coleção
DEBATES
C o n te m p o r â n e o s em
TEIA DE SABERES NAS QUESTÕES AMBIENTAIS
E DUC A Ç Ã O
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da educação científica
e filosófica
à educação ambiental
organização
MAYLTA DOS ANJOS
AUTORES Alexandre Brasil Fonseca Alexandre Maia do Bomfim Ana Caroline Pereira Ana Helena Grieco Gonzalez Ana Helena Grieco Gonzalez Andreia Jerônimo Viana Angélica Gomes da Silva Gouvêa Arthur Fernandes de Lima Costa Resende Clarissa de Mello Braga Teixeira Bianco Dayenne Dutton Doresti de Assumpção Denise de Medeiros Frias Denise Espellet Klein Diogo Fernandes Rosas Edgar Miranda Elisabete Guilhermina dos Santos Elizabete Cristina Ribeiro Silva Jardim Emerson de Souza Queiroz Eva Nascimento Bernardino Felipe de Souza Cruz Fernanda Martins Cordeiro Alves Gabriela Ventura Grazielle Rodrigues Pereira Jefferson da Silva Jose Abdalla Helayël Lenita Leite de Oliveira Fernandes Marcelo Borges Rocha Marcus Vinicius Pereira Mariana Petri Marianna Duarte Alves Marina Morim Gomes Mauro Sergio Francisco Marinho da Costa Maylta dos Anjos Ophelio Walkyrio de Castro Walvy Patrícia Simas Alves Camilo Paula da Silva Santos Shirley Ferreira Weitzel Soraya Miranda Castello Branco Taísa de Oliveira Vieira Thaís Parméra Túlio Vieira dos Santos Valéria da Silva Lima Vanessa de Souza Rosado Drago Vanessa dos Anjos de Oliveira
TEIA DE SABERES NAS QUESTÕES AMBIENTAIS: da educação científica e filosófica à educação ambiental
Copyright © 2020 Maylta Brandão dos Anjos Os fatos, opiniões e juízos de valores expressos neste livro são de exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados. Adribuição e Compartilhamento seguem a Licença Creative Commons.
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A619f
Anjos, Maylta Brandão dos
Teia de saberes nas questões ambientais:da educação científica e filosófica à educação ambiental / Maylta Brandão dos Anjos - - São Paulo : VZLF, 2020. -(Coleção Debates Contemporâneos em Educação ; 01) 360 p. ; eBook. ISBN. 978-65-990819-3-4 1. Educação 2. Meio Ambiente 3. Ciências 4. Educação Ambiental I. Título. CDD (21 ed.) 370.19 CDU (ed. 99) 37.017
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DEBATES
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E DUC A Ç Ã O
TEIA DE SABERES NAS QUESTÕES AMBIENTAIS: da educação científica e filosófica à educação ambiental
Organização Maylta dos Anjos
São Paulo 2020
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CONSELHO EDITORIAL
Publisher EDER DE ARAÚJO
Dra. Andréa Alves de Abreu - UFRJ e UCB Dra. Caroline Bordalo - Cefet/RJ Dr. Dario de Sousa e Silva Filho - UERJ Dra. Gabriela Ventura - IFRJ Dra. Grazielle Pereira Rodrigues - IFRJ Dra. Luciana da Cunha e Souza - IBMEC Dra. Maria Sarah da Silva Telles - PUC/RIO Dra. Marta Abdalla - IFRJ Dra. Maria Simone Alemcar - UNIRIO Dra. Maylta Brandão dos Anjos – UNIRIO Dra. Michele Waltz Comarú - IFES Dr. Renato Matos Lopes - FIOCRUZ Dra. Roselene Crepaldi - USP Dra. Selma Alves - UFF Dr. Wallace Vallory Nunes - IME-RJ
Coordenação Editorial e Direção de Arte VIVIAN ZEPELLINI Revisão BEATRIZ BRANDÃO Editoração Eletrônica VIVIAN ZEPELLINI MAGALI PINFILD Capa VIVER CULTURAL Foto Capa STEPHAN SEEBER UNSPLASH Ilustração vetorial Capa by freepik - www.freepik.com Imagens dos Artigos fornecidas pelos autores Ficha Catalográfica VZLF Alguns links referenciados podem não estar disponíveis no momento da consulta.
REALIZAÇÃO EDITORA VZLF: Viver Cultural www.vivercultural.com.br vivercultural@vivercultural.com.br
Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar. Dom Pedro Casaldรกliga
Este livro é dedicado ao nosso guerreiro, grande poeta, militante da nobre causa, exemplo e inspiração de amor, afeto e luta. A Dom Pedro Casaldáliga rendemos nossa honra e reconhecimento.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
p. 11
APRESENTAÇÃO
p. 15
Diálogos com José Abdalla Helayël Neto: a ciência solicita mais e mais filosofia e se oferece à educação José Abdalla Helayël Neto e Alexandre Maia do Bomfim
p. 19
Sobre a forma como os animais não humanos são concebidos nos discursos e nas práticas educativas ou Professora, posso pegar um sapo no valão pra trazer para o laboratório de ciências? Túlio Vieira dos Santos e Elizabete Cristina Ribeiro Silva Jardim
p. 44
A esperança de Paulo Freire e da agroecologia: breves aproximações de uma utopia possível Mariana Petri e Alexandre Brasil Fonseca
p. 70
A abordagem do tema água: o curso de aperfeiçoamento do Instituto Terra Diogo Fernandes Rosas e Marcus Vinicius Pereira
p. 83
Proposta de iniciação científica a partir da abordagem CTSA: esquemas de pensamento e modos de agir Lenita Leite de Oliveira Fernandes; Denise de Medeiros Frias; Edgar Miranda; Eva Nascimento Bernardino; Angélica Gomes da Silva; Vanessa de Souza Rosado Drago; Vanessa dos Anjos de Oliveira
p. 117
Educação ambiental: um olhar para o contexto social do educando Ana Caroline Pereira e Denise Espellet Klein
p. 135
Ecocapitalismo e preservação do belo? Um estudo de caso sobre a fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza Thaís de Castro Cunha Parméra e Maylta dos Anjos
p. 161
A questão socioambiental nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: reflexões na formação continuada de professores em ciências naturais Gabriela Ventura e Grazielle Rodrigues Pereira
p. 183
A coleta seletiva de resíduos sólidos nas dinâmicas de grupo Elisabete Guilhermina dos Santos e Valéria da Silva Lima
p. 191
Matemática e Meio Ambiente: trocando experiências em sala de aula Jefferson da Silva e Ophelio Walkyrio de Castro Walvy
p. 222
Educação ambiental e o caso dos canudos plásticos no Rio de Janeiro Marina Morim Gomes e Marianna Duarte Alves
p. 248
Unidades de conservação na relação entre o meio ambiente florestal e urbano Felipe S. Cruz e Mauro Marinho Costa
p. 261
A cultura da sustentabilidade no âmbito escolar Andreia Jerônimo Viana e Dayenne Dutton Doresti de Assumpção
p. 270
A temática ambiental nos livros didáticos de física do Ensino Médio Taísa de Oliveira Vieira e Maylta dos Anjos
p. 277
Percepção ambiental: contribuições para estudos em educação ambiental Marcelo Borges Rocha e Ana Helena Grieco Gonzalez
p. 307
“Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”: educação ambiental em disputa curricular na era da BNCC Soraya Miranda Castello Branco; Fernanda Martins Cordeiro Alves; Alexandre Maia do Bomfim
p. 325
Urgências ambientais: reflexões sobre o trabalho escravo Arthur Fernandes de Lima Costa Resende; Emerson de Souza Queiroz; Alexandre Maia do Bomfim; Maylta dos Anjos
p. 340
POSFÁCIO
p. 351
MINIBIOGRAFIA DOS AUTORES
p. 353
Roubaram as Terras Índias Roubaram as terras índias E batizam as fazendas Com nomes índios ausentes. Aritana, onde está? Debaixo da terra os mortos Pedem os cantos da tribo... E só respondem os bois Calcando a paz invadida. Aqui, onde a mata um dia Erguera seus arcos verdes, Se alastra o capim exangue. O sol, que foi testemunha, Se vinga no chão despido. E pela estrada invasora A seriema costura Um telegrama impotente. Dom Pedro Casaldáliga
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P R E FÁ C I O
Escrevo em meio a uma grande crise sanitária, a Covid 19, algo que jamais vivenciamos em nossas gerações contemporâneas. O mundo parado diante de um pequeno vírus que obrigou a modernidade a se dobrar ao uso de máscaras, lavagem de mão e o distanciamento social para tentar deter a perigosa contaminação. A tecnologia e o progresso prometido pela sociedade moderna como solução para todos os nossos problemas, não nos livrou do mal. Mas essa crise não é um fato isolado, ela se contextualiza diante de uma crise ainda mais grave, a das mudanças climáticas, que trazem algo inédito na história da humanidade sobre o planeta, a ameaça de destruição da vida causada por ações antrópicas. Fato este que faz alguns autores denominarem que vivemos uma sociedade de risco; ou seja, pela primeira vez corremos riscos não produzidos pelas forças da natureza, mas o risco gerado por nós mesmos. Uma sociedade que em sua evolução globalizou seu modelo de desenvolvimento, que tem como padrão de relação com a natureza, a dominação e a exploração. Nessa escala planetária de intervenção, as consequências se evidenciam na grave crise socioambiental que vivemos e que demonstra a insustentabilidade desse modo de vida. Esse grave contexto deveria colocar as questões socioambientais como o principal problema a ser enfrentado nas agendas públicas nacionais e internacionais. No entanto, percebemos o grande peso dos interesses econômicos prevalecendo mesmo diante de uma grave pandemia em que os poderosos afirmam que a economia não pode parar. Quando chegamos a um momento civilizatório em que valores de interesses econômicos prevalecem sobre as necessidades humanas, descortina uma realidade de grande injustiça socioambiental e mais uma dimensão da crise: a dimensão ética. A todos estes aspectos junta-se a dimensão paradigmática, em que a sociedade moderna construiu suas referências de conhecer e atuar no mundo, a partir do que Edgard Morin denomina em sua obra de paradigma disjuntivo. Que tem como uma de suas principais consequências a danosa percepção da 11
| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | separação entre ser humano e natureza e estabelecida sobre uma relação de dominação e exploração. Essa percepção e relação coloca o ser humano numa posição de antagonismo diante da natureza agravando a sua destruição. Portanto, vivemos uma realidade em que os problemas socioambientais se avolumam, demonstram a multidimensionalidade de uma crise que se apresenta como civilizatória. Como podemos superar tamanhos desafios? Para todos que acreditam na luta por um mundo melhor, justo e equilibrado socioambientalmente, a forma mais eficaz para o enfrentamento e transformação dessa realidade passa pela Educação. Como diria Paulo Freire, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Mas uma educação que seja capaz de, carregada de criticidade, desvelar as relações de poder para situar e potencializar o sujeito em formação a atuar no processo de transformação dessa realidade, emancipando-se desta relação de opressão e da degradação de ambos, sociedade e natureza. É aqui que uma teia de saberes se faz tão importante. Temos saberes múltiplos, teóricos e práticos, que nos permite refletir ações que têm a intencionalidade de contribuir no processo de transformação da realidade socioambiental em crise. O livro traz ao leitor a possibilidade de compartilhar reflexões filosóficas e educacionais, de um fazer pedagógico comprometido com uma Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória. Estudos como esse demonstram seu compromisso com diferentes dimensões da questão ambiental. Assim, é com grande satisfação que convido os leitores a mergulhar na riqueza de possibilidades que esta importante obra nos traz.
Rio de Janeiro, 22 de junho de 2020.
Mauro Guimarães
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Maranhão dos maranhenses, que não podem retornar! Travesseiro de saudade não adianta carregar. Se plantando em travesseiro, só se colhem sonhos vãos. Lavrador que planta certo, planta na carne do chão. E este chão, Gonçalves Dias, não é mais para plantar. Corredor de beira estrada, serve só para passar. Entre a cerca e o asfalto, feito esgoto um Povo vai... Dom Pedro Casaldáliga
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A P R E S E N TA Ç Ã O
Pesquisas que se comprometem com a dinâmica ambiental a partir de um olhar crítico e analítico podem despertar um melhor entendimento no processo das várias expressões dessa temática. O poder transformador dos estudos e do engajamento que a causa ambiental possui, a cada momento, sinaliza a potencialidade intrínseca das ações, que redundam de observações sensíveis e comprometidas acerca dos acontecimentos e fenômenos do mundo. Caminhando por essa trilha, este livro busca nos artigos apresentados, divulgar breves pesquisas que compõe práticas escolares, acadêmicas e sociais que refletem as justas demandas da sociedade na questão ambiental. Essa se dá na diversidade de assuntos que tangenciam a questão sociopolítica e conjuntural. Vemos aí se erguer uma narrativa comum de defesa ao pensamento ético e humano que deságua na denúncia do total e máximo desrespeito aos recursos naturais. Não somente a eles, mas também às grandes conquistas históricas dos direitos sociais, políticos e ambientais. Não podemos num campo de vivência, formação e trabalho, ficar indiferente ao que nos oprime, violentando a nossa condição de sujeitos. As defesas do caráter democrático, do saber laico, livre, aprofundado, embasado e popularizado perpassam a temática ambiental. Lê-la com o olhar da crítica contribui para uma apropriação legítima e não velada da realidade. É ingente, para o entendimento do papel da natureza na vida social, perceber os caminhos que poderão conferir melhores condições de vida, participação, organização e continuidade do manto que nos abriga, para quem está aqui a desfrutar esse mundo e para os que virão na dinâmica considerável das novas gerações. Aquecer o repertório de análise na temática ambiental, ampliando o foco das atuações para solucionarmos problemas não antevistos é propósito que faz evitar novos impactos e passivos sócio-político-ecológicos gerados pelo modo de vida contemporâneo, baseado na extrema sobrecarga aos recursos naturais. A relação consumo e produção - na base material moderna e contemporânea provoca e se alimenta de fatores alienantes e descomprometidos com os recursos, com a dignidade humana e com o prolongamento de vida na Terra. 15
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Há que se ter claro os territórios de atuação e a forma de atuar para que se realize um trabalho e uma reflexão necessária ao tema ecológico nas suas várias expressões. Cabe perceber quais são os disfarces escondidos nos “bons discursos e boas intenções” que deprimem, dilapidam e impactam a natureza. Precisamos erguer vozes e incrementar pesquisas que tragam às claras o modelo que privilegia os fatores econômicos e materiais, em detrimento dos fatores humanos de justiça, igualdade de oportunidades, simplicidade, liberdade, autonomia e ética na convivência planetária. Não perder a densidade de uma formação que se dá em processo, em continuidade, em ampla e plena construção, é meta daqueles que apresentam os seus estudos investidos para a divulgação nesse livro. A dimensão socioeducacional coloca como devir a palavra comprometimento, engajamento e mudança, no tom e no jeito de agir em luta. Resistência e reexistências exemplificam e amalgamam a tônica ambiental. O debate e as pesquisas colocadas nesse livro, remetem ao pensamento de uma insurgência a tudo que deprime, exclui, secciona, viola, oprime, humilha, anula existência, castra, mata e ignora as dimensões essenciais da vida, ou sejam, os sujeitos do mundo e a natureza pujante. A questão ambiental produz diálogos transversais, amplia definições e identidade educacional. Leva a entender, de forma mais conecta, os fenômenos físicos, naturais e a dinâmica sociopolítica. Dessa forma, os artigos aqui apresentados têm nas linhas de condução de suas pesquisas e experiências, o ensino e a extensão como eixos. A herança formativa foi aqui trazida pelos diferentes vieses acadêmicos, para assim contribuir com as interfaces e com um novo descortinar de ações, ainda que pareçamos ora tímidos. Registramos o que nos fez caminhar nas estruturas, no estado da arte e nas lacunas acerca da transversalidade do ambiente. Reunimos aqui experiências e olhares que assumem, na qualidade inerente do processo de reflexão, o antagonismo a tudo que viola a continuidade da vida e provoca a vulnerabilidade à ela. Os temas dos artigos apresentam caráter polifônico e preservam em melodia e em rítmica o tom instigador e imbricado da relação natureza e humanidade. Passeamos neles por uma trajetória dialogal de “caminhar, observar, vivenciar e refletir” o que tangencia as ações antrópicas. Essas se constituem em fluxos contínuos. Para esse ritmo, é necessário ser analisado o campo de disputa, bem como os conflitos existentes nesse campo ao se fazer pesquisas inter-relacionadas com a crítica e a construção de uma melhor viver. Repensar o acervo de conhecimentos sobre o fazer científico, numa perspectiva integrada, em que as dimensões existentes sejam percebidas numa 16
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complexa ambiência em que se assinalam as constantes da multiplicidade de pensamentos, fortalece a continuidade das ações que visam a práticas acadêmicas e escolares representativas no campo sociopolítico e ambiental. Os assuntos trazidos, no livro, apresentam caráter polifônico e preservam em melodia e em rítmica o tom instigador e imbricado da relação, essencialmente, interdisciplinar estabelecida entre as dimensões que perfazem essa questão. Há nos temas trabalhados uma trajetória dialogal de “caminhar, observar, vivenciar, refletir e sentir” o que tangencia as ações antrópicas, compreendendo-as num campo de causa e consequência, ação e reação. É nesse contexto que residiu a espinha dorsal dos seguintes artigos: “Diálogos com José Abdalla Helayël Neto: a ciência solicita mais e mais filosofia e se oferece à educação”. “Sobre a forma como os animais não humanos são concebidos nos discursos e nas práticas educativas ou Professora, posso pegar um sapo no valão pra trazer para o laboratório de ciências?”. “A esperança de Paulo Freire e da agroecologia: breves aproximações de uma utopia possível”. “A abordagem do tema água – o curso de aperfeiçoamento do Instituto Terra”. “A proposta de iniciação científica a partir da abordagem CTSA: esquemas de pensamento e modos de agir”. “Educação Ambiental: um olhar para o contexto social do educando”. “Ecocapitalismo e preservação do belo? Um estudo de caso sobre a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza”. “A questão socioambiental nos anos iniciais do Ensino Fundamental: reflexões na formação continuada de professores em ciências naturais”. “A Coleta seletiva de resíduos sólidos nas dinâmicas de grupo”. “Matemática e Meio Ambiente: tocando experiências em sala de aula”. “Educação Ambiental e o caso dos canudos plásticos no Rio de Janeiro”. “Unidades de Conservação na Relação entre o meio ambiente florestal e urbano”. “A cultura da sustentabilidade no âmbito escolar”. “A temática ambiental nos livros didáticos de Física do Ensino Médio”. “Percepção ambiental: contribuições para estudos em educação ambiental”. “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és: educação ambiental em disputa curricular na era da BNCC”. “Urgências ambientais: reflexões sobre o trabalho escravo”.
Boa leitura para todos.
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Quem fica na floresta um dia, quer escrever uma enciclopédia; quem passa 5 anos, fica em silêncio para perceber o quanto é profunda e complexa a Criação. Dom Pedro Casaldáliga
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DIÁLOGOS COM JOSÉ ABDALLA HELAYËL NETO: a ciência solicita mais e mais filosofia e se oferece à educação
José Abdalla Helayël Neto Alexandre Maia do Bomfim
Apresentação Nosso primeiro ato, agora, será apresentar o que circunscreve ao próprio conteúdo do capítulo, o que contextualiza (neste caso, o entorno é tão importante quanto o seu interior). Vale logo esclarecer que esta é a primeira parte da entrevista que nós fizemos com o professor José Abdalla Helayël Neto em agosto de 2019. Nós, no caso, sou eu, professor Alexandre Maia do Bomfim, uma turma de doutorandos1 e alguns alunos do nosso Grupo de Pesquisa em TrabalhoEducação e Educação Ambiental (GPTEEA)2. Sem exagero, posso dizer que Helayël Neto é um dos maiores físicos teóricos do país, participou de grupos de pesquisa liderados por professores laureados com o prêmio Nobel de Física, professor titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), coordenador científico do Grupo de Física Teórica José Leite Lopes etc. Não obstante, nos parece que lhe dá mais orgulho trabalhar com 1 Preferimos não identificar as falas das alunas e dos alunos dessa turma de doutorandos, ora por conta da dificuldade de identificá-los nas audições, ora porque alguns não perguntaram e preferimos dar destaque à turma num todo, essa que é nossa primeira do Doutorado Profissional – Propec, de 2019. Dessa forma, vale citá-los integralmente aqui: Adriana Ramos Pinheiro, Ana Lucia Rodrigues Gama Russo, Andrea Cristina Costa de Freitas, Cristiano de Jesus de Oliveira Barauna, Eduardo dos Santos de Oliveira Braga, Elizabeth Augustinho, Lucas Peres Guimaraes, Luiz Felipe Santoro Dantas, Patrícia Maria Pereira do Nascimento, Priscila Silva de Souza, Sérgio de Souza Henrique Junior, Valéria da Silva Lima, Victor Hugo Paes de Magalhaes dos Santos, Vinicius Munhoz Fraga. 2 O GPTEEA foi representado, além das doutorandas, por Thiago da Silva Oliveira, Juliana Rodrigues de Souza e Priscila da Paixão Silva Veras.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | a Educação voltada para as classes populares, especialmente com o projeto de pré-vestibular social. Para se ter uma ideia, Helayël Neto pediu para que não fosse o primeiro autor deste capítulo, algo que para mim não faria sentido, pois o conteúdo é dele. Acabei não acatando sua gentileza, claro, mesmo porque isso poderia me impedir de assumir esta apresentação e desta forma, em que venho lhe render a devida homenagem. Aproveito também para mostrar como foi a construção dessa entrevista com o professor. Aqui vale agradecer a Arthur Rodrigues do Bomfim, quem fez a enorme transcrição dessa entrevista. Aproveito para esclarecer que adaptamos o que apreendemos das falas para que diminuísse o que estava excessivamente coloquial3. Nossa intenção foi dar uma melhor narrativa e linearidade. Também propusemos uma organização por seções, o que indica edição. Dessa forma, essa é minha contribuição principal quanto coautor. O projeto para esta realização foi bem simples, no lugar de uma das aulas do Doutorado, depois de indicarmos a leitura do livro “A Utilidade do Inútil4”, trouxemos o professor Helayël Neto até uma das salas de nosso Instituto para ser entrevistado, num formato “roda vida” (um grupo faz perguntas a uma única pessoa, enquanto considera a mediação de outra), com perguntas ligadas à Ciência (num sentido lato) e à Educação em Ciências (num sentido stricto).
Introdução Qual o grande desafio de construir esse trabalho, esse capítulo? O maior desafio foi diminuir a nossa fala excessivamente coloquial no texto escrito. Por outro lado, só tentamos diminuir essa característica ao patamar que facilitasse a comunicação, pois queríamos manter as características de um texto baseado numa conversa. Isso porque só numa conversa poderíamos perguntar diretamente ao professor Helayël: “você pratica Religião?” Somente por meio de uma conversa e não por um artigo, geralmente, monotemático poderíamos enfrentar tantas frentes e considerar uma variedade de aspectos, inclusive ligados à afetividade. Por conta disso, precisei participar efetivamente de muitos trechos no 3 Vale agradecer a releitura da Professora, Mestre em Letras pela UERJ, Juliana Regoto Rodrigues. 4 ORDINE, N. A Utilidade do Inútil: um manifesto. Trad. Luiz Carlos Bombassaro. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
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texto para tentar melhorar a compreensão e, como já disse acima, fazer a edição que me confere a coautoria. Mas, garanto que é uma coautoria vigiada, pois tudo que suprimi ou adicionei obteve a revisão final do professor Helayël (o que poderá tranquilizar muito o leitor). Há alguns acréscimos diretos, outros por meio de parênteses e outros por colchetes (estes porque poderiam estar vindo com ideias muito tangenciais). De uma maneira ainda que informal, posso dizer que o trabalho que fizemos aqui é de divulgação científica, é de Educação em Ciências, mas com uma fortíssima presença das “Humanidades”, em seu conceito mais ampliado. No sentido de que é necessário considerar o político, o social, o cultural, o psicológico e até o transcendental, porém, no mesmo instante que tentamos não enviesar excessivamente por nenhum desses itens. A intenção aqui é deliberadamente obter o equilíbrio! Infelizmente não deu para mantermos os inúmeros momentos que ríamos ou batíamos palmas, mas vale registrar que seguimos num exercício necessário de garantir o bom-humor e o entusiasmo, itens muito urgentes para enfrentar momentos atuais de tanto obscurantismo. De qualquer forma, tivemos que suprimir as menções aos risos e às palmas, mas vale ao leitor sensivelmente pressupor quais momentos seriam. Como se tornou um trabalho de grande extensão, tivemos que dividi-lo em dois capítulos. Agora vai o primeiro e em breve, teremos o segundo que finalizará esses momentos de reflexão.
Parte 1 A física, a filosofia e até a metafísica diante de professores físicosfilósofos-religiosos-políticos: por que não? Alexandre Maia do Bomfim (AMB): Estimulados pela leitura do livro a “Utilidade do inútil5”vamos começar com as reflexões maiores, com os itens mais filosóficos e conceituais, para depois irmos direcionando aos itens mais próximos de nossa realidade, de nossa prática. A primeira questão é a seguinte... Considerando as fronteiras que a Física encontra hoje, considerando também que o desconhecido também aumentou, podemos dizer que a Ciência voltou a ficar próxima ou nunca esteve tanto da Filosofia? Ou mais ainda, nunca esteve tão próxima da Metafisica? E estando próxima da Metafisica, como essa Ciência deverá/se distinguirá (eis o fim desta questão), por exemplo, da Religião? 5 Op. cit.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | José Abdalla Helayël Neto (HN): Bom... Eu diria o seguinte, em relação à minha parte da Ciência que é a Física, há várias abordagens para apreender o Universo. Umas de abordagem mais empírica, outras mais observacionais ou fenomenológicas... No meu caso, seria observar fenômenos e tentar construir modelos, num aspecto mais teórico, na tentativa de compreender princípios fundamentais, regras universais do comportamento da natureza e com uma abordagem muito matemática. Até a segunda metade do século passado, no século XX, esse foi o lugar de domínio da Mecânica Quântica, uma guinada para uma visão mais microscópica de Universo. Foi essa Mecânica Quântica que levou a gente para o lado da Filosofia e eu diria para Metafisica também. Existe na Física preconceito para se falar de Filosofia, de Metafísica, porque muitas vezes a Física é muito utilitarista, muito mecanicista. Por isso que somos tão desafiados, porque não podemos esconder essa realidade que persiste [desse viés utilitarista e mecanicista]. Na verdade, é a nossa área, sobretudo, mais teórica, em que faz reflexões considerando experimentos que nunca foram realizados, ou seja, o nível de abstração vem crescendo... Claro que não deixaremos de fazer experiências do pensamento e esse é um lugar da Filosofia e da Metafisica... Sempre fomos muito aristotélico, não é mesmo? E mesmo que em tese tenhamos abandonado a Física de Aristóteles, nossa forma de construir o pensamento continua aristotélico, já que estamos sempre querendo procurar a “razão” que rege alguma coisa... Estamos sempre procurando uma razão primeira, até na vida do dia-a-dia: “é isso, a partir disso, por que então não isso?” Por quê? Compreendo que a Física contemporânea nos revela múltiplas razões, não tem aquela única razão. Compreendo que estejamos numa era da Metafisica, uma era muito mais bergsoniana... O pensamento de Bergson6, muito diferente do aristotélico, está dominando a Física contemporânea, dessa forma, é inevitável (apesar de um discurso preconceituoso que ainda encontramos na Física) misturamos Física com Filosofia, Filosofia com Ciência... Então... Eu estou colocando em primeira pessoa, a partir de minha área, por muitas vezes precisando fazer um esforço de dizer que estamos fazendo, sim, uma Física que cada vez mais nos leva à Filosofia, tendo que enfrentar o discurso (preconceituoso) da Metafisica na Física. É muito comum ver grandes estudiosos, até com grande reputação na Física dizer: “ah! Isso não é Física, isso é Filosofia!” ou “isso não é Física, isso é Metafisica.” Eu entendo que fazemos Física, essa Física de fronteira, que está muito além das nossas capacidades experimentais e observacionais. 6 Filósofo francês que rompeu com a tradição platônica e cartesiana para incorporar reflexões que tinham por base a sociologia, a política e a construção da psique humana. Foi laureado pelo prêmio Nobel de Literatura.
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Essa Física é Filosofia, essa Física é Metafisica, porém ela assim não se configura plenamente, por conta do uso da Matemática. Temos a matemática mais complexa que, de alguma maneira usamos para não estarmos fazendo exclusivamente Filosofia [stricto sensu]. De alguma forma, é um jogo. Estamos usando a matemática mais complexa, usando técnicas computacionais sofisticadas, mas no fundo o que estamos fazendo é colocando em prática, colocando em movimento, essas concepções filosóficas. Tenho orgulho em dizer que Filosofia para mim é Física. Para mim Filosofia é Ciência! Em minha formação tive aula com vários grandes professores, inclusive quatro deles foram prêmios Nobel de Física. Um deles, com quem mais me liguei, trabalhei por oito anos dentro do seu grupo de pesquisa, com outros também tive interação bastante intensa, do tipo que modifica a vida das pessoas, com eles aprendi muito mais, debati a Filosofia dentro da Física, ainda que permanecesse especialmente dentro Física. Esses grandes professores nunca me trouxeram uma equação complicada, o que me trouxeram foi o pensamento filosófico dentro da Física. Os discursos desses mestres confrontavam e se complementavam à visão de mundo que trazia (quanto aluno), considerava nossa visão de mundo, nossa percepção da natureza. Quer dizer, quando podemos trazer a nossa visão do mundo à Física, estamos trazendo também a nossa formação filosófica e até mesmo religiosa. Um professor em especial fiquei intensamente dentro em seu grupo, trabalhei com ele durante o meu doutorado. Esse professor, Abdus Salam, que ganhou o prêmio Nobel de 1979, era islâmico convicto, paquistanês, praticante do islamismo, religioso, lia o Corão toda sexta-feira... Ele trazia um discurso religioso, potencialmente visto com desconfiança na Física, algo nada fácil de se expor, porque em Ciência pressupõe-se o máximo de racionalidade possível, propõe-se que não haja envolvimento sentimental. Porém, não foi isso que vi. O professor Paul Dirac, por exemplo, que foi prêmio Nobel aos 31 anos, pilar da Mecânica Quântica, com quem também tive uma relação muito boa, de muito aprendizado, era fortemente comunista, com convicções sociológicas, sociais muito claras, uma pessoa fantástica, ateu! Eu tinha uma relação forte tanto com um professor que era extremamente convicto do Alcorão, sobre Alá, e um professor, Dirac, que era ateu. Para mim, esse professor ateu e o professor extremamente religioso eram muito próximos do ponto de vista das ideias, das concepções, quer dizer, para ambos a Ciência era o ponto importante que os unia, onde todas as diferenças religiosas desapareciam no fazer da Ciência. Com o professor Paul Dirac, [reitero] comunista, houve influência marcante de sua parte na ex-URSS, ao ponto de qualificar os russos à conquista de prêmios na área. A influência de Dirac de como fazer Ciência, de como fazer Física, de como perceber a natureza, influenciou muito físicos pelo mundo, da ex-União Soviética ao Japão.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Os primeiros prêmios Nobel de Física no Japão vieram também sob influência dele, por isso que eu gosto sempre de dizer “Dirac Presente!”. Dirac e Marielle estão sempre presentes! Paul Dirac presente nos primeiros prêmios Nobel do Japão, Dirac era assim uma pessoa de convicção política forte, adepto da Ciência. Por diferentes caminhos, o professor Salam, nosso guru, religioso convicto, se encontrava com Dirac por outros caminhos, tanto em relação à Ciência, quanto em relação à forma de levar a vida. Dirac, mesmo sendo um estruturalista, conhecia fortemente a Filosofia do carpe diem, considerava muito a estética na Física. Para Dirac, a Ciência tem que ser arte, a Ciência tem que ser bonita, a Ciência precisa ser elegante. Num paralelo, o professor Salam, colocava isso por uma visão mais religiosa, do Corão, na busca pela unificação. Esses elementos anteriores influenciam a Física a ser construída. “Unificar as diferenças”, de fato esse era o alvo da Física do professor Salam, essa exatamente que o levou ao prêmio Nobel de 79. Essa Física que desejou encontrar a unificação teve sua origem no Corão, esse livro da unificação, do conhecimento, da unificação da saúde, da unificação dos direitos e da unificação inclusive de várias religiões, pois, no fundo, o Corão nunca negou a existência de Jesus, não nega a existência de Nossa Senhora, não negou a existência de Moisés, se diferencia por trazer o Maomé para o centro. O Alcorão é um livro de unificação e isso foi forte na vida do professor Salam, ele trabalhou a unificação a vida inteira, morreu tentando unificar a Física. Enquanto professor Dirac, nos aspectos da simplicidade, da elegância, desejou assim construir sua Ciência. Trata-se de concepções filosóficas... Nunca esses homens me colocaram diante um quadro e me perguntaram “sobre essa equação, mostre-me qual seria o resultado... Para professor Salam, por exemplo, em todos os anos que convivemos eu nunca precisei escrever nenhuma fórmula no quadro, com ele a “Física é uma Ciência da palavra!”. Vamos discutir em palavras: ‘’quais são suas dúvidas, ou eu penso assim, você pensa assim, vamos colocar nossas diferenças em dia, usando a palavra e não usando equações?” Por tudo isso, para responder esse primeiro item aqui, que eu digo que a Filosofia é fundamental, porque a Filosofia nos dá a oportunidade de fazer a experiência do pensamento mais do que qualquer outra área da Ciência, do conhecimento humano. É a Filosofia que nos permite fazer esse grande laboratório de ideias e você precisa ter ideias para fazer uma boa Ciência, romper com paradigmas, romper com preconceitos. Quem nos liberta é a Filosofia! Eu acho que hoje em dia a própria Ciência às vezes está se tornando desinteressante quando se apresenta muito apartada da Filosofia. Entendo que é fundamental, por conta disso tudo que trabalho com muitos movimentos sociais, sempre tentando falar aos professores: não tire o discurso da Filosofia das suas aulas, tentem trazer o máximo da Filosofia para sua própria área de ensino, para sua disciplina.
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A Filosofia precisa ser resgatada, sendo fundamental para o homem, para o comportamento, ainda mais para esse mundo contemporâneo, posto em polarizações... Se estudássemos Filosofia, praticássemos Filosofia, o mundo estaria muito diferente e a Ciência também... AMB: Alguém quer pegar carona nessa primeira pergunta?
Parte 2 A ciência tem seus artistas Aluno 1: Professor, na verdade tenho uma pergunta meio... Digamos que o conceito de Ciência costuma ser muito puritano, mas que precisamos delimitar... Assim, como o senhor conceitua Ciência? HN: Eu conceituo a Ciência como uma sigla, um jogo de ideias apenas... Vamos dizer, como que se conceituaria um escritor quando ele escreve um romance? Não tenho conhecimento próprio de muita coisa, mas a minha experiência adquirida com criadores de teoria (professor Dirac criou a teoria quântica dos campos e criou a própria Mecânica Quântica, professor Salam criou uma teoria, a teoria “eletrofraca”...) me desafia com uma questão: qual foi o impacto antes desses criadores? Coloco-me na mesma situação que um estudante de música... (eu, por exemplo, tive um contato forte com Beethoven, cuja a nona sinfonia, é um monumento musical) antes de serem “criadores de teoria”, qual era a concepção de Ciência deles? A concepção de Ciência deles seria como escrever um romance. E uma peça, por exemplo, se poderia começar a escrita pela parte dos diálogos, desenvolvendo uma produção que permitiria obter uma concepção do que a obra poderá ser. Assim, quais seriam os conceitos que levaria, quais personagens, toda a trama, para depois incrementar ainda mais os diálogos... Essa trama é o desenrolar da Ciência. Esse hábito criativo não pode prescindir de uma visão de mundo, algo que já esteja conosco antes, sejam inclusive seus ensinamentos religiosos, filosóficos, como também seus preconceitos. Na verdade, tudo são faces de um mesmo poliedro. A criação de uma teoria cientifica não pode prescindir do que vem antes, da visão de mundo prévia. Com isso, podemos abordar o mundo pela Arte, eu abordo pela Ciência. O tecido de tudo isso é a criatividade, por esse meio se faz Ciência também. Certamente utilizamos a Matemática para obter resultados, para comparar experimentos, porém, mesmo assim a Ciência de hoje, especialmente a Física, traz essa fronteira muito mais avançada, distante de nossas capacidades de verificação, então por muitos anos, talvez por muitas décadas, até por séculos talvez, algumas das ideias hoje trabalhadas nunca deixarão o plano da abstração, porque só poderão ser comprovadas, oferecer legado, daqui a algumas décadas ou alguns séculos.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Por isso é tão difícil distinguir isso do que seja a Arte. Estabelecemos um processo de concepção, a Ciência é concepção, por isso é preciso ter ideias. Referente ao professor Niels Bohr, que também ganhou o prêmio Nobel de Física (em 1922), responsável pela reformulação da moderna teoria atômica em 1913, eu tive bastante contato com o seu neto, meu colega de doutorado, o Henrik Bohr. Ao ponto de trazê-lo ao Brasil. Hoje ele é biofísico, seguiu a carreira de Física, mas hoje tem um instituto, de biofísica na Dinamarca. Henrik Bohr nos trouxe muitos escritos do avô, destaco uma frase muito interessante que era isso aproximadamente: “uma teoria precisa ser suficientemente louca para estar certa”. Quer dizer, é importante isso acontecer, deixar vir um pouco a loucura, no bom sentido, deixar a loucura vir à tona. Uma ideia louca não é para esconder. Quando ouço de um aluno: “professor eu tenho uma ideia, mas ela é muito maluca”. Reajo logo: fale! Quer coisa mais maluca que o modelo atômico de Bohr, em 1913, com aquele modelo de camadas? Aquilo era completamente fora de propósito, aquilo era tão fora de propósito quanto foi para Igor Stravinsky escrever a “Sagração da Primavera” em 1913, quando foi muitíssimo vaiado, para o balé que havia criado. O Bohr também foi vaiado pelo modelo atômico, mas era uma ideia louca, suficientemente louca para dar certo.
Parte 3 Ciência para quem ou para quê? AMB: Recuperando o “neopositivista” Karl Popper, talvez nos atrapalhe um pouco nesse ponto, porque a concepção dele para Ciência é tão diferente... Como você vê a questão da verificação, da falseabilidade como itens que caracterizariam a “Ciência”? HN: O professor Dirac num artigo dele de 1939, em que considerava a relação entre a Física e a Matemática, curiosamente não tinha equação sequer... Os únicos números que esse artigo traria eram os das páginas... Um artigo de nove páginas muito mais para a Antropologia, Sociologia da Ciência do que para a relação da Física com a Matemática. Seus questionamentos datam de 1939, mas como continuamos a fazer uma Ciência positivista até hoje? Entendo que podemos responder a Popper pela linha do livro a “Utilidade do inútil”. Considerando que muitas vezes não possuímos a tecnologia no presente que possa nos dar uma verificação ou nos permita falsear teoria, como poderíamos prosseguir com a Ciência, já que muitas vezes isso não ocorre simultaneamente? Muitas vezes é necessário até criar tecnologia para realizar experimentos novos, de tal forma que só podem ser verificados no futuro. Nesse sentido, eu diria que o Popper atrapalha muito, diria que o Dirac é quem realmente percebeu
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o modo de fazer Física. Hoje nós fazemos uma Física muito baseada na ideia “diraqueana”, ainda que mantenham-se as críticas a essa maneira de fazer Ciência Física. Dirac mostrou que ideias subjetivas podem noutro momento se fazerem muito concretas, como foi prever a antimatéria. A antimatéria foi prevista no papel por ele, ideia considerada louca, antes de ser descoberta, que foi descoberta. Hoje a gente tem tratamento de câncer, tomografia de elétron, baseada na antimatéria. Essa Ciência foi importante por isso, fez uma previsão de longo alcance que não tinha como ser falseada à época, ela induziu tecnologia. Fica claro que é preciso dar essa liberdade de pensamento, mas como se só enxergarmos ainda muito forte uma Ciência positivista e pior utilitarista. Por isso não há como desconsiderar o aspecto político, financeiro. O CNPq apoiaria uma pesquisa que não sabe para que serve imediatamente ou que não se enxerga aonde chegar? Praticamente 80% da tecnologia que nós temos hoje, utilizada pelo capital industrial mundial, foi proposta como teoria e em sua época não se sabia para que servia ou para quando poderia ser utilizada. É necessário haver liberdade para fazer Ciência. O que temos é esse jogo de ideias. A visão que Thomas Kuhn nos proporcionou é muito pertinente, importante para entender os paradigmas de uma época, onde o avanço da Ciência está também em tentar quebrar esses paradigmas.
Parte 4 Ciência exata? Aluno 2: Professor, sobre essa questão da matemática na Física, não seria uma maneira de afastar a Física da Filosofia e de racionalizar a Ciência? Como docente da disciplina Química Geral II, na Licenciatura de Química, tenho evitado usar o cálculo matemático, algo já completamente destoante do que é recorrente, mas como fazer isso diante do fato que nas outras disciplinas haverá a excessiva cobrança em relação à Matemática? HN: Bom, eu acho o seguinte... Concordo que devemos primeiro trabalhar com as ideias. Volto-me aos mestres que me influenciaram, com eles aprendi a colocar as ideias no lugar, nos lugares certos, trabalhar com as ideias e no momento em que você domina as ideias, com os códigos abstratos, para só depois, num certo momento, vir a Matemática. Nunca dissemos que Matemática é inevitável para a Física. Porque também não podemos deixar eles criarem a falsa expectativa que não “tem matemática pesada’’, porque vai ter sim! Nossa indicação é que eles a encontrem no final. Primeiro, você tem que montar o enredo, trazer os conceitos de sua obra, os personagens, as relações e depois com os diálogos virá a inevitável matemática.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Um dos maiores matemáticos que viveu até recentemente [morreu em janeiro de 2019], o Michael Atiyah, libanês, professor da Universidade de Cambridge, muito amigo do professor Abdus Salam, com quem também tive muito contato, dizia sempre isso: “como matemático eu não consigo fazer uma boa Matemática sem relacionar com a Física, eu vou buscar instigações, estímulos para a minha Matemática através da Física”. Então, a Física é importante para trabalhar os conceitos, pois sustentar uma ideia é muito mais importante do que mostrar uma equação, a equação está ali, os símbolos não falam por si, é você quem articula mecanismos. Na verdade, quanto mais equações complicadas você coloca, mais você exerce o seu poder, porque a plateia simplesmente fica impactada com aquelas equações complicadas, fica perdido com aqueles símbolos todos. É muito mais fácil dominar os códigos matemáticos, usando uma plateia assim, trazendo um monte de equação em que a pedagoga não conhece, que às vezes o químico não conhece, para que todo mundo te respeite pelo medo, não pelo que você sabe, não pelo que você está fazendo. Muitas vezes essa fala mostra o resultado desse ato educativo: “o cara é muito bom, embora não tenha entendido nada”. Isso recorrente demais na Física, você sai respeitando o palestrante porque disse um monte de coisa, mas que você não entendeu. Uma frase que vale reproduzir atribuída a um matemático da década de 30: “a gente não deve trazer os nossos problemas para matemática, nós devemos criar matemática para os nossos problemas”. No fim, então, a ideia é essa. O problema independe da matemática, existe antes, e o desafio maior pode ser conceitual, sobre princípios universais etc. A matemática é importante na formação, mas não pode ser tecnicista, não podemos reduzir o ensino da Física às fórmulas, ao mesmo tempo precisamos retirar de alguns estudantes o fascínio pelas fórmulas. As fórmulas são importantes, mas é importante lidar com a concepção filosófica... AMB: Helayël, o Paul Dirac defende a beleza... HN: Isso, a estética, a beleza... Pois é... Eu não estou com a camiseta hoje, mas eu fiz no ano passado, uma camiseta comemorando os 90 anos da “equação do Dirac”, que ele fez em 1928, na qual revia a existência da antimatéria. Todo ano, lá no CBPF, faço uma camiseta de referência para o ano em questão. Este ano é o da descoberta da elementaridade. Depois, vou ter a equação do espaço, ano que vem vai ser a equação dos neutrinos, 90 anos da percepção de neutrinos na natureza... Vale uma pequena história. Então, eu estava com a camisa que trazia a equação do Dirac no ônibus, realmente é uma equação bonita, quando uma pessoa falou “que coisa linda”... Concluí: camiseta né... Não poderia ser eu... Comentei: a senhora se encantou pela camiseta? “Sim, mas o que que é isso?” Aí expliquei, isso é uma equação da Física, que foi formulada pelo... Ela prosseguiu:
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“quem foi esse cara?” Foi uma pessoa, um cientista que eu conheci, tive aulas com ele, quando ela pediu para fazer uma selfie... Vamos fazer (isso dentro do ônibus) e perguntei para ela, por que você se impressionou? E ela respondeu pela beleza. Declarei que Dirac – onde estiver – ficaria feliz, porque ele havia trabalhado muito para que a Física fosse bonita. Para vocês terem ideia do trabalho de estética, aquela equação, se você começa a folhear, as vísceras da equação são horrorosas, ela é uma equação que ocupa uma página inteira, na verdade ela não era uma equação, na verdade ali dentro tinha codificado dezesseis equações, ele consegue reescrever essa equação de dezesseis super equações reduzindo-a a cinco símbolos. Expliquei que era uma equação com símbolos gregos... A Ciência também pode trazer alegrias, pode trazer beleza, uma equação bonita é tão bonita quanto você ver o jardim de Monet. AMB: Pode ser uma das entradas para a Educação, para a Ciência... HN: Exato, exato... Sou muito sonhador nesse sentido, assim, pode haver uma relação afetiva semelhantes entre um quadro de Monet ou de Van Gogh com uma equação bonita... Espera-se da Ciência muita coisa, menos a felicidade. Com a Ciência vem sempre a compreensão de ser um jogo rígido, onde só o cientista é inteligente. Porém, quando começamos a exercitar essa horizontalidade, o jogo vira. É uma forma de quebrar tabu. AMB: Agora, considerando a “História da Ciência”, o que fizemos de errado nesse percurso? E o que está por vir? HN: Antes vale mais uma vez reiterar, esses grandes pensadores tinham sua própria Filosofia. Porém, vale sempre lembrar que são homens de seus próprios tempos e lugares. Por exemplo, Einstein tinha uma cabeça filosófica de quem estava no início do século XX, quando fez a teoria da relatividade geral de 1915, ele precisou enfrentar conflitos internos. A sua equação indicava como solução um universo que não seria estático, um universo que evolui, que se mexe, o que para Einstein deveria ser detestável, pois era um homem que achava que o universo tinha que ser estático. Ele adultera sua própria teoria, introduzindo elementos que fizessem com que o universo no final do dia fosse estático, ele interferiu fortemente. Einstein introduz o conceito de constante cosmológica, ele traz sua cosmogonia para o mundo da Ciência, tem seu teor esotérico quando ele cria a teoria da relatividade ... AMB: Mas essa influência dele rende o contrário, não acaba atrapalhando? HN: Não... porque a Física que ele estava construindo estava dando um resultado que não era compatível com o que ele mesmo acreditava (da perfeição do universo, da percepção de universo simétrico, eterno). Ele quis paralisar o universo, então é uma interferência, é o homem de seu próprio tempo que derrota o homem científico, vamos dizer... Bem, estou dizendo isso por quê? Para responder sobre a sua questão, sobre o que deixamos no meio do caminho... Num sentido oposto a Einstein que nos indicou o estudo cósmico,
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Dirac indicou estudarmos o ínfimo, o que poderia ser ínfimo no conhecimento da natureza? O que está dentro do átomo? O que está dentro do núcleo? O que está dentro do próton? E o que está dentro do que está dentro do próton? Então, ele quis chegar à estância mínima da natureza, à busca pela elementaridade mais radical. Todos os dois (Einstein e Dirac), um no extremo cosmológico e o outro no extremo sub-microscópico, construíram grandes teorias baseadas nos seus próprios “conhecimentos filosóficos”, eles tinham um conhecimento prévio que os levou a debater suas questões... Ou seja, são suas questões levadas até o fim... Não necessariamente é uma questão de certo ou errado. A Física que se tornou muito prática, para que está servindo? Não vamos ter uma Ciência básica exploratória? A Ciência já precisa considerar imediatamente a aplicação? Ou será que quando a gente fala de aplicação, na verdade estamos falando do Capital, da Ciência que vai gerar renda ou vai gerar poder? Temos feito sim uma Ciência hoje para o grande capital. Até existe uma Ciência que não atende ao grande capital, mas se a gente for olhar bem para percepção hegemônica do que seja útil, útil tem sido aquilo que gera capital. Nos anos 80, o professor Dirac falou que a Física estava atolada, porque precisamos de novas ideias, estamos precisando talvez de um princípio novo, uma descoberta. O que gerou a Mecânica Quântica, qual foi o princípio fundamental que gerou a Mecânica Quântica? A Mecânica Quântica, por exemplo, nasce do interesse de entender a relação entre a matéria e a luz...
