rede social, revisão sobre as substâncias postadas. TEMPO ESTIMADO PARA AULA: Duas aulas de 50 minutos (podendo ser acrescido de mais 20 minutos). DESENVOLVIMENTO: Depois da introdução com a discussão sobre a atividade anterior e questionamentos sobre as substâncias pesquisadas são apresentados alguns modelos de substâncias comuns produzidos previamente (modelos feitos com bolinhas de isopor, com papel mache e com “biscuit”). Produção individual dos modelos das substâncias pesquisadas e compartilhadas na rede social com a massa de porcelana fria (biscuit) que foi solicitada previamente. Nessa parte os alunos podem usar os recursos dos telefones celulares (smartphones), tablets e computadores para visualizar as figuras com os modelos das substâncias que foram compartilhadas por eles na internet. 236


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | AVALIAÇÃO: @ – Pesquisar informações a respeito de alguma substância química. Na postagem deverão apresentar: Nome da substância; Um modelo da molécula; A fórmula molecular; Informações gerais como propriedades químicas, importância, utilidade etc. Obs. Para motivação e referência, o professor fez uma primeira postagem de exemplo utilizando como modelo de substância a água (H2O). • Aulas 9 e 10 – 5º dia TEMA: Avaliação a posteriori. OBJETIVO: Avaliar o aproveitamento da sequência didática seja no aspecto de conhecimento, formação de conceitos, conteúdo bem como da validade da metodologia utilizada. RECURSOS INSTRUCIONAIS: Quadro branco, canetas para quadro, recursos audiovisuais, formulários para questionário. MOTIVAÇÃO: Discussão sobre a atividade anterior, visualização das fotografias projetadas. TEMPO ESTIMADO PARA AULA: Duas aulas de 50 minutos. DESENVOLVIMENTO: Aula de encerramento da sequência, se desenvolve a partir da discussão sobre a atividade anterior. São projetadas a partir do computador com datashow, imagens sobre as atividades desenvolvidas na rede social, as postagens, fotos e comentários. Debate sobre a sequência didática, o aproveitamento e a metodologia utilizada. Resolução da questão proposta na 1a aula da sequência com vistas a avaliar a evolução do aprendizado (avaliação a posteriori). AVALIAÇÃO: @ – ATIVIDADE FINAL: Montar uma sequência com 4 imagens sendo a 1a a foto do modelo da substância que você esculpiu em sala; Ao final da aplicação da sequência didática, de posse dos dados passíveis de avaliação, leia-se análise a prévia e análise a posteriori, procuramos observar a partir das transcrições das respostas, algum padrão nos termos utilizados e na estrutura da redação das mesmas, no sentido de validar a eficácia da sequência a partir da avaliação da evolução cognitiva dos alunos com relação ao tema “Átomos, estrutura da matéria e modelos” e se deu por meio de respostas à questão “O que você conhece sobre o átomo?” Junte a essa análise, a tabulação da quantidade de postagens por atividades extraclasse aplicadas na rede social bem como uma avaliação sobre a relevância e repercussão das mesmas entre o grupo de alunos 237


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Terceira etapa – Interpretação dos registros Para avaliação da participação dos alunos na rede social, computamos o número de postagens por atividade e procuramos analisar o alcance das mesmas a partir das “visualizações, curtidas e comentários” bem como a interpretação dos comentários que apontem para o desenvolvimento cognitivo e a interação na rede social. Para as avaliações das análises a priori e a posteriori da sequência didática, utilizamos uma análise de livre interpretação sob influência da Análise de Conteúdo, mecanismos e técnicas que pudessem auxiliar na elucidação do que construíram os alunos nas suas redações. A de análise de conteúdo é tida como um “Conjunto de técnicas de análise de comunicações” (BARDIN, 1977, p. 31), dotada de procedimentos de organização e interpretação de dados, sejam esses a partir de documentos nos mais variados formatos. A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas de reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum (MORAES, 1999, p. 2). Ainda de acordo com o proposto por Bardin (1977), essa técnica pode ser dividida em três fases distintas de aplicação: 1. “A pré-análise; 2. A exploração do material; 3. O tratamento dos resultados e a inferência e a interpretação.”(BARDIN, 1977, p. 71). Como adaptação a essa divisão, seguimos o proposto por Moraes (1999): 1. Preparação das informações, consiste em organizar as informações, identificar padrões e fazer leituras e releituras para a familiarização com o conteúdo, procedendo o que Bardin(1977) chamou de “leitura flutuante”. 2. Unitarização ou transformação do conteúdo em unidades – releitura do material selecionando e isolando unidades de interpretação para futura categorização. Aqui optamos por definir “Unidades de Registro” para palavras, ou conjunto de palavras de relevância para o tema segundo as referências pesquisadas. 238


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | É importante salientar que neste processo de fragmentação de um texto necessariamente se perde parte da informação do material analisado. A leitura feita representará sempre uma perspectiva do pesquisador. Entretanto, na medida em que se tem consciência de que não existe uma leitura objetiva e completa de um texto, esta perda de informação pode ser justificada pelo aprofundamento em compreensão que a análise possibilita (MORAES, 1999, p. 6). 3. Categorização ou classificação das unidades em categorias – agrupamento dos dados, unidades de registro, considerando alguma analogia entre eles. 4. Descrição – Computação da frequência na verificação das unidades em suas respectivas categorias bem como a exposição e definição do significado das mesmas. 5. Interpretação – ainda a partir do investigado previamente nas referências sobre o tema, nesse caso “Átomos, estrutura da matéria e modelos”, são tecidas as considerações do pesquisador no sentido de compreender o exposto pelos atores, aqui, os alunos. Liga-se ao movimento de procura de compreensão. Toda leitura de um texto constitui-se numa interpretação. Entretanto, o analista de conteúdo exercita com maior profundidade este esforço de interpretação e o faz não só sobre conteúdos manifestos pelos autores, como também sobre os latentes, sejam eles ocultados consciente ou inconscientemente pelos autores” (MORAES, 1999, p. 9). Ao final da aplicação, são comparadas as interpretações das análises a priori e a posteriori a fim de diagnosticar, como previamente citado, a evolução cognitiva, fixação e assimilação do conteúdo e a validade do processo no sentido didático-pedagógico bem como identificar as possíveis falhas, e nuances passíveis de correção, proposição de aplicação da metodologia e sugestões de continuidade da pesquisa. No capítulo seguinte, apresentamos os resultados das três etapas descritas anteriormente.

Resultados e discussão Como investigação prévia na busca por coletar informações à respeito da utilização de recursos das TIC pelos alunos, notadamente o uso da Internet e adesão as redes sociais online, desenvolveu-se breve pesquisa quantitativo-descritiva reproduzida na sequência. 239


| Maylta dos Anjos (Org.) | Coaduna com nossa hipótese de que a utilização de recursos das TIC tem alcance que justifica a aplicação e desenvolvimento de projetos na área para aplicação na série a que se delimita essa pesquisa. A coleta de dados se deu por questionário com questões fechadas e de múltipla escolha, como define Lakatos e Marconi (2003, p. 204-206). Os questionários foram aplicados separadamente a três turmas do 9o ano do Ensino Fundamental, na qual antes da aplicação do mesmo foi proferida uma pequena introdução sobre o tema, explicitando o caráter da entrevista e da pesquisa.

Interpretação das análises a priori e a posteriori Para as avaliações das análises a priori e a posteriori da sequência didática, utilizamos uma análise de livre interpretação sob influência da Análise de Conteúdo, mecanismos e técnicas que pudessem auxiliar na elucidação do que construíram os alunos nas suas redações. A de análise de conteúdo é tida como um “Conjunto de técnicas de análise de comunicações” (BARDIN, 1977, p. 31), dotada de procedimentos de organização e interpretação de dados, sejam esses a partir de documentos nos mais variados formatos. Sob influência da técnica de análise de conteúdo avaliamos as respostas dos alunos à questão proposta nas análises prévia/ posteriori, “O que você conhece sobre o átomo?”, no intuito de se identificar a evolução cognitiva, fixação e assimilação do conteúdo “Átomos, estrutura da matéria e modelos” e a validade do processo no sentido didático-pedagógico bem como identificar as possíveis falhas. Numa primeira etapa, a preparação, as respostas dos alunos a questão proposta foram transcritas para um editor de textos e numeradas (29 respostas na analise a priori e 22 respostas na analise a posteriori). Procedeu-se a “leitura flutuante” a exaustão, de forma a familiarização com o conteúdo e identificação de possíveis unidades de registro (URs). Os dados foram tratados com base na técnica da análise temática ou categorial que, de acordo com Bardin (2010), baseia-se numa contagem de um ou vários temas ou itens de significação, ou seja, o desmembramento do texto em unidades com a finalidade de se descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação, e posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias. (DIÓRIO, 2012, p. 32). 240


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Nas etapas seguintes, unitarização e categorização (MORAES, 1999), foram definidas e selecionadas as unidades de registro, a separação por temas e categorias sendo 19 URs, 7 temas (Átomo como partícula indivisível, Misticismo e alquimia, Unidade estrutural da matéria, Matéria é tudo que tem massa, Modelos atômicos, Partículas subatômicas, Novos conceitos) e 3 categorias (1 – Origem histórica do termo átomo, 2 – Consolidação do atomismo, 3 – Divisibilidade do átomo). Quando uma pesquisa utilizando análise de conteúdo se dirige à questão ‘para dizer o quê? ’o estudo se direciona para as características da mensagem propriamente dita, seu valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos. É o que constitui uma análise temática. (Moraes, 1999, p. 4). Uma primeira análise quantitativa fundamenta-se na frequência de aparição de determinados elementos da mensagem, enquanto que a qualitativa recorre a indicadores não frequenciais de acordo com o desenvolvimento da hipótese”. (LEAL, 2013, p. 43) A síntese da formação de temas e categorias, demonstra que a Categoria 1 – “Origem histórica do termo átomo”, foi representada por 32 URs (59,3%) na análise a priori e 10 URs (14,5%) na análise a posteriori. A Categoria 2 – “Consolidação do atomismo”, teve 20 URs (37%) na análise a prévia e 22 URs (31,9%) na análise a posteriori, e a Categoria 3 – “Divisibilidade do átomo”, apresentou 2 URs(3,7%) na análise a prévia e 37 URs (53,6%) na análise a posteriori. Numa análise breve dos números aqui apresentados já é possível perceber que houve uma evolução na formação de conceitos comparando a análise inicial da análise final se levarmos em consideração a cronologia dos conteúdos apresentados. Essa ordem segue de alguma forma, a evolução histórica do conceito e que é reproduzida nas respostas dos alunos a questão proposta. Percebemos que a frequência das respostas se inverte nas análises a prévia e a posteriori denotando uma substituição dos conceitos iniciais (categoria 1) por teorias mais modernas (categoria 3) e um equilíbrio na frequência de respostas enquadradas na categoria intermediária (categoria 2) de forma a concluir que esses conceitos da “unidade estrutural da matéria” e “matéria é tudo que tem massa” se consolidou apesar das novas informações, que não precisam necessariamente substituir aquelas anteriores visto que mesmo a ideia do “átomo como partícula indivisível” ainda hoje é válida para explicar determinados comportamentos e propriedades da matéria como sugere Chassot (1996) apud Marques e Caluzi (2003, p. 2). 241


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Conclusão A associação das TIC com a metodologia das sequências didáticas apareceu como uma possibilidade de oferta da variação dos estímulos com possibilidade de avaliação da eficácia da mesma de forma a retornar informações que nos permitiram concluir sua viabilidade. As atividades desenvolvidas na sequência didática mostraram eficiência principalmente pela necessidade de planejamento prévio e delimitação de um tema importante dentro de um período pré-determinado, o que nem sempre é conseguido se tomarmos como base as propostas elencadas pelas unidades escolares, secretarias de educação e órgãos competentes, que de alguma forma limitam a autonomia do professor ao determinar o que deve ser estudado/ensinado, e como. Nas tarefas em que se utilizou a rede social Facebook como meio de interação, obtivemos resultados muito interessantes, apesar da expectativa de maior comprometimento e engajamento por parte dos discentes, visto que esse é um ambiente muito familiar e muito utilizado pelos alunos do universo investigado, principalmente no que diz respeito ao domínio das TIC e de competências desejáveis na utilização destas como a facilidade para pesquisa dos temas trabalhados na internet, montagem e publicação de recursos de mídia como fotos e vídeos além da possibilidade de ampla comunicação, seja diretamente nas postagens ou mesmo através de mensagens privadas como aconteceu em muitos momentos. Em detrimento a interação inferior às expectativas, podemos perceber que praticamente todas as postagens veiculadas na rede social foram visualizadas pela maioria dos componentes do grupo, o que não refletiu plenamente nas “curtidas” e comentários relevantes, porém pode se notar uma evolução também nesse quesito. Julgamos aqui a necessidade de uma atuação mais aguda do docente no sentido de mediar e incitar a participação e engajamento dos alunos, tendo esse como um fator primordial para um maior sucesso para propostas similares. Apesar disso percebemos, a partir da interpretação das análises a prévia e a posteriori, uma clara evolução cognitiva dos alunos na fixação e consolidação de conceitos associados a estrutura da matéria e dos modelos atômicos, principalmente aqueles que relacionam esses conceitos a uma evolução cronológica inserida na história do desenvolvimento dessas ideias. Ainda nesse sentido puderam relacionar um conhecimento que necessita de grande abstração, por se tratar de um universo microscópico, quase “invisível”, 242


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ao comportamento macroscópico da matéria ao associarem as informações trabalhadas na sequência didática a substâncias, objetos, utensílios e serviços utilizados corriqueiramente no nosso cotidiano. Lembramos ainda que durante o período de aplicação do projeto, pode-se trabalhar competências desejáveis que dizem respeito ao hábito de estudo, responsabilidade e autonomia. Concluímos, portanto, a viabilidade e a eficácia da proposta de se utilizar os recursos das redes sociais como meio de complementar o processo de ensino e aprendizagem das salas de aula através de atividades extraclasse, podemos também avaliar a nossa prática docente e ainda contribuir para o universo acadêmico ao trazer à voga uma nova proposta de utilização de recursos que são cada vez mais presentes no nosso dia a dia. E a partir do exposto, surgem como principais possibilidades de investigações futuras, a averiguação da utilização da metodologia desenvolvida com outros assuntos e a busca por meios de se aperfeiçoar a participação, engajamento e comprometimento dos discentes em propostas afins.

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Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim affecare, quer dizer “ir atrás”. O afeto é o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado. Rubem Alves


RELAÇÕES DIALÓGICAS E REFLEXÕES SOBRE O BULLYING ENSINO FUNDAMENTAL – UM VIÉS NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Ana Maria Ribeiro de Seabra

Introdução O presente trabalho propõe-se a pesquisar os possíveis efeitos das relações dialógicas e das reflexões sobre atos de violência entre e com estudantes do primeiro segmento do Ensino Fundamental – o bullying – por meio do uso crítico e autoral dos meios de comunicação, em especial, dos recursos disponibilizados pelo computador. A imersão dos estudantes, da pesquisa, na cultura digital, é uma constatação, ou pelo uso dos computadores pessoais, ou das máquinas existentes na escola e nas lan-houses, frequentadas pelos jovens de comunidades mais carentes. Segundo dados da UNESCO (1996), a internet é uma das mídias às quais crianças destinam grande parte do seu tempo, constituindo meio de construção de crenças e atitudes, tal qual o fazem outras instituições como a escola e a família, por exemplo. Por que, então, não utilizá-las de modo produtivo no ambiente escolar? É indispensável que os profissionais da Educação considerem os efeitos psicológicos e éticos gerados pelas novas tecnologias e desvendem as influências do universo virtual nos processos de aprendizagem conceitual e atitudinal. A utilização do ciberespaço, entendido como espaço formador e socializador de opiniões e crenças, visa responder ao problema que este estudo propõe: em que medida o uso de ambientes virtuais para expressão de crenças e reflexão acerca de comportamentos de bullying contribui para a reflexão ética 248


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | e formação de juízos morais dos alunos a respeito de situação do cotidiano escolar: a violência entre os pares, o bullying? O mundo virtual, considerado por Lévy (2003) como espaço de trocas sociais, permite o rompimento da linearidade comunicacional, do poder hegemônico da comunicação, podendo o receptor da mensagem intervir e alterar o conteúdo emitido, o que viabiliza e motiva a produção e não somente o consumo de informações. Possibilita, também, que as relações de poder sejam mais equilibradas na ação comunicativa, pelas chances, igualmente concedidas, de expressão de atitudes, sentimentos e intenções. Todos podem permitir, concordar, se opor, criticar, sugerir, estando os estudantes em condições igualitárias do ponto de vista da participação, situação ideal para trocas sociais e democráticas. Sendo assim, é possível que a interatividade das tecnologias de comunicação facilite o pensamento crítico sobre situações de bullying? Tal prática pode ser considerada um exercício de ética escolar? A cultura digital poderia influenciar a cultura escolar em relação à reflexão e formação de opiniões sobre a violência entre estudantes? Como as situações de violência repetitiva e intencional entre alunos são frequentes e sendo a instituição educacional, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, nº 9394/96, espaço de formação de seres solidários, que respeitem as diferenças existentes, surgiu a necessidade de refletir sobre as atitudes e comportamentos a partir das situações vivenciadas pelos alunos, configurando tal processo como uma proposta de abordagem ética dos mesmos, segundo Vazquez (2003). Por ser o bullying um fenômeno tão problemático e comprometedor, é urgente a necessidade de revisar a educação à luz das novas exigências que nos oferecem os meios de comunicação social, tanto por seu conteúdo quanto por suas formas. Questões norteiam essa investigação, tais como a prevalência de alunos em situação de bullying; os comportamentos de bullying que têm visibilidade e a distribuição dos papéis de autor, alvo e testemunha do fenômeno. Por esta razão, essa pesquisa que destacou a importância de estudar o bullying na esfera de ensino federal, ainda não explorada pelos pesquisadores brasileiros preocupados com a questão, investigou o uso do ambiente virtual para reflexão sobre os atos dos envolvidos com o bullying, por entender que um ambiente onde as diferenças sejam respeitadas, o diálogo seja o principal canal de resolução de conflitos, é facilitador da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo (FANTE, 2005). 249


| Maylta dos Anjos (Org.) | A partir desse quadro, surgem indagações. Como levar crianças à empatia, a pensarem do ponto de vista do outro, a interações sociais onde a cooperação e o respeito às diferenças mútuas estejam presentes? É possível educar para atitudes éticas, para uma cultura voltada para a paz em uma sociedade marcada pela violência? A incorporação da linguagem midiática ao espaço pedagógico contribuiria para expressão e troca de opiniões, bem como a posterior tomada de decisões coletivas para a convivência social, fundadas na valorização do indivíduo como o outro? A proposta desta pesquisa foi verificar se o uso da linguagem midiática, a apropriação crítica de tecnologias digitais – blog, wiki, vídeo, animações – para registros e expressão de opiniões, de forma interativa, sobre as ações de bullying, promoveria a busca de estratégias de enfrentamento das situações de violência entre os pares e, portanto, a redução da violência entre os alunos, por meio de uma abordagem reflexiva sobre o tema. O suporte teórico dessa investigação estrutura-se sobre pesquisas relativas ao bullying entre estudantes, cujos trabalhos iniciaram-se no Brasil com Aramis Neto (2003, 2005), Nogueira (2003, 2007) e Fante (2005); nas concepções de Paulo Freire (1987) e suas ideias a respeito de uma educação progressista e libertadora; nas bases do sócio-interacionismo de Lev Vygotsky (1989, 1998); nos estudos sobre o desenvolvimento da criança, de Jean Piaget (1969, 1978, 1987, 1988, 1990), que além de ser um importante autor da cognição humana, destaca-se por referir-se ao desenvolvimento moral infanto-juvenil, bem como nas ideias defendidas por Pierre Lévy (1998, 2001, 2007, 2008), que contribuem para o uso produtivo das TIC, enfatizando a importância interacional do ciberespaço. O interesse pelo estudo das (di/con) vergências dos pensamentos dos autores foi promovido pela necessidade de refletir sobre as práticas educativas que envolvessem a abordagem dos meios de comunicação e o uso do ciberespaço, de forma ética. Assim, propostas de intervenção pedagógica foram feitas e analisadas à luz dos constructos teóricos selecionados, com vistas à formação de indivíduos reflexivos, críticos e solidários, que possam fazer, cada vez mais, uso responsável e saudável da Rede. O objetivo geral do trabalho foi analisar o uso autoral e dialógico dos ambientes virtuais, como estratégia de intervenção pedagógica para desenvolvimento da autonomia moral acerca do bullying e redução desses comportamentos de violência entre os estudantes da pesquisa. Foram formulados objetivos específicos para viabilizar a consecução do objetivo geral do trabalho: identificar características do fenômeno de violência 250


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | entre estudantes, bullying, no ambiente escolar tais como: tipos de bullying praticados, frequência, local de ocorrência, número de alunos que sofreram, praticaram ou assistiram a esses comportamentos, bem como a percepção da necessidade de mudanças e de medidas para sua redução por parte dos alunos; demonstrar o uso sistematizado e planejado do espaço pedagógico virtual, para reflexão de comportamentos violentos entre alunos; discutir as interações estabelecidas no ambiente virtual como estratégia de intervenção e formação de juízos sobre o bullying.

A informática na Educação As atividades desenvolvidas nesse estudo foram realizadas no Laboratório de Informática Educativa, tornando-se necessário caracterizar tal componente que faz parte do currículo da turma 501. O Projeto Político Pedagógico (PPP, 2002) do Colégio Pedro II apresenta a proposta de trabalho da Informática Educativa, considerando que a educação não está mais fundamentada na transmissão de conteúdos preestabelecidos, mas baseada na apropriação de saberes pelo aluno e no desenvolvimento de competências. Assinala que o projeto de informática na educação tem como premissa a construção do conhecimento, auxiliada pela tecnologia utilizada pelo professor e pelo aluno. Logo, a proposta de utilização do computador não é desenvolver conhecimentos de informática de forma isolada, por cursos específicos, mas a de usar os recursos tecnológicos para a realização de projetos interdisciplinares, nos quais as ferramentas computacionais sejam conhecidas de acordo com as necessidades surgidas nas atividades propostas. Por meio da Informática Educativa, o acesso às tecnologias da informação e comunicação (TIC) é garantido à comunidade escolar, promovendo no âmbito da escola também práticas de inclusão digital, tendo por objetivo o acesso ao que Lévy (1998) denomina de tecnologias intelectuais coletivas. A utilização da informática para a dinamização do currículo do primeiro segmento do ensino fundamental se propõe a contribuir para o desenvolvimento da autonomia, o crescimento integral da pessoa e para a equidade na disseminação de conhecimento em ambientes de aprendizagem em que os desafios de conhecer estejam relacionados. Mas, consta no Proinfo, Programa Nacional de Informática na Educação, (2000, p. 67) uma questão: “será mesmo 251


| Maylta dos Anjos (Org.) | que a informática pode ajudar a construção dessa espécie de utopia de todo educador?” Certamente não será a Informática que responderá a essas expectativas, mas sua desafiante implementação pode indubitavelmente favorecer a criação de espaços de reflexão, de questionamentos, da inquietação no lugar da obviedade, fazendo frutificar outros processos, outras possibilidades dentro do processo de ensino e aprendizagem. O uso da informática na educação é recente e data da década de 1980, com o surgimento de projetos experimentais de utilização dessa nova ferramenta no mundo acadêmico. (PROINFO, 2000). Inicialmente, além de ser usado como complementação do trabalho pedagógico, foi utilizada a linguagem de programação com interface para o público infantil, chamada Logo. Desenvolvida por Papert, a linguagem era utilizada experimentalmente por alunos, jovens e crianças que se deslocavam até as universidades para acesso a computadores de grande e médio porte, existentes antes dos microcomputadores atuais. De acordo com estudos realizados por Valente (1999), foi uma das poucas alternativas criadas, na época, para o uso educacional dos computadores, com proposta de utilização em diversos campos do conhecimento, embasando-se na teoria de desenvolvimento intelectual de Piaget. O Logo foi intensamente usado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, orientados pela professora do Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), Léa Fagundes, preocupados com as dificuldades apresentadas por crianças e adolescentes, de escolas públicas, na aprendizagem da matemática, visando investigar os processos mentais dos jovens que participavam das atividades do LEC. Também participava dos estudos Dr. Battro, discípulo de Piaget. O uso dos computadores estendeu-se a todos os níveis de ensino, a partir dos anos de 90, sendo utilizado no ensino fundamental e médio para, respectivamente, uso de softwares educacionais, processadores de texto, jogos didáticos, leitura de livros animados e para aprendizagem de conceitos da Informática. (VALENTE, 1999). O Ministério de Educação e Cultura (MEC) brasileiro promoveu cursos de capacitação de professores e em 1997, o Programa de Nacional de Informática na Educação (PROINFO) foi criado juntamente com a Secretaria de Educação à Distância, que instalou núcleos de tecnologia nos estados e no distrito federal. Valente (1999) assinala uma diferença significativa no surgimento da Informática da Educação no Brasil e em outros países da Europa e das Américas. Diz respeito à relação que se estabeleceu entre órgãos de pesquisa e a escola 252


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | pública. Enquanto no Brasil as propostas de educação com Informática foram implantadas a partir de pesquisas realizadas por comunidades de pesquisadores, compostas por professores das escolas públicas escolhidas e por equipes interdisciplinares da universidade, para a socialização de conhecimentos sobre o uso de computadores e a resolução de problemas e acompanhamento dos projetos desenvolvidos, na França, as políticas implantadas pelo governo não foram necessariamente frutos da pesquisa e não houve o estabelecimento de uma ligação direta entre os centros de pesquisa e a escola pública. Nos Estados Unidos, embora tenham sido produzidas inúmeras pesquisas, estas podiam ou não serem adotadas pela escola interessada em implantar a informática (p. 16).

Atualmente, são observadas mudanças de uso pedagógico pelo acesso facilitado à Internet e pelas interações que ela promove. Há outros ambientes de aprendizagem que o professor pode utilizar e criar, além da linguagem Logo, e que representam, segundo Valente (1999, p. 15), “inquestionável conhecimento e experiências sobre informática na educação em diversas instituições do país”. Contudo, em tão curto espaço de tempo, a aplicação da informática à educação demanda mudanças de perspectivas pedagógicas para que o uso do computador atenda a perspectiva de uma educação em que o aluno possa realizar atividades de construção do conhecimento, como propuseram teóricos como Piaget, Freire, Vygotsky e Lévy, e não uma educação centrada no ensino, na transmissão da informação, apenas (VALENTE, 1999). Há necessidade de dar continuidade à formação do professor, bem como de cumprimento de políticas públicas já elaboradas que não acompanham a velocidade do crescimento tecnológico. Ainda assim, diversas iniciativas de construção de conhecimentos com o uso do computador, por educadores, são realizadas, por meio de parcerias entre as diferentes atividades do espaço escolar e componentes curriculares, por não acreditarem no trabalho estanque e compartimentado. Entendendo, como Moran (1998) que os saberes são interdependentes e para apreendê-los é necessária uma abordagem que estimule a conexão, e não a fragmentação do conhecimento, a pesquisa de práticas novas de trabalho na Informática Educativa busca resgatar a interdependência que permeia as fronteiras das diversas ciências, interdependência essa que se manifesta até nas relações de vida no planeta. 253


| Maylta dos Anjos (Org.) | Os aspectos acima estão contemplados no Plano Nacional de Educação brasileiro (2001), que estabelece em suas diretrizes “a utilização das tecnologias educacionais [...], padrões mínimos nacionais de infraestrutura para o ensino fundamental, compatíveis com o tamanho dos estabelecimentos e com as realidades regionais, incluindo: informática e equipamento multimídia para o ensino” (p. 49-50). Tais premissas, entre outras razões já apresentadas, fundamentaram a proposta desse estudo, cujos princípios metodológicos, baseados na aprendizagem por redescoberta, na atividade lúdica, na interatividade, que favorecem o desenvolvimento da capacidade crítica, reflexiva e o trabalho cooperativo, são elencados a seguir.