Parte 5 A Ciência que “sabe que nada sabe...” AMB: Aqui no Doutorado nós vimos há pouco tempo a entrevista do Marcelo Gleiser com o Bial, laureado pelo prêmio Templeton, uma espécie de “prêmio Nobel de Espiritualidade”. Na entrevista ele tem uma ilustração interessante sobre o avanço da Ciência, em que a assemelha a uma ilha, em que o mar seria o desconhecido, dessa forma quanto mais cresce a ilha, mais aumenta suas fronteiras para o desconhecido... O que acha dessa visão? E mais, quando o Gleiser propõe que no tripé “Filosofia, Religião e Ciência” há uma relação de igualdade, no fundo não foi pôr a Ciência num lugar de reflexão e status que não possuía antes? Porque, assim, ele está colocando a Ciência numa relação de igualdade... HN: Bom... Uma curiosidade, eu conheço bastante o Marcelo, pois foi meu colega, até quando morava lá fora. Eu ainda não tinha terminado meu Doutorado em Trieste e ele foi uma vez lá vindo da Inglaterra buscar orientação com o
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professor Salam, mas o professor nessa época estava muito ocupado e não pode orientá-lo. Gleiser ficou em minha casa, passou três dias conosco, conversamos... Ainda não vi essa entrevista, já me falaram dela... De qualquer forma, concordo com essa ilustração da ilha. É isso mesmo, quanto mais a gente avança, à medida que você vai expandindo, à medida que vamos aprofundando na teoria, tendo novas visões de mundo, vamos também expandindo nossas fronteiras... A gente vai encontrando muitas coisas desconhecidas, entra aí inclusive a Metafísica. O que é na verdade a realidade? A realidade é apenas a superfície do que a gente conhece, do que a gente consegue arranhar de algo mais profundo. Algo profundo que gera essa própria realidade. Eu acho que isso é muito a Metafísica de Bergson, que é exatamente o virtual tomando conta do real, aquilo que percebemos como realidade é fruto de uma grande virtualidade que nós nem conseguimos perceber e nem nunca vamos perceber, porque é virtual e vai ser sempre virtual. Quando a gente olha para natureza, certamente aquilo que a gente não vê é o mais importante, aquilo que está por detrás, que são os bastidores. A virtualidade é o desconhecido, é sobre o que nunca vamos poder ter acesso. A própria teoria diz que os quarks não são detectáveis, mas eles existem, nós sabemos que eles existem de forma indireta...À medida que a Ciência vai avançando a gente vai penetrando cada vez mais no mundo da virtualidade, que é um mundo desconhecido, a gente sabe que ele existe, mas a gente não vai conseguir chegar até ele... Sobre ter o Marcelo Gleiser proposto que no tripé há uma relação de igualdade (entre Filosofia, Religião e Ciência), talvez sim, sou inclinado a pensar que uma pessoa do século XXI tende a dizer que somente a Ciência é racional, enquanto a Religião é bobagem ou mesmo Filosofia. Para mim, a mais fraca é a Ciência, pois a Filosofia é fundamental. Da mesma forma, que acho difícil não se acreditar em alguma coisa. Alguém pode até não acreditar em nada, pode não acreditar em Deus, mas tende a acreditar em algo, numa força suprema, pode acreditar no dinheiro... A Religião é intrínseca ao homem, em alguma coisa você acredita, não conheço uma pessoa que diz “eu não acredito em nada”, já vi pessoas acreditando em muitas coisas, mas não acreditar em nada... Para mim, a Religião é uma coisa que está dentro do homem, alguma convicção que ele tem, a Ciência que é o supérfluo, a Ciência que é o menos relevante. A Ciência é importante, mas sendo confrontado a pensar: “você acha qual elemento do tripé o mais importante aqui?” Com a Filosofia e a Religião você sempre chegará à Ciência, porque a Ciência é fruto da Filosofia e digo mais, essa Ciência que nós fazemos hoje em Física vem de pessoas como Einstein, Dirac, Bohr, Enrico Fermi, Salam, todas essas pessoas, uns eram mais filósofos e outros mais religiosos, acabaram fazendo Ciência, então eu acho que aqui a gente está dando à Ciência uma estatura que talvez ela nem mereça... Que meus colegas não me ouçam!
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Aluno 3: Mas, isso também pode ter relação justamente com a questão da projeção da realidade, o que seria a virtualidade, a maioria das religiões tem essa, tem esse círculo, o virtual que gera o real... Não é? HN: Sim... Você tem alguma coisa que nunca viu, que não pode ver, que não é detectável, mas você sempre está querendo ver. A gente está sempre buscando Religião, acho que ainda é assim no século XX. Isso não impede que façamos Ciência, na verdade, acho que é até o contrário... Sempre buscamos alguma coisa, a maior fome que o ser humano tem é pelo conhecimento. A construção da Ciência é apenas fruto disso! Não estou negando a Ciência, nunca direi que a terra é plana, nem que tomar vacina é bobagem, na verdade estou dizendo que a Ciência é muito importante, mas que a gente não negue outras buscas do ser humano.
Parte 6 A educação em ciências... AMB: Claro que o Gleiser mais ajuda em colocar os três pilares (Filosofia, Religião e Ciência) em condição de igualdade, e que isso mais nos ajuda do que atrapalha em termos políticos e em termos educacionais, mas o que quis foi realmente fazer essa provocação... Porque ao colocar os três em pé de igualdade, trouxe a Ciência para um patamar acima... A Filosofia e a Religião acompanham o ser humano há mais tempo... HN: São buscas do ser humano... E é importante a gente falar isso aqui, é importante porque todo mundo aqui é professor, todo mundo é formador de opinião, não podemos negar nossa influência... Eu, por exemplo, fui muito mais influenciado pelos meus professores do que pelo meu pai... Graças a Deus! AMB: E somos responsáveis por muita balbúrdia... HN: Muita balbúrdia! Ainda bem! Meu pai era imigrante e veio para o Brasil, uma pessoa simples que pouco estudou, ensinou ainda assim os seus princípios, o de ser honesto, sobre tudo aquilo que se aprende em casa, mas não foi ele quem modificou a minha vida. Ele me colocou no mundo, mas não me deu o mundo, quem me deu o mundo foram os meus professores. Fui muito mais influenciado por meus professores do que pelo meu pai, se dependesse dele não teria passado da ponte do Rio Bonito com Tanguá, eu teria ficado em Rio Bonito para sempre. A gente está em sala de aula, os alunos estão nos ouvindo, levam o que a gente fala para os pais, os pais podem ficar contra um professor, mas isso faz parte de nosso desafio.
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Nós, enquanto professores num pré-vestibular comunitário, quantas vezes recebemos pais, pastores que vieram comigo confrontar o que os filhos levaram para casa. Não podemos negar esse impacto na vida, quem de nós nunca foi impactado por um professor? Talvez a maioria de nós seja professor porque teve um bom professor. O professor é fundamental na vida de um jovem, de um aluno, na vida do jovem, confrontamos doutrinas.
Parte 7 Ciência, Religião e a pessoa humana Aluno 4: Professor, além da Ciência e Filosofia, o senhor pratica Religião? HN: Sim, não frequento nenhum templo, mas para mim a oração é importantíssima, você está me indagando pessoalmente, correto? Então, sendo honesto com você, para mim, rezar é muito importante, fazer a comunicação com alguém que está muito acima de mim, ou seja, acredito fortemente em Deus, inclusive muito por conta da Mecânica Quântica. A Mecânica Quântica me dá todos os princípios fundamentais para eu acreditar que existe um Deus onipresente e onisciente, o princípio da incerteza resolve isso para mim fácil. Eu até brincava com o meu pai um pouco, ele falava “isso vai te deixar descrente” e eu dizia “pai o senhor é religioso porque tem medo, eu estou me tornando religioso porque a Física está me oferecendo isso”. Poderia me tornar ateu, conheço muito físico ateu, pois é até mais fácil ir para o lado do ateísmo do que para o da Religião, mas eu não percebi na Mecânica Quântica algo que negue a existência de Deus. Claro que não consigo provar a existência de Deus pela Mecânica Quântica, mas vejo com a Religião que o ato de fé é também de humildade, pois olhar para natureza serve para reverenciar. A natureza é muito majestosa, um vírus pode derrubar um grande cientista, um micróbio, uma bactéria... Precisamos dar ao homem apenas o poder limitado que possui, o que a Ciência dá. Eu pratico sim Religião, prático bastante, minha mulher é muito religiosa, busca meditação. Nós não vamos para nenhuma Igreja, mas, eu gosto de ler a Bíblia, adoro ler o antigo testamento, sou fascinado por Abraão, acredito realmente em Moisés. Acredito nisso tudo e dessa forma faço Ciência. Sem Religião eu fico fora de mim, se eu não rezar, eu fico muito mal. AMB: Independentemente de Dirac ser ateu, ele acreditava na humanidade... HN: Exatamente, ele acreditava na capacidade do homem, ele acreditava fortemente na natureza. E a natureza pode ser a forma de Deus. Essa natureza também se apresenta assim para mim, porque, para mim, Deus é onipresente, Deus era o Big Bang, esteve nesse início, nesse elemento menor do que o trilionésimo do trilionésimo do trilionésimo de um cabecinha de alfinete...
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Esteve em tudo ali e hoje se espalhou, ou seja, essa consciência universal é disso tudo, não é especulação. Considero muito o budismo, considero muito bonito, considero esse sentido que Deus está em nós, porque de alguma forma é minha compreensão da Física também... Aluno 5: Acho válido falar da questão da onipresença relacionada ao princípio da incerteza... Já o vi falar numa entrevista sobre isso... Vemos com você que não é só uma questão de Religião, mas de como a Física trata disso... HN: Isso... Eu, por exemplo, acho que a Mecânica Quântica nos oferece uma grande lição de humildade, de humildade mesmo, porque ela nos diz o seguinte: é impossível, matematicamente provado, que o homem possa conhecer tudo sobre o universo. Poderíamos conhecer trilhões de coisas, mas uma ficaria faltando, pois é isso que caracteriza “o princípio da incerteza”. Porque não há como se conhecer duas coisas que são ditas complementares ao mesmo tempo. No mundo microscópico que rege o universo, se você tiver plena certeza da posição do elétron, você não saberá qual a velocidade dele e viceversa. Caso você consiga medir a velocidade do elétron, estará em qualquer lugar do universo. Caso meça a velocidade, perde a posição. Haverá sempre um conhecimento que vai ficar faltando. Vejo isso como uma lição de humildade que a Física nos oferece.
Parte 8 A ciência, a pseudociência, os avanços tecnológicos: como se dão nossas lutas? AMB: Vamos continuar, passar por outros pontos. Então... Lembrei de Cesar Lattes quando perguntado sobre qual seria a Ciência mais importante, e ele, mesmo sendo um físico, nos surpreende dizendo que é a História. Para mim, isso é muito importante, porque ele parece nos mostrar que a História já seria imprescindível quanto registro, porém que seria mais do que isso. A História poderia, por exemplo, responder sozinha aos “terraplanistas”, sem a contribuição até da Astronomia. Com a História poderíamos nos perguntar, por exemplo, como aconteceu o ataque a Pearl Habor? Para ser pelo Pacífico, somente sendo a Terra redonda, não? Enfim, se der, comente essa reflexão, mas deixe-me acrescentar logo outra... AMB: Considerando uma entrevista sua que assisti, em que você pontuou que o tempo de espera entre a Ciência e o desenvolvimento da Tecnologia estava cada vez menor, como você avalia essa relação entre a evolução científica e o avanço tecnológico?
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HN: Está certo, eu estava falando um tempo atrás sobre a questão da Ciência ser de base exploratória, mesmo considerando a Ciência experimental, em que você vai para o laboratório, neste caso também não se sabe o que será descoberto. Ou seja, seja de base teórica ou experimental, o momento da descoberta é diferente do momento da aplicação. O avanço tecnológico, seu resultado, pode demorar a ser aplicado ou não, não há como prever ou garantir. Por exemplo, voltando mais uma vez no tempo, o professor Salam dizia uma frase muito importante para a reflexão que estamos fazendo, vou só tentar trazer a ideia... Dizia ele que se aperfeiçoássemos continuamente a parafina e a vela, nunca chegaríamos à luz elétrica. Então, fazemos a Ciência básica para poder chegar à luz elétrica que não foi o aperfeiçoamento da vela. O professor Salam uma vez publicou uma reflexão sobre as equações de Maxwell e de como tardou para outros pesquisadores aproveitarem suas contribuições alcançadas em 1865, porque, por exemplo, só em 1888 Hertz comprovou Maxwell. Passaram-se quase 40 anos. Dirac previu a antimatéria em 1931, mas só recentemente foi usada no tratamento do câncer, ou seja, passaram 70, 80 anos entre a Ciência básica e o incremento tecnológico. Qual é o tempo de uma descoberta para uma nova tecnologia? Até posso considerar que esse tempo tem diminuído bastante, mas não podemos esquecer que nenhuma dessas tecnologias nasceu sem que antes existisse a Ciência! A Ciência não pode ser refém do utilitarismo. Ah, vamos acabar com a Filosofia nas escolas porque a Filosofia não leva à nada, vamos acabar com a Sociologia... Não é o que a gente está vendo hoje em dia? Um desmonte total. Então, qual é a Ciência que sobra? A Ciência que vai gerar capital? Quando eu falo capital, refiro-me aos que estão filiados a esse tipo de utilitarismo, que não estão preocupados com o bem-estar da humanidade, porque a morte dos pobres não incomoda, quanto mais gente morrer melhor, porque o interesse se restringe à obtenção do lucro. Qual foi a tecnologia que não foi Ciência inútil há um tempo? Todas as grandes descobertas, todas as grandes descobertas da Ciência que levaram posteriormente a uma tecnologia, ou a maior parte, quando elas nasceram não eram nada, eram Ciência básica exploratória, exploração pura e simples, só virou tecnologia. E só a Ciência básica nos permite não ficarmos presos a melhorar o que já existe, ela quem pode realmente trazer a inovação (conceito tão em moda). Vale o exemplo do professor Salam, sem uma Ciência que busca o novo, teríamos velas cada vez melhores, mas jamais uma vela que chegaria a ser uma lâmpada LED. Importante fazermos sempre essa explicação, trazermos esse posicionamento, porque às vezes até mesmo o nosso aluno pergunta: professor estou estudando isso para quê? Para que isso serve? Muitas vezes a Ciência vem simplesmente para dar significado para nossa inteligência, significado para nossa própria existência.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A tecnologia é importante, mas temos que vencer o discurso utilitarista que a mídia propaga, porque isso é terreno fértil para políticos oportunistas proferirem suas sandices: “Ah, vamos acabar com todas os projetos que não levam a nada”. “Isso é projeto inútil”. Na maior parte das vezes essa avaliação é preconceituosa. A Ciência tem que ser exploratória e deve considerar que muitas vezes descobridor não sabe aonde chegará. Caso perguntássemos ao Dirac se ele sabia para que que servia a antimatéria, provavelmente não saberia o que dizer, talvez dissesse que chegou a duvidar de sua própria teoria. O próprio Dirac demorou para acreditar que um pesquisador viu a antimatéria. AMB: Vamos nessa toada... Como seria assistir o aprisionamento a partir de outro ponto? Deixe-me explicar... Entendo plenamente que não deveríamos ficar aperfeiçoando a mesma materialidade (sofisticando a parafina, por exemplo), que deveríamos preferir fazer uma Ciência mais livre que pudesse construir a novidade (como a lâmpada de LED), mas como lidar com a pressão que vem das relações de força de uma sociedade? As guerras são baseadas nisso, por exemplo. Há grupos que mantém velhas tecnologias independentemente das questões de inovação, porque são grupos fortes e impõem isso hegemonicamente. O carro, por exemplo, está com a gente há mais de um século e sua base continua sendo um motor à explosão com um combustível de origem fóssil, ou seja, deveria estar obsoleto. O quanto a tal “utilidade” estará realmente no futuro, como se houvesse um imperativo categórico de uma Ciência que fosse verdadeira que revelará essa condição? Na verdade, a gente não está sempre operando dentro de amarras? HN: Entendo que teríamos sempre o lugar do significado... AMB: Deixe-me desenvolver um pouco mais esse questionamento... Permitame uma ilustração... Independentemente da possibilidade de que estaríamos realizando algo útil, que só revelaria e seria assim entendido (como útil) no futuro, será que não são as amarras prévias e da atualidade os maiores impeditivos para o que fazemos? Como podemos sair das caixinhas que estabelecem para nós ou mesmo das caixinhas que aceitamos? Aluno 5: Acho que posso complementar a essa ideia, num sentido próximo e dando algo mais concreto... Como lutar contra esse ideário massacrante que chega ao aluno, em que ele vê as disciplinas hierarquizadas, por exemplo? Como fazer algo diferente numa sociedade que diz ser a Matemática importante e que a Sociologia e a Filosofia são supérfluas? HN: Exatamente... Estava conversando com um rapaz que quer ingressar no CBPF, mas sua pegada é muito tecnológica e vem de uma Instituição pública que trabalha com cinema... Para tentar me agradar, começou a criticar os investimentos que são feitos em Cultura, dando a entender que o mais adequado seria investir nas exatas...Ele pensou mesmo que fosse me agradar com isso... Ele não foi nada, nada estratégico. Fui eu quem o alertou da necessidade de investir em Cultura, em cinema, em História. Aquilo foi muito inusitado,
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um rapaz dentro do Ministério da Cultura, defendendo investir mais em Matemática e menos nas humanidades... É um absurdo negar investimento em Cultura... Aluno 6: Infelizmente as pessoas que acabaram entrando no poder estão muito longe dessa visão, fico me sentindo um peixe fora d’água... Eu, como professor de Física, faço de tudo para fugir dessa visão tradicional da Física, mas como lidar com a pressão dos próprios alunos, do sistema de ensino? Como fugir do conteúdo e currículo impostos a nós, como desconsiderar a ementa? Como sair da doutrinação do Enem? HN: Então... Qualquer cidadão diz que as coisas mais importante são: Educação, Saúde... Mas esse mesmo cidadão coloca o professor lá embaixo, acha que a Educação é importante, mas não valoriza o professor... Conheci um rapaz agora que estava terminando um Mestrado lá em Volta Redonda, no IFRJ, no polo de Volta Redonda, Mestrado em Ensino de Física, mas teve que se formar em Engenharia para poder fazer Física... Porque precisou entregar ao pai a Graduação de Engenharia primeiro, para depois fazer o que queria, trabalhar com o Ensino de Física. De maneira geral, a Educação é vista como importantíssima, mas o professor não! Aluno 8: Eu queria complementar essa visão... Como convencer pessoas fora de nosso meio, da Educação, diante de tantos outros ataques advindos de outros lugares que promovem a pseudoeducação? HN: Nesses 24 anos que trabalho com pré-vestibular social, venho assim aprendendo, a cada ano a gente aprende mais um pouquinho... Eu tenho lá minhas inocências sociológicas... Meu filho é sociólogo e me ajuda a ver algumas coisas nesse sentido... Mas, como sou espontâneo, em alguns momentos acabo pegando um pouco pesado, mas julgo necessário... Muitas vezes desafio as pessoas que nos procuram a pensar: você está aqui nesse curso, para quê? E pergunto também: quantos de vocês querem ser professor? E quase ninguém quer ser professor. Vou problematizando com os alunos, acho que os faço pensar um pouco, assim sinto que eles param um pouquinho para pensar no papel do professor, porque a sociedade nega o papel do professor... AMB: Esse é o país do bacharelismo... A ideia de que o bacharel que obtém a licença para dar aula é o mais qualificado, infelizmente ainda persiste muito... Enquanto é mais escassa a ideia de que ser professor exige qualificação específica ou a compreensão de que é um ofício que requer outras reflexões, pesquisas e caminhos metodológicos a serem somados ao conteúdo... Enfim... AMB: Deixem-me fazer menção a algumas questões que foram enviadas previamente, em respeito aos alunos... Ainda que reconheçamos que será difícil responder no tempo que possuímos... Há uma aqui sobre o Stephen Hawking, expondo seu medo pelo desenvolvimento da inteligência artificial... Há uma aqui sobre como deve seguir o jovem pesquisador... Outra que pergunta qual
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | seria a melhor convergência entre as Humanidades, as Ciência duras e as Artes? Até chegarmos a uma mais pessoal... Você tem conseguido fazer uma Ciência despojada e ao mesmo tempo engajada? Quais são os seus segredos? Verdade, algo é impressionante em sua trajetória, Helayël, como você consegue se fazer presente em tantos lugares? (Por falar em onipresença, hein?) HN: A onipresença, você quer que eu diga um exemplo de uma pessoa, de um ser humano onipresente é o presidente da SBPC... Quando ligo para ele pergunto: em qual galáxia você está hoje? Ele é capaz de estar em qualquer lugar ao mesmo tempo, não chego a esse ponto não... Acho que a Ciência despojada é aquela Ciência que pode te levar lá na fronteira, mas a qualquer momento você é capaz de voltar para se comunicar. E para ser especial, a Ciência tem que ser despojada dos ritos que muitas vezes se impõem. Ciência é para compartilhar! Mesmo que você saiba um pouco sobre um tempo, mesmo que seja avançada demais, como a “teoria das cordas”, é importante exercitar a comunicação. De alguma forma, precisamos dizer, mesmo o mais complexo, para um garoto do Ensino Fundamental, para um menino do Ensino Médio, para a mãe dele, para a pessoa que trabalha na sua casa, para sua diarista... Acho que a Ciência tem que ser isso, tem que ser despojada de ritos. Ela tem que ser autêntica, eu acredito muito numa Ciência franciscana. Acho que São Francisco de Assis foi uma pessoa muito interessante, porque foi de muita simplicidade, nesse caminho atingiu a profundidade da simplicidade, adquiriu o olhar simples para as coisas. A Ciência tem que ser franciscana, você tem que procurar sempre estar falando com o mais humilde dos humildes. Além disso, precisamos ter compreensão da construção coletiva que realizamos... Eu vejo as faxineiras que trabalham lá no CBPF e que moram lá na Posse, Nova Iguaçu. Para chegar lá no CBPF acordam às cinco horas da manhã, às vezes essa mesma pessoa chega de volta a casa às oito horas da noite, sobrando pouco tempo de colocar alguma coisinha no lugar, preparar uma comidinha, pois no dia seguinte precisa novamente acordar muito cedo para chegar ao CBPF. Dessa forma, eu e os demais podemos encontrar o corredor limpo, o banheiro limpo, essas pessoas para mim são sagradas; se a minha Ciência não chegar a essa pessoa de uma forma ou de outra, para que serve? Esse se torna o desafio, como fazer a Ciência chegar a essa pessoa? Ela tem que se aproximar de algo, ela está limpando a sua sala e vê uma fórmula complicada no quadro... Se a gente não ajudar essas pessoas a pensarem, isso será uma grande derrota. Essa preocupação, eu tenho muito... AMB: Vamos aproveitar esse fechamento de pensar uma Ciência despojada e ao mesmo tempo engajada... Sobre os dilemas atuais que estamos enfrentando, sobre o que seria a pseudociência, sobre itens insanos como avanço dos terraplanistas, como os apologistas da antivacina... Vamos com uma questão simples: por que isso está acontecendo? Claro que há fatores externos fortíssimos para o avanço desse obscurantismo, há quem os
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deseja, inclusive, mas qual nossa mea-culpa nisso tudo? E como tem sido lidar com isso no pré-vestibular social? HN : Então, é uma preocupação de todos nós, de todo mundo que está aqui... A questão da pseudociência, da anti-ciência, que, francamente falando, tenho que reiterar o que venho dizendo desde o começo: estão nos tirando a capacidade de pensar! Entendo que algumas coisas estão sendo apresentadas de forma enganosa. Claro que a Ciência não é a busca daquela verdade absoluta, porque não existe uma verdade absoluta em Ciência. Mas isso é completamente diferente de se dar crédito para quem faz pseudociência. Por exemplo, na minha área da Física, tem pessoas que são partidárias da “Teoria de Cordas”, que seria uma teoria fundamental que vai nos colocar diante da evolução do universo, porém tem grupo de físicos, igualmente renomados, igualmente conceituados, que são contra a Teoria das Cordas” porque buscam uma teoria alternativa que possa descrever as mesmas características do universo que a Teoria de Cordas descreve. A Ciência é uma forma da gente perceber a natureza, então não existe uma forma absoluta de perceber a natureza, a fórmula não é única, como acontece com a Arte. Um artista pode perceber uma árvore frutífera de uma forma, digamos, mais impressionista, outro, de forma cubista, pois possuem olhares distintos. É possível olhar a evolução do universo do ponto de vista da Teoria de Cordas, pela Teoria da Gravitação em Laços, mas elas prosseguem (ao menos por um bom tempo) sem se caracterizarem como pseudociências. É possível haver divergência em Ciência, mas a pseudociência se constitui no que é leviano, no que é deturpado. Com a Filosofia vamos buscar uma verdade que a gente é capaz de defender, o que não tem a ver com imposição. A anti-ciência que se criou e que é fenômeno mundial, caminha por outro lugar, vem para negar a Ciência. A pseudociência é realizada por pessoas menos críticas, pessoas muito mais passionais, talvez seja uma forma de negar a crítica à própria sociedade. Ou seja, algo que interessa a parte do sistema. Venho me perguntando, a pseudociência tem o mesmo espaço na Coreia do Norte que tem no Brasil? Vamos por exemplos nos mais emblemáticos, pegar o exemplo da Coreia do Norte, vamos pegar Cuba... Como está a anti-ciência em Cuba? Como está a anti-ciência na Rússia? Vamos pegar esses países que são considerados, digamos assim, “países inimigos”, como está a anti-ciência por lá? Pensando de uma forma meio conspiratória, será que nossa Ciência não é uma forma atualizada de controlar a sociedade, nos oferecendo menos criticidade, nos colocando ainda mais como refém de um sistema político? Eu sempre me pergunto isso, e já perguntei várias vezes para meus colegas cubanos, “tem espaço para a anti-ciência em Cuba?” Eles me disseram que praticamente não há espaço. Mas, por que ela está ganhando tanto espaço no Brasil? Ganhando espaço até em países ocidentais desenvolvidos? Agora, tem espaço para a
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anti-ciência na China? Tenho muitos colegas na China, fiz doutorado com alguns e me relaciono ainda por e-mail.... São categóricos! Não tem esse movimento anti-ciência na China! Temos visto no Brasil e em alguns países da Europa, mas isso não vem junto com a onda ultradireitista? Não tem como entrarmos aqui para dizer quem vem primeiro, a onda ultradireita conservadora ou a anticiência, mas dá para dizer que há uma ligação forte entre as duas. AMB : Pois é... Acho que há uma confusão que está sendo estimulada, com verniz de que é democrática, mas é falaciosa... Não podemos confundir o legítimo e saudável debate científico com o falso debate entre a Ciência e a pseudo ou anti-Ciência... Ciência disputa construções de verdades, mas pode enxergar o que é nitidamente mentira. Na minha área, por exemplo, há os que defendem o “aquecimento global” (que migraram para “mudanças climáticas”) debatendo com os cientistas que negam (os negacionistas); há os que dizem ser tais fenômenos não-antrópicos contra os que afirmam ser antrópicos (a partir do ser humano), há os que afirmam haver ciclos meteorológicos de longa data e outros que afirmam que enfrentamos ciclos adiantados pela ação humana... Ou seja, há disputas saudáveis, como a que você apresentou sobre a “Teoria das cordas”, mas, no fundo, as pessoas podem estar enxergando apenas disputas de interpretação de mundo... Não é esse aí o espaço de disputa que temos e que paira sobre as cabeças de nossos alunos? Não é esse aí o espaço que abrimos para legitimar essa insana discussão com os toscos anticientistas? Como ajudar as pessoas a distinguirem um legítimo debate científico de um falso debate instalado só para confundir a plateia? HN: São todas disputas de princípios... A Filosofia sempre nos ofereceu esse debate, o debate da epistemologia, as discussões sobre a teoria do conhecimento... O que é a teoria? O que nos leva a uma teoria? Quais são as correntes que nos levam a uma teoria e não para outra? Que dizer da Filosofia da Ciência, da epistemologia? Viu como precisamos voltar ao debate filosófico até mesmo para voltarmos a compreender e problematizar o próprio debate. Quando tudo isso é deixado de lado ficamos puramente tecnicista. Um lugar de pouca ou nenhuma serventia. Claro que a Ciência é um debate de “verdades”, você vai a uma conferência internacional em qualquer área e as pessoas estão debatendo, depois de uma fala, vem outra diferente, talvez oposta ou mesmo antagônica. Há uma disputa, há a mediação, há o contraditório, há o debate, isso não é a imposição de uma verdade. Contraditoriamente, a pseudociência impõe a verdade! Há quem não acredite que o homem foi a Lua, não acredita no efeito da vacina, nega a própria forma da terra, mas por que essa mesma pessoa usa o GPS se acredita que a terra é plana? Precisamos mostrar essas contradições, mostrar que essas pessoas estão erradas, que no fundo há mecanismo aí de manipulação.
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Em muitos momentos me vejo acreditando em teorias da conspiração, porque não é possível aguentar tanto retrocesso. Parece haver um movimento mundial que torna as pessoas mais ignorantes. Como podem falar que é contra a vacina? Imagina um país da África que opte em abdicar a vacina, vai dizimar milhares de pessoas, nem será preciso fazer guerra. Não parece conspiração? Qual seria o outro interesse, por exemplo, de você tentar convencer as pessoas de que a terra é plana quando você tem toda uma tecnologia, o GPS, por exemplo, a previsão do tempo, a utilização do fuso-horário na aviação, o próprio movimento do dia e da noite? Como pode conseguir eco essa sandice dos terraplanistas? Para mim, são imbecis! Acreditem, conheci um doutorando em Física que é terraplanista. Juro! Caso queiram posso dar o nome dele... Estaria até fazendo propaganda para ele. Bem, ele é discípulo assíduo do Olavo de Carvalho, deve se sentar na primeira fileira, o que explica um pouco essa loucura. Conheci outro professor também... Na verdade, essas pessoas criam os seus discípulos, criam uma teoria toda complicada para edificar o terraplanismo, tudo me parece muito mal-intencionado. Vejo uma movimentação subliminar para reger as pessoas. AMB: Não há aí uma canalhice, porque sabem de suas mentiras... No fundo, o que está por detrás não é um projeto de poder que se estabelece pela alienação? AMB: Eu vou sair um pouco desse tema... Vou trazer algo que tem a ver um pouco com nosso grupo de pesquisa, sobre Educação Ambiental, tudo bem? Aluno 9: Professor, antes de você mudar de assunto, permita-me ficar mais um pouco sobre o que é Ciência ou pseudociência, mas por outro caminho? Vi há pouco tempo um pesquisador bem-conceituado dizendo que a Ciência chinesa era uma pseudociência... O que é Ciência e o que não é Ciência? Outros tipos de Ciência seriam tipos de pseudociência? Há uma Ciência oriental ou não há Ciência no Oriente? HN: Nós temos que ver com que olhos estamos vendo a Ciência, nós temos uma Ciência muito baseada numa ótica Ocidental, negar a Ciência Oriental, por exemplo, é um equívoco. Eu tive contato com muitos chineses e indianos, uma coisa que me tocou muito foi a maneira com que pensavam a Física, prestava muita atenção nisso. É impressionante como a cultura influencia a maneira de pensar, eu tinha colegas de países europeus, do Leste Europeu, colegas da Polônia, da Romênia, colegas da China, da Índia. Os chineses escrevem muito “diagramaticamente”, o pensamento deles em Física era diferenciado. A nossa forma de pensar ocidental é diferente, por isso eu não negaria aquilo que é diferente do método científico, diferente da visão de Galileu, diferente de Newton. Não deixa de ser Ciência por ser diferente. Essa forma diferente de ver que possibilita novos caminhos à própria Ciência.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A verdade absolutizada é que pode engessar. [Paradoxalmente] Entendo que a pseudociência se expressa nos mesmos que parecem ter encontrado a “verdade absoluta”, legitimada ou não pela Matemática. No momento que reduz a Ciência a uma forma única de pensar, é que se constrói também a pseudociência. AMB: Essa percepção de que tanto a Filosofia quanto a Cultura influenciam no fazer da Ciência é muito importante... Eu tive um professor que dizia que talvez nossa dificuldade de fazer Filosofia fosse por conta da necessidade de tradução... “República” em latim é exatamente isso “res pública”, a coisa pública. “Polis” é a cidade e pronto para o grego. Ou seja, não estão abstraindo o tempo todo, estão refletindo também a partir de coisas que lhes são concretas. Estão falando de praça, de cidade, de encontro das pessoas, quer dizer, estão pensando e esquematizando a partir de sua própria cultura, de sua própria materialidade. Assim, vamos às questões... Como é o fazer Ciência? Como é fazer Ciência a partir da visão do brasileiro? Nesses espaços tão cosmopolitas que você participou, com tantos colegas de tantas nacionalidades, como era sua contribuição de brasileiro? HN: Verdade, eu sentia que havia também minha maneira de realizar a Física... Observando os colegas dos países da cortina de ferro, Polônia, Hungria, reconhecia neles uma formação matemática muito sólida, assim como uma formação muito abstrata, que a pegada deles na Ciência era pela Matemática. Eles observavam tudo o que eles queriam observar pela Matemática; os chineses que trabalhavam pelos diagramas, consideravam muito as formas geométricas; os indianos faziam uso de muita numerologia, faziam verdadeiras poesias com os números. Enquanto eu, quanto brasileiro... Bem, eu percebo que a pegada do brasileiro é mais literária, que consideramos muito a “palavra”. O brasileiro tem uma tendência a fazer poesia, a mexer com a palavra... Essa, ao menos, era a minha pegada, assim se constitui a base dos meus conceitos. Eu me sentia o mais conceitual entre os meus colegas. Nossa cultura no Brasil traz muito disso, tem uma poesia muito rica, um cancioneiro muito rico, a gente desde criança está sempre ouvindo música, música popular brasileira, encontra poesia na escola, recita muito... É isso, nossa Física está assentada na palavra! AMB: Ou seja, a poesia ajuda na Física... E nossa forma de fazer Ciência é mais poética... HN: É por aí mesmo... O próprio Marcelo Gleiser ministrava uma disciplina intitulada “Física para poetas”. Entendo que é por aí mesmo, que essa é a nossa forma de fazer Ciência, com essa cultura brasileira que leva poesia, música... AMB: Ótimo momento para terminarmos a nossa “Parte I”, para depois voltarmos, sempre nessa possibilidade de “crer que é possível realizar uma Ciência mais filosófica, bonita, engajada, conceitual, enfim uma Ciência poética!”
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Por meu povo em luta, vivo Com meu povo em marcha, vou Tenho fé de guerrilheiro e amor de revolução. Dom Pedro Casaldáliga
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SOBRE A FORMA COMO OS ANIMAIS NÃO HUMANOS SÃO CONCEBIDOS NOS DISCURSOS E NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS ou PROFESSORA, POSSO PEGAR UM SAPO NO VALÃO PRA TRAZER PARA O LABORATÓRIO DE CIÊNCIAS?
Túlio Vieira dos Santos Elizabete Cristina Ribeiro Silva Jardim
Primeiro dia de aula... Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, Mas a poesia (inexplicável) da vida7.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) nos conduz no difícil caminho para a exposição do que temos pensado, conversado e discutido desde que nos encontramos em 2015. O poeta foi expulso da escola por insubordinação mental e isso nos irmana. Nunca me esquecerei desse acontecimento/Na vida de minhas retinas tão fatigadas/Nunca me esquecerei que no meio do caminho/ Tinha uma pedra8. Esse é um trecho de uma das poesias mais famosas de Drummond e que lançamos mão ao entender que, na estrada que nos propomos percorrer, haverá pedras com as quais intentamos edificar incertezas. 7 Lembrete. Carlos Drummond de Andrade. Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989. 8 No meio do caminho. Carlos Drummond de Andrade. In: Alguma poesia (1930).
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O texto simbólico do poeta e cronista mineiro Da utilidade dos animais9 descreve uma aula, ironizando a abordagem antropocêntrica e utilitarista da professora ao apresentar os animais não humanos para sua turma. Ao final da aula o aluno conclui: Entendi, a gente deve amar, respeitar, pelar e comer os animais, e aproveitar bem o pelo, o couro e os ossos. Se ainda não conhece esse texto, sugerimos que pause a leitura e se debruce nesse escrito do Drummond para melhor compreensão do que aqui propomos. Desde que foi publicado em 1975, tanto no campo do Ensino de Ciências como no da Educação Ambiental, muitos trabalhos acadêmicos foram produzidos, categorizações como animais úteis e nocivos foram abolidas, conceitos e práticas educativas foram reformulados. No entanto, estudantes continuam perguntando aos professores de Ciências se podem capturar bichos encontrados no quintal para colocar num vidro e trazer para a aula ou laboratório. Professores e/ou pretensos educadores ambientais entusiasmados levam seus alunos a zoológicos, bioparques e aquários afirmando que os animais são bem tratados e reconhecendo tais espaços como locus de ensino e aprendizagem. A nossa mente insubordinada nos faz acreditar na existência de uma pedra no meio do caminho obstaculizando ao mundo vasto mundo10 dos humanos o aprender e o ensinar sobre as relações com os demais animais. Assim, faz-se aqui um convite para que nos juntemos ao poeta e exercitemos a nossa insubordinação mental, ainda que seja para sofrer as agruras de, como ele, ser gauche na vida11. Considerando a condição de hibridismo linguístico, do inacabamento e da presença de interpretações pessoais, nossa escrita se aproxima do ensaio. Embora seja um gênero textual de difícil definição, resguardados o rigor e a responsabilidade com o escrito, acolhe a liberdade e novas possibilidades de expressão (PAVIANI, 2009). Assim, dado o desconforto de enquadrar a forma insubordinada que pretendemos encaminhar a presente discussão aos parâmetros do modelo acadêmico, optamos pelo ensaio: [...] não há revolta intelectual que não seja também, de alguma forma, uma revolta lingüística, uma revolta no modo de nos 9 Da utilidade dos animais. Carlos Drummond de Andrade. In: Para gostar de ler. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1979. v. 4, p. 17-20. 10 Poema de sete faces. Carlos Drummond de Andrade. In: Alguma Poesia. Edições Pindorama. Belo Horizonte, 1930©Graña Drummond. 11 Poema de sete faces. Carlos Drummond de Andrade. In: Alguma Poesia. Edições Pindorama. Belo Horizonte, 1930©Graña Drummond.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | relacionarmos com a linguagem e com o que ela nomeia. Ou seja, que não há modo de ‘pensar de outro modo’ que não seja, também, ‘ler de outro modo’ e ‘escrever de outro modo’ (LARROSA, 2003, p. 102).
O capítulo é feito a dois e busca inserir o conversado, os suspiros, o angustiado, a insegurança no falar, os medos de magoar nossos iguais, de sermos arrogantes, os sei lá e os é isso! Expressões de sentidos que não caberiam num artigo científico. Seremos os dois escrevendo, ora em uníssono, ora mais Bete, ora mais Túlio, ora só Túlio, ora só Bete. O objetivo é desestabilizar, provocar a reflexão e possivelmente contribuir para o arrojamento de conceitos e procedimentos pedagógicos, sobre o que nós, professores e professoras, temos aprendido e, consequentemente, ensinado às crianças e adolescentes a respeito da relação do ser humano com as demais formas de vida do planeta. Organizamos este ensaio da seguinte maneira: Inicialmente apresentamos um pouco de nossa história e introduzimos a problemática a ser discutida. Na segunda seção, expomos conceitos importantes para adentrar o universo incongruente da utilidade dos animais. Posteriormente, fomentamos o debate sobre as formas como os animais não humanos são concebidos nas práticas do Ensino de Ciências e Biologia e na Educação Ambiental. Por fim, enunciamos considerações sem a pretensão de fechar ou delimitar modos de atuação. Convidamos leitores e leitoras a se inquietar, despir a carcaça humanoide e (re)pensar a ação docente relacionada aos animais não humanos.
Um encontro no ensino de biologia: a professora é um amor Ambos fizemos o curso de Formação de Professores no Ensino Médio. Fomos estudantes da mesma universidade e do mesmo curso de graduação/ licenciatura em Biologia. Isso com um intervalo de tempo de 30 anos. Em 2015, numa sala de aula, naquela mesma universidade, eu como professora da disciplina Ensino de Biologia e ele como estudante, numa discussão sobre animais nas práticas educativas descobrimos inquietações comuns. Logo depois, ensaiei escrever um e-mail para a Bete dizendo o quanto queria tê-la como orientadora do meu Trabalho de Conclusão de Curso. Mas tinha medo. É um assunto delicado, sensível, não são todos que gostam de ter suas 46
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práticas postas em xeque. Bom, antes de continuar a contar o acontecimento de nosso encontro, gostaria de me apresentar: Estou Túlio Vieira, mestrando em Educação e professor do ensino fundamental - anos finais numa escola de rede privada. Durante a graduação, inspirado por grandes companheiras (Lauren Baqueiro e Lorena Neves12), servi-me da objeção de consciência para questionar práticas de ensino que utilizavam animais não humanos e fomentar o desenvolvimento de métodos substitutivos. Foram cinco anos de suor, incertezas, disputa, conquistas, perdas até a conclusão do curso. Esse movimento em prol dos animais não humanos perdura até os dias de hoje na universidade. Volto uns anos, ainda criança, e me refresco nas lembranças de brincar nas roças do interior da Bahia. Os animais eram a minha melhor companhia. Eu brincava com vacas, cavalos, galinhas, porcos, muitos pássaros. Carrego isso em mim. Um sentimento de afago. De companheirismo. Chego à universidade e me deparo com discursos como o biólogo mata, fazemos isso com um em prol de toda espécie, se não quer usar animal não deveria fazer esse curso, vá para a Botânica, assim não se incomoda entre tantos outros. Me soa estranho. Mas há um caso especial, que me fez ter certeza de que não era esse o tipo de professo/biólogo que gostaria de ser/defender. No desenvolvimento de estudos imunológicos, presenciei a morte induzida de um camundongo. Deslocamento cervical, retira-se macrófagos, executa a pesquisa, descarta o corpo. É desconfortável ler sobre essas coisas, mas não é porque é desconfortante que deixa de acontecer. Nesse momento, eu defini o que pretendo ao ocupar o espaço da academia: dialogar com/pelos não humanos. Superei a insegurança e escrevi o e-mail, mãos trêmulas, frio na barriga, meu deus! Precisava de alguém do campo da Educação para me ajudar a tecer apontamentos para novas perspectivas em relação aos animais no ensino de Ciências e Biologia. E foi ela. Ela aceitou comprar essa “briga das boas” e de lá pra cá temos sonhado e saltado muitas pedras em nosso caminho. Juntos. Abro espaço para que conheçam um pouco sobre essa pessoa/professora tão importante para mim como para tantos outros alunos. Tenho muitas incertezas na e sobre a vida e isso não me incomoda. Não mais! Mas, por alguma razão, tenho confiança e certeza ao dizer que sou sim, 12 A Objeção de Consciência se baseia nos direitos à liberdade de consciência (art. 5ºVI da CF/88) e convicção filosófica (art. 5º-VIII da CF/88), à vedação de tratamento discriminatório (art. 3º-IV da CF/88), ao pluralismo político (art.1º-V da CF/88) e, principalmente, ao pluralismo de ideias e concepções pedagógicas no ensino (art. 206-III da CF/88), segundo Instituto 1R (http://instituto1r.org/).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | sou professora! Não sei se é modesto ou muito pretensioso, mas é o que me tornei e continuo me constituindo: Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática. (Freire, 1991, p. 58).
Não faço distinção entre ser professor e ser educador. Estranho quem declara ser somente professor, como se fosse possível isolar a função técnica daquilo que se é. Todos (ou quase todos) carregamos marcas de professores em nossa formação, para o bem ou para o mal, muito ou pouco. O professor educa. Foram mais de trinta anos entrando e saindo de tantas e diversas salas de aula, séries e níveis, da alfabetização ao superior, pública e privada, diferentes idades, presencial e a distância, manhã, tarde e noite... Comecei minha escolarização em 1971 lá na roça, onde aprendi a distinguir animais úteis de nocivos, domésticos dos selvagens. Continuei na escola da cidade e foi quando descobri a opção pela biologia. Seres vivos! Sonhava com museus, zoológico, os animais dos livros e filmes da TV: elefantes, girafas, zebras, leões, cangurus… Já conhecia muitos, mas não eram tão importantes: porco, boi, cabrito, preá, gambá, gavião, cobra coral, jararaca, marimbondo, formiga... Nem estavam nos livros! Ingressei na Biologia em 1983. Foi uma imensa alegria! Idealizara excursões, florestas, zoológico, prancheta na mão, observações… Mas o desconforto não tardou a acontecer. Aula de Entomologia: sala de aula, vidros, formol, coleção individual com espécimes das respectivas ordens. Vivo, fessora? Técnicas para coletar e matar, onde introduzir o alfinete… Todos os semestres, todos os estudantes de Biologia, e também, os da Agronomia, os da Engenharia Florestal, os de Ciências Agrícolas! Aula de Zoologia: livro, sala de aula, laboratório, animais em vidros, empalhados, técnicas de coleta e de morte, formol, álcool e montagem de coleção de celenterados (individual!). Cinco futuras biólogas/professoras, fim de semana na praia, cada uma montaria sua coleção. Durante a coleta avaliamos o impacto ambiental e, insubordinadamente orgulhosas de nós mesmas, optamos por uma coleção coletiva com dois a três espécimes de cada classe. Exultantes, com um sorriso que envolvia toda a fauna, chegamos ao professor com a exposição de motivos e dispostas a comprovar a ação conjunta. Como resposta: Incredulidade e indignação! Sabiamente, Freire afirmava que quem ensina aprende ao ensinar e 48
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quem aprende ensina ao aprender (FREIRE,1996, p. 23). Pode-se objetar como e o quê se pretende ensinar e o quanto se está disposto a aprender. Em 1984 passei conciliar a graduação com a atuação nas séries iniciais. Me interessavam discussões sobre meio ambiente, ecologia a, ainda incipiente, educação ambiental. Ensaiava minhas primeiras atividades com objetivos afins: hortas, pequenos viveiros, terrários. Já não classificava animais em úteis e nocivos… Mas, ainda desejava levar os alunos ao zoológico. O que só realizei em 1988, já como professora de Ciências. Foi uma experiência decepcionante! Horas, dias, meses, anos e, assim como a professora de Drummond, ensinava sobre os animais: é preciso querer bem a eles… Eles têm direito à vida, como nós…, ... não maltratá-los de jeito nenhum13. No entanto, algumas perguntas e atitudes desconcertantes dos alunos alertavam que no meio caminho tinha uma pedra: Professora, posso pegar um sapo lá do valão pra trazer para o laboratório de Ciências? Pra que serve o rato? Um bicho adentra a sala: Mata, mata! Tenho pavor! Que nojo! Como fui passando a perceber pedras que não percebia? Não identifico algo determinante. Localizo ocorrências que, nem sempre suntuosas, trouxeram algum elemento potencializador. A crônica do Drummond, que aqui nos permeia, me fez entender tanta coisa! Outro texto perturbador que remodelou minhas abordagens em aulas possui cinco parágrafos e está num livrinho paradidático14. Faz provocações sobre o olhar antropocêntrico, inclusive em relação a ratos, baratas e micróbios patogênicos. O texto conclui: Mas, na natureza, eles são apenas seres vivos, nem melhores nem piores do que quaisquer outros. Parece banal... Foram várias as insubordinações mentais nas ações didáticas consonantes aos dois textos e outros que os sucederam. Um vídeo sobre o combate a dengue com o voo do Aedes aegypti, no qual aproveitei para exaltar a beleza e o empenho da fêmea em busca de sangue para nutrir seus filhotes contrapondo às imagens 13 Da utilidade dos animais. Carlos Drummond de Andrade. In: Para gostar de ler. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1979. v. 4, p. 17-20. 14 MARTINS, Rosicler. A extinção de uma espécie. In: Vida e Saúde - COLEÇÃO DESAFIOS Editora Moderna Ltda, São Paulo, 1993. 7ª edição, p. 21.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | de ódio ao mosquito das campanhas. Debate sobre anúncios de filmes como Aracnofobia, no qual se lia: você odeia aranhas, pois saiba que ela também odeia você! Entre outras. Instigante a reação defensiva, quase agressiva, dos estudantes: Aaaah, professora, agora a senhora vai querer que a gente não mate mais barata, que dê comidinha pra ela? ...que a gente não mate mosquito? ... que a gente não tome remédios para matar os micróbios das doenças? Como é difícil lidar com nossas certezas abaladas! No diálogo, na escuta atenta, no respeito aos medos e opiniões, no pensar junto, aprendemos todos. Ao longo dos anos reformulei muito minha prática, mas hoje entendo que não conseguia ir além de eles têm direito à vida, como nós: desmistificando alguns preconceitos, temores, problematizando o direito à vida (para todas as formas de vida!), aprisionamento de pássaros e outros animais. Persistia abstruso: e além disso são muito úteis. Trinta anos lecionando e concomitantemente: especialização, mestrado, doutorado. Aposentadoria na educação básica! Em 2015, professora de Ensino de Ciências naquela mesma universidade, mesma sala de aula, com futuros professores. Compartilho lembranças da estudante que fui, dos embates, das alegrias, das frustrações com procedimentos em disciplinas e dos aprendizados na atuação docente. Eles contam coisas, me atualizam. Ainda cobram a coleção entomológica. Eu, hem? Túlio, ao passar pelos mesmos incômodos e conflitos como estudante, transpôs a condição de desconforto e trilhou caminhos concretos para a transformação daquela realidade por meio da objeção de consciência. Deslumbramento, euforia e, vou confessar, um quê de sentimento de incompetência. Tudo aquilo cabia tão dentro de mim. Que perguntar carece. Como não fui eu que fiz?15 Assim, Tulio conciliou alguns fragmentos de minha vida estudantil e da minha prática docente, trazendo um arcabouço teórico para a criticidade e a chance de me redimir, de participar de um movimento transformador do instituído! Vislumbrava nas discussões sobre objeção de consciência um corpo de conhecimentos que ELES TÊM DIREITO À VIDA, deveria permear toda a formação do futuro professor COMO NÓS, E ALÉM DISSO de Ciências e Biologia. Ora, todas as pessoas têm SÃO MUITO ÚTEIS aulas de Ciências na Educação Básica! 15 Certas Canções - música (Tunai / Milton Nascimento)
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O ANTROPOCENTRISMO: Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Terceiro dia de aula. A professora é um amor. Na sala, estampas coloridas mostram animais de todos os feitios. É preciso querer bem a eles, diz a professora, com um sorriso que envolve toda a fauna, protegendo-a. Eles têm direito à vida, como nós, e além disso são muito úteis. Quem não sabe que o cachorro é o maior amigo da gente? Cachorro faz muita falta. Mas não é só ele não. A galinha, o peixe, a vaca…Todos ajudam16.