Marco metodológico Quanto à natureza, o presente estudo caracterizou-se como uma pesquisa do tipo aplicada, com uso da metodologia da pesquisa-ação participante, relacionada à produção de conhecimentos, à ação educativa e à participação dos envolvidos para a prevenção e redução do bullying. Pesquisa, participação, investigação e educação constituem essa abordagem que apresenta em seu bojo o desafio de utilizar o potencial transformador dos grupos sociais. A pesquisa-ação participante defende, tal qual a perspectiva freireana para a educação, o estabelecimento de um espaço democrático, em que a práticas problematizadoras, inquiridoras, dialógicas e lúdicas, possibilitem a coparticipação e corresponsabilidade de professor/pesquisador(a) e alunos, bem como a reflexão crítica sobre a prática discentes para transformá-la. Ao propor o estudo das interações virtuais de grupo de alunos, faz-se necessário abordar questões que justifiquem a opção metodológica pela pesquisa-ação-participação. Segundo Demo (1992), a pesquisa-ação-participativa, modalidade de pesquisa fundamentada nos princípios da pesquisa qualitativa, rompe com o princípio da neutralidade, característica preconizada pelas pesquisas cientificistas tradicionais. Por volta dos anos 70, após etapa de forte repressão política na América Latina e no Brasil, novas práticas sociais em educação são propostas, em especial, por Paulo Freire, dando margem a investigações do cotidiano por cientistas sociais e à potencialização de movimentos de mudança e resistência. 254


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A metodologia proposta considera o pesquisador como um mediador do processo coletivo de conhecimento e de transformação da realidade dos sujeitos investigados, não sendo possível sua separação do grupo pesquisado. O pesquisador e os pesquisados são coautores do redimensionamento do campo educativo, por meio de problematizações e análise de soluções para ele, sem estabelecer dicotomias teoria e prática, ação e conhecimento, dando aos sujeitos investigados uma presença ativa no processo. Tal metodologia tem como pressuposto a demanda de agrupamento e cooperação dos envolvidos para a apropriação crítica e reflexiva de atitudes e comportamentos que envolvam as relações estabelecidas e a transformação das mesmas. Dessa forma, os papéis do pesquisador e dos participantes são compartilhados. O pesquisador participa do processo de explicitação de vivências do grupo; os participantes investigam e produzem conhecimentos sobre sua própria realidade, sendo rompida a dicotomia entre teoria e prática relativa aos processos educacionais, promovida pela pesquisa-ação-participativa (LOUREIRO, 2007). Segundo Torzoni-Reis, (2008): [...] o envolvimento, que caracteriza a pesquisa-ação-participativa, é assumido, valorizado, problematizado e de “pecado metodológico”, transforma-se, intencionalmente, em elemento fundante da metodologia da pesquisa (p. 143).

A pesquisa-ação-participante (PAP), em educação, visa modificar o enfrentamento da violência repetitiva e intencional entre alunos e transformar a situação concreta, coletiva, colocada pelos estudantes, sujeitos da pesquisa. Nessa perspectiva, o papel do pesquisador é o de mediar o conhecimento da realidade investigada, (DEMO,1993), de modo a instrumentalizar os estudantes para ações transformadoras do fenômeno bullying, pelas das interações entre os envolvidos que o mundo virtual possibilita. Juntos, o pesquisador e os membros do grupo estudado procuraram soluções para os problemas levantados, desempenharam papel mais ativo, de modo diferente da pesquisa participante, em que o grupo é objeto da pesquisa. É necessário ouvir a criança, em um exercício de interlocução. O diálogo, a aproximação entre alunos e professor são promovidos por uma escuta e um olhar atentos. Assim, é uma pesquisa ação participante aquela em que os sujeitos são autores, compreendem a situação em que vivem, refletindo sobre ela, por meio do diálogo, pensamento esse expresso por Paulo Freire como necessário para a 255


| Maylta dos Anjos (Org.) | criação de novos rumos. (1987, p. 79), quando escreve que “o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado”. A pesquisa-ação-participativa resultou da preocupação de cientistas sociais em pesquisar temas presentes na sociedade e no seu cotidiano. Contudo, os estudiosos das ciências sociais reduziram as contradições sociais às de classe, sendo desconsideradas por muito tempo outras contradições como as de gênero, raça ou cor, características pessoais ou quaisquer outras que expressam o desrespeito às diferenças de identidade social existentes.

Local e duração da pesquisa A pesquisa foi realizada em uma turma do Colégio Pedro II, tradicional instituição de ensino público, localizada no estado do Rio de Janeiro, que se constitui atualmente em uma autarquia federal do Ministério de Educação e Cultura do Brasil, tendo como proposta ministrar ensino público e gratuito nos níveis Fundamental e Médio. Ao longo de sua história, o colégio contou com professores e alunos ilustres, inscritos na história política do país deste século: Francisco de Paula Rodrigues Alves, Marechal Hermes da Fonseca, Nilo Peçanha e Washington Luiz, ex-Presidentes da República [e em] diversos campos de atuação, destacam-se alunos que dignificam o nome de nossa Instituição Federal de Ensino, e, dentre tantos, poderíamos citar: Afonso Arinos de Melo Franco, Alceu de Amoroso Lima, Caribé, Cecil Thiré, Gilberto Braga, Hélio Beltrão, Italo Zappa, Mario Lago, Pedro Nava e Turíbio Santos (PPP, 2002, p. 21).

Dentre as oito Unidades de Ensino Escolares que o colégio possui no estado, está a Unidade Engenho Novo I, na cidade do Rio de Janeiro, localizada um bairro residencial que congrega camadas sociais diversas, unidade na qual estudam os alunos dessa pesquisa. As 21 turmas são as do primeiro segmento do Ensino Fundamental, compreendendo os cinco anos iniciais, do 1º ao 5º, distribuídas em dois turnos, com carga horária diária de 5 horas de atividades. A sala de Informática Educativa da Unidade de Ensino do Engenho Novo I conta com 12 computadores, com rede interna do Colégio Pedro II, possibilitando a comunicação pela intranet de todas as unidades escolares, como também 256


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | rede de banda larga para acesso à internet por todos os alunos, que possuem horários semanais no Laboratório de Informática. Recentemente, o laboratório ganhou unidades de CD, DVD, máquina digital, telão e equipamento de projeção, o Datashow. A Unidade conta com apoio do SESOP (Setor de Orientação Pedagógica). Além dos professores regentes das áreas de conhecimentos em Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Estudos Sociais, existem também professores de atividades de Educação Física, Educação Artística, Educação Musical, Literatura e da Informática Educativa, componente que permeia o espaço curricular e que, em conjunto com as Ciências da Computação (responsável pelos Cursos Profissionalizantes), fazem parte do DCC (Departamento de Ciências da Computação). A escolha da Unidade Engenho Novo da instituição deveu-se ao fato da autora desse trabalho ser professora do Colégio Pedro II, atuando no Laboratório de Informática Educativa, da referida unidade. O tempo destinado para a pesquisa foi de um ano, sendo destinado à intervenção pedagógica, propriamente dita, um período de seis meses.

Universo e amostra de participantes Participaram do universo da pesquisa, 200 estudantes do 1° segmento do Ensino Fundamental: duas turmas de 3º (com 26 e 25 alunos cada uma), três turmas de 4º (com 29, 30 e 29 alunos cada uma) e duas turmas de 5° anos (uma turma com 31 alunos e a outra, a turma 501, com 30 alunos), na faixa etária entre 8 e 13 anos, do Colégio Pedro II /UEENI, instituição federal da cidade do Rio de Janeiro. A faixa etária dos alunos e os anos escolares que frequentam foram escolhidos em virtude do fato de possuírem domínio da leitura e escrita necessário para interpretação e registro das respostas aos questionários formulados para coleta de dados sobre o bullying entre estudantes, bem como para a produção de comunicações hipertextuais e interativas que a internet possibilita e as habilidades requeridas em informática para tais atividades. Também foi considerada a etapa de desenvolvimento moral em que a maioria dos alunos dessa faixa etária encontra-se, a heteronomia, fase anterior a autonomia, na qual, então, “a criança torna-se apta a governar-se e é menos governada por outras pessoas”, sendo o desenvolvimento estimulado quando 257


| Maylta dos Anjos (Org.) | pontos de vista são intercambiados (KAMII, 1991, p. 106). Estiveram presentes alunos cujo ponto de vista a respeito do bullying correspondem à anomia e cuja participação promoveu reflexões diversificadas. Dentro do universo populacional, após o levantamento de dados do primeiro questionário, foi escolhida uma turma, a 501, com base nos relatos e registros de atas, realizados nos COC (Conselho de Classe), pelos professores regentes, de atividades, coordenadores de atividades e pelo SESOP (Setor de Serviço de Orientação Pedagógica), na qual a incidência significativa de bullying foi observada com unanimidade pelos educadores, interferindo na dinâmica da turma durante as aulas, como amostra para participar das estratégias de intervenção propostas, com a anuência de todos os envolvidos. Também foram levadas em conta as queixas frequentes feitas pelos alunos envolvidos na situação.

Instrumentos da pesquisa Foram utilizados dois questionários. O primeiro, para levantamento de dados junto aos alunos do ensino fundamental, relativos a prevalência do fenômeno bullying no espaço escolar, material esse que, após ser utilizado na análise quantitativa, foi entregue aos professores, para as ações que julgassem necessárias desenvolver em conjunto com o SESOP (Setor de Supervisão e Orientação Pedagógica), com exceção dos questionários da turma 501, que foram tabulados para essa pesquisa; o segundo questionário, apenas para os 30 alunos da turma 501, foi aplicado após a intervenção proposta, para comparação de dados e avaliação dos resultados. A intervenção proposta nesse estudo previu a produção de textos verbais, sonoros e imagéticos, no ambiente virtual, sobre as situações de bullying vivenciadas pelos estudantes envolvidos no projeto, material este a ser estudado segundo a metodologia de análise de conteúdos de Bardin (2009). A análise de conteúdos surgiu em meados dos anos 70 como metodologia de estudo e compreensão de material de pesquisa das ciências sociais, em pleno desenvolvimento na época. A obra notável, como a ela se refere Triviños (1987) sobre a análise de conteúdo, com seus princípios e fundamentos é a de Laurence Bardin, L’anlyse de Contenu, publicada em 1977. Privilegia o estudo das comunicações humanas, opiniões, artigos, documentos históricos, entrevistas, considerando características do conteúdo delas e a produção de inferências sobre o material produzido. Dessa forma, auxilia a 258


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | sociólogos que levavam a cabo estudos qualitativos, psicoterapeutas, linguistas preocupados com a enunciação ou semiologia, historiadores à procura de, nos vestígios dos discursos, realidades humanas passadas (BARDIN, 2009, p. 11).

O interesse surgido em países da América Latina pelos aspectos qualitativos das pesquisas em educação, promoveu o confronto entre as atitudes positivistas de aplicar aos fenômenos das Ciências Humanas os mesmos princípios das Ciências Naturais, e a elaboração de tendências qualitativas, bem como alternativas metodológicas para a pesquisa em educação (TRIVIÑOS, 1987). Inicialmente, estabeleceu-se uma dicotomia entre os enfoques quantitativos e qualitativos no campo da pesquisa educacional, que apoiada em referenciais teóricos, resultou inexistente. Triviños (1987) argumenta não ter essa divisão razão de ser e lembra: Os marxistas afirmam que existe uma relação necessária entre a mudança quantitativa e a mudança qualitativa. E esta, resulta das mudanças quantitativas que sofrem os fenômenos. Mas a qualidade do objeto não é passiva. As coisas podem realizar a passagem do quantitativo para o qualitativo e vice-versa (p. 118).

Sem dúvida, algumas pesquisas de ordem estatística transformam seus dados em interpretações mais amplas das investigações pretendidas. Por sua vez, a pesquisa qualitativa que não se apóie em dados estatísticos apresenta validade conceitual, contribuições decisivas para o pensamento científico e propostas de soluções possíveis para as situações apresentadas, em particular, no campo da educação. Laurence Bardin, escolhida nesta investigação como referencial devido à ampla utilização desta autora nas pesquisas em Educação, designa a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] destas mensagens” (2009, p. 44).

Nesse sentido, a análise de conteúdos é utilizada para estudar as diferentes comunicações entre os indivíduos, por intermédio das quais o conteúdo das mensagens é privilegiado. Em conformidade com Triviños (1987, p. 160), “usar o método de análise de conteúdos nas mensagens escritas, porque estas são mais estáveis e constituem 259


| Maylta dos Anjos (Org.) | um material objetivo ao qual podemos voltar todas as vezes que desejarmos” é a ênfase do método de análise proposto. A análise de conteúdo do material escrito no blog e nos vídeos, denominada por Bardin (2009) como método da análise de conteúdo seguiu as três etapas preconizadas pela autora: “1) a pré-análise; 2) a exploração do material; 3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação” (BARDIN, 2009, p. 121). A primeira fase, a pré-análise, relaciona-se ao material escolhido, que foi a leitura das fontes de dados – postagens no blog e vídeos – a transcrição e elaboração de indicadores para organização de categorias. Como Triviños (1987, p. 161) define “é, simplesmente, a organização do material”. A segunda fase, de exploração do material, é onde os dados são codificados. A codificação inicia-se com a escolha de unidades de registro que, como o próprio nome sugere, são palavras, temas, acontecimentos que devem ser registrados, recortados dos textos construídos pelas crianças com o uso do ambiente virtual. Em seguida, as unidades de registro foram agrupadas, reunidas em classes, constituindo as categorias, em razão de características comuns, segundo critérios no presente estudo semânticos, temáticos. O texto é um meio de expressão, onde a construção das categorias se dá de acordo com os temas que emergem do texto. O tema é chamado por Bardin de núcleo de sentido. Para classificar os elementos em categorias é preciso identificar o que eles têm em comum, permitindo seu agrupamento, sua classificação, chamados de análise categorial. Compostas as categorias, serviram como suporte da análise de conteúdo dos depoimentos e foram delimitadas pelas ideias emergentes da exploração dos textos elaborados pelos alunos. Para Bardin, (2009, p. 146-147), “classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com os outros”, fornecendo à categorização “uma condensação, uma representação simplificada dos dados brutos”. Portanto, na segunda fase do método de análise de conteúdo “os procedimentos como a codificação, a classificação e a categorização são básicos nesta instância do estudo” (TRIVIÑOS, 1987, p. 161). Na terceira e última fase, faz-se o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação do material produzido, pelos alunos, de acordo com Bardin (2009). A inferência, procedimento segundo o qual são realizadas deduções lógicas, após tratamento e resumo das características dos textos analisados, confere significados a elas. Inferir tem por finalidade explicitar o conteúdo das 260


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | mensagens, levando em conta os emissores/receptores da mensagem, individuo ou grupo produtores/destinatários da mensagem, a significação por ela fornecida, o canal, o meio de comunicação que a veicula. Triviños (1987) afirma também que os pesquisadores devem ir além do conteúdo manifesto, desvelando o conteúdo latente que o material de estudo possui. Na interpretação, a relação entre os dados obtidos e o referencial teórico que embasa esse trabalho é retomada, dando sentido à interpretação que busca no aparente, sentidos mais profundos. Por detrás do discurso aparente, geralmente simbólico e polissêmico, esconde-se um sentido que convém desvendar. Além da interpretação das categorias estabelecidas, os resultados das operações estatísticas simples, os quadros e os gráficos apresentados para representação dos dados dos questionários aplicados põem em relevo informações tratadas quantitativamente.

Procedimentos Inicialmente, foi esclarecido aos pais, mães ou responsáveis que a proposta tratava-se de uma pesquisa para o Doutorado em Ciências da Educação, sendo necessário utilizar os dados obtidos tanto pelas respostas aos questionários, quanto por meio da análise do material produzido virtualmente. Foi solicitado que, em caso de anuência, assinassem termo de consetimento para que as crianças pudessem participar das atividades desse estudo. Por unanimidade, os pais concordarm com a participação dos filhos, ressaltando a importância do trabalho com o tema escolhido. Assim, foi dada continuidade a investigação. O delineamento da pesquisa junto aos alunos apresentou as seguintes fases: • Levantamento de dados acerca da ocorrência de violência entre estudantes do 3º ao 5º anos, no ambiente escolar, por meio da aplicação do primeiro questionário, elaborado pela Instituição Kidscape, para pesquisas entre alunos sobre o assunto (Anexo B); • Indicação da(s) turma(s), pelos participantes dos COCs, onde a incidência de bullying tenha maior prevalência, para participação das propostas de estímulo à autonomia moral; • Lançamento para a turma escolhida, pelos professores regentes e do Laboratório de Informática, do projeto “Bullying é uma furada!”, sendo esclarecido o significado do termo e o objetivo do trabalho: refletir e 261


| Maylta dos Anjos (Org.) |

• •

• • • • •

intervir em situações frequentes de violência entre alunos, existentes na escola; Pesquisa sobre o tema e postagens das informações e opiniões na wiki da turma; Desenvolvimento de estratégias que promovam a reflexão dos comportamentos de vítimas, autores e testemunhas de bullying, por intermédio da apropriação e uso dos recursos da tecnologia de comunicação pelos alunos (criação de blogs e vídeos referentes a aspectos do bullying) como ambientes de diálogo e interação sobre a violência entre os pares; Fortalecimento de ações anti-bullying; Aplicação do segundo questionário sobre bullying para os alunos da pesquisa (Anexo C); Análise qualitativa dos comentários feitos no ambiente virtual; Análise comparativa dos dados de ambos os questionários, visando avaliar a existência, ou não, de mudanças; Discussão dos dados e considerações finais.

O trabalho com os demais segmentos da comunidade escolar, pais e funcionários, ficaram a cargo do Setor de Orientação Educacional do colégio.

Alcance da investigação A pesquisa destinou-se à turma na qual as situações de bullying estão interferindo no processo ensino-aprendizagem, de forma mais significativa, bem como na formação de um grupo turma. O estudo, que compreendeu o período entre os anos de 2009 e 2010, é um estudo descritivo, sem caráter experimental, não podendo ter, portanto, seus resultados generalizados para os demais grupos da mesma faixa etária ou nível de ensino da instituição. Dessa forma, faz-se necessário destacar que os resultados são sazonais, contextuais, dependentes das ações dos alunos que neles estão envolvidos. Esse trabalho pretendeu, por haver poucas investigações acadêmicas acerca da prática pedagógica de educação moral ou ética, pesquisar estratégias e refletir acerca delas e de seus resultados, bem como relacionar teoria à práxis do professor. 262


| Tertúlias na educação de jovens e adultos |

Discussão dos resultados Em encontros com as turmas, os professores regentes e de Informática Educativa, explicaram que, em função de incidentes trazidos pelos alunos e do conhecimento de alguns professores, iniciariam um trabalho sobre as situações de violência e agressão entre eles, estudantes, cujo nome era bullying, estrangeirismo mantido por não haver termo que o traduzisse em nossa língua. Foi esclarecida também, a existência dos que sofrem agressão (alvo ou vítimas), dos que praticam (autores ou agressores) e dos que assistem a esses episódios (testemunhas ou espectadores). Por ser professora das turmas abordadas, o vínculo com os estudantes da pesquisa facilitou a exposição sobre o tema proposto, particularmente em relação às possíveis agressões sofridas pelas crianças no cotidiano escolar. Sanadas as dúvidas sobre a origem do termo e seu significado, foi entregue as crianças um termo de consentimento a ser preenchido pelos pais, mães ou responsáveis, esclarecendo o trabalho e a possibilidade de uso dos dados na pesquisa de Doutorado da professora, autora deste estudo. Recebidos os termos de consentimento, passou-se a aplicação do primeiro questionário. Resultados do primeiro questionário aplicado ao universo da pesquisa Concluída a primeira fase de coleta de dados, foi realizado tratamento estatístico, que permitiu estabelecer características quanto ao fenômeno bullying. Participaram do primeiro questionário da pesquisa 200 alunos, em um total de 102 meninas e 98 meninos, entre 8 e 13 anos de idade, distribuídos segundo o gráfico a seguir:

263


|Figura Maylta Anjos (Org.) |das respostas à pergunta 1 (1º Questionário). 1: dos Gráfico descritivo Figura 1: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 1 (1º Questionário). Idade dos alunos

8 4%

12 6%

36 18%

12 6% 60 30%

72 36%

8 anos

9 anos

10 anos

11 anos

12 anos

13 anos

Fonte: elaboração do autor.

Fonte: elaboração própria. de bullying ocorridas na escola e que mais incomomDentre as situações dam os alunos estão: Figura 2: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 3 (1º Questionário).

Figura 2: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 3 (1º Questionário). Incômodo que situações de bullying causam

18 9%

32 16%

22 11%

42 21%

60 30%

26 13%

apelidos

agressões físicas

bullying virtual

destruiçao e roubo de objetos

atitudes racistas

humilhações

Fonte: elaboração do autor.

Dentre as situações que maior incômodo causam, estão as agressões físicas, categoria esta que abrange comportamentos que envolveram tapas na cabeça, por eles chamados de “pedala robinho”, tapas “na cara”, “corredor polonês” (corredor formado por crianças dentro do qual apanha quem nele passar), chutes, empurrões, rasteiras, atitudes estas gratuitas. Foram consideradas Fonte: elaboração própria.

26 4


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ações que põem em risco a integridade física dos companheiros e não como desentendimentos e conflitos de interesses contornáveis. A categoria dos apelidos diz respeito aos nomes atribuídos tais como: favelado, baleia, mudo, ladrão, atitudes que muitas vezes são aceitas e tratadas como constituintes naturais do desenvolvimento das crianças, sem levar em conta o relato dos efeitos que nelas causam, o sofrimento psicológico ou físico que envolvem. A banalização de atos, sutis ou não, de violência gera, por sua vez, a banalização do outro. As atitudes preconceituosas constituíram categoria em separado por fazer referência a atitudes discriminatórias em relação à cor dos colegas, chamados por isso de “macacos”, os que “só fazem droga”, “negros safados”, “negro que merece morrer”, juízos pejorativos, que inferiorizam e indignam os assim referidos. Em relação à frequência com que esses atos acontecem, 4% disseram que nunca acontecem, 72,5 % disseram que de 2 a 3 vezes na semana e 65 %, todos os dias. A incidência do bullying é bastante significativa, como os dados indicam. Dos 200 participantes, estiveram envolvidos em atos de bullying: 84 % como alvo; 36% envolveram-se como autores e 92,5 % como testemunhas, ocupando os alunos diferentes papéis. É interessante observar que, apesar da incidência do fenômeno, o percentual de autores de bullying é baixo, sugerindo desconfiaça para expor a situação; ou falta de percepção e empatia dos e com os sentimentos dos colegas, sem considerar os aspectos perversos e invasivos das chamadas brincadeiras de mau gosto; ou aponta para tendência do agressor em justificar suas atitudes colocando na vítima a culpa pelo ato, ou por outra razão a ser esclarecida durante as etapas seguintes. O local onde ocorre bullying mais freqüentemente, segundo os alunos, são: 44% no recreio; 27,5% na sala de aula; 22,5% na Internet , 4% no portão e no banheiro, 2%. Ou seja, ocorre em lugares variados do espaço escolar. Quanto à necessidade de mudar a situação, concordam que sim 85,5% dos alunos. Sobre o que fazer nas situações de bullying, 33 % acham necessário pedir ajuda a um adulto; 26,5% , dar advertência para ao autor ; 10%, pedir ajuda a um colega; 16%, revidar, batendo ou agredindo verbalmente; 6%, ignorar as ofensas, 5%, resolver com o colega e 3,5% não sabem o que fazer. A predominância da frequência de alunos que acham necessário pedir ajuda a um adulto ou colega , é indicativa da etapa de desenvolvimento moral em que a maioria se encontra, a heteronomia, segundo a qual o controle, o governo 265


| Maylta dos Anjos (Org.) | está centrado no outro, em geral a autoridade de um adulto, estabelecendo-se relações unilaterais e de obediência às regras por obrigação – possibilidade de advertência – e não por auto-determinação.

Resultados do primeiro questionário na amostra da pesquisa, turma 501 A turma tornou-se objeto desse estudo a partir da análise do perfil apresentado pelos professores a respeito da dinâmica de relacionamentos, na qual atos de bullying estavam presentes e intervindo no desempenho dos alunos. São apresentados, por essa razão, os dados referentes à turma, em separado das demais. A turma é composta por quatorze meninas (46,6 %) e dezesseis meninos (53,4%). As idades variam entre 10 e 13 anos de vida, sendo assim distribuídas quanto à frequência: Figura 3: Quadro descritivo das idades dos alunos da turma 501. IDADE DOS ALUNOS

FREQUÊNCIA / %

10

6 – 20%

11

10 – 3,3%

12

10 – 3,3%

13

4 – 3,4% Fonte: elaboração do autor.

As situações de bullying que mais incomodam os alunos da turma são:

266


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Figura 4: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 3 (1º Questionário). Figura 4: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 3 (1º Questionário). Situações de bullying

10%

20% apelidos

13%

agressões físicas ciberbullying objetos destruídos atitudes racistas

13%

27%

humilhações

17%

Fonte: elaboração do autor.

Fonte: elaboração própria. Somando-se os percentuais das situações referentes aos apelidos, ciberbullying, atitudes racistas e humilhações, constatam-se o predomínio de agressões verbais (60%). Tais evidências foram encontradas em outros estudos, como o realizado por Donohue e Achata (2007) numa escola privada em Lima, onde a intimidação verbal predominou com incidência de 38,7%. Em estudos realizados por Neto e Saavedra (2004) com alunos de idade média em torno dos 13 anos, 74,6% registraram sofrer difamações, exclusão, ameaças, xingamentos e deboches. Em relação à frequência com que as situações de bullying ocorrem, 3,4% dos alunos disseram que nunca; 66,6% disseram que de 2 a 3 vezes na semana e 30%, em todos os dias de aula. Também Garcia e Madriaza (2006) encontraram 34,4% dos estudantes de estudos realizados em escolas do Chile, reconhecendo a existência frequente de bullying. Neto e Saavedra (2004) tabularam a frequência de bullying várias vezes na semana em 76,2% . Quanto aos alunos da turma que são alvo de bullying, 80% se reconhecem como sofrendo ameaças, discriminações e agressões de colegas, e 20% não se enquadraram nessa categoria. Neto e Saavedra (2004) constataram a prevalência de 53,4% de alunos alvos de bullying. O índice dos alunos que se identificaram como autores é de 33,4% e como testemunhas, 93.3%. A pesquisa realizada por Donohue e Achata (2007), constatou que 84,3% também não haviam defendido seus companheiros. Entre os alunos, 70% consideram que os meninos apresentam mais atitudes de bullying do que as meninas, apontadas por apenas 30%. Em relação aos locais da escola em que o bullying mais ocorre estão: 30% no recreio, 29% na sala de aula, 23.3% no portão da saída, 10% no banheiro e

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| Maylta dos Anjos (Org.) | 16,7% na internet. Já nos estudos de Neto e Saavedra (2004), a sala de aula, com 60,2%, e o recreio, com 16,1%, foram os locais de maior incidência de bullying. A maior parte dos alunos, 86,7%, gostaria de ver essa situação mudada e o restante, 13,3%, respondeu que não. Para reduzir o fenômeno no ambiente escolar, os alunos acreditam serem Figura 5: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 11 (1º Questionário). necessárias as seguintes medidas: Figura 5: Gráfico descritivo das respostas à pergunta 11 (1º Questionário). Medidas a serem tomadas, de acordo com a 501 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 dar advertência

revidar agressão

ignorar ofensas

não saber o que fazer

pedir ajuda dos mais fortes

falar com profº e funcionários

Fonte: elaboração do autor.

Fonte: elaboração própria.

Com base nos dados acima, foram criadas wiki e histórias virtuais em blog, apresentadas a seguir, com as situações de conflito mais freqüentes, semelhantes às vividas pelos alunos dentro da escola, para que opinassem sobre o exposto e desenvolvessem, por via da expressão de diferentes pontos de vista, sentimentos de justiça frente ao fenômeno apresentado.

Análise do material virtual Em relação ao uso dos ambientes de blog e wiki, os alunos foram bastante receptivos e interessados. A apropriação estrutural das tecnologias não apresentou dificuldades significativas, embora fosse novidade para a turma. Utilizaram com o desembaraço típico dos nativos digitais os espaços de postagem de conteúdo, de comentários e de visualização das páginas geradas. 268


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A questão inicial foi negociar as modificações de modelos oferecidos, de inserção de imagens, links, textos possíveis, havendo necessidade de intervenção da pesquisadora, também desafiada pela situação a achar alternativas, caminhos, de forma conjunta, para os aspectos que surgidos, quase simultaneamente, tornaram a situação complexa. Os acessos às páginas eletrônicas foram liberados para locais que não a instituição. No entanto, as postagens foram realizadas no Laboratório de Informática, por considerar o fato de que alguns alunos não têm acesso gratuito à internet, fora da escola e para observação das interações estabelecidas.

Wiki: O que é Bullying? Foi elaborada pelos alunos, cooperativamente, uma wiki sobre o assunto, cujo título foi por eles escolhido: O que é bullying? As postagens foram realizadas em dupla, para que houvesse troca de pontos de vista sobre os itens selecionados, ficando a wiki disponível na rede no endereço http://linguagemvirtual.wiki.zoho.com/Conhecendo-o-que-é-Bullying.html .

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| Maylta dos Anjos (Org.) |

Figura 6: Tela da página da wiki elaborada pela turma 501.

Figura 6: Tela da página da wiki elaborada pela turma 501.