É importante salientar algumas das muitas dimensões que constroem historicamente a relação entre animais humanos e não humanos nesse caminho pedregoso. Uma delas se refere ao antropocentrismo. Nessa passagem escrita por Drummond, percebemos o quanto a existência humana está centrada nas relações que estabelecemos com o mundo. A professora que é um amor, um sorriso humano que envolve toda a fauna, que a protege, o direito à vida de outros animais por nós os possuirmos, a falta que podem nos fazer caso não nos ajudem. Aproximamo-nos da definição de Levai (2006, p. 172) a respeito do antropocentrismo, como sendo um sistema filosófico ocidental que aloca a humanidade no centro do universo, de forma a atribuir-lhe, em nome da supremacia da razão, um presumido domínio sobre a natureza, relacionando-se à ideia religiosa da essência divina do ser humano. Essa noção pode abrir espaço para uma permissividade que daria ao humano a possibilidade de exploração do ambiente, sem qualquer reflexão crítica ou senso moral e ético sobre a questão. Você é um animal! Tá, professora! Somos animais, mas somos racionais! É comum, numa relação de confronto, que animal deixe de ser usado como substantivo e passe a ser um adjetivo desqualificante, ofensivo. Já nas situações de argumentação científica, como em uma aula, nota-se a urgência em adjetivar com a distinção de racional. 16 Da utilidade dos animais. Carlos Drummond de Andrade. In: Para gostar de ler. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1979. v. 4, p. 17-20.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Essas e tantas outras falácias admitem atravessamentos da lógica antropocêntrica de inserção humana na natureza. Historicamente, rompemos vigorosamente com o cordão umbilical de uma natureza que nutria e era nutrida, e construímos um cordão outro que mais tem a ver com sufocamento e limitação da existência de outras formas de vida. Não temos o intuito de categorizar as ações humanas em boas/más, mas de chamar a atenção para pensarmos nossa interação com o que pretendemos natureza.
O ESPECISMO: meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam Do couro da girafa Luís Gabriel pode tirar um escudo de verdade, deixando os pêlos da cauda para Tereza fazer um bracelete genial. A tartaruga-marinha, meu Deus, é de uma utilidade que vocês não calculam. Comem-se os ovos e toma-se a sopa: uma de-lí-cia. O casco serve para fabricar pentes, cigarreiras, tanta coisa. O biguá é engraçado. – Engraçado, como? – Apanha peixe pra gente. – Apanha e entrega, professora? – Não é bem assim. Você bota um anel no pescoço dele, e o biguá pega o peixe mas não pode engolir. Então você tira o peixe da goela do biguá. – Bobo que ele é. – Não. É útil. Ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras. Por isso que eu digo: devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum. Entendeu, Ricardo?17
A ideia de especismo flerta com a soberania de uma espécie em relação a outras. A partir dessa suposta hierarquia interespécie, há o aval para utilização de outras formas de vida animal a favor das variadas necessidades humanas. Drummond em Da utilidade dos animais demonstra bem o especismo, 17 Da utilidade dos animais. Carlos Drummond de Andrade. In: Para gostar de ler. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1979. v. 4, p. 17-20.
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um aproveitamento máximo de tudo o que os animais não humanos podem nos oferecer. Questionar os ideais especistas é assumir que os outros animais tenham interesses intrínsecos e que os mesmos precisam ser respeitados. Há especificidades. Há diferença. E é importante que reconheçamos essas diferenças interespécie. A igualdade é um caminho asfaltado. Liso, contínuo, mas abaixo dessa camada de asfaltenos, resinas e hidrocarbonetos pesados, há pedras. E por que não assumir essas pedras no caminho? Deveríamos nos deslocar no sentido de reconhecer que mesmo diferentes, existem interesses em jogo. Quando violamos a existência, os quereres do outro, tropeçamos no especismo.
A SENCIÊNCIA: Mas se serve de montaria, como é que a gente vai comer ele? Senciente - adjetivo de dois gêneros. 1. que percebe pelos sentidos. 2. que recebe impressões18
É que precisamos considerar que nós não somos o fim ao qual o mundo corre para chegar. Poderíamos passar pelas discussões ingoldianas19 sobre a relação entre humanidade e animalidade, superação de fronteiras de existência, ou até mesmo acionar a Declaração de Cambridge20 sobre a consciência em animais humanos e não humanos para dialogarmos acerca da senciência. Mas, gostaria de ir por outro caminho, um desvio. Queria propor que pensássemos, enquanto professores e/ou licenciandos, como estamos apresentando os animais não humanos aos nossos alunos? O ponto de partida é...? Porque há muitos caminhos! Não anseio dizer como se deve fazer ou quais caminhos existem. Acredito que me colocar nesse lugar prescritivo é uma forma de limitar todas as possibilidades de pensarmos sobre. Mas não abro mão que ponhamos em xeque determinadas certezas que temos ao ensinar. É de muita responsabilidade falar 18 Disponível no Dicionário online de Português: https://www.dicio.com.br/senciente/
19 INGOLD, T. Humanity and Animality. Companion Encyclopedia of Anthropology, Londres, Routledge, 1994, p. 14-32. 20 LOW, Philippe. Declaração de Cambridge. In: Conferência Francis Crick Memorial sobre a Consciência em animais humanos e não humanos. Reino Unido: Universidade de Cambridge, 2012.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | sobre os animais não humanos. Em nosso jogo de linguagem, comunicação, é importante que mesmo quando não expressamos oralmente que ‘os animais sentem’, ainda assim seja percebido em nossas aulas que sim, os animais sentem! E de antemão, não estamos fazendo espelho da humanidade ao assumir sua senciência. Pelo contrário, o movimento que estamos propondo é que consideremos que os animais não humanos sentem, sentem de formas diferentes, próximas ou não à nossa forma de sentir, e que nessa diferença mora um lugar de possibilidade, de responsabilidade para com outras formas de vida. Residem novas maneiras de ensinar e pensar o ensino de Ciências e Biologia. Volta e meia me recordo de escutar nas minhas aulas de Ciências que os animais não humanos eram seres irracionais, não tinham sentimentos. Imaginava logo um robô-meio-bicho-controlado-pelo-sei-lá-o-quê. Como podia os outros animais não saber quem são? Ingressei no ensino superior e, ainda, não havia discutido sobre suas capacidades de pertencer, de estar. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão21. Foi através do meu contato com os não humanos e humanos como Lauren, a Lorena, a Bete e outros que fui entendendo a objeção de consciência e viabilizando métodos substitutivos ao uso de animais no ensino. Foi aí que vi amadurecer certa sensibilidade, essa insubordinação mental. E como esse emaranhado de especismo, sentimento, ensino de ciências, Bete, Túlio, objeção, animais não humanos chega na Educação?
EDUCAÇÃO: [na]coragem de fechar as portas ao erro que foi verdade, encontra-se a justificativa mais ilustre da existência humana22 Educar exige a coragem de estar disponível para o novo, para aprender ao ensinar. Paulo Freire alertava sobre o dinamismo que deve caracterizar a ação educativa, o que se tornaria possível com o exercício crítico permanente para lidar com as questões conflitantes postas pela contemporaneidade. Sua elaboração se dá em consonância com o presente, no entanto não deve ser uma reprodução passiva do momento. Ao contrário, deve contribuir para o desenvolvimento da criticidade sobre a mesma. 21 Memória – Carlos Drummond de Andrade.
22 Cadeira de balanço. Carlos Drummond de Andrade, 1966.
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Não há neutralidade na educação (FREIRE, 1996), igualmente não são neutros os elementos que compõem sua prática: estratégias, recursos, conteúdos, conceitos, organização espacial e a linguagem. A prática educativa pode privilegiar a manutenção do vigente ou, ao contrário, criar um ambiente questionador da realidade e propício a transformação. Para a segunda opção há que se identificar os valores e as implicações políticas, morais e ideológicas subjacentes a serem pedagogicamente harmonizados. A análise insubordinada e complexa nos informa que as práticas educativas atuais podem justapor concepções conflitantes de abordagens educacionais arrojadas com abordagens tradicionais, compondo resultados variados e imprevisíveis. A articulação e o embate entre antigo e novo pavimenta a construção e reconstrução permanente da prática. Incitar esse conflito nos parece um caminho promissor. Quais as escolhas e os discursos sobre os não humanos guardam incompatibilidades em nossas aulas de Ciências e Biologia? Percebemos o contraditório na forma que temos apresentado esses indivíduos aos nossos alunos? Temos criado condições para a insurgência? Acolhemos o conflito? Acreditamos que a forma como professores lidam com animais não humanos pode refletir na maneira como estudantes percebem esses animais. E não estamos, com isso, culpabilizando a esfera docente das imposições colocadas aos outros animais. Estamos buscando causar desconforto, propondo que nos coloquemos em estado constante de reflexão diante da nossa prática docente. [...] a influência de um professor sobre um aluno é inquestionável, independentemente do nível de estudo. A dimensão humana da relação professor-aluno pode envolver valores e atitudes, que transcendem o contexto dos livros, da sala de aula e de outros materiais do currículo. Uma das mais fortes influências de um professor sobre os alunos refere-se aos métodos que ele utiliza em sala de aula, pois estes carregam consigo importantes mensagens de valores de vida e atitudes (CLOTET et al., 2011, p. 29).
Ousamos, assim, afirmar que toda ação pedagógica, entendida na indissociabilidade das subjetividades de quem a executa, é intrinsecamente multidimensional. Na sua elaboração e execução percebemos dimensões a partir das quais fazemos escolhas, investimos e mobilizamos conhecimentos. Algumas dimensões, inadvertidamente, podem se manifestar de forma incidental e influenciar no aprendizado. Outras podem permanecer imobilizadas. Promover a 55
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | insubordinação sobre a prática pode instrumentalizar os envolvidos - professor/a e alunos/as - para a identificação de dimensões a serem problematizadas e/ou potencializadas. Para nosso alento, parece claro que mesmo as práticas essencialmente tradicionais ou com características que pretendemos superadas, não resultarão implacavelmente em aprendizados equivalentes. Haja vista que foi a partir delas que muitos de nós passaram a vislumbrar o conhecimento contraditório. Vale resgatar a professora Drummondiana que ao abordar um conteúdo obsoleto com suas estampas coloridas com animais de todos os feitios, ainda que o tenha feito numa aula expositiva, estabelecia diálogo com seus alunos. Podemos supor que o diálogo, e sua imprevisibilidade, instrumentalizou os alunos, e quiçá a própria professora, para a insubordinação intelectual. A partir do exposto, podemos inferir que a despeito dos avanços nas discussões acadêmicas, das reformulações teóricas nos documentos oficiais orientadores e nos materiais didáticos serem modestas ou pujantes sobre o tema em pauta, a forma como o/a professor/a se põe disponível para acolher os conflitos de sua prática é indispensável para novas compreensões e, consequentemente, novas formas do fazer pedagógico.
A SENHORA DISSE QUE A GENTE DEVE RESPEITAR
É fundamental até aqui termos nos apresentado e deixado voar histórias, lembranças de nossas vivências. Porque queremos deixar transparente o alicerce de onde essas palavras emanam e seus limites. É desse lugar e mobilizando os conceitos e interpretações apresentados anteriormente que problematizamos a forma como os animais não humanos são concebidos nos discursos e nas práticas educativas. Mas afinal, o que é o uso prejudicial de animais? O conceito corrente referese à categorização proposta por Thales Tréz sobre as formas como os animais não humanos são utilizados no âmbito do ensino. O autor classifica: 56
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No “uso prejudicial”, provoca-se no animal algum tipo de dano (físico ou emocional), ou mesmo a sua morte, sem que isso seja feito em benefício dele, e sem que haja qualquer necessidade para o animal. Nesse tipo de uso, o animal é obrigatoriamente empregado como um instrumento didático descartável (TRÉZ, 2015, p. 877).
No entanto, temos problematizado o conceito na busca de sua ampliação a fim de abarcar as muitas diferentes formas de trazer danos aos animais. Entendemos que práticas educativas atingem não somente o animal em manipulação, mas a todos os próximos e distantes no espaço e no tempo, perpetuando uma forma humana de olhar, considerar e consequentemente tratá-los. A escolha de recursos didáticos, a forma de organizá-los, os ditos e os não ditos, as relações interpessoais estabelecidas durante a prática pedagógica anunciam a concepção que se tem do conhecimento e exibem elementos formativos. Assim, o modo que “utilizamos” os outros animais nas mais diferentes formas, seja em práticas com o animal vivo ou morto, em expressões textuais, nos discursos orais ou escritos nos materiais didáticos, em atividades extraclasse como exposições, museus, parques, hortas, jardins, pátio escolar etc. compõe o mosaico complexo para o aprendizado. Dessa forma, compreendemos que o termo “uso”, a partir da categorização exposta, limita-se a uma imposição física sobre o animal não humano. O que queremos trazer neste capítulo é um olhar que ultrapasse os limites da materialidade, que sejamos provocados a perceber que há abordagens, para além do uso direto, que configuram prejuízo para a expressão de vida não humana.
O ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: ai de nós se não fossem os animais que nos ajudam de todas as maneiras O estudo sobre os animais não humanos na educação ambiental e no ensino de Ciências e Biologia demanda cada vez mais congruência, sendo difícil conceber abordagem educativa que não torne visível a causalidade multidimensional nas interações ecológicas, sociais, culturais, econômicas, políticas, territoriais, éticas (LAYRARGUES, 2006). Não é tarefa simples. A lógica da fragmentação do conhecimento é uma imensa pedra no caminho nas ciências de referência e 57
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | se reproduz nos processos de ensino. Há áreas de conhecimento distintas para as relações ecológicas, para a morfologia, para a fisiologia, para a taxonomia etc. Assim, foca-se na parte. Coleta-se o inseto ou visita-se o zoológico com um objetivo bem determinado e os outros tantos conhecimentos apresentados em outra situação de aprendizado podem ser omitidos, menosprezados e até contrapostos. A educação ambiental, no espaço escolar, segue acolhida prioritariamente pelos professores de Ciências e Biologia, trazendo a possibilidade do predomínio da perspectiva biológica nas ações. A despeito do reconhecimento do caráter transversal a ser dispensado ao Meio ambiente, há que se admitirem as muitas conexões com as Ciências Naturais. Os conhecimentos científicos são relevantes para a compreensão das dinâmicas da natureza e cria condições para que a disciplina promova a educação ambiental em seus eixos temáticos (BRASIL, 1998). Como demonstra a professora do texto de Drummond, a orientação formal para o ensino de Ciências com abordagem antropocêntrica já esteve muito explícita. É o que confirma a investigação realizada por Constance (2014). Livros didáticos de ensino de Ciências editados no período de 1960 a 1970, destinados a professores e crianças das séries iniciais de ensino classificavam os demais seres vivos em úteis e nocivos aos seres humanos. Mesmo os livros que anunciavam proposta de defesa ambiental, exibiam visão antropocêntrica: Apresentam imagens de animais em cativeiro, sugerem experiências com seres vivos, destacam a utilidade econômica e doméstica, reduzindo-os a matéria prima ou recurso para o consumo humano. No contexto pedagógico dos livros didáticos a natureza é representada como algo a ser conhecido e explorado para benefício exclusivo da sociedade humana (CONSTANCE, 2014, p. 142).
Assim eram os livros nos quais estudei na década de 70, assim constavam nos materiais disponíveis quando iniciei a docência no início dos anos 80. Discussões sobre a temática ocorriam no meio acadêmico, nos documentos oficiais, cursos, palestras. No entanto, a pedra permanecia no meio do caminho. No final dos anos 90 uma ampla pesquisa realizada com professores de educação básica em diferentes cidades brasileiras identificava, nas abordagens de educação ambiental, a persistente coexistência paradoxal da classificação antropocêntrica utilitarista para os animais categorizados em úteis e nocivos (GRYNSPAN, 1999). Estudos recentes têm indicado que recursos didáticos ainda contribuem para a perpetuação de uma visão coisificadora em relação aos demais animais. 58
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Uma análise de 11 livros aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático apresentou abordagens relacionadas à antropomorfismo, animais estereotipados, atribuição de valor instrumental aos animais não humanos. Apenas três dos 11 livros analisados apresentaram alguns animais considerando seu papel ecológico e cinco apresentaram, de forma isolada e pouco explicativa, que são capazes de sentir dor ou possuem inteligência (MELGAÇO, 2015, p. 51). Devemos amar os animais, e não maltratá-los de jeito nenhum, mas podemos mantê-los presos para que possamos tocar, apreciar de perto suas cores, formas e comportamento. Banalização do ato de matar, do sofrimento, da privação de direitos elementares. A quem incomoda, por exemplo, zoológicos e aquários? Os zoológicos podem ser vistos como referência para atividades práticas e extracurriculares, oferecendo atividades educacionais, geralmente planejadas e efetuadas por educadores ambientais. Uma ampla revisão bibliográfica sobre o zoológico como recurso didático para a educação ambiental corrobora o consenso da pertinência desse espaço não formal para aprendizados sobre os animais. O estudo buscava verificar se os zoológicos têm atendido às atuais demandas: conservação, pesquisa, educação, bem-estar animal, lazer e entretenimento, identificando benefícios, limitações e vulnerabilidades associados à prática de Educação Ambiental (ARTIGAS e FISCHER, 2019). As vulnerabilidades em intervenções de Educação Ambiental envolvendo escolares em zoológicos indicaram, entre outros itens, a utilização de animais com um viés utilitário, a inadequação dos recintos para abrigar animais selvagens, questionamento ético da exposição e a ausência de avaliação para análise do que foi compreendido pelos estudantes (ARTIGAS e FISCHER, 2019). Exaltamos os achados da pesquisa, no entanto, nossa insubordinação mental continua nos fazendo ver insuficiências, ver pedras no caminho. Nos parece relevante problematizar os esforços para a conciliação dos interesses e respectivas vulnerabilidades a partir da reflexão a respeito do conceito de bem-estar animal e dos objetivos da Educação Ambiental. Importante ressaltar que nos debates acerca da Educação Ambiental, os animais não humanos nem sempre ocupam um lugar central nas discussões ou são temas de projetos, normalmente, os mesmos são incluídos como um subtema para a conservação da natureza (SCHMIDT; GUERRA, 2013 apud ARTIGAS e FISCHER, 2019). E se transpusermos a aula sobre a utilidade dos animais de Drummond para o zoológico, quais seriam as perguntas desconcertantes/provocativas feitas por aqueles mesmos alunos perspicazes? Como o professor/educador ambiental as responderia? 59
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Há de se questionar as imbricações dos objetivos do Ensino de Ciências e Biologia, da Educação Ambiental e os espaços de cativeiro. Provocamos essa discussão para refletir não só em relação aos espaços não formais de ensino, mas toda a prática docente que de alguma forma perpassa a existência de animais não humanos. Tomamos para o debate o exemplo do zoológico enquanto “espaço educativo”. “O professor tem no zoológico um forte aliado para trabalhar a educação ambiental entre outras temáticas dentro do ensino de ciências, desde que este, esteja relacionado aos conteúdos estudados em sala de aula estimulando uma maior compreensão sobre a relação dos animais com o meio ambiente e, deste, com o homem, sendo parte integrante” (QUEIROZ, 2017, p. 17).
Defende-se que o estudante no zoológico é levado a um pensamento sistêmico ao vivenciar os organismos vivos bem diante dos olhos, em que o mesmo passa a ter percepção em relação ao ambiente e suas inter-relações (idem, ibidem). De fato, não negamos por completo tal compreensão. Mas, que ambiente é esse percebido? Quais inter-relações são essas construídas? O que atravessa os estudantes, professores e outros animais ao assumirmos o espaço do zoológico para o trabalho de Educação Ambiental? De que Educação e de que Meio Ambiente estamos falando? Persistentes indagações nos têm desafiado para a superação da visão espontânea e ingênua para uma postura epistemológica que permita perceber a realidade como objeto cognoscível e passível de transformação. Mesmo que não se veja os zoológicos, bioparques e aquários como fins expositivos, mercadológicos ou utilitaristas, há de se considerar que iremos sempre esbarrar num espaço que produz um determinado modo de conceber e ensinar sobre os animais não humanos. Modo esse que escapa até mesmo a melhor das intenções que venhamos a ter enquanto professores de Ciências e Biologia. O que queremos dizer é que não estamos em tempo de naturalizar os discursos acerca do zoológico enquanto lugar de produção científica, preservação de espécies ou de educação ambiental como algo dado, posto. Ainda que seja um espaço de conservação de espécies ameaçadas de extinção ou advindas do tráfico ilegal de animais silvestres, esse não é o ponto de partida. A “conservação” e o “cuidado” com os animais são ações que partem de relações estabelecidas preteritamente. Espaços de Educação Ambiental que não adentram os desdobramentos da situação desses animais no zoológico, bem como, sua origem e tudo mais que os levaram até ali pouco contribuem para um entendimento outro acerca da natureza. 60
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Em 1988, recém formada, intrépida, empenhada, tinha agora, além de turma do primeiro segmento, turmas nas quais deveria ensinar Ciências. Subúrbio do Rio, fim de linha, tomei todas as providências: trem Santa Cruz- Central, desembarcar em São Cristóvão, ofício ao chefe da estação, agendamento, pranchetas com fichas para características e classificação. Minhas primeiras turmas do antigo sexto ano, fariam o estudo dos seres vivos e com os seres vivos! E eu, finalmente, conheceria os animais do zoológico! No entanto, eu que afirmava que é preciso querer bem a eles me deparava com bichos em espaços restritos e tristes. O chimpanzé “Macaco Tião”, grande atração da época, a todos divertia quando ao ser provocado atirava suas fezes nos visitantes...Que lembrança angustiante! Professora, a senhora levou a gente ao passeio e fica só falando mal! Pedras no caminho podem ser muito escorregadias! Nunca mais levei turmas ao zoológico! Nunca mais voltei ao zoológico! Para além do zoológico, dos livros e materiais didáticos, a apropriação simbólica que lançamos mão num espaço educativo também carrega prejudicialidade à vida animal. O que nos faz ora antropomorfizar animais não humanos numa tentativa de aproximá-los e, aí sim, lhes atribuir direitos, ora animalizar para distanciá-los e assumir sua serventia? É preciso estar atento ao fato de que em nossa prática docente elegemos uns e desprezamos outros, numa lógica dicotômica de entendimento acerca de uma natureza dissociada da cultura, bem como, da humanidade desassociada da animalidade. São dimensões conflituosas que entram no lote das incertezas que devem ser acolhidas nas práticas educativas. Lesma? Pegajosa, nojenta. Leão? Assassino frio e sem coração. Aranha? Assassina assustadora, um monstro de oito pernas. Águas-vivas? Pequenas e malvadas. Lobos? Vilões. Panda? Animal bonitinho e simpático. [...] Sim, as abordagens antropocêntricas e utilitaristas estão implícitas nos conteúdos de Zoologia - seja na ciência, na escola ou na televisão - e abandoná-las não é tarefa fácil. No entanto, mais difícil será se a escola, que tem objetivos explícitos de ensino formal, não se posicionar em prol de romper o ciclo [...] (RAZERA, BOCCARDO e SILVA, 2007, p. 1).
E quem se incomoda com a elaboração de coleção de insetos como recurso didático? Se há estranhamento e confrontação na reivindicação dos interesses de vertebrados, para o caso dos invertebrados, pequenos, numerosos, desconhecidos a resistência tende a acentuar-se. Mas o nosso eixo é a vida. Ou, a problematização do ato de matar. Defendemos que é imprescindível naturalizar a morte: é inerente à vida. No entanto, no âmbito das ações de ensino que lidam 61
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | com animais não humanos, é imperioso incorporar perguntas desestabilizadoras: Como se morre? Para o quê se morre? Por que se mata? Quem pode matar? Quem pode morrer? Supomos que tanto o ensino de Ciências e Biologia quanto a Educação Ambiental pouco (ou nada) adentram com responsabilidade o debate sobre morte/vida e a relação com o uso de animais não humanos nas práticas educativas. Um artigo recente sobre o tema ajuda a ilustrar muito do que temos naturalizado em sala de aula. Cumpre dizer que, sendo nós também professores, temos a clareza que um artigo não qualifica ou desqualifica um profissional em seus fazeres cotidianos, não dá conta do todo, das interações, dos olhares, das expressões, das falas e pausas trocados numa sala de aula. Para o caso nos limitamos, guiados pelos nossos pontos de vista, a evidenciar alguns itens do escrito pelos autores. Não para julgá-los ou recriminá-los, mas para desestabilizar o que tem sido praticado. O trabalho descreve a elaboração e utilização de coleção entomológica em duas turmas do 7º ano do ensino fundamental. Analisa e busca respaldar a sua contribuição didática. O recurso é exaltado por tornar as aulas mais atraentes, contribuir no aprendizado dos alunos, derrubar mitos e reduzir repulsa aos animais, uma vez que costumeiramente são lembrados por causarem doenças e outros prejuízos, e ainda, para que os estudantes construam uma visão crítica sobre o tema (SANTOS e SOUTO, 2011). Exibe passagens que nos remetem a um conflito entre a crônica do Drummond e os esforços de inovação. O material é considerado de baixo custo devido a abundância dos insetos. Quais são os valores implícitos? Qual é o custo de uma vida? A quantidade é critério de escolha para a morte? Semelhante ao que vivenciamos na graduação, foram ensinados aos escolares os procedimentos de classificação, de coleta e de como sacrificar os animais. Na sequência, alerta-se que houve o cuidado de esclarecer aos alunos que as coletas devem ser realizadas apenas com fins didáticos e científicos (SANTOS e SOUTO, 2011, p. 3). Ao final, sugere-se a confecção de coleções de invertebrados em geral para o estudo de outros temas no Ensino de Ciências. E, para seres de difícil coleta, como animais vertebrados recomenda-se a substituição por fotografias ou modelos de material alternativo como biscuit, massa de modelar, isopor. Nos parece emblemático que a substituição dos animais só seja aventada para situações de dificuldade de coleta (e morte!). A reflexão, a qual nos propomos, é o quanto ainda estamos afinados com a professora amorosa de Drummond e o quanto temos conseguido nos distanciar dela. Quanto dela ainda há em nós? Até quando vamos continuar 62
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nos esforçando para justificar a existência dos demais seres vivos porque são importantes para isso e aquilo e aquilo outro? Perscrutando para que servem com o objetivo de convencer nossos a alunos a amar, respeitar e proteger, mas ignorando o direito à existência em si? O que estamos ensinando ao exibir, manusear ou produzir cadáveres de animais sem abordar a ocorrência do processo da morte? Estudamos a vida, ensinamos sobre a vida e driblamos, silenciamos ou apagamos da prática educativa reflexões sobre a morte e os fatores que afetam a existência da vida plena. É tempo de considerar que há consequências, boas ou más, para os animais humanos e não humanos quando nos colocamos a ensinar sobre eles/nós. Assim, como deslocar-se para um lugar de professor(a) de ciências ou educador(a) ambiental que não mais negligência a prejudicialidade do automatismo que somos perpassados ao ensinar sobre os animais não humanos? A complexidade auxilia e impele a busca incessante por identificar e respeitar as diversas dimensões envolvidas. Acolhe a incompletude e a incerteza como desejáveis. Sendo o humano um ser biológico-sociocultural, o esforço é por conceber a articulação, a simultaneidade, a identidade e a diferença das dimensões humanas, quais sejam: dimensões físicas, biológicas, sociais, culturais, psíquicas e espirituais (MORIN, 2005). Somos seres biológicos, animais pertencentes ao mundo natural, cujo processo de hominização, com a cultura e a linguagem vem nos diferenciando. Admite-se nossa condição animal somente amparada na superioridade de ser racional, com a civilidade se consumando com o afastamento do ambiente natural. De tal forma que, sendo o ser humano diferente/superior em relação à natureza, deixa de ser natureza (GUIMARÃES, 2006). A cultura se constitui no enlace dinâmico entre permanências e mudanças. Transmite-se a cultura que será aprendida e apropriada por novos indivíduos, que igualmente transmitirão, já com novos elementos agregados. Entendemos assim a importância de permanências que consolidam a nossa condição animal e humana como forma de alicerçar a construção de inovações. No entanto, podemos observar que tem sido privilegiada a nossa diferença em relação aos demais elementos naturais, negligenciando a perpetuação de outras dimensões igualmente importantes. Tornando-se urgente, como adultos responsáveis pela educação de gerações futuras, educarmos para o não-esquecimento de nosso pertencimento ao mundo natural, como ponto de partida para outras percepções (SILVA, 2010, p. 34).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Uma prática educativa será sempre complexa e, portanto, pode comportar muitas dimensões, as quais trazem conhecimentos e proporcionam aprendizados nem sempre explícitos. Não deve ser considerada pronta e reproduzível. Precisa ir se constituindo cotidianamente, no exercício do fazer, na reflexão e no intenso diálogo. Exige a tarefa de identificar os aspectos que compõem a complexidade no conteúdo, na estrutura física, na organização do espaço, nos objetivos, nos materiais didáticos, nos procedimentos e nas relações estabelecidas no decorrer da ação. De modo que sejam reveladas as suas múltiplas dimensões, orientando possíveis ajustes, reformulações ou até mesmo transformações extremas em nossas relações com os demais animais em espaços de educação. Morin nos estimula ao propor, apesar do contexto adverso da docência, o movimento de reforma do pensamento. Acredita que a nossa capacidade individual de busca de formação é contagiante e pode trazer para o espaço escolar iniciativas nem sempre bem aceitas a princípio, mas que passarão a compor um repertório disponível. Uma ideia, uma vez anunciada, ganha movimento próprio, se propaga e pode vir a ter grande impacto (PETRAGLIA, 2008). Ainda que tropeçando em pedras ou encontrando alguma maior obstruindo o caminho, não devemos nos abater. Assim, o movimento que iniciou com a objeção de consciência trouxe provocações que tem ganhado espaços, conduziu a elaboração de métodos substitutivos nas práticas de ensino em disciplinas como as de Zoologia, Anatomia e Entomologia. Possibilitou a execução de um projeto de extensão voltado à produção de métodos substitutivos que hoje atendem a diversas disciplinas em pelo menos três cursos de graduação (Ciências Biológicas, Medicina Veterinária e Zootecnia) em nossa universidade de formação. Concluí a graduação em 2018, sendo um estudante objetor. A eficácia de alternativas tem sido demonstrada em estudos, como por exemplo o de Diniz et al. (2006), que conclui salientando que a substituição de animais em aulas é possível, mantendo-se a mesma qualidade de ensino. Embora a universidade tenha resistido em legitimar a objeção de consciência, ao lado das minhas colegas de curso também objetoras, viabilizamos nossos próprios métodos substitutivos e, hoje, não me vejo menos biólogo ou menos professor por ter utilizado de outras formas de conhecimento. Pelo contrário, o debruçamento em relação à essa pauta me fez compreender processos de ensino, práticas educativas, a ciência e os outros animais de uma maneira mais responsável e profunda.
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PARA CASA: e agora, José?23 José, para onde vai? É pergunta vasta em sua essência Drummondiana. Cabe para as enormes pedras que temos nos deparado na conjuntura internacional e nacional, quando vivenciamos o acirramento do confronto de valores caros para as relações entre os seres humanos e destes com as demais formas de vida. Cabe para as grutas, onde cultivamos a ilusão de estar a salvo. E agora, nós que ousamos ensinar sobre a vida? Para onde? Não, não morreremos de medo para que sobre os nossos túmulos nasçam flores amarelas e medrosas24! Que as grutas sejam trincheiras! Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças Entre eles, considero a enorme realidade O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas25
Quando, dentro de nossa gruta, depois de inúmeras aulas sobre seres vivos, alunos nos perguntam se podem capturar animais para trazer para aula, ou, quando ensinamos sobre os outros animais física ou discursivamente sem considerar seus interesses e conjugação, urge a assunção de que há uma pedra que continua no caminho. Pequena? Grande? Leve? Pesada? Seja como for a pedra, primeiro é importante que não permaneça escondida para evitar tropeços. Depois vem o desafio de tomar decisões em relação a ela. Pode ser contornada, fingir que nem viu e seguir em frente. Mas pode ser atirada para quebrar o telhado de vidro de nossas certezas, pode se constituir na pedra fundamental para a edificação de um novo olhar para a nossa prática educativa, para o campo do Ensino de Ciências/ Biologia e da Educação Ambiental. Que desafiemos: “suposições convencionais de que o esforço pedagógico só pode incluir os humanos, e que todo o restante é apenas conteúdo ou meio para a sua educação e priorizar atividades que não tenham foco apenas na aquisição de conhecimento” (BEHLING e CAPORLINGUA, 2019, p. 11). 23 José. Carlos Drummond de Andrade. Coletânea Poesias, 1942 24 Medo. Carlos Drummond de Andrade.
25 Mãos dadas. Carlos Drummond de Andrade.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | E nessa gruta de palavras e reflexões propostas não pretendemos uma natureza a ser contemplada, intocada. A crítica às abordagens prejudiciais aos demais animais no campo da Educação se coloca num lugar de assumirmos nossa condição animal de estar e relacionar com o meio, e que essas relações precisam estar embebidas em responsabilidade e criticidade. Defendemos que enquanto animais educadores ambientais e/ou professores de Ciências e Biologia precisamos nos colocar atentos a pensar como nossa prática adentra esse jogo de existência, essa natureza que nos produz e é produzida. É nossa intenção deixar bem evidente o reconhecimento e o respeito por todos e todas nós que atuamos no espaço escolar. Também consideramos os esforços para lidar com os desafios cotidianos, sejam inerentes aos conhecimentos da disciplina, sejam todos os outros que sabemos que são muitos. No entanto, é preciso movimento. Apostamos no exercício sistemático do Pensamento Complexo a fim de que nos tornemos mais atentos, prudentes e impulsionados a sair do contemporaneísmo, ou seja, da acomodação à realidade presente (MORIN, 2007). E é preciso considerar o tempo presente, os homens presentes, a vida presente para pensarmos a natureza. O que está em jogo? O que deixamos passar… o que ao não fazer, acabamos fazendo? Por isso é preciso desaguar num mar de possibilidades e construir novas relações e práticas visando a um lugar outro, que considere os riscos do presente. Daí a urgência de propiciarmos espaços para as perguntas que ainda não foram feitas ou para a escuta daquelas que deixamos de prestar atenção. Reconhecer que as adversidades cometidas com os não humanos atravessam nossos corpos, nossas escolhas, nossa política, o nosso fazer docente e a existência dos próprios. Tenho direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para a minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor pelo mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a história como tempo de possibilidades e não de determinação. (FREIRE, 1996, p. 75).
Entendeu, Ricardo?
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Por meu povo em luta, vivo Com meu povo em marcha, vou Tenho fé de guerrilheiro e amor de revolução. Dom Pedro Casaldáliga
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A ESPERANÇA DE PAULO FREIRE E DA AGROECOLOGIA: breves aproximações de uma utopia possível
Mariana Petri Alexandre Brasil Fonseca
Os homens e as mulheres trabalham, quer dizer, atuam e pensam. Trabalham porque fazem muito mais do que o cavalo que puxa o arado a serviço do homem. Trabalham porque se tornaram capazes de prever, de programar, de dar finalidades ao próprio trabalho. No trabalho, o ser humano usa o corpo inteiro. Usa as suas mãos e a sua capacidade de pensar. O corpo humano é um corpo consciente. Por isso, está errado separar o que se chama trabalho manual do que se chama trabalho intelectual. Os trabalhadores das fábricas e os trabalhadores das roças são intelectuais também. Paulo Freire (1989)
Este texto é revisado pelos autores a partir de “L’espoir de Paulo Freire appliqué à l’agroecologie – approximations d’une possible utopie”, publicado na Revue Antipodes, do Centre de formation pour le développement et la solidarité internationale – ITECO, Bélgica, nº 20, novembro de 2019. Múltiplos são os significados e sentidos atribuídos à Agroecologia, envolvendo diversos atores e instituições e, também, diferentes discursos e narrativas (Norder et.al., 2016; Rivera-Ferre, 2018). Enquanto Wezel e colaboradores (2009) a entendem, numa análise em diferentes países e contextos, em tríplice aspecto - como “movimento”, como “ciência” e como “prática” -, outros autores ampliam essa compreensão a partir de sua utilização por distintos atores sociais, bem como das variadas implicações possíveis em cada contexto (Norder et.al., 2016), desenhando-se, assim, diferentes perspectivas agroecológicas, ou “Agroecologias” (Méndez et.al., 2013). Acompanhando sua trajetória histórica, Wezel et.al. (2009) descreve que as primeiras pesquisas relacionadas à Agroecologia foram realizadas no início do 70
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século XX na Europa e buscavam a aplicação de métodos ecológicos na agricultura, incluindo, posteriormente, trabalhos ligados à interação planta-inseto, manejo de pragas, problemas do solo, dentre outros. Ainda hoje, em diferentes países e universidades, especialmente da Europa e dos Estados Unidos, observa-se o enfoque na abordagem ecológica das práticas agrícolas aplicada a diferentes escalas da paisagem, tendo como base pesquisas ligadas às ciências naturais. Em contrapartida, numa perspectiva agroecológica mais ampla, as ciências sociais são também mobilizadas no entendimento de uma abordagem “transdisciplinar, participativa e orientada à ação”, que permita uma análise crítica de questões socio-político-econômicas que afetam os sistemas agroalimentares (Méndez et.al., 2013). É nessa direção que consideramos que as contribuições do educador brasileiro Paulo Freire ao saber-fazer da Agroecologia podem ser significativas, especialmente por ela ter surgido e tomado força, na América Latina, a partir de diferentes movimentos sociais a partir da década de 70 - e não a partir da Ciência - ligados às práticas agrícolas tradicionais (Wezel et.al., 2009). Estes movimentos criticavam os efeitos da modernização na agricultura e buscavam soluções alternativas, de maneira a fortalecer a agricultura familiar, a soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) e a autonomia das famílias camponesas. A revitalização da agricultura familiar camponesa é a chave não apenas para a SSAN, como para garantir a sustentabilidade socioambiental da atividade agrícola (Altieri, 2012). Alicerçado em propostas para um sistema alimentar e uma sociedade baseada em relações mais justas, dignas e igualitárias, bem como de uma maneira sustentável de se relacionar com a natureza - contra os monocultivos, os agrotóxicos, os organismos geneticamente modificados e a utilização abusiva de insumos que têm como base os combustíveis fósseis -, nos remetemos a Freire para lançar luz e refletir sobre as importantes transformações provocadas por este novo enfoque no desenvolvimento rural. Freire e a Agroecologia nos fazem recuperar a utopia, o sonho que se faz possível quando mulheres e homens se assumem enquanto sujeitos históricos e acionam, a partir da superação das situações-limite a elas e eles impostas, estratégias possíveis na superação das diversas opressões. E apropriando-nos da perspectiva do sonho que não apenas pode se tornar real, como vem se tornando, a olhos vistos, nos colocamos no lugar de quem anuncia possibilidades. A dimensão do sonho é, para Freire, não apenas cara como essencial: “não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho” (Freire, 2011a:14). Ele vai além: 71
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | “Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em processo permanente de tornar-se. Fazendose e refazendo-se no processo de fazer a história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no mundo e não da pura adaptação ao mundo, terminaram por ter no sonho também um motor da história. Não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança” (Freire, 2011:126).
Esperança, para Freire, não tem nada a ver com a espera passiva e imóvel. Pelo contrário, está implicada na inserção dos sujeitos no mundo e em suas mobilizações para fazer deste um mundo melhor, a fim de construir a utopia, algo ainda não conhecido, mas passível de se concretizar. Nessa construção existe a tensão entre a denúncia daquilo que se pretende sobrepassar e o anúncio daquilo que se deseja construir e que, com o caminhar de uma história não determinística, pode se tornar um novo presente. É sobre esse presente, que pode ampliar-se cada vez mais e desenhar novos futuros, que desejamos falar e anunciar. Um presente que nos encantou ao conhecermos a realidade de inúmeras famílias camponesas que, no Brasil, nele estão imersos e sobre ele agem, refletem e criam novas perspectivas para se viver e dizer sua palavra. Nosso interesse no assunto, cabe aqui dizer, não é meramente teórico. Ele nasceu da aproximação com camponesas e camponeses pomeranos26 do município de Santa Maria de Jetibá, no interior do Estado do Espírito Santo. Ao lá chegar em 2015 como professora de Biologia num Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia começamos a receber os alunos da região, muitos dos quais filhas e filhos de agricultores. A escola está situada na zona rural e passamos, a partir de então, a conviver com uma nova realidade. À medida que nos aproximávamos mais das famílias e suas práticas agrícolas, notamos o grave problema ligado à utilização dos agrotóxicos. O município, apesar da agricultura familiar que o caracteriza, utiliza largamente os agroquímicos e possui elevados índices de suicídio e cânceres, o que pode estar relacionado ao elevado uso do veneno. Para alguns, o município chega a ser considerado “uma vila de contaminados”.
26 Os pomeranos constituem-se como um dos povos e comunidades tradicionais do Brasil. São descendentes de imigrantes da Pomerânia, região entre as atuais Alemanha e Polônia, que vieram para o Brasil em meados do século XIX.
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Essa realidade passou a povoar a região a partir da década de 70, quando os insumos da Revolução Verde chegaram ao município e se espalharam largamente. Atualmente cerca de 98% das 3 mil propriedades familiares utilizam os agroquímicos em suas lavouras, muitas das quais já descrentes da possibilidade de produzir sem eles. No entanto as consequências para esses homens e mulheres do campo chegaram, e a partir da década de 80 tiveram início as primeiras articulações em busca de alternativas. Nesse ínterim o papel da Igreja Evangélica de Confissão Luterana foi fundamental, e junto a um grupo de agricultoras e agricultores insatisfeitos com os impactos da utilização do veneno, especialmente pela manifestação de doenças de pele e respiratórias, fundaram as bases para a agricultura orgânica que se consolidou no município, que envolve hoje mais de mil pessoas. À época, os Centros de Agricultura Alternativa estavam dando seus primeiros passos, e as mudanças empregadas nas técnicas agrícolas na região foram gradativamente sendo testadas e incorporadas, com seus erros e acertos, o que posteriormente viria a se consolidar como princípios e técnicas da agricultura orgânica, que hoje conta com normas específicas. Essa iniciativa foi se mostrando como um caminho possível, sendo rentável economicamente, gerando bons resultados aos agricultores e agricultoras, além de garantir sua autonomia, proporcionar outras formas de articulação, além de qualidade de vida aos trabalhadores e trabalhadoras rurais, as maiores vítimas do mercado dos agroquímicos. Atualmente existem duas Associações de produtoras e produtores orgânicos em Santa Maria de Jetibá: APSAD-VIDA e AMPARO FAMILIAR, correspondendo a segunda a uma das maiores associações de orgânicos do Sudeste do Brasil (FIDELIS, 2016). Em 2016, somente a AMPARO FAMILIAR foi responsável pela produção de 250 toneladas mensais de alimentos, que em sua maioria são vendidos nas feiras livres na cidade de Vitória, capital do Estado. Ainda é pouco se considerada toda a extensão da cidade de Santa Maria de Jetibá e a quantidade de produtores convencionais, mas é um exemplo concreto de superação das situações-limite. Nas palavras de Freire: “superação e negação do “dado”, da aceitação passiva do que está aí, implicando uma postura decidida frente ao mundo”. Decisão feita, o grupo inicial encabeçou uma mudança radical em suas formas de produzir, “mobilizados a agir e descobrir o inédito viável”. A compreensão que a realidade que se impõe é algo em construção, não determinista e que logo pode ser transformada em algo novo, até então inédito. 73
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Essa experiência de transição agroecológica27 foi resultado da articulação de diferentes atores e instituições, o que incluiu a ação social coletiva – expressa na forma do associativismo – e a formação de uma rede de interações que, nesses processos de transição, estreitamente relacionados às dinâmicas ecossistêmicas e socioculturais de cada lugar, “tendem para arranjos institucionais mais complexos, em que a articulação em rede e a construção de parcerias assumem um papel importante, (...) com clara interface entre políticas públicas, redes de articulação e fluxos de recursos e saberes os mais diversos” (Petersen, 2007). O município foi o primeiro a apoiar a implantação de um programa de incentivo à transição da agricultura convencional para a agricultura orgânica no Estado e, até hoje, possui um setor exclusivamente direcionado ao fortalecimento da agricultura orgânica em seu organograma administrativo. Além disso, políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) têm contribuído na aquisição dos alimentos orgânicos. Além da participação do poder público, já destacamos a presença da Igreja Luterana, essencial na disseminação da ideia de uma agricultura alternativa e nas primeiras articulações entre agricultores locais e especialistas da área. Estes são apenas alguns dos atores de um arranjo mais complexo – uma rede interinstitucional -, que possibilitou o nascimento e expansão dessa experiência agroecológica entre os pomeranos. Tais processos de mudança, de libertação, partiram da percepção de que o agroquímico era um problema a ser superado, constituindo-se, portanto, um percebido-destacado. Para muitos agricultores e agricultoras isso ainda é algo distante, diante da naturalização do seu uso com o passar do tempo e das investidas do agronegócio no Brasil. Essas investidas, ao mesmo tempo em que desconsideram pesquisas sobre impactos dos agrotóxicos na saúde, por meio da retórica da desqualificação, ocultam a natureza nociva desses produtos (retórica da ocultação) e justificam a suposta necessidade de sua utilização como “mal necessário” (retórica da justificação; Petersen, 2015). Perceber e superar essa realidade não é tão simples quanto possa parecer. Todas as retóricas do agronegócio trabalham para manter a aderência à realidade opressora. É necessário desideologizá-la, conhecer o seu “porquê” e o 27 A transição agroecológica é caracterizada por ser um “processo social orientado à obtenção de níveis mais equilibrados de sustentabilidade, produtividade, estabilidade e equidade na atividade agrária, utilizando estilos mais respeitosos com o meio ambiente” (Costabeber e Moyano, 1998), mediante a ecologização das práticas.
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seu “como”, e assim “se perceber como homem - e mulher – proibido(a) de estar sendo” (Freire, 2011b:238). Para completar, a mitificação da realidade, que cria a aderência, está enraizada e presente em muitos dos processos educacionais em curso para os povos campesinos, cuja formação profissional esteve e continua ligada à difusão das técnicas da agricultura industrial. O que a práxis dos pioneiros e pioneiras da agricultura orgânica de Santa Maria de Jetibá nos permitiram enxergar é que é possível desmitificar a realidade tecida e encravada naqueles sujeitos, de que não há como produzir - e produzir bem - sem o pacote da Revolução Verde. Essa experiência exitosa, como muitas outras de produção orgânica e agroecológica, pode parecer banal. Mas não o é. Ela é, acima de tudo, educadora da nossa esperança. Essa educação “tem uma tal importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a desesperança e desespero. Desesperança e desespero, consequência e razão de ser da inação ou do imobilismo” (Freire, 2011a:15). Experiências exitosas de desmitificação a partir da construção de inéditos viáveis nos permitem experimentar a esperança da forma correta. E ao experimentá-la, alimenta o sonho de que esse mundo pode ser menos feio. Ou melhor: já está em processo de vir a ser, ainda que em pequenos grupos e em pequena escala. Por isso consideramos o seu anúncio tão importante e nada óbvio. A luta pela mudança daquela realidade transformou-se em articulação de sujeitos que, esperançosamente, foram se descobrindo e se assumindo como novos sujeitos à medida que desenhavam uma nova agricultura. Portanto, para nós, a Agroecologia, hoje tão presente e comum em múltiplos movimentos sociais do campo e da cidade, cursos, congressos e diversos espaços – acadêmicos ou não – constitui-se como um inédito viável em curso. Uma realidade-sonho que vem sendo vivida, criada, construída e experimentada. E, repetimos, ela é educadora da nossa esperança, pois nos mostra que os inéditos não são inalcançáveis nem imponderáveis. Se assim o fossem, deixariam de ser utopia para se transformarem em palavrório (ou blá-blá-blá), algo contra o qual o próprio Paulo Freire combateu. Quando os e as agricultores.as em Santa Maria de Jetibá iniciaram suas experiências com a agricultura orgânica no município, há mais de 30 anos, implantaram uma nova práxis, um processo dialético de ação e reflexão da realidade, intervindo criticamente na história, e ao mesmo tempo transformando-a e ao mundo. 75
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | “O ‘inédito-viável’ é na realidade, pois, uma coisa que era inédita, ainda não claramente conhecida e vivida, mas quando se torna um ‘percebido destacado’ pelos que pensam utopicamente, o problema não é mais um sonho, ele pode se tornar realidade” (Freire, 2011a, p. 225).
Se primeiro tivemos contato com a realidade dos pomeranos, nossas percepções expandiram-se para a análise de um movimento muito maior, que hoje toma fôlego e força, caracterizando o movimento agroecológico. A história do município do interior do Estado do Espírito Santo é apenas um exemplo, o relato do nosso lugar de partida sobre o assunto, a partir deste aqui e neste agora e da leitura mesma do mundo que nos cerca diariamente. Depois descobrimos, a partir das vivências, conversas, eventos e mobilizações, que o movimento por uma agricultura sustentável se amplia em muitas outras perspectivas, que nos permitem realizar aproximações outras com o pensamento de Freire. Além da dimensão do sonho, do inédito viável, da superação das situações-limite, observamos na construção das novas identidades campesinas a manifestação da sua vocação em ser mais, não numa perspectiva puramente existencialista, mas daquela que surge a partir da consciência da opressão vivida e da superação da mesma, e que posiciona os sujeitos praticantes de uma agricultura sustentável como aquele que se sabe e se reconhece como sujeito transformador do mundo. E com isso vivem em inteireza a sua palavra, não como homens e mulheres fragmentados, pois a prática libertadora é unificadora: não pode dar-se num eu “oprimido, ambíguo, emocionalmente instável e temeroso da liberdade”, fazendo emergir um “eu” que se reconhece sendo e que, não mais dividido, não teme expressar sua voz e lutar para fazê-la ser escutada. Aos poucos, os primeiros promotores da mudança - em Santa Maria de Jetibá e no movimento agroecológico como um todo - foram passando “de doidos para convictos” (Petersen, 2007) e, assumindo-se como sujeitos históricos, em sua práxis, passaram a dizer a sua palavra - a palavra verdadeira - e com ela transformar a realidade, pois “não há palavra verdadeira que não seja práxis; daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo” (Freire, 2011b:107). Mais do que o surgimento do camponês e da camponesa convicto a de sua palavra e de sua história, a Agroecologia fez nascer um novo processo de produção do conhecimento pautado na dialogicidade entre saberes. Isto significa, na prática, a emergência de uma transdisciplinaridade científica erigida nas trocas com os saberes de experiência feitos dos camponeses, bem como da incorporação de suas epistemologias. A construção do conhecimento agroecológico representa, 76
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desta forma, também a construção de algo inédito. Está nascendo e sendo construído a partir da superação de dicotomias instauradas entre cultura e natureza e de uma postura dialógica entre diferentes sujeitos, instituições e conhecimentos, onde o entendimento de que os trabalhadores das roças são intelectuais também e a presença do trabalho desenvolvido a partir de corpos conscientes é central na produção do conhecimento, na criação e re-criação de saberes: “Como presenças no mundo, os seres humanos são corpos conscientes que o transformam, agindo e pensando, o que os permite conhecer ao nível reflexivo” (Freire, 1981:87). No entanto, a Agroecologia não se propõe à mera adesão ao senso comum dos agricultores, mas se dispõe a construir algo novo, para além do senso comum mas em diálogo com ele, e que agregue a este as descobertas científicas de diversos campos, como da Ecologia, Zoologia, Fisiologia Vegetal, bem como da Economia, Sociologia, Antropologia, Educação... Ela vem sendo compreendida como uma ciência do campo da complexidade (Caporal et.al., 2009), ao buscar a articulação de diferentes conhecimentos, de distintas disciplinas e campos da ciência, bem como a integração do conhecimento técnico-científico com o saber popular. Essa nova agricultura nasce, portanto, das trocas entre a “empiria camponesa” e a “teoria agroecológica” (Leff, 2002), sem perder de vista a dimensão complexa que constitui a agricultura e os agroecossistemas. Isso implica incorporar ao debate dimensões como as sociais, culturais e políticas da produção de alimentos: redistribuição de terras, autonomia camponesa, comércio e preço justos e justiça social são apenas alguns dos temas que perpassam o debate agroecológico no Brasil. Nele é premente a impossibilidade de se dissociar a produção de alimentos - e também de conhecimento - da luta por uma sociedade justa e mais bonita. Eis um paradigma produtivo e científico engajado na mudança social. Se um novo paradigma na agricultura é um inédito viável em vias de se tornar realidade no campo, podemos pensar que uma Educação condizente com esse novo paradigma também o seja. Os movimentos campesinos vêm construindo alternativas para a educação de suas crianças e jovens, buscando ultrapassar as limitações de um modelo bancário, que reproduz a educação urbana no mundo rural, e invisibiliza o lócus rural como lugar de enunciação, modo de vida e produção de cultura. A partir da década de 80, as experiências de dois movimentos principais - das Escolas Família Agrícola 77
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | (EFAs) e Casas Familiares Rurais (CFRs), regidas pela Pedagogia da Alternância28 e, a partir da década de 90, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) - deram origem no Brasil ao paradigma da “Educação do campo29”. Torna-se claro, no entanto, que a atuação dos povos campesinos precisa passar não apenas pela defesa da agricultura familiar e da reinvindicação de uma educação específica, mas também de um novo modelo produtivo, que seja emancipatório e sustentável, capaz de promover a autonomia dos agricultores e agricultoras, e de melhorar a qualidade de vida no campo. Acreditamos que a Educação dos povos campesinos deva acompanhar essa busca pela libertação dos homens e mulheres das imposições, exigências e dependência dos insumos da agricultura industrial, fruto das investidas do capitalismo no campo. Para isso é necessária uma Educação que discuta, reflita e construa com os camponeses e camponesas, com seus corpos conscientes, as possibilidades de um novo modelo produtivo, que não retire dos agricultores e agricultoras a autonomia sobre seu trabalho e sobre seu saber em relação a ele, mas que ao mesmo tempo seja capaz de superar o senso comum, incorporando avanços que possibilitem maior produtividade agrícola, de maneira sustentável. No município de Santa Maria de Jetibá, onde iniciamos nosso contato com uma abordagem alternativa de produção no campo, encontramos também uma experiência inovadora em Educação: uma Escola Família Agrícola, fundada em 1990 pelo movimento de camponeses pomeranos, que iniciou em 2000 o curso profissionalizante “Técnico em Agropecuária com qualificação em hortifruticultor orgânico”, integrado ao Ensino Médio. Em breve a escola pretende adquirir o selo de propriedade orgânica, pois esta é a modalidade de produção e ensino dentro de suas dependências. Além desta experiência educacional muitas outras têm emergido no Brasil, principalmente dentro dos assentamentos do MST (Souza, 2017). Elas representam o despontar de uma educação que, apesar de suas limitações, 28 A Pedagogia da Alternância consiste numa metodologia de organização escolar que implica na aproximação dos educandos das escolas do campo de suas realidades. Nessa pedagogia os alunos e alunas passam parte do período letivo na escola e parte junto à família/comunidade, constituindo-se assim o “tempo-escola” e o “tempo-comunidade”. A alternância entre os diferentes tempos costuma ser de uma semana a quinze dias.
29 “A Educação do Campo nasceu como mobilização/pressão de movimentos sociais por uma política educacional para comunidades camponesas: nasceu da combinação das lutas dos sem-terra pela implantação de escolas públicas nas áreas de reforma agrária com as lutas de resistência de inúmeras organizações e comunidades camponesas para não perder suas escolas, suas experiências de educação, suas comunidades, seu território, sua identidade” (Caldart, 2008:46).
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vêm rediscutindo o modelo de desenvolvimento rural baseado no agronegócio, bem como afirmando o papel e a importância da agricultura familiar e da produção sustentável, que garantem a manutenção da saúde das famílias camponesas e do meio ambiente. Essas experiências são agora nosso foco de interesse, pois alimentam nossa esperança na construção desses novos sujeitos e dessas novas ruralidades. O trajeto para o trabalho no Instituto Federal nos recorda sempre que esta é uma temática não apenas necessária como vital. Observamos, todos os dias, os trabalhadores e trabalhadoras rurais, bem como seus filhos e filhas, de diversas idades, em meio às lavouras intoxicadas. Vemo-los carregando as “bombas” com veneno nas costas, a maioria das vezes de chinelos nos pés, sem a mínima proteção necessária para a utilização destes produtos. Mas enxergamos, da mesma maneira, possibilidades outras para esses agricultores e agricultoras, a partir da articulação dos sujeitos que estão, com a agricultura orgânica, movendo e transformando suas histórias e as de muitos outros e outras, com os e as quais compartilham seu lugar de anúncio de um outro mundo e de uma outra História. “A revolução é biófila, é criadora de vida” (Freire, 2011b:233). Quer algo mais vital do que a produção daquilo que nos alimenta e mantém de pé? Respeitar esse processo e realizá-lo com a boniteza necessária é mais que um ato revolucionário: é um ato de respeito à vida em todas as suas dimensões. Dos sujeitos que a praticam, dos sujeitos que a consomem, e da vida mesma que se expressa não somente no elemento humano, mas se estende e se equilibra a partir de interações entre múltiplas espécies e destas com o meio, formando a complexidade de um agroecossistema. Eis a lógica da vida e da abundância, e não da morte; o compromisso com a transformação do mundo para a libertação dos homens e mulheres, que acontece a partir de seus corpos conscientes ao lidar com a terra e a natureza, a partir de sua práxis. Práxis que nos permite vislumbrar um horizonte, se não perfeito, ao menos repleto de mais boniteza, para aqueles que vivem no mundo rural e são responsáveis pela “criação” da vida que, por sua vez, nos mantêm também vivos/as e atentos/as às possibilidades de pronunciar, por nossa vez, nossa própria palavra, com o sincero desejo de que ela se torne, também, cada dia mais verdadeira.
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Referências ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Agropecuária; AS-PTA, 2012. CAPORAL, F.R.; PAULUS, G.; COSTABEBER, J.A. Agroecologia: uma ciência do campo da complexidade. Brasília, DF, 2009. COSTABEBER, J. A. e MOYANO, E. Transição agroecológica e ação social coletiva. Versão simplificada do Capítulo V da Tese de Doutorado do primeiro autor COSTABEBER, J. A. Acción colectiva y procesos de transición agroecológica en Rio Grande do Sul, Brasil. Córdoba, 1998. 422p. (Tese de Doutorado) Programa de Doctorado en Agroecología, Campesinado e História, ISEC-ETSIAN, Universidad de Córdoba, España, 1998. Disponível em: http://www.emater.tche.br/docs/agroeco/ revista/n4/13-artigo3.htm FIDELIS, L. Agricultura orgânica: Associação de Santa Maria é destaque na região Sudeste do Brasil. SAFRA ES – A Revista do Agro Capixaba, Espírito Santo, set/out/ nov. 2016. p. 24-28. FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981. FREIRE, P. A importância do ato de ler - em três artigos que se completam. 23ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 1989. FREIRE, P. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 17ª edição, 333p., 2011a. FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 50ª edição, 253p., 2011b. LEFF, E. Agroecologia e saber ambiental. In: Revista de Agroecologia e Desenvolvimento Sustentável, Porto Alegre, v.3 (1): 36-51, 2002. MÉNDEZ, V. E; BACON, C. M.; COHEN, R. Agroecology as a Transdisciplinary, Participatory, and Action-Oriented Approach. Agroecology and Sustainable Food Systems, 37:3–18, 2013. NORDER, L. A.; LAMINE, C.; BELLON, S.; BRANDENBURG, A. Agroecologia: polissemia, pluralismo e controvérsias. Ambiente e sociedade, São Paulo, v. XIX, n. 3, 1-20, 2016. PETERSEN, P. Introdução. In: PETERSEN, P.; DIAS, A. (Org.). Construção do Conhecimento Agroecológico: novos papéis, novas identidades. Articulação Nacional de Agroecologia, Rio de Janeiro: Grafici, 2007.
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PETERSEN, P. Prefácio. Dossiê ABRASCO – Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. FIOCRUZ, Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Expressão popular, 2015. RIVERA-FERRE, M. G. The resignification process of Agroecology: competing narratives from governments, civil society and intergovernmental organizations, Agroecology and Sustainable Food Systems, v. 42(6), 666-685, 2018. SOUZA, R. da P. Educação em Agroecologia: reflexões sobre a formação contrahegemônica de camponeses no Brasil. Ciência e Cultura, v. 69, n. 2, São Paulo, 2017. WEZEL, A.; BELLON, S.; DORÉ, T.; FRANCIS, C.; VALLOD, D.; DAVID, C. Agroecology as a science, a movement and a practice. A review. Agronomy for Sustainable Development, 29, 503-515, 2009.
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Contemplo também o caminho percorrido com arrependimento por certos disparates cometidos e por certas infidelidades e olho a esse querido planeta dos filhos e filhas de Deus com uma entristecida ternura por tudo o que há de sofrimento e de busca, às vezes enlouquecida. Dom Pedro Casaldáliga
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A ABORDAGEM DO TEMA ÁGUA: o curso de aperfeiçoamento do Instituto Terra
Diogo Fernanes Rosas Marcus Vinicius Pereira
Introdução Os recursos hídricos são de fundamental importância para manutenção da vida e equilíbrio nos ciclos que a natureza promove. Oceanos e mares concentram 97% da água do mundo, mas que, por ser em sua grande maioria salgada, não pode ser diretamente utilizada para beber ou na agricultura. Além disso, dos 3% restantes, três quartos (3/4) da água doce se encontra em geleiras e calotas polares, e as principais fontes de água doce constituem apenas 0,1% (BAIRD; MICHAEL, 2011). Tundisi (2003) e Rebouças et al. (2002) relatam conflitos em decorrência da água em várias partes do mundo, o que preocupa as gerações atuais e não somente as futuras com relação à disponibilidade de água potável para todos. Entre 2003 e 2005, foi criado o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que, em janeiro de 2006 por meio da Resolução n° 58 (BRASIL, 2006), introduziu em sua estrutura a educação ambiental em consonância com a Lei Federal n° 9.795/99 (BRASIL, 1999), o desenvolvimento de capacidades, a difusão de informações, a comunicação e a mobilização social para a Gestão Integrada de Recursos Hídricos (GIRH). Em meio a essa nova conjuntura, foi criada, em 2004, a Câmara Técnica de Educação, Capacitação, Mobilização Social e Informação em Recursos Hídricos (CTEM) pela Resolução n° 39 do CNRH. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2019), estima-se que 2,1 bilhões de pessoas no mundo vivam sem água própria para o consumo humano. 83
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Ainda nessa linha de debate, a ONU apresenta dados alarmantes ao informar que degradação ambiental, crescimento populacional e mudanças climáticas agravam o estresse hídrico em proporções aceleradas. A má gestão dos recursos hídricos associada à demanda crescente devido ao aumento da população e outros fatores torna a discussão do assunto em questão de grande relevância para perspectivas futuras. A mudança global do clima se soma dramaticamente a essa pressão e a educação como ferramenta de sensibilização e conscientização é um dos pilares mais importantes na busca pelo equilíbrio ambiental. Guterres (2019) afirma que, em 2030, aproximadamente 700 milhões de pessoas em todo o planeta poderão ter que se deslocar de suas terras em função da intensa escassez de água. Esses dados e outras pesquisas em andamento apontam para a real necessidade de investir em novas políticas educacionais que aumentem a abordagem do estudo sobre recursos hídricos em todos os níveis de ensino como ferramenta transformadora da consciência e sensibilização ambiental para as gerações futuras, de forma a promover também debate sobre outros tópicos importantes como desastres ambientais que nos últimos anos têm acometido o Brasil. Como exemplo, trazemos o ocorrido no dia 5 de novembro de 2015 com o maior desastre ambiental do país após o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no município de Mariana em Minas Gerais (MG), onde houve o vazamento de lama e rejeitos de minérios de ferro oriundos da mineradora. Esse crime ocasionou grandes danos ambientais a diversas regiões banhadas pelo Rio Doce e seus afluentes, danos esses que foram considerados irreparáveis em alguns casos. Após a tragédia, houve grande mobilização no intuito de promover a minimização dos impactos negativos causados e, dentro desse cenário, a educação se faz presente sendo uma das maiores ferramentas de apoio na recuperação ambiental dos ecossistemas afetados e também de mobilização social através da conscientização da população. Nesse contexto, foi criada a Fundação Renova30, que teve origem após o crime ambiental ocorrido em Mariana (MG) e a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) pela empesa responsável e com apoio de seus acionistas e órgãos ambientais com participação direta nas localidades atingidas para recuperação de parte das nascentes do Rio Doce. 30 A Fundação Renova é responsável por gerir os programas de reparação, restauração e reconstrução das regiões impactadas pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015. A instituição nasceu em 2016, a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta (TTAC). O documento foi assinado pela Samarco Mineração e suas acionistas – Vale e BHP Billiton – e, também, por instituições e órgãos do governo federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
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Porém, no dia 25 de janeiro de 2019, durante a realização desta pesquisa, um novo evento ocorreu de forma criminosa quando mais uma barragem rompeu e seu rejeito de lama dessa vez causou, além dos impactos ambientais, prejuízos financeiros e a morte de centenas de pessoas, desta vez no município de Brumadinho (MG). Um dos rios atingidos foi o Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, fazendo com que a água ficasse imprópria para o consumo em muitas localidades e causando mortandade de peixes devido à diminuição da quantidade de oxigênio na água, o que também acarreta problemas sociais para comunidades ribeirinhas que dependem diretamente dessa fonte para sua sobrevivência. Diversos projetos foram implementados como ações mitigadoras, mas destacaremos no presente trabalho a importância do tema recursos hídricos, particularmente a água, no ensino de ciências, mais especificamente no curso de Formação de Agentes de Recuperação Ecossistêmica, promovido pelo Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (NERE) do Instituto Terra (IT), onde são formados técnicos especialistas para atuar nas atividades relacionadas ao estudo, contribuindo para recuperação dos recursos hídricos da região e pela formação de discentes que se tornam agentes multiplicadores e especialistas no tema abordado. Temos como objetivo analisar a abordagem do tema “Água” no ensino de ciências observada no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica ofertado pelo Instituto Terra. Diante do atual cenário de crimes ambientais com consequente contaminação de corpos hídricos no país, entende-se que seja necessário aprofundar estudos que contribuam para valorização do tema recursos hídricos na formação escolar. A partir desse contexto, a proposta apresentada no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica ofertado pelo Instituto Terra possui particularidades que nos levam a crer que projetos desenvolvidos nessa instituição com intuito de capacitar melhor estudantes e futuros profissionais poderão estreitar a relação entre sociedade e natureza promovendo resultados positivos.
Educação ambiental e o tema água A Constituição Federal Brasileira determina em seu Art. 225, inciso V, que cabe ao poder público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino. No Brasil, em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente promove 85
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | a inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino, reforçada na Constituição Federal de 1988. Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais são aprovados e amplia-se o foco pela necessidade de temas sociais na educação, denominados temas transversais, o que inclui o meio ambiente. Assim, a educação ambiental passa a fazer parte das orientações curriculares nacionais (BRASIL, 1997). A partir dessa aprovação, foi criada a Lei 9.795/99 (BRASIL, 1999) que dispõe sobre a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil, e tem como finalidade proporcionar aos indivíduos a aquisição de conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. Essa lei estabeleceu a educação ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Para Marcondes (2008) os temas tornam mais significativo o aprendizado de acordo com o tipo de abordagem, uma vez que eles podem permitir o estudo da realidade, fazendo com que o discente reconheça a importância da temática para si próprio e para o grupo social a que pertence, favorecendo a relação de forma significativa dos conteúdos com o seu cotidiano. Em 2002, foi elaborado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia um documento intitulado Diretrizes Estratégicas para o Fundo de Recursos Hídricos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BRASIL, 2002). O texto já apontava estratégias para a busca de soluções sustentáveis para os problemas de escassez ou excesso de água em determinadas regiões do país, degradação da qualidade da água, percepção inadequada de governantes e sociedade em geral sobre a gravidade da questão da água, fontes de fomento insuficientes para projetos que busquem ou minimizem problemas relativos aos recursos hídricos, ameaça à segurança e a paz devido a possíveis disputas territoriais, por rios compartilhados por dois países e perspectivas de mudanças climáticas que afetarão a distribuição e a disponibilidade de água no planeta. Dentre as prioridades apresentadas nesse documento, podemos destacar a capacitação de recursos humanos e infraestrutura de apoio à pesquisa e desenvolvimento. As soluções já discutidas naquele momento indicavam como oportunidades as contribuições da ciência e tecnologia em prol da sociedade brasileira. Tais prioridades possuem conexão direta com a perspectiva educacional e inserção do debate sobre recursos hídricos no ambiente escolar em diferentes modalidades, contribuindo para ampliação da relevância atribuída ao tema. 86
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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (BRASIL, 2012) afirmam que a práxis da educação ambiental se dará por meio de uma educação cidadã, responsável, crítica, participativa, envolvendo conhecimentos científicos e o reconhecimento dos saberes tradicionais. Constitui-se como elemento identitário que demarca um campo de valores e práticas, mobilizando atores sociais, comprometidos com a prática político-pedagógica contra hegemônica. A Política Nacional de Educação Ambiental caracteriza que a educação ambiental se encontra presente nos processos onde o indivíduo e a coletividade constroem conhecimentos, habilidades, valores sociais, competências e atitudes em prol à conservação do meio ambiente, sendo primordial a qualidade de vida bem como a sustentabilidade. É nele que se materializam as relações entre homem e natureza. Essa característica é fundamental para que a educação ambiental esteja no objeto de estudo das escolas e instituições, considerando todos seus aspectos, sendo incorporados junto às redes de relações socioeconômicas, culturais, políticas, ecológicas, estéticas e éticas (BRASIL, 1997). Nessa linha, a forma como temáticas são abordadas apresenta diferenças conceituais e estruturais em espaços distintos. O estudo do tema água usualmente se inicia com a abordagem do ciclo hidrológico, apresentando os processos por etapas. A importância de contextualizar este conceito permeia desde informações sobre o consumo diário, abastecimento nas residências, geração de energia elétrica, produção de alimentos, até os impactos ambientais sofridos por este recurso natural por outras atividades antrópicas. Um dos principais responsáveis pela entrada de água no ciclo hidrológico é a chuva. Quando precipita, parte dela escoa pelos rios, outra infiltra e o restante evapora ou é transpirada pelas plantas. Ao longo desse trajeto, a água pode ser utilizada de diversas maneiras até chegar ao mar, onde evapora e se transforma em nuvens que seguirão com o vento, reiniciando o ciclo. (ANA, 2019). Dickman e Carneiro (2012), a partir da reflexão de outros autores como Figueiredo, Jacobi e Loureiro, trazem como pressuposto a educação ambiental ser uma dimensão educativa crítica que possibilita a formação de um sujeitoaluno cidadão, comprometido com a sustentabilidade ambiental, a partir de uma apreensão e compreensão do mundo enquanto complexo. Para Lage, Nogueira e Foresti (2006), a realização de atividades teóricas, com participação ativa dos alunos, e de atividades de campo e laboratório, visando trabalhar a percepção sobre o mundo a sua volta, apresenta resultados positivos em relação ao aprendizado. Com isso, o desenvolvimento da percepção dos estudantes perante 87
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Ciclo da água Fonte: http://conjuntura.ana.gov.br/cicloagua
as necessidades latentes relacionadas ao debate ambiental nos dias atuais se torna uma prática importante devido aos possíveis resultados oriundos dessas metodologias. Já Soares, Nunes e Silva (2017) afirmam que a escola deve ter papel de destaque na formação de cidadãos conscientes quanto ao uso sustentável da água. Essa ideia caracteriza a importância de manter o tema em debate constante ao longo dos anos de estudo e sempre contribuindo para melhor abordagem deste conteúdo. Essas concepções corroboram a ideia de que as aprendizagens significativas desenvolvidas pelos alunos resultam em formação de cidadãos conscientes e capazes de modificar e construir soluções para problemas sociais e ambientais (WOITECHUMAS; BONMANN; ARAUJO, 2016). Alcântara (2009) afirma que os principais motivos da escassez hídrica em muitos lugares do planeta estão relacionados à degradação de corpos d’água, juntamente com o desperdício, além de zonas árias em alguns territórios. Mas para minimizar esses impactos e obter diminuição do consumo e desperdício, algumas ações devem 88
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ser implementadas, tais como ações sociais que sensibilizem sobre o uso racional da água, recursos tecnológicos que promovam controle de desperdício, ações de teor econômico como forma de incentivar o consumidor nesta relação com o consumo e também a recursos humanos capacitados. Com o amplo debate realizado sobre o tema podemos citar a Agenda 2030 (ONU, 2019), que foi proposta em setembro de 2015 e promovida pela ONU, onde Chefes de Estado e de Governo adotaram um conjunto de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e metas universais para enfrentar desafios globais que trazem problemas ambientais, sociais e econômicos ao mundo. Dentre os objetivos elencados, o sexto possui certa relação com o presente trabalho, uma vez que é apresentado com o título de “assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos”, caracterizando que o acesso a água e saneamento afetam todos os aspectos da dignidade humana. Esse objetivo também apresenta metas em alguns de seus itens que seja estabelecida até 2020, como a proteção e restauração de ecossistemas relacionados com a água, incluindo montanhas, florestas, zonas úmidas, rios, aquíferos e lagos. Outro objetivo que caminha junto com o mencionado anteriormente é o ODS 13, que apresenta como meta “tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos”. Dentre os itens que compõem esse objetivo, damos ênfase ao 13.3, que aborda a melhoria na educação, aumento da conscientização e da capacidade humana e institucional sobre mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce da mudança do clima. Podemos considerar que essas medidas também fazem parte ou possuem vertente que remete aos objetivos do milênio. Entendemos, portanto, que a educação formal, considerando a legislação vigente, não pode ficar alheia a essas discussões, tampouco não trazer para a ordem do dia dos currículos escolares documentos como a Agenda 2030, entre outros, daí a importância deste trabalho.
Metodologia O presente trabalho tem como base a pesquisa qualitativa, que utiliza uma análise diversificada envolvendo materiais analisados através de coleta de dados, documentos e trabalhos relacionados ao tema, além de visita de campo para observação real do desenvolvimento de um curso de aperfeiçoamento profissional. Essas abordagens caracterizam este trabalho como uma pesquisa 89
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | do tipo observação participante, com a imersão no campo durante uma semana, acompanhado todas as atividades desenvolvidas, realizando refeições e pernoitando em um de seus alojamentos. A observação participante é caracterizada neste estudo, embora alguns autores atribuam particularidades a essa metodologia que limitariam sua abordagem no trabalho em questão. Para Mónico et al. (2017), a observação participante é uma metodologia muito adequada para o investigador apreender, compreender e intervir nos diversos contextos em que se insere. Isso toma parte no meio onde as pessoas se envolvem e essa metodologia proporciona uma aproximação ao cotidiano dos indivíduos e das suas representações. Neste trabalho, assumimos que esses dois procedimentos (pesquisa documental e observação participante) foram contemplados por meio, respectivamente, do acesso a documentos oficiais do Programa e do Instituto Terra (incluindo vídeos, todos os disponíveis na página oficial do Instituto) e da visita de campo. O tempo de imersão no ambiente de estudo pode ser considerado um período curto, mas pode ser equilibrado de acordo com a intensidade da vivência realizada no local, onde foi possível extrair informações relevantes para o desenvolvimento do presente trabalho. A pesquisa documental caracteriza-se por estudos realizados a partir de documentos, sejam eles contemporâneos ou históricos, considerados como fontes científicas. Esse tipo de pesquisa permite associar a compreensão e observação do processo de desenvolvimento e de evolução de grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas etc (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009). O conceito de pesquisa documental define a análise de uma variedade de materiais, como documentos oficiais, cartas, relatórios, vídeos, fotos dentre outros. Todos esses materiais são utilizados como fontes de informações, de maneira que possa apresentar conteúdo válido para garantir a qualidade do objeto de estudo/pesquisa em questão e agregar mais valor ao material exposto. Com isso, dividimos a metodologia em etapas apresentadas na figura a seguir, em que a pesquisa bibliográfica deu início a todo processo através da procura e análise de materiais referentes ao tema abordado. Realizado esse filtro para obter o conteúdo de maior relevância, a segunda etapa consistiu na pesquisa documental, na qual foi possível verificar documentos oficiais do Instituto Terra (IT) como relatórios anuais de atividades, publicações sobre os programas e projetos envolvidos, entre outros. Na terceira etapa metodológica, foram assistidos vídeos disponíveis na página oficial do IT e também em suas 90
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redes sociais onde muitos materiais são apresentados com fácil acesso (como, por exemplo, em seu canal no YouTube). Esses materiais foram de grande importância, pois possuem informações interessantes a respeito de algumas dúvidas e questionamentos encontrados ao longo do estudo. A quarta etapa, considerada a mais importante, foi realizada entre os dias 22 e 26 de outubro de 2018, quando se deu a pesquisa de campo por meio da visita e caracterizou-se pela observação participante, vivência e acompanhamento do dia-a-dia dos estudantes participantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica durante uma semana de atividades. Por fim, a quinta etapa teve como objetivo a discussão e relato a partir dos dados obtidos nas etapas anteriores, a fim de formular melhor e de maneira didática tudo que foi explorado durante o desenvolvimento do presente trabalho. Neste processo surge também recomendações e propostas de novas pesquisas para a área de estudo onde foi realizado este projeto, como forma de ampliar estudos acadêmicos no local.
CENÁRIO EMPÍRICO: o Instituto Terra O Instituto Terra (IT) é uma organização civil sem fins lucrativos fundada em abril de 1998, que atua na região do Vale do Rio Doce, entre os Estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES). Suas principais ações envolvem a preservação e restauração ecossistêmica da bacia do Rio Doce, produção de mudas de Mata Atlântica, extensão ambiental, educação ambiental e pesquisa científica aplicada. O IT administra a Fazenda Bulcão, que é constituída por uma área total de aproximadamente 710 hectares, sendo 608,69 hectares reconhecidos como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)31 desde a sua fundação – trata-se da primeira RPPN constituída em uma área degradada de Mata Atlântica. O nome origina-se do córrego Bulcão, que já se encontrava praticamente seco antes da criação do IT. As duas imagens a seguir ilustram a localização do IT dentro da RPPN Fazenda Bulcão.
31 É uma categoria de Unidade de Conservação criada pela vontade do proprietário rural, sem desapropriação de terra, com perpetuidade na matrícula do imóvel sem afetar a titularidade do mesmo. Ao decidir criar uma RPPN, o proprietário assume compromisso com a conservação da diversidade biológica.
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Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica O Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica (NERE) foi criado em agosto de 2005 para proporcionar a formação pós-técnica, teórica e prática, de técnicos agrícolas, ambientais, florestais e áreas correlatas. O núcleo tem como objetivo se tornar referência na capacitação de profissionais que possam atuar na recuperação de áreas degradadas, na restauração e valoração ambiental, além de fazer uso sustentável dos recursos naturais e de técnicas alternativas à produção, administração e manejo de propriedades rurais. A construção da residência dos alunos e a aquisição de equipamentos contaram com a colaboração da Philips do Brasil e da Fundação Florindon, na Suíça. O estudo para a criação do currículo do curso foi financiado pela International Finance Corporation (IFC). Hoje, o NERE tem seu curso financiado pela Fundação Renova, responsável pela verba destinada ao projeto que capacita os alunos aprovados para ingresso no Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica. Funcionando em regime de internato, são ofertadas 20 vagas por seleção a cada ano para o Curso, e inclui, além de alojamento e alimentação, uma ajuda de custo mensal durante o período de formação. Os estudantes selecionados passam a residir nas dependências do IT, com uma carga horária flexível, sempre obedecendo à necessidade individual do agente, e 80% de atividades práticas obedecendo a um calendário próprio (e não como um ano letivo o qual tradicionalmente seguem as escolas), de forma que esses agentes possam vivenciar pelo menos um período de plantio. O investimento na formação dos técnicos estudantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional promovido pelo IT orientados para a conservação e recuperação ambiental da Mata Atlântica visa atingir um público muito específico: agricultores da região do médio Rio Doce, bem como empresas e Governo. Essa é uma das ações que permitem ao IT replicar o conhecimento adquirido na recuperação da Mata Atlântica, incentivando um modelo de agricultura sustentável na região, tal como ilustrado nas imagens comparativas entre 2001 e 2009 após a restauração de uma região da Fazenda Bulcão.
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Antes e depois da restauração na Fazenda Bulcão. 2001 x 2019 Fonte: Instituto Terra.
Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica
a) Discentes O Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica tem como público alvo estudantes que já tenham concluído Curso Técnico em Meio Ambiente, Agropecuária, Agrícolas, Florestais ou áreas afins. No período de desenvolvimento deste trabalho, a turma do curso em 2018 era constituída por 17 alunos oriundos de Institutos Federais e Escolas Família Agrícola (EFA), com faixa etária entre 18 e 25 anos. Os alunos estudam no sistema de semi-internato dentro do IT com uma carga horária flexível, distribuídas ao longo de um ano com sólida formação que respeita a necessidade individual de cada Agente em Restauração Ecossistêmica (ARE). Eles são incentivados a ter um comportamento crítico e participativo, buscando constantemente o aprimoramento de técnicas e soluções tecnológicas para aumentar a produtividade com qualidade, bem como preocupação com a saúde, a sociedade e a preservação do meio ambiente. As Escolas Família Agrícola (EFA) são escolas comunitárias, geralmente coordenadas por associação de moradores e sindicatos rurais vinculados à comunidade. A pedagogia da alternância é a metodologia utilizada nesta modalidade de ensino, em que o estudante possui o regime de frequência diferente 93
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | dos tradicionais, o que equivale a um internato rural. Passam um período de estudos na escola e um período proporcional em casa, levando o conhecimento adquirido durante o curso para vida rural da família. Essa alternância proposta pela metodologia é que permite a formação básica e profissional, além de contribuir para formação de novas lideranças e diminuição do êxodo rural. Incorporada à grade curricular estabelecida pelo MEC, a EFA possui disciplinas de agroecologia, manejo animal, agricultura etc. Nesse contexto, a alternância busca conectar dois universos que tradicionalmente se ignoram ou mesmo competem pelo presente e o futuro do jovem do campo, possuindo uma proposta pedagógica adequada às características da vida rural, procurando, além de fixar o homem no campo, servir como instrumento do desenvolvimento agrícola. O projeto das EFA surgiu na França, em 1935, ligado à Igreja Católica e hoje está espalhado por todo o mundo. O modelo foi implantado no Brasil em 1968, no Espírito Santo (ES). Dentre os estudantes participantes da turma de 2018, vale destacar que havia adolescentes oriundos de famílias de pequenos agricultores e assentamentos rurais da região. b) Estrutura A formação do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica é desvinculada da educação formal, por uma educação que envolve o agente nas atividades de modo dinâmico, crítico a participativo. Segundo a coordenação, a organização das atividades visa assegurar a formação dos Agentes em Restauração Ecossistêmica (ARE) dentro dos padrões técnicos do escopo das atividades desenvolvidas pelo IT, com isso os alunos são capacitados através da imersão e envolvimento direto nas atividades e projetos da instituição que apresentaremos mais adiante. A avaliação é feita de forma conceitual (observações), relatório de atividades, preparação de documentos, comportamento, compromisso com horários, cumprimento de prazos etc. O tema “recursos hídricos” é apresentado aos alunos do NERE principalmente através de suas práticas diárias e na observação da importância desse recurso para gerações futuras e para projetos do próprio IT, que incluem proprietários de terras na região, estudantes de escolas do munícipio e a população em geral. Dentre as disciplinas que fazem parte da organização curricular do curso, podemos citar algumas como por exemplo:
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Agroecologia Apicultura e apiário escola Código florestal, Cadastro Ambiental Rural Coleta de sementes Comunicação, linguagens e interação Curso de gestão Ecologia Educação e interpretação ambiental Jardinagem e paisagismo Laboratório de ecofisiologia de sementes da mata atlântica Legislação ambiental Noções básicas de gestão de recursos hídricos Pagamento por serviços ambientais (PSA) Prevenção e combate a incêndios florestais Socialização pedagógica Softwares básico Técnicas de restauração ecossistêmica e conservação dos recursos naturais • Viveiro florestal c) Trabalhos desenvolvidos: Durante o período do curso, os estudantes também realizam atendimento diretamente junto a pequenos produtores rurais da região, contribuindo para disseminação do conhecimento no intuito de promover e inserir práticas agroecológicas de produção, reflorestamento de Áreas de Proteção Permanente (APP), Reservas Legais (RL) e, principalmente, a proteção de nascentes, que faz parte de um dos projetos mais importantes do IT. Ressalta-se também a participação em diversas iniciativas englobando atividades educacionais de cunho ambiental diretamente ligadas às comunidades do entorno da sede da instituição. Os trabalhos desenvolvidos no Instituto são de suma importância para a formação desses agentes, uma vez que a participação direta nesses projetos possibilita maior aprendizado prático e teórico em assuntos relacionados ao tema principal do curso. Dentre eles, citaremos aqueles que apresentam maior relevância de acordo com a proposta do presente trabalho.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O Programa Olhos D’água é um dos principais projetos em atividade atualmente no IT e tem como objetivo principal a proteção e recuperação de mananciais da Bacia do Rio Doce (MG e ES), além de incentivar o saneamento em propriedades rurais localizadas também nesta Bacia. As atividades desenvolvidas nesse programa possibilitam um aprendizado diferenciado sobre recursos hídricos, em que os estudantes atuam na prática com situações específicas na recuperação dessas nascentes que são mapeadas na região. O projeto Terrinhas também é de grande relevância, pois é desenvolvido em parceria com escolas públicas e privadas de Aimorés (MG). A primeira turma foi formada em dezembro de 2008 e reunia 350 alunos, meninos e meninas, com idades entre 8 e 14 anos, que a partir dos conhecimentos adquiridos, se tornaram os monitores ambientais mirins ao receberem informação para atuar nos projetos pedagógicos de educação ambiental desenvolvidos nas escolas e participarem de atividades educativas em visitas ao IT. A participação dos estudantes do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica em projetos como esses contribuem para evolução didática em abordagens de educação ambiental e funcionam como multiplicadores da popularização da ciência levando esse tema para ampla discussão e divulgação junto a sociedade. Essa consideração será melhor desenvolvida na seção dedicada à discussão dos resultados e ao final deste trabalho.
Coleta de dados Foram pesquisados em documentos e outros materiais disponíveis, incluindo audiovisuais, diversas informações a respeito do IT e seus programas específicos, e foi dada ênfase aqueles que apresentassem relação direta com o NERE e o presente trabalho. Dentre os documentos, foram verificados o Estatuto Social do Instituto, Nota Técnica sobre o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica, Relatório Anual de Atividades, Organização Curricular do Curso, entre outros. Nesta etapa da pesquisa, também foram analisados diversos vídeos do IT que apresentassem os trabalhos desenvolvidos e que possuíssem relação com o tema abordado. Também foram verificados outros conteúdos de fontes como a Fundação Renova, que complementam as análises realizadas para o assunto discutido. Alguns vídeos foram acessados diretamente nos canais oficiais do IT e 96
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da Fundação Renova no YouTube. A seleção foi feita de acordo com o conteúdo dos vídeos e sua relevância com nosso objeto de investigação, no intuito de preserválo sem grandes desvios de informação que pudessem desfocar a proposta. Durante as etapas de pesquisas referentes ao IT e o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica oferecido pelo NERE, houve uma troca de e-mails para buscar maiores informações sobre o curso junto a sua coordenação. Após alguns questionamentos sobre a pesquisa que viria a ser desenvolvida, um convite foi realizado pela orientadora educacional do núcleo para conhecer o curso e participar das atividades presencialmente, como forma de explorar e observar o trabalho produzido pela instituição. Essa possibilidade de vivência foi a chave para o desenvolvimento do estudo apresentado neste trabalho. Após acordo entre o investigador, o orientador deste trabalho e a coordenação do curso, a pesquisa de campo ocorreu entre os dias 22 e 26 de outubro de 2018, quando foi possível participar e realizar as observações com objetivo exploratório descritivo. Durante essa semana houve o acompanhamento das atividades desenvolvidas ao longo do programa, além de conviver com os estudantes e conhecer de perto suas rotinas, de forma que pudesse verificar as abordagens e a participação dos discentes no desenvolvimento e produtividade do curso. Para recuperação da micro bacia do Córrego Bulcão, foi necessário realizar o desassoreamento do leito do ribeirão e das barragens, a execução de obras de drenagem, pontilhões e barragens de laminação no córrego, para controle de vazões e apoio às atividades do viveiro de mudas. A recuperação desses espaços permitiu a criação de jardins e de espaços de lazer que aproveitam o recurso hídrico através de um manejo correto.
Resultados Durante o período de observação dos discentes em atividades do Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica, foi possível identificar respostas para questionamentos apontados no início do trabalho. O comportamento e as perspectivas escutadas ao longo desse processo foram verificados com os resultados relatados ao término da vivência. O conteúdo explorado de forma teórica e prática torna o aprendizado mais efetivo à medida que há participação mais intensa entre os estudantes. 97
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Controle de vazão do córrego. Fonte: acervo da pesquisa.
Barragem e jardins. Fonte: acervo da pesquisa.
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Vale ressaltar que ambas se sustentam e são igualmente necessárias para criar um canal de motivação pois caracterizam e apresentam situações reais. Para analisar os resultados obtidos durante a pesquisa foi necessário trabalhá-los em etapas, tal como na construção dos procedimentos metodológicos. A partir da pesquisa bibliográfica e análise documental, verificou-se o período de início do curso, quantidade de alunos formados e os projetos desenvolvidos ao longo do tempo e que ocorreram com participação direta desses agentes. Mais de 160 agentes já foram qualificados desde o início do programa e algumas atividades foram além do término do curso. A Figura abaixo apresenta uma matriz de relação entre o tema central do trabalho e as diversas vertentes diretamente ligadas a ele. Quando falamos em recursos hídricos, há uma relação direta e importante que compõe e trabalha junto com outras vertentes de ensino e sensibilização do conteúdo a ser explorado. Os sete itens escolhidos para orbitar nosso tema na confecção desta composição foram caracterizados de acordo com a importância identificada ao logo da pesquisa e suas análises. Ao mencionar a Educação Ambiental, o fazemos pelo fato de observar a intensa participação desta atividade na sensibilização dos participantes deste estudo. Tanto os discentes quanto os visitantes do IT apresentavam esta ferramenta como parte fundamental do debate/exploração do tema recursos hídricos, de forma que se tornasse possível essa interação e ampliação do discurso sustentável deste recurso junto aos envolvidos nas atividades.
Matriz de relação entre o tema do trabalho e outras vertentes. Fonte: elaboração dos autores.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A recuperação de nascentes é outro elemento de fundamental importância pois é parte intrínseca na manutenção e vitalidade do ciclo hidrológico, e essa é uma das atividades mais desenvolvidas durante as etapas do curso, sendo também o projeto de maior importância do Instituto. Os projetos desenvolvidos no IT também fazem parte deste conjunto, uma vez que apresentam foco principalmente na restauração ecossistêmica da região, o que leva à preservação dos recursos hídricos e complementa outros aspectos abordados nessa matriz. A pesquisa científica aplicada e o viveiro de mudas são exemplos dessa ligação direta, ao permitirem a estruturação de estudos específicos que venham a contribuir com o cenário acadêmico e científico através das características encontradas na área de estudo, com possibilidades potenciais de adquirir resultados de grande valor.
Visita de campo Segundo Freire (1996), teoria e prática são inseparáveis tornando-se, por meio de sua relação, práxis autêntica, que possibilita aos sujeitos reflexão sobre a ação, proporcionando educação para a liberdade. Com isso, teoria e prática devem inseparáveis e sua relação deve ser entendida como um diálogo necessário e permanente, no qual a ideia de que o saber teórico está distante da ação prática não se fundamenta. A visita que fundamentou a pesquisa de campo realizada em uma semana do mês de outubro de 2018 configura a etapa mais intensa do processo, pois foi onde houve a maior troca de experiências e percepções pelas quais buscava ao iniciar o presente estudo. No primeiro dia da visita (22/10/2018) de acompanhamento das atividades no IT, fui apresentado aos alunos e a coordenação do curso, para que me inteirasse sobre o Instituto. Durante a primeira conversa com a Analista de Educação (Sra. Gladys Nunes Pinto), foram abordadas questões relacionadas à gestão do curso do NERE, quando fui informado sobre a metodologia do curso, carga horária, disciplinas, características, público alvo, (in)formalidade do curso, ideias, perspectivas, objetivos, dentre outras ideias que apresentavam relevância diante da pesquisa proposta. Os primeiros minutos de estadia foram de olhares curiosos de quem não somente será observador, mas também será observado durante uma semana, somando-se à curiosidade sobre o que estaria por vir. Entendo que aquele que se torna objeto de estudo, passa por um sentimento de cobaia dentro de um experimento e se mostra moderado ao responder qualquer 100
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questionamento, porém, a confiança foi adquirida com conversas de cunho técnico e em pouco tempo já estávamos ambientados e em sintonia. O segundo dia (23/10/2018) em campo foi de acompanhamento e visita externa do projeto Olhos D’água, que visa ao mapeamento, identificação e preservação de nascentes de água em propriedades rurais, quando foi possível conhecer a fundo a proposta deste programa e de que maneira os estudantes participavam das atividades. Neste projeto os estudantes participam ativamente das etapas de visita ao produtor rural que pretende inserir-se no programa e realizam o acompanhamento das atividades específicas já descritas anteriormente. Na Figura abaixo, por exemplo, é realizada a marcação dos pontos com uso de GPS, para identificação da localização exata da nascente a ser caracterizada para integrar o mapeamento das áreas protegidas pelo projeto.
Pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Nas Figura observamos a conversa realizada durante a visita técnica, em que um analista do IT verifica as condições do local explorado e avalia junto ao proprietário e estudantes algumas observações específicas referentes ao terreno em questão, que pode apresentar particularidades durante a implementação da atividade. 101
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Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Discentes do curso atuando em pesquisa de campo do Projeto Olhos d’água. Fonte: acervo da pesquisa.
Nascente encontrada em uma das fazendas participantes do Projeto Olhos D’água. Fonte: acervo da pesquisa.
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Na tarde do mesmo dia, em 23/10/2018, houve acompanhamento das atividades desenvolvidas no Laboratório de Sementes da Mata Atlântica, local de grande aprendizado dentro do curso, uma vez que nesta etapa ocorre o processamento e beneficiamento das sementes, para favorecer os plantios através do desenvolvimento de métodos que possibilitam a produção de mudas com maior qualidade e menor custo, através de análises físicas e fisiológicas das sementes estudadas. Com isso, também é possível tornar o processo mais eficiente para garantir o sucesso nos futuros plantios realizados na recuperação de áreas degradadas. As atividades realizadas no laboratório também verificam a condição de germinação das sementes, identificando a pureza das mesmas e analisando a umidade, o que mais uma vez nos mostra a importância da água também nesta etapa de preparação das sementes e posteriores mudas a serem utilizadas. O armazenamento dessas sementes ocorre através da câmara fria32, onde podem ser guardadas com maior controle e separadas de acordo com as necessidades de semeadura, para atender ao cronograma de atividades do viveiro de mudas da instituição. A coleção de sementes do laboratório possui mais de 85 espécies diferentes que auxiliam na identificação do que será produzido. Este espaço também funciona como ambiente didático, onde os alunos passam um período de acompanhamento para conhecerem todo o processo. O local também recebe a visita de pesquisadores, colaboradores e até mesmo de outros estudantes que queiram conhecer as atividades desenvolvidas, podendo assim aprenderem mais sobre a diversidade botânica da Mata Atlântica da região.
Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa 32 Câmara frigorífica específica para sementes e grãos, utilizada para manter a qualidade do produto desde o ponto de maturação fisiológica até a semeadura, garantindo melhor aproveitamento dos mesmos.
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Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa
Laboratório de sementes Fonte: acervo da pesquisa
Após conhecer o laboratório, foi possível visitar o viveiro e a sementeira de espécies nativas produzidas para o programa de recuperação ambiental desenvolvido pelo instituto. Esse local é considerado dentro do IT como um berçário, uma vez que é onde a vida nasce através do desenvolvimento de mudas que serão plantadas posteriormente e mais de 6 milhões já saíram de lá com o destino de recuperar áreas. 104
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Viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
Mudas de Angico Branco. Fonte: acervo da pesquisa. Viveiro de mudas com espÊcies de mata atlântica Fonte: acervo da pesquisa.
Viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Durante a visita foi possível observar que os tubetes de plásticos utilizados para desenvolvimento de mudas foram substituídos por novos tubetes biodegradáveis. O material utilizado é feito de fibras de celulose que se degradam no meio ambiente através da ação de microrganismos do solo. Nesse processo identificamos mais projetos inseridos no contexto do curso, em que muitas atividades práticas e específicas fazem parte do cotidiano dos alunos participantes.
Mudas em tubetes biodegradáveis. Fonte: acervo da pesquisa.
As mudas desenvolvidas nesta etapa atendem projetos de recuperação de nascentes, revegetação de mata ciliar e áreas degradadas, além de reflorestamento em áreas de recarga hídrica, no intuito de melhorar as condições hídricas e a conservação dos solos do município de Aimorés (onde situa-se o IT). A produção dessas mudas já atendeu muitas áreas com a finalidade de preservar e recuperar corpos hídricos pela região e os estudantes do curso atuam diretamente nessas atividades com o conhecimento adquirido e conseguem pôr em prática todo esse aprendizado recebido ao longo do curso. Em conversas com a turma, houve descrições sobre a importância do viveiro e as impressões no primeiro contato. Uma estudante relatou que ao chegar no Instituto se deparou com um mar de verde, que apresentava mais de 100 tipos de espécies e que aquilo a impactou ao imaginar como aquelas mudas poderiam recuperar áreas degradadas e recompor ecossistemas até então destruídos e com baixa perspectiva de regeneração. 106
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O terceiro dia de estadia no IT (24/10/2018) foi composto pelo acompanhamento de visita de estudantes de mestrado do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), quando puderam conhecer as atividades do Instituto e foram guiados por alunos do NERE.
Estudantes de mestrado do IFMG conhecendo o viveiro de mudas. Fonte: acervo da pesquisa.
Em seguida, houve uma roda de conversa entre discentes do curso e os alunos de mestrado visitantes, quando foi possível apresentar melhor os participantes e suas perspectivas com as atividades desenvolvidas ao longo do Aperfeiçoamento Profissional e o envolvimento nos processos de troca de saberes e valores, nesta construção com atividades práticas e teóricas. Essa etapa contou com descobertas sobre o ponto de vista da turma, em que alguns participantes puderam mostrar aos visitantes suas experiências anteriores ao curso e motivações para o que viria futuramente. Destaco algumas dessas percepções, como a de um estudante que relatou buscar no curso a possibilidade de capacitação profissional que o faça retornar a sua comunidade de origem para melhor estruturar e inserir nela seu aprendizado técnico adquirido. Tal colocação nos faz perceber a importância de iniciativas que gerem oportunidades como essa, quando estudantes, em sua grande maioria do meio rural, podem se capacitar para representar melhor sua região. 107
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Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
Estudantes de mestrado do IFMG encontrando alunos do NERE. Fonte: acervo da pesquisa.
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No 4º dia (25/10/2018) houve a visita de alunos do Curso Técnico em Meio Ambiente de um campus do IFES localizado em uma cidade predominantemente agricultora. Eles assistiram ao vídeo institucional, participaram de atividades de educação ambiental com estudantes do curso de aperfeiçoamento, debateram sobre a vivência ocorrida ao longo de um ano morando na sede do Instituto além de conhecerem a estrutura do local. Também foram convidados a participar do edital que seria aberto para o ano seguinte, na formação da turma de 2019. Havia muitos estudantes curiosos e interessados no programa apresentado e eles relataram conhecer boas referências de ex-alunos do IT que encontraram caminhos profissionais de sucesso após o curso de aperfeiçoamento. Na parte da tarde foi realizada uma pesquisa sobre os conteúdos abordados para poder caracterizar os temas desenvolvidos na semana, a saber: ciclo hidrológico, biomas, mata atlântica, proteção de nascentes, processos erosivos, solos, manipulação de sementes, viveiro de mudas, recuperação de áreas degradadas, educação ambiental, extensão ambiental e pesquisa científica aplicada.
Alunos do IFES assistindo à palestra em dia de visitação. Fonte: acervo da pesquisa.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | No quinto e último dia de vivência no IT (26/10/2018), foi realizado o acompanhamento junto a estudantes da rede municipal de ensino que participaram de uma prática ambiental e visita guiada no local denominado Trilha dos Quatis, realizada em um trecho da RPPN, onde os visitantes caminham acompanhados de técnicos e discentes do NERE que apresentam e discutem temas relacionados a proposta. Nesta etapa são desenvolvidas dinâmicas de participação, que estimulam a sensibilização dos envolvidos na atividade a uma aproximação maior com o espaço natural que estão em contato.