Fonte: http://linguagemvirtual.wiki.zoho.com/Conhecendo-o-que-é-Bullying.html Fonte: http://linguagemvirtual.wiki.zoho.com/Conhecendo-o-que-é-Bullying.html

O objetivo da construção coletiva de uma wiki sobre bullying e seu significado foi o de os alunos usarem a internet para pesquisa e seleção de informações, organizadas em forma de uma wiki, cujo texto pudesse sofrer interferências daqueles que o lessem. A coleta de informações sobre o assunto partiu do princípio de que é necessário conhecer para se expressar a respeito de algum tema, nesse caso, o bullying. O espaço wiki foi utilizado para iniciar as negociações acerca das questões técnicas – uso de cores, modelo, tipo de letra, inserção de imagens -; do conteúdo a ser disponibilizado; das regras de uso do espaço wiki, num processo inicial de escolhas, trocas e acordos, corroborando a importância da interação para 270


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | construção de comportamentos mais autônomos, como preconizaram Piaget e Freire, e também da intervenção de colegas ou do professor/pesquisador na mediação dos conflitos não resolvidos. Embora na maioria das vezes as decisões fossem rápidas, quando havia impasses quanto a imagem ou animação proposta, por exemplo, resolveram por votação, por todos aceita. O grupo turma trabalhou em pares, uma dupla em cada computador, embora os objetivos fossem comuns e as ações negociadas entre todos, ora por meio da comunicação virtual, ora pela comunicação oral, corroborando as ideias de Lévy (2001) sobre a coexistência produtiva de diferentes tecnologias. Alguns alunos consultaram os dicionários presentes no Laboratório de Informática, por não quererem deixar “coisa errada” nos trabalhos da turma. A tipologia textual típica das redes sociais virtuais, o “internetês”, foi pouco utilizada, provavelmente pelo fato de estarem escrevendo no ambiente escolar, onde a língua culta ou próxima dela é a usada. Outra explicação diz respeito ao fato do orgulho e da alegria que sentiram em saber que seus trabalhos escolares estão expostos na internet, levando-os a terem cuidados maiores com a escrita e a até utilizarem os dicionários existentes no Laboratório de Informática para sanar dúvidas. Às questões de estímulo aos julgamentos morais sobre bullying, foram somadas as questões afetivas, em que a autoestima foi elevada. Em relação às postagens na wiki, a professora-pesquisadora expôs a seguinte questão: como utilizar a wiki de forma a respeitar o colega? Seria possível apagar ou alterar o que outro aluno tivesse escrito? Alguns alunos acharam que sim; outros disseram que não gostariam que isso acontecesse; outros perguntaram aos que achavam que podiam apagar o trabalho dos colegas, se gostariam de ver seus trabalhos apagados. Foi combinado, então, que os textos seriam alterados com a anuência de quem escreveu. A situação descrita ilustra que práticas do cotidiano escolar demandam reflexões julgamentos; que tal qual preconizava Piaget (1988), as interações entre alunos estimula a promoção da autonomia, uma vez que argumentos são apresentados e pontos de vista diferentes são expostos, desenvolvendo a construção de acordos mútuos; que a escuta e a fala autênticas constroem, como Freire (1999) afirmava, relações onde o diálogo prevalece, e não as imposições, assim como regras cuja criação e legitimidade são prerrogativas do grupo e não de arbitrariedades externas a eles. A construção de um hipertexto cooperativo, escrito e reescrito pelos próprios alunos, constituiu-se em um importante canal de informação e 271


| Maylta dos Anjos (Org.) | comunicação, em estratégia pedagógica de intervenção, cuja elaboração tornou imprescindível práticas de respeito mútuo e autonomia moral.

Blog: Bullying é uma furada! Concluída a fase de coleta de dados, teve início a análise temática dos dados obtidos, para identificar os núcleos de sentido das falas que, por sua vez, deram origem às unidades de significação ou categorias, cuja frequência ou presença definiram o caráter do discurso. Em virtude do caráter de pesquisa-ação participativa, voltada para os problemas da realidade vivida pelos alunos participantes e pela pesquisadora, o acesso ao blog “Bullying é uma furada!”, http://bullyingnaao.blogspot.com, configurou-se como momento de reflexão dos alunos sobre suas posturas quanto aos temas propostos. Na abertura do site, encontram-se os vídeos produzidos pela turma após o uso do blog, cuja análise, por essa razão, será realizada posteriormente. Inicialmente foi escolhido um vídeo, produzido por uma estudante, Danielle Vuoto, vítima de bullying, que teve sérios transtornos decorrentes do que sofreu e hoje é uma militante no combate ao bullying. O objetivo foi predispor os alunos a interagirem sobre o assunto.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos |

Figura 7: Imagem do vídeo de Danielle Vuoto, postado no blog sobre bullying.

Figura 7: Imagem do vídeo de Danielle Vuoto, postado no blog sobre bullying.

Fonte: elaboração do autor.

Fonte: elaboração própria.

Foram criadas histórias e questionamentos, baseados nos comportamentos mais frequentes de bullying, visando desenvolver a empatia nas partes envolvidas: autor, alvo e espectador. História 1: A primeira história apresentou as formas virtuais de praticar bullying, citada pelos alunos, como sendo uma das situações que mais humilham e constrangem a quem é alvo delas. Objetivou conscientizar os alunos sobre a ética do uso das ferramentas de comunicação e informação. Houve alunos que divulgaram até as punições cabíveis legalmente para os responsáveis de quem usa meios eletrônicos para esses fins.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Figura 8: Imagem da 1ª história do blog sobre bullying. Figura 8: Imagem da 1ª história do blog sobre bullying.

Fonte: elaboração própria.

Fonte: elaboração do autor.

História 2: Na segunda história, em que um agressor justifica seu ato, a percepção dos alunos é de que o objetivo do agressor é sobressair diante do grupo, de conseguir um papel de destaque. Algumas das características apontadas no agressor são: a necessidade de se impor pela força, insensibilidade ao sentimento do outro e justificativa de suas ações colocando a culpa na vítima. Figura 9: Imagem da 2ª história do blog sobre bullying.

Figura 9: Imagem da 2ª história do blog sobre bullying.

Fonte: elaboração própria.

Fonte: elaboração do autor.

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Historia 3: A terceira história evidenciou a postura do espectador, que a tudo assite e, por medo de fazerem o mesmo com ele, nada faz para impedir a agressão ao colega. Os depoimentos dados expressam o desejo da testemunha de interferir, vencido pelo medo de que o agressor faça o mesmo com ele. Figura 10: Imagem da 3ª história do blog sobre bullying.

Figura 10: Imagem da 3ª história do blog sobre bullying.

Fonte: elaboração do autor.

Fonte: elaboração própria.

História 4: Já a quarta história expôs as reações e sentimentos de quem é vítima de apelidos, situação apontada pelos alunos como a que mais constrangimentos causa, tais como impotência, sensação de abandono, vergonha por ser ridicularizado e a pouca importância dada aos seus sofrimentos. Demonstrou o quanto os nomes pejorativos são invasivos e prejudiciais, embora sejam aceitos como constituintes naturais do desenvolvimento dos jovens, justificando atitudes passivas dos educadores. Mostra também a descrença dos alunos em soluções por meio da equipe da escola, que não tem dado retorno pelo fato de não atribuir aos fatos a importância dada e sentida pelos alunos.

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| MayltaFigura dos Anjos (Org.) | história do blog sobre bullying. 11: Imagem da 4ª Figura 11: Imagem da 4ª história do blog sobre bullying,

Fonte: elaboração do autor.

A troca de pontos de vista diferentes que a interatividade virtual promove, favoreceu o registro das diferentes visões que agressores, vítimas e espectadores possuem, fundamentais para a elaboração de estratégias de enfrentamento. Em relação aos materiais produzidos nos ciberespaços, foi utilizada a análise de conteúdos de Bardin, “um conjunto de técnicas de análise da comunicação” (BARDIN, 2009, p. 33).

A Interpretação, segundo Bardin (2009) e os fundamentos teóricos que embasam a análise de conteúdos do material produzido A análise dos depoimentos feitos no blog, segundo o método da análise de conteúdo de Bardin, iniciou-se com a pré-análise e exploração do material, passando em seguida para o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (2009, p. 121). Foram organizadas categorias a partir da interpretação dos temas referenciados pelos registros feitos no blog e no questionário. A transcrição na íntegra de trechos visa evidenciar a relação dos mesmos às categorias organizadas. Segundo Bardin (2009, p. 120), “uma categoria é considerada pertinente quando está adaptada ao material de análise escolhido e quando pertence ao quadro teórico definido”. 276


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | A análise dos conteúdos dos comentários postados nos blogs e as categorias temáticas com eles organizadas poderão contribuir para planejamentos e propostas futuras de programas com objetivos afins. Dos temas levantados, surgiram as categorias seguintes: • juízos morais sobre violência física; • juízos morais sobre os papéis de vítima, autor e testemunha de bullying; • juízos morais sobre violência verbal: apelidos e preconceitos. A interpretação das falas teve o intuito de atender ao objetivo do estudo, refletindo a intenção da investigação em verificar se o uso do ambiente virtual apresenta contribuições, ou não, para o desenvolvimento da moralidade autônoma. O objetivo de mesclar os comentários feitos pelos alunos com os referenciais teóricos utilizados nessa investigação, foi o de apresentar a escuta e a fala dos alunos relacionadas a saberes socialmente produzidos, remetendo a prática à teoria e vice-versa. A expressão de ideias e opiniões, que concederam aos alunos e professor/pesquisador participantes, refletir para agir, pretendeu conferir a todos os envolvidos o papel de atores sociais, por meio de trocas é que a dialogicidade se funda. A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O homem pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos enunciantes, a exigir deles novo pronunciar (FREIRE, 1987, p. 44).

O ato dialógico, segundo Freire (1987), decorre do estabelecimento da interação, da cooperação, do questionamento e do ajuste coletivo quanto à compreensão dos problemas, facilitando a adoção de novas vias de transformação. Tais aspectos são observados nos comentários reunidos em categorias, analisadas a seguir. 1ª Categoria: Juízos morais sobre violência física As interações estabelecidas entre os participantes do blog mostram como algumas identificações entre eles e os personagens da história foram facilitadas. Reconhecem a si e aos colegas na situação proposta; outros se mantêm distanciados do fato: Tem um garoto aqui na turma que vive me dando rasteira e tapa na cara.(Igor)

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Quem bate, tem que levar advertência.(Juan e Pedro) Na escola tem uns quatro garotos que dão soco, rasteira, na hora da saída e no recreio. Sem a gente fazer nada... (Pedro H. e ValbeI)

A análise da enunciação, segundo Bardin (2009), pode complementar o acesso a outras significações a que o texto remete. O uso alternado dos pronomes evidenciam os papéis ocupados pelos sujeitos do discurso. Os “nós” e “eu” referem-se aos que estão diretamente envolvidos com a situação. O “isso” ou o “quem” apontam para um certo distanciamento da questão dos sujeitos do discurso, seja na posição de autor ou de vítima. Quanto à primeira categoria, os juízos sobre violência física estão relacionados aos estudos sobre a gênese da moralidade infantil e denotam as características do pensamento moral em que as crianças se encontram. Para o desenvolvimento da autonomia, que pode apresentar-se em alguns aspectos e em outros, não, há demanda de trabalho constante de reflexão sobre as experiências e situações de vida (PIAGET, 1994). Também Freire (1994) reconhece a importância das experiências coletivas para construção da autonomia, que não ocorre exclusivamente na esfera individual. Segundo Piaget (1977), há a existência de duas morais, também percebidas nas mensagens postadas pelos alunos em relação às agressões físicas do bullying: a da coação e a da cooperação. A moral da coação é a moral do dever puro e da heteronomia: a criança aceita do adulto um certo número de ordens às quais deve submeter-se, quaisquer que sejam as circunstâncias. O bem é o que está de acordo, o mal o que não está de acordo com estas ordens: a intenção só desempenha pequeno papel nesta concepção, e a responsabilidade é objetiva. Mas, à margem desta moral, depois em oposição a ela, desenvolve-se, pouco a pouco, uma moral da cooperação, que tem por princípio a solidariedade, que acentua a autonomia da consciência, a intencionalidade e, por consequência, a responsabilidade subjetiva. Ora, observamo-lo, se a moral do respeito mútuo se opõe, do ponto de vista dos valores, à do respeito unilateral, entretanto, procede dela do ponto de vista da causalidade mesma da evolução: a medida que a criança se torna homem, suas relações com o adulto tendem a igualdade (p. 288).

Inicialmente, a heteronomia, fase do desenvolvimento da moral que corresponde ao estágio em que a criança entende as normas morais como leis 278


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | soberanas, não passíveis de modificação, relacionada com a moral da coação, é evidenciada. Nela, as relações são baseadas em obediência às normas impostas e não decorrentes do respeito mútuo, e se não há perspectivas de levar os alunos à solidariedade e ao respeito mútuo, a existência de sujeitos heterônomos é perpetuada. Os recortes de comentários a seguir apresentados, expõem a fase de pensamento moral heterônomo de parte do grupo: Quem bate, tem que levar advertência. (Juan e Pedro). Nós concordamos com Juan e Pedro. A escola deve suspender quem agride o colega (Raissa e Gabriel). Isso já aconteceu comigo. Tem professor q manda a gente resolver. Como? Outro dia a professora chamou o garoto, ela acreditou em mim e falou com ele. (Beatriz). Na escola tem uns quatro garotos que dão soco, rasteira, na hora da saída e no recreio. Sem a gente fazer nada... (Pedro H. e Valbei). Eu só bato se baterem em mim. Se baterem eu bato mesmo. (Juan e Pedro).

Piaget acredita que a formação da consciência autônoma não se dá pela coerção, embora a criança com ela se depare em vários espaços de sua vida. Contudo, a imposição de normas reforça a heteronomia moral e o egocentrismo que dela decorre: Me bateu, eu bato também. Não vou levar desaforo para casa. (Lucas).

A atividade intelectual e moral do aluno, na escola tradicional, onde a obediência a regras deve-se a existência de sanções, não favorece a constituição da autonomia. Não se trata de defender a impunidade, mas de não excluir o exercício crítico que constitui o pensamento autônomo. As crianças devem perceber a necessidade de respeitar as regras, colocadas como resultados de diálogos e não de arbitrariedades. Piaget (1977) não considera que autonomia seja sinônimo de crianças agindo segundo seus desejos e vontades, porém, ao infringirem uma dada regra – quebrar objetos alheios, por exemplo – ao invés de serem utilizadas punições arbitrárias, como suspensões, propõe sanções de reciprocidade, relacionadas à natureza do ato sancionado, como privação do ato de jogar até que o aluno possa participar, sem causar danos ao material e aos demais colegas, ou reparar o material danificado. A autonomia não é desenvolvida naturalmente. Ela é aprendida por meio dos processos formativos que se vivencia. Embora a evolução do desenvolvimento 279


| Maylta dos Anjos (Org.) | moral seja abordada por uma perspectiva do indivíduo, não se constitui individualmente. Segundo De La Taille (2000), a autonomia não é uma capacidade individual, resultado de aspectos intrínsecos à pessoa. Depende de como as situações sociais são vividas: resultantes de acordos mútuos e de cooperação ou de regras impostas ao convívio. Para estabelecer relações interindividuais cooperativas, é necessário que a criança não confunda seu próprio ponto de vista com o dos demais, segundo as concepções de Piaget (1987). Inicialmente, procuram justificativas para as ações alheias e mostram-se suscetíveis a um começo de reflexão, uma discussão, como revelam as falas abaixo: Bia, tem gente que vive acusando e batendo nos outros. Nunca fazem nada, batem pq apanharam.Eles precisam saber q eles é q vivem procurando confusão (Patrik). Tem garoto q se diverte batendo, zoando os outro, como o Daniel. Acham q homem tem que bater. A professora acha q dá pra resolver. Só se for na mão também, pq a gente não consegue falar com eles (Igor e Matheus) . Eu acho que é melhor dar advertência do que bater, se não você perde a moral, Matheus. (Luis e Gabriel). Alguém da escola devia ensinar esses garotos a conversar, a respeitar o garoto. (Ana e Amanda).

Os comentários mostram o modo como pensam agir os demais ou a conduta que teriam com os opositores. É um julgamento baseado na intuição, característico de crianças na fase da heteronomia. As funções de cooperação ainda não estão desenvolvidas, podendo ser estimuladas pelas interações com o meio, entendido como a família, escola e todos que promovam relações sociais. Embora seja sabido que a autonomia não se desenvolve naturalmente (DE LA TAILLE, 1996), também a crítica e a reflexão não decorrem naturalmente da prática docente. É necessário haver uma intencionalidade pedagógica, processos de mediação, tão defendidos por Vygotsky (1998). Com esse objetivo, o de intervir nesse potencial incipiente de reflexão da criança, cabe ao educador “cultivar alguns procedimentos que a criança não cria por si só” (DE LA TAILLE, 2000), desenvolvendo percepções de que a expressão de vontades e desejos não deve retirar a liberdade alheia. Desse modo, trabalhando em relação à vida da criança, como condição para ensinar a pensar do ponto de vista do outro, foram feitas intervenções mediadoras pela pesquisadora desse trabalho, no sentido de ampliar a zona de desenvolvimento proximal, pensar em conjunto o que não apareceu no coletivo, 280


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | ainda, de modo a tornar reais e facilitadas as ações baseadas na liberdade e no respeito: Vocês acham que bater em quem agride, faz ele(a) entender que rasteiras, socos e pontapés são uma violência? Do que o autor de bullying precisa? (Prof.ª Ana Maria). Mandar ele parar de agredir os outros e se ele não parar conversar com ele por que ele quer ser fortão (João Victor). Pra que ser violento se você pode conversar? Não faça uma coisa que você não gostaria que fizessem com você. (Breno e Gabriel). Pra garoto que nem o Daniel: apareça de outra maneira! Bater não está com nada! Não e certo bater e nem apanhar! (Amanda e Milena).

Quando os comentários predominantes disseram respeito às relações de reciprocidade, de colocar-se no lugar do outro, de equidade, de justiça, foi entendido que o estágio da heteronomia, na conceituação piagetiana, apresentou-se em processo de mudança, característico e indicativo de um modo peculiar de fazer juízos, por meio do pensamento moral onde a autonomia está mais presente. Para ilustrar, seguem cinco recortes bastante significativos: A gente acha que quem bate, devia se colocar no lugar do outro. Ele ia gostar de apanhar? (Lara e Myllena). Nós achamos que quem bate deve receber um gelo da turma (Beatriz e Ana). Lucas, quando você bate, não sente nada. Quem tá apanhando, é q sente. Se você fosse ele, não ia querer isso pra ninguém. (Milena e Beatriz). Lucas, v você não tem q resolver na mão. Fortão não é quem briga, é quem procura solução. Aí, rimou! se você bater, perdeu a moral. (Gabriel e Valbei).

À medida que os alunos são colocados como sujeitos de seu pensar e fazer, dão início a construção de pensamentos autônomos e prováveis ações deles decorrentes do que acontece nas relações estabelecidas por subordinação e submissão, sem o devido entendimento do significado das regras pré-estabelecidas, garantir a capacidade de agir com autonomia, seja na esfera individual ou coletiva, demanda uma educação comprometida com relações de reciprocidade, de preocupação com o bem-estar de todos.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | 2ª Categoria: Juízos morais sobre os papéis de autor, vítima e testemunha de bullying As situações de bullying físico estão presentes no cotidiano escolar, como os comentários postados confirmam: Teve um garoto que deu tanto tapa no pescoço da garota da outra turma, que ela teve um problema e enfaixou o pescoço. Tem muito garoto que se junta pra zoar os outros. Eles acham q isso é diversão, eles não respeitam as pessoas. Não é certo bater e achar engraçado (Patrick e M Luiza). Tem um garoto aqui na turma que vive me dando rasteira e tapa na cara (Igor).

O fato dos autores de bullying apresentarem distanciamento e dificuldade em se colocar do ponto de vista do outro, ignorando praticamente do que se trata, é percebido pelos alunos: E se fizessem a mesma coisa com ele? Aposto que ele não ia gostar. Depois ia reclamar de levar advertência e dizer que estava só brincando. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. (Eduarda e João Gabriel). Eu e minha amiga conhecemos um que vive batendo nos outros e acha que está certo. (Rayssa e Milena). Professora, Jorge faz assim porque acha engraçado chatear o colega. (Eduarda e João Gabriel).

Piaget (1990) entende tal procedimento como a primazia do próprio ponto de vista, aparecendo também entre as razões apontadas pelos alunos como causa desse comportamento, a ideia de agredir associada à ocupação de um lugar de destaque diante do restante da turma. Agredir leva o agressor, na percepção dos demais alunos, a se sentir admirado pelo grupo, cujo temor, impede testemunhas e vítimas de procurarem ajuda ou formas de intervir na situação. A crença do agressor de que possui força e “poder” é retratada nas falas a seguir: Ele se acha pq faz isso. (Igor). Quem faz coisa ridícula com os outros quer aparecer e ser engraçado. Tem outras maneiras (Patrick e Igor). Pedro e Valbei, eles batem pq se acham fortões (Mariana e Marina). Antônio se diverte e acha que todo mundo também porque ninguém fala nada. (Igor e Lara). Jorge não consegue ver o q o colega sente ou então acha divertido chatear.(M Luiza e Milena).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | García e Madriaza (2006) encontraram resultados semelhantes em estudos sobre bullying em escolas do Chile, considerando o agressor como aluno cuja violência era percebida como característica de prestígio entre seus pares e que ser temido era motivo para se vangloriar do fato. Outra ideia a respeito dos autores de bullying refere-se às ideias sobre os papéis destinados aos homens/meninos e mulheres/meninas: Tem garoto q se diverte batendo, zoando os outros, como Daniel. Acham q homem tem q bater. (Igor e Matheus).

Diferenças biológicas a parte, o que se vê reproduzido nesse recorte de comentário do blog é a percepção do gênero masculino como ocupante de uma posição de poder e caracterizado como aquele que faz uso da força física. Quais são as formas atribuídas ao feminino e ao masculino pelos alunos? Os estereótipos que os alunos apresentam, revelam preconceitos e valores sobre o tema. Tais aspectos demandam abordagens de outros temas, como as questões de gênero encontradas e sobre as quais pairam ideias preconceituosas. Facilitar, estimular o desenvolvimento da autonomia remete à ideia de resolução de conflitos pelo diálogo, pelo respeito às diferenças, por meio de oportunidades de pensar, argumentar, por si próprio e não baseado em ideias de supostas autoridades, que tudo sabem. Desconstruir situações onde as relações de gênero estabelecidas sejam identificadas como desrespeito ao outro, encontra no ambiente escolar lugar de discussão sobre o assunto, em virtude das situações que se apresentam no cotidiano a ele relacionado e subtendido nas falas acima expostas. O importante é dar início ao processo de refletir sobre o agir, o pensar, promovendo o desenvolvimento do respeito mútuo que, paulatinamente, vai se diferenciando da inicial obediência exterior. Assim, na construção da reciprocidade, a regra é respeitada, enquanto resultado de acordos e não mais como produto de uma vontade exterior (PIAGET, 1987). É a troca de pontos de vista que incentiva o desenvolvimento da autonomia moral, enquanto o mero uso de punições reforça a heteronomia das crianças, sendo tal fato apontado pelas crianças: Também tem gente, Juan, que leva advertência um monte de vezes e não adianta nada. Continua batendo. (Marina e Valbei)..

Apesar de alguns alunos defenderem o valor das regras e punições às infrações surgidas, comportam-se contraditoriamente, uma vez que não possuem consciência da verdadeira razão delas existirem, cabendo a eles apenas obedecer, tendo em vista que não concebem a si mesma como pessoas legítimas 283


| Maylta dos Anjos (Org.) | para criarem e proporem novas regras, apenas conhecer e obedecer às regras existentes. Normas e punições, como expressaram os alunos acima, não os instrumentalizam satisfatoriamente para a convivência. Isso diz respeito às práticas da instituição escola e a outras ações supostamente educativas que a sociedade propõe. As sanções são necessárias, mas não suficientes para a formação de indivíduos: é necessário pensar sobre os acontecimentos. Da mesma forma, acrescenta Kamii (1991), a aplicação de punições desvinculadas dos atos praticados, apenas reforçam a heteronomia das crianças, que obedecem frente à autoridade de adultos, muitas vezes necessária, mas sem a reflexão sobre as consequências de seus atos, promotora de crescimento nas relações com os colegas. Também as recompensas contribuem para reforçar a heteronomia natural das crianças, uma vez que mecanismos exteriores, o poder dos adultos, mais uma vez, é que estão norteando as condutas infantis. É importante ouvir a criança sobre os porquês de sua ação de modo que os educadores e os demais alunos possam estar atentos ao fato de que ter liberdade de ação não retira a liberdade alheia, não abala a integridade física do outro, nem tampouco o respeito às pessoas e a si mesmo. Comentários do ponto de vista dos alvos de bullying são agora destacados: Eu vivo apanhando e depois sou zoado e chamado de chorão. Quando eu reclamo não acontece nada (Pedro A.). A gente fica sozinha. Todo mundo vê e NINGUÉM FAZ NADA! (Mariana e Igor). Eu sempre levava telefone no ouvido, A gente fica sem saída, desiste de falar. (Eduarda).

De modo semelhante aos autores e testemunhas, as vítimas de bullying encontram-se na fase da heteronomia, uma vez que legitimam o poder dos agressores e não visualizam a possibilidade de tais “regras” serem mudadas. Há, também, outras questões envolvidas, como o medo de serem intensificadas as agressões sofridas, caso procurem outros colegas ou profissionais da escola: Mi e Lu, a gente acha que o Fernando deve contar e não outras pessoas que vão acabar apanhando também (Camila e Carmélia). isso é uma falta de respeito e tem que ter coragem para falar com os superiores (Breno e Luis Felipe).

Intuitivamente, os alunos pedem ajuda para as situações de violência intencional e frequentes, 28 4


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Alguém da escola tem q tomar uma providência. Não dá pra gente falar com um garoto assim! (Daniela e Ana).

O dilema moral, exposto nos recortes de comentários acima colocados, propicia discussões sobre comportamentos e atitudes vivenciados pelas testemunhas, no âmbito do espaço escolar, e torna fundamental o diálogo entre professor e alunos, visando encontrar novos significados para a situação, já que as interações estabelecidas funcionam como recursos de ampliação da zona proximal de conhecimentos e juízos sobre agressão intencional aos pares (VYGOTSKY, 1998). As intervenções dos adultos ou colegas mais experientes permitem a atualização do potencial existente nos alunos que, com ajuda, conseguem vislumbrar algumas alternativas, posteriormente, com mais autonomia. Camila, Carmélia e para quem puder responder: por que só o Fernando pode resolver a situação? Como deve ser para o Fernando saber que os colegas o viram nessa situação? Por que quem falar pode apanhar (Camila e Carmélia). Concordamos com a Camila e a Carmélia . Se a gente falar e não acontecer nada, eles vão ameaçar a gente. (Amanda e Bia). Dani, quem fica só olhando também tem q parar de olhar. Quem humilha os outros quer público. Um falando apanha, mas bater em todo mundo é mais difícil (Patrick e Igor). Tem gente q vive pegando o dinheiro dos outros na merenda. se reclamar, apanha. não dá pra fingir q não viu. (Calebe).

O uso do ambiente virtual facilitou que alunos mais tímidos, mais inseguros pudessem dele fazer uso para relatar o que têm sofrido. Certamente, tal iniciativa não se daria presencialmente, impedindo ações quais fossem, tanto em relação ao autor, como ao alvo de bullying. As falas abaixo expressam essa visão: Quem é saco de pancada se sente só. (Daniela). Quem não conta é porque tem medo. (Amanda).

Inicialmente, são pedidas advertências, suspensões. Tais atitudes expressam relações assimétricas em que o respeito é cobrado, mas não é o mesmo conferido ao outro. Da mesma forma, as relações de respeito ao outro estão baseadas no medo ou na força de quem detém o poder. Traduz uma forma unilateral de respeito, caracterizando atitudes da fase heterônoma, segundo Piaget (1977). Depois, vão aparecendo sugestões de sanções, em especial a de exclusão e de reparação (pedido de desculpa) no lugar de punições. Antônio devia levar advertência. (Lucas). Também achamos. Ou suspensão. (Juan).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Ele deve ficar de fora do grupo e pedir desculpa pelo que fez. (Patrick e Igor).

Com o avanço dos diálogos, as interações estabelecidas vão remetendo uns aos lugares dos outros, em um exercício de empatia: Depois Antônio volta e continua igual. Era melhor ele entender q pedala Robinho machuca. E se fosse com ele? (Maria Luiza e Milena).

Outros posicionamentos de preocupação e solidariedade para com os alunos vítimas de bullying e de enfrentamento das situações vão sendo expostos: O bullyng é uma atitude horrível, pois nós devemos respeitar os outros assim como nós queremos ser respeitados!!!Pois essas atitudes podem resultar em situações drásticas (suicídios, loucuras, depressão e morte)!!!!!! (Ana Beatriz e Beatriz). Nós achamos que Fernando deve falar pra professora, se não ele vai continuar apanhando. Quem vê também podia falar. Se a gente visse, falava. (Maria Luiza e Milena). Quem bate, não ia gostar de apanhar. É injusto um monte de gente batendo em um só. Se todo mundo falar, a força deles vai acabar. (Igor e Patrick).