Alunos da rede municipal na Trilha dos Quatis. Fonte: acervo da pesquisa.
Ainda nessa atividade, foi possível verificar a abordagem do tema água inserida na conversa com os estudantes da rede municipal que participavam da visita guiada, onde apresentou-se a importância da manutenção da floresta em pé e com a realização do manejo correto de espécies nativas. Aspectos como a influência no processo erosivo e a retenção de água no solo também se fizeram presentes nessa etapa de apresentação do conteúdo, como forma de mostrar no campo e de maneira mais didática a representação desses fundamentos da natureza. Com o desenvolvimento de dinâmicas como essa, verificou-se a maior atenção dos estudantes e uma participação mais ativa. O fato de levá-los para visualizar os aspectos naturais in loco tornam a atividade mais atrativa e prazerosa, uma vez que a rotina de sala de aula é alterada e a metodologia de aprendizado ganha novas vertentes, podendo gerar ganho significativo no entusiasmo pela maioria da turma além de contribuir para a aprendizagem.
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Discente do NERE apresentando a vegetação. Fonte: acervo da pesquisa.
Alunos da rede municipal em dinâmica na Trilha dos Quatis. Fonte: acervo da pesquisa.
Após a formatura da turma de 2018, mantivemos contato com alguns estudantes (agora profissionais em restauração ecossistêmica) e pudemos identificar que traçaram novos rumos para sua carreira. Podemos citar como exemplo um grupo que criou o Rega Ambiental, uma equipe de trabalho em Recuperação Ecossistêmica e Gerenciamento de Águas. 111
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Considerações Através da pesquisa realizada, foi possível estruturar algumas considerações sobre o estudo desenvolvido. Dentre os tópicos relacionados, primeiramente ressaltamos a própria existência de um curso de aperfeiçoamento profissional pós-técnico durante tanto tempo, pois o mesmo funciona e sobrevive a partir de patrocínios e investimentos que são garantidos devido ao sucesso e importância do projeto, mas também pela visibilidade que o Instituto Terra possui mundialmente. A capacitação e qualificação dos participantes do curso também se enquadra como item de grande importância, uma vez que eles se tornam mão de obra técnica especializada com vasta experiência adquirida ao longo do ano em que fazem parte do Núcleo de Estudos em Restauração Ecossistêmica. Alguns desses profissionais que se destacam passam a fazer parte do próprio Instituto Terra e se tornam referências para turmas posteriores. Esse núcleo possui grande contribuição para formação desses jovens (em sua maioria oriundos de diversas regiões da Bacia do Rio Doce) e pode ser considerado um importante fomentador do desenvolvimento rural sustentável. Tal afirmação se dá pelo fato de que esses profissionais concluem o Curso de Aperfeiçoamento Profissional em Restauração Ecossistêmica aptos para promoção de impactos positivos na restauração ecossistêmica e recuperação de nascentes na região de origem. O período de vivência e acompanhamento do curso foi de fundamental importância para formular melhor o presente trabalho e compreender a proposta oferecida. Os dias de convívio permitem estruturar e apresentar com mais clareza as observações realizadas em uma pesquisa como esta, uma vez que a análise presencial possibilita um estudo mais completo. A abordagem sobre os recursos hídricos e sua importância é levada de maneira prática e didática aos produtores rurais como foi verificado principalmente no Programa Olhos d’água, podendo assim inserir lado a lado a preservação ambiental e o desenvolvimento produtivo dos proprietários. O avanço e sucesso deste programa multiplicam o registro e preservação de outras nascentes na região devido aos resultados positivos verificados nas propriedades que já fazem parte desta iniciativa. O poder transformador causado pelos trabalhos desenvolvidos também é bem observado no projeto Terrinhas, uma vez que os participantes fizeram parte deste efeito multiplicador de práticas sustentáveis e poderão influenciar direta e indiretamente o meio onde vivem, o que inclui a família e até mesmo a 112
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comunidade em seu entorno. Ressalta-se também que é possível suprir a mão de obra técnica da região através do conhecimento adquirido neste período, como já ocorreu com diversos profissionais que concluíram o curso. As limitações identificadas a partir deste estudo permitem algumas recomendações para pesquisas futuras nesta mesma área de estudo / região. O município de Aimorés (MG) possui baixo índice de pluviosidade anual, tornando essa uma região com pouca chuva e relativamente seca em grande parte do ano. Observamos que o Instituto Terra possui ótima estrutura e potencial para desenvolver pesquisas na área de sistemas de captação de águas pluviais e que isso pode agregar mais valor e conhecimento, tanto acadêmico quanto social, para questão ambiental diretamente ligadas aos recursos hídricos da região. Isso o tornaria multiplicador de mais uma ferramenta de apoio a educação ambiental e ao desenvolvimento, respeitando a natureza e seus fundamentos. Espera-se que esse estudo tenha contribuído para a área de ensino de ciências ao tratar de uma formação não muito comum (curso de aperfeiçoamento profissional para técnicos formados) e em uma área de interesse como a restauração ecossistêmica.
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Vamos ao jardim das plantações de banana, revestidos e de noite, a qualquer risco, que ali o Mestre sua o sangue dos pobres. Dom Pedro Casaldáliga
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PROPOSTA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA A PARTIR DA ABORDAGEM CTSA: esquemas de pensamento e modos de agir
Lenita Leite de Oliveira Fernandes Denise de Medeiros Frias Edgar Miranda Eva Nascimento Bernardino Angélica Gomes da Silva Vanessa de Souza Rosado Drago Vanessa dos Anjos de Oliveira
Introdução O despertar ambiental (1960) pautou na agenda da sociedade do século XXI o debate sobre o colapso do meio ambiente, ao evidenciar a ação antrópica na produção de mudanças ambientais em escala planetária. Os problemas ocasionados pela contaminação e o consumo predatório dos recursos e bens naturais exigiram da sociedade uma nova forma de pensar e de se relacionar com a natureza, na medida que a própria existência humana passou a ser ameaçada. Fez-se urgente a construção de uma consciência ampla e crítica da problemática ambiental, reconhecendo o papel das práticas sociais (individuais e coletivas) e seus atravessamentos políticos, econômicos e culturais na constituição das questões socioambientais, mobilizando esforços para solucionálas e combater injustiças e desigualdades. Nesse contexto, e considerando a influência e a mediatização da Ciência e a Tecnologia na vida em sociedade, os estudos ciência, tecnologia e sociedade (CTS) passaram a defender a discussão a respeito do papel da Ciência e da Tecnologia (C&T) na produção da emergência ambiental, que, na qualidade de instituições sociais, são constrangidas pela influência do modelo econômico desenvolvimentista. Destarte, motivadas por denuncias ambientais (CARSON,
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | 1962/1969) e experiências bem-sucedidas de participação cidadã (SOLOMON, 1993), esse movimento vê a necessidade de formação da população para tomada de decisão em sociedade sobre assuntos relacionados a C&T. Nessa linha de pensamento, porém tentando evitar “um tratamento particularmente insuficiente das questões ambientais” (VILCHES; PÉREZ; PRAIA, 2011, p. 180), foi realizada a inclusão da letra A de ambiente, conformando o acrônimo CTSA. Em sua particularidade, a abordagem CTSA procura ressaltar as implicações socioambientais da ingerência científico-tecnológica na sociedade, de forma que os cidadãos, apoderados dos mecanismos democráticos de participação e tomada de decisão, possam conduzir e pressionar mudanças na situação ambiental. De forma geral, as discussões acumuladas e o lastro teórico desenvolvido sobre CTS/A encontrou eco na educação científica voltada para formação para cidadania (SANTOS, 2011), sobretudo, enquanto abordagem curricular. A educação científica, na perspectiva CTSA, teria a cidadania e a responsabilidade socioambiental como alguns dos seus horizontes de ação, promovendo a partir da discussão dos aspectos positivos e negativos da Ciência e da Tecnologia para o ambiente, capacidades discursivas e intelectuais para tomada de decisão coletiva, entendida como forma de controle social das questões ambientais. A incidência desse movimento na educação figura na promoção, pelo ensino de ciências, de uma visão mais realista da C&T, tentando desmistificar sua representação salvacionista, ao articular uma percepção que as tem como práticas sociais e como território de contradições e disputas de interesses, refutando sua pretensa neutralidade. Isso implica em uma ruptura com o ensino baseado exclusivamente na memorização de nomenclaturas e de sistemas classificatórios, colocando como desafio a reorientação de toda uma organização do currículo e do ensino, repensando a forma de tratamento dos temas, os modos de agir, de ensinar, aprender e a construção e administração de materiais em sala de aula. Destaca-se como um “primeiro obstáculo para a implementação da Educação CTSA na escola”, […] “a transposição de objetivos e expectativas” desse “movimento social para a sala de aula” (RICARDO, 2007, s/p.). Isso porque, persistem barreiras à sua operacionalização, tais como a (i) força da organização curricular tradicional, de caráter fragmentado, engessado e focado nos produtos da ciência, dificultando a incorporação de aspectos sociológicos, históricos e políticos que dão a tônica às discussões CTSA; (ii) a necessidade de adequação das estratégias e recursos metodológicos e pedagógicos aos contextos específicos e; 118
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a (iii) oposição entre o conteúdo em ciências e o conteúdo CTSA, que impede enxergar a possibilidade de contextualização e ressignificação de conteúdos tradicionais a partir de temáticas socioambientais. Todavia, considerando a capacidade de atuação docente na escola por meio de processos criativos diversos, reconhecemos a possibilidade de ressignificação curricular, repensando-o de modo a superar suas limitações, pois entendemos o currículo como território em disputa, como uma construção sociocultural da escola, suscetível à ressignificações. Com base nesse pressuposto, analisamos o processo de recontextualização curricular durante a construção de uma ação em Ciências de abordagem CTSA, no âmbito de um projeto de iniciação científica de alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Discutimos as potencialidades das estratégias e artefatos mobilizados/elaborados pelos atores envolvidos para promoção de uma visão ampla e complexa das questões socioambientais relacionados à mineração e à produção de energia, tendo a representação dos assuntos trabalhados como mecanismo interpretativo e as estratégias didáticas como artefatos que materializam a proposta em sala de aula. A pesquisa é apresentada ao longo do texto, no qual discutimos, inicialmente, possíveis de contribuição da abordagem curricular CTSA para promoção de uma consciência ambiental crítica. Após, explicitamos o contexto de construção da proposta de ação pedagógica, descrevendo o escopo do projeto de iniciação científica. Nossas perspectivas interpretativas e procedimentos analíticos são discutidos em sequência, para, em seguida relatarmos os resultados principais e realizarmos nossas considerações finais.
Abordagem ciência, tecnologia, sociedade e ambiente - ctsa Como destacamos, os problemas socioambientais e os aspectos políticos de uma sociedade cada vez mais científica e tecnológica passaram a criar demandas formativas para o Ensino de Ciências, abrindo espaço para o desenvolvimento de novos quadros epistêmico-teórico-metodológicos que transcendessem o ensino baseado apenas na transmissão do conhecimento de conteúdos científicos (SANTOS, 2007). Nesse pensamento, a abordagem CTSA tem disputado espaço nos currículos, na tentativa de desenvolver uma ação crítica do ensino de ciências, utilizando os conhecimentos científicos e tecnológicos como instrumento 119
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | de leitura, interpretação, análise e resolução de problemas socioambientais. Ricardo (2007, s/p.), discutindo o status de referência de saberes de cada uma das instituições representadas na sigla, sugere que “os saberes da ciência e da tecnologia seriam referências dos saberes escolares e a sociedade e o ambiente assumiriam o papel de cenário de aprendizagem”. Essas seriam as bases que poderiam promover a capacidade de tomada de decisão responsável. No caso, “Teríamos a formação de cidadãos críticos e capazes de tomarem decisões responsáveis quanto ao desenvolvimento científico e tecnológico atual, e, instrumentalizados para interferir nessa realidade” (BARBOSA; BAZZO, 2014, p. 364). No entanto, no âmbito escolar, para se atingir esse horizonte demandase outra ênfase curricular, focando em temas socioambientais significativos para os estudantes, problematizando suas dimensões políticas, sociais, econômicas e culturais. Essa reorientação assentaria a estrutura para promoção de uma educação crítica, descortinando a ideia da ciência como um conjunto de verdades, rompendo com o ensino fundamentado na reprodução estática de conceitos científicos. Ao contrário permitiria aos sujeitos lerem o mundo e os problemas socioambientais associando-os a sua vida, a comunidade, a economia, a política e a cultura (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001). Ancorados nessas considerações, destacamos três eixos integrados de atuação da abordagem CTSA que contribuiriam com a construção complexa e crítica da realidade ambiental, a saber (i) natureza da ciência; (ii) construção do conhecimento científico; e (iii) formação para cidadania (MIRANDA, et al., 2018). i. Natureza da Ciência – como destacado um dos pontos centrais de tratamento dessa abordagem consiste no papel que Ciência e da Tecnologia para conformação dos problemas e mazelas socioambientais. Colocando em evidência a representação dessas instituições como sendo social, política e economicamente neutras; ii. Construção do conhecimento científico – o ponto de inflexão estabelecido pela História da ciência a partir da obra de Thomas Kuhn (1962/1994) e da Sociologia da Ciência, com estudos como de Bruno Latour (1979/1997) sobre a constituição do conhecimento científico, reclama a desmistificação da C&T como um empreendimento linear e de caráter exclusivamente individual, defendendo a noção de uma construção coletiva, sujeita a rupturas e orientada pelas comunidades; iii. Formação para cidadania – por fim, procura-se a descentralização das decisões envolvendo questões socioambientais, abrindo a possibilidade 120
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de os cidadãos tomarem decisões públicas, antes formuladas por uma tecnocracia. Para isso, exige-se a formação de cidadãos críticos, reflexivos, participativos e capazes de argumentação e proposição de resolução de problemas cientificamente fundamentadas. Essas dimensões serviram de parâmetros para sugestão de tema e construção da proposta de sequência didática, a qual apresentamos a seguir, assim como seu contexto de produção.
Contexto de elaboração da ação pedagógica: projeto de iniciação científica mirim A ação pedagógica foi concebida no âmbito da iniciativa de ensino e pesquisa “Iniciação Científica Mirim” desenvolvida pelo “Núcleo Interdisciplinar de Ciência, Ambiente, Sociedade e Educação – NICASE que envolve vários grupos de pesquisa em Ensino de Ciências e Educação Ambiental do Colégio Pedro II (CPII). O programa tem como objetivos principais (i) Compreender os processos de Alfabetização Científica nos anos iniciais do Ensino Fundamental; (ii) Estimular processos de desenvolvimento do espírito científico e as diferentes potencialidades dos alunos; (iii) Investigar práticas científicas inovadoras no Ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental; (iv) Propor novas abordagens e materiais didático-pedagógicos para a Educação Científica e; (v) Analisar práticas que estimulem o debate científico crítico e de aptidões e conhecimentos com vistas ao exercício da cidadania dos alunos. O projeto é desenvolvido nos cinco campi I em diferentes modalidades que incluem clubes de ciência e monitoria discente. Nos campi Realengo I (há 5 anos) e Engenho Novo I (há 2 anos), se dá no formato de um clube de ciências (Clube de Ciências Investigação e Descoberta do Mundo) que é organizado e administrado por docentes integrantes do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade – GEPES/CPII. O clube, na qualidade de espaço educativo em Ciências, utiliza experimentos científicos como forma de mediação entre teoria e prática. Os encontros ocorrem quinzenalmente no contraturno escolar e atendem alunos na faixa etária de 10 à 12 anos, matrículados no quarto e quinto anos, os quais são selecionados pelos professores, conforme o interesse em ciências e a disponibilidade em frequentar o projeto, já que este é extracurricular e não obrigatório. 121
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Os temas do clube relacionam-se ao currículo do 5º ano e são trabalhados de forma a aprofundá-los e discuti-los criticamente e de modo contextualizado. A seleção dos assuntos, os modos de ação, os experimentos, atividades didáticas, entre outros aspectos, configura-se como uma construção coletiva e multidisciplinar, envolvendo professores (pedagogos e licenciandos), pesquisadores das áreas de referência das ciências naturais, pesquisadores em educação e alunos de graduação em Ciências Biológicas. Esse coletivo compõe uma parceria interinstitucional entre o Colégio Pedro II, o Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, o Departamento de Ecologia do Instituto de Biologia-UFRJ, o Instituto de Física da Universidade Federal Fluminense-UFF e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa - ULisboa. Essa formação social é entendida como uma “comunidade de práticas” – CdP (WENGER, 2010; 2016), que consiste na formação de um grupo que partilham preocupações ou conjunto de questões em uma área comum, que, em interação contínua, aprofundam seus conhecimentos e expertises (WENGER et al. 2002). Esse “sistema social de aprendizagem” permite a mobilização dos diferentes conhecimentos de seus integrantes para criação de ambientes de aprendizagem, com o aprimoramento profissional e desenvolvimento de projetos de pesquisa, extensão e inovação. De acordo com Martinelli (2014, p. 5), […] Fazem parte da prática atuações conjuntas, mediante a interação, a produção de artefatos, que são a própria criação dos produtos de conhecimento”. Nessa constituição, o clube de ciências torna-se um espaço heterogêneo e interativo de subjetividades que se constroem na coletividade. Esse potencial é mobilizado na elaboração de propostas de trabalho que articulam abordagens críticas de ensino, tais como a CTSA. No caso em tela, foi desenvolvida uma sequência didática contextualizada a partir do “Crime ambiental” de Brumadinho, colocando em evidência a produção mineral e de energia em sua relação com o consumismo social. A seleção dessa temática considerou sua urgência social, determinada pelo (a) impacto altamente agressivo da atividade mineradora no meio ambiente, (b) a vulnerabilidade socioambiental associada ao modelo de armazenamento dos rejeitos de minério adotado no país e sua (c) relação com a produção de bens de consumo e de energia. A sequência didática foi construída ao longo de vários encontros da comunidade de práticas, nos quais foram sendo discutidas as questões envolvidas no rompimento da barragem de Brumadinho e os aspectos ambientais, políticos, 122
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econômicos e sociais relacionados, os quais balizaram o planejamento das discussões, a sequência de práticas e os materiais didáticos.
Fundamentos teóricos dos processos analíticos O processo de análise fundamentou-se na noção de currículo como uma construção sociocultural sujeita à influência de diversos grupos de interesse, caracterizando-o como uma “área contestada”, como uma “arena política” (GOODSON, 1995; MOREIRA; SILVA, 2013, p. 28). Isso implica entendê-lo como um artefato de constituição híbrida decorrente da influência política de diferentes contextos, estruturas sociais e grupos de interesse (LOPES; MACEDO, 2011ab). Nessa compreensão são consideradas as contingências locais e as tradições culturais no processo de organização do conhecimento a ser ensinado pela escola, a exemplo da atuação dos grupos disciplinares para influenciar o currículo escolar (LOPES, 2004). Nessa perspectiva, é reconhecida a capacidade de agência dos sujeitos na formulação das propostas, nas quais tentam criar e imprimir sentidos e significados em torno dos elementos curriculares. Essa dinâmica considera a possibilidade dos professores de (re)criarem as demandas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012), já que a distância entre as recomendações curriculares e a prática escolar é um espaço em aberto, no qual a ação criativa dos docentes pode se expressar. Nesse sentido, a noção de “recontextualização” é importante aqui, pois permite compreender esse processo como a “transferência” de textos/discursos entre contextos, preenchendo espaços vazios de significação a partir da criação/ produção de sentidos, bem como de resistências (BALL, 2011). Dessa forma, admite-se o protagonismo dos docentes na operacionalização das práticas curriculares. No caso, entendemos a elaboração da sequência didática, sob a perspectiva CTSA, como manifestação da capacidade de recontextualização docente, que é analisada tentando-se apreender suas dinâmicas subjetivas e objetivas em meio à construção das propostas de ação. Para isso, utilizamos como dispositivo teórico-analítico as categorias interpretação e tradução. A interpretação é concebida como a leitura e codificação das demandas postas à escola. Para isso, os sujeitos se valem das condições objetivas, da cultura institucional, da tradição escolar, de visões de vida etc., como elementos 123
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | interpretativos, por determinarem a forma de pensar e compreender a realidade que estão inseridos. Na presente investigação, destacamos a representações do acontecimento construídas pela comunidade de práticas, ao longo dos encontros, como elemento base de interpretação e orientação do planejamento e seleção de estratégias. Quanto à tradução, consistiria no processo criativo propriamente dito, em que são construídas as estratégias, mecanismos e artefatos são mobilizados/ produzidos para colocar o currículo em ação. A materialização das propostas pode ser expressa em diversos artefatos de natureza diversificada: virtual, textual, discursiva, comportamental, organizacional, entre outros (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2012). No caso, analisamos todo o acervo de estratégias e mecanismos utilizados pela CdP. Para acessar essas informações, analisamos as atas e materiais formulados nos encontros da comunidade de práticas; os planos de trabalho e os artefatos (vídeos, slides, textos e experimentos) elaborados/mobilizados pelos professores para discussão dos temas. Nesses materiais buscamos identificar elementos que nos permitissem construir inferências sobre os modos de pensar e agir da proposta, cujos resultados são apresentados na sequência.
Resultados A discussão dos dados da avaliação da construção da proposta de ação sob a abordagem CTSA foi organização em duas subseções resultantes da análise dos processos de pensamentos da comunidade de práticas para construção da sequência didática e dos modos de ação das estratégias, mecanismos e artefatos mobilizados para discussão e relação das dimensões sociais envolvidas na questão CTSA trabalhada pelo clube de ciências, a saber: (i) Esquema de pensamento como fundamento interpretativo e (ii) Os modos de agir: estratégias, mecanismos e artefatos de tradução. Esquema de pensamento como fundamento interpretativo Para organização das atividades, foi definida a realização de 3 encontros de formação, na modalidade rodas de conversas, com a participação de pesquisadores e especialistas de diferentes áreas como Ecologia, Educação 124
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Ambiental e Didática das Ciências. Estes tinham caráter formativo, no sentido de atualizar a comunidade sobre os aspectos ambientais, econômicos, sociais e políticos envolvidos no assunto. Ainda, foram realizados grupos de trabalho, com o objetivo de materializar em propostas e materiais as discussões e construções dos encontros de formação. Nas interações formativas, outros elementos foram relacionados, ampliando as discussões e o leque de aspectos a serem trabalhados. Esse fato pode ser percebido na análise do mapa conceitual construído ao longo dos encontros, onde é possível identificar a associação de vários elementos à temática, como podemos observar na figura abaixo:
Mapa conceitual elaborado pelo grupo ao longo dos encontros de formação.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Os mapas conceituais têm ganhado legitimidade como recursos de acompanhamento e percepção da aprendizagem dos alunos. Consistem em diagramas de significados, que indicam a construção de relações entre conceitos que formam um encadeamento significativo (NOVAK, 1976; MOREIRA, 1997). Partindo de uma representação gráfica, o idealizador do mapa cria várias ligações entre assuntos distintos, mas que tomam parte na constituição de um conhecimento específico. Os temas adscritos nos boxes destacam impactos do rompimento da barragem de Brumadinho, acrescentando aspectos de natureza ecológica, socioeconômica e humana à discussão. As cores e códigos indicam as dimensões dos conceitos compartilhados pela comunidade de práticas. No caso, o código [001], e sua extensão em cor verde, introduzem questões ambientais, como os impactos diretos da atividade de mineração na natureza e efeitos de segunda ordem, como à biomagnificação de elementos tóxicos. Essa discussão, inclui, por sua vez, aspectos relacionados à saúde das populações (código [003], cor amarela), colocada em um estado de vulnerabilidade. Já o código [002], com extensão em vermelho, relaciona elementos de caráter econômico, permitindo a problematização dos interesses e decisões político-econômicas que configuraram a situação. Esses elementos adensam as discussões e possibilitam uma caracterização crítica do acontecimento pelo grupo. Além disso, representam a apropriação de novos saberes e informações pela CdP, por meio de uma construção que relaciona aprendizagens entre si, ou seja, é criada uma conversa entre o novo saber e o que já existia e os dois sofrem modificações (MOREIRA, 1997). Essas aprendizagens constroem uma representação complexa da problemática socioambiental expressa pelos enlaces, pela interligação dos conceitos apresentados, que conferem outros sentidos à problemática, por meio de cadeias lógicas de pensamento. Confirmam essa asserção a qualidade e a quantidade dos conceitos empregados na produção do mapa. Da mesma forma, os links estabelecidos representam a construção de novos saberes, pois essas conexões fazem com que os saberes prévios sofram modificações, sendo ampliados, (re)avaliados, atualizados e/ou reconfigurados. Assim sendo, percebe-se, a partir da forma e dos elementos estruturais do mapa conceitual, a ampliação e complexificação da representação da problemática ambiental abordada, com possível ressignificação dos conteúdos pelos professores, com novos códigos e informações. Essa percepção orientou os grupos de trabalho, parametrizando as escolhas de estratégias, atividades e a elaboração/mobilização de artefatos pela comunidade de práticas. 126
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Os modos de agir: estratégias, mecanismos e artefatos de tradução A forma de pensar o “Crime ambiental de Brumadinho, como destacamos, pautou o modo de ação e a escolha dos artefatos utilizados para o desenvolvimento das práticas. A forma de abordagem e a escolha dos instrumentos didáticos e a elaboração de artefatos foram orientadas pelas relações ambientais, políticas, sociais e econômicas, estabelecidas nas discussões. Pelo caráter complexo da problemática socioambiental optou-se por abordar a proposta por meio de uma sequência didática (SD), por ser uma forma de organização curricular sistemática que permite o encadeamento dos conceitos e conteúdos a partir de núcleos temáticos e procedimentais (ARAÚJO, 2013), graduando-os e possibilitando os alunos desenvolverem conexões e irem construindo os conhecimentos científicos segundo suas particularidades sócio cognitivas. Além disso, foram utilizados, como instrumentos de mediação dos encontros, a realização de experimentos e a construção de maquetes, tendo como ações complementares a discussão de vídeos, slides e textos. A SD foi organizada em dois blocos relacionados, que abordaram a mineração como uma atividade impulsionada pelo consumo social e industrial, e o papel dos produtos da mineração na produção de energia, seja como fonte energética – como no caso de minérios radioativos (ex. urânio 235) – ou como insumo das tecnologias de transformação da energia. (i) O primeiro bloco de atividades: mineração e consumo O primeiro bloco pretendia compreender os aspectos envolvidos no rompimento da barragem de Brumadinho e construir uma noção da mineração como uma prática presente e motivada pela sociedade, destacando atravessamentos políticos, econômicos, ambientais e sociais. Na análise dos planos de trabalho destaca-se a tentativa de problematização das “causas do acontecimento”, que, colocadas em evidência, propõe o debate sobre sua classificação: “Desastre” ou “Crime ambiental”? Para isso é sugerido um levantamento de dados apresentados pela mídia e a análise comparativa do tipo de barragem adotada (a montante) com outras formas de armazenamento de resíduos existentes (a jusante e mista), tendo a construção de maquetes e a apresentação de vídeos técnicos da área de engenharia como modelo de estudo.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Esse tipo de atividade, estruturada na análise e resolução de um problema, tem o êxito de mobilizar a atitude ativa dos alunos na construção de uma argumentação fundamentada, estimulando processos cognitivos e uma percepção crítica das escolhas do modelo de barragem, que informa uma opção barata, porém, com a maior probabilidade de acidentes, haja vista a análise dos custos financeiros e dos riscos de rompimentos de cada um dos modelos. No caso, é explicado no material analisado que “no modelo a montante os alteamentos não dispõem de estrutura para contenção do deslocamento do barramento construído, com maior possibilidade de deslocamento do dique e de liquefação, devido a facilidade de penetrabilidade da água. Já no modelo a jusante, os novos diques dispõem de uma estrutura de contenção mais fixado e que funciona como forma de reforço do dique anterior, sendo menos propício à deslocamento e liquefação”.
Ainda no primeiro bloco, ressalta-se uma proposta de discussão sobre o estímulo à mineração por meio do consumo da sociedade. Após a diferenciação entre mineral e minério, a partir da atribuição de valor ao material, é proposto o desmonte de alguns aparelhos eletrônicos para que suas peças sejam analisadas, com a identificação de possíveis minérios. De um telefone celular, por exemplo, pode-se apontar a bateria que contém lítio. Em um controle remoto, peças com silício, além de cobre, alumínio, ferro ou outro metal. Com as peças, sugerese montar um cartaz em grupo, registrando os nomes dos minérios e suas funcionalidades. Ademais, é indicado o debate sobre a troca constante de celulares, videogames, entre outros equipamentos, como atitudes que estimulam a mineração, chamando a atenção para a responsabilidade nas ações individuais de consumo. Entende-se esse momento como significativo para discussão dos “valores culturais da sociedade de consumo” (LAYRARGUES, 2002), colocando em foco o estilo de produção de bens e de resíduos que impactam a natureza. Essas atividades promovem uma percepção complexa da mineração que, enquanto prática humana, é influenciada por diversos aspectos que passam desde as escolhas individuais a ações políticas com impactos sociais e ambientais severos. Essa abordagem, a partir da problematização, propicia a compreensão da Ciência e da tecnologia permeadas por interesses diversos.
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(ii) Segundo bloco de atividades – mineração e energia No segundo bloco, buscou-se estabelecer relação entre mineração e energia, a partir do fornecimento de elementos utilizados como fontes energéticas e insumos para produção de tecnologias de transformação dos tipos de energia. Nesse propósito foram sugeridas discussões sequenciadas e mediadas por experimentos sobre “o uso de minérios (ex. carvão, petróleo e urânio) para a produção de energia” e seus impactos ambientais e sociais, entendidos a partir das (a) revoluções industriais e tecnológicas; (b) os tipos de energia; (c) o processo de transformação da energia mecânica/cinética em energia elétrica; e as (d) tecnologias necessárias para transformações entre os tipos de energia (nuclear, hidrelétrica, (geo)térmica, eólica e solar). Como exemplo de tradução dessas temáticas, destacamos uma roda de conversa que se propôs a debater com os alunos sobre a conversão da energia, ressaltando a produção de resíduos e rejeitos. No caso, destacou-se os impactos do uso de combustíveis fósseis e a responsabilidade da emissão industrial e social de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Para fomentar a discussão, foi apresentado aos alunos um gif 33 , que idealiza como seria se fosse possível enxergarmos o CO2 que é lançado diariamente nas grandes cidades. No caso, o CO2 é representado numa coloração roxa, sugerindo a ideia da quantidade da substância na atmosfera ao apresentar em sequência o lançamento realizado por um carro, um avião, vários veículos durante um congestionamento, fábricas e por todos esses emissores juntos.
Cena que sugere o lançamento de CO2 em uma cidade grande 33 https://micro.cibermitanios.com.ar/post/105396684000/dióxido-de-carbono
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Esse artefato didático dá possibilidade de os estudantes deduzirem o impacto do uso dessa fonte energética (combustíveis fósseis) no ambiente e até mesmo na saúde da população. No Ensino Fundamental I, esse instrumento tem atuação significativa, pois pode servir como mecanismo concreto de pensamento, uma vez que o pensamento abstrato ainda está em desenvolvimento, tendo as crianças dificuldades de associarem essa realidade invisível. Outro exemplo de artefato didático mobilizado pela comunidade, consiste em um experimento que propunha entender a transformação da energia luminosa em energia elétrica, sendo possível sua percepção a partir da construção de circuitos elétricos alimentados por energia solar. Durante as discussões para entender a dinâmica de interação da luz com o recheio das células voltaicas, a qual provoca a movimentação de elétrons na camada de silício (material utilizado na fabricação de chips e processadores de computadores), é sugerido aos alunos a pesquisa da natureza e origem desse material. Essa proposta cria uma relação com a mineração, possibilitando entender impactos ambientais com a construção, manutenção e funcionamento dos parques solares. Por exemplo, a poluição visual; a contaminação do ambiente por silício; entre outros. Dessa forma, propicia-se aos alunos uma compreensão complexa da questão socioambiental que envolve a mineração, ao estabelecer relações que criam uma rede de consumo, a partir do “ciclo de vida” das tecnologias empregadas no processo de conversão da energia. Que podem problematizar a classificação da produção de energia como “limpas”, sendo considerados nessa caracterização outros fatores que não só a emissão de gases poluentes. Nesse contexto, é possível por em evidência o papel que a Ciência e a tecnologia assumem nesse processo e os interesses sociais e particulares implicados. Assim, corroboramos a ideia da abordagem CTSA como promotora do pensamento crítico, que por meio de uma ação contextualizada e significativa, permite estabelecer “uma visão complexa da Ciência e da Tecnologia e das relações mútuas que estabelecem entre si e com a Sociedade e o Ambiente” (FERNANDES; PIRES; DELGADO-IGLESIAS, 2018, p. 877).
Considerações Finais Em sua dimensão educacional, a constituição de uma compreensão ampla, complexa e integrada da Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente tem 130
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sido um dos grandes desafios do movimento CTSA. Isso porque disputa com uma lógica de organização curricular fragmentada e um ensino de ciências engessado nos produtos da ciência. A ruptura com essa perspectiva pedagógica se faz urgente. Como forma de contribuir com esse propósito, a iniciativa docente de Iniciação Científica de alunos do Ensino Fundamental I tem buscado construir propostas de trabalho que traduzam essas demandas na prática de sala de aula. Os resultados da análise da elaboração de uma sequência didática, sob abordagem CTSA, apresentam contribuições para promoção de uma representação complexa das questões socioambientais, tratadas a partir de relações ambientais, econômicas, políticas e sociais. Essa consideração se ancora nos dados da análise da ampla e intricada estrutura conceitual conformada pela CdP. Nessa constituição, a ação multidisciplinar tem papel potencialmente significativo, corroborando a ideia da parceria universidade-escola como um espaço válido de formação mútua, em que as diferentes perspectivas e visões de mundo se comungam, construindo uma percepção ampla dos assuntos discutidos. Nesse âmbito, a valorização da ação criativa e criadora dos professores é categórica, visto que a capacidade de recontextualização materializa as demandas em propostas pedagógicas com alto potencial de problematização dos objetos de estudo. A problematização, por meio “questões instigantes” permitem aos alunos a construção de relações e de outros sentidos em torno das questões socioambientais discutidas. Os artefatos elaborados ou mobilizados pelo grupo, com diferentes formas e com diferentes linguagens, têm essa natureza. Cabe-nos, por fim, reconhecer a particularidade da experiência e dos objetos aqui analisados, o que nos afasta de qualquer pretensão de replicação ou generalização dos dados, mas, quiçá, o conhecimento aqui produzido possa ser utilizado como orientação no planejamento e no trabalho sob a abordagem CTSA, possibilitando a promoção do almejado pensamento crítico e uma percepção ampla e complexa das questões socioambientais.
Referências ARAÚJO, D. L. O que é (e como faz) sequência didática? Entrepalavras, Fortaleza ano 3, v.3, n.1, 2013.
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Esta é a Terra nossa: a Liberdade, humanos! Esta é a Terra nossa: a de todos, irmãos. A Terra dos Homens que caminham por ela, pé descalço e pobre. Que nela nascem, dela, para crescer com ela (...) Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois e fazer a Terra, escrava e escravos os humanos! Outra é a Terra nossa, homens, todos! A humana Terra livre, irmãos! Dom Pedro Casaldáliga
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL: um olhar para o contexto social do educando
Ana Caroline Pereira Denise Espellet Klein
INTRODUÇÃO A luta do educador se dá principalmente na sala de aula, pois o exercício de sua prática é por si só um ato de resistência. Foi por acreditar que alunos e professores são os protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, que a busca por atividades diferenciadas fazem parte do cotidiano dos professores, principalmente dos profissionais que atuam na educação básica, que diariamente buscam brincadeiras, jogos e diversas estratégias para ministrar suas aulas, que neste trabalho optou-se por apresentar um relato de experiência docente, a partir da observação de atividades com enfoque ambiental, realizadas com a duração de três dias, em uma turma de segundo ano de escolaridade do ensino fundamental I, do ciclo de alfabetização de uma escola pertencente à rede municipal de Duque de Caxias. Município este, onde os profissionais da educação convivem com recorrentes atrasos salariais desde o ano de dois mil e dezesseis. Tal situação iniciada com parcelamentos de salários, ainda na gestão do prefeito Alexandre Cardoso – PSD. No final deste mesmo ano, a situação dos profissionais de educação se agravou, e parte da folha de outubro e as folhas de novembro, dezembro e o décimo terceiro não foram pagas. Com as eleições municipais de dois mil e dezesseis, Washington Reis – MDB assumiu a prefeitura de Duque de Caxias, a princípio as folhas de pagamento atrasadas começaram a ser colocadas em dia, entretanto, não demorou muito para que os atrasos voltassem a acontecer. Os profissionais ainda foram surpreendidos com o que ficou conhecido entre a categoria como “Pacote de maldades”. A Lei Municipal 2855/2017 aumentou o percentual da contribuição previdenciária de onze para quatorze por cento do salário base. (DUQUE DE 135
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | CAXIAS (RJ), 2017). A Lei Municipal 2856/ 2017, dentre outras providências, criou a exigência do cumprimento de interstício de três anos para requerer novo enquadramento por formação, diminuiu importâncias pagas nas gratificações por regência de turma e difícil acesso, além da expressiva redução do número de escolas contempladas por este segundo benefício. (DUQUE DE CAXIAS (RJ) 2017). Apesar de tais medidas impopulares que corroboraram para uma expressiva diminuição na folha de pagamento, os atrasos ainda perduram. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, núcleo Duque de Caxias, vem lutando juntamente com a categoria para reverter este quadro de extrema desvalorização a esta classe trabalhadora. Os abusos sofridos pela categoria são constantemente denunciados a instituições oficiais, como o Ministério Público, e aos meios de comunicação. Apesar dos intemperes enfrentados por esta classe trabalhadora, não se pode deixar de manter a esperança na educação pública, pois sem a esperança a luta fraqueja e titubeia (FREIRE, 1997). O bairro Bom Retiro vem sofrendo ao longo de sua história com problemas estruturais, tais como: esgoto a céu aberto, enchentes e falta de abastecimento de água tratada. A Escola Estadual Municipalizada Marechal Mascarenhas de Moraes, localizada neste bairro, definiu em seu planejamento integrado, referente ao ano letivo de dois mil e dezenove, como projeto anual o tema: “Educação Ambiental” sob o título: “Mascarenhas de mãos dadas com o meio ambiente: vem cuidar com a gente”. Tendo por objetivo revitalizar espaços até então abandonados na unidade escolar, através de horta e plantio de espécies ornamentais. Foi pensada a construção de hortas verticais e o plantio apenas de espécies ornamentais em contato com o solo, uma vez que a unidade sofre com recorrentes problemas de alagamento. A equipe pedagógica da escola sugeriu este modelo para evitar a contaminação de gêneros alimentícios, que poderiam ser, posteriormente, consumidos pela comunidade. Para além do que foi proposto no projeto pedagógico anual da escola, este trabalho foi pensado de forma contextualizada, buscando uma reflexão acerca da realidade social enfrentada pelas crianças atendidas pela unidade. Observando como é o acesso desta comunidade a água tratada, a coleta de lixo e ao tratamento de esgoto. Uma vez que no entorno da unidade escolar, observam-se problemas relacionados à inadequação do esgotamento sanitário. Apesar de a comunidade ter acesso a caminhões que fazem a coleta de lixo, 136
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a maioria das residências dos alunos é abastecida por água de poços artesianos, sem tratamento, e o esgoto sanitário é lançado em valas a céu aberto. A escola é abastecida por caminhão-pipa. Problemas com o abastecimento de água impactam a vida escolar dos alunos, uma vez que a falta de fornecimento prejudica as atividades escolares. Em épocas de chuva, a comunidade também enfrenta problemas com enchentes, o que combinado com as más condições de saneamento básico local, podem contribuir para a proliferação de doenças como: diarreias, hepatite A, febres entéricas, esquistossomose, leptospirose, teníases, helmintíases, micoses, conjuntivites e tracoma. (TRATA BRASIL, 2010). Reconhecendo a escola como espaço que contribui para a formação de cidadãos críticos e conscientes da realidade que os rodeia, e, sobretudo, que as condições de vida e o acesso a serviços básicos implicam diretamente sobre seu bem-estar e saúde, buscou-se elaborar uma sequência de atividades relacionada ao tema saneamento básico, como pontapé inicial da construção de uma consciência ambiental. Considerando-se que, quanto mais cedo se abordar o tema, maiores são as chances de se contribuir para a formação de cidadãos verdadeiramente comprometidos com igualdade de ingresso a serviços de saneamento básico, melhorando índices de saúde e bem-estar coletivo, preservação dos recursos naturais e preocupados com o futuro do planeta. A rede municipal de ensino de Duque de Caxias apresenta proposta educacional voltada para a fundamentação sociointeracionista. Neste sentido, refletir sobre os problemas ambientais que cercam a localidade onde se vive faz parte de uma educação de fato transformadora e o uso de atividades relacionadas ao brincar e ao interagir aproximaram a prática sob a ótica sociointeracionista (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2004). As atividades, divididas em três blocos, contaram com aula expositiva, experimentos, aplicação do jogo Saneamento Básico, elaborado para este estudo, e registro das atividades, partindo-se da perspectiva dos alunos, através da produção textual tendo a professora como escriba. Conceber, aplicar e relatar uma sequência didática com material com enfoque ambiental em uma escola, do município de Duque de Caxias, que já está engajada em um projeto de Educação Ambiental. Tendo a finalidade de contribuir para a formação de cidadãos ambientalmente conscientes a respeito dos problemas ambientais. Em especial despertar consciência sobre questões que exercem impacto direto sobre seu bem-estar e saúde, e promover práticas e atitudes de valorização e respeito à água, como recurso natural. 137
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL A Constituição Federal, em seu capítulo que trata do Meio Ambiente, assegura que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para às presentes e futuras gerações.” E torna a Educação Ambiental uma exigência Constitucional, cabendo ao Poder Público: “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225, §1°, VI) (BRASIL, 1988). O que coloca a educação como condição indispensável para construção de uma consciência ambiental e consequentemente para o exercício da cidadania. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) apontam que a exploração dos recursos naturais de forma demasiada é algo preocupante. Segundo este documento, isto vem sendo observado, sobretudo a partir da década de 1960, e que a interação homem/ natureza de forma inconsequência pode levar ao esgotamento ou a inviabilização de recursos necessários, até mesmo, à sobrevivência humana. Atentam para o fato de que o homem não é o centro da natureza. Ressaltam que movimentos de defesa do meio ambiente vêm lutando para diminuir a acelerada destruição dos recursos naturais ainda preservados e buscando alternativas que combinem conservação da natureza com a qualidade de vida das populações que dela dependem. Indicam a educação como condição indispensável para a formação de uma consciência ambiental, ao mesmo tempo em que reconhecem que ela sozinha não é suficiente para solucionar tais problemas (BRASIL, 1997). A ação transformadora da educação apresenta limites, ou seja, não é suficiente em si realizar uma práxis educativa cidadã, participativa e revolucionária, se isso não se relacionar diretamente com outras esferas da vida. É idealismo ingênuo e simplista creditar à educação a “salvação do planeta”. Por ser um processo de aprendizagem com o outro e pelo outro, mediado pelo mundo, e, portanto, algo intrínseco à realização da natureza humana, é fundamental e primordial, contudo, sua centralidade só ganha concretude à medida que a entendemos no seu movimento de definição e objetivação na história. Por outro lado, é mecanicismo estruturalista vulgar subdimensionar a ação humana nas estruturas sociais, como se fossemos passivos e totalmente sobre determinados por estas, o que seria a negação do sujeito histórico e da práxis, portanto,
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do próprio sentido que a educação assume na conformação do cidadão (LOUREIRO, 2003, p. 40).
A questão ambiental é uma preocupação mundial, isto se evidenciou, como por exemplo, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. A também chamada Eco-92 alertou para a necessidade de afirma o papel central da educação, ao sugerir “na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida”, a integração de “conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável”, oferecendo “a todos, especialmente a crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1992). Na Declaração Final da Conferência Rio+20, o documento O Futuro que Queremos, reconhece as gerações mais jovens como guardiões do futuro, fazendose necessário melhorar a qualidade e o acesso à educação para além do nível primário (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2012). Sendo preciso abastar os sistemas educacionais de meios para preparar melhor os jovens para a promoção do desenvolvimento sustentável. Segundo o documento, isto se dá através de uma “melhor formação de professores, desenvolvimento de currículos em torno da sustentabilidade; do desenvolvimento de programas escolares que abordem as questões ligadas à sustentabilidade; de programas de formação que preparem os estudantes para carreiras em áreas relacionadas com a sustentabilidade; e de uma utilização eficaz de tecnologias de informação e comunicação para melhorar os resultados da aprendizagem” (CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2012). A Convenção sobre Diversidade Biológica afirma que os Estados contratantes devem “Promover e estimular a compreensão da importância da conservação da diversidade biológica e das medidas necessárias a esse fim, sua divulgação pelos meios de comunicação, e a inclusão desses temas nos programas educacionais” (CDB, 1992). A Lei n° 9795/1999, dispõe sobre a educação ambiental como “um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal” (BRASIL, 1999). Alguns dos princípios básico da educação ambiental, propostos por esta lei, são “enfoque humanista, holístico e participativo”, “a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e 139
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade” e “a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais” (BRASIL, 1999). O documento, Base Nacional Comum Curricular (BNCC), afirma que: “cabe aos sistemas e redes de ensino, assim como às escolas, em suas respectivas esferas de autonomia e competência, incorporar aos currículos e às propostas pedagógicas a abordagem de temas contemporâneos que afetam a vida humana em escala local, regional e global, preferencialmente de forma transversal e integradora” (BRASIL, 2017). Entre os temas destacados neste referencial, encontra – se Educação Ambiental, em acordo com a Lei nº 9795/ 1999. A BNCC indica ainda que esta temática deve ser tratada de forma contextualizada (BRASIL, 2017). Loureiro (2003) afirma a necessidade de se praticar uma Educação Ambiental voltada não apenas para o conhecimento do cenário global, suas causas e implicações que definem o contexto em que se move a atuação pedagógica, como também para trabalhar os problemas específicos de cada grupo social. A fim de estabelecer uma educação ambiental contextualizada e crítica, de modo que não venha reforçar as desigualdades de classe, mas para, além disso, reconhecer que elas existem e assim evidenciar os problemas estruturais de nossa sociedade e as causas dos baixos padrões de qualidade de vida. Dentro desta perspectiva, a escola precisa abrir espaço para abordar questões ambientais, sobretudo àqueles que dizem respeito à localidade onde se vive, e que provocam impacto direto ao seu bem-estar e à sua saúde.
Saneamento básico Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), o município de Duque de Caxias apresentou, no ano de dois mil e dez, um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,711, ocupando a quadragésima nona posição no ranking estadual, e a milésima quingentésima septuagésima quarta posição no ranking nacional. Dados do IBGE (2010) indicam ainda que Duque de Caxias apresenta 85.3% de domicílios com esgotamento sanitário adequado. Entretanto, tais dados não condizem com a realidade do bairro Bom Retiro, onde a Escola Estadual Marechal Mascarenhas de Moraes se localiza. A população convive com esgoto a céu aberto, enchentes em períodos chuvosos e diversas moradias são abastecidas com água de poço. O abastecimento da unidade escolar é feito através de caminhão-pipa. 140
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O estudo: Esgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População: um diagnóstico da situação nos 81 municípios brasileiros com mais de 300 mil habitantes, produzido pelo Instituto Trata Brasil, realizou uma análise acerca dos impactos na saúde e no Sistema Único de Saúde (SUS) ocasionados pelo esgotamento sanitário inadequado nos 81 municípios brasileiros com mais de 300 mil habitantes (2003 – 2008). Com foco na análise da associação entre coleta de esgoto e ocorrência de diarreias, enfermidade comum em ambientes onde convivem pobreza e condições precárias de saneamento básico. Evidenciou a existência de duas realidades brasileiras. A primeira constituída por municípios com elevados números de cobertura e, portanto, menos sujeitos a doenças, e a segunda com predominância de localidades mais pobres, desassistidas de condições mínimas de esgotamento sanitário, onde a população encontra-se predominantemente exposta a enfermidades, como a diarreia. Esta segunda realidade é encontrada, sobretudo, nos municípios das regiões norte e nordeste e no entorno de grandes cidades, como é o caso dos municípios da Baixada Fluminense, em especial, o município de Duque de Caxias (TRATA BRASIL, 2010). O supracitado estudo aponta que o município de Duque de Caxias apresentou os piores índices por coleta de esgoto, e uma alta taxa de hospitalização por diarreia. Além de evidenciar que hospitalização por diarreia em municípios que apresentam piores taxas de cobertura de esgoto é quatro vezes maior que a dos municípios com os melhores índices. Desta forma, podem-se destacar as condições de saneamento básico como um problema ambiental recorrente que envolve os municípios da Baixada Fluminense, em especial, o município de Duque de Caxias, e consequentemente, os alunos atendidos por suas unidades escolares. O saneamento é um direito assegurado pela Constituição Federal e definido pela Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, como o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais, as quais encontram-se divididas em quatro grupos: “abastecimento de água potável”, “esgotamento sanitário”, “limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos”, e por fim, “drenagem e manejo das águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas” (BRASIL, 2007). Souza & Freire (2006) definem o saneamento para a promoção da saúde, como uma intervenção multidimensional que se dá no ambiente, considerando suas dimensões física, social, econômica, política e cultural. Seu objetivo é a implementação de sistemas de engenharia associada a um conjunto de ações integradas capazes de contribuir para a saúde, por sua vez definida como 141
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | qualidade de vida; erradicação da doença pelo combate integral às suas causas e determinantes.