A necessidade de respeitar e ser respeitado vai sendo expressada. Os alunos percebem poderem propor novas regras. Sanções foram propostas e, de forma lógica, relacionadas com a característica da infração: quem agride para aparecer, recebe a punição de não ter as atenções voltadas para si e para os atos que prejudicam os demais: Ele deve ficar de fora do grupo e pedir desculpa pelo que fez. (Patrick e Igor). Nós achamos que quem bate deve levar um gelo da turma. (Beatriz e Ana). Ele pode encontrar um jeito manero de aparecer (Calebe). Fernando deve falar para alguma pessoa que está sendo agredido para conversarem com Antônio e saberem por que ele tem essa atitude. O que ele faz não é justo. (João Victor). Se 1 falar, vão em cima dele, mas se todo mundo falar junto, eles vão ter q parar. (Joao Gabriel e Joao Vitor). Eu acho que ele tinha que se juntar com seus amigos e para evitar isso (Amanda). Joãos, se vocês toparem a gente fala também (Eduarda e Camila).

O questionamento do significado de ajudar o alvo de bullying surgiu no decorrer das interações mantidas: contar o que é visto é ato de coragem perante 286


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | os autores, de companheirismo perante o alvo, ou ato de “dedurar” os colegas? Acho que muta gente ñ conta pq ñ quer dedurar, mas contar uma injustiça não é ser cacoete (Igor e Valbei). É mesmo, falar o q a gente vê precisa de muita coragem e não tem nada com dedurar. É outro preconceito pra ninguém falar nada (Igor).

A conquista da autonomia não é imediata e tornar-se autônomo em uma situação, não torna os alunos necessariamente autônomos nas demais. Os diferentes espaços sociais que ocuparão, poderão ampliar ou restringir o desenvolvimento de suas autonomias (PCN/ÉTICA, 1997). 3ª Categoria: Juízos morais sobre violência verbal – apelidos e preconceitos Em relação às formas verbais de bullying, a atribuição de apelidos (21%) e as atitudes de preconceito de cor (16%) entre os alunos explicitam como tais questões permeiam o cotidiano escolar. Reunidas, as duas modalidades de agressão verbal, têm maior incidência que as violências físicas (30%), embora estas sejam mais evidentes. A questão do preconceito de cor foi abordada no blog por constar como resposta de grande frequência à pergunta de quais situações de violência, que não a física, mais incomodavam os alunos, embora em relação a ela prevaleça a colocação de apelidos, cujo significado remete a pouca ou nenhuma empatia que o autor possui. O tema do respeito mútuo é de suma importância para a moralidade. O respeito às diferenças é uma das formas de expressão desse respeito, presente na moralidade autônoma. Nela, a reciprocidade atua repudiando as formas de violência e humilhação a que crianças, vítimas do preconceito de cor e do preconceito relativo às características físicas, tão frequentes no ambiente escolar, segundo Neto (2004) e nessa investigação confirmados: Apelido não é brincadeira, só é engraçado pra quem chama, quem ganha nome de baleia, quatro olhos, espinhento não gosta, se sente desrespeitado. (Milena e Maria Luiza). Jorge bota apelido porque se acha perfeito, não vê seus defeitos, só vê os defeitos dos outros. (Raissa e Valbei). Valbei e Raissa, o que vocês estão chamando de defeito? (Prof.ª Ana Maria R. de Seabra). Defeito é um olho diferente, é ser magricela. (Valbei). Mas isso não é defeito, Valbei. Cada um é de um jeito. Pode ser magro, usar óculos e merece respeito. Você vai gostar se eu te chamar de tampinha? (M Luiza).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | O respeito às diferenças individuais, sejam elas de gênero, de origem social, de cor; relativas às singularidades como características físicas e pessoais, é expresso pela identificação de situações em que a violência e a humilhação estejam presentes, repudiando-as; pelo reconhecimento de situações em que a igualdade de direitos represente justiça, ampliando-a para o conceito de equidade (PCN/ÉTICA, 1997). Contudo, a diversidade frequentemente é alvo de discriminações, o que resulta em conflitos e violência ... alguns acham que determinadas pessoas não merecem considerações, seja porque são mulheres, ... negras, ... nordestinas, ... pobres ou doentes (PCN/ÉTICA, 1997, p. 101). Fazzi (2000), pesquisadora da PUC de Minas Gerais, ao considerar as crianças como atores sociais ativos em diversas atividades coletivas, coaduna suas ideias com as de Piaget e Vygotsky, sobre o papel que a interação da criança, com o meio em que vive, tem na formação de conceitos, atitudes e valores. Os teóricos citados dão relevância ao papel ativo que a criança possui, não sendo mero receptor de conteúdos adultos, apenas. Isto implica que crianças produzem seu próprio desenvolvimento, avanços cognitivos e socialização, dos quais as ideias preconcebidas fazem parte. Dessa forma, apresenta as relações entre os pares de estudantes como estrutura sustentadora, a mais, de uma realidade preconceituosa, identificando poucas produções acadêmicas sobre relações raciais entre crianças. O foco de Fazzi (2000) foi caracterizar como são elaboradas as questões de preconceito racial entre crianças, não sendo alvo do estudo o tratamento que a família, a escola, os professores, os meios de comunicação e os livros didáticos dão à questão. Apesar de reconhecer a existência de todos esses fatores, reprodutores das desigualdades sociais existentes, a autora concentrou-se em descrever e reconstituir como, no cotidiano escolar, a categoria de negro é inferiorizada, dificultando o reconhecimento positivo das crianças negras e das que apresentem outras diferenças. O fato de encontrar, em sua pesquisa, preconceito entre crianças de pais que não o eram, levou a renomada pesquisadora a ressaltar a importância da socialização entre os pares na produção e transmissão de visões preconceituosas, nas quais relações de poder estão presentes: os que rotulam e inferiorizam os rotulados. Ao adquirir a noção do outro, a criança adquire também a noção de diversidade, fazendo atribuições de valores às características que percebe ao seu 288


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | redor (FREIRE, 1994). É neste contexto, o da inicial diferenciação entre si e os demais, que se revela, segundo Vygotsky (1991), a importância de aproximar o desenvolvimento potencial do real, em relação ao uso que a criança possa fazer das categorias encontradas, constituindo-se campo rico para intervenções pontuais do educador, pois o diferente é desvalorizado: traços físicos, sotaques, cor da pele, etc., são caracterizados como negativos. O silêncio, a desconsideração da questão, o tratamento como problema menor ou inexistente, considerada coisa de criança e por isso, não levada a sério, são mantenedoras das práticas discriminatórias eficientes, consolidando atos de preconceito no ambiente escolar (FAZZI, 2004). Alguém da escola tem q tomar uma providência. Não dá pra gente falar com um garoto assim! (Daniela e Ana). Tem um moleque como o Daniel q quanto mais a gente fala, mas ele faz. Ele acaba cansando tudo mundo da escola e se acostumando a ser assim (Amanda e Raissa).

Assim, a escola minimiza o impacto da discriminação da criança negra e de outras categorias, como deficiência física ou mental. Tal aspecto é observado no comentário postado no blog, a seguir: Me xingam sempre de nego fedorento. Fui falar com o professor e ele disse pra eu parar de chorar, q todo mundo é igual, pra deixar pra lá.

Nota-se que apenas a vítima recebeu resposta do professor no sentido de “deixar para lá” a ofensa. A criança não faz referência a existência de fala do professor destinada ao agressor. À criança negra, cabe pensar sobre a igualdade, mas à criança autora da agressão repetida, nada coube, não sendo ela, portanto orientada no sentido de desenvolver empatia, respeito mútuo, juízos morais sobre as diversidades. Fazzi (2000) observa em sua investigação a criação de categorias discriminatórias pelas crianças, que após constatarem as diferenças corporais, entre elas, a de cor, promovem inferências negativas, sendo o ingresso na escola um dos momentos em que as brincadeiras referentes à aparência, facilitam a internalização de experiências humilhantes e disseminadoras de atitudes desfavoráveis às diferenças percebidas, como se observa nos registros abaixo: Achamos que Jorge é muito preconceituoso. Eu já sofri preconceito por que tiro boas notas (Igor). Eu já fui chamado de macaco por que sou preto. Preto é melhor que muito branco que não tem educação.(Lucas).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Eu ja me senti muito humilhada, eu já me senti assim. (Gabriela). Já chamaram meu colega de favelado porque ele mora no morro. Ele não gosta que falem onde ele mora. Chamam de preto safado na hora da raiva (Breno e Luis).

Outro aspecto que merece análise, é o fato da alusão às diferenças, tratadas como pluralidade, serem relativizadas, quando “no modelo socioeconômico brasileiro, diferença é sinônimo de desigualdade”. A diversidade humana, em todas as suas manifestações, físicas, culturais, étnicas, constitui-se em eixo de reflexão para disseminação de práticas e atitudes de valorização do outro e que não ignore as peculiaridades, pois “o silêncio escolar sobre o assunto, … [é] uma das formas de manutenção das diferenças” (SILVA JR, 2002, p. 49). O silêncio pode significar também um discurso que minimize o impacto que a vítima de bullying sofre. Acreditando na ação dialógica que a escola pode instituir, que “não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no trabalho, na ação-reflexão”, Freire (1987, p.44) defende uma educação em que haja possibilidade de escuta verdadeira de todos os envolvidos, onde todos possam se manifestar, consistindo tal prática, da mediação, da interação resignificadora de sentidos, na teoria da dialogicidade proposta pelo autor. Fazzi (2000) ressalta que há ausência de debate aberto e de uma orientação intencional e planejada por parte dos agentes socializadores, no sentido da superação de atitudes e comportamentos preconceituosos (p. 270).

A prática de xingamentos e gozações recorrentes e intencionais por parte das crianças, que criam, resistem, reelaboram e agem, sem intervenções pontuais sobre as questões, produz e reproduz a socialização entre os pares de atitudes preconceituosas, de bullying. Marina, tem branco mau caráter e branco que não vale nada. Branco não. branca. Ninguém pode humilhar ninguém por causa da cor porque ela não faz ninguém melhor. (Breno e Luis) . O q é ser melhor? (Prof. Ana). Tia, acho q é se sentir superior querer esculachar com os outros, zoar (Lucas e Pedro). A gente acha que ser melhor é ter paciência e respeitar os outros Marina e (Milena). Você não respeita todo mundo, (Milena Camila). Eu não estou dizendo q eu respeito todo mundo, eu estou dizendo q ser melhor é poder respeitar. Eu não respeito sempre, mas eu

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | não tenho racismo, minha avó é escura (Milena). Eu não gostava de um garoto depois q eu vi q ele é super maneiro. Esse negócio de cor é uma injustiça. Prisão não faz você respeitar o preto, faz você ficar com mias raiva dele (M. Luiza e Lara). Mas M. Luiza, alguma coisa tem q acontecer pra impedir os outros de ter racismo. Agora gostar só conhecendo a pessoa. Independe dela ser escura ou branquicela (Gabriela e Raissa). Branquicela é racismo, Gab (Igor). Loura burra sem neurônio também e ninguém é preso (Milena e Raissa).

Não se tratam de brigas e brincadeiras típicas do desenvolvimento social da criança. A prática repetitiva de preconceito, que caracterizam o bullying, de forma explícita ou velada, tem um forte potencial de destruição para quem é vítima dele, gerando ambiente hostil para os atingidos. Os rótulos racistas – carvão, macaco, branquelo, negro ladrão, loura burra – são percebidos pelos alunos como mais depreciativos que os demais, constituindo-se em campo propício para o desenvolvimento de preconceitos, que afetam duramente a autoestima dos alunos assim taxados, além de constituir-se em forma psicológica de violência, de frustração e sofrimento. Segundo Silva Jr. (2002), que realizou uma investigação quantitativa e qualitativa sobre discriminação racial no sistema educacional, em atendimento a proposta realizada pelo representante da UNESCO no Brasil; Os estudos e pesquisas ... continham relatos ou comentários sobre a discriminação em sala de aula, mas deve-se registrar que são raros e não-privilegiados os estudos etnográficos que observem, relatem, analisem e concluam pelas formas que a discriminação pode tomar, no interior da escola e da sala de aula, em especial. A grande maioria dos estudos baseia-se em teorias que passam a ser o tema da discussão, em função de qual método seria mais eficiente para desvelar e sanar as práticas discriminatórias. Outros oferecem propostas de como tornar efetiva a prática não discriminatória. No entanto, a prática em si fica subentendida como real, constante, efetiva e idêntica em todo o universo escolar. Nosso questionamento aqui é considerar que práticas discriminatórias existem, ferem os direitos humanos, provocam danos irreparáveis no desenvolvimento humano tanto dos sujeitos discriminados quanto dos discriminadores, mas não podem ser generalizadas sem um processo rigoroso de observação que passe a constituir paradigmas de comportamento passíveis de penalização. As atitudes extremas de racismo, na escola e em outros espaços,

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| Maylta dos Anjos (Org.) | ainda não são denunciadas sistematicamente, nem pelas famílias ou alunos, nem por cidadãos que se responsabilizem por mover ações públicas contra a discriminação em sala de aula (p. 82).

Para o desenvolvimento da moral autônoma, a igualdade da diferença, entendida por Freire como uma das dimensões da dialogicidade, prevê o direito das pessoas se manifestarem, serem diferentes sem, com isso, desiguais. O diálogo tem por objetivo negociar soluções para situações de violência entre os pares, tal qual o bullying se configura. A troca de opiniões, a interação enriquece o senso de justiça e facilita a evolução da moralidade e o convívio com a diversidade. (PIAGET, 1977): Professora, Jorge faz assim porque acha engraçado chatear o colega. E se fizessem a mesma coisa com ele? Aposto que ele não ia gostar. Depois ia reclamar de levar advertência e dizer que estava só brincando. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. (Eduarda e João Gabriel). Nós achamos essa atitude muito ruim, magoa as pessoas. (Daniela e Eduarda). A atitude de Jorge ofendeu e desrespeitou muita gente. Preconceito é crime. Zoar é agressão. Não dá pra ficar calada. Isso é uma violência. (Luis e Fernando). Ninguém gosta de ser humilhado na frente dos outros. Todo mundo tem que ser respeitado. Isso não é brincadeira (Lara e Marina). Ninguém deve fazer com os outros o que não gostaria q fizesse com ele (Matheus e Breno). É mesmo, Milena! Experimenta botar apelido em quem adora zoar com os outros. Ele não vai admitir mas adora fazer isso com os outros (Patrick e Igor).

Alguns comentários apontam para a percepção de injustiça e reciprocidade de alguns alunos em relação ao preconceito, assim como a relativização do uso do termo “pretinha” que dependendo do contexto e entonação, não tem sentido pejorativo e nem discriminatório: O pai da minha colega chama ela de pretinha, mas é um apelido carinhoso. não é ofensa como fazem com você Lucas, e com amigo de vocês, Breno e Luís. (Marina e Mariana). Ana e Amanda, se é carinho não é apelido. Apelido não é brincadeira, só é engraçado pra quem chama, quem ganha nome de baleia, quatro olhos, espinhento, não gosta, se sente desrespeitado. (Milena e M. Luiza).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Assim, torna-se fundamental a elaboração de estratégias e projetos que expressem o compromisso ético da escola em relação à violência, ao bullying e uma das suas mais fortes expressões: o preconceito, a discriminação. Retomando o pensamento de Paulo Freire (2003, p. 16): [...] a ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza e em puritanismo A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens, ou com adultos, que devemos lutar. E a melhor maneira de lutar por ela é vivê-la em nossa prática, é testemunhá-la, vivaz, aos educandos em nossas relações com eles.

Em relação ao cyberbullying, outro comportamento da esfera do comportamento verbal que causa danos aos seus destinatários, as primeiras mensagens postadas mostram que os alunos, embora não tenham acesso às páginas do Orkut no espaço escolar, por ser proibida tal prática na instituição, estão bastante familiarizados com este ambiente virtual. Tal fato é indicativo da necessidade de outras instâncias sociais, além da família, trabalharem o uso responsável e saudável da rede, uma vez que os alunos participam de redes sociais na Internet, tais como Orkut, MSN, e estão sujeitos a diversas situações, nem sempre as mais seguras: Já aconteceu de mandarem recados com ameaças pelo MSN e Orkut. (Amanda e Fernanda). Usar o Orkut pra ameaçar ou mentir sobre você é muito ruim. muita gente visita o Orkut e não vai saber se é verdade ou mentira o que estão falando. É que nem fofoca, se espalha e ninguém quer saber se é mentira. (Maria Luiza e Camila). Bullying é ruim de qualquer jeito. Tem gente que faz site e diz que vai bater em preto, nerd, ou em quem é do time de que ele não gosta. (Lara e Cibele). Concordamos com Calebe e Lara. Bullying deixa as pessoas mal, ainda mais se for na internet, com todo mundo vendo. Nós vimos um programa falando de uma menina que deixou de sair e ir pra escola. Ficou meio estranha e os pais levaram para o médico. (Raissa e Fernanda ) . Nós também vimos o programa. A menina sofreu muito e ficou doente. Quem clonou o Orkut deve pensar que ninguém vai saber que foram eles. Mas a delegacia virtual vai descobrir. (Igor e Pedro).

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Um menino me xingou no Orkut, me desrespeitou. Todo mundo deve ser respeitado em qualquer lugar. ( Milena).

Como a escola é lugar privilegiado para o diálogo, a interação significativa, o cuidado, a cooperação, a tolerância, o respeito ao outro e a sua privacidade, pode contribuir para que essas atitudes façam parte também das relações virtuais, bem como do uso responsável e protegido das novas tecnologias de informação. Outros atores sociais também vêm se preocupando com a segurança de crianças e jovens na Internet. Uma delas é a SaferNet Brasil, cujo site foi indicado no blog da turma por um aluno: Agredir no face ou no Blog é crime, sabia? Pode denunciar no site www.safernet.com.br (Patrick).

A SaferNet Brasil é uma associação nacional, sem fins lucrativos, fundada em 2005, que se consolidou, também internacionalmente, no sentido de desenvolver projetos sociais de enfrentamento de violações e crimes cibernéticos, conduzindo ações em busca de soluções compartilhadas com os diversos atores da Sociedade Civil, da Indústria de Internet, do Governo Federal, do Ministério Público Federal, do Congresso Nacional e das Autoridades Policiais, acordos de cooperação firmados com instituições governamentais, a exemplo do Ministério Público Federal. Têm por ideal, transformar a Internet em um ambiente ético e responsável, que permita às crianças, jovens e adultos criarem, desenvolverem e ampliarem relações sociais, conhecimentos e exercerem a plena cidadania com segurança e tranquilidade. (SAFERNET BRASIL, 2009).

Em sua página inicial, acessada em 30/09/2009, anuncia o concurso internacional, “Tecnologia Sim. Conecte-se com Responsabilidade”, de vídeos sobre uso seguro da internet por crianças e jovens, do qual fazem parte sete países: Brasil, Bolívia, Argentina, Costa Rica, México, Paraguai e Venezuela, desenvolvido pelo portal Tecnologiasi, cujo endereço eletrônico, produzido pelo Paraguai, anuncia que: La tecnologia es parte de tu vida. Pero sabes que el resultado depende de ti: usar el celular, publicar tu blog, subir fotos e vídeos a Internet pueden ser experiências positivas oi NO! Em este concurso te invitamos a que lês cuentes a otros chicos y chicas cómo y usar de manera segura y responsable Internet, los celulares y demás dispositivos tecnológicos (TECNOLOGIASI, 2009).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Vale ressaltar que o endereço digital citado no blog pelas crianças, tem como função a educativa, além do encaminhamento cabível, feito com as denúncias recebidas. É interessante notar a recomendação da denúncia não como prática de submissão a uma punição qualquer, mas a uma sanção necessária e pertinente à situação, pois assim como existem regras e é possível pensar e avaliá-las, há que se prever a recíproca sanção em caso de não cumprimento das mesmas. Outras medidas são sugeridas: Lu e Camila, os amigos de verdade sabem como vocês são. Clonaram o Orkut de uma colega da gente e ela desativou a página dela (Marina e João Vitor).

Além do relato de casos conhecidos, os alunos mostram evidente empatia: Todo mundo que manda agressão, e-mail falso não sabe como a pessoa que recebe fica. É bom fazerem com eles pra eles sentirem na pele (Eduarda e Amanda).

Alunos, cujo pensamento moral encontra-se mais amadurecido, apontam para as possibilidades de um se colocar no lugar do outro, em um exercício típico de empatia. Além disso, estimulam aberturas no desenvolvimento dos demais, elaborando coletivamente juízos que, sozinhos, alguns não cogitariam. As mudanças mediadas pelas palavras dos alunos mais maduros e intervenções do professor e pesquisador, cujo movimento se dá pelas trocas e perguntas, pela oportunidade dos educandos terem voz, serem sujeitos participantes, protagonistas dentro do seu contexto comunitário, alteraram modos de vida e de organização reflexiva de pensamento. (FREIRE, 1983). Embora para Freire (2003) justiças sociais não aconteçam sem modificações nas relações de poder, faz a defesa de que não existe transformação social sem a contribuição e participação da educação. Tendo explicitado o estudo das interações ocorridas em blogs e seu estímulo à promoção do respeito mútuo, consequente redução e a desejável erradicação dos comportamentos de bullying, são analisados os materiais produzidos no formato de vídeos, dando continuidade ao entendimento de que aprender a pensar e a criar também se faz na escola.

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| Maylta dos Anjos (Org.) |

Vídeos criados O uso de imagens está presente no cotidiano das pessoas e promove transformações entre elas e o mundo, de maneira contínua. À escultura e à pintura são somados outros suportes, como a produção de imagens audiovisuais, pelos quais são divulgados ideias, críticas e emoções. Dentre as novas formas de representação, podem ser destacadas as fotografias, jornais, películas cinematográficas, imagens televisivas, arquivos digitais de vídeos, novas modalidades destinadas a percepção estética e a decodificação de outra linguagem, a imagética. Cada forma de expressão é apreendida pelo espectador de diferentes maneiras, que podem ser, ainda, diversas entre si, a cada retomada, a cada observação de uma mesma obra, ampliando os significados que os textos imagéticos possuem. É nessa produção de pensamentos e observações que se constitui a leitura de imagem, leitura esta considerava por Freire (2003) como mais que decodificação de textos, sejam verbais ou imagéticos, podendo ser sintetizada, como o pensador o fez, em leitura de mundo. Então, em um primeiro momento, são as associações feitas, ao olhar as imagens, que possibilitam a compreensão e a interpretação do conteúdo que representam. O momento seguinte, diz respeito às possibilidades de produzir criações. O autor encontra-se com o espectador quando após realizar escolhas de figuras, cores, sentimentos, reivindicações, concretizadas nas formas resultantes, são apreendidas, apreciadas e reelaboradas as comunicações estabelecidas. É nessa perspectiva que Sardelich (2006, p. 459) considera a produção de imagens como um desses mecanismos educativos presentes nas instâncias socioculturais. As imagens não cumprem apenas a função de informar ou ilustrar, mas também de educar e produzir conhecimento.

Nesse sentido, Sardelich (2006) refere-se às representações que os livros didáticos, as revistas, os videojogos, a televisão, os cartões postais, os brinquedos promovem às possibilidades de problematização que podem ser desenvolvidas no ambiente escolar a respeito do que as imagens traduzem sobre temas diversos, meio ambiente, saúde ou ética. Por apresentar potencial para simbolizar, evidenciar situações ou desnaturalizar fenômenos banalizados, o trabalho com a produção de imagens, 296


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | especificamente vídeos, contribuem para outras formas de compreensão da realidade, de representações que não as hegemônicas, e a discutir uma representação reiterada de passividade, indiferença, apatia e rotina dos sujeitos em seus ambientes de aprendizagem (SARDELICH, 2006, p. 469).

A investigação realizada por Nascimento (2006) acrescenta que as produções visuais interferem na recepção, produção e interpretação das pessoas e do mundo que as cerca. Por essa razão, a criação de vídeos sobre bullying foi proposto aos alunos da turma participante da pesquisa. Para criação dos vídeos, foi utilizado o aplicativo Movie Maker, com o qual os alunos puderam montar suas próprias apresentações, com imagens, sons, efeitos de transição e outros efeitos gráficos. Após a edição do material, os vídeos foram disponibilizados no blog sobre bullying. Como o material disponibilizado no blog é postado em ordem decrescente de produção, os vídeos feitos pelos alunos na última etapa desse trabalho, aparecem na abertura do blog. Foram criados quatro vídeos pelos alunos e um pela professora pesquisadora, cujos títulos são, respectivamente: Diga não ao bullying! (filme 1); Para você que sofre com bullying! (filme 2); O mal que as pessoas fazem na Internet! (filme 3); A união faz a força! (filme 4); Você pode fazer diferente! (filme 5). Para examinar as produções realizadas, utilizou-se a análise do enunciado, outro procedimento de análise preconizado por Bardin (2009), cujo objetivo é o de observar indicadores que possibilitem inferências sobre os juízos elaborados, nesse estudo, sobre o bullying. Observou-se a presença da função conativa na linguagem usada, em que mensagens foram criadas com o objetivo de convencer ou chamar a atenção do interlocutor. Muitos dos alunos apresentaram histórias vividas, por ele ou colegas próximos: O que você acha de dar o dinheiro da sua merenda para não apanhar? (filme 2) Um dia você abre o Orkut e tem um scrap malvadão falando mal de você! Você não sabe quem falou, mas todo mundo vê o que falaram! (filme 3) Você descobre que fizeram um blog dos favelados e você tá nele! E aí, você faz o quê? Dá vontade de nunca mais aparecer! (filme 3) Você gostaria que fizessem isso com você? (filme 3)

A aproximação semântica sobre o que leva as testemunhas de bullying a tais práticas realça a importância de união para desfazer a silenciosa conivência 297


| Maylta dos Anjos (Org.) | com os atos dos autores de bullying. Foram cogitadas mudanças em situações de dominação e cumplicidade dos alunos envolvidos. A liberdade de expressão experimentada em relação ao tema e ao entendimento da responsabilidade de todos, no grupo turma, foi representada pela sugestão de saídas, especialmente de apoio aos alunos vítimas de bullying. A solidariedade com o aluno agredido é concretizada quando as testemunhas tentam impedir os atos dos agressores, decidindo se aliar a vítima e retirando do agressor o suposto apoio que o silêncio indica: Você tem medo? Conte para alguém! (filme 2) Falar com alguém deixa você forte também! Você não merece tanta humilhação. Todo mundo merece respeito. Por que você não? (filme 4) Se um falar vai apanhar, mas se todo mundo for junto, não vai dar pra bater em todo mundo! (filme 4) Não é engraçado ver alguém ser zoado na frente de todo mundo. Amanhã pode ser você! (filme 4) Quem coloca apelido é o primeiro q reclama se receber!

Uma das estratégias de dissolução das situações de bullying diz respeito à desconstrução de um estereótipo, de uma ideia preconcebida a respeito da denúncia: não é sinônimo de dedurar e sim de discordar das situações presenciadas. Apesar de ter sido mencionada apenas uma vez, não reduz sua importância, na construção de discursos coletivos, como entende Bardin (2009): Contar o que a gente vê não é fofoca, nem é dedurar. Essa ideia ajuda quem gosta de amedrontar a galera. (filme 4)

Outro aspecto a ser comentado, diz respeito à recomendação de denunciar bulliyng e crimes na internet. Apresenta-se condizente com a moral heterônoma, segundo a qual há forte preocupação com o mero cumprimento das leis; com a, por vezes, necessária punição, sem desconsiderar a possibilidade de legitimação de regras e normas advindas do debate e da elaboração de pensamentos reflexivos, que facilitam a compreensão das mesmas, mesmo que não sejam de todo aceitas. Tal enfoque fica evidenciado no texto: Não leve desaforo em casa! Denuncie para a SAferNet!!! (filme 3)

Acreditar na existência de punição para garantir que ações de bullying não sejam praticadas, é indicativo de que os alunos acreditam em regras, que nesse caso não podem ser consideradas heterônomas, de ordem extrínseca, mas sim sanções de reciprocidade uma vez que o aluno não destaca somente o que a denúncia pretende, as punições cabíveis para o fato, mas as medidas necessárias 298


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | diante da gravidade dos fatos e das condições que afetam severamente a integridade psicossocial dos participantes. Enfatizar o que deve ser feito, considerar o “como” e “porquê” fazê-lo, o exercício do diálogo por meio das interações virtuais estabelecidas estimularam a escuta de argumentos alheios e revisão de pontos de vista sobre as situações-problemas propostas, levando em conta a elaboração de conceitos de justiça. Ao exercitar a capacidade de empatia, de colocar-se no lugar do outro em determinadas situações, como as propostas do blog, acrescenta-se ao respeito mútuo, sentido e força para a mudança de pessoas e da sociedade também. Ao desenvolver a capacidade de ser sensível às questões alheias como se fossem próprias, a proposta visou contribuir para uma convivência mais solidária e estimular a transição da visão heterônoma para considerações mais autônomas. Quanto ao tempo maior dado ao espectador, a apresentação do vídeo de forma mais lenta, são significativos momentos em que os alunos conferem ao tema densidade, “suspense” e tempo para a visualização de imagens que expressam e expõem as dificuldades de quem é vítima do bullying. Vale ressaltar que as crianças, na edição de vídeos, não trabalharam com possibilidades de resistência individual às situações adversas, considerando o grupo como essencial para apoio e proteção para os alunos em situação de bullying, sendo consideradas a solidariedade, as propostas de enfrentamento, em redes autônomas de cooperação, como saídas para as dificuldades e perspectivas de futuro diferente. Todo mundo vai te ajudar. Ficar sozinho é muito sinistro. ( filme 4)

A mensagem “Você tem medo? Conte para alguém!” (filme 2), embora bem incipiente, sugere uma saída para o alvo de bullying e pode desencadear outras ações de enfrentamento do bullying. O desenvolvimento da capacidade de resiliência nos alunos é uma delas. A resistência à destruição, à violência e a capacidade de reconstrução sob condições adversas é preconizada pela World Health Organization (WHO, 2002) como ação a ser realizada por profissionais da educação e da saúde, de modo a promover um desenvolvimento de crianças e jovens, mais saudável. Rutter (1991) destaca que a capacidade de resiliência, de resistir, de não ser destruído ao enfrentar uma situação difícil, e a capacidade de construir, apesar e a partir da adversidade, é resultado de um processo interativo com o meio e reafirma a necessidade de estímulo para seu desenvolvimento. 299


| Maylta dos Anjos (Org.) | Embora exista há tanto tempo quanto o homem, a resiliência enquanto conceito tem sido recentemente estudado. A noção de resiliência refere-se à capacidade dos indivíduos para resolverem problemas e achar soluções, já que a inexistência deles é um estado idealizado. (JUNQUEIRA e DESLANDES, 2003). Evidenciou-se a presença de um dos fatores de proteção promotores de resiliência, ou seja, a ação do grupo que, ao se posicionar a favor dos colegas vitimizados, constituiu uma rede de apoio social fundamental para a viabilização de algumas mudanças em situações de bullying. A ação das interações microssociais como reafirmação da capacidade de indivíduos e grupos superarem situações adversas não deve ser interpretada como responsabilização do indivíduo pelo que lhe acontece. Traduz uma leitura estreita que supõe a substituição do Estado e da ação das diferentes instâncias sociais nas questões que interfiram negativamente na qualidade de vida, como é o caso da violência. Junqueira e Deslandes (2003) acrescentam que promover resiliência não significa, portanto, abandonar as políticas públicas voltadas para o enfrentamento da violência em todas as suas dimensões e sim acrescentar alternativas. A resiliência se confunde com o conceito de protagonismo infantil e juvenil, no que diz respeito aos alunos, pois é o reconhecimento de que as crianças são sujeitos atuantes de suas próprias vidas e geradores de mudança. Quanto aos enunciados dos vídeos, de um modo geral, são mensagens questionadoras do bullying e expressam opiniões contrárias a sua existência, com seleção de imagens representativas do sofrimento e desamparo de quem é vítima. Você sabe como é ruim ser humilhada ou deixada de lado ... apanhar, levar “pedala Robinho” ... (filme 2)

Em relação às figuras pesquisadas pelos alunos para comporem a edição dos vídeos, a desproporção física entre os personagens, autor e vítima de bullying, representa a típica relação desigual de poder, uma das características da modalidade de violência do estudo. Verificou-se que os recursos visuais foram utilizados como meio de expressão, demonstrando que esse recurso midiático promove exercício de autoria e criação, onde aspectos imagéticos representam ideias e juízos por eles apropriados a respeito do bullying. Esta postura de uso humanizado das tecnologias coaduna-se com a visão freireana quando o teórico afirma que 300


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | não se pode contentar com a formação tecnicista dos técnicos, nem cientificista dos cientistas, necessários à nova sociedade. Esta não pode distinguir-se, qualitativamente, da outra (o que não se faz repentinamente, como pensam os mecanicistas em sua ingenuidade) de forma parcial. Não é possível à sociedade revolucionária atribuir à tecnologia as mesmas finalidades que lhe eram atribuídas pela sociedade anterior. Consequentemente, nelas varia, igualmente, a formação dos homens. Neste sentido, a formação técnico-científica não é antagônica à formação humanista dos homens, desde que ciência e tecnologia, na sociedade revolucionária, devam estar a serviço de sua libertação permanente, de sua humanização (FREIRE, 1987, p. 90).

Concluída a intervenção pedagógica com o uso de ferramentas do ciberespaço, aplicou-se o segundo questionário (Anexo C). Resultados do segundo questionário da amostra da pesquisa, turma 501: O tratamento estatístico apurou a frequência de características do bullying, após a reflexão e a produção de materiais digitais sobre o assunto. Em relação às situações de bullying ocorridas na escola que mais incomodavam os alunos, houve uma redução na incidência de praticamente todas as que foram apontadas, como mostra o gráfico abaixo: Figura 12: Gráfico comparativo das respostas às perguntas 3, dos 2 questionários.

Figura 12: Gráfico comparativo das respostas às perguntas 3, dos 2 questionários. Frequência das situações de bullying

9 8 7 6 5 4 3 2 1 0

1º Questionário

hu m ilh aç ão

ta s ra cis

de

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2º Questionário

Fonte: elaboração do autor. Fonte: elaboração própria.

301


| Maylta dos Anjos (Org.) | As práticas de agressão ficaram menos frequentes com a intervenção realizada: a categoria “de 2 a 3 vezes na semana” de 66,6% ficou reduzida a 40%; a categoria “todos os dias”, de 30% de frequência dos acontecimentos, foi reduzida para 20%; e o indicador “nunca acontece” correspondeu a um aumento de 3,4% para 40%. Quanto aos envolvidos em bullying, os alunos alvo e testemunha reduziram sua participação nos episódios: Figura 13: Gráfico comparativo das respostas às perguntas 5, 6 e 7, dos 2 questionários. Figura 13: Gráfico comparativo das respostas às perguntas 5, 6 e 7, dos 2 questionários. 30 28 26 24 22 20 18 16

1º Questionário

14 12 10

2º Questionário

8 6 4 2 0 vitima

autor

testemunha

Fonte: elaboração do autor.

elaboração própria. Já os Fonte: autores, não apresentaram mudanças significativas. Tais dados revelam a importância do fortalecimento dos alunos alvo e testemunha que, menos passivos e vulneráveis, foram responsáveis pela redução da incidência de bullying, diante das investidas dos agressores. Por sua vez, os resultados evidenciam a necessidade de replanejamento das sensibilizações e de outras medidas que orientem os autores de bullying. Os autores de bullying são em sua maioria meninos, apontados por 70% dos alunos no primeiro questionário e por 46,6% , no segundo questionário. A indicação do espaço do recreio como local de maior incidência de bullying caiu de 30% para 20%, seguido do espaço de sala de aula, de 23.3% para 10% e da Internet, de 16,7% para 10%. Quanto as observações acerca de mudanças ocorridas na turma em relação à prática de bullying, 76,6% responderam afirmativamente, 16,7%, disseram que nada mudou e 6,7% , acharam que ocorreram poucas mudanças. Sobre que medidas tomadas foram importantes para as mudanças, encontram-se: 43,4% acharam importante participar da produção de vídeos e usar

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | o blog e a wiki para discutir o assunto; 20% consideraram importante saber o que cada um pode fazer nas situações; 16,7% acreditaram que dar advertência é a melhor solução; 13,4% que os professores e funcionários ajudem, ao invés de acharem que é problema dos alunos. Com referência a este último aspecto, Donoche e Achata (2007, p. 151) ressaltam a importância das intervenções em situações como essas: si un estudiante se atreve a denunciarlos, lo único que obtiene es más violencia porque su palabra no cuenta. Las autoridades equivocadamente hacen todo lo posible por esconder o minimizar las denuncias con el pretexto de mantener em alto el nombre del colegio.

Uma parcela dos participantes, 6,6%, relataram a possibilidade de colocar-se no lugar do outro, de ter empatia, capacidade de reciprocidade característica da autonomia e de não querer que o fenômeno do bullying existisse. Na visão dos alunos, destacam-se, portanto, o uso do ambiente virtual e de seus recursos, como estratégia para abordagem e promoção de mudanças na manifestação do tema do estudo. Por ser um ambiente que exerceu muita atração para os alunos, o uso das TIC foi considerado estratégia para reduzir o bullying, no qual alguns juízos de valor foram expressos, circularam pelos alunos enquanto indivíduos, pelo grupo-turma e por meio das produções criadas, em mútua afetação. Em seguida, outras medidas foram julgadas importantes também. A punição dos autores, cujas atitudes senão forem sinalizadas favorecem a perpetuação do comportamento agressivo, a necessidade sentida pelos alunos de intervenção dos educadores em situações de conflito que não possam por eles serem resolvidas e orientações sobre o que fazer nessas situações.

Considerações A investigação realizada nessa tese reuniu reflexões e ações sobre o uso das tecnologias de informação e de comunicação (TIC) em uma turma do último ano do primeiro segmento do Ensino Fundamental, selecionada para apresentar suas vivências pessoais e grupais sobre situações de violência repetitiva e intencional entre os alunos do estudo, o bullying, expressas nas respostas aos questionários e nos ambientes virtuais criados. 303


| Maylta dos Anjos (Org.) | Basseou-se no pressuposto, confirmado, de que o tratamento educacional dado aos fenômenos humanos, dentre os quais o bullying está, por intermédio das novas tecnologias, pode estimular a humanização dos alunos, constituindo-se em um contraponto ao uso da violência e como prática de resolução de conflitos. Apresentou também possibilidades de prevenção e redução de situações de violência no interior da escola pelo uso de estratégias dialogais de não-violência e por tomá-la como objeto de análise e discussão alternativas de convivência. Embasado nessas prerrogativas, o presente trabalho desenvolveu um conjunto de práticas planejadas de reflexão e julgamento de comportamentos morais, com o mesmo tratamento que se dá às competências cognitivas, e constatou que a utilização das tecnologias da informação como estratégias de intervenção e formação para a ética de crianças foi produtiva, promovendo a reflexão, estimulando a consciência da capacidade de participação, de emitir opiniões e questionamentos sobre os comportamentos de violência escolar entre estudantes, o fenômeno bullying, que por sua atualidade, pelas consequências funestas para o desenvolvimento cognitivo, psiquico e social do estudante e pela urgência de erradicação no espaço escolar, demandou tal investigação. O uso da interatividade das ferramentas da informática, como a criação de wiki, vídeos e blog, diferentes linguagens que exercem conhecida atração sobre os participantes da pesquisa para expressão do pensamento moral sobre situações de bullying, em geral colocadas em segundo plano na correria cotidiana escolar, facilitaram a recriação e análise das mesmas, estimulando o desenvolvimento de argumentos coletivos e o respeito às diferenças. A pesquisa em si mesma, com as respostas aos questionários, a edição de vídeos e postagens em blog, proporcionou aos alunos que se depararam com opiniões e reações diferentes, sobre as quais puderam refletir e interferir, atividade de tolerância e de respeito à diversidade. É reiterada a constatação de que cabe à escola oportunizar ao aluno o desenvolvimento de sua autonomia, desenvolvendo a consciência da importância da existência de acordos mútuos para a convivência, por via de ações de uso do diálogo e, quando necessário, das referidas sanções de reciprocidade para promoção do convívio saudável entre alunos. Nota-se que, apesar de destacar a construção de valores em seu discurso, a escola deixa escapar situações de violência, cujo diálogo a respeito, promoveriam contribuições significativas para a orientação no sentido de se construirem atitudes de respeito pelo outro, empatia e cooperação. 304


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Ainda que a escola não seja a única responsável pela formação moral dos indivíduos, apresenta destacada participação na abordagem ética de temas, não como uma disciplina, mas permeando e complementando as atividades e espaços curriculares, sem que isso signifique passividade da instituição diante dos inúmeros problemas que enfrenta, e sim que as iniciativas tomadas não interviram de modo a promover mudanças no fenômeno, segundo a percepção das crianças, sendo necessário aprofundar estudos dentro de um contexto voltado para a cultura da solidariedade e paz. As histórias criadas a partir do que os alunos vivenciam em seu cotidiano, comportamentos agressivos e intencionais de bullying, disponibilizadas no blog da turma, despertaram em alguns, ora a empatia com o colega alvo das situações constrangedoras, ora a identificação com os agressores ou testemunhas. Houve sugestões de medidas, em geral punitivas, características da fase de heteronomia moral e indicação da necessidade da intervenção dos educadores para lidarem com situações de violência por parte dos colegas. Vale ressaltar que o uso exclusivo de medidas punitivas, suspensões e advertências, elimina provisoriamente, determinadas condutas, adia e não aprofunda as questões de violência, sem que aos alunos sejam oferecidas oportunidades de compreensão e elucidação das situações envolvidas, que poderão retornar ao cenário das relações, da mesma forma, ou revestidas por outros comportamentos. A punição, empregada pelos indivíduos ou instituições sociais, como a escola, não reabilita a dignidade humana dos indivíduos e nem tão pouco repara os danos morais ou físicos causados, representando mais atos morais anômicos ou heterônomos do que ação de fato educativa e formativa para estudantes em franco processo de desenvolvimento em todos os aspectos. As interações mantidas nos ambientes virtuais construídos apontam para o fato das punições arbitrárias, referidas por Piaget como sanções de punição, não resultarem na redução ou término da vitimização, pelo fato de significar para o agressor, retaliação e humilhação, sem que o autor perceba, com elas, os danos que causou. A análise de alguns comentários do blog evidenciaram que não basta estabelecer regras a serem seguidas pelos alunos e respectivas punições em caso de infração, mas que é indispensável analisar condutas estabelecidas para legitimar as regras que conduzem e regem as ações humanas, entendida como exercício de formação de moral autônoma. Por outro lado, sugestões de sanção de reciprocidade surgiram – pedido de desculpa, conserto ou reposição do objeto quebrado – a medida em que elementos da turma formularam juízos de valores sobre as consequências dos atos 305


| Maylta dos Anjos (Org.) | de agressão, reestabelecendo os vínculos sociais rompidos por meio da reparação dos atos. Assim entendida, a reparação de ações necessitou de mediação, do diálogo promovido pelo educador, pelos companheiros mais amadurecidos moralmente, pelo ambiente virtual, de modo que a escuta e a fala virtuais articulassem ideias, olhares, diferenças de julgamentos e promovessem modestas iniciativas de resolução autônoma de violência entre os pares. As interações mantida nos blog e wiki atuaram como possibilidades de diálogo entre diferentes vozes que criaram, interpretaram, coletivamente, significados para pensamentos e situações vividas. Referências à mudanças nas situações de bullying foram relatadas a partir das trocas realizadas, nesse estudo, no ambiente virtual, que facilitaram a expressão dos pontos de vista dos espectadores e das vítimas, o vislumbramento do sentimento de empoderamento que, coletivamente, possuiam e da possibilidade de não mais submeterem-se ao controle dos agressores. É reconstruída a possibilidade de pensar e emitir juízos, de cuidar de si, rompendo com a violência da submissão. Ocorreram mudanças de ordem qualitativa e quantitativa, em relação às atitudes dos alunos frente ao bullying, embora por ser um comportamento complexo, requeira ações pedagógicas contínuas, sempre praticadas, desde atividades rotineiras de sala de aula à seleção de conteúdos que promovam a formação da consciência de valores sobre justiça, pois é no exercício que o senso moral é desenvolvido. Na análise quantitativa dos dados, constatou-se que o bullying está presente significativamente no cotidiano dos alunos e originam julgamentos dos quais decorrem sentimentos de indignação, desamparo, medo, revolta, espectativas de punições, justiça, e posteriormente, acordos mútuos e solidariedade. As situações de bullying no espaço do grupo-turma foram relatadas como atitudes de ordem verbal, predominantemente – apelidos, ameaças, exclusões – , e de violência física – chutes, rasteiras, pedala robinho -, além de uma nova modalidade, o ciberbullying, decorrente da imersão dos alunos no mundo virtual. Em relação aos papéis desempenhados nas situações de bullying, quanto aos autores, considera-se que demonstraram valores machistas e usaram de violência para sobressair no grupo, representando uma moral em que a desvalorização do outro confere domínio. Representam poder e sua ação cristaliza-se com a aparente conivência dos expectadores, que se mantêm do lado de fora, 306


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | em contrapartida, impotentes. A medida que esses foram fortalecidos em suas possibilidades de ações novas, coletivamente, pelo próprio grupo, cogitaram atividades contra a hegemônia do individualismo, valor considerado negativo dentro de uma visão humanista quando levam ao menosprezo, a várias formas de violências, erodindo as bases da solidariedade e do cuidado com o outro. A cooptação dos participantes de bullying, que o ambiente virtual propiciou, desvelou situações que, mascaradas na forma de “brincadeiras”, acarretam sérias conseqüências para o desenvovimento emocional e social dos alunos. Promoveu também reflexões sobre da ética do domínio para a ética do compartilhamento e resolução conjunta de situações. Dos envolvidos nos episódios de bullying, as vítimas evidenciaram o sofrimento moral e físico a que são submetidos, nessa relação desigual de poder, destacando questões de delicada abordagem, como a discriminação pela cor negra, pelo estereótipo de inferioridade por diferenças físicas quaisquer, como tipo de cabelos, peso, dentre outras tantas por eles enumerados. Os alunos alvos de bullying, que já haviam recorrido as autoridades escolares para resolução dos problemas, apresentaram-se ou desacreditados do resultado das intervenções, ou parcialmente atendidos por meio de punições aplicadas aos autores: castigo, advertência, suspensão, convocação da família. Quanto às testemunhas de bullying, que não se envolvem diretamente nas agressões com seus pares por terem medo de se tornarem alvos das agressões, solidarizaram-se com os colegas alvos e condenaram o comportamento dos alunos que os agrediam. Essas crianças ou adolescentes, ao verem os comportamentos agressivos de seus colegas, poderiam começar a imitá-los, para ganhar popularidade e poder, e com isso, tornarem-se praticantes de bullying. Entretanto, ocorreu que os espectadores vislumbraram possibilidades de ação conjunta e cooperativa, desfazendo o pacto do silêncio e a conivência com atos de bullying. O fato das testemunhas de bullying tentarem intervir e pararem com as agressões ao seu colega, realça, assim, a obtenção de êxito, além da extrema importância do incentivo dos professores e de outros profissionais, na escuta atenta ao que é exposto pelas crianças, para que mais testemunhas denunciem e tenham comportamentos de proteção para com as crianças alvo e contra o bullying. É importante o crescente fortalecimento da capacidade de enfrentamento coletivo e intervenção dos alunos no sentido de impedir o bullying, pois essa ação desencadeia nos autores de comportamentos agressivos, a falta de apoio para a continuidade dessas ações. 307


| Maylta dos Anjos (Org.) | Nesse sentido, as criações digitais disponibilizadas na web, socializadas com a criação de endereços virtuais para as apresentações produzidas, estimularam o desenvolvimento do protagonismo autoral das turmas, bem como competências comunicativas, por meio da proposta de elaboração de mensagens próprias, sendo os sujeitos produtores e não só receptores dos meios de comunicação. Embora não seja possível precisar como determinados julgamentos possam atuar como condutores de ações e comportamentos, é certo afirmar que a finalidade da escola é, além do acesso aos saberes socialmente acumulados, a redução da exclusão digital, a humanização do homem e a promoção de um espaço de vida feliz. Dessa forma, a relevância do presente trabalho está em ter realizado a abordagem conceitual do pensamento moral de alunos envolvidos em situações de bullying; o exame das implicações decorrentes do fenômeno; a discussão da experiência do uso do ambiente virtual para reflexão sobre essas questões e apresentação de nuances do desenvolvimento moral de alunos que possam ser (des/re)construídos, em prol de uma sociedade mais humana, justa e fraterna, sendo essa a finalidade desse trabalho: identificar a prevalência de bullying, tecer comentários sobre a experiência do uso de TIC para desenvolvimento do pensamento moral, relacionando pesquisa com prática pedagógica. O estudo apresentou outros usos das tecnologias, colocando-as a serviço do desenvolvimento da ética e benefício da pessoa humana, das abordagens pedagógicas onde, apesar de representar para muitos uma imagem de utopia, há o ideal de possibilidades de demarcações de espaços de autonomia, dentro da sociedade heterônoma contemporânea. Sendo o desafio da educação atual – a formação de seres autônomos numa sociedade heterônoma -, as estratégias de ação revelam uma opção política democrática: criar pequenas ágoras, cuja interiorização, por indivíduos e coletividades, sejam agentes multiplicadores da autonomia, destacando-se o potencial comunicativo que as novas tecnologias possuem. Dentre os aspectos que poderiam ser desenvolvidos e que nessa investigação não foram abordados, encontra-se a necessidade de aprofundar estudos a respeito de outra formas de intervenção que constituam estratégias produtivas para o desenvolvimento do trabalho da educação frente a crianças cujo papel desempenhado no grupo escolar e social a que pertencem, se assemelhe ao dos autores de bullying. Também são sugeridas pesquisas que envolvam o uso do ambiente virtual como espaço de interação e apropriação autoral sobre outros temas de 308


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | relevância social e/ou educacional, com outras faixas etárias da população escolar ou/e em outras instituições sociais. Outro aspecto que merece atenção dos pesquisadores é o fenômeno do cyberbullying, nova forma de manifestação desse tipo de violência, que necessita, ainda, ser investigado empiricamente nos países latino-americanos. Finalmente, coloca-se a importância de retomar as ações iniciais que nortearam a implantação da Informática na educação brasileira e fomentar parcerias entre instituições de pesquisas em educação – as universidades – e as instituições escolares, onde a práxis pedagógica ocorre, e que essa perspectiva esteja presente em políticas públicas voltadas para a educação e para à prevenção e redução da violência, nesse estudo, do bullying especificamente, ainda inexistentes nos países da América Latina.

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A primeira pergunta que se deveria fazer a alguém que se candidatasse a uma posição de professor deveria ser: “O senhor gosta dos alunos?”. Caso a resposta fosse afirmativa, a segunda pergunta se seguiria: “E qual é o primeiro prato que o senhor lhes serve?”. Rubem Alves


EDUCANDOS: sujeitos autônomos? André da Silva Rangel

Introdução Este artigo está fundamentado na contribuição do conceito de “empowermente” no processo pedagógico levando–se em conta a perspectiva dos educandos. Um processo educativo inspirado neste conceito resulta na instrumentalização política dos educandos e dos educadores, despertando em ambos a consciência crítica e política para participação nas esferas públicas sociais. Consideramos que a sala de aula é, na sua essência, uma expressão do espaço público. O tema de estudo corresponde a problematização sobre a prática político-pedagógica num contexto de ensino de PROEJA. A questão que orienta este trabalho consiste na reflexão sobre as possibilidades de pensar os educandos como sujeitos autônomos. A análise é fundamentada na minha experiência profissional agregada a investigação bibliográfica. Segue-se a hipótese que, a despeito de todo arcabouço teórico da educação voltado para esta proposta construtivista que toma o educando como um sujeito autônomo na construção do conhecimento no processo educativo, o contexto social revele contradições diante desta concepção de autonomia dos sujeitos do conhecimento. Este artigo utiliza como instrumento metodológico a consulta de fontes bibliográficas para a fundamentação das análises e discussões. A estrutura do artigo está dividida em quatro partes. A primeira realiza uma reflexão sociopolítica da sociedade brasileira. A segunda parte insere o conceito de empowerment nas reflexões sobre a democratização das políticas públicas, no geral e da educação, no particular. A terceira faz uma reflexão sobre a educação de jovens e adultos na sua modalidade PROEJA, dentro deste contexto. E por fim, a última parte discute-se os limites impostos ao fomento de uma consciência participativa. 318


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Reflexões sobre o contexto sociopolítico. Iniciamos este artigo com uma reflexão sobre o contexto histórico-político atual da sociedade brasileira. Não podemos começar esta reflexão sem destacar os antecedentes: vivemos numa sociedade cuja herança da cultura política é marcada pela hieraquização e o autoritarismo. A sociedade brasileira foi marcada por longos períodos de autoritarismo das suas instituições políticas. A constituição de 1988 representou um marco para a transição democrática de tais instituições, no entanto, permanecem resquícios desta cultura política autoritária. Muitos cargos de gestão institucional tais como, o cargo de direção escolar, são ocupados por representações que se perpetuam nas funções de comando. Isto é um sinal de que valores autoritários se mantêm na sociedade. A democratização das instituições não ocorre de forma automática e objetiva; na transição, as relações políticas ainda conservam muitos valores autoritários. Chauí (1995, p.76) afirma que “o autoritarismo está de tal forma interiorizado nos corações e mentes” que as desigualdades sociais são naturalizadas. Outra característica expressiva de nossa cultura política está relacionada à apropriação privada em questões de interesse público das políticas públicas, o que reforça práticas como patrimonialismo e o clientelísmo. Estas questões serão detalhadas no decorrer deste trabalho. No campo da antropologia política destacam-se trabalhos que analisam a cultura política brasileira, destacando-se autores como Roberto DaMatta, Luis Eduardo Soares que com suas obras permitem traçar um quadro das relações políticas. Soares destaca que na realidade brasileira o acesso aos recursos econômicos é marcado por expressiva desigualdade, expressão da injustiça social. No campo das políticas públicas esta realidade se expressa concretamente na diferenciação de acesso a bens e serviços públicos, assim como nas condições de existência. A sociedade brasileira vem sofrendo transformações profundas num recente período de sua história, que vai da segunda metade do século vinte até os dias atuais. Se no campo socioeconômico deixamos de ser uma sociedade predominantemente rural para se transformar numa sociedade predominantemente urbana, no campo sociopolítico passamos de um período de ditadura para um processo de redemocratização das instituições políticas. Para Soares (1999, p.226), a sociedade brasileira revela um processo social de democratização das instituições políticas, de modernização e de 319


| Maylta dos Anjos (Org.) | desenvolvimento econômico que expressa uma desigualdade social permanente e progressiva. Esta combinação de democratização e desigualdade revela o caráter autoritário de nossa sociedade, onde o desenvolvimento econômico ocorre de forma conservadora e excludente, onde os setores privilegiados formaram “uma ampla coalizão entre os diversos segmentos da elite”. Esta modernização é conservadora por agregar desenvolvimento econômico e desigualdade social. A transição política brasileira se dá entre um regime político fechado e centralizado, marcado pela privação dos direitos civis, políticos e sociais; e um contexto de reforma política, com expansão das instituições políticas democráticas e liberais e, como destaca Soares (1999, p.230), dos valores do “individualismo igualitário”. No plano sociocultural destaca-se uma cultura política autoritária, hierarquizante que se mescla com valores individualistas. A hierarquização é definida por Soares (1999, p.227) como uma característica de nossa cultura política tradicional, onde as desigualdades de concentração de poder econômico, de poder político, e de status são socialmente naturalizados. “Patronagem e clientela” são duas dimensões desse jogo de naturalização das desigualdades, onde os dominadores e os subordinados se reconhecem mutuamente e legitimam suas práticas. Se por um lado os setores dominantes expressam frequentemente relações de patronagem, assumindo um papel protetor diante dos seus subordinados; por outro lado, os subordinados expressam relações clientelísticas, se colocando na condição de aceitação, submissão ou resignação. O recente desenvolvimento econômico, a reforma política democrática e a expansão dos meios de comunicação de massa; geraram a difusão ideológica tanto de valores culturais que expressam forte apelo igualitário, como de valores de caráter individualista. Segundo Soares (1999, p. 228) “o desenvolvimento capitalista, o crescimento econômico e a expansão do mercado promovem e requerem o surgimento de fontes culturais poderosas do individualismo”. Este individualismo é difundido pelas novas instituições políticas democráticas juntamente com “o valor liberal democrático da igualdade”. O Brasil viveria um contexto de hibridismo sociopolítico e cultural, onde os valores culturais dos discursos hierárquico e individualista se combinariam. Outro trabalho importante que discute o contexto político contemporâneo é intitulado “A democracia inesperada”, de Bernardo Sorj. Inspirado por Marcel Gauchet, Sorj (2004, p.51) defende a ideia de que esta ideologia individualista impõe aos indivíduos uma dificuldade de vinculação tanto com os espaços públicos, como com a realidade societária. Isto se reflete na cada vez 320


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | mais frequente dificuldade de mobilização coletiva, ou mesmo na constante afirmação das diferenças em detrimento das igualdades “a luta pela igualdade é substituída pela luta pela diferença”. As identidades coletivas sofrem este impacto ideológico, “o novo universo das identidades coletivas deixa de estar ancorado em vínculos de identificação socioeconômica e processos históricos, ..., e se organizam ou bem em torno de grupos de afinidade por identificação imediata, relacionados a problemas específicos ..., ou bem... em entidades... naturais ou transcendentais” (Sorj 2004, p. 53).