Proposta pedagógica O documento Proposta Pedagógica da Secretaria Municipal de Duque de Caxias aponta a prática pedagógica de fundamentação sociointeracionista como o caminho para uma educação transformadora, fundamentando-se nos autores Wallon, Piaget e Vygotsky. Cabendo ao professor o papel de mediador no processo de ensino-aprendizagem (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2004). Na visão Walloniana, o processo de ensino-aprendizagem é o recurso fundamental do professor. Ensino-aprendizagem representa uma unidade, portanto dissociável. No exercício de sua prática, o professor precisa ter clareza de pontos fundamentais, como, por exemplo: “confiar na capacidade do aluno é fundamental para que o mesmo aprenda”, “ao ensinar, está promovendo o desenvolvimento do aluno e o seu próprio” (MAHONEY; ALMEIDA 2005). Piaget (1967) corrobora o papel da interação no desenvolvimento humano. “Não se pode dissociar de modo absoluto o organismo, ou sujeito, do seu meio ou dos objetos” (p. 146). “A inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função de interações sociais que são, em geral, demasiadamente negligenciadas” (PIAGET, 1967, p. 314 apud TAILLE; OLIVEIRA; DANTAS, 2019, p. 15). De acordo com a visão sociointeracionista as características humanas não estão presentes desde o nascimento, nem são simplesmente resultados das pressões do meio externo. Elas emergem das relações homem e sociedade, onde o desenvolvimento psíquico é sempre mediado pelo outro. A cultura é parte constitutiva da natureza humana. Descreve o aprendizado como um salto quantitativo de um nível para outro. Estabelece o desenvolvimento real, como aquilo que a criança consegue fazer sozinha, e o desenvolvimento proximal, como aquilo que a criança é capaz de fazer com o auxílio de outro indivíduo (COELHO; PISONE, 2012). Aquilo que é zona de desenvolvimento proximal hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã – ou seja, aquilo que uma criança pode fazer com assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã (VYGOTSKY, 1991, p. 58)
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Dentro desta perspectiva “aprender é entrar no curso de interações com parceiros, recursos diversos, desafiadores, que impulsionam o desenvolvimento”. A escola é espaço de “ampliação das visões do mundo”. Seu objetivo é a “formação de sujeitos críticos”. Sendo lugar de “diversidade, comparação de diferentes pontos de vista, ao mesmo tempo em que se compromete com a ética, com o contexto social que a envolve” (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, 2002). Para este estudo, uma prática sociointeracionista corresponde a uma práxis educativa que vê no aluno um sujeito ativo do processo de ensinoaprendizagem, e no professor o mediador deste processo. Alunos e professores aprendem ao mesmo tempo em que ensinam. O ensino-aprendizagem se dá na interação social e na interação com objeto de conhecimento, tendo por compromisso considerar o contexto social em que estes alunos estão inseridos. A utilização de brinquedos, experiências e materiais paradidáticos reforçam a prática educativa sob a perspectiva sociointeracionista. Coelho & Pisone (2012) destacam o brinquedo como uma fonte importante para a promoção do desenvolvimento infantil. A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais. O primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera com um significado alienado numa situação real. O segundo é que, no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço - ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer - e, ao mesmo tempo, ela aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinandose a regras e, por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no brinquedo (VYGOTSKI, 1991, p. 66).
Procedimentos Metodológicos As atividades foram realizadas na Escola Estadual Municipalizada Marechal Mascarenhas de Moraes, localizada no bairro Bom Retiro, município de Duque de Caxias. Tendo como público alvo uma turma de segundo ano de escolaridade - Ensino Fundamental I, com faixa etária, majoritariamente, entre sete e oito anos de idade. A classe é composta por vinte e três alunos.
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Desenvolvimento do jogo O Jogo Saneamento Básico foi criado especificamente para o desenvolvimento desta monografia, como também a elaboração de uma sequência didática que desenvolvesse nos alunos atitudes e habilidades que colaborassem para a participação de toda turma, com autonomia. Considerouse em sua criação o contexto social da comunidade escolar em que o mesmo foi aplicado. O jogo objetiva conhecer problemas de saneamento básico nas cidades, e identificar ações para solucioná-los. Foi pensado de modo a atender à faixa etária do público. Em sua confecção foram utilizados os seguintes materiais: tecido (algodão cru), tintas e canetas de tecido, lápis 6B, agulha, linha de crochê, sacos transparentes, cartolina, figuras, cola e tesoura. O jogo é composto por um tabuleiro pintado em tecido, onde cada equipe é representada por uma cidade que contém um rio limpo, mata ciliar e moradias (quatro equipes ao todo). Ao redor de cada cidade, apresenta bolsos transparentes para a fixação das cartas sorteadas. E doze cartas, que contém quatro fontes possíveis de abastecimento de água; quatro destinos possíveis para o lixo sólido; e quatro destinos possíveis para o esgoto sanitário. As cartas apresentam bactérias patógenas, com quantidade variando de zero a três níveis de bactérias, de acordo com a inadequação sanitária que apresenta. As cartas positivas não contêm bactérias. O jogo Saneamento Básico é dividido em quatro rodadas, e pode ser jogado por até quatro equipes. A turma foi divida em quatro equipes, de cinco a seis integrantes. Na primeira rodada foram sorteadas as fontes de abastecimento de água de cada cidade. Na segunda rodada, o destino para o lixo sólido. Na terceira rodada cada equipe coletivamente escolheu um destino para o esgoto sanitário da cidade, para tal foi realizado um sorteio prévio definindo a ordem das equipes a escolher. Na quarta, e última rodada, foi pedido a cada equipe que escolhesse, dentre as cartas que sorteou/ escolheu uma ação para investir ou aprimorar em sua cidade. Num primeiro momento foi pedido que cada equipe propusesse uma ação, e posteriormente lesse a sugestão trazida na carta.
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Sequência didática Na escola as atividades foram divididas em três momentos/ dias. Contouse com aula expositiva, exibição de vídeo, experimentos, a fim de proporcionar embasamento teórico para a participação no jogo Saneamento Básico, criado para este trabalho, e produção textual coletiva, tendo a professora como escriba. Na aula expositiva, optou-se pela utilização de cartazes contendo o planeta Terra, o gráfico: Usos da Água, Estação de Tratamento de Água – ETA e Estação de Tratamento de Esgoto – ETE.
Planeta Terra. Fonte: Sabesp.
Usos da água. Fonte: CIB – Conselho de Informações sobre Biotecnologia.
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Tratamento da รกgua. Fonte: Sabesp.
Tratamento de esgoto. Fonte: Sabesp.
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A partir da exibição do desenho O Show da Luna, episódio: “Como a água vira chuva?”, explorou-se o ciclo da água, de maneira lúdica (Disponível em https://youtu.be/WpOkQ7ayUxQ). Alguns experimentos foram selecionados para este estudo: • Propriedade da água: solvente universal. Materiais utilizados para este experimento: copo transparente, água, açúcar e talher para auxiliar na dissolução. Dissolveu-se o açúcar na água. Onde a água é o solvente e o açúcar o soluto, formando uma solução homogênea (Adaptado de https://brasilescola.uol.com.br/quimica/soluto-solvente.htm). • Propriedade da água: tensão superficial. Nesta experiência utilizouse: uma bacia, água, purpurina e detergente. Na bacia com água, adicionou-se purpurina e posteriormente o detergente (Adaptado de https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/ experimento-sobretensao -superficial-Agua.htm). No segundo dia, outras experiências foram realizadas: • Flores coloridas. Materiais utilizados: copos com água, corante alimentício nas cores azul e amarela e flores brancas. Adicionou-se corante na água e as flores brancas, colocadas com as hastes cortadas em diagonal, para auxiliar a absorção (Adaptado de BURKE, 2012). • Corrida dos peixes. Para este experimento foi utilizado uma tigela com água, peixes com base de papelão e detergente. Os peixes foram colocados na tigela com água, adicionou-se detergente (Adaptado de BURKE, 2012). Totalizando quatro experimentos ao longo desta sequência didática. Além disso, os alunos participaram da aplicação do jogo Saneamento Básico. Para o terceiro dia foi proposto à produção de um texto coletivo, onde a turma registrou o que lhe foi apresentado no decorrer da semana. Para facilitar a construção do texto os alunos foram orientados a seguirem a ordem cronológica das atividades, e destacarem o que eles aprenderam a partir de cada atividade. A produção textual teve a professora como escriba.
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Resultados As atividades do primeiro dia proporcionaram aos alunos embasamento teórico necessário à participação do jogo aplicado no segundo dia de atividades. Foram iniciadas com uma aula expositiva sobre a “Água”. Os alunos demostraram muita curiosidade e interesse pelo assunto abordado. Ao serem indagados acerca das utilidades da água, responderam que é usada para: “lavar louça”, “tomar banho”, “regar as plantas”, “beber”, “fazer suco”, “encher a piscina”, “escovar os dentes”, “fazer comida” e “lavar o jardim”. Indicando, exclusivamente, os usos domésticos da água. Buscou-se demonstrar a partir da ilustração do planeta Terra, a proporção de água e terra de nosso planeta. Além disso, discutiu-se sobre a quantidade de água disponível para consumo, e que nem toda água pode ser consumida. Uma vez que a ingestão de água contaminada ou salobra pode provocar doenças. Os alunos reconheceram que apesar de o planeta Terra possuir uma grande quantidade de água, a maior parte dela encontra-se nos oceanos, não podendo ser utilizada para a maioria das finalidades humanas. E que a água doce se apresenta em uma quantidade muito inferior a salgada. Também demonstraram que sabiam, empiricamente, que nem toda água pode ser consumida. A princípio disseram que a mesma precisa ser filtrada, embora ao serem indagados sobre o que seria água potável demonstraram que ainda não conheciam este conceito. Estimulou-se a criação de hipóteses acerca dos setores onde a água é mais utilizada: uso doméstico, industrial ou na agricultura. Através do gráfico Uso da Água, perceberam que a maior parte dela é destinada para a agricultura, seguida pela indústria e uso doméstico. Ao serem questionados sobre a importância de economizar água em casa, definiram-na como “muito importante, e que não pode ser desperdiçada”. Os alunos foram questionados sobre os estados físicos que a água pode apresentar na natureza, incentivados a citar exemplos, e o estado físico em que a água é mais utilizada. Reconheciam a água apenas no estado líquido. A partir de exemplos como: “colocar a água no congelador”, perceberam que ela pode ser encontrada no estado sólido, e associaram a situações em que a água também se encontra em estado sólido na natureza, tais como: geleiras, chuva de granizo e neve. Em relação ao estado gasoso da água, perceberam, somente, a sua existência após assistirem ao desenho O Show da Luna, episódio: Como a água vira chuva?. Podendo-se perceber a passagem da água de estado líquido para o estado de vapor, onde o calor do Sol provoca a evaporação da água de rios, 148
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lagos e oceanos, por exemplo, formando as nuvens de chuva. Reconheceram a importância do Sol para a manutenção do ciclo da água. Caso o Sol deixasse de existir, pararia de chover, uma vez que ele é a fonte de calor que faz com que a água evapore. Os alunos também associaram a evaporação provocada pelo Sol à evaporação que ocorre ao se cozinhar, onde, neste caso, o fogão é a fonte de calor (Disponível em https://youtu.be/WpOkQ7ayUxQ). Foram abordadas duas propriedades da água: solvente universal e tensão superficial, através de dois experimentos simples, que demonstraram a dissolução do açúcar e a capacidade da água de sustentar objetos leves como a purpurina. Sendo possível perceber que assim como a água e o açúcar formam uma solução, o nosso sangue também é uma solução homogênea que transporta nutrientes por todo o nosso corpo. Esta propriedade permite o transporte de substâncias tanto no corpo humano quanto nas plantas. Atentou-se também para a importância desta propriedade na manutenção da vida. Os estudantes compreenderam que a adição de detergente interfere na tensão superficial da água, fazendo com que a purpurina caia para o fundo da bacia. Através da explicação das etapas de uma estação de tratamento de água, enfatizou-se a importância de consumir água de fontes confiáveis, e que ela precisa ser tratada antes de consumida. Foi perguntado aos alunos acerca da procedência da água utiliza por eles em casa, e na escola. A maior parte dos alunos afirmou ter acesso apenas à água de poço. Questionados sobre a procedência da água da escola, alguns já haviam observado que a unidade é abastecida por meio de caminhão-pipa. Constatou-se o conhecimento prévio da utilização do cloro para eliminar micro-organismos patógenos, que a turma representou como “micróbios”. Conheceram as etapas de tratamento da água. Ao serem questionados sobre o que acontece com a água após sua utilização, os estudantes responderam que a mesma vira esgoto. E quanto ao destino do esgoto, disseram que vai para o valão (esgoto a céu aberto). Reconheceram que estes valões poderiam, anteriormente, ter sido rios limpos e até mesmo utilizados para fins recreativos. Desconheciam que o esgoto poderia ser tratado, antes do seu lançamento no rio. Conheceram as etapas de tratamento de esgoto. Destacaram ser injusto se retirar água limpa do rio (insípida, incolor e inodora) e devolver esgoto sem tratamento, e que todos deveriam ter acesso ao tratamento de água e esgoto. Enfatizou-se que, assim como a água, o esgoto também precisa de tratamento antes de ser lançado na natureza. As etapas de tratamento do esgoto líquido também foram apresentadas, encerando o primeiro dia de atividades. 149
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O segundo dia iniciou com a realização da experiência das flores coloridas, que teve por finalidade demonstrar o movimento da água da base da planta até o seu topo. Realizada no início da aula para que pudesse ser observado ao longo do turno. Os alunos foram estimulados a criar hipóteses sobre o que aconteceria com as flores. A hipótese levantada por ele foi de que elas ficariam coloridas ao “beberem” a água com corante. Observaram a mudança na coloração das pétalas durante todo o turno.
Experiência flores coloridas. Fonte: Ana Caroline Pereira (2019).
A aplicação do jogo Saneamento Básico foi bem aceita pela turma. Mostraram-se muito entusiasmados e curiosos. Estavam presentes vinte e dois alunos. Os mesmos se dividiram em quatro grupos de cinco a seis alunos, conforme solicitado. Para cada equipe foi indicado um líder.
Aplicação do jogo Saneamento Básico. Fonte: Ana Caroline Pereira (2019).
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A princípio foi pedido aos alunos que observassem o tabuleiro do jogo. Perceberam que se tratavam de quatro desenhos iguais, cada um contendo casas, árvores e um rio. As regras foram explicadas. Destacada a importância da concentração e participação de toda a equipe nas etapas do jogo. Na primeira rodada do jogo foram sorteadas as cartas contendo as fontes de abastecimento de água de cada cidade. As crianças atentaram-se para o fato de que as cartas apresentavam imagens de bactérias patógenas, que variavam de zero a três bactérias. Foi esclarecido que serviriam como dicas para dimensionar a gravidade do problema apresentado. Quando perguntados sobre o porquê de as cartas “água de rio”, “água de poço” e “água da chuva” apresentarem o mesmo número de bactérias, um dos alunos respondeu que essas fontes não são confiáveis, e que não há como saber se a água é potável. Indagados sobre a fonte de água mais confiável, responderam que é a água de rua, pois é tratada, referindo-se a água fornecida pelas estações de tratamento. O destino para o lixo também foi escolhido por sorteio. Foi percebido o descontentamento por parte dos integrantes dos grupos que sortearam as cartas “lixões a céu aberto” e “jogar lixo na rua”. O destino para o esgoto foi escolhido por todos os integrantes de cada equipe, respeitando o sorteio de um número, variando de um a quatro, em ordem crescente. Tendo prioridade de escolha a esquipe que sorteou o número um seguido por dois, três e quatro, respectivamente. A Equipe I escolheu a carta “estação de tratamento de esgoto”, alegando que a mesma faz o esgoto ficar praticamente limpo, e porque a carta não apresentava bactérias. A Equipe II escolheu a carta “fossa séptica”, por apresentar caixas de esgoto e apenas uma bactéria. A Equipe III escolheu a carta “apenas o esgoto industrial é recolhido e tratado”, baseando-se pelo número de bactérias, acreditaram ser a melhor opção. Para a Equipe IV restou à carta “esgoto residencial e industrial lançado diretamente no rio”. Após todas as cartas serem anexadas ao tabuleiro, as cidades ficaram configuradas da seguinte maneira: • Cidade da Equipe I: abastecida por água de rio, sem tratamento. O destino do lixo é a rua ou terreno baldio. A cidade possui estação de tratamento de esgoto. • Cidade da Equipe II: abastecida por água da chuva, sem tratamento. O lixo é destinado para lixões a céu aberto. O esgoto é tratado por fossas sépticas. 151
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | • Cidade da Equipe III: abastecida por água de poço, sem tratamento. O lixo é destinado para o aterro sanitário. Apenas o esgoto industrial é tratado. • Cidade da Equipe IV: abastecida por água tratada. O lixo é destinado para a coleta seletiva. O esgoto é lançado diretamente no rio, sem tratamento. Na quarta e última rodada do jogo, foi pedido para que cada equipe escolhesse um dos problemas da cidade, e pensassem em ações para solucionálo. A Equipe I destacou o destino do lixo da cidade, que é jogado na rua, como o problema que gostaria de solucionar. Alegou que a chuva pode levar todo o lixo para o rio, e provocar enchentes. Propôs o uso de caminhões de lixo na cidade. Após, foi pedido que abrissem a carta e lessem a sugestão trazida: “Investir na educação da população e na coleta de lixo”. Após a leitura acrescentaram que jogar lixo na rua é falta de educação. A Equipe II considerou os lixões a céu aberto como um problema que apresenta urgência em ser resolvido. Entretanto, não conseguiu propor uma solução. Foi pedido que um integrante lesse a sugestão proposta na carta: “Investir na construção de aterros sanitários”. Após a leitura foi aberta uma conversa com toda turma sobre alguns problemas causados pelos lixões. Sobretudo, o chorume que pode contaminar o solo e a água e explicado o que é um aterro sanitário. A Equipe III destacou o destino do esgoto da cidade “apenas o esgoto industrial é tratado”, como o problema a ser solucionado. Propuseram que todo o esgoto seja tratado, não somente o da indústria. A proposta da equipe foi de encontro com a sugestão da carta. A Equipe IV argumentou que o único problema da cidade seria o destino do esgoto, “esgoto de toda cidade lançado no rio”. Como solução, propuseram o tratamento do esgoto antes de ser lançado no rio. Após a leitura das sugestões da carta: “Investir na construção ETE” e “Conscientizar a indústria”, considerou ser um erro a indústria não tratar seu esgoto e lançá-lo no rio. As crianças classificaram o jogo como “divertido e muito educativo, por ensinar várias coisas sobre lixo, água e esgoto”. Em seguida foi realizada a experiência Corrida dos Peixes que serviu para reforçar o entendimento acerca da propriedade da água: tensão superficial. Onde os peixes ficam praticamente parados por conta da tensão superficial, e ao se jogar detergente a tensão da superfície é rompida e os peixes impulsionados para frente. Como o recipiente era pequeno, a turma foi dividida em dois grupos,
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de modo que todos conseguissem observar. Os alunos relacionaram esta experiência a da purpurina, onde detergente também é utilizado para interferir na tensão superficial.
Corrida dos peixes. Fonte: Ana Caroline Pereira (2019).
No terceiro dia os alunos produziram um texto coletivo reunindo o que haviam vivenciado durante as atividades: O que aprendemos nesta semana? • Aprendemos sobre a água, que no planeta Terra tem mais água salgada do que doce. Que nem toda água pode ser consumida, apenas a água potável. O consumo de água contaminada causa doenças, como a diarreia. Água e esgoto precisam ser tratados. • Assistimos ao desenho O Show da Luna, episódio: “Como a água vira chuva?”. O Sol faz a água evaporar, ela vira nuvem e faz chover. A água volta para os rios, mares e lagos, e tudo se repete num sobe e desce. • Descobrimos que a água dissolve o açúcar e outras substâncias. E é capaz de fazer uma camada para segurar coisas leves, como a purpurina, mas o detergente faz as coisas descerem (tira a tensão superficial da água). • Colocamos corante azul e amarelo num copo com água, e uma flor branca. Percebemos que a flor mudou a cor porque sugou a água com o corante. 153
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | • Participamos do jogo Saneamento Básico, que ensina sobre a água, esgoto e lixo. Foi muito legal, porque demos nossa opinião sobre melhorias na cidade. • Depois teve a corrida dos peixes, o detergente fazia com que eles andassem rápido.
Discussão Os resultados obtidos neste estudo demonstram que a participação ativa dos alunos no processo de ensino-aprendizagem é essencial para a prática de uma educação efetiva. A atividade de ensinar pautada em um professor que “passa” a matéria, e alunos que escutam e respondem a um “interrogatório”, é uma forma peculiar e empobrecida de ensino. (LIBÂNEO, 2013). Um ensino efetivo compreende ações conjuntas do professor e dos alunos. Estes são estimulados a assimilarem os conteúdos, consciente e ativamente. Dentro desta perspectiva, buscou-se iniciar as atividades partindo-se dos saberes dos alunos, ao indagá-los acerca das utilidades da água, bem como o que eles entendiam por água potável, colocando-os no centro do processo de ensino-aprendizagem, como sujeitos ativos deste processo. Reconhecendo assim que os educandos não são folhas em branco a serem preenchidas, mas trazem conhecimentos que podem, e devem ser valorizados. Neste estudo experimentos foram utilizados por entender que: “a atividade experimental de demonstração compartilhada por toda classe sob a orientação do professor, em um processo interativo que de certa forma simula a experiência vivencial do aluno fora da sala de aula enriquece e fortalece conceitos espontâneos associados a essa atividade” (GASPAR; MONTEIRO, 2005, p. 233). Os conceitos de tensão superficial e solvente universal da água foram assimilados a partir da realização de experimentos. Estes experimentos motivaram os educandos, despertaram a curiosidade e contribuíram assim para sua aprendizagem. A utilização do vídeo: O Show da Luna, episódio – “Quando a água vira chuva” auxiliou os alunos a compreenderem, de forma lúdica, o ciclo da água, e a importância do Sol para a manutenção deste ciclo. Para Rosa (2000) a utilização de filmes tem um forte apelo emocional, motivando a aprendizagem dos conteúdos e alterando, de forma saudável, a rotina da sala de aula. Além disso, 154
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a utilização deste recurso dispensou a necessidade de uma abordagem tradicional, como, por exemplo, a utilização de textos e questionários, para a compreensão deste conteúdo. Os estudos acerca da Água, sua utilização, propriedades, ciclo e tratamento introduziram o tema Saneamento Básico. Este tema emergiu do contexto social da escola, onde as atividades foram desenvolvidas. O bairro enfrenta visíveis problemas de inadequação sanitária, como por exemplo, esgoto a céu aberto. Evitou-se assim o risco, alertado por Guimarães (2004), de um projeto pedagógico com temática acerca da Educação Ambiental, ficar preso no que ele chama de “armadilha paradigmática” tendendo a reproduzir práticas voltadas para a mudança comportamental do indivíduo, muitas vezes, descontextualizadas da realidade socioambiental em que as escolas estão inseridas. Muito pode ser feito quanto ao tema educação ambiental, sobretudo quando direcionado ao contexto social de certa localidade, e não somente a preservação de áreas ambientais e ao combate à poluição de maneira global. É muito mais palpável e coerente desenvolver a consciência ambiental a partir de problemas enfrentados na localidade onde o indivíduo está inserido e transcender tal consciência para as preocupações com problemas de caráter regional e global. A escolha pela elaboração de um jogo para tratar o tema Saneamento Básico se deu por entender que a atividade de brincar é fundamental ao desenvolvimento da criança. Brinquedos baseados em regras envolvem uma situação imaginária, desenvolvem a abstração da criança, pois no brinquedo “o pensamento está separado dos objetos e a ação surge das ideias e não das coisas” e o autocontrole, uma vez que a criança “age de maneira contrária à que gostaria de agir”, subordinando-se às regras (VYGOTSKI, 1991). Ficou evidente, na aplicação do jogo, que a turma demostrou aceitação às regras, cooperação, trabalho em equipe, e em especial, elaboração de hipóteses para solucionar problemas enfrentados por suas cidades. As atividades desenvolvidas anteriormente proporcionaram aos alunos condições de participar, opinar e elencar quais seriam as melhores e as piores condições de saneamento básico, dentre as apresentadas. Além disso, o jogo foi criado especialmente para o contexto de saneamento básico vivido pela comunidade Bom Retiro, proporcionando aos educandos perceberem que as condições sanitárias do bairro onde residem são inadequadas. Considerando “a avaliação como um componente do processo de ensino que visa, através da verificação e qualificação dos resultados obtidos, determinar a correspondência destes com os objetivos propostos” (LIBÂNEO, 2013, p. 217).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A produção textual coletiva da turma exerceu a função de verificar as habilidades e atitudes alcançadas pelos alunos no decorrer desses três dias de atividades.
CONSIDERAÇÕES Este trabalho tratou da observação de uma série de atividades voltadas para a educação ambiental, com ênfase no contexto social enfrentados pelos alunos. O ápice do presente estudo se deu na confecção e aplicação do jogo Saneamento Básico que considerou, em sua construção, a realidade da unidade escolar, que atende a turma onde o mesmo foi aplicado. Foi proporcionado, de forma panorâmica, o acesso a informações e conhecimentos básicos acerca do tema abordado, alternando atividades expositivas e lúdicas (experimentos), seguidas pela aplicação do jogo e produção textual coletiva. O presente relato baseou-se na aplicação de material com enfoque ambiental, em uma escola que já havia definido como projeto anual o referido tema. Nesse contexto o material obteve aceitação positiva e atendeu ao público e à faixa etária. Percebeu-se que os alunos adquiriram muitos conceitos através da combinação entre aula expositiva, experimentos e jogo. Isto pôde ser evidenciado na fala produzida coletivamente por eles. Para, além disso, constatou-se que os educandos passaram reconhecer que as condições de saneamento básico que os rodeiam são inadequadas, ao criticarem a forma como o esgoto sanitário de seu bairro é descartado, ao reivindicarem o acesso de todos ao tratamento de água e esgoto, ao perceberem que as inadequações no saneamento básico contribuem para a disseminação de doenças, e que políticas públicas precisam ser implementadas para garantir à localidade melhores condições sanitárias. Despertou-se nos alunos atitudes de valorização à água, recurso natural essencial a manutenção da vida. Atingindo o objetivo de contribuir para a formação de agentes multiplicadores de atitudes de valorização e respeito à água como recurso natural.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | GASPAR, A. MONTEIRO, I. C. de C. Atividades experimentais de demonstração em sala de aula: uma análise segundo o referencial da teoria de Vygotsky. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Disponível em https://cidades.ibge.gov. br/brasil/rj/duque-de caxias/pesquisa/37/30255?tipo= ranking Investigações em Ensino de Ciências – v. 10(2), pp. 227-254, 2005. GUIMARÃES, M. Identidades da educação ambiental brasileira / Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental; Philippe Pomier Layrargues (coord.). – Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. Lei 9795/1999. Ministério do Meio Ambiente, 1999. Disponível em http://www2. mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=321 Lei 2855 de 14 de agosto de 2017. Disponível em https://leismunicipais.com.br/a/ rj/d/duque-de-caxias/lei-ordinaria/2017/286/2855/lei-ordinaria-n-2855-2017altera-dispositivos-na-lei-n-1556-de-28-de-dezembro-de-2000. Lei 2856 de 14 de agosto de 2017. Disponível em https://leismunicipais.com.br/a/ rj/d/duque-de-caxias/lei-ordinaria/2017/285/2856/lei-ordinaria-n-2856-2017altera-dispositivos-da-lei-n-1024-de-11-de-janeiro-de-1991-altera-e-acrescentadispositivos-da-lei-n-1-070-de-19-de-setembro-de-1991-altera-dispositivos-dalei-n-1-329-de-15-de-julho-de-1997-altera-dispositivos-da-lei-n-1-606-de-28de-dezembro-de-2001-altera-dispositivos-da-lei-n-1-652-de-29-de-agosto-de2002-altera-e-acrescenta-dispositivo-da-lei-n-1-506-de-14-de-janeiro-de-2000-erevoga-a-lei-n-85-de-26-de-maio-de-1976 LIBÂNEO, J. C. Didática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2013. LOUREIRO, C. H. B. Premissas teóricas para uma educação ambiental transformadora. Ambiente e Educação, Rio Grande, 8: 37-54, 2003. MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. de . Afetividade e processo de ensino-aprendizagem : contribuições de Henri Wallon. Psicologia da Educação. São Paulo, 20, 1 semestre de 2005, pp 11-30. PIAGET, J. Biologia e conhecimento. Porto: Rés-Editora, 1967. ROSA, P. R. S. O uso dos recursos audiovisuais e o ensino de ciências. Caderno Catarinense de Ensino de Física. V.17, n. 1: p. 33 – 49, abr. 2000. SABESP. Disponível em sabesp.com.br Secretaria Municipal de Educação, Proposta Pedagógica da Secretaria de Educação de Duque de Caxias: Volume 1: Princípios Teóricos Filosóficos – Duque de Caxias, RJ: SME, 2002.
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Secretaria Municipal de Educação, Proposta Pedagógica da Secretaria de Educação de Duque de Caxias: Volume 2: Proposta Pedagógica – Duque de Caxias, RJ: SME, 2004. Soluto – solvente. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/quimica/solutosolvente.htm SOUZA, C.M.N.; FREITAS, C.M. O saneamento na ótica de profissionais de saneamento-saúde-ambiente: promoção da saúde ou prevenção de doença? Rio de Janeiro: Fiocruz, vol. 13, n° 1, p. 46-53, 2008. Show da Luna, O – Como água vira chuva? 2015. (12min3s). Disponível em https:// youtu.be/WpOkQ7ayUxQ TAILLE, Y. de L.; OLIVEIRA, M. K. de; DANTAS, H. Piaget, Vigotski , Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 2019. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4ª ed. São Paulo: Fontes Editora, 1991.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) |
Com seus dez anos, sabido como dez livros completos, no isopor, a tiracolo leva sua vida a preço. Picolezeiro, por um sorriso dou-te um cruzeiro. (...) Picolezeiro, o teu sorriso vale um cruzeiro? Passam os ônibus, passam por suas mãos os dinheiros. Descalço de pés e sonhos, só ele é passageiro. Picolezeiro, só valeis isso, tu e companheiros? Picolés de milho verde e uma espiga de protesto: não te vendas mais em trocos, tira o tiracolo em tempo! Dom Pedro Casaldáliga
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ECOCAPITALISMO E PRESERVAÇÃO DO BELO? um estudo de caso sobre a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
Thaís de Castro Cunha Parméra Maylta dos Anjos
Introdução As questões ambientais incluem a todo tempo o conflito entre o poder econômico e os ideais de sustentabilidade. Exatamente por isso, o meio ambiente é um tema estratégico em termos empresariais e institucionais (LAVORATO, 2004). Um dos elementos de uma Gestão Ambiental efetiva perpassa na construção de um discurso ambiental pautado em práticas que visem incluir os empreendimentos em uma dinâmica socioambiental que ao mesmo tempo cumpra os preceitos legais e se apoie em um ideal de sustentabilidade. Nesse contexto é interessante apontar a definição de Gestão Ambiental apontada por Lavorato (2004) que compreende um conjunto de princípios, estratégias e diretrizes que visem a preservação do meio ambiente e das sociedades dependentes dele. Dessa forma, ela tem como objetivo ordenar as atividades antrópicas de forma a minimizar impactos ambientais. Isso pode ser feito de diversas formas como, por exemplo, o desenvolvimento de tecnologias, execução de preceitos legais e planejamentos financeiros e ações e princípios de educação ambiental. Mas passa sobretudo pelo campo político das ações transformadoras que confrontam o signo de materialidade vivida. Muitas práticas acerca da questão ambiental são atreladas a estratégias de mercado para consolidação de marca e são utilizadas como forma de adquirir uma maior empatia do público e reforçar os relacionamentos entre toda a cadeia de stakeholders. Tais práticas podem se esvaziar de sua intenção socioambiental e repousar em um contexto mercadológico regido por ações estratégicas de marketing. 161
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Nesse artigo objetiva-se abordar e analisar, criticamente, o contexto do discurso ambiental de uma grande marca brasileira de cosméticos, o Grupo Boticário, a partir de uma reflexão da abordagem empresarial em termos dos ideais de sustentabilidade, de práticas socioambientais e educação ambiental.
O Grupo Boticário O Setor de cosméticos, perfumaria e produtos de higiene pessoal é um nicho de mercado altamente lucrativo e competitivo e está em amplo crescimento (NAKAYAMA, 2008). As principais franquias brasileiras que se enquadram nesse setor são O Boticário; L´acqua di Fiori, Chlorophylla e Água de Cheiro. Em termos de concorrência internacional as empresas que mais disputam diretamente essa fatia do mercado são: Natura; O Boticário; Água de Cheiro e L´Acqua di Fiori. Contudo, em 1974 a Natura seguiu o exemplo da Avon e optou pela estratégia de vendas realizadas através de vendas pessoais por meio de consultores (RIBEIRO e MELLO, 2007). O Grupo Boticário é uma rede de franquias ou franchising de cosméticos, maquiagens e perfumaria voltadas para ambos os gêneros e para um grande espectro etário (BOYDE, 2007; BATISTA, 2012). É necessário dizer que O Grupo Boticário teve início em 2010 e não representa uma única unidade de negócio e sim um conglomerado empresarial, caracterizado como um holding. Dessa forma, o grupo inclui outras marcas, a saber: O Boticário, existente desde a década de 70; Eudora, criada em 2011; Quem disse, Berenice? e The Beauty Box, sendo que essas duas últimas criadas em 2012 (CORREIA, 2014; MEYER, 2014; MELO, 2017; BRASIL, 2016, 2017). É importante dizer que O Grupo Boticário é a maior referência nacional e internacional no seu segmento de mercado (MARTINS e AZEVEDO, 2015) e gera aproximadamente 12 mil empregos diretos e indiretos. Parte do sucesso é entendido como fruto de estratégias empreendedoras de pesquisa, inovação e qualidade (NAKAYAMA, 2008). O Boticário representa a empresa líder em perfumaria no Brasil. O portfólio de produtos inclui 600 itens que abrangem uma grande gama de finalidades, a saber: cuidado com o corpo e face; protetores solares; maquiagem; perfumes; desodorantes; sabonetes e shampoos (MARTINS e AZEVEDO, 2015). Ela foi o primeiro empreendimento que mais tarde daria origem ao holding. Iniciou em 1977 como uma farmácia de manipulação em Curitiba e foi formada por dois bioquímicos, Miguel Gellert Krigsner e Eliane Nadalin, e dois dermatologistas, 162
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Wilhelm Baumeier e José Schweidson Filho (BARA, 2001; RIBEIRO e MELLO, 2007; COSTA e SILVA, 2009; ARRUDA et al., 2010; BARROS, 2012; BATISTA, 2012; CORREIA, 2014). Ela ainda é dirigida pela maior parte de seus fundadores iniciais e já conquistou ao longo da sua história inúmeros prêmios nacionais e internacionais nas mais variadas áreas incluindo na Pesquisa e Desenvolvimento (COSTA e SILVA, 2009). O ponto de virada da marca foi em 1979 quando houve a abertura de uma loja no aeroporto Afonso Pena em de São José dos Pinhais, Paraná (BARA, 2001; RIBEIRO e MELO, 2007; NAKAYAMA, 2008; COSTA e SILVA, 2009;ARRUDA et al., 2010; BARROS, 2012; BATISTA, 2012; CUNICO et al., 2013; GUERRAZZI, 2015). A loja permitiu que os clientes, formados em sua grande maioria por comissárias de bordo, levassem os produtos por todo o território nacional, disseminando e amplificando a marca (BARROS, 2012; ARRUDA et al., 2010; BARROS, 2012; BATISTA, 2012). Isso foi o estopim para que se criasse uma demanda de franquiados em diversos municípios (ARRUDA et al., 2010) e, dessa forma, aos poucos foi surgindo o interesse embrionário de revenda dos produtos do O Boticário (NAKAYAMA, 2008). Em 1980, a empresa desenvolveu o sistema de franquias ou franchising ao longo do território nacional. Em 1984 O Boticário se transformou em uma das primeiras franquias brasileiras a se internacionalizarem (BARRA, 2001). Em 2002 O Boticário alcançou o mercado virtual e em 2003 já era a maio rede de franquias de perfumaria e cosméticos do mundo (ARRUDA et al., 2010; BATISTA, 2012). Em 2010 a marca foi englobada no holding Grupo Boticário. A marca Eudora é a unidade empresarial que possui venda direta assim como lojas físicas e virtuais (Em <https://goo.gl/YyRg8g>. Essa marca realiza a venda de cosméticos com preços mais acessíveis com foco em venda direta a partir de revendedores (CORREIA, 2014). Já a unidade de negócio “Quem disse, Berenice?” é uma marca que pretende atingir um novo público consumidor a partir de novos conceitos de maquiagem em termos de cores, estilos e tendências e realiza suas vendas por meio de lojas físicas e virtuais (Em: <https://goo.gl/w6oNin>). The Beauty Box é uma marca que revende produtos de cabelo, maquiagem e perfumaria de mais de 100 marcas renome nacional e internacional. Ela atua assim como uma multimarca além de produzir produtos próprios chamados “Produtinhos de Beauty” que inclui itens de cabelo, corpo, banho e acessórios (Em:<https://goo.gl/YyRg8g).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A partir de toda essa variedade de produtos e marcas, o Grupo Boticário como um todo desenvolveu em 2015, 1.300 novos produtos (BRASIL, 2016). É valido dizer que O Grupo Boticário é totalmente brasileiro e possui o capital fechado com 100% de recursos próprios. A empresa também adota a Política de Investimento Social Privado onde 1% da sua receita líquida anual é direcionada para a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza que será abordada mais adiante (MARTINS e AZEVEDO, 2015). Ao final do exercício do ano de 2016 o Grupo Boticário possuía 1.018 colaboradores diretos (BRASIL, 2017). Atualmente o holding possui aproximadamente 4 mil pontos de venda e possui 93 unidades internacionais (MELO, 2017). Ao todo, o Grupo empresarial produz aproximadamente 300 milhões de produtos por ano. Dados oficiais disponibilizados online pela empresa ressaltam que o grupo possui ao todo no Brasil mais de 4 mil pontos de venda em 1.750 municípios. Só no ano de 2015 o holding abriu 100 novas lojas (Em:<https:// goo.gl/Tsbc9T>). Exatamente por isso o grupo representa a maior rede de franquias do mundo (Em <https://goo.gl/7dBNKc>). Segundo informações do site, o Grupo Boticário é ao mesmo tempo laboratório, pesquisa, fábrica, logística, marketing e varejo. O grupo possui um centro de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia, dois centros de distribuição (São Paulo e Bahia) e há escritórios empresariais em São Paulo, Curitiba, Colômbia e Portugal (Em <https://goo.gl/7dBNKc>). O relatório administrativo sobre o exercício social de 2016 do holding O Grupo relata que só em 2015 o faturamento consolidado da empresa foi de 4,4 bilhões (BRASIL, 2017). Já de acordo com a Revista Época, em termos das vendas em varejo, o Grupo Boticário apresentou um faturamento de 11,4 bilhões de reais no varejo em 2016 (Em: <https://goo.gl/Tsbc9T>).
Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza A Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é uma fundação privada sem fins lucrativos de amplitude nacional e voltada para a temática ambiental. Ela é ligada ao Grupo Boticário desde 2010, segundo dados do site da própria instituição reforçados pelo seu estatuto instituidor que está disponível no site (Em:<https://goo.gl/ZAmVdz>). A Fundação possui sede no município de Curitiba, Paraná e possui outras três sub-sedes, uma também no estado
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do Paraná e outras duas em Mato Grosso do Sul e Goiás (Em:<https://goo.gl/ ZAmVdz). Para fins de simplificação doravante a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza será chamada de Fundação Grupo Boticário. A Fundação Grupo Boticário (2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015) foi criada em 1990 com a finalidade de realizar ações de conservação do meio ambiente e apoiar outras iniciativas que abordem a mesma temática além de desenvolver estratégias de conservação e disseminar os conhecimentos científicos obtidos através dessas ações. Outra informação institucional é que ela também trabalha com o viés de sensibilização da sociedade para a conservação por meio de diálogos e ações de aproximação das pessoas da natureza. A Fundação atua em diferentes regiões do Brasil e alega em site conservar um valor superior a 11 mil hectares de Mata Atlântica e Cerrado através de Reservas Naturais (Em: <https://goo.gl/ZAmVdz>). A Fundação Grupo Boticário (2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015) possui como missão a promoção e realização de ações de conservação da natureza. Como visão, ela ressalta a importância da conservação da natureza na sociedade e nas políticas públicas brasileiras. Como valores institucionais ela apresenta elementos como a vontade de progredir e de encarar desafios; o comprometimento com os resultados; a integridade e a valorização das pessoas e relações pessoais. Essas características estão dispostas nas suas diretrizes estratégicas que estão acessíveis on-line. Atualmente, o slogan veiculado na sua página na Internet é “O Compromisso com a Natureza é o que nos move” (Em: <https://goo.gl/ZAmVdz>). A instituição em seu site ainda ressalta que ela possui equipes capacitadas e parceiros (pessoas físicas, jurídicas e franquias) em todo o país para conseguir realizar tudo o que eles se propõem. A lista dos parceiros pode ser consultada no site (<https://goo.gl/ZAmVdz>). A Fundação Grupo Boticário (Em:<https://goo.gl/X3cfxx>) também explicita que ao longo de toda a sua existência, ganhou vários prêmios em sua história, mas ressalta, de maneira idealizada, que o maior prêmio de todos é continuar trabalhando pela natureza cotidianamente. Também é possível consultar todos os prêmios obtidos pela instituição em outro tópico do site.
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Programas ambientais da Fundação Grupo Boticário O site da fundação apresenta ao todo sete programas socioambientais que serão brevemente descritos nos próximos subtópicos. Além dessas ações, em quase todo o site pode-se encontrar também opções de inscrição em programas de voluntariado. Isso tudo coaduna com o conjunto das diretrizes estratégicas dispostas no site da fundação determinadas para o período entre 2014 a 2018. Nesse intervalo de tempo, o objetivo primordial da Fundação é estabelecer a promoção e a realização de ações de conservação da natureza sendo que isso tudo é perseguido devida a relevância do tema para a sociedade e as políticas públicas brasileiras (Em:<https://goo.gl/ZAmVdz>). Segundo o mesmo documento, o sucesso das ações é avaliado de acordo com a quantidade de políticas públicas influenciadas a partir das ações da fundação e com pesquisas de opinião. Os objetivos elencados no documento incluem a vontade da fundação ser conhecida como uma contribuinte efetiva para a conservação nacional e global bem como ser reconhecida como provedora de informações e conhecimentos sobre o mesmo tema (Em: <https://goo.gl/ZAmVdz>). Para tal, as diretrizes da fundação para o intervalo de 2014 e 2018 incluem a promoção de políticas públicas de conservação; promoção de ferramentas econômicas de conservação; contribuição para criação e implementação de Unidades de Conservação em geral e de ecossistemas ameaçados; motivação e sensibilização de grupos de interesse em favor da conservação, entre outras diretrizes (Em:<https://goo.gl/ZAmVdz>). Editais O primeiro programa de caráter ambiental da Fundação Grupo Boticário (2013) foi a abertura de editais ambientais. Eles visam apoiar ações práticas para conservação de espécies e ecossistemas; viabilizar ações de políticas públicas de proteção a biodiversidade e disseminar o conhecimento obtido através dessas práticas. De acordo com dados da própria Fundação Grupo Boticário (2013) em pouco mais de 25 anos de atuação foram viabilizadas 1.510 iniciativas de 501 instituições e foram descritas 150 novas espécies de flora e fauna. Além disso, foram estudadas 246 espécies ameaçadas de extinção e 496 unidades de 166
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conservação foram beneficiadas (Em:<https://goo.gl/AojSYj>). As Linhas de apoio incluem: apoio a projetos; apoio a programas; edital de Biodiversidade do Paraná e Programa de Pesquisa nas Reservas. O apoio a projetos está vigente no país desde a década de 90 é direcionado a todas as regiões do país. A ideia idealizada pela Fundação sobre os Projetos é que a conservação a médio e longo prazo representa uma estratégia para garantir o bem-estar social das gerações atuais e futuras. Eles além de investir em projetos de pesquisa, também se empenham em divulgar o conhecimento gerado. As linhas temáticas são: Unidades de Conservação de Proteção Integral e RPPNs; Espécies ameaçadas; Ambientes marinhos e Políticas Públicas. A inscrição é totalmente online e serve para iniciativas de pessoas jurídicas sem fins lucrativos como ONGs, fundações ou associações privadas (Em: <https://goo. gl/AojSYj>). O Apoio a Programas representa uma linha de financiamento para apoio a ações de médio e longo prazo de conservação de grande impacto positivo ou políticas públicas relacionadas (Em :<https://goo.gl/AojSYj>). O Edital de Biodiversidade do Paraná ocorre em parceria com a Fundação Araucária que visa à conservação de espécies e ecossistemas do Paraná e áreas limites com destaque para a Floresta de Araucárias (Em: <https://goo.gl/AojSYj>). O Programa de Pesquisa nas Reservas, por sua vez, é destinado a pesquisadores que pretendem desenvolver projetos nas Reservas Naturais Salto Morato e Serra do Tombador (Em : <https://goo.gl/AojSYj>). Araucária+ Segundo informações da própria Fundação Grupo Boticário (2013), o Programa “Araucária+” é uma inciativa de valorização e preservação do ecossistema das florestas de araucárias pela inovação e agregação de valor à produção sustentável do pinhão e erva-mate. Ela ocorre em Santa Catarina desde 2013 e busca estimular a economia local pelo diagnóstico das cadeias produtivas do pinhão e erva-mate assim como elaborar estratégias de valorização da Floresta com Araucárias (Em: <https://goo. gl/1pnCtT>). A iniciativa é embasada no fato de que a floresta atualmente foi reduzida a somente 3% do seu tamanho original por causa de atividades extrativistas que se intensificaram na segunda metade do século XX.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O objetivo primordial do Programa “Araucária+” é frear a degradação do ecossistema a partir de uma parceria com a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras. Dessa forma, deve-se priorizar uma produção sustentável dos recursos naturais mais utilizados na região (pinhão e erva mate). Inicialmente o projeto abrange a região do planalto serrano de Santa Catarina no Parque Nacional de São Joaquim (Em: <https://goo.gl/1pnCtT>).