Para prosseguirmos neste trabalho vamos revisar um conceito que tem sido frequentemente trabalhado nas políticas públicas, mas que especificamente apresenta uma relação íntima com a educação. Este conceito revela uma tendência atual do debate sobre a democratização das políticas públicas; estamos falando do conceito de “empowerment”.

O empowerment e a democratização das políticas públicas O empowerment é um conceito bastante difundido no contexto das políticas públicas e da participação social. Na sua tradução para a língua portuguesa vem sendo adaptado para o termo empoderamento. Empowerment consiste numa estratégia de capacitação de indivíduos, de modo a instrumentalizar estes de elementos que permitam fazer com que se reconheçam como seres autônomos, como sujeitos ativos. Neste sentido, podemos dizer que empowerment é uma forma de instrumentalizar os indivíduos para que eles tenham condições de analisarem criticamente e discutirem os problemas sociais. Segundo Stotz & Araújo (2004, p. 13) o empowerment está relacionado à “mobilização de indivíduos e grupos e a tomada de consciência do que está em jogo para se alcançar seus objetivos”. Segundo Gohn (2004, p.23) o processo de empowerment deve ter a “capacidade de gerar processos de desenvolvimento autossustentável, com a mediação de agentes externos – os novos educadores sociais – atores fundamentais na organização e o desenvolvimento dos projetos”. Para Carvalho (2004, p.1091) o empowerment está relacionado a estratégias de fortalecimento da “autoestima”, da “capacidade de adaptação” e dos mecanismos de “solidariedade”. O empowerment pode ocorrer em dois níveis: psicológico (através de experiências subjetivas relacionadas ao sentimento de aquisição de controle da 321


| Maylta dos Anjos (Org.) | própria vida) ou comunitário (através da interseção destas experiências subjetivas com a realidade objetiva, relacionando-se ao desenvolvimento de uma consciência que qualifica a ação política coletiva). Na realidade social-comunitária, a relação com o poder se expressa de forma desigual, o poder é distribuído de forma desigual, o que acarreta a concentração de poder por alguns grupos sociais e a desconcentração de poder por outros. O que está em jogo é a contraposição, de um lado, a distribuição desigual do poder na sociedade, de outro, a possibilidade oferecida pelo empowerment, como um instrumento potencializador de uma redistribuição de poder. Como destaca Stotz & Araújo (2004, p. 14), “promover essa redistribuição de poder implica a participação política com o intuito de democratizar o poder, o que significa subordinar o funcionamento do Estado à sociedade”, democratizando as garantias de acesso às políticas públicas. A formação de uma consciência crítica em dois níveis: da autocrítica e da crítica social; é condição indispensável para possibilitar o empowerment. A capacidade de autonomia é uma característica dos indivíduos e grupos dos indivíduos que formulam uma experiência de empowerment. Para Carvalho (2004, p.1092), outras características são importantes como: “desenvolvimento de auto-estima,... capacidade de analisar criticamente o meio social e político”. No cenário atual estão surgindo novas arenas públicas: como: os conselhos populares e o campo do terceiro setor; dos quais surgem organizações da sociedade civil. Estes atores estão inseridos no contexto de uma “nova cultura política pública”, onde os assuntos de interesse público são “reconhecidos, representados e negociados, via mediações sociopolíticas e culturais”. Esta “nova cultura política” têm nos seus valores a contraposição a cultura política tradicional que subverte os assuntos de interesse público ao interesse privado, a partir de práticas políticas como autoritarismo, clientelismo, patrimonialismo e o corporativismo. Para Gohn (2004, p.28) este momento político exige a “participação cidadã”, uma participação imbuída deste novo espírito de cidadania, no qual a concepção de cidadania ganha uma configuração coletiva. Por outro lado, a popularização e generalização do conceito de empowerment oferece riscos ao uso indiscriminado que pode comprometer o significado original. Como afirmam Romano & Antunes (2002, p.10), o conceito virou “moda”, seu uso frequente permite que venha a ser tomado “como uma forma de legitimação de práticas muito diversas, e não necessariamente empoderadoras”. E prosseguem: 322


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | “Assim, o empoderamento invocado pelos bancos e agências de desenvolvimento multilaterais e bilaterais, por diversos governos e também por ONGs, com muita frequência vem sendo usado principalmente como um instrumento de legitimação para eles continuarem fazendo, em essência, o que antes faziam. Agora com um novo nome: empoderamento. Ou para controlar, dentro dos marcos por eles estabelecidos, o potencial de mudanças impresso originariamente nessas categorias e propostas inovadoras. Situação típica de transformismo (gattopardismo): apropriar-se e desvirtuar o novo, para garantir a continuidade das práticas dominantes. Adaptandose aos novos tempos, mudar .tudo. para não mudar nada” (Romano & Antunes 2002, p.10).

O problema da generalização do conceito esvazia este do seu principal significado, que se relaciona à descentralização das relações de poder. Sua apropriação indiscriminada tira o mesmo do foco, debilitando-o como instrumento potencializador do enfrentamento da centralização de poder e da busca da autonomia política. No campo da educação o conceito de empowerment, reserva uma relevante colaboração. Como destaca Pereira (2003, p.1531), alguns autores, e em destaque Laverack, relacionam a pedagogia de Paulo Freire com o conceito de empowerment. O autor afirma que Laverack classifica o método de Freire como um “empowerment education” ou um empoderamento educacional. A pedagogia problematizadora de Paulo Freire se caracteriza por ser uma proposta de educação popular que rompe com qualquer possibilidade de hierarquização na relação educando e educador, permitindo que ambos se insiram num “nível de consciência dessa realidade, a fim de nela atuarem, possibilitando a transformação social”. Neste sentido o conceito de empowerment apresenta um diálogo estreito com a pedagogia problematizadora.

Ensino profissionalizante na modalidade jovens e adultos O Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – se constitui num importante instrumento de educação popular, seja por ser uma política compensatória que atinge jovens e adultos que estão num contexto de atraso escolar, ou porque atinge educandos que aspiram capacitação profissionalizante, ou ainda por agregar setores populares. A educação popular (educação para as 323


| Maylta dos Anjos (Org.) | camadas populares) apresenta uma perspectiva política de construção de uma consciência de que as classes populares devem assumir um papel ativo na escolha de seus caminhos no âmbito cultural, político e econômico. O PROEJA foi instituído no ano de 2005, pelo decreto 5478, homologado no dia 24 de julho, cuja atribuição do decreto foi de regulamentar esta modalidade de ensino, atribuindo-a funções no âmbito das instituições federais de educação tecnológica, contendo “cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores e educação profissional de ensino” (Oliveira, p. 2). O decreto 5478 só durou um ano, no ano de 2006, foi substituído pelo decreto 5840, homologado em 13 de julho de 2006. O novo decreto busca estender o PROEJA definindo como um programa de base nacional, expandindo das instituições federais de ensino para a educação nacional (podendo ser oferecido pelas redes públicas municipais e estaduais). Outras inovações trazidas pelo novo decreto são: especificar que o programa deve ser sensível às características dos educandos jovens e adultos, prevendo uma articulação tanto no ensino fundamental como no ensino médio, com propósito do aumento da escolaridade dos trabalhadores (no ensino médio esta articulação pode ser integrada ou concomitantes). O PROEJA, ao focar o segmento de jovens e adultos, trabalha num contexto social que carrega um déficit ocasionado pelo atraso escolar. Tais alunos são o resultado da exclusão do ensino regular. Esta condição exige uma proposta de trabalho específica, um método de trabalho mais dinâmico que o convencional. A integração com a educação profissional oferece potencial de inclusão ao mundo do trabalho. A educação profissional na sua modalidade de jovens e adultos apresenta especificidades, pois o processo de aprendizagem para jovens apresenta distinções em relação aos adultos. Esta especificidade exige um projeto político-pedagógico diferenciado, tal como devem ser diferenciadas a relação educando-educador e a sensibilização inserida neste tipo de relação. Tanto o processo educativo de sensibilização, como a formação de uma consciência cidadã devem estar integrados a singularidade de tais sujeitos. Como destaca Dante Moura (p. 5) ocorrem “equívocos” na execução do PROEJA pelos Institutos Federais de Educação Tecnológica, dente eles a ausência de ações planejadas de caráter participativo. Os procedimentos de implantação e execução do PROEJA são marcados por práticas autoritárias. Os programas são adotados de cima para baixo, não passam por consulta, debate ou decisão que envolva a comunidade escolar. Estes ficam restritos aos 324


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | gabinetes do MEC, prática que alija dos processos decisórios os maiores interessados: educadores e educandos. O que agrava tal situação é a exigência de rapidez e imediatismo na efetivação. A natureza centralizada e autoritária deste processo compromete o fomento de uma proposta de fortalecimento de consciência política participativa, restringindo “as possibilidades de contribuir para a inclusão socio laboral dos destinatários” (Moura, p. 5).

Formação de uma consciência participativa Retomando o debate sobre uma proposta educativa articulada com o fomento de uma consciência participativa, devemos prosseguir no sentido de uma reflexão de suas implicações no contexto social atual. Recuperando o debate sobre as relações sociopolíticas, concluímos que nossa cultura política apresenta um o caráter autoritário e hierarquizado. Na história política brasileira a experiência com instituições e valores democráticos são muito recentes, o que restringe a introjeção nas consciências de tais valores. As relações de autoridade e poder são permeadas pela centralização e submissão ao comando, o que dificulta a incorporação de uma consciência democrática, os valores democráticos são frequentemente projetados nos discursos, mas não são incorporados nas práticas sociais. O fomento de uma consciência participativa deve romper com esta centralização política comum a práticas como a patronagem e o clientelismo, do contrário não conseguiremos superar tamanha desigualdade nas relações políticas e no acesso a bens e serviços. A prática educativa inspirada na consciência participativa esbarra na resistência resultante da acomodação em valores autoritários. O processo de construção de uma consciência participativa deve sensibilizar os sujeitos envolvidos na necessidade do reconhecimento e da desconstrução desta cultura política autoritária. Assim, haverá condições de autocrítica e de crítica social, condições indispensáveis para reconhecimento da necessidade de desconcentração de poder. A difusão cultural da ideologia individualista restringe o fortalecimento da auto-estima e da consciência pela solidariedade. Uma proposta pela formação de consciência participativa deve trabalhar a reflexão em prol da desconstrução destes valores culturais altamente difundidos pelos meios de comunicação de massa e pela sua linguagem publicitária. O fomento de uma consciência crítica 325


| Maylta dos Anjos (Org.) | e autônoma passa pelo reconhecimento e pela resistência a alienação política imposta pela submissão a todo este aparato ideológico trabalhado pela indústria cultural. A fragmentação simbólica também impõe limites à formação de uma consciência cidadã. A construção de identidades coletivas consiste num processo essencial a formação de uma consciência cidadã, na medida em que a cidadania nos remete a um processo de mediação com a dimensão pública das nossas vidas. A relação que os indivíduos estabelecem com os direitos, os deveres e os interesses coletivos expressam como os indivíduos se relacionam com a cidadania. A formação de identidades coletivas é parte deste processo, o problema é que estamos submetidos a uma conjuntura onde a formação de identidades coletivas ocorre de forma fragmentada, esta fragmentação simbólica das identidades coletivas dificulta a integração dos indivíduos no espaço público. Estes se relacionam com espaço público manifestando valores individualistas que dificultam a formação de vínculos estáveis com a realidade societária, enfraquecendo a mobilização coletiva. Os vínculos societários são cada vez mais fragilizados, as diferenças são mais acionadas do que os valores igualitários. A formação de uma consciência cidadã passa pelo fortalecimento de uma “nova cultura política pública” comprometida com uma experiência de cidadania de espírito coletivo e participativo. A educação, na sua essência, é um instrumento que potencializa as transformações sociais, garantindo aos sujeitos o papel ativo na transformação. A educação se constitui numa política pública na medida em que corresponde ao interesse público. Destacamos a importância do educador na conscientização do exercício ativo da cidadania. Nesse sentido torna-se relevante a instrumentalização dos indivíduos para a ação individual e coletiva. A consciência participativa está associada à capacidade de autonomia que o educando, como sujeito do conhecimento, necessita desenvolver. Uma educação inspirada no conceito de empowerment está comprometida na formação de sujeitos autônomos. Esta autonomia se fundamenta no poder de interferência e de decisão que os educandos devem exercem sobre o processo educativo. O contexto social atual é extremamente desfavorável a formação da autonomia dos sujeitos, o que exige um esforço maior na superação de tais obstáculos.

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Considerações Este artigo colocou em discussão a proposta de ensino que possibilita instrumentalizar os educandos de meios para a formação de uma consciência participativa e cidadã, denominada empowerment, confrontando-a com o contexto sociopolítico de nossa sociedade. O problema que orientou este estudo residiu na reflexão sobre os impasses para a formação de uma consciência autônoma por parte dos educandos. O objetivo relacionou-se em problematizar o conceito de empowerment diante de processos sociais de tamanha complexidade. Isso porque a realidade social apresenta uma duplicidade: por um lado, o contexto de desigualdade expressa uma evidente necessidade de mobilização popular por uma formação de uma consciência participativa e cidadã; por outro, fatores políticos e ideológicos anestesiam processos de tomada de consciência, desmobilizando reais tentativas de articulação de uma cultura participativa. A educação profissional na sua modalidade jovens e adultos apresenta tais contradições. Seu potencial popular, na medida que atinge grupos sociais alijados da educação regular, lhe confere possibilidade de transformação social, terreno fértil para propostas pedagógicas de caráter crítico e participativo. No entanto, a precipitação e ocorrência de equívocos relacionados a centralização no planejamento e execução de tais projetos tem anulado tais ideais.

Referências CARVALHO, Sérgio Resende. Os múltiplos sentidos da categoria “empowerment” no projeto de Promoção à Saúde. Cad. Saúde Pública (online), volume 20, n. 4, pp. 1088-1095. ISSN 0102-311X. 2004. CHAUÍ, Marilena. Cultura política e política cultural. Estudos Avançados (online), volume 9, n. 23, pp. 71-84. ISSN 0103-4014. 1995. GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde soc. (online), volume 13, n. 2, pp. 20-31. ISSN 0104-1290. 2004. MOURA, Dante Henrique. Algumas considerações críticas ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. (online). CEFET-RN. Disponível em: http://www2.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | ifrn.edu.br/unedzn/images /stories/ensino/12algu~1.pdf OLIVEIRA, Maria Auxiliadora Monteiro (Orientadora); ABDO, Patrícia Ferraz; SOUSA, Elaine Fernandes de & SANTOS, Thalita da Silva. Desafios e perspectivas da implantação do PROEJA em um CEFET-X: um estudo em processo. PUC-Minas. Disponível em: http://www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/anais/ terca_tema6/TerxaTema6Poster1.pdf PEREIRA, Adriana Lenho de Figueiredo. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cad. Saúde Pública (online). volume 19, n. 5, pp. 1527-1534. ISSN 0102-311X. 2003. ROMANO, J. O.; ANTUNES, M. (Organizadores). Empoderamento e direitos no combate à pobreza. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2002. SOARES, Luiz Eduardo. A duplicidade da cultura brasileira. In, SOUZA, Jessé (Organizador) O malandro e o protestante. A tese weberiana e a singularidade da cultura brasileira. Brasília: Editora UNB, 1999. SORJ, Bernardo. A democracia inesperada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. STOTZ, Eduardo Navarro; ARAUJO, José Wellington Gomes. Promoção da saúde e cultura política: a reconstrução do consenso. Saúde soc. (online), volume 13, n. 2, pp. 5-19. ISSN 0104-1290. 2004.

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A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. Anote isto: conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. [...] A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome... Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo, ele acabará por inventar uma maquineta de roubar queijos. Rubem Alves


MARIANA, BRUMADINHO E OS CURRÍCULOS DAS ENGENHARIAS: a responsabilidade das universidades e das políticas públicas de educação na aplicação eficiente da legislação Fernando Setembrino Cruz Meirelles Patrícia Maneschy Duarte

Introdução A segurança de barragens é uma preocupação mundial há quase um século. Em 1928, especialistas de diversos países participaram de uma reunião sobre projetos e análises de barragens, que resultou na criação da ICOLD – International Commission on Large Dams. A ICOLD tem registro de 45.000 grandes barragens no mundo e relato de 300 acidentes com estas obras, sendo que desde o final dos anos 60, o foco da instituição é a segurança de barragens, monitoramento de seu funcionamento, reanálise de barragens e vertedores antigos, efeito da idade da obra e impactos ambientais. Por isso não é coincidência que o surgimento de legislações em diversas partes do mundo sobre o tema tenha ocorrido por essa época. Em 2002, o Banco Mundial lançou um estudo comparativo sobre o tema da segurança de barragens, analisando o caso de 22 países, entre eles o Brasil (Bradlow, Palmieri, & Salman, 2002). Na conclusão, o Banco Mundial estabelece elementos essenciais e desejáveis e tendências para segurança de barragens. Entre os elementos essenciais estão a necessidade da autoridade de regulação ser provida com recursos humanos e financeiros para exercer sua função e o estabelecimento da capacitação requerida da equipe de avaliação da segurança da barragem. Entre os elementos desejáveis, ações de educação sobre segurança de barragens. 330


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Com relação às tendências sobre segurança de barragens, estão a incorporação da segurança de barragens em todo o ciclo de vida da obra, incluindo o projeto, e a incorporação de critérios ambientais, sociais e de saúde pública na segurança de barragens. No Brasil, a legislação é bem mais recente (BRASIL, 2010). A Lei 12.334 de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, é originada do Projeto de Lei 11.881 de 2003. Em 2005, o Ministério da Integração Nacional lança o livro A Segurança de Barragens e a Gestão de Recursos Hídricos no Brasil. Na apresentação da obra, é destacado que os acidentes com barragens vêm se agravando no país, resultando em mortes e danos ambientais e econômicos importantes. A legislação brasileira para segurança de barragens incorpora todos os elementos essenciais em teoria, restando a questão de equipe técnica e recursos financeiros e materiais suficientes para exercer a fiscalização e a regulação. De forma complementar, incorpora grande parte dos elementos desejáveis do documento do Banco Mundial. De acordo com a Lei brasileira, a responsabilidade de fiscalizar se divide entre quatro grupos, de acordo com a finalidade da barragem: • Barragens para geração de energia, fiscalizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL); • Para contenção de rejeitos minerais, fiscalizadas pelo DNPM (substituído pela Agência Nacional de Mineração – ANM); • Barragens para contenção de rejeitos industriais, sob responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e órgãos ambientais estaduais; e • As de usos múltiplos, sob fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA) ou de órgãos gestores estaduais de recursos hídricos, seguindo a dominialidade da obra. Um dos instrumentos da Política Nacional de Segurança de Barragens é o Relatório Anual. De acordo com a edição 2018 (ANA, 2018), com dados de 2017, 45 barragens em todo o Brasil estariam com estruturas comprometidas, de acordo com os órgãos fiscalizadores. A Bahia é a unidade da federação com maior número de obras nesta situação, com 10 barragens. Dentre as barragens de rejeitos, cinco obras, todas no estado de Minas Gerais, estariam comprometidas de acordo com a ANM, mas não cita a barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, rompida em 2019. 331


| Maylta dos Anjos (Org.) | Os artigos 8º e 9º da Lei 12.334 exigem regulamentação dos órgãos outorgantes ou fiscalizadores em relação à periodicidade da revisão dos planos de segurança e das inspeções, assim como em relação à equipe alocada pelo empreendedor, o detalhamento esperado e o conteúdo mínimo do relatório. De acordo com a legislação, as inspeções podem ser regulares ou especiais, sendo a primeira desenvolvida pela equipe própria do empreendedor e a segunda elaborada, conforme orientação do órgão fiscalizador, por equipe multidisciplinar de especialistas, em função da categoria de risco e do dano potencial associado à barragem, nas fases de construção, operação e desativação, devendo considerar as alterações das condições a montante e a jusante da barragem. A legislação federal foi regulamentada pelo CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH, 2012), cabendo aos estados a regulamentação de artigos específicos. O Estado da Bahia foi um dos primeiros a realizar essa regulamentação em 2013, com a edição de portarias pelo órgão outorgante e licenciador, o INEMA, definindo a periodicidade, qualificação da equipe responsável, conteúdo mínimo e nível de detalhamento das inspeções de segurança regulares de barragens de acumulação de água (Bahia, 2013). Por essa normativa, os responsáveis técnicos pela elaboração do Plano de Segurança de Barragem deverão ser treinados e capacitados, ter registro no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia – CREA, com atribuições profissionais para projeto ou construção ou operação ou manutenção de barragens, compatíveis com as definidas pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, devendo ser emitida a respectiva Anotação de Responsabilidade Técnica. Estabelece-se, assim, uma relação inequívoca entre os profissionais vinculados ao sistema CREA/CONFEA e a Política Nacional de Segurança de Barragens. Dentre estes profissionais, estão os egressos das Instituições de Ensino Superior brasileiras. A avaliação da segurança de barragens exige uma equipe multidisciplinar, mas duas profissões se destacam em relação à capacidade técnica específica, definida pela tipologia das barragens: a Engenharia de Minas e o de Engenharia Civil. O ensino superior de Engenharia no Brasil teve um crescimento significativo a partir de 1950, coincidindo com a transformação pós-guerra do País, mas a grande expansão ocorreu a partir da segunda metade da década de 90, coincidindo com a edição da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em 2018, encontravam-se registrados no Cadastro Nacional de Cursos e 332


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Instituições de Ensino Superior – Cadastro e-MEC, 6.106 cursos na área das Engenharias, com funcionamento em 1.176 IES distintas. De acordo com o e-MEC, existem atualmente no Brasil 36 cursos de graduação em Engenharia de Minas ou Engenharia de Minas e Meio Ambiente, todos com grau de Bacharelado e modalidade Presencial. Já na Engenharia Civil existem 1.331 cursos de Bacharelado em Engenharia Civil no Brasil, sendo 75 na modalidade à distância e 1.256 presenciais. Os cursos de Engenharia são regulados pela Resolução CNE/CES 11/2002 (CNE, 2002), que define o objetivo da formação, as competências e habilidades gerais do engenheiro: 1. aplicar conhecimentos matemáticos, científicos, tecnológicos e instrumentais à engenharia; 2. projetar e conduzir experimentos e interpretar resultados; 3. conceber, projetar e analisar sistemas, produtos e processos; 4. planejar, supervisionar, elaborar e coordenar projetos e serviços de engenharia; 5. identificar, formular e resolver problemas de engenharia; 6. desenvolver e/ou utilizar novas ferramentas e técnicas; 7. supervisionar a operação e a manutenção de sistemas; 8. avaliar criticamente a operação e a manutenção de sistemas; 9. comunicar-se eficientemente nas formas escrita, oral e gráfica; 10. atuar em equipes multidisciplinares; 11. compreender e aplicar a ética e responsabilidade profissionais; 12. avaliar o impacto das atividades da engenharia no contexto social e ambiental; 13. avaliar a viabilidade econômica de projetos de engenharia; 14. assumir a postura de permanente busca de atualização profissional. Essa Resolução orientou a formulação dos projetos pedagógicos vigentes até o momento. Atualmente, uma nova orientação (CNE, Parecer CNE/CES nº 1/2019, 2019) para os currículos de Engenharia está em fase final de aprovação pelo CNE, tendo a sua minuta já aprovada. Nestas novas diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em engenharia – DCNs, busca-se estabelecer o perfil do egresso, que deve se voltar para uma visão sistêmica e holística de formação, não só do profissional, mas também do cidadão-engenheiro, de tal modo que se comprometa com os valores fundamentais da sociedade na qual se insere, de acordo com os seguintes princípios: 333


| Maylta dos Anjos (Org.) | 1. Formular e conceber soluções desejáveis de Engenharia, analisando e compreendendo a necessidade dos usuários e seu contexto; 2. Analisar e compreender os fenômenos físicos e químicos por meio de modelos simbólicos, físicos e outros, uma vez verificados e validados por experimentação; 3. Conceber, projetar e analisar sistemas, produtos (bens e serviços), componentes ou processos; 4. Implantar, supervisionar e controlar as soluções de Engenharia; 5. Comunicar-se eficazmente nas formas escrita, oral e gráfica; 6. Trabalhar e liderar equipes multidisciplinares; 7. Conhecer e aplicar com ética a legislação e os atos normativos no âmbito do exercício da profissão; 8. Aprender de forma autônoma e lidar com situações e contextos complexos, atualizando se em relação aos avanços da ciência, da tecnologia, bem como em relação aos desafios da inovação. Verifica-se o avanço conceitual do CNE ao inserir explicitamente o conhecimento da legislação e da autonomia no aprendizado e manter a necessidade de atualização. Ainda de acordo com as novas diretrizes, a organização curricular passa a encampar estratégias de ensino e aprendizagem preocupadas com o desenvolvimento das competências, com a integração e exploração dos conteúdos a partir de situações-problema reais ou simulados da prática profissional. A concepção do Projeto Pedagógico do Curso deve ter em conta, além das peculiaridades do seu campo de estudo, sua contextualização em relação à inserção institucional, política, geográfica e social, bem como os vetores que orientam as DCNs para o curso. As condições objetivas da oferta devem ser caracterizadas segundo a concepção do seu planejamento estratégico, especificando a missão, a visão e os valores pretendidos pelo curso, além da vocação que o caracteriza. A proposta aprovada das novas DCNs estabelece que os planos de ensino, por sua vez, devem trazer para cada componente curricular − atividades, disciplinas ou outros, principalmente por meio dos seus objetivos −, as contribuições para a formação dos estudantes nas competências gerais e específicas. Os planos de ensino, a serem fornecidos aos graduandos antes do início de cada período letivo, devem conter, além dos conteúdos e das atividades, inclusive as de extraclasse, as competências a serem desenvolvidas, a metodologia do processo de ensino e aprendizagem, os critérios de avaliação a que serão submetidos os estudantes e as referências bibliográficas básicas e complementares. 334


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Há nesta proposta das DCNs a intencionalidade provocativa para considerar que a constituição de um currículo para um dado curso não é tarefa dissociada da complexidade educacional que se objetiva. O fato da ausência de determinado conteúdo específico à formação, inclusive determinado em Lei, e que diretamente relaciona-se à produção-produtividade sociocultural e ou socioeconômica revela a fragilidade peculiar na ausência da discussão acadêmica e técnica formativa fundamente para atuação em momentos críticos e de larga responsabilidade profissional complexa e multidimensional. Parafraseando Young (2014) e contextualizando à ausência das orientações adequadas sobre a temática Segurança de Barragens, a questão educacional é ponto crucial para uma conceituação e construção curricular na área. É preciso considerar o que deve ser dito de um problema que deixamos de responder por longo prazo? Recolocar a discussão, no caso se faz necessário, e imediatamente considerar, de forma legal, curricular e didaticamente estruturada, a questão sobre os conhecimentos postos entre a realidade complexa e os conhecimentos científicos inerentes à área formativa. Retomando proposições das DCNs para os planos de ensino: – o que os alunos deveriam saber ao deixar a universidade? (YOUNG, 2014, p. 192). Assim, tomou-se por base as orientações das novas diretrizes curriculares para a Engenharia, buscou-se compreender como as universidades apresentam a temática de Segurança de Barragens nos Projetos Pedagógicos. A metodologia utilizada foi a de análise das matrizes curriculares e dos Projetos Pedagógicos dos cursos das Universidades Federais de Ouro Preto, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, retirados dos sites das instituições. Os critérios para a seleção foram: • UFOP – apresenta o mais antigo curso de Engenharia de Minas no Brasil, criado em 1876, e está na região dos desastres de Mariana e Brumadinho; • UFC – Dentre os estados brasileiros, o Ceará merece destaque pelo seu protagonismo em segurança de barragens, a partir da criação da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos – COGERH – em 1993; • UFBA – a Bahia é o estado com maior número de barragens em situação de alerta, segundo o Relatório de Segurança de Barragens de 2018; • UFRGS – classificada como a melhor universidade federal do País pelo Índice Geral de Cursos; e • UFRJ – destacada pela presença da COPPE, a instituição brasileira de engenharia com o maior número de notas máximas concedidas pela CAPES. 335