Reservas Naturais As informações do site procuram definir Unidades de Conservação e sobre a sua importância sobre a biodiversidade e a preservação da beleza cênica da natureza. Com isso a Fundação procura valorizar as Reservas Particulares do Patrimônio Natural, também chamadas de RPPNs, que representam um tipo de Unidade de Conservação federal (Em: <https://goo.gl/X8dXfm>). É importante citar que em todas essas Reservas Naturais são realizados projetos de pesquisa científica (FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO, 2013) e também há espaço para atividades e estágio e voluntariado (Em:<https://goo.gl/X8dXfm>). A Fundação Grupo Boticário (2013) possui duas Reservas Naturais, a saber: Salto Morato e Serra do Tombador. Elas juntas somam 11 mil hectares e foram escolhidos uma vez que são representantes de dois biomas brasileiros importantes: Mata Atlântico e Cerrado respectivamente (Em : <https://goo.gl/ X8dXfm>). A Reserva de Salto Morato está localizada em Guaraqueçaba no Paraná e foi reconhecida como RPPN desde 1994 pela Unesco como Sítio do Patrimônio Natural da Humanidade em 1999. A área possui um total de 2.253 hectares e está localizada no bioma de Mata Atlântica e possui várias espécies endêmicas ameaçadas de extinção (Em: <https://goo.gl/boU5Ho>). O local possui projetos de pesquisa e apresentam uma extensa estrutura de suporte para pesquisadores desenvolverem os seus trabalhos. As linhas de pesquisa desenvolvidas na área incluem diversos temas, como por exemplo: Impactos de mudanças climáticas para o ecossistema; ecologia de espécies alvo; controle e erradicação de espécies invasoras; estudo de e monitoramento de sucessão natural de áreas em regeneração; estudo de manejo e gestão da reserva entre outros assuntos. É importante citar que a maior parte dos projetos de pesquisa desenvolvidos no local são destinados a contribuir com os objetivos estabelecidos no Plano de Manejo da Reserva (Em: <https://goo.gl/boU5Ho>). 168
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Segundo o site, o local é aberto ao público e a visitação tem por objetivo sensibilizar os visitantes para a causa da conservação durante o momento de entretenimento e recreação na natureza. Como exemplo de atividades estão as trilhas, a observação de pássaros, atividades no rio, entre outras (Em:<https:// goo.gl/boU5Ho>). A Reserva da Serra do Tombador por sua vez é localizada em Goiás, no Parque Nacional Chapada dos Veadeiros e pertence à Fundação Grupo Boticário desde 2007 e é reconhecida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade como RPPN desde 2009. Ela representa o bioma do cerrado e possui mais de 8 mil hectares ( <https://goo.gl/GSQqej>). Ela também possui programas de pesquisa que auxiliam o cumprimento dos objetivos expostos no seu plano de manejo. Como exemplo de linhas temáticas de pesquisa, pode-se citar: ecologia e manejo do fogo natural e de origem humana; controle e erradicação de espécies invasoras; ecologia da paisagem; estudos de gestão da reserva natural entre outras (Em:<https://goo. gl/GSQqej>). Oásis Segundo informações do próprio site (Em: <https://goo.gl/aCgYfK>) o Programa Oásis existe desde 2006 e é uma iniciativa que estimula a conservação da natureza por meio dos chamados Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). Segundo o site, serviços ambientais são ações realizadas pelos ecossistemas naturais que possibilitam a manutenção da vida no planeta. Como exemplos podem ser citados a purificação da água e ar; renovação do solo, entre outros (Em: <https://goo.gl/aCgYfK>). O Pagamento por Serviços Ambientais é uma ação de recompensação financeira para proprietários que protegem a manutenção dos ecossistemas. De acordo com o site, o modelo apresenta certa flexibilidade de adaptação a diferentes contextos sócio-econômico-ambientais (Em: <https://goo.gl/ aCgYfK>). Isso é realizado através de uma metodologia que calcula a valoração ambiental das propriedades e possibilita a tomada de decisão em termos de escolha, monitoração e avaliação de resultados dos locais em que a metodologia será aplicada (Em: <https://goo.gl/aCgYfK>). Segundo o site, essa iniciativa foi a responsável pela conquista de inúmeros prêmios ambientais para a Fundação (Em: <https://goo.gl/aCgYfK>). 169
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A prática conta com parceiros (Organizações não governamentais; Estado; empresas privadas) que buscam fontes financiadoras o projeto e sua execução. A Fundação é responsável somente pela orientação e acompanhamento do projeto, sobretudo em termos legais e de valoração ambiental (Em: <https://goo. gl/aCgYfK>). A execução do projeto está presente em São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais (FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO, 2013). Segundo dados da própria empresa, em uma década de atuação foram beneficiadas 434 propriedades resultando na proteção de 341 nascentes e 3.960 hectares de áreas naturais (Em: <https://goo.gl/aCgYfK>. Gastronomia Responsável Segundo dados disponibilizados no próprio site da Fundação (2013), o programa da Gastronomia Responsável busca sensibilizar a sociedade sobre as questões ambientais incluindo as de conservação dos recursos naturais. A ideia principal é se pautar no preparo de receitas menos impactantes ao meio ambiente e inclui a participação de vários chefes de cozinha. O programa se estende a restaurantes participantes que incentivam o público a também adotar as práticas de consumo responsável no seu cotidiano. O condão principal é pensar como os hábitos alimentares podem beneficiar a natureza (Em:<https://goo.gl/CQbbXJ>). Os quatro princípios são: uso de ingredientes orgânicos; uso de produtos regionais; uso de espécies que não estão em extinção e uso de receitas sem desperdício (Em: <https://goo.gl/CQbbXJ>). Mudanças Climáticas O Programa de Mudanças Climáticas ocorre desde 2011 e tem por objetivo debater e mensurar os efeitos do clima sobre o bioma Mata Atlântica. Isso é feito através de editais chamados Bio&Clima- Lagamar que visa contemplar projetos de pesquisa para a gestão do Mosaico de Áreas Protegidas do Lagamar. Lagamar é um complexo estuarino-lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá e representa, segundo informações do site, o maior remanescente contínuo de Mata Atlântica do Brasil abrangendo o litoral sul de São Pauto e o litoral do Paraná (Em: <https:// goo.gl/62McgQ>). Vale dizer que, segundo informações do próprio site, o edital Bio&Clima – Lagamar não está abrindo novas chamadas desde 2012 (Em: <https:// goo.gl/62McgQ>). 170
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A Fundação também faz parte do Observatório do Clima que é uma reunião de organizações e sociedade civil que atuam na temática da mudança climática no Brasil. A ideia é possibilitar a viabilidade de ações e políticas públicas para a mitigação dos impactos que as mudanças climáticas podem causar na natureza. A Fundação Grupo Boticário (2013) também é membro e fundadora do Fórum Curitiba sobre Mudanças Climáticas. Ela também é uma das organizações responsáveis pela criação do Instituto LIFE, que certifica organizações públicas e privadas quanto a ações de conservação da biodiversidade. Estação Natureza e Conexão da Natureza Um dos programas de Educação Ambiental e de Divulgação Científica mais desenvolvido da Fundação é chamado Estação Natureza e Conexão Natureza As Estações Natureza compreendem exposições que visam, nas palavras da própria instituição, aproximar a natureza da população urbana. Isso é obtido pela interatividade na abordagem de temas de meio ambiente, flora e fauna brasileiros. As exposições se apoiam na interatividade e tecnologia para explorar os quatro sentidos (visão, audição, olfato e tato) por imagens, paisagens sonoras e aromas sobre os biomas naturais do Brasil. O objetivo, segundo o site, é sensibilizar e conscientizar a população sobre a importância da preservação da natureza (Em: <https://goo.gl/UDQKHf>). Existem ao mesmo tempo estações fixas (nas cidades de São Paulo/SP e Corumbá/MS) e estações itinerantes que, segundo o site, percorrerá 10 capitais brasileiras. As estações fixas são chamadas de Estação Natureza São Paulo e Estação Natureza Pantanal. A exposição itinerante é chamada de Conexão Estação Natureza. As estações fixas são pagas a preços módicos, praticamente simbólicos, e as estações itinerantes possuem entrada gratuita (Em: <https:// goo.gl/UDQKHf>). A Estação Natureza Pantanal foi inaugurada em 2006 e possui uma exposição permanente sobre o Pantanal destinada a públicos de todas as idades com o foco de demonstrar as belezas do bioma e de sensibilizar a população sobre a conservação da natureza. O local possui 23 painéis com cenários com informações sobre a geologia, hidrografia, ciclo de enchentes, clima e curiosidades sobre fauna, flora e ecossistema local. No final, segundo o site, há um estímulo à reflexão sobre como todos podem contribuir para a conservação do Pantanal (Em: <https://goo.gl/vMwrGu>). 171
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Já a Estação Natureza de São Paulo foi inaugurada em 2009 e traz, segundo informações do próprio site da fundação, as belezas naturais de cada bioma do país através dos sentidos. A exposição possui cinco vagões de trem personalizados sendo que cada um representa diferentes biomas brasileiros. A estrutura conta com elementos interações tecnológicas que buscam caracterizar o bioma em questão. No final, a exposição elenca algumas reflexões sobre atitudes ambientalmente responsáveis. Os preços de entrada também são módicos. O site relata que esta exposição está temporariamente fechada e não apresenta data de retorno. Segundo informações da Fundação Grupo Boticário (2013), a Estação Natureza São Paulo está temporariamente fora de operação, devido a reformas na Estação Ciência da USP (Em:<https://goo.gl/c1FxTY>). A Conexão Estação Natureza além de toda a parte sensorial, é gratuita e inclui uma alta interatividade por meio da tecnologia incluindo óculos de realidade virtual, cinema sensorial, plataforma de games estilo Kinect e telas touchscreen com tecnologia Motion by Hands. É importante citar que a Conexão Estação Natureza é composta por seis estações interativas que possuem os aparatos tecnológicos já supracitados (Em: <https://goo.gl/xMocHu>). Segundo dados públicos disponibilizados pela própria Fundação em seu site, a Conexão Estação Natureza até o momento fez 18 passagens por 15 cidades, impactando mais de 8 milhões de pessoas. O calendário e os locais de cada exposição ficam dispostos no site (Em: <https://goo.gl/xMocHu>).
Discussão O Grupo Boticário, como pode ser visto no breve histórico realizado anteriormente, em toda a sua história representa um case empreendedor brasileiro que deve ser analisado em termos de planejamento estratégico, marketing e gestão empresarial. Isso porque o holding, através da aposta em qualidade e relacionamento com o cliente, buscou inovar, criar um nicho de mercado e se estabelecer como uma marca diferenciada diante do cenário nacional e internacional. Para alcançar esses resultados, o holding fez um investimento muito maior do que apenas em uma rede de franquias. O Grupo Boticário envolve uma miríade de ações empresariais que incluem pesquisa e desenvolvimento, tecnologia, inovação, logística, marketing, vendas a varejo, vendas pela internet, 172
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venda direta, entre outros elementos. Além disso, a marca se manteve no mercado ao longo do tempo acompanhando as suas tendências e se reinventando para atingir as evoluções do comportamento do consumo incluindo a ideia de se desmembrar em multimarcas, alcançar o mercado virtual e usar como bandeira competitiva o diferencial da responsabilidade social e ambiental.
O Discurso Ambiental na Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza De modo geral, o discurso ambiental empresarial do Grupo Boticário perpassa pela questão da responsabilidade social que pode ser abordada de diversas maneiras dependo do empreendimento em questão. A responsabilidade social e ambiental do Grupo Boticário é realizada através da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza que será analisada a seguir. A ideia de elaborar a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza acompanha a tendência histórica de conscientização das questões ambientais que aconteceram ao redor do mundo. Ela foi inaugurada em 1990, década onde a problemática ambiental estava em plena efervescência no mundo em conjunto com as questões do desenvolvimento tecnológico, o padrão de consumo, as desigualdades sociais, a escassez dos recursos naturais e as críticas ao modo de produção capitalista. Isso tanto é verdade que todos esses temas foram discutidos em termos de participação global das nações na Rio-92, uma das reuniões mais emblemáticas e históricas realizadas pela ONU sobre o meio ambiente, apenas dois anos após a inauguração da fundação. Isso coaduna com os entendimentos de Alexandre (2005) que também ressalta a ação de políticas ecológicas que se intensificaram no processo de globalização a partir da década de 90. Esse autor ainda assevera que essas políticas ambientais acabaram sendo responsáveis por uma mudança da ordem clássica do contrato social que tradicionalmente se legitimava a partir do envolvimento de homens e associações com interesses econômicos convergentes. A natureza era vista como recurso ou como elemento que ameaçava a operação desse modelo de contrato social (ALEXANDRE, 2005). Nesse contexto de mudança global, o nascimento da Fundação Grupo Boticário representa, ainda que com bastante crítica e lacunas, um marco histórico de construção e posicionamento do mundo diante do meio ambiente 173
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | e da florescência e maior abrangência do ideal de desenvolvimento sustentável diante da sociedade. Pode-se dizer que os entes sociais, em especial as populações, diante de suas ações cotidianas devem acontecer de forma mais crítica, considerando-se partes integrantes do meio ambiente e cobrando a responsabilidade da empresa na preservação diante das gerações futuras. No Brasil isso já havia se refletido inclusive em termos de políticas públicas e de marcos constitucionais. A própria Carta Magna de 1988 já assegurava a questão ambiental em termos de garantias fundamentais e instituía a responsabilidade da preservação ambiental juntamente com o conceito de sustentabilidade para todos os entes sociais incluindo o Estado, a sociedade civil e o meio empresarial como coparticipes desses ideais. O posicionamento do Grupo Boticário, na época somente O Boticário, refletiu de preservação através da pesquisa, da instituição de Reservas Naturais e fomento a atividades de preservação como foi demonstrado ao longo da descrição e levantamento dos programas desenvolvidos pela fundação. Contudo, não se pode deixar de salientar que tudo isso também se reflete como uma estratégia de mercado do chamado marketing verde baseado nos ideais de adaptação do ecocapitalismo. O ecocapitalismo, segundo definição de Alexandre (2005), prevê um capitalismo social tanto para as relações de trabalho quanto a melhoria da qualidade dos processos de produção. Há a preocupação do controle e disciplina do mercado ao invés de focar no controle de mecanismos de preço e lucro. Esse entendimento é corroborado por Silva e colaboradores (2012) que salientam que o ecocapitalismo compreende a elaboração de um discurso capaz de propagar a compatibilização do desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Isso ocorre a partir do ideal da responsabilidade socioambiental e os meios de comunicação. A publicidade faz o papel de convencimento de que há como superar a degradação ambiental sob a égide do capitalismo (SILVA et al., 2012). Em contrapartida Araújo e Silva (2012) ressaltam que o capitalismo atual apresenta contradições profundas no seu modo de produção e reprodução onde fica cada vez mais evidente sua capacidade destrutiva tanto das relações de trabalho quanto da natureza que, por sua vez, são elementos essenciais para a reprodução da vida social. Nisso inclui-se a mercantilização da natureza. O meio ambiente foi considerado infinito em termos de satisfazer as necessidades humanas. Esse paradigma só se reconfigurou com o agravamento de problemas ambientais pelo uso indiscriminado de recursos naturais onde se 174
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observou a sua finitude e como isso poderia prejudicar a existência da própria humanidade no futuro. Essa crise ecológica global reflete, portanto, uma crise capitalista. Isso porque o capitalismo ao mesmo tempo em que potencializa a exploração da força de trabalho, também explora os recursos naturais. A partir desse processo exploratório, o capitalismo procura novos nichos de valorização (ARAÚJO e SILVA, 2012). Essa prática teve resultados satisfatórios desde a década de 90 e ainda abarca frutos nos dias atuais em termos empresariais como pode ser no faturamento do holding nos últimos anos. Não é a toa que o Grupo Boticário é a maior empresa de cosméticos e perfumaria do mundo e suas grandes ações ambientais devem estar à altura de seu posicionamento empresarial mundial funcionando como uma vitrine para angariar investidores, fornecedores, trabalhadores e, acima de tudo, clientes que são os chamados no jargão administrativo e empresarial de stakeholders. Uma das estratégias do ecocapitalismo inclui a responsabilidade social que é inserida no discurso institucional. Isso se encontra de forma explícita no modelo de gestão da cadeia produtiva de todo o holding. Ele inclui valores ambientais e promoção do bem estar social. E uma das suas maiores expressões é a Política Corporativa de Responsabilidade Social e a Política de Investimento Social Privado sendo que esta última dá origem a Fundação Grupo Boticário de Proteção a Natureza anteriormente já mencionada.
A Análise dos Projetos Ambientais da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza Dentro dos Projetos da Fundação Grupo Boticário foram elencados diversos programas ambientais que atualmente estão em voga. Pode-se notar que ao longo do tempo a Fundação possui diversos projetos ambientais que, segundo informações providas pela própria instituição, alcançaram diversos frutos em termos de preservação ambiental. Alguns desses projetos possuem décadas de existência e contribuem positivamente para a conservação da natureza, mesmo que o seu discurso seja pautado veladamente em uma estratégia oportunista do mercado. Atualmente são executados sete projetos (editais; Araucária+; Reservas Naturais; Oásis; Gastronomia Responsável; Mudanças Climáticas e Estação Natureza) que de maneira geral são apresentados pela fundação como ações de 175
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | longa data que galgaram sucesso em termos de conservação ambiental e que conferem a fundação uma expertise em termos de luta a favor do meio ambiente. De modo geral vale o destaque dos editais que, sobretudo fomentam a pesquisa científica em termos de descrição de novas espécies de fauna e flora em biomas específicos; as Reservas Naturais que instituíram duas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) e que funcionam como local de preservação, aprendizado e fomento a pesquisa científica em suas áreas e o Oásis que realiza o Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA). É importante salientar que o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é uma estratégia ecocapitalista e também da chamada economia verde assim como o que ocorre com os créditos de carbono, a ideia das pegadas ecológicas, o investimento de novas tecnologias voltadas para a eficiência da matriz energética e outras práticas. O que ocorre, segundo apontamentos de Araújo e Silva (2012), é um apelo ideológico que abarca ao mesmo tempo a preocupação com o meio ambiente, a saúde, os ecossistemas e o planeta. Essa economia verde é uma estratégia para a composição orgânica do capital que transforma a natureza, que é um bem de uso comum, em mercadoria e fonte de valor de troca como os ativos ambientais exemplificados acima que podem ser incorporados na estatística nas finanças do modo de produção capitalista. É possível dizer que, através da descrição das atividades desses Programas e seus objetivos, eles conseguiram de modo geral alcançar com êxito suas metas e finalidades em termos de proteção da natureza. O que lhes falta é exatamente a dimensão social que insere o ser humano como ser participante da natureza e que funciona como agente transformador da mesma. Diante dessa incapacidade de incluir o ser humano em uma dinâmica mais complexa do meio ambiente que envolva a natureza, a sociedade e a história essas ações da Fundação cumprem somente um papel publicitário para reforçar as marcas e para capacitar o holding diante do mercado como um investimento seguro e competitivo. O mesmo acontece com os outros programas mais novos como a Araucária +; Gastronomia Responsável e Mudanças Climáticas. Dentro desses projetos o Araucária+ inclui uma leve perspectiva sustentável e social ao tentar conciliar o extrativismo predatório histórico do pinhão e erva-mate no sul do país com as economias locais. Tal ação, muito embora seja uma tentativa louvável em termos de inserir as economias locais dentro de seu escopo, não demonstram nenhuma atividade de educação dessas populações. O enfoque ainda recai sobre a produção e não sobre a criação de uma dimensão crítica acerca do meio ambiente e do real sentido da busca por uma sociedade sustentável. 176
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A Gastronomia Responsável vem se inserir em uma tendência global de enfoque na gastronomia. Apesar do seu discurso ambientalmente coerente, seu principal objetivo é servir de estratégia de marketing para reaproximar as marcas dos clientes diante da popularidade que a gastronomia alcançou no Brasil e no mundo nos últimos anos. Da mesma forma o Programa de Mudanças Climáticas representa um local de debate. Também compreende uma ação de conservação por meio de seus editais muito embora esses editais não estejam sendo abertos desde 2012. De certa forma, a integração da fundação em grupos de pesquisa e debate que incluem a sociedade civil, o meio científico e privado é importante para a temática ambiental muito embora o site não apresente nenhum desenvolvimento de propostas de educação sobre as mudanças climáticas. A única ação clara de Educação Ambiental realizada pela empresa desde 2006 e é representada pela ação da Estação Natureza e da Estação Conexão da Natureza. Essas ações consistem em exposições fixas e itinerantes sobre o meio ambiente conforme foi explicitado anteriormente. Apesar de em uma dimensão ampla serem consideradas boas inciativas de conscientização ambiental, elas apresentam somente um discurso raso e superficial focado na flora, fauna e biomas voltados para o público dos grandes centros urbanos que não possuem contato com a natureza. Ocorre o uso de um grande aparato tecnológico para uma sensibilização ambiental focada na preservação do belo. A vertente da Educação Ambiental é conservadora com uma dimensão consensual. Dessa forma, não há a preocupação de formação de um senso crítico e cidadão do público.
Considerações O Grupo Boticário se constitui num estudo de caso no mercado brasileiro de perfumaria e cosméticos e possui ações ambientais que, de modo geral, trazem resultados de conservação ambiental. Exatamente por isso ele pode ser elencado como objeto de uma análise crítica a partir de uma pesquisa de caráter qualitativo e descritivo obtido através de análises documentais e bibliográficas. Grande parte das ações ambientais do Grupo Boticário é realizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza que é uma das vertentes de ação de responsabilidade socioambiental do grupo empresarial. 177
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | No decorrer da investigação, em fontes documentais, pode-se analisar que o discurso ambiental apresentado pelo Grupo Boticário e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza é frágil e superficial pautado em uma estratégia de marketing ambiental, regido pelos ideais propagados pelo ecocapitalismo e dissimulada pelo discurso corrente que exalta o desenvolvimento sustentável. Dessa forma, numa visão do consenso, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza possui vários programas ambientais que acompanham uma tendência de mercado capaz de gerar competitividade do grupo empresarial e agregar valor à marca. De modo geral, o enfoque da fundação e das suas ações é a preservação pelo belo e não há uma preocupação efetiva quanto à conquista ou a construção de uma sociedade realmente sustentável ou para formulação de políticas que atendam os flagelos e lacunas deixados pela ação empresarial. Apesar de possuir diversos programas com temática ambiental, a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza só possui um programa que se enquadraria como Educação Ambiental que são as Estações Natureza e Conexão da Natureza. A Educação Ambiental empresarial do Grupo Boticário possui um viés meramente conservador e consensual sem qualquer inclusão de dimensões críticas, emancipatórias que levem em consideração não só o meio ambiente, mas também questões históricas, econômicas, sociais e culturais de emancipação dos sujeitos na sua base material. O discurso ambiental construído atende à lógica empresarial de mercado, se contrapondo às lógicas apresentadas numa educação ambiental crítica. Muito embora exista uma preocupação que se veicula nas mídias com o meio ambiente, a partir de práticas de conservação, a Fundação Grupo Boticário deixa a desejar em termos de ações de Educação Ambiental e da construção de um discurso ambiental crítico e comprometido com a busca de uma sociedade sustentável.
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Referências ALEXANDRE, F., A. O papel dos atores sociais do ambientalismo na reorganização das políticas públicas do Estado brasileiro Um estudo de caso a partir da análise sobre as diretrizes políticas de investimentos financeiros do Fundo Nacional de Meio Ambiente (1990- 2001). Civitas-Revista de Ciências Sociais, v. 5, n. 1, 2005. ARAÚJO, N. M.S.; SILVA, M. G. Economia Verde: a nova ofensiva ideológica do Ecocapitalismo. Temporalis, v. 12, n. 24, p. 127-143, 2012. ARRUDA, C.; ROSSI, A.; PENIDO, E.; SAVAGE, P. O Boticário: Uma Forma inovadora de Gerenciar o processo de Inovação. Casos FDC, Nova Lima, 2010. BARA, M. A. S. A Relação de uma empresa franqueadora com suas franqueadas – O caso de O Boticário: Um estudo comparativo nas lojas de Curitiba e São José dos Pinhais. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2001. BARROS, A. D. M. Marketing Pessoal como Estratégia de Satisfação dos Clientes: O Caso de O Boticário-SE. Qualit@s Revista Eletrônica, v.13. No 1, 2012. BATISTA, A.C.A. A Perspectiva do Uso dos Relatórios de Sustentabilidade como Ferramenta da Comunicação Organizacional. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2012. BOYDE, G. A. A Imagem Organizacional da Empresa “O Boticário”. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2007. BRASIL. Cálamo Distribuidora de Produtos De Beleza S.A.: Relatório da Administração. Diário Oficial do Paraná. Edição nº 9666, pp. 85-96,2016. BRASIL. Diário Oficial do Paraná. Cálamo Distribuidora de Produtos de Beleza S.A.: Relatório da Administração. Edição nº 9916, pp. 38-44 2017. CORREIA, A. O. Contos de Fadas na Publicidade: O Boticário reinventa a Fada Madrinha. Monografia. Universidade de Brasília, Brasília, 2014. COSTA, D. A.; SILVA, G. P. O Boticário e Miguel Krigsner: Papel do empresário Schumpeteriano na indústria. Universidade Federal do Paraná, 2009. CUNICO, E.; MENDES, V.; PEDRON, C. D. Programas de Fidelidade de Clientes: Uma Análise do Caso da Empresa “O Boticário” no Brasil e em Portugal. XVI Seminários em Administração, 2013.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | ÉPOCA NEGÓCIOS. Faturamento do Grupo Boticário cresceu 7,5% em 2016. Disponível em: https://goo.gl/Tsbc9T FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Araucária+. Disponível em: https://goo.gl/1pnCtT FUNDAÇÃO GRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Editais. Disponível em: https://goo.gl/AojSYj FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Disponível em: https://goo. gl/GSQqej FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Gastronomia Responsável. Disponível em: https://goo.gl/CQbbXJ FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Oásis. Disponível em: https://goo.gl/aCgYfK FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Relatório Anual, 2009. Disponível em : https://goo.gl/NTNVLp FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Reserva Natural Salto Morato. Disponível em: https://goo.gl/boU5Ho FUNDAÇÃO O BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Reservas Naturais. Disponível em: https://goo.gl/X8dXfm FUNDAÇÃOGRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Estação Conexão Natureza. Disponível em https://goo.gl/xMocHu FUNDAÇÃOGRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Estação Natureza – São Paulo. Disponível em https://goo.gl/c1FxTY FUNDAÇÃOGRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Estação Natureza – Pantanal. Disponível em https://goo.gl/vMwrGu FUNDAÇÃOGRUPO BOTICÁRIO DE PROTEÇÃO À NATUREZA. Estação Natureza. Disponível em : https://goo.gl/UDQKHf GUERRAZI, L. Ganhando com as Inovações: O Papel dos Ativos Complementares para o sucesso da inovação em “O Boticário”. Anais do IV Simpósio Internacional de Gestão de Projetos, Inovação e Sustentabilidade. São Paulo, 2015. LAVORATO, M. As vantagens do benchmarking ambiental. Revista Produção Online, v. 4, n. 2, 2004. MARTINS, M.H.R.A.; AZEVEDO, S.B. Marketing de Relacionamento: As estratégias da franquia O Boticário para Fidelização. XI CONGRESSO NACIONAL DE , 2015.
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MELO, L. Por dentro do Grupo Boticário, das fábricas à distribuição. Disponível em: https://goo.gl/nEGHZV MEYER, A. C. X. Aumento no grau de qualidade no atendimento ao consumidor na empresa O Boticário. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014. NAKAYAMA, R. M. Ações de Responsabilidade Social com Relação ao Stakeholder Fornecedor: O caso da empresa O Boticário. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. NAKAYAMA, R. M. Ações de Responsabilidade Social com Relação ao Stakeholder Fornecedor: O caso da empresa O Boticário. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008. QUEM DISSE, BERENICE? Sobre a Quem disse, Berenice? Disponível em: https:// goo.gl/w6oNin SILVA, G.; Maria; ARAÚJO, S., N. M.; SOARES, J., S. Consumo consciente: o ecocapitalismo como ideologia. Revista Katálysis, v. 15, n. 1, 2012.
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De longe, toda montanha é azul. De perto, toda pessoa é humana. Dom Pedro Casaldáliga
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A QUESTÃO SOCIOAMBIENTAL NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: reflexões na formação continuada de professores em ciências naturais
Gabriela Ventura Grazielle Rodrigues Pereira
Uma leitura crítica da questão ambiental Neste texto discutimos possibilidades para a inserção da questão socioambiental nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Alinhando-nos às perspectivas críticas da Educação Ambiental entendemos que a incorporação da ciência e da tecnologia ao sistema capitalista colaborou para a mercantilização dos bens naturais e dos seres humanos (através da força de trabalho) para atendimento às demandas de ampliação do capital (TREIN, 2012). Ao refletir sobre o papel da Educação em Ciências face aos problemas socioambientais, Ventura (2017) assinala a relevância de explicitar a distribuição desigual e injusta dos danos reais e potenciais decorrentes da contínua inovação científico e tecnológica, assim como dos seus benefícios. Segundo a autora, evidenciar o comprometimento desses processos com a lógica capitalista pode se constituir um importante caminho para explorar a dimensão sociopolítica e econômica da crise socioambiental nas práticas da Educação em Ciências. No âmbito de um curso de formação continuada de professores em Ciências Naturais, nos questionamos como podemos contemplar essas discussões nos anos iniciais do Ensino Fundamental: como favorecer processos educativos que deem às crianças possibilidades de análise e reflexão para a compreensão e o enfrentamento dos problemas socioambientais que são agravados nas sociedades contemporâneas? Refletimos sobre essas possibilidades a partir de duas atividades propostas às professoras e aos professores que participaram do curso e que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. 183
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | De acordo com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), o desenvolvimento científico e tecnológico sob a lógica produtivista do capital, baseia-se na expropriação dos bens naturais, dos territórios, das comunidades e de diversos grupos sociais e seus saberes, agravando a desigualdade social e os problemas ambientais. A partir de uma visão industrialista, consumista e utilitarista da natureza, esse modelo promove o distanciamento entre os seres humanos (os quais exploram outros seres humanos nos processos de trabalho para obtenção de lucro) e a cisão entre os seres humanos e natureza (vista como fonte inesgotável de recursos para manutenção do consumo e atendimento ao mercado). Dessa forma, questionamos com Veloso (2007) se as escolas têm colaborado para a construção de sociedades justas e sustentáveis que respeitem a “comunidade dos seres vivos, a melhoria da vida humana, o respeito e a manutenção da biodiversidade do planeta, atitudes e práticas de pessoas humanizadas, alianças comunitárias e globais em favor de nossa própria história” (p. 80). Sob esse viés, temos como principal objetivo colaborar para práticas educativas comprometidas com a justiça, a igualdade e a proteção a todas as formas de vida e com a formação de pessoas integras e solidárias
A questão socioambiental e a produção e consumo dos alimentos Entendendo que o ensino de Ciências ocupa um lugar secundário nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o Curso de Formação Continuada de Professores em Ciências Naturais é destinado aos docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental e tem como objetivo dar subsídios a esses professores para contemplar as Ciências Naturais em suas práticas pedagógicas. O curso é estruturado em sete módulos: O ensino de Ciências nos anos iniciais da educação básica; Educação Ambiental; Corpo Humano, Saúde e Sexualidade; Ciência e Arte; Neuroeducação; Astronomia; Fontes e Transformações de Energia. Os módulos visam desenvolver propostas de atividades e materiais didáticos para serem aplicados em sala de aula. (PEREIRA et al., 2017). Neste texto refletimos sobre duas atividades propostas às professoras e aos professores, utilizando rótulos e embalagens de alimentos, no módulo Educação Ambiental. Na primeira atividade, o objetivo foi compreender os processos de produção e consumo dos alimentos. Para tanto, realizamos 184
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alguns questionamentos: quantas crianças conhecem uma laranjeira? Quantas perguntam sobre o percurso das laranjas até chegar às caixinhas de suco?
Atividade 1: Proposta de atividade sobre a produção dos sucos
Na segunda atividade, a proposta era a análise dos rótulos e embalagens de alimentos. O objetivo foi questionar o estímulo ao consumo dos alimentos industrializados através da análise das estratégias de propaganda presentes nas embalagens, observando as informações destacadas pelos fabricantes, assim como as informações pouco enfatizadas.
Atividade 2: Proposta de atividade com rótulos de alimentos
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Iniciamos o módulo discutindo aspectos da transformação do ambiente pelos seres humanos para a produção dos alimentos (históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos) e o papel da ciência e da tecnologia nesses processos através de questões como, por exemplo, o uso de fertilizantes e pesticidas, manipulação genética de sementes e animais, o uso de conservantes e aditivos químicos nos alimentos, transporte e manutenção dos alimentos. Questionamos as relações entre o aumento da produção e consumo de alimentos e a erradicação da fome, suscitando temas como desigualdade social. O objetivo nesse primeiro momento foi questionar discursos do senso comum acerca das questões socioambientais, assim como fomentar a elaboração de críticas ao modelo hegemônico de desenvolvimento social e político-econômico, fundamentado em sociedades capitalistas e urbano-industriais. Centrado nos interesses do mercado e na geração de lucros esse modelo gera desequilíbrio ambiental, desigualdade social e sofrimento para os seres vivos, incluindo os seres humanos. Considerando as características específicas das crianças durante essa fase da escolarização básica, cuja faixa etária é dos 6 aos 10 anos de idade, entendemos que: “Na educação infantil e no início do ensino fundamental é importante enfatizar a sensibilização com a percepção, interação, cuidado e respeito das crianças para com a natureza e cultura destacando a diversidade dessa relação”. (LIAPI, LAYRARGUES e PEDRO, 2007, p. 30). Concordamos com Tiriba (2007) sobre a importância dos processos educativos que favorecem o contato das crianças com a terra, a água e o ar, reconhecendo esses elementos como fundamentais para a vida, sendo relevantes atividades como semear, plantar, cuidar e colher alimentos, entendendo as cozinhas, hortas e oficinas de produção e reparo de brinquedos como espaços educacionais. Na crítica aos produtos industrializados, os processos educativos devem “questionar e combater as práticas consumistas e a onipresença dos meios de comunicação na vida das crianças abrindo espaço e incentivando as trocas humanas que se dão através da narrativa, da brincadeira e da produção artística”. (TIRIBA, 2007, p. 226).
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Contribuições para inserção crítica da questão socioambiental nos anos iniciais do ensino fundamental Refletindo sobre as atividades realizadas junto às professoras e aos professores destacamos aspectos sobre a inserção da temática socioambiental nos anos iniciais do Ensino Fundamental, favorecendo leituras críticas acerca das relações entre os seres humanos e o ambiente. A análise dos caminhos de produção e consumo dos alimentos possibilitou problematizar o uso de agrotóxicos, a contaminação de trabalhadores do campo e dos alimentos que consumimos, refletir sobre alternativas de produção de alimentos orgânicos, dentre outras questões. Também permitiu abordar questões como o trabalho escravo e trabalho infantil nas lavouras para a produção de alimentos e outros produtos que consumimos, evidenciando as relações de exploração, injustiça e desigualdade que têm sido estabelecidas entre os seres humanos e destes com o ambiente nas sociedades contemporâneas. Ressaltamos ainda a abordagem da dimensão histórica das modificações nos processos de produção e consumo dos alimentos suscitando debates acerca dos hábitos alimentares atuais, a naturalização do consumo de alimentos industrializados e o distanciamento entre os seres humanos e natureza. Nesse sentido, assinalamos a importância de atividades que resgatem tradições, através de pesquisas sobre a alimentação em diferentes culturas, regiões e épocas, valorizando e recuperando diferentes saberes. A análise das embalagens e rótulos favoreceu um olhar crítico sobre a propaganda de incentivo ao consumo de alimentos industrializados. Além disso, também proporcionou discutir aspectos relativos à saúde alimentar através da identificação dos ingredientes que compõem os alimentos. Por exemplo, discutimos as estratégias de propaganda nas embalagens de sucos que destacam a quantidade de fruta e a adição de açúcar e abordamos questões relativas à regulamentação para informar a quantidade de sódio ou açúcar presente nos alimentos, a importância de ler os rótulos e a informação nutricional, além das estratégias para incentivar o consumo através do uso de desenhos, cores e letras chamativas, por exemplo. Durante essa atividade também podem ser contemplados conteúdos de matemática (referente às quantidades informadas nos rótulos) e de português (textos e títulos nas embalagens), corroborando a proposta do curso de formação continuada de professores de fomento ao “diálogo entre as Ciências e demais 187
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | disciplinas de forma interdisciplinar, objetivando à formação integral da criança” (PEREIRA et al., 2017). Embora as atividades tenham enfocado a questão dos alimentos, elas podem contemplar outros objetos que são produzidos e consumidos, como por exemplo, brinquedos e eletrodomésticos. As atividades aqui propostas podem se constituir em um importante caminho para a construção de um olhar crítico acerca da realidade socioambiental, entendendo conforme Trein (2012, p. 316) “que incorporar a dimensão ambiental na educação é expressar o caráter político, social e histórico que configura a relação que os seres humanos estabelecem com a natureza mediada pelo trabalho”. Assim, não basta apenas propor mudanças de hábitos alimentares, por exemplo; é preciso construir possibilidades para refletir sobre os condicionantes econômicos, sociais, políticos e culturais desses hábitos, estratégias de estímulo ao consumo, relações de exploração nos processos produtivos, desigualdade e injustiça no acesso aos bens produzidos pelo desenvolvimento científico e produção tecnológica, assim como a distribuição injusta dos riscos e danos decorrentes desses processos. Assim, os estudantes podem compreender os processos econômicos, problematizar as relações entre consumo, industrialização e saúde, relativizar a noção de desenvolvimento científico e tecnológico (a partir da análise dos seus aspectos positivos e negativos), refletir sobre as diversas relações entre os seres humanos e destes com o ambiente nas diversas etapas dos processos produtivos (trabalho, exploração e contaminação no campo e nas indústrias), além do resgate da dimensão histórica das modificações sociais, econômicas e ambientais, como por exemplo, o uso intensivo e crescente de agrotóxicos nos alimentos e suas implicações sociais, ambientais e político-econômicas. Orientando-nos pela relevância do ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental buscamos colaborar com os processos de formação de professores e especificamente com as reflexões teóricas e práticas acerca da inserção do debate socioambiental no Ensino Fundamental favorecendo processos educativos voltados para a construção de novas relações entre os seres humanos e destes com a natureza.
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Referências LIPAI, E. M.; LAYRARGUES, P. P.; PEDRO, V. V. Educação ambiental na escola: tá na lei. In: TRAJBER, R. e MELLO, S. S. (Ed.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. (pp. 23-32). Brasília, Brasil: UNESCO. 2007. PEREIRA, G. R., PAULA, L. M., PAULA, L. M. & COUTINHO-SILVA, R. Formação continuada de professores dos anos iniciais da educação básica: impacto do programa formativo de um museu de ciência a partir do viés crítico-reflexivo. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências 19. 2017. https://dx.doi.org/10.1590/198321172017190115 REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL (RBJA). Carta Política do VI Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. Disponível em: https:// redejusticaambiental.wordpress.com/2014/09/05/carta-politica-do-vi-encontronacional-da-rede-brasileira-de-justica-ambiental/ TIRIBA, L. Reinventando relações entre seres humanos e natureza nos espaços de educação infantil. In: TRAJBER, R. e MELLO, S. S. (Ed.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. (pp. 219-228). Brasília, Brasil: UNESCO. 2007. TREIN, E. A educação ambiental crítica: crítica de quê? Revista Contemporânea de Educação, 7 (14), 295-308. Recuperado de https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/ article/view/1673/1522. 2012 VELOSO, N. Entre camelos e galinhas: uma discussão acerca da vida na escola. In: TRAJBER, R. e MELLO, S. S. (Ed.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação ambiental na escola. (pp. 73-84). Brasília, Brasil: UNESCO, 2007. VENTURA, G. Da dissimulação das relações de dominação às possibilidades de superação da crise socioambiental: uma análise discursiva das finalidades da educação em ciências (Tese de doutorado), UFRJ/NUTES, Rio de Janeiro, Brasil, 2017.
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Serรกs uma parte de utopias certas e o canto de tuas bocas irmanadas ensinarรก a dignidade ao Mundo. Dom Pedro Casaldรกliga
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A COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS NAS DINÂMICAS DE GRUPO
Elisabete Guilhermina dos Santos Valéria da Silva Lima
Introdução Esta pesquisa busca situar o leitor num Projeto Ambiental, para que possa conhecer a trajetória e contribuição desse para o município acerca da questão do lixo. O Projeto fez parte de um programa de educação ambiental e de coleta seletiva porta-a-porta, que recolhe, de forma diferenciada, para a reciclagem: papéis, vidros, latas de alumínio, sucatas de ferro e plásticos. Se inseriu num município de aproximadamente oitenta mil habitantes, localizada na região Sul do Estado do Rio de Janeiro. Esse município é um importante pólo industrial da região e, como várias outras cidades, enfrentava um dos problemas cruciais da vida moderna: o aumento do consumo de produtos que acabava gerando uma crescente produção de resíduos sólidos que tinha como destino os depósitos de lixo. Além disso, a população não se envolvia nessa problemática, pois a percebia como um problema do poder público. Por meio de parcerias a Prefeitura Municipal, com diversas entidades e empresas do município, fez com que o Projeto começasse a tomar forma. Esse projeto teve como principal foco a conscientização da população acerca da importância do aproveitamento do lixo como fonte alternativa de geração de emprego e renda, bem como da melhoria da qualidade de vida da população, por meio de um trabalho de educação ambiental. Neste sentido, o trabalho desenvolvido possibilitou a construção de uma prática que contribuiu, como ressalta Eigenheer (2003, p. 74), para “a discussão sobre a importância da coleta seletiva e das atitudes de compromisso e responsabilidade com a vida, com o planeta e com o futuro da humanidade”. 191
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Em sua primeira etapa, o projeto necessitava de uma área, para realizar a separação do material, classificação, pesagem e acondicionamento dos materiais recicláveis. Esse espaço foi denominado “galpão da reciclagem”. A segunda etapa foi o melhor aproveitamento desse espaço, através de um layout, e definição dos procedimentos para a separação dos materiais. Em seguida, foi feita a organização da logística para a coleta porta-a-porta. A partir do início da coleta, outros procedimentos se fizeram necessários, como descreve Eigenheer (2003): 1. Estabelecer um mecanismo eficiente de comercialização dos materiais recicláveis coletados 2. Elaborar materiais de divulgação e sensibilização do programa de coleta seletiva para residências, comércio e indústrias. 3. Realizar reuniões e palestras de divulgação e sensibilização do programa de coleta seletiva em associações de moradores, clubes de serviços e recreativos, órgãos públicos, igrejas, indústrias e estabelecimentos, mostrando os benefícios do programa da coleta seletiva. 4. Ampliar programa educacional junto à rede de ensino do município através de reuniões, palestras e eventos ambientais. 5. Prestar consultoria específica na implantação de um sistema racional de coleta porta-a-porta que permitisse atender a todo o município 6. Treinar as equipes envolvidas na operação do processo de coleta seletiva. 7. Treinar os professores. Dentro da metodologia da aplicação da linguagem lúdica na educação ambiental, visando com que eles trabalhem como agentes multiplicadores do projeto dentro das escolas 8. Iniciar a implantação dos PEVs (Postos de Entrega Voluntária) nas escolas municipais e estaduais. 9. Monitorar e avaliar o desenvolvimento do trabalho, através de pesquisas com a comunidade, ao longo do projeto. (p.72)
Nas etapas apresentadas acima, fica evidente a preocupação do projeto com a educação ambiental, desenvolvendo com os moradores do município uma mentalidade voltada para a recuperação, a conservação, a segurança e a melhoria do ambiente e da qualidade de vida. Para isso, destacamos os objetivos gerais do projeto, apresentados por Eigenheer (2003): contribuição para a melhoria 192
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da qualidade de vida; contribuição para melhoria das condições ambientais; contribuição para melhoria da limpeza pública; desenvolvimento econômico e geração de trabalho e renda. O projeto tem dois objetivos específicos. O primeiro é promover o crescimento da consciência ambiental por via da inclusão de todos, da quebra de preconceitos, com ações práticas que conscientizem sobre a defesa, a proteção e a conservação do meio ambiente abrigando todos os sujeitos sociais nas suas diferenças nos seus limites numa situação de inclusão, cumprindo o papel de educar cidadãos que colaborem com a construção da cidadania, da inclusão socioeducacional e cultural, fortalecendo, deste modo, a participação de todos os segmentos sociais e escolares nas ações de proteção ao meio ambiente. O segundo é capacitar os jovens, alunos da rede de ensino no sentido da sua inclusão, para a coleta seletiva em sua comunidade, fazendo com que se tornem agentes de multiplicação da consciência ambiental, levando a mensagem para dentro de seus lares, integrando assim pais, professores, alunos e a comunidade em ações concretas para a melhoria da qualidade de vida. Com os objetivos traçados, o projeto começou a trilhar uma longa caminhada. Para começar foi criado um símbolo, que procurava tornar o lixo algo positivo, descaracterizando o preconceito existente na sociedade. Criaram-se os postos de coleta que foram mantidos, chegando a 17 postos. Outro ponto positivo foi a qualidade do material recolhido, pois a população entendeu a necessidade de separação do material orgânico, e apesar da triagem que é feita no galpão, muitos moradores, já fazem a separação em sua residência, facilitando o trabalho dos funcionários. O trabalho de educação ambiental teve continuidade nas escolas de forma mais intensa fortalecendo projetos de inclusão no seu aspecto socioambiental, com o Projeto “O Lúdico na Educação Ambiental”, através de um programa de capacitação dos educadores da rede pública do município, trabalho este que fez parte desta pesquisa. É relevante citar uma fala do sujeito 1: “O nosso compromisso daqui pra frente é fazer com que ele seja parte da vida de cada um dos presentes nesse auditório para os restos de suas vidas.” Essa fala nos remete aos objetivos descritos acima, quando o Projeto direciona o foco de suas atividades para a educação ambiental na perspectiva da inclusão, colocando em evidência a necessidade de capacitar os alunos, e, através destes, atingir outros segmentos da sociedade. 193
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O sujeito 1 relatou que o projeto tem sido modelo para outros municípios, principalmente pelo seu resultado econômico e social. Disse que esse realizou uma análise da contribuição do projeto para o município. Esses recursos chegam ao comércio através dos novos consumidores, pequenos, é verdade, que passaram a fazer parte de nossas vidas, como relata o S1. Diretamente são 27 postos de trabalho, nos quais todos os trabalhadores estavam antes desempregados. Hoje se tornaram cooperativados, pois o Projeto evoluiu para a Cooperativa de Reaproveitamento de Material Reciclável Recicla Três Rios. Tal Projeto serviu de referência dentro do segmento de coleta seletiva de lixo, surgiu com a missão de melhorar a qualidade de vida, a condição ambiental da cidade, a limpeza urbana, de gerar renda e desenvolvimento econômico. Foi uma proposta muito audaciosa, com muitas dificuldades, mas seu processo estava baseado na educação ambiental. Esse era o desafio: educar, educar, educar... Logo ficou claro, que o “educar”, trilhava a mudança de hábitos. Ele buscava um novo olhar da população, e não a resposta que o morador dava: “Meu amigo, eu não quero nem saber, isso não é problema meu, lixo é problema da Prefeitura”. Não havia outra saída para se chegar aos objetivos propostos, que não fosse somente a mudança de hábitos, mas também um olhar de possibilidade para que se incluísse todos em suas capacidades específicas, suas deficiências e seus quereres em participar da ação. Essa se iniciou com a motivação das pessoas, antes de partirmos para a integração e ação, onde essa pesquisa se inseriu, através de uma proposta lúdica para trabalhar a sensibilidade, a emoção, o prazer. Bastava acreditar nas pessoas e dar oportunidades para que indiferentemente, todos participassem, para que estas refletissem sobre a problemática do lixo. Segundo o S1, que se emociona com este relato, a maioria da população não acreditava no trabalho. Apenas alguns poucos acreditavam, como o S2 (empresário) - que pensava justamente o contrário da maioria e falava: “o povo tem cultura para participar desse trabalho sim, o que na verdade ele nunca teve foi oportunidade de exercer sua cidadania e mostrar sua cultura. Vocês vão ver a surpresa que terão com o nosso povo”. Esta fala nos motivou, e a surpresa, à qual se refere o S2, descreveremos. 1ª Pergunta: Que motivos levaram você a fazer o curso “O Lúdico na Educação Ambiental”? Como se sentiu ao participar do curso? Eu acho que todo curso é importante, porque ele é como se fosse uma vitamina, ele impulsiona a gente a fazer coisas novas,
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foi assim que aconteceu... Eu sempre fui envolvida com a parte de natureza, de bicho. Desde criança eu tenho esse jeito assim, ligado à natureza... E aí, quando falaram na minha escola sobre o curso, aí eu logo me interessei a participar porque está dentro daquilo que eu acredito. A gente sai renovada (grifo nosso). Além de tudo, a gente faz amizade, faz contatos que só acrescentam... (S3) O que me levou a fazer o curso foi assim... A gente ouve falar muito de Educação Ambiental, é uma coisa que está “na moda”. Você ouve falar, mas você não tem o conhecimento de como trabalhar, então o que motivou foi isso... Buscar umas ferramentas (grifo nosso) para trabalhar melhor esta questão e incluir deficientes, pobres, ricos... (S4). Nossa! Senti uma descoberta boa porque você vai pra lá achando que vai aprender coisas complicadas, termos complicados, tecnologias mil,... E, no entanto, você vê que é mais atitude, é mudança de atitude (grifo nosso), principalmente de coisas que você vai ter que ir criando o hábito de fazer, e quando você vê, você está inserido na Educação Ambiental, e atuando com todos, de forma igual que incluiu todos e todo mundo (S5). Entrei porque somos parceiros que quer reciclar e o pessoal, quer melhorar, ver se o caminho está correto, não é? Senti-me com muita satisfação em ver que você está fazendo a coisa correta e que você tem muito a fazer e você está levando o aluno a cuidar da comunidade e do planeta com todos os alunos da escola, eles todos, o cadeirante, o cego, o surdo, que participam(grifo nosso). (S6). Foi um curso que acrescentou experiência, dinâmica (grifo nosso). Você fez o curso, você só tem a ganhar, é uma troca de experiências. (S7). Educação Ambiental é tudo que a gente precisa hoje; estar conscientizando as crianças em relação a esta educação mesmo. Tem pessoas que não dão valor à educação infantil onde estão todos as crianças em suas diferentes necessidades, acham que é alguma coisa que a gente pode estar deixando de lado, acha que tem assuntos que não precisam ser conversados e eu acho um pouco diferente disso. É nessa faixa etária que a gente tem que estar desenvolvendo toda essa potencialidade da criança. Ela tem que estar despertando para essa consciência mesmo cidadã (...). O curso; ele veio pelo convite. Eu falei, é o que a gente precisa mesmo. O sentimento; achei que o curso todo foi sentimento (grifo nosso), foi razão, envolveu tudo,
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | foi o lúdico (grifo nosso) que envolve o curso; então ele foi completo. A gente viu que ele poderia trabalhar a criança num todo. (S8)
Através das falas, percebemos o prazer e a emoção que todas demonstraram, por terem participado da capacitação. Esse sentimento não foi motivado pelo simples fato de se estar discutindo a educação ambiental com foco na inclusão, com toda a sua defesa - que por si só, já nos sensibiliza - mas pela forma com que foi conduzida, através de um planejamento que teve como base as Técnicas de Dinâmica de Grupo. Esse modelo possibilitou a construção de momentos de ludicidade, confirmado por todas entrevistadas, e reforçado na fala de (S8): “...foi sentimento, foi razão, envolveu tudo, foi o lúdico...”. Destacaremos a fala (S3), bastante emblemática quanto ao alheamento e distanciamento que os educadores, possuem quanto à questão. Geralmente estes ligam o tema somente aos seus aspectos técnicos. E quando observam que o discurso que a temática proporciona é interdisciplinar, e sobretudo humano, se surpreendem, demonstrando a necessidade de novas atitudes, de mudanças de hábitos e das possibilidades do ser humano. O mais significativo é que ela, assim como as outras falas, nos revela a vontade de atuar e perceber que temos ferramentas, como as utilizadas nas oficinas, que são simples, mas muito dinâmicas e podem ser colocadas em prática nas escolas, permitindo novas experiências. Basta acreditar e querer renovar, como reforçam os sujeitos, quando se refere ao bem estar, promovido, por novas experiências e informações. 2ª Pergunta-O curso motivou os participantes para as questões ambientais? Quais as dificuldades encontradas para trabalhar a questão ambiental, na sua escola? As pessoas com que eu estive lá, eu vejo que elas estão na luta por isso (...). Na minha escola, eu não percebo muita dificuldade não, a minha diretora me dá amplo espaço para desenvolver estas questões, sabe?! A verba (grifo nosso) a gente não tem com facilidade, tudo é muito difícil, mas a gente percebe assim, porque não é só dentro da escola. Eu estou envolvida com a Educação Ambiental, mas também fora, eu vejo assim, pouca vontade da parte dos políticos (grifo nosso), da parte do Secretário de Meio Ambiente. Aqui a Secretaria de Meio Ambiente é só cargo político mesmo (S1) Eu acho que todo mundo que fez o curso ficou muito envolvido (grifo nosso) a ponto de você ver na hora de elaborar as coisas. Só aqueles que realmente não participaram do curso, não abraçaram o negócio muito bem, talvez até por isso. Na escola o envolvimento maior é de quem fez o curso.
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.... Eu acho que o espaço do curso foi muito bom, deu oportunidade de você ver tudo e repassar na escola, e vivenciar na escola. (S2) Com certeza isso aconteceu. Todas as pessoas que eu tenho contato, que participaram, sentiram uma grande mobilização em continuar fazendo a educação ambiental. Quem não fazia, se esforçou ao máximo, viu que dá prazer, que dá para se engajar na questão ambiental para a inclusão de todos (grifo nosso). Com grandes esforços no seu dia-a-dia, você consegue estar passando essa ideia de melhorar sua qualidade de vida (...) A grande dificuldade que a gente pode colocar são as mudanças, principalmente nas escolas estaduais; muita burocracia. A cada ano, a cada governo, as mudanças vêm, a grade curricular (grifo nosso) muda, é aula que é retirada dos alunos. Esse ano nós tivemos a redução de uma aula de Ciências, e essa aula é que está faltando para complementar o trabalho (S3). No geral, acho que sim. A mim, motivou (grifo nosso) (...) Ainda existem resistências (grifo nosso), nem em todas as escolas, mas em algumas. Tipo assim: elas não expressam a questão ambiental, não estão conscientes (...), essas também fazem segregação. Separam as crianças. A Direção, os funcionários, às vezes, os próprios alunos não valorizam o que é o meio ambiente. Sabem o que é, mas não valorizam (S4) Certamente eu tenho certeza que mexeu muito porque muita gente começou; não sabia o caminho como trabalhar, e a partir do curso, eles começaram a movimentar a escola. Criaram projetos (grifo nosso). Criaram atividades e desenvolveram assim, muitas coisas úteis para comunidade (S5).