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Desenvolvimento

Cursos de Engenharia de Minas Das cinco universidades selecionadas, apenas a UFRJ não apresenta graduação em Engenharia de Minas. UFOP – A Escola de Minas de Ouro Preto data de 1876, sendo a primeira instituição brasileira nesta área. De acordo com o Projeto Pedagógico do curso de Engenharia de Minas, o perfil do egresso da UFOP repete as definições do artigo 4º da CNE/CES 11/2002, apenas particularizando para o curso de Engenharia de Minas. De forma geral, o Engenheiro de Minas formado pela UFOP deverá possuir as competências elencadas na Resolução n° 11 do Conselho Nacional de Educação, em especial planejar e realizar atividades envolvendo tratamento de minério, separando e concentrando o mineral ou minerais de interesse, recuperar áreas degradadas devido à atividade de mineração, deixando o meio ambiente propício para outra atividade, dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, elaborar projetos de execução de barragens, estradas, túneis e taludes; e avaliar e reduzir riscos inerentes às atividades da mineração. Do Projeto Pedagógico do Curso, datado de 31 de outubro de 2013, uma disciplina eletiva refere-se aos rejeitos de mineração, denominada de MANEJO DE REJEITOS E ESTÉREIS DE MINERAÇÃO, sendo eletiva e com carga horária de 45 horas-aula. Na ementa, são citados Elementos de projeto de barragens convencionais. Elementos de projeto de barragens de rejeito. Pode-se observar que não há a citação sobre a legislação específica sobre segurança de barragens, nem sobre a regulamentação do CNRH sobre o tema. Nenhum dos materiais apresentados na bibliografia refere-se à legislação de 2010 ou às Resolução do CNRH de 2012. UFC – O Projeto Pedagógico do Curso de Engenharia de Minas da UFC é datado de fevereiro de 2014. O Projeto Pedagógico do Curso cita que a UFOP atuará em parceria com a UFC neste curso, o que explica a similaridade das propostas pedagógicas. Nele, há uma disciplina optativa de 48h no qual o tema barragens de rejeitos é citado. A ementa é idêntica à da UFOP. UFBA – O perfil do egresso do curso de Engenharia de Minas da UFBA é o do engenheiro generalista, com sólida formação técnico científica e capaz de absorver e desenvolver novas tecnologias, aplicando o método científico à análise e solução de problemas com habilitação em Lavra e Beneficiamento e 336


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Petróleo direcionado a planejamento de projeto, execução e fiscalização de obras e serviços, avaliações, ensino e pesquisa. As áreas de atuação envolvem para a habilitação em Lavra e Beneficiamento: prospecção e pesquisa mineral, lavra de minas, captação de água subterrânea, beneficiamento de minério, gestão ambiental, seus serviços afins e correlatos. Da análise curricular, destacam-se as disciplinas ENG 102 – Barragens de Terra e ENG 137 – Obras Hidráulicas, mas nenhuma ementa cita qualquer tema relativo à segurança de barragens. UFRGS – O Curso de Engenharia de Minas da UFRGS visa formar um engenheiro com uma sólida formação técnica, científica e profissional geral que o capacite a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a sua atuação crítica e criativa na identificação e busca de soluções para os problemas inerentes do setor mineral. O curso também tem como objetivo a formação de um egresso apto a trabalhar em equipes multidisciplinares e que pontue sua atuação com responsabilidade, considerando os aspectos referentes à ética, à segurança e aos impactos ambientais em qualquer uma das áreas citadas anteriormente. No Projeto de Diplomação, os estudantes devem desenvolver todas as etapas necessárias para analisar a viabilidade ou pré-viabilidade técnica e econômica da abertura de uma mina para exploração do bem mineral considerado, incluindo aspectos ambientais e de segurança na mineração. Não foram encontradas disciplinas relacionadas com barragens de rejeito. Engenharia Civil UFOP – De acordo com a apresentação do curso, o aluno irá aprender como projetar, gerenciar e executar todas as etapas de obras como barragens. A disciplina CIV247 – Obras em terra, é obrigatória com 45 créditos, mas a emente não está disponível. A disciplina CIV421 Tópicos de Obras Hidráulicas, com mesma carga horária, é eletiva. UFC – A UFC tem por finalidade formar um profissional comprometido, competente, atualizado, proativo, responsável, que seja capaz de desempenhar diversas atividades relacionadas às subáreas de Engenharia Estrutural e Construção Civil, à Engenharia Hidráulica e Ambiental e à Engenharia de Transportes, entre elas a Execução e fiscalização de obras civis de infraestrutura como barragens. O Projeto Pedagógico, datado de outubro de 2004, traz a disciplina TD12 – BARRAGENS, do 8º período. Observa-se que nada é citado na ementa sobre segurança de barragens, mas esta é muito anterior à legislação. UFBA – O perfil do formado nesse curso é, historicamente, o do engenheiro generalista, com sólida formação técnico científica e capaz de absorver e 337


| Maylta dos Anjos (Org.) | desenvolver novas tecnologias. É da competência do engenheiro civil todas as atribuições de planejamento, projeto, execução e fiscalização de obras e serviços, perícias e avaliações, ensino e pesquisa referentes a barragens e diques. O curso de Engenharia Civil da UFBA data de 1898. A última renovação de reconhecimento é de 2011. Não existem disciplinas obrigatórias sobre barragens, sendo eletivas as disciplinas ENG 102 e ENG 137, citadas anteriormente. UFRGS – O perfil desejado para o egresso da UFRGS é o de uma sólida formação científica e profissional geral que deve caracterizar o engenheiro, de forma que este venha a ter uma formação generalista, crítica e reflexiva. Ainda, o egresso deve possuir a capacidade para entender e desenvolver novas tecnologias, atuando na identificação e resolução de problemas, levando em conta os aspectos necessários ao atendimento das demandas da sociedade. Especificamente, o currículo do Curso está alicerçado sobre conteúdos fundamentais ao projeto, execução e administração de obras de engenharia civil, citando conceitos como eficiência, baixo custo, melhoria de características e funcionalidades, avanços tecnológicos, organização, indicadores de desempenho, gerenciamento e otimização. Adicionalmente, traz a preocupação com a inter-relação dos recursos escassos quanto à disposição final de resíduos e rejeitos, considerando exigências de sustentabilidade. Na proposta curricular há a disciplina IPH 02004 Obras Hidráulicas, mas que não traz a temática segurança de barragens na ementa. UFRJ – A Escola Politécnica da UFRJ tem sua origem na Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, instituída em 1792, cujo currículo incluía a cadeira de engenharia civil. O egresso do curso é um profissional consciente da necessidade de permanente aperfeiçoamento e de cumprimento da legislação pertinente às atividades desenvolvidas, envolvendo atividades variadas tais como a condução de obras, elaboração de projeto, estudos de viabilidade, orçamentos, monitoração, pesquisa e desenvolvimento. O profissional em recursos hídricos atua na geração de energia, através de aproveitamentos hidrelétricos; em irrigação e drenagem; no setor de transportes, através da navegação interior e do planejamento portuário; nas áreas de abastecimento d’água, esgotos, disposição de resíduos e drenagem urbana; no controle dos rios e nas intervenções em zonas costeiras. Na matriz curricular, atualizada em 10/01/2019, é encontrada a disciplina EEC507Barragens e Aterros, que traz a seguinte ementa: Barragens de Terra e Enrocamento (BTE): Elementos constituintes de uma barragem; Tipos de barragens; Acidentes em barragens; Fases de projeto; Critérios Básicos de projeto; 338


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Compactação do aterro; Sistemas de filtração e drenagem; Tratamentos de fundação; Estabilidade dos taludes; Proteção dos taludes contra erosão – Aterros sobre solos moles: Processos executivos, Investigações geotécnicas; Cálculo de recalques; Aceleração de recalques; Análises de estabilidade dos taludes de aterros; Aterro construído em etapas; Monitoramento de recalques e de estabilidade de aterros. Na bibliografia, não apresenta a legislação atual. Existem outras duas disciplinas que tratam sobre barragens, EEH503-Aproveitamentos Hidrelétricos e EEH606-Estr Hidráulicas Continentais, sendo que a primeira traz temas correlatos com a política nacional de segurança de barragens, como outorga e licenciamento.

Conclusão Pela análise realizada, percebe-se a influência da Resolução do CNE sobre as matrizes curriculares e a descrição do perfil dos egressos. Assim, o instrumento mais eficaz para inserir a temática de Segurança de Barragens seria colocar na própria Resolução a necessidade da sintonia dos Projetos Pedagógicos com as Políticas Nacionais aprovadas pelo Congresso Nacional, entre elas a de Segurança de Barragens. Seguindo estritamente as ementas e as bibliografias apresentadas, observa-se que as universidades avaliadas não estão preparando os egressos para a execução das atividades previstas na legislação de 2010. Ou, se tratam, o fazem de forma secundária, não dando o destaque necessário frente aos desastres recentes e ao número de obras classificadas como comprometidas no relatório da ANA. Ao considerar o que demonstram os Projetos Pedagógicos dos Cursos das universidades levantadas para discussão, a proposição das DCNs vem de encontro às propostas curriculares que possam incluir na sua estrutura representativa do currículo um significado às experiências vivenciadas pelos estudantes e diretamente realizada pelos docentes. Duas vertentes iniciais para o processo que se desenha nos seus eixos formativos nas engenharias, e que estabelecem um modo organizativo de experiências que devem corresponder as práticas objetivas e subjetivas da formação, no caso dos cursos citados a necessidade de compreensão do conhecimento científico da área por meio das experiências curriculares multidisciplinares de caráter interrelacional. Se a realização das inspeções especiais pressupõe a formação mais específica sobre diferentes temas a serem tratados pela equipe multidisciplinar, 339


| Maylta dos Anjos (Org.) | as inspeções regulares são de competência da equipe do empreendedor, sendo de menor complexidade e maior frequência, podendo chegar a acompanhamento contínuo, perfeitamente adequadas ao perfil de egressos das engenharias citado no Parecer aprovado. O número de barragens existentes no Brasil é incerto, mas apenas no Sistema Nacional de Informações Sobre Barragens – SNISB, existem 3.991 obras, o que permite dimensionar o tamanho do esforço necessário na formação adequada de engenheiros para atender a essa demanda social, ambiental e econômica. Com as novas DCNs e a consequente revisão dos Projetos Pedagógicos das Engenharias abre-se uma oportunidade para dar o destaque necessário ao tema Segurança de Barragens nos currículos.

Referências ANA. (2018). Relatório de Segurança de Barragens 2017. Brasília: Agência Nacional de Águas. Bahia. (2013). Portaria 4672 (Estabelece a periodicidade de atualização, a qualificação do responsável técnico, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Segurança da Barragem de Acumulação de Água e da Revisão Periódica de Segurança da Barragem). Salvador: INEMA. Bahia. (2018). Portaria 16.481. Estabelece o prazo de execução, a periodicidade de atualização, a qualificação dos responsáveis técnicos, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Segurança de Barragens, da Revisão de Segurança de Barragens e do Plano de Ação Emergencial. Salvador: INEMA. Bahia. (2018). Portaria 16.482. Estabelece a periodicidade, qualificação da equipe responsável, conteúdo mínimo e nível de detalhamento das Inspeções de Segurança Regulares e Especiais de barragens de acumulação de água e resíduo industrial. Salvador: INEMA. BRADLOW, D.; PALMIERI, A.; SALMAN, S. M. (2002). Regulatory framewors for dam safety – a comparative study. Washington D.C., USA: The World Bank. BRASIL. (2010). LEI nº 12.334, de setembro de 2010. Estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. Brasília. CNE. (2019). Parecer CNE/CES nº 1/2019. Ministério da Educação. Fonte: http:// www.abenge.org.br/file/Parecer0119.pdf

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | CNRH, C. N. (2012). Resolução 144, Estabelece diretrizes para implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens. Brasília: Ministério do Meio Ambiente (Brasil). CNRH, C. N. (2012). Resolução CNRH 143 – Estabelece critérios gerais de classificação de barragens em categoria de risco, dano potencial associado e pelo seu volume. Brasília: Ministério do Meio Ambiente (Brasil). YOUNG, M. (2014). Teoria do currículo: o que é e por que é importante. (Vols. Cadernos de Pesquisa 90). (T. l.–R. Louzano., Trad.) São Paulo: FE USP. Fonte: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v44n151/10.pdf

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Sem a educação das sensibilidades todas as habilidades são tolas e sem sentido. Rubem Alves


A IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE DOCENTE NA FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA. Renata Ramos Paixão

Introdução Este artigo tem o propósito de fazer uma reflexão sobre a atuação profissional do professor de PROEJA, no que se refere a sua contribuição na formação da consciência crítica do estudante desta modalidade de ensino. Para embasar esta reflexão, lança-se mão do conceito de empoderamento. Entende-se que este conceito está interligado com o objetivo final da educação: a construção de um sujeito autônomo, com consciência crítica capaz de embasar as decisões que toma. Acredito que este trabalho, ao sinalizar os fatores que influenciam a prática docente, pode contribuir efetivamente para o melhoramento desta atividade. Algumas questões guiam esta reflexão. Como podemos pensar uma proposta pedagógica de caráter autônomo num contexto social marcado por políticas neoliberais? O projeto PROEJA é eficaz na essência dos seus propósitos? Outras questões serão abordadas. O educador que atua no PROEJA tem autonomia de trabalho? Ele possui poder decisório? Esta análise também levará em conta outras questões inerentes ao exercício da atividade docente, que possam exercer influência na mesma. Este artigo está dividido em cinco partes: na primeira, discute-se as correntes orientadoras da prática pedagógica que são trabalhadas na formação docente; na segunda, faz-se uma análise sobre a implantação do PROEJA nas instituições federais de ensino; na terceira, discute-se a relação dos educadores com as instituições de ensino; na quarta realiza-se uma reflexão sobre as contribuições do conceito de empoderamento na prática educativa; por fim, na quinta desenvolve-se uma auto reflexão sobre o educador como sujeito, baseada na experiência pessoal profissional. 343


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Espaço de formação dos professores (correntes pedagógicas, cursos de licenciatura) O programa dos cursos de licenciatura apresenta ao profissional em formação diversas disciplinas cujo propósito é equipá-lo com recursos que ele poderá utilizar em sua prática docente. Neste processo formativo que engloba diversas disciplinas da área pedagógica, o docente em formação tem a oportunidade de conhecer várias correntes de pensamento. Tais disciplinas abordam teorias sobre as quais faremos uma ligeira análise. – Behaviorismo: teve início em 1913 por um manifesto criado por J.B. Watson; defende o estudo do comportamento baseado no sistema estímulo-resposta. Esta linha de pensamento conduz a uma tese sobre o sistema de aprendizagem apoiada sobre mapas cognitivos – interações estímulo-estímulo – gerados nos mecanismos cerebrais. Assim, para cada grupo de estímulos o indivíduo produz um comportamento diferente e, de certa forma, previsível. Serve como base para a tendência pedagógica conhecida como pedagogia por condicionamento. Como destaca Adriana Pereira (2003, p. 1530), Luckesi entende que “a prática pedagógica é altamente controlada e dirigida pelo professor, com atividades mecânicas inseridas em uma proposta educacional rígida e passível de ser totalmente programada em detalhes”. – Piaget: teve grande penetração no Brasil na década de 30, principalmente no ensino pré-escolar. Assim como Carl Rogers e Maria Montessori, defende a ideia de que as habilidades para o entendimento passam por uma série progressiva de transformações, que levam em conta o progresso corpóreo da criança. Assim, o processo de aprendizagem é mediado por etapas. A primeira etapa é denominada “sensório-motor”. Abrange o período até dois anos. Em um segundo estágio temos a etapa denominada “pré-operacional”, que abrange dos dois aos sete anos; o terceiro estágio abrange dos sete aos doze anos e o quarto estágio se inicia aos doze anos e segue até a idade adulta (Pereira 2003, p. 1530). – Vygotsky: é um pensador cujo trabalho dá ênfase à dimensão social e cultural dos indivíduos. Nesse sentido, todo processo psico cognitivo que define a nossa maneira de pensar é influenciado pelo sistema cultural. A diversificação cultural possibilita uma diferenciação psicológica dos indivíduos. O processo cognitivo dos indivíduos é desenvolvido ao longo do tempo de vida destes, sendo regulado pela dimensão social que ela abrange. Para Vygotsky, a dimensão da interação social tem relevância no processo de aprendizagem. Nesse sentido, o desenvolvimento 34 4


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | influencia a aprendizagem, como esta influencia o desenvolvimento, havendo entre eles uma reciprocidade (Pereira, 2003). – Paulo Freire: é o principal representante da “pedagogia libertadora” e da “pedagogia crítico-social dos conteúdos”. Essas correntes pedagógicas surgiram no início dos anos 80, com a abertura política no final do regime militar. Houve uma intensa mobilização de educadores em busca de uma educação crítica que levasse a transformações sociais, econômicas e políticas, cujo propósito era superar as desigualdades sociais. Tendo como base os movimentos de educação popular que aconteceram no final dos anos 50 e início dos 60, trata-se de uma proposta pedagógica onde a educação é mediada pela realidade na qual estão mergulhados professores e alunos. O propósito é atingir um nível de consciência dessa realidade para que possam nela atuar, transformando dessa forma seu meio social (Pereira 2003, p. 1531). Após a exposição dessas tendências pedagógicas, devemos ressaltar que elas ainda coexistem em nossa realidade, apesar de cada uma delas ser passível de críticas. Entendemos, porém, que a pedagogia crítica de Paulo Freire é a que mais se aproxima do propósito de empowerment, por estabelecer a participação ativa do indivíduo nas ações que conduzirão a sua autonomia. A seguir desenvolveremos uma breve análise sobre a dinâmica da educação profissionalizante na sua modalidade jovens e adultos.

Educação de Jovens e Adultos e Ensino Profissionalizante A demanda social por políticas públicas que atendam a educação básica de jovens e adultos levou à instituição do Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA – no âmbito das instituições federais de educação. O PROEJA foi instituído pela Portaria nº 2.080 do MEC, de 2005, que foi posteriormente ratificada pelo Decreto nº 5478/05. Outro importante marco regulatório para a institucionalização do PROEJA foi a portaria nº 2080 de 13 de julho de 2005, que institui as diretrizes para a oferta de cursos de educação profissional de forma integrada aos cursos de ensino médio, na modalidade de educação de jovens e adultos.69 , 69 No âmbito dos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e Escolas Técnicas vinculas às Universidades Federais.

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| Maylta dos Anjos (Org.) | Atualmente, a execução do PROEJA é vista com ressalvas pelos “equívocos e vícios do processo” (Moura 2009, p. 1). De acordo com Moura (2009), as especificidades inerentes ao curso não são contempladas na medida que as instituições federais não foram adequadamente preparadas para receber o projeto. O corpo docente teve seu contingente de funcionários diminuído nos últimos anos. Tendo que trabalhar em cursos distintos e educandos com necessidades diferentes, o número de professores não é adequado para atender a toda demanda. Moura, falando sobre o Decreto 5478/05, diz que: “Nesse dispositivo, o governo explicita que não assume responsabilidade adicional de infraestrutura, contratação de pessoal ou financiamento para compartilhar responsabilidades com as IFETs no PROEJA” (Moura 2009, p. 2).

Ainda de acordo com o autor, o alcance social pretendido pelo PROEJA foi reduzido pelos problemas de implantação que surgiram. A ausência de processos participativos, que contassem com a presença de representantes das instituições federais que o receberiam, e a rapidez como foi conduzido reduziram a possibilidade de contribuição que o programa poderia oferecer. O autor, igualmente, questiona a qualidade dos cursos que são oferecidos e se realmente atendem ao entorno das instituições nas quais se instalaram. Entende que não há uma preocupação em fazer um levantamento da necessidade da população que seria atendida pelos cursos.

Instituições de ensino e o neoliberalismo Nesta seção, vamos analisar a relação dos educadores com as instituições de ensino, sejam elas formadoras ou de prática docente. Entretanto, não podemos entender o contexto político-pedagógico atual sem analisar a conjuntura que o precedeu. Oriundo de um regime autoritário, que engessava a sua formação, o educador reproduzia esta postura em sala de aula, fornecendo ao educando apenas conteúdos básicos, descontextualizados de sua realidade. Estas práticas recorrentes na atividade docente resultaram no empobrecimento da função real do educador. Para Freire (2003), “Em lugar de apostar na formação dos educadores, o autoritarismo aposta nas suas propostas e na avaliação posterior para ver se o pacote foi realmente assumido e seguido” (Freire 2003, p. 72).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | As redes de ensino demonstram uma centralização no planejamento e na execução de projetos e políticas públicas educacionais. Podemos tirar como exemplo a implantação do PROEJA. Neste caso, como bem salienta Moura, não houve um tempo adequado de discussão do currículo de integração da educação profissionalizante com o ensino de jovens e adultos, assim como também careceu de tempo de formação dos docentes para que atuassem neste currículo. Neste sentido, estas instituições de ensino não se prepararam adequadamente para receber um pacote que é executado sem uma real adequação, por uma carência de informações a seu respeito e autonomia participativa na sua elaboração. Segundo Gohn (2004, p. 24), o contexto atual exige a mudança do perfil do educador. Este “novo educador” deve “conhecer seus educandos … conhecer também a comunidade onde atua, ser sensível aos seus problemas”. Levandose em conta que o educador que trabalha com segmento de jovens e adultos deve ser mais sensível a realidade e problemas sociais desta clientela (inserida num projeto de compensação social, das suas carências, de seus limites) ele deve possuir formação político-pedagógica comprometida com estes valores. Apesar de que, segundo Freire (2003), “Entre pacotes e formação permanente, o educador progressista coerente não vacila: se entrega ao trabalho de formação. É que ele ou ela sabe muito bem, entre outras coisas, que é pouco provável conseguir a criticidade dos educandos através da domesticação dos educadores” (Freire 2003, p. 72).

Empoderamento e a pedagogia problematizadora – formação de uma consciência político-pedagógica A sociedade capitalista de orientação neoliberal na qual vivemos necessita de um contingente de trabalhadores cuja estrutura de formação encontra-se claramente expressa nos programas de governo voltados para a educação. São aqueles chamados de socialmente debilitados (Singer 2005), cuja formação leva a uma concepção individualista e competitiva em suas ações. Dessa forma, percebemos uma desarticulação com a educação integral, que pressupõe uma formação de consciência na sua integralidade. Porém, não podemos deixar de observar que esta estrutura é eficiente na medida que atende a lógica capitalista, que subdivide os atores da economia em vencedores e perdedores, no conceito meritocrático. 347


| Maylta dos Anjos (Org.) | A fim de superar esta problemática em sua experiência profissional, o professor deve procurar gerar uma consciência crítica no aluno para que ele possa se perceber como sujeito, comprometido com seu contexto. Dessa forma, rompendo com o paradigma do capitalismo, pode-se pensar na criação de uma sociedade na qual se estabeleça a justiça social e a autonomia do trabalhador superando a submissão deste nas relações capitalistas de trabalho. Como destaca Singer (2005), “De forma geral, há uma inversão completa de situação, quando alguém deixa de ser assalariado e torna-se cooperador..... Quando se torna cooperador, ele passa a ser membro de um coletivo, encarregado de tomar decisões” (Singer 2005, p. 15).

Para superação de tal paradigma é necessário que a formação do profissional seja capaz de supri-lo com conhecimentos que o ajudem a compreender as vantagens que a sociedade como um todo terá ao assumir um novo paradigma econômico. De acordo com Gohn (2004), “a importância da participação da sociedade civil se faz neste contexto não apenas para ocupar espaços antes dominados por representantes de interesses econômicos, encravados no Estado e seus aparelhos. A importância se faz para democratizar a gestão da coisa pública, para inverter as prioridades das administrações no sentido de políticas que atendam não apenas as questões emergenciais, a partir do espólio de recursos miseráveis destinados às áreas sociais” (Gohn 2004, p. 25).

A educação profissional de jovens e adultos, por ter como público indivíduos que contribuem bastante com experiências pessoais que trazem para a sala de aula, tem condições de superar a condição atual na medida que crie momentos de reflexão nos quais possa se fazer uma análise crítica do momento que vivemos, e criar bases de mudanças para gerar uma nova perspectiva social, sem tanta desigualdade. Neste sentido, entendemos que o conceito de empoderamento, aplicado no papel transformador da educação, instrumentalizará as pessoas através do conhecimento, para que elas se percebam e atuem como sujeitos autônomos. Como destaca Carlos Saito (p. 127), Friedman diz que, “pode-se entender por empowerment o fortalecimento político-organizacional de uma coletividade, que se auto-referencia nos interesses comuns e pratica uma ação solidária e colaborativa para transformar a realidade local e desenvolvê-la social e economicamente” (Carlos Saito, p. 127).

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| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Na perspectiva de Carvalho (2004), “empowerment é um conceito complexo que toma emprestado noções de distintos campos de conhecimento. É uma ideia que tem raízes nas lutas pelos direitos civis, no movimento feminista e na ideologia da ação social presentes nas sociedades dos países desenvolvidos na segunda metade do século XX” (Carvalho 2004, p.1088-1095).

A adoção de uma prática pedagógica inspirada no conceito de empoderamento deve se apoiar numa visão crítica de seus próprios limites. Esta proposta não deve perder a dimensão da formação de uma consciência participativa e coletiva. Estes cuidados devem ser tomados para evitar os riscos de uma interpretação de cunho liberal, que subverta o problema das injustiças sociais, responsabilizando os injustiçados. Segundo Carvalho (2004), “Nos Estados Unidos, por exemplo, políticas de corte neoliberal vêm combinando a noção de empowerment com a ideologia política da responsabilidade pessoal para sugerir que as pessoas façam, cada vez mais, uso de seus recursos próprios e/ou da comunidade antes de recorrer à ajuda de instituições estatais” (Carvalho 2004, p. 1088-1095). Uma verdadeira proposta de inspiração neste conceito deve ter como objetivo final a instrumentalização dos educandos para serem sujeitos ativos e autônomos, com subsídios para atuarem em seu meio social de forma coletiva, como consequência prática da aplicação do empoderamento. Na próxima seção, será discutida a perspectiva de uma consciência crítica do educador a partir de um exercício autorreflexivo baseado na minha própria experiência profissional na educação de jovens e adultos.

Reflexões acerca da prática pessoal no magistério Atuar no magistério é um exercício diário de superação; superação das dificuldades encontradas no próprio sistema educacional, superação dos próprios limites. Estas dificuldades surgem de modo inequívoco quando nos deparamos com uma turma da modalidade de educação de jovens e adultos. Isso ocorre não pela natureza da modalidade em si, mas em função das diversas questões que a cercam. Na minha vivência profissional, a educação de jovens e adultos, é um grande desafio, que surge no momento em que entro na sala de aula e percebo a 349


| Maylta dos Anjos (Org.) | diferença de faixa etária existente entre alguns alunos ou, mesmo entre estudantes na mesma faixa etária, uma grande variedade de recortes, como classe social, raça, gênero, local de moradia etc. Diante das especificidades que se apresentam nesta modalidade, surgem algumas questões para o educador. Como fomentar no educando uma consciência crítica? Como aproveitar a contribuição que o aluno do EJA traz, através de sua vivência social, para dentro da sala de aula? Como despertar neste educando um autorreconhecimento como sujeito? Como já foi discutido acima, nenhuma modalidade de ensino deve ter como fim apenas a apropriação instrumental de conteúdos. É importante encaminhar o educando na direção do “pensem sobre”, de modo que o conhecimento produza impacto positivo na formação de uma consciência crítica. Para o educador, é importante que tenha consciência da realidade social onde atua e reconheça as diferenças e conflitos presentes, de modo que fomente uma consciência crítica das contradições.

Considerações Este artigo propôs uma análise sobre as contribuições de uma pedagogia crítica de inspiração no conceito de empoderamento na prática docente. Pretendeu analisar a atuação do professor que leciona na modalidade PROEJA, tendo em vista o caráter de compensação social desta modalidade e a peculiaridade do seu público alvo. O tema deste projeto foi a prática político-pedagógica. O problema trabalhado relacionou-se com a capacitação do docente para atuar de forma efetiva na formação de consciência crítica, com o objetivo de colocar em discussão a capacidade de autonomia dos educadores. O método utilizado relacionou-se a consulta bibliográfica, combinada a auto reflexão a partir da própria experiência pessoal da pesquisadora como educadora. O arcabouço teórico do qual o professor se apropria durante sua formação universitária deve ser conjugado a uma consciência político-pedagógica atrelada aos interesses sociais da população. Entendo que esta conjugação será o suporte profissional necessário para que ele exerça seu real papel na vida do educando, que não é somente transmitir conteúdos, mas de promover uma prática pedagógica que, ao mesmo tempo que esteja comprometida com as práticas sociais e o contexto social do educando, também seja inspiradora da formação de uma consciência crítica. 350


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | O educador deve ter uma compreensão da importância da atividade docente. Se não há uma compreensão real do papel que este exerce na vida do educando, o professor causará apenas um impacto limitado, aquém das possibilidades reais de transformação. Uma proposta pedagógica de inspiração no conceito de empoderamento, quando usada de forma adequada apresenta um alto potencial transformador de orientação democrática, como diz Pereira (2003): “Estas características e consequências convergem para uma sociedade mais democrática em prol do desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos e coletividade...” (Pereira 2003, p. 1533)

Referências CARVALHO, Sérgio Resende. Os múltiplos sentidos da categoria “empowerment” no projeto de Promoção à Saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n.4, julho– agosto. Rio de Janeiro, 2004. FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2003. Gohn, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 2, maio–agosto. São Paulo, 2004. MOURA, Dante Henrique. Algumas considerações críticas ao Programa de Integração da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/unedzn/ images /stories/ensino/12algu~1.pdf PEREIRA, Adriana Lenho de Figueiredo. As tendências pedagógicas e a prática educativa nas ciências da saúde. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro: 19 (5), set-out, 2003. SAITO, Carlos Hiroo. Por que investigação-ação, empowerment e as idéias de Paulo Freire se integram? SINGER, Paul. A Economia Solidária como ato pedagógico; in: KRUPPA, Sonia M. Portela (Org.). Economia Solidária e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: INEP, 2005. STOTZ, Eduardo Navarro; ARAÚJO, José Wellington Araújo. Promoção da Saúde e Cultura Política: a reconstrução do consenso. Saúde e Sociedade, v. 13, n. 2, maio-agosto. São Paulo, 2004.