As falas demonstram a preocupação com a necessidade de realizar um trabalho com prazer. Caminhando neste viés, pudemos perceber o processo de envolvimento, nas questões ambientais e essa discussão amplia a questão da inclusão com a temática ambiental. Observamos a crítica que a mesma realiza em relação à grade curricular que, nas entrelinhas, se transforma, na “prisão”, nas amarras do sistema, em contradição com uma atuação voltada para o indivíduo e para as necessidades da comunidade. Essa “prisão”, relacionada aos conteúdos poderia ser amenizada, principalmente na educação ambiental, se o processo ocorresse realmente de forma transversalizada, como preconiza o paradigma interdisciplinar da educação e da ciência. 197
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Notamos um certo conflito entre o engajar-se e as dificuldades dentro da comunidade escolar. A resistência da direção e dos funcionários; a falta de motivação de muitos, e, para completar, a falta de apoio, muitas vezes, do poder público são fatores determinantes desse conflito. O processo de sensibilização, pelo qual os participantes passaram por meio da capacitação, como demonstrado nos relatos acima, nos permite vislumbrar possibilidades de ações, de novas atitudes, de transformações, apesar das dificuldades. Este contexto deve ultrapassar o espaço da capacitação, e estar sintonizado, com uma comunidade que caminha em busca de uma cidade que dê, a todos, qualidade de vida. Essa comunidade não é composta só pelas escolas, mas por vários segmentos sociais. Precisamos transportar esse sentimento de vontade, de possibilidades, demonstrado pelo grupo acima, para outros espaços, como a igreja, a praça, o clube, o condomínio, a rua, as associações de moradores, as entidades empresariais, etc. Necessitamos de multiplicadores desta forma de atuação, pois a sensibilização precisa de reforço. O gratificante é saber que nossa intenção surtiu bons resultados nas falas, pensamentos e ações dos educadores que participaram da nossa capacitação. 3ª Pergunta - Você considera que a metodologia utilizada (dinâmica de grupo) foi fundamental para o envolvimento, do grupo, nos problemas ambientais? Na minha forma de trabalhar, na minha área de trabalho, a gente não faz tanto porque as crianças são pequenininhas, tem que incluir (grifo nosso). Depois que eu saí daquele curso a gente fez um trabalho com garrafas pet, a gente recolheu garrafas pet. Os pais vinham me falar: “Tia Jaque, meu filho fez meu marido parar com a bicicleta e recolher garrafas que estavam no meio da rua e falou: Pai, isso não está certo a gente não pode deixar”. Isso não morre, tem tantas crianças hoje que não são mais meus alunos. Você vê que isso é uma continuidade (grifo nosso). Teve um avô que abraçou aquela ideia da gincana, de não sujar e levaram as garrafas que tinham catado em tudo que era lugar; as mães traziam garrafas sujas que achavam nos terrenos baldios. Então isso motivou e, a partir das crianças, as mães tomaram consciência (grifo nosso), porque se a gente falar para as mães dessa forma, a gente não consegue atingir elas, a gente só consegue atingir através das crianças e aí mudou a consciência (S1).
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Eu acho, porque leva você a pensar e repensar nas atitudes, (grifo nosso) que você tem a fazer comparações com o seu cotidiano e com o cotidiano do outro, então eu acho que é, através dessa comparação que você faz, que leva a tomar uma atitude diferente, esse tipo de dinâmica é bom, você não recebe tudo pronto, você tem que partir logo pro principal (S2). Com certeza, é mais interessante se trabalhar com a questão ambiental através da dinâmica. E a dinâmica que nós trabalhamos foi maravilhosa (grifo nosso), e temos certeza, acredito que a maioria está utilizando. Eu mesma utilizei várias delas no meu trabalho e deu resultados positivos (S3). Com certeza. É a grande importância porque ninguém faz nada sozinho. E naquela questão; meio ambiente é questão ampla, então tem que ser trabalhada no coletivo (S4). É eu acredito que sim que é uma coisa que não cansa, você consegue estar se vendo, estar vendo o outro e estar integrando (grifo nosso), as dinâmicas foram sensacionais (S5).
É interessante observar que os participantes foram além do sentir, da emoção, do entender a vivência; eles chegaram às entrelinhas do processo do qual participaram. Isso pode ser percebido quando descrevem que a metodologia utilizada promoveu integração, permitiu prestar atenção no outro e em si mesmo, situando-os na problemática e conduzindo-os à avaliação, através de suas atitudes no dia-a-dia. Esses depoimentos reforçam a utilização do Ciclo de Aprendizagem Vivencia que tem na Trajetória da Dinâmica de Grupo, o aprender fazendo, em que o participante experimenta, se autoavalia, entende, melhora, reforça e parte para a aplicação, fazendo parte de todo processo utilizado nas Técnicas de Dinâmica de Grupo. A dinâmica de Grupo nos permite buscar novos valores; e, para que eles possam ser impregnados nos espaços escolares, é preciso encontrar novas práticas pedagógicas. Díaz (2002), reforça esta proposta ao confirmar que “as novas práticas, quando utilizadas através de experimentações, possibilitam resultados positivos”. O autor ainda afirma que: O resultado costuma ser extraordinário no processo de esclarecimento e interiorização de novos valores e atitudes, e por isso as experiências podem ser consideradas como estratégias globais para a educação em valores” (p. 100).
O pensamento do autor valoriza as experimentações para a busca de valores, e ressaltando algumas falas que apontam suas dificuldades em agir 199
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | assim, devido a sua área de atuação, percebemos, que essa é uma prática que talvez ainda não esteja muito clara para todos. Os exemplos nos fazem perceber que muitas já realizam esta prática, como ela mesma, e não percebem e nem valorizam sua forma de atuação, que precisa ser divulgada para servir de modelo para outros, pois já está inserida no contexto. Como pudemos constatar, há quem já faça um trabalho belíssimo, de sensibilização com as crianças e com os pais, através da música, do teatro e da literatura. Cabe observar que, a partir do momento em que os participantes internalizem esta prática, o que alguns já fazem, resgatem suas ações e busquem novas ações, contribuiremos para um novo modelo de Educação Ambiental, capaz de transformar, contagiar, sensibilizar, e, construir o desejo de mudança. 4ª Pergunta - As técnicas utilizadas no curso, são de fácil utilização na escola? (...) aquele trabalho da música, o tema foi o Planeta Água, a gente fez o trabalho, depois eles fizeram desenho trabalhando aquilo. (...) Nós fizemos a peça teatral, uma técnica de dramatização (S1). Não assim da mesma forma que a gente utilizou lá. A gente fez algumas adaptações (grifo nosso) (S2). Dinâmicas de grupo, vídeo, músicas. Isso tudo é o que a gente está fazendo e buscando sugestões e idéias (S3). Dinâmica, vídeos, textos sim. (...) utilizamos nas reuniões pedagógicas (grifo nosso), com as professoras. Nas palestras para os pais, também (grifo nosso) (S4).
Analisando as respostas acima, observamos uma vontade em utilizar as atividades propostas nas oficinas, e um cuidado em fazer as devidas adaptações, devido à faixa etária dos alunos. Estes relatos nos levaram a perceber o quanto este grupo de profissionais da educação está comprometido com o processo educativo, e o quanto tiveram significado as práticas vividas, já que os professores as reproduzem em seus espaços escolares, promovendo um debate acerca dos problemas ambientais. A fala de um dos sujeitos nos deixou a sensação do “ir além dos muros escolares”. Ela, conforme seu próprio relato, passou a utilizar as técnicas nas reuniões pedagógicas, na tentativa de sensibilizar pais e mestres para as questões ambientais da comunidade. Compreendemos o papel fundamental da educação ambiental dentro e fora do contexto escolar. Ela deve ser desenvolvida de forma interativa e contínua; 200
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como esse grupo de profissionais está buscando fazer, talvez de forma silenciosa, em espaços isolados, mas que começa a criar movimentos e a mudar atitudes; indo ao encontro da fala de Medina (1999), que afirma: A Educação Ambiental é um processo que afeta a totalidade da pessoa, na etapa da educação formal, e que deveria continuar na educação permanente. Possui uma forte inclinação para a formação de atitudes e competências, definidas desde o Seminário de Belgrado (1975), como: consciência, conhecimentos, aptidões, capacidade de avaliação e de ação crítica no mundo (p. 24).
5ª Pergunta - O planejamento feito no curso foi colocado em prática por você? Sim. A gincana foi joia, a turma abraçou legal e indiretamente está atingindo os pais (grifo nosso), não só os pais; os pais; os avós. Então eu acho que foi super válido. (...) O projeto “Quem Ama Cuida” e dentro de “Quem Ama Cuida” tinha outras atividades também. (...) Nossa, mas a gente teve outro também, a gente fez um projeto sobre o Rio Paraíba do Sul... (S1). Nós colocamos uma boa parte do planejamento em prática, no ano passado. Uma série de atividades que saíram a partir do planejamento do curso e funcionou muito bem (grifo nosso) (S2). (...) Dentro do planejamento, nós já tínhamos na escola o Projeto Qualidade de Vida, que muitas pessoas estavam ali se inscrevendo, estava bem dentro do Lúdico. (...) Esse ano nós fizemos uma reformulação que veio da Secretaria de Educação, que nós deveríamos criar uma agenda ambiental. Isso era regra geral. É do Estado. (...) E muita coisa aconteceu esse ano. Trabalhamos a agenda ambiental. No começo do treinamento, muitos nem sabiam por onde começar (grifo nosso) e nós chegamos à conclusão de que era só renovar ações, que nós já estávamos tranquilos (S3). Sim, naquele período mesmo nós fizemos uma iniciativa pra fazer uma gincana de garrafas pet, pois fazia parte do planejamento. Foi um sucesso (grifo nosso), no final também as crianças puderam ganhar um passeio. As turmas que venceram na quantidade foram conhecer a indústria de refrigerante.(...) Nós deixamos um período, tipo assim, uma semana ou mais um pouco e as crianças vinham trazendo e cada dia sendo registrado, então a gente trabalhava mil coisas; (...) trabalhava a quantidade e as formas das garrafas, e no final nós somamos. Criamos oficinas com garrafas, com os pais (grifo nosso) (...), dessa brincadeira toda saiu uma história muito
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | interessante que foi publicado um livro: “As duas irmãs” (grifo nosso). Foi tão legal que ela pediu patrocínio (grifo nosso) para poder confeccionar o livro (S4).
A capacitação, que ocorreu com oficinas, teve um grande desafio, dentro de sua estrutura: o planejamento desenvolvido durante o treinamento que deveria ser colocado em prática nas escolas. Esse planejamento recebeu orientação para ser construído, segundo a linha que os participantes vivenciaram, ou seja, de forma lúdica; ele deveria valorizar a experimentação. Os planejamentos foram feitos nessa ótica. Restava saber de sua aplicação. A fala dos entrevistados nos permitiu observar que o comprometimento do grupo foi além das expectativas. Houve, em muitos casos, não só a participação da comunidade escolar, mas também da família. De forma plena, todos compartilharam de uma problemática que, muitas vezes, fica só no discurso, mas neste caso, ela venceu os muros da escola, envolvendo a família e os empresários. E estes resolveram apoiar a publicação de um livro que promove o debate sobre o destino do lixo. Este relato reforça a opinião de Dias (2003) quando este dá ênfase para que: As atividades de Educação Ambiental devem ser o centro do programa porquanto permitem, aos alunos, oportunidades de desenvolver uma sensibilidade a respeito dos seus problemas ambientais e buscar formas alternativas de soluções (...) (p. 217).
Devemos dar uma atenção especial para uma das falas, quando se refere aos programas que são desenvolvidos pela Secretaria Estadual de Educação, e chegam às escolas para serem colocados em prática. Sem nenhuma preparação, o professor tem de organizar seu planejamento e introduzir mais um “pacote”, às vezes não entendendo “como” e “para quê”? E o pior, às vezes sem conhecer aquela temática específica. Deixa isso bem explícito, quando diz: “muitos nem sabiam como começar”. O que se percebe é que a capacitação foi um facilitador para as propostas da Secretaria de Educação, no que diz respeito à educação ambiental. 6ª Pergunta - Na sua opinião a dinâmica contribuiu de alguma forma para o projeto? Sim, com certeza, a gente plantou semente, a gente regou , e aí o Município colheu (grifo nosso) os frutos, porque através desse projeto, que a gente desenvolveu depois do curso, também atingimos os pais! E dessa forma a gente tem um posto de coleta na escola e hoje até não arrecada tanto, porque eles já juntam em casa, uns moram no bairro, aí já deixam em casa, para o caminhão pegar (S1).
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Bastante, porque as pessoas que participaram ali do curso nos tornamos assim mais conscientes na questão Ambiental (grifo nosso) ; mais preocupados e mais ansiosos de saber mais. Então tudo que é promovido chega até a gente e aí a gente vai lá pra renovar, para buscar coisas novas, para levar os alunos para verem de perto, e chegar na sala e dizer: “Ah! eu fiz o curso, eu fiz alguma coisa”, mas aí você leva os alunos pra verem que não é só a nossa escola. Que isso está acontecendo, e também, em outras escolas; que outras pessoas estão participando. Então foi assim... Uma parceria fantástica! (grifo nosso) (...) É, a gente não conseguia associar muito o pedagógico com o projeto Recicla (grifo nosso), agora, a gente associa e está tudo legal, no fio da meada é por aí que passa (S2). Com certeza. Eu acho que todo ano deve haver uma renovação (grifo nosso). Porque isso é uma luta constante (grifo nosso). Você não pode deixar o” Maracanã” muito grande. Se não, você não consegue segurar. Tem sempre que está todo dia ali e é o que a gente tem procurado fazer (S3). Eu acho que muito. Mexeu com a cabeça de todo mundo que estava acomodado, né? Então, todo mundo a partir das dinâmicas, buscou uma alternativa de estar vivenciando (grifo nosso) (S4).
A fala de um dos sujeitos, quando afirma que não percebia a relação do Projeto com o viés pedagógico de seu trabalho, nos faz refletir e questionar o seu porquê. Apesar de a mesma conhecer o projeto, antes da capacitação, não conseguia saber de que forma atuar, e nem sabia se poderia atuar junto à comunidade em prol do Projeto. Este relato merece análise, pois contradiz o discurso de que a escola está aberta à comunidade, e que aquela interfere nesta, promovendo sua melhoria. Na fala da entrevistada, percebemos que na prática não é bem assim que acontece. Falta um elo entre esses espaços. Falta aprender como podemos fazer isso!!! Percebemos, mais uma vez, que os educadores querem atuar, mas desconhecem os caminhos, não compreendendo suas entrelinhas, ou seja, as conexões para trilhar esses caminhos. Enquanto isso, observamos as Secretarias de Educação e Meio Ambiente investirem em programas belíssimos no papel; em cartilhas coloridas, lindas, que não dão conta inteiramente do processo de sensibilização, pois não chegam ao “coração” dos educadores. Tais cartilhas estão dissociadas do “Como Fazer”, da prática pedagógica. Dias (2003) reforça esse conceito dizendo que: “as estratégias que adotam o uso intensivo de cartilhas, cartazes, folders ou outros recursos do gênero têm 203
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | sido protagonistas de desperdício de recursos financeiros, frequentemente públicos, e de fracassos lamentáveis”. O autor enfatiza a necessidade, dentro da Educação Ambiental, de uma prática vivencial, permitindo uma aprendizagem mais efetiva. A fala de outro sujeito nos remete a uma outra reflexão, que dentro da educação ambiental, a reciclagem se faz fundamental, quando coloca em cena a questão da renovação. Entendemos que por mais motivado que o indivíduo esteja, ele precisa de “oxigenar” essa luta. Acreditamos que este deva ser o caminho do Projeto. Houve um grande envolvimento das escolas, mas precisamos que isto se torne consistente e contínuo. 7ª Pergunta - Você acredita que a metodologia de dinâmica de grupo com formato lúdico é um facilitador no processo ambiental? Com certeza, eu acho que a crítica é importante, mas a gente também tem que buscar soluções (grifo nosso) e não simplesmente ficar criticando, a gente tem que, por pequena que seja a atitude da gente, já vai motivar alguém (grifo nosso). Por exemplo: o meu livrinho; eu distribuí em todas as escolas do município. Todas receberam; foi uma forma de multiplicar esta ideia, de manter o rio limpo e eu também não faço só dentro da escola. Faço caminhada com as crianças pra desenvolver o amor e o respeito pelo Meio Ambiente... Eu trabalho, eu faço parte dos encontros ecológicos; vamos fazer nova limpeza; vamos estar colocando alevinos dentro do rio; plantando árvores na margem. (S1) Seria..., eu acho que em diversas áreas, esta forma de trabalhar é mais prazerosa, eu até costumava brincar. E eu num outro dia falei lúdico; alguém me perguntou, “o quê que é lúdico?” Eu falei: “É uma coisa que você aprende brincando (grifo nosso) em forma de show, de técnica,de brincadeira e eu falei assim, esse lúdico poderia vir de ludibriar, que te engana. Você pensa que está estudando, mas é uma coisa prazerosa e você está ali brincando e tem prazer ou você pensa que está brincando e você está aprendendo (grifo nosso),parece até um trocadilho lúdico de ludibriar porque você aprende brincando e você vê que a coisa é muito mais fácil do que você imagina” (S2). A metodologia do Lúdico é fundamental. Eu não vejo outra maneira de trabalhar a questão ambiental na escola que não fosse a maneira lúdica. Na minha concepção de educadora, é dessa maneira que a gente consegue trabalhar (S3). Nessa proposta de jogo, brincadeira, integração e de dinâmica, a gente vê assim... É assim que a criança aprende, a linguagem
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da criança é o lúdico; é exatamente essa, mais não só da criança. Eu vejo que o adulto aprende brincando (grifo nosso) também, então, a gente não pode perder isso de vista, porque que as escolas normalmente são consideradas chatas ou ultrapassadas. Não há motivação para a criança estar ali; é porque se esquece desse lado. O ser humano sempre brincou (grifo nosso), e sempre vai brincar; o lúdico vai existir sempre. Então eu acho que o caminho é por aí, se ele tivesse oportunidade, ele seria muito mais feliz. Porque não trazer o ser, a consciência de coisas importantes para a vida, com prazer (grifo nosso). Prazer do que a gente fez durante aqueles dias no curso; prazer de interagir, de compartilhar, de entender (grifo nosso). Então o legal foi isso, eu acho que a gente tem que entender isso e mostrar que esse trabalho é coisa séria, mas com prazer, com gosto e com ludicidade (...) (S4).
As falas são representativas, por atingir o cerne da questão, que trabalha sentimentos, como a felicidade e o prazer; estes permitem ao ser humano interagir, compartilhar, brincar, motivar, buscar soluções, aprender. Os sentimentos se transformaram em ações, como constatamos em seus relatos, quando falam em “buscar soluções”, “em motivar os alunos, a comunidade”. Entendemos que a metodologia utilizada – dinâmicas de grupo realizadas com os mesmos – como afirmam os educadores, foi a alavanca para este processo. O interessante é constatar, pelo relato de alguns, que esta prática é uma necessidade, não só da Educação Ambiental, mas do sistema educativo. É necessário promover uma educação sustentável. E, como afirma Díaz (2002); “a educação é sustentável na medida em que possibilita que os jovens elaborem um juízo crítico em face dos principais problemas ambientais e sejam capazes de adotar atitudes e comportamentos baseados em valores construtivos (...)”. Percebemos que os sentimentos e as emoções, nos relatos estudados, são oriundos de uma forma dinâmica de atuação; de experimentações vivenciadas em um ambiente propício e preparado para promover a participação e a reflexão. 8ª Pergunta – A sua Escola faz coleta seletiva? Se sim, antes ou após o curso? Foi mais incentivada (grifo nosso) pelo curso... (S1). Logo depois do projeto fizemos a coleta de material reciclável e esse material foi vendido, com o dinheiro arrecadado, compramos uma cadeira de rodas para APAE que funciona lá no bairro. (...) eles montaram uma casinha, onde as crianças levavam o material e o caminhão ia lá de tempos em tempos pra recolher e o dinheiro era revertido para APAE (S1).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A escola já fazia esse trabalho. Continuamos. O caminhão passa semanalmente para recolher o material. Mas o objetivo principal é envolver a comunidade (grifo nosso) (S1). Estamos fazendo a coleta seletiva, continuamos sempre envolvidos com projetos com esse tema, buscando essa educação mesmo. (...) As crianças trazem o lixo de casa (grifo nosso) e vem em saquinhos. (...) Eles estão sempre trazendo (S2).
A participação das escolas na coleta seletiva no Projeto permitiu um envolvimento da comunidade escolar na problemática do município. Essa participação trouxe soluções, através da organização e mobilização dos alunos para a coleta do lixo, e serviu de modelo e incentivo para outras instituições. As falas nos deixaram otimistas, principalmente quando citaram a importância do envolvimento da comunidade do entorno da escola. As crianças citadas trazem os “saquinhos”, com os resíduos sólidos já selecionados em suas casas, também serviram para reiterar nosso otimismo. A atitude das crianças possibilitou o envolvimento dos pais, irmãos, avós, que se sensibilizaram, e, de forma mesmo que lenta, reproduzem atitudes e valores, conquistados pelas crianças. A fala, quando se refere à parceria realizada junto ao projeto, com o objetivo de ajudar a APAE, demonstra não só preocupação ambiental, mas também responsabilidade social, pois propiciou a participação como atores no processo de busca de soluções para as problemáticas locais. Como reforça Dias (2003, p. 217), “a educação ambiental deve desenvolver habilidades que tornem o cidadão apto a se envolver na solução de problemas ambientais da sua cidade”.
A análise dos questionários O questionário foi um instrumento utilizado para complementar os resultados obtidos nas entrevistas. Teve um caráter quali-quantitativo, pois foi estruturado com perguntas fechadas e abertas. O objetivo foi de verificar a implantação dos planejamentos desenvolvidos durante as oficinas, nas unidades escolares, pós-capacitação. Foi aplicado e respondido por 59 educadores que participaram de todo processo de capacitação. Sua apresentação será dividida em duas etapas: primeiro serão apresentadas as respostas fechadas, que serão representadas através de gráficos, depois serão mostradas as respostas abertas. A análise será feita de forma diferenciada para cada grupo (pergunta fechada e aberta). 206
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Nas perguntas fechadas a análise foi feita ao final de toda a apresentação, que foi transformada em gráficos, para melhor visualização, com os respectivos percentuais de cada resposta. Nas perguntas abertas a análise ocorreu ao final de cada pergunta com apresentação das respostas por categorias. Perguntas fechadas •
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1ª Pergunta: Como você avaliaria o Curso “O Lúdico na Educação Ambiental?”
2ª Após o curso você percebeu mudanças em sua postura quanto aos problemas ambientais?
Excelente 57,6% Ótimo 38,9 Bom 3,5%
SIM 98,3% NÃO 1,7%
3ª Pergunta: Você passou a ser um agente de mudança quanto aos problemas ambientais de sua comunidade?
SIM 95%
4ª O planejamento elaborado durante o curso foi aplicado junto a seus alunos?
SIM 95%
5ª Houve mudanças no comportamento de seus alunos e /ou na sua escola, após a aplicabilidade do planejamento?
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NÃO 5%
NÃO 5%
SIM 91,5% NÃO 8,5%
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A primeira pergunta se refere à avaliação da capacitação por parte dos participantes; 57,6% dos entrevistados consideraram o curso excelente e 38,9% ótimo. Esse resultado é um indicativo que nos informa a aceitação e o prazer na forma de trabalho vivenciado por todos. Entendemos que este é um passo significativo para todo o desenvolvimento da proposta. Percebemos, através do resultado das perguntas 2 e 3, que se referem a mudanças de hábitos adquiridas pelos professores após a capacitação em relação às questões ambientais, que a proposta utilizada, através de técnicas de Dinâmica de Grupo, provocou a clientela, tornando-os agentes ambientais, em sua comunidade, ou seja, foram construídos novos valores nestas pessoas. Valores esses que passaram a ser internalizados, como a solidariedade, a responsabilidade, a cooperação, o respeito à diversidade e outros, que foram transformados em ações. Díaz (2002), ressalta se referindo aos valores que: (...) uma educação ambiental que comece por promover e reforçar valores básicos essenciais da educação integral, sobre a qual se assenta, teria muitas probabilidades de alcançar seus objetivos no campo ambiental, na medida em que contaria com a vantagem de dispor de bases sólidas (p. 97).
Os planejamentos desenvolvidos nas oficinas foram colocados em prática por 95% dos participantes. É um dado relevante, que nos remete à valorização das práticas construídas durante as oficinas, e à importância de essa pesquisa ter se transformado em um livro, que a torna disponível e acessível a todos. É interessante analisar a quinta pergunta que se refere às mudanças de comportamentos dos alunos. O resultado indica que 91,5% dos professores observaram novas atitudes, a partir dos planejamentos colocados em prática nas escolas. Esses dados reforçam a proposta de atuar junto aos educadores, promovendo sua sensibilização, para que estes possam influenciar de forma positiva os alunos, pois os professores são formadores de opiniões. Eles precisam acreditar no que falam e ser exemplo de atitudes e novos comportamentos para, a partir daí, contagiar o aluno. Perguntas abertas No questionário, algumas perguntas permitiam que o educador expressasse, de forma mais clara, as mudanças de atitudes ocorridas ou não, em seu comportamento e no de seus alunos, após a capacitação e aplicação dos planejamentos nas escolas. 208
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As respostas foram separadas em categorias. Descrevemos abaixo as perguntas com as respostas abertas: Pergunta 2 – Após o curso você percebeu mudanças em sua postura quanto aos problemas ambientais? Para as respostas fechadas “SIM” (98,3%), foi perguntado “Quais”? Todas as respostas obtidas foram separadas em três categorias: 1. Lixo; 2. Água; 3. Ações na escola e comunidade para sensibilizar outras pessoas. 1 - Lixo: • Separar os resíduos para levar para escola. • Ter mais cuidado com as coisas que uso e jogo fora. • Não jogar papel nas ruas. • Separar o lixo reciclável. • Dar mais valor ao lixo • Reutilizar materiais. • Não tinha o hábito de separar meu lixo. Nunca havia pensado sobre o assunto. • Já tinha o hábito de reciclar e reaproveitar materiais recicláveis • Ficar mais atento ao desperdício. • Passei a separar o lixo da escola • Passei a cobrar mais atitudes do meu aluno e até da minha família (minha mãe passou a separar o lixo para o Recicla, e ela tem 74 anos) 2 - Água: • Não deixar a torneira aberta quando escovo os dentes. • Não desperdiçar água. • Já economizo água 3 - Ações na escola e comunidade para sensibilizar outras pessoas. • Estou mais atento aos problemas ambientais e pratico algumas ações que visam à melhoria do ambiente para a comunidade. • Procuro disseminar os conhecimentos. • Divulgação através de palestras comunitárias. • Senti-me mais motivada para elaborar e executar os projetos da escola. 209
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | • Maior percepção quanto às possibilidades diversas de se trabalhar a Educação ambiental. • Tive a certeza do que faço com os meus alunos está correto. • Preocupação em criar uma consciência de preservação ambiental nos alunos. • Oriento mais meus alunos que são deficientes auditivos. • Obtive mais recursos para um trabalho lúdico, uma vez que sempre me preocupei com o assunto. A proposta deste trabalho se baseou em envolver os educadores ao Projeto, fato demonstrado através das respostas à categoria Lixo, onde um grande número de professores, começam a ter uma atenção especial a esta temática. Surpreende-nos a resposta em que uma professora relata a sua influência ao motivar os seus alunos para a coleta seletiva e motivar sua própria mãe, que, aos 74 anos, iniciou a separação dos materiais recicláveis, temática que, para ela, no decorrer de sua existência foi pouco discutida. A terceira categoria apresentada, “Ações na escola e comunidade para sensibilizar outras pessoas”, nos fez perceber o surgimento de profissionais atentos ao seu papel como cidadão e educador na comunidade, buscando uma nova aliança com a natureza, aliança voltada para a ética, que se propõe em utilizar os recursos naturais de forma equilibrada, tendo implícita a perspectiva de uma sociedade mais justa. Esse fato se concretiza através de uma educação ambiental transformadora como reforça Reigota (2004) quando diz: (...) a educação ambiental é uma proposta que altera profundamente a educação como a conhecemos, não sendo necessariamente uma prática pedagógica voltada para a transmissão de conhecimentos sobre ecologia. Trata-se de uma educação que visa não só a utilização racional dos recursos naturais, mas basicamente a participação dos cidadãos nas discussões sobre a questão ambiental (p. 10).
A fala do autor, quando deixa clara a necessidade de “alterar a educação como a conhecemos”, nos remete ao modelo tradicional de aquisição do conhecimento. Este estudo pretendeu mostrar justamente uma prática oposta a este tipo de ensino, que pouco provoca os educandos. Estamos buscando construir cidadãos críticos e atuantes em seus espaços, logo precisamos de outros mecanismos que construam o conhecimento de forma participativa, democrática, inclusiva, ética e transformadora.
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Pergunta 3 – Você passou a ser um agente de mudanças quanto aos problemas ambientais de sua comunidade? Para as respostas fechadas “SIM” (95%), foi perguntado “Como”? Todas as respostas obtidas foram separadas em três categorias: 1. Lixo 2. Áreas verdes 3. Agente ambiental 1 - Lixo • Motivando os vizinhos quanto à seleção do lixo. • Orientando os familiares para o desperdício. • Recolhendo material reciclável. • Divulgando o projeto Recicla Três Rios • Orientando as pessoas sobre como se pode fazer com o lixo. • Separando o lixo para o Recicla. 2 - Áreas verdes • Ajudando a preservação de algumas áreas verdes, quanto a sua limpeza. 3 - Agente ambiental • Conscientizando as pessoas como um agente multiplicador. • Capacitando os alunos para serem agentes fiscalizadores do bairro e da rua. • Informando aos pais dos alunos da escola, através das reuniões. • Fazendo palestras e conversas informais. Os educadores passaram a atuar não só no espaço escolar, mas também na comunidade, como observamos na categoria “Lixo”. Esta atitude vai influenciar diretamente o resultado da quantidade de lixo arrecadado, que se transforma em maior renda para os cooperativados do Recicla, trazendo-lhes dignidade e autoestima. A educação ambiental caminha de forma lenta, mas vem avançando ao longo dos últimos anos em vários segmentos da sociedade civil. Estes têm se organizado em ONGs, associações e movimentos ambientalistas, em prol da defesa dos recursos naturais do planeta. A categoria três desta análise (Agente ambiental) mostra esse movimento, quando os educadores vão, através de 211
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | suas atitudes, tornando-se agentes ambientais e influenciando pessoas, sejam em suas residências, no seu bairro, na sua igreja, em conformidade com o que relata REIGOTA (2004, p. 25) quando destaca que “A participação dos cidadãos, em nível individual ou em ONGs e movimentos, na construção de uma sociedade mais justa e ecologicamente sustentável, tem sido crescente, e sua importância é indiscutível”. Pergunta 4 - O planejamento elaborado durante o curso foi aplicado junto a seus alunos? Para as respostas fechadas “NÃO” (5%), foi perguntado “Por quê?”. Todas as respostas obtidas foram separadas em duas categorias: 1. Apoio da instituição 2. Remanejamento 1 - Apoio da instituição • Apliquei só na minha turma. Não tive apoio dos demais. Gostaria de abranger toda a escola. • Não tive apoio da direção e, como professor regente da classe de Educação Infantil, pouco pude fazer. Limitei-me a minha classe. 2 - Remanejamento: • Fui remanejada para outra unidade escolar que já tinha um projeto em desenvolvimento. Ao observarmos o processo de envolvimento nas questões ambientais, mesmo nos espaços escolares onde se convive com educadores, dos quais esperase que sejam pessoas atentas às questões ambientais e que sejam formadores de opinião, percebemos resistências a propostas inovadoras voltadas para a temática ambiental, como vimos na categoria 1 (apoio da instituição). É significativo atentar para o fato de que a resistência não é só da direção escolar, mas também dos profissionais que atuam nesses espaços. O professor que deseja trazer algo inovador e deseja quebrar o paradigma do “conteudismo”, fica restrito e impossibilitado de fazê-lo porque as “normas” restringem o seu espaço à sala de aula, sem que suas reflexões possam avançar para além de sua classe, e, por conseguinte, além dos muros da escola. Entendemos que estes profissionais, mesmo diante da resistência de alguns e da falta de apoio de outros, não se intimidaram, e entenderam a necessidade de um novo olhar para o ambiente que o cerca. Apesar das dificuldades, colocaram em prática os planejamentos construídos para os seus 212
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alunos, durante a capacitação, procurando sensibilizá-los e envolvê-los com as problemáticas ambientais do entorno da escola e da comunidade. A atitude dos professores participantes do projeto entra em sintonia com o que diz Gadotti (2000) quando relata que: Reeducar o olhar significa desenvolver a atitude de observar a presença de agressões ao meio ambiente, criar hábitos alimentares novos, observar o desperdício, as poluições sonora e visual, as poluições da água e do ar etc., e intervir no sentido de reeducar o habitante do planeta (p. 244).
Os professores ampliaram sua visão sobre as questões ambientais quando procuraram estabelecer ações condizentes com o aprendizado acerca da educação ambiental. Observaram o desperdício dos resíduos sólidos que são produzidos diariamente em suas casas e escolas, estabelecendo, assim, conexões com desenvolvimento socioambiental do local onde habitam. A categoria 2 (Remanejamento) nos remete para a dificuldade encontrada, em um espaço novo de atuação. Essa dificuldade implica em não agregar informações, conhecimentos, inovações aos planejamentos escolares já existentes. Quem chega precisa de um “tempo” para ser aceito e passar credibilidade. O que já está pronto não pode ser modificado, daí a dificuldade apresentada pelo professor, em colocar o planejamento em prática, mesmo que seja em sua sala de aula. Pergunta 5 - Houve mudanças no comportamento de seus alunos e/ ou na sua escola, após a aplicabilidade do planejamento? Para as respostas fechadas “SIM” (91,5%), foi perguntado “Quais”? Todas as respostas obtidas foram separadas em três categorias: 1. Lixo 2. Novo olhar 3. Agente ambiental 1 - Lixo: • Separação do material para o Recicla Três Rios. • Separação do lixo nas casas dos alunos para o Projeto Recicla Três Rios. • Separação dos resíduos sólidos na escola. • Os alunos começaram a recolher o lixo na escola, nas ruas e nas casas. • Houve um envolvimento no Projeto Recicla Três Rios. • Foi desenvolvido o Projeto Recicla Cidadão. 213
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | 2 - Novo olhar: • Eles já reconhecem a importância da preservação do Rio Paraíba do Sul. • Atitudes de preocupação com o ambiente mais limpo. • Alunos interessados em questões ambientais. • Solicitam novas atividades sobre questões ambientais. 3 - Agente ambiental: • Eles sempre estão dizendo: “Olha, tia, hoje eu vi uma cena de desperdício”. • Mais cuidados com a comunidade escolar. • Os alunos passaram a cobrar da família atitudes corretas. • Cobrança por parte dos alunos com os que não participam do projeto ambiental da escola. • Os alunos passaram a ser agentes multiplicadores. • Os alunos passaram a cuidar da higiene da sala de aula. Pudemos confirmar, após a análise da categoria 1 (Lixo), o aumento da quantidade de resíduos sólidos coletados, após o envolvimento das escolas na proposta do Projeto Recicla. Entendemos que esse resultado só foi possível porque contou com a participação de toda comunidade escolar, incluindo os familiares dos alunos. Ressaltamos o significado da categoria 2 (Novo olhar), quando estes mesmos alunos passam, no seu cotidiano, a observar sua rua, seu bairro, sua cidade, com um olhar de quem questiona e reflete, como demonstrado na categoria 3 (Agente Ambiental). Finalizamos, assim, o Ciclo de Aprendizagem Vivencial, já descrito em outras ocasiões neste estudo; o que reforça o resultado desta pesquisa, através da metodologia utilizada – Técnicas de Dinâmica de Grupo – para o envolvimento da comunidade escolar junto ao Recicla Três Rios. Esse processo resultou em ações práticas dos alunos no espaço escolar e na comunidade; teve a influência direta do professor, quando este com suas atitudes, e também com a preparação do ambiente, promoveu o crescimento, o despertar, a maturidade, a sensibilidade e a solidariedade dos alunos, como ressalta FREINET (2001): (...) Ela tem, então, tempo disponível para partir em conquista do mundo. Essa conquista se efetua pelo trabalho, que é a atividade
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pela qual o indivíduo satisfaz, suas grandes necessidades fisiológicas e psíquicas, para adquirir a força que lhe é indispensável para a realização de seu destino (...) a criança trabalha, se as circunstâncias do ambiente e a lei do adulto lhe permitem (p. 27-28).
A fala do autor nos permite analisar a pesquisa proposta, quando direciona o foco para o professor, sensibilizando o mesmo e preparando-o para reproduzir sua vivência e convivência nas oficinas, através dos planejamentos desenvolvidos e aplicados no espaço escolar. Este processo permeou o cerne da questão apresentada por Freinet, quando se refere ao trabalho do adulto e do ambiente construído pelo mesmo, para desenvolver a criança. Estamos falando de professores que, na sua grande maioria, atuam no Ensino Fundamental (1º segmento) e na Educação Infantil, portanto estão participando da construção dos saberes das crianças, saberes estes que as constituirão como sujeitos sociais, educacionais, ambientais... HUMANOS!!!
Considerações Vivemos em uma sociedade que, há muito tempo convive de forma desarmoniosa com seus recursos naturais, degradando-o, de forma voraz. Essa convivência confirma um comportamento consumista, dissociado de quaisquer considerações éticas, que reflete o modelo de desenvolvimento da civilização moderna. Diante deste quadro caótico que a humanidade vive, precisamos buscar soluções para transformar o indivíduo, no que se refere às relações sociais e às relações do homem com o meio em que se instala. Estamos diante de um desafio. Desafio este, que possa dar conta de criar modelos sustentáveis de vida e que possa resgatar novos valores humanos. Esta pesquisa vislumbrou um caminhar para a conquista de novos valores, tão fundamentais, para uma nova ética global. Trilhou o caminho da educação ambiental, através de uma prática pedagógica que possibilitasse a construção e agregação de novos fazeres no universo educacional. O estudo teve como foco os professores, pois os mesmos têm possibilidade do convívio diário com seus alunos e da constituição de novos “saberes” e “fazeres”, o que pode transformar os alunos em protagonistas do processo de suas vidas, modificando-se em relação ao meio em que vivem. 215
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O modelo de ensino tradicional, onde somos apenas expectadores, foi questionado de forma crítica. A temática escolhida: “A Dinâmica de Grupo na Educação Ambiental” voltou-se para o modelo vivencial, no qual a emoção e o prazer afloraram, fazendo refletir sobre a prática pedagógica e sobre a sua inserção na comunidade. A prática escolhida despertou os educadores, sensibilizando-os, para a problemática ambiental de seu município. A ação foi localizada, e deu resultados imediatos nas escolas da cidade, onde a pesquisa foi desenvolvida. Os professores passaram a ser os agentes transformadores propiciando a participação dos seus alunos, levando-os a perceber que, quando falamos de educação ambiental, estamos falando da ação a ser realizada em todos os espaços de que participamos e nos espaços naturais que merecem ser preservados. O desafio de envolver os professores da rede pública do município de Três Rios com o projeto foi conquistado. Nesta perspectiva, desenvolvemos uma capacitação, através de oficinas pedagógicas, utilizando técnicas de dinâmica de grupo, que sensibilizaram os profissionais da educação, desenvolvendo planejamentos participativos que foram implantados nas escolas. O formato utilizado gerou resultados positivos: a metodologia despertou os educadores, conquistando-os; um número expressivo de professores colocou em prática os planejamentos construídos na capacitação, em suas escolas; o número de escolas que passaram a fazer a coleta do material reciclável aumentou significativamente, de acordo com o relato dos técnicos do SEBRAE e do Recicla. Outro ponto de destaque que comprova os resultados positivos da metodologia adotada, se refere ao fato de as escolas passarem a desenvolver novos olhares sobre sua cidade, participando de novas ações, além do Recicla. Ficou claro que o processo de sensibilização não pode ser uma ação pontual, mas permanente e contínua, para que os resultados possam ter consistência e continuidade. A partir das constatações feitas no presente trabalho, outros estudos podem ser encaminhados, no sentido de aprofundar e trazer novas práticas pedagógicas, dentro da educação ambiental, voltadas para a construção de valores, que possam construir uma sociedade mais harmônica. Esperamos ter contribuído com a comunidade acadêmica, no sentido de o estudo irradiar ações para outros espaços formais e não formais de ensino. Para tanto, construímos, como produto final desta dissertação, o livro “BRINCANDO COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL: guia prático para o professor trabalhar a educação ambiental de forma lúdica”. 216
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Esta foi a forma que encontramos para participar deste processo, como educadores que somos, na construção de um mundo melhor, na perspectiva de a humanidade viver com dignidade e interação harmoniosa com os recursos naturais. E para conseguir precisamos de todos.
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É a paixão pela Esperança; Uma paixão que, em primeira e última instância, coincide com a melhor paixão da própria Humanidade, quando ela quer ser plenamente humana, autenticamente viva e definitivamente feliz. A utopia, portanto, não simplesmente como u-topia, um não-lugar; uma vez que para nós não tem valo esta topia que aí está, este mau lugar que nos impõem [...] Mas a eu-topia, um lugar distinto, um bom lugar Dom Pedro Casaldáliga
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MATEMÁTICA E MEIO AMBIENTE: trocando experiências em sala de aula
Jefferson da Silva Ophelio Walkyrio de Castro Walvy
Introdução O ensino de Matemática vem atravessando uma grande transformação – quadro natural diante das mudanças provocadas no mundo. Com o surgimento das novas tecnologias e as mudanças provocadas pelo uso das mesmas, a população e consequentemente os alunos passaram a ter acesso às mais variadas informações, e o trabalho com a disciplina de Matemática, portanto, deve acompanhar essa nova realidade, deixando, sempre que possível, os métodos de ensino tradicionais de lado. Para D’Ambrósio, Aprender não é o mero domínio de técnicas, habilidades e nem a memorização de algumas explicações e teorias. A adoção de uma nova postura educacional é a busca de um novo paradigma de educação que substitua o já desgastado ensino-aprendizagem, que é baseado numa relação obsoleta de causa-efeito (D’AMBRÓSIO, 2005, p. 19).
Nas aulas de Matemática, como afirma Chassot (2002), a globalização ocorreu uma inversão no fluxo do conhecimento, se antes o sentido era da escola para comunidade, hoje é o mundo exterior que invade a escola, dessa forma, o ensino de ciências e matemática precisa incluir nos currículos componentes que orientem uma busca de aspectos sociais e pessoais dos alunos, e não se restringir às concepções de uma educação bancária, a qual Paulo Freire denunciava com veemência. No entanto, a forma tradicional de entendimento conceitual da ciência, da matemática e das tecnologias como atividades autônomas, neutras e benfeitoras 222
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da humanidade, cujas raízes estão firmemente fincadas no século XIX, continua a ser utilizada (LINSINGEN, 2007, p. 6). No Brasil, encontramos uma educação marcada historicamente por currículos fragmentados e desarticulados, em que há isolamento no estudo das diversas disciplinas. A realidade é tratada de forma fragmentada: fragmentos de Geografia, Ciências, História, Literatura, de Matemática, entre outras, o que torna o processo educativo uma prática solitária por parte dos professores de cada disciplina (LAPA; BEJARANO; PENIDO, 2011). À vista disso, o desafio às escolas é oportunizar ao aluno saberes para construção de consciência crítica sobre o modo de vida no mundo moderno. Isso não é algo simples de se conquistar, uma vez que o ensino, na maioria das vezes, está sendo revelado ao estudante de modo objetivo, não problematizado, no qual o conhecimento científico é posto como superior ou o mais confiável, numa concepção historicamente construída de neutralidade da Ciência e da Tecnologia (AULER E DELIZOICOV, 2001). Para Fazenda, Varella e Almeida (2013), as reformas na educação brasileira mostram a necessidade de condução para uma proposição interdisciplinar, tornando-se objeto central dos discursos governamentais não só no Brasil, mas também na maioria dos países ocidentais que buscam uma organização profunda nos seus currículos. Por isso, entendemos o seguinte: cada disciplina precisa ser analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas, nos saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seu lócus de cientificidade. Essa cientificidade, então originada das disciplinas, ganha status de interdisciplina no momento em que obriga o professor a rever suas práticas e a redescobrir seus talentos, no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio movimento for incorporado do mundo (FAZENDA, 2015, p. 10).
Seguindo essa mesma orientação, Gallo (1999) afirma que a formação do aluno jamais acontecerá pela assimilação de discursos, mas sim por um processo microssocial, no qual ele é levado a assumir posturas de liberdade, respeito, responsabilidade, em comparação com os demais membros que participam deste microcosmo dia a dia; por isso, a educação não pode ser imputada a docentes e discentes como resultado de um processo histórico de fragmentação, em que cada saber tem o seu lugar e não há comunicação com os demais.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Segundo o autor, o sistema educacional pode tentar fazer dos currículos existentes novos mapas, não marcados por territórios fragmentados, e sim ultrapassando fronteiras e vislumbrando a integração dos saberes disciplinares nos espaços escolares. Da mesma maneira, Bazzo (2016) afirma que problemas sociais exibidos pela mídia diariamente a nível local e mundial, como escassez de água, violências, epidemias, guerras, por exemplo, provocam ansiedade e, muitas vezes, desesperança nos jovens estudantes, especialmente por estes assuntos estarem tão dissociados dos herméticos projetos escolares e não serem discutidos nas salas de aula. Entretanto, uma possibilidade de educação contextualizada, de educação crítica, reflexiva e libertadora, é a utilização de aulas interdisciplinares; para tanto, este trabalho foi desenvolvido associando temas da Grade Curricular de Matemática do Ensino Médio com a perspectiva Ciência, Tecnologia e Sociedade – CTS, visto que, de acordo com Acevedo (2001), os temas CTS abrem discussões acerca dos muitos paradigmas que envolvem a nossa sociedade. Segundo o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (em inglês: Programme for International Student Assessment) – PISA34 (2015), letramento matemático é a capacidade de formular, empregar e interpretar a matemática em uma série de contextos, o que inclui raciocinar matematicamente e utilizar conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticos para descrever, explicar e prever fenômenos. A definição também admite que o letramento ajuda os indivíduos a reconhecerem o papel que a matemática desempenha no mundo e faz com que cidadãos construtivos, engajados e reflexivos possam fazer julgamentos bem fundamentados e tomar as decisões necessárias. Conquanto, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas 35 - INEP , apoiando-se nos resultados do PISA - 2015, no Brasil, 70,3% dos estudantes estão abaixo do nível 2 em matemática, patamar que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (2016) estabelece como necessário, uma vez que ele é considerado o nível básico de proficiência que se espera de todos os jovens, a fim de tirar proveito de novas oportunidades de aprendizagem e de participar plenamente da vida social, econômica e cívica da sociedade moderna em um mundo globalizado. 34 http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_ completo_final_baixa.pdf 35 http://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015/pisa2015_ completo_final_baixa.pdf
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A Tabela 1 a seguir apresenta a descrição dos seis níveis de proficiência da escala de matemática do PISA 2015: Tabela 1: Níveis de Proficiência da escala de Matemática do PISA 2015
Nível
6
5
4
3
Pontuação Mínima
Característicasdastarefas
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No nível 6, os estudantes são capazes de conceituar, generalizar e utilizar informações com base em suas investigações e na modelagem de situações-problema complexas, e de usar seu conhecimento em contextos relativamente não padronizados. Conseguem estabelecer ligações entre diferentes fontes de informação e representações, e transitar entre elas com flexibilidade. Os estudantes situados nesse nível utilizam pensamento e raciocínio matemáticos avançados. São capazes de associar sua percepção e sua compreensão junto com um domínio de operações e relações matemáticas simbólicas e formais para desenvolver novas abordagens e estratégias e, assim, enfrentar novas situações. Conseguem refletir sobre suas ações e formular e comunicar com precisão suas ações e reflexões relacionadas a constatações, interpretações e argumentos, bem como adequá-las às situações originais.
607
No nível 5, os estudantes são capazes de desenvolver modelos para situações complexas e trabalhar com eles, identificando restrições e especificando hipóteses. Conseguem selecionar, comparar e avaliar estratégias adequadas de resolução de problemas para lidar com problemas complexos relacionados a esses modelos. Os estudantes situados nesse nível conseguem trabalhar estrategicamente, utilizando habilidades de pensamento e raciocínio abrangentes e bem desenvolvidas, representações conectadas de maneira adequada, caracterizações simbólicas e formais, e percepção relativa a essas situações. Começam a refletir sobre suas ações e a formular e comunicar suas interpretações e seu raciocínio.
545
No nível 4, os estudantes conseguem trabalhar de maneira eficaz com modelos explícitos em situações concretas complexas, que podem envolver restrições ou exigir formulação de hipóteses. São capazes de selecionar e integrar diferentes representações, inclusive simbólicas, relacionando-as diretamente a aspectos de situações da vida real. Os estudantes situados nesse nível conseguem utilizar suas habilidades pouco variadas e raciocinar com alguma perspicácia, em contextos diretos. São capazes de construir e comunicar explicações e argumentos com base em suas interpretações, argumentos e ações.
482
No nível 3, os estudantes são capazes de executar procedimentos descritos com clareza, inclusive aqueles que exigem decisões sequenciais. Suas interpretações são seguras o suficiente para servir de base para construir um modelo simples ou para selecionar e aplicar estratégias simples de resolução de problemas. Os estudantes situados nesse nível conseguem interpretar e utilizar representações baseadas em diferentes fontes de informação e de raciocinar diretamente com base nelas. Demonstram capacidade de lidar com porcentagens, frações e números decimais e de trabalhar com relações de proporção