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Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe. Rubem Alves


POSFÁCIO

Esse livro, editado no período pandêmico e sem o apoio financeiro governamental, mostra a resistência de cada autor que oferece sua pesquisa ao mundo. A pandemia nos colocou diante de reflexões necessárias para nós, profissionais da educação, sobre como se fazer um projeto e um processo educacional e pedagógico verdadeiramente inclusivo. Ressalto esse ponto porque o livro, organizado por Maylta dos Anjos, “Tertúlias na Educação de Jovens e Adultos, na Educação Inclusiva e nas Políticas Educacionais”, traz, nos diversos artigos, a responsabilidade de todas e todos. Trata-se de uma maneira de ver o mundo, uma atitude diante da vida. Trazer a inclusão para o centro da educação implica em rasurar imaginários de que ela se faz numa ação pontual ou residual, e sim, é uma prática coletiva do entendimento entre diversidade e desigualdade. Não seria forçoso trazer à tona uma perspectiva freiriana da leitura do mundo. “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”, afirmou Paulo Freire em “A Importância do Ato de Ler”. Com essa ideia, Freire revela uma teoria do conhecimento, uma compreensão crítica da educação na qual, a sua palavra, lia o contexto do mundo ditado pelo “texto”. Daí porque Paulo entendia que a palavra verdadeira é práxis transformadora, porque ela diz da intenção de não dizer a palavra vazia, oca ou inconsistente. Dizer a palavra é possibilitar que sejamos sujeitos da história também e saiamos da condição de apenas objeto da sociedade. Ao falar em Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Educação Inclusiva (EI), busca-se garantir uma política adequada aos alunos que experimentam a necessidade dela. Sendo a escola local de interação de aprendizagens, de entendimento de complexas relações, observamos as diversas dificuldades encontradas na construção e efetivação de um espaço que atenda às grandes demandas que se relacionam a EJA e a EI. As políticas públicas educacionais devem, não somente, democratizar e possibilitar o acesso ao ensino, mas também incentivar a cooperação, entendida como aprendizagem cooperativa nas diferenciações pedagógicas e no acesso a ela. Nesse sentido, as necessidades educacionais, explicadas na EJA e EI, requerem ambientes de trabalho facilitadores para interação e promoção de uma pedagogia responsável e envolvente. Essa sensação é incentivada por um modelo de inclusão em que se fortalece a contribuição e colaboração aos pares na escola. 353


| Maylta dos Anjos (Org.) | A inclusão escolar aponta para um paradigma de escola que levanta dúvidas aos modelos tradicionais, que não visam os pressupostos epistemológicos de integração democrática e na defesa que todos os alunos e todas as alunas. Tal pensamento tem, na inovação, a justificativa de novas práticas que contribuem para a inclusão no processo educativo que tenha na autonomia, na estabilidade emocional, na promoção da igualdade de oportunidades, e na qualidade dos serviços a preparação para o prosseguimento de estudos futuros. Sendo assim, esse livro busca trazer, nos artigos que se harmonizam na defesa da EI e EJA, uma adequada discussão dessa temática para a vida profissional dos docentes/professores. Para mudanças específicas na educação por via de uma formação contínua de professores como facilitador na tarefa complexa de organizar métodos e recursos imprescindíveis à inclusão dos alunos “expulsos” ou “não permitidos” nas escolas. A construção da educação democrática não pode ser adiada ou minimizada. Importante destacar que práticas cotidianas, que constroem esse pensamento, se pautam em experiências construídas em ideários. Estratégias de formação, como a análise de necessidades e a investigação-ação são, facilitadoras de um novo olhar sobre a escola legislativamente inclusiva, quantas vezes segregadora em função das práticas que aí se desenvolvem, em nome de uma proclamada inclusão que os documentos legais legitimam. A EI e a EJA vão para além do enquadramento legal que as predizem, são mais que modalidades de ensino, amparadas por lei e voltadas para os sujeitos que não tiveram acesso ao ensino regular. O desafio é superar as dificuldades para permanência dos alunos na escola, que tem o direito de acesso à escolaridade, numa função reparadora da realidade que não contempla de forma equalizadora, solidária, igualitária e diversa. A EJA e a EI, investidas como propósitos de políticas públicas, proporcionam melhor formação sócio-política, com maior acesso à cultura e autonomia intelectual. Ambas compreendem o desenvolvimento de uma educação apropriada e de qualidade às demandas comprometidas com educadores na sua docência com sensibilidade. Existem diversos percalços que vão, desde a baixa especificidade de políticas educacionais voltadas à EI e EJA, que diminuem ou mesmo inviabilizam a escola numa cultura inclusiva, em que os alunos deficientes e fora da faixa etária possam nela ingressar. Esses são desafios a serem enfrentados e neutralizados no respeito às diferenças e peculiaridades de cada sujeito escolar. Outro ponto dentro dessa questão é a identidade dos alunos que, representados mediante a cultura vivida, interpõe a interação social como passo 354


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | compreensivo no percurso histórico da inclusão. O aporte teórico construído na EJA e na EI, em cada artigo desse livro, visa a prática de uma sociedade inclusiva por meio da educação pública e de qualidade em que direitos e dignidade sejam garantidos para os jovens e adultos e todos os tipos de deficientes. Com base nessas concepções, a escola deve entender como ocorre a cultura de inclusão, por intermédio de suas práticas, e percepções dos professores sobre as diferenças, considerando que o pluralismo dá a tônica das relações. Beatriz Brandão

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140 SUGESTÕES DE FILMES

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33.

O milagre da cela 7 Eu, Daniel Blake Gênio indomável Uma mente brilhante Nenhum a menos Ana e o rei Pro dia nascer feliz Forest Gump A Família Belíer O amor é contagioso Duelo de titãs Cidade dos homens O clube do imperador Sociedade dos poetas mortos Com mérito Babel O nome da rosa Perfume de mulher Mucize Milagre do amor Escritores da liberdade A voz do coração HAMIL De Porta em Porta Vem dançar. Conrack Escola da vida O menino da porteira. Desafiando gigantes E seu nome é Jonas Prova de fogo O sorriso de Monalisa O Filho Eterno 357


| Maylta dos Anjos (Org.) | 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70.

O contador de história Meu nome é rádio Os três conselhos Home Narradores de Javé Marcas do Destino O peregrino. O Milagre de Anne Sullivan Cordas Extraordinário Como estrelas na Terra SOM E FÚRIAS Amargo regresso Carne trêmula Amy uma vida pelas crianças Feliz ano velho Nascido em 4 de julho A linguagem do coração O óleo de Lorenzo O homem elefante Uma janela para o céu Dr. Fantástico Johnny vai à guerra Meu pé esquerdo Janela da Alma Sou surdo e não sabia A música e o silêncio Filhos do silêncio Adorável professor Bicho de Sete Cabeças Cegos, Surdos e Loucos Do Luto à Luta O piano Belinda O país dos surdos Os Camelos Também Choram Frida 358


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | 71. The dancer 72. Black 73. O filme surdo de Beethoven 74. Los amigos 75. Tortura silenciosa 76. Nós Sempre o Amaremos 77. Hush – a morte ouve 78. Gaby, uma história verdadeira 79. Gilbert Grape – aprendiz de sonhador 80. Meu filho, meu mundo 81. Benny & Joon: corações em conflito 82. O guardião de memórias 83. Ratos e Homens 84. O oitavo dia 85. Gaby – Uma História Verdadeira 86. Simples como amar 87. Uma lição de amor 88. Shine – brilhante 89. O óleo de Lorenzo 90. Eu me chamo Elisabeth 91. Meu nome é radio 92. O primeiro da classe 93. Além dos meus olhos 94. Perfume de mulher 95. À primeira vista 96. Dançando no escuro 97. Demolidor 98. Castelos de gelo 99. Ray 100. Quando só o coração vê 101. Um clarão nas trevas 102. Jennifer 8 – a próxima vítima 103. Vermelho como o céu 104. A pessoa é para o que nasce 105. Eu não quero voltar sozinho 106. Amy 107. O escafandro e a borboleta 359


| Maylta dos Anjos (Org.) | 108. Sob suspeita 109. Uma lição de amor 110. Experimentando a vida 111. Black 112. Autismo: sobre um universo singular 113. E esse tal Asperger? 114. Meu amargo pesadelo 115. Meu filho, meu mundo 116. O garoto que podia voar 117. Rain man 118. Retratos de família 119. Testemunha do silêncio 120. Prisioneiro do silêncio 121. A sombra do piano 122. A lenda do pianista do mar 123. Código para o inferno 124. Hoje eu quero voltar sozinho 125. Ressurreição 126. Experimentando a vida 127. Uma viagem inesperada 128. Loucos de amor 129. Um certo olhar 130. Colegas 131. Um amigo inesperado 132. O nome dela é Sabine 133. Ben X: a fase final 134. Sei que vou te amar 135. Sempre amigos 136. Mary e Max: uma amizade diferente 137. A menina e o cavalo 138. Um time especial 139. Tão forte, tão perto 140. Arthur e o infinito: um olhar sobre o autismo

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MINIBIOGRAFIA DOS AUTORES

Aline da Silva – Professora do Ensino Básico. Pesquisadora em Ensino de Ciências. Mestre em Ensino de Ciências – IFRJ. Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ. E-mail: alinesilva1283@gmail.com Aline de Fátima Santos Câmara Cooper – Bióloga. Professora do Ensino Básico da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Ensino de Ciências. Pesquisadora da área ambiental e Pesquisadora em Ensino de Ciências. Ana Maria Ribeiro de Seabra – Bacharelado e Licenciatura em Psicologia (UERJ), Especialista em Psicologia Escolar, Especialista em Informática Educativa, Mestrado em Psicologia Social (UGF) e Doutorado em Ciências da Educação (UA). Atuou no Setor de Orientação Educacional e no Laboratório de Informática Educativa do Colégio Pedro II. anamariaseabra@gmail.com André da Silva Rangel – Cientista Social formado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais IFCS/UFRJ, com Mestrado em Planejamento Urbano pelo Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano Regional IPPUR/ UFRJ. Atua profissionalmente como professor concursado de Sociologia na educação básica pela Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, rede FAETEC. Pesquisador colaborador associado ao Centro de Formação Artística e Cultural da Baixada Fluminense, uma organização não governamental popularmente denominada Casa da Cultura. Passagem por projeto social de educação popular Pré-Vestibular para Negros e Carentes, PVNC. Carolina Barbosa dos Santos – Mestre em Ensino de Ciências – IFRJ. Especialista em Gestão de Projetos pela FGV/RJ. Pesquisadora em Ensino de Ciências. Graduada em Engenharia de Produção pelo CEFET-RJ. E-mail: barbosa.carolina@gmail.com Cláudia Terra Nascimento Paz – Doutora em Educação pela UFRGS, na linha de Psicopedagogia e Processos de Ensino-aprendizagem. Docente efetiva do IFSC. Pedagoga, Psicopedagoga, Educadora Especial. Atua com AEE e formação de professores. Cristiane Cordeiro Vasques – Graduada em Pedagogia, Especialista em Tecnologia aplicada à Educação, Gestão Escolar e Educação de Jovens e Adultos, Mestre em Ensino de Ciências. Docente na rede municipal do Rio de Janeiro e Orientadora Educacional na rede municipal de Duque de Caxias. E-mail: cristianecvasques@gmail.com 361


| Maylta dos Anjos (Org.) | Diovana Paula de Jesus Bertolotti – Analista de Formação em EAD pela Fundação CAEd. Mestra e doutoranda em Educação pelo Programa de pós-graduação em Educação da UFJF e integrante do grupo de estudos em Educação, Cultura e Comunicação (EDUCCO), também da UFJF. Tem como principais interesses de pesquisa as temáticas de gestão universitária, educação integral e educação inclusiva. E-mail: diovana.bertolotti@gmail.com Fabiana Bezerra de Andrade – Graduada em Matemática e Física UNIB e Pedagogia UNINOVE, especialização em Práticas metodológicas do ensino da matemática PUC-SP, em Psicopedagogia AVM e em Metodologia do Ensino da matemática AVM. Professora de matemática do ensino fundamental e da EJA do Colégio Emilie de Villeneuve. E-mail: fabianaandrade1985@hotmail.com Fabiana Gama Chimes – Professora do Ensino Básico, Bióloga licenciada, especialista em Educação e Divulgação Científica, mestre em Ensino de Ciência. Pesquisadora em Ensino de Ciências. Fabíola Pessoa Figueira de Sá – formada em Biologia. Pós graduada em Entomologia pela FIOCRUZ, pós graduada em Administração e Supervisão Escolar pela Universidade Cândido Mendes. Mestre em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro e docente dos cursos de saúde da Universidade Estácio de Sá-UNESA. E-mail: fabiolapessoa1975@gmail.com Fernando Setembrino Cruz Meirelles – Engenheiro Agrônomo, Dr. em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, Professor Adjunto do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: fernandomeirelles@gmail.com José Alfredo Gomes Neto – Professor do Ensino Básico. Pesquisador em Ensino de Ciências. Mestre em Ensino de Ciências – IFRJ. Pesquisador em práticas de ensino na matemática. Leila Cordeiro da Cruz – Graduada em Letras pela PUC-Minas e Mestra em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela UFJF. Professora da Rede Estadual de Minas Gerais. Atuando como gestora da Escola Estadual Padre Menezes em Lagoa Santa/MG desde 2016. E-mail: leilaccruz@gmail.com Luana Lima Borges – Formada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Ensino de Ciências e Mestre em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal de Ciências, Tecnologia e educação. E-mail: luanaborges92@hotmail.com Lyana Machado Bueno – mestranda em Ensino de Ciências pelo IFRJ, especialista em Ensino de Ciências e Biologia pela UFRJ e graduada pela UNIRIO como bacharel e licenciatura plena em Ciências Biológicas. Compõe o quadro efetivo de docentes da SME-RJ e SEEDUC-RJ. 362


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Marianna Duarte Alves – Técnica em Controle Ambiental e Bacharel em Engenharia Química pela Faculdade SENAI- CETIQT. Atualmente é pós-graduanda em Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atua na área de gerenciamento de resíduos perigosos. E-mail: mariannadual@ gmail.com Marina Morim Gomes – Formada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atualmente é doutoranda do Museu Nacional/UFRJ na área de Zoologia, aluna de especialização em Gestão Ambiental no IFRJ e trabalha com divulgação científica no Instagram. E-mail: gomes.mari.95@ gmail.com Maylta dos Anjos – Mestre e Doutora em Ciências Sociais. Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e do Instituto Federal do Rio de Janeiro. Pesquisadora em Ensino de Ciências, Formação de professores, Sustentabilidade, Educação Ambiental e Sociedade. Patrícia Maneschy Duarte – Pedagoga, Dra. em Educação, Professora Adjunta do Programa de Pós Graduação em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – Campus Nilópolis. Pesquisadora em Ensino de Ciências. E-mail: patricia.costa@ifrj.edu.br Renata Ramos Paixão – Ingressou no curso de engenharia química pelo Instituto de Química IQ/UERJ graduando-se como Bacharel e Licenciada em Química. Especialista em educação profissional com ênfase na educação para jovens e adultos PROEJA pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, IFRJ. Atua profissionalmente no magistério pela secretaria estadual do Rio de Janeiro, SEEDUC. Atuou como voluntária no projeto social de educação popular Pré-Vestibular para Negros e Carentes, PVNC. Roberta Cristina Moreira Simões – Mestre em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). Possui especialização em Planejamento e Gestão Ambiental e licenciatura em Ciências Biológicas. Atua como professora de Ciências no Ensino Fundamental nos municípios de Itatiaia e Resende-RJ. E-mail: rcmsimoes@hotmail.com Rose Mary Latini – Licenciada em Química e possui graduação em Química Industrial. Possui doutorado e mestrado em Geociências-Geoquímica Ambiental. Todos os títulos obtidos pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professora do Departamento de Físico-Química/UFF e Coordenadora do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Natureza/PPECN (UFF), estando ligada à linha de pesquisa Ensino de Química. Na Universidade Federal 363


| Maylta dos Anjos (Org.) | Fluminense desenvolve pesquisas na área de Ensino de Química e FísicoQuímica Nuclear. Editora da Revista Ensino, Saúde e Ambiente. Lidera, com a Profa. Luiza Rodrigues de Oliveira, o Grupo de Pesquisa Abordagem Histórico Cultural e as Práticas Sociais, cadastrado no Diretório de Grupos/CNPq. Na área de Ensino de Química os principais interesses de pesquisa são Metodologias Participativas; Química e Educação Ambiental e Abordagem Histórico-Cultural. E-mail: rose.latini@gmail.com Rosi Marina Rezende – Mestrado em Ciências Pedagógicas e Relações Étnico Raciais. Especialista em Psicopedagogia, Educação Especial, Administração Escolar. Por muitos anos foi Diretora de Ensino. Pedagoga efetiva do IFRJ. Stella Barbara Serodio Prestes – Mestranda em Ensino de Ciências – IFRJ. Especialista em Educação e Divulgação Científica– IFRJ Campus Mesquita. Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ. Pesquisadora em Ensino de Ciências. E-mail: telababi@gmail.com Tarcísio Jorge Santos Pinto – Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora junto à Faculdade de Educação e aos Programas de Pós Graduação em Educação (PPGE) e em Gestão e Avaliação da Educação Pública (PPGP). Doutor em Filosofia pela USP. Coordenador do GEFILE – Grupo de estudos e pesquisas em Filosofia e Educação, vinculado ao NEFPE – Núcleo de estudos em Filosofia, Poética e Educação. Publicou pela Editora Loyola o livro O método da intuição em Bergson e a sua dimensão ética e pedagógica; organizou, junto com o Professor Marcus Vinícius da Cunha (USP – Ribeirão Preto), a edição temática dupla de Filosofia da Educação da revista Educação em Foco (PPGE/ FACED/UFJF), onde também escreveu um dos artigos. Tem publicado artigos em revistas e coletâneas nas áreas da Educação e da Filosofia, bem como orientado trabalhos de doutorado, de mestrado e de iniciação científica. E-mail: tarcisio.pinto@ufjf.edu.br Thiago Rodrigues de Sá Alves – Licenciado em Química IFRJ e doutorando da mesma instituição pelo PROPEC. Mestre em Ensino de Ciências da Natureza pela Universidade Federal Fluminense. É especialista em Planejamento, Implementação e Gestão da EaD, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e em Ensino de Ciências e Biologia, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É membro pesquisador no Grupo de Pesquisa: Ciência, (Arte), Tecnologia e Sociedade – C(A)TS do IFRJ e integrante do projeto “Meme com Ciência” cujo intuito é o estudo e a condução de pesquisas sobre o uso dos memes como recurso pedagógico nas Ciências. Atualmente é mediador presencial no curso 36 4


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | de Licenciatura em Química (UFRJ), oferecido pelo Consórcio Cederj – Polo Nova Iguaçu. Na área de Ensino de Química e Ensino de Ciências os principais interesses são Educação de Jovens e Adultos; Educação Ambiental; Formação Crítica do Cidadão; Educação a Distância e Divulgação Científica. E-mail: thiago.ifrj@gmail.com Valdimir Mosquezi – Bacharel é licenciado em Geografia pela Universidade São Paulo. Pós graduado em Gestão e Práticas Ambientais pelas Faculdades Integradas de São Paulo. Professor do Ensino Fundamental II e da Educação de Jovens e Adultos do Colégio Emilie de Villeneuve. E-mail: mosquezi@ig.com.br Vivian Zepellini Lima Fernandes – Pós-graduada em Design Instrucional pela UFSCAR, Educação e tecnologias pela UNOESTE, Design – produção e tecnologia gráfica na Anhembi Morumbi e SENAI. Especialização em Games Digitais no Ensino de Línguas: Linguagem e cultura pela PUC/SP, Ensino da Arte na Educação Especial e História da Arte pelo MAC-ECA/USP. Licenciada em Educação Artística com habilitação em desenho na FAMEC. Docente Arte e Games na Educação Básica, Eletiva de Design no Ensino Médio, EJA e responsável pelo departamento de Arte no Colégio Emilie de Villeneuve. É a coordenadora editorial e diretora de arte da Viver Cultural e Designer Instrucional do curso O Professor na era Digital do ITEDUC. Com experiência em consultoria corporativa na criação de cursos, treinamentos e desenvolvimento de material educacional no SENAC/SP. E-mail: vivian_zepellini@yahoo.com.br Wallace Vallory Nunes – Possui graduação em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1998), mestrado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2001) e doutorado em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006). Atualmente é professor Associado III do Instituto Militar de Engenharia – IME. Tem experiência na área de Controle Ambiental (Física Nuclear Aplicada e Radioproteção e Dosimetria) e na área de Inteligência Artificial aplicada à Engenharia Nuclear. Foi Diretor Geral do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ – Campus Nilópolis, 2014-2019). Possui cursos de Gestão Pública oferecidos pela ENAP (2015). 365


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QUEM FOI RUBEM ALVES?

É considerado um dos principais pedagogos brasileiros da história do Brasil, junto com Paulo Freire, um dos fundadores da Teologia da Libertação e intelectual polivalente nos debates sociais no Brasil. Nasceu no dia 15 de setembro de 1933, em Boa Esperança, sul de Minas Gerais, naquele tempo chamada de Dores da Boa Esperança. A cidade é conhecida pela serra imortalizada por Lamartine Babo e Francisco Alves na música “Serra da Boa Esperança”. Morreu em julho de 2014. A família mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1945, onde, apesar de matriculado em bom colégio, sofria com a chacota de seus colegas que não perdoavam seu sotaque mineiro. Buscou refúgio na religião, pois vivia solitário, sem amigos. Teve aulas de piano, mas não teve o mesmo desempenho de seu conterrâneo, Nelson Freire. Foi bem sucedido no estudo de teologia e iniciou sua carreira dentro de sua igreja como pastor em cidade do interior de Minas. No período de 1953 a 1957 estudou Teologia no Seminário Presbiteriano de Campinas (SP), tendo se transferido para Lavras (MG), em 1958, onde exerce as funções de pastor naquela comunidade até 1963. Casou-se em 1959 e teve três filhos: Sérgio (1959), Marcos (1962) e Raquel (1975). Foi ela sua musa inspiradora na feitura de contos infantis. Em 1963 foi estudar em Nova York, retornando ao Brasil no mês de maio de 1964 com o título de Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary. Denunciado pelas autoridades da Igreja Presbiteriana como subversivo, em 1968, foi perseguido pelo regime militar. Abandonou a igreja presbiteriana e retornou com a família para os Estados Unidos, fugindo das ameaças que recebia. Lá, torna-se Doutor em Filosofia (Ph.D.) pelo Princeton Theological Seminary. Sua tese de doutoramento em teologia, “A Theology of Human Hope”, publicada em 1969 pela editora católica Corpus Books é, no seu entendimento, “um dos primeiros brotos daquilo que posteriormente recebeu o nome de Teoria da Libertação”. De volta ao Brasil, por indicação do professor Paul Singer, conhecido economista, é contratado para dar aulas de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (SP). Em 1971, foi professor-visitante no Union Theological Seminary. 366


| Tertúlias na educação de jovens e adultos | Em 1973, transferiu-se para a Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, como professor-adjunto na Faculdade de Educação. No ano seguinte, 1974, ocupa o cargo de professor-titular de Filosofia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), na UNICAMP. Foi nomeado professor-titular na Faculdade de Educação da UNICAMP e, em 1979, professor livre-docente no IFCH daquela universidade. Convidado pela “Nobel Fundation”, profere conferência intitulada “The Quest for Peace”. Na Universidade Estadual de Campinas foi eleito representante dos professores titulares junto ao Conselho Universitário, no período de 1980 a 1985, Diretor da Assessoria de Relações Internacionais de 1985 a 1988 e Diretor da Assessoria Especial para Assuntos de Ensino de 1983 a 1985. No início da década de 80 torna-se psicanalista pela Sociedade Paulista de Psicanálise. Em 1988, foi professor-visitante na Universidade de Birmingham, Inglaterra. Posteriormente, a convite da “Rockefeller Fundation” fez “residência” no “Bellagio Study Center”, Itália. Na literatura e a poesia encontrou a alegria que o manteve vivo nas horas más por que passou. Admirador de Adélia Prado, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Octávio Paz, Saramago, Nietzsche, T. S. Eliot, Camus, Santo Agostinho, Borges e Fernando Pessoa, entre outros, tornou-se autor de inúmeros livros, foi colaborador de diversos jornais e revistas com crônicas de grande sucesso, em especial entre os vestibulandos. Afirmava ser “psicanalista, embora heterodoxo”, pois nela reside o fato de que acredita que no mais profundo do inconsciente mora a beleza. Após se aposentar tornou-se proprietário de um restaurante na cidade de Campinas, onde deu vazão a seu amor pela cozinha. No local eram também ministrados cursos sobre cinema, pintura e literatura, além de contar com um ótimo trio com música ao vivo, sempre contando com “canjas” de alunos da Faculdade de Música da UNICAMP. Foi membro da Academia Campinense de Letras, professor-emérito da Unicamp e cidadão-honorário de Campinas, onde recebeu a medalha Carlos Gomes de contribuição à cultura. (Retirado de http://www.releituras.com/) 367



Estimados(as) leitores(as) a obra “Tertúlias em educação de jovens e adultos, educação Inclusiva e políticas educacionais” chega a nós como uma literatura reflexiva e instrumental para nos ajudar a desconstruir conceitos (e preconceitos) por anos infiltrados nas nossas estruturas sociais. Autores e autoras se debruçam em discussões que nos ajudam a pensar a diversidade e não negá-la. Aqui os textos foram produzidos tendo como temáticas as diversas formas do “como fazer” em cenários de diversidade na EJA, na inclusão social dos mais pobres e dos alunos com deficiência. Buscam trazer luz aos temas apresentando como pano de fundo a defesa do acesso e da produção da pesquisa acadêmica que constrói a nova escola que queremos: a que forma cidadãos para a sociedade da diferença. Espero que aproveitem a leitura e sigam conosco nesse movimento que é de transformação e de enfrentamento, mas também de amor e de comunhão. Michele Waltz Comarú


O livro trata de temas caros para a inclusão escolar, para a educação de jovens e adultos e para as políticas educacionais. Busca coadunar várias ações que são desenvolvidas com foco nas demandas apresentadas pela escola. Ressalta a importância de formulação de políticas públicas educacionais para suprir as imensas demandas nas áreas específicas da EJA e da EI. Investiga as causas que provocam evasão, baixa entrada e exclusão dos sujeitos alunos no sistema educacional, apontando para a necessidade da construção de paradigmas plurais, que visam pressupostos epistemológicos de inclusão e de integração democrática. Perfaz um caminho na defesa de que todos os alunos têm potencialidades e formas diferentes de conhecimento e apreensão cognitiva, devendo ser respeitados nas suas singularidades e especificidades. Defende novas práticas de ensino que trabalhem na perspectiva problematizadora, interdisciplinar, autônoma e emancipatória, proporcionando maior estabilidade emocional e vivência nas possibilidades dos sujeitos. Os artigos organizados neste livro passeiam por diversos assuntos tangenciados pela EJA, EI e PE, entre eles, os “Saberes e sabores da avaliação reguladora: uma história de sucesso na EJA”; “Pensando a cultura inclusiva de uma escola estadual mineira à luz do index da inclusão”; “Temas ambientais na EJA: uma análise a partir das propostas curriculares para o ensino de química do RJ”; “Inclusão social e acessibilidade no teatro”; “Autismo na escola: desafios à construção de uma Prática Inclusiva no Ensino Profissional”; “As narrativas da EJA impulsionando o ensino interdisciplinar – ciências e arte”; “EJA em uma análise de representações sociais acerca da categoria trabalho”; “Narrativa de uma mulher negra em ações afirmativas no Brasil nos dias atuais”; “Políticas públicas para formação de professores do magistério”; “A reforma do ensino médio: as mudanças na escola, no currículo e na vida dos alunos e professores”; “Relações dialógicas e reflexões sobre o bullying no ensino fundamental”; “Educandos: sujeitos autônomos?”; “Mariana, Brumadinho e os currículos das engenharias: a responsabilidade das universidades e das políticas públicas de educação na aplicação eficiente da legislação”; e por fim “A importância da atividade docente na formação da consciência crítica”. Todos expõem análises e práticas pedagógicas que divulgam o que se faz entre os muros escolares, num contexto de formação dos sujeitos e de suas próprias ações, fundadas na autonomia da ação educacional. Importante destacar que práticas cotidianas que constroem esse pensamento se pautam em experiências baseadas no engajamento a uma causa justa, ética e afetiva à aprendizagem, que deve acontecer livre de preconceitos e estigmatizações. Boa leitura. Maria de Fatima M. S. Braga

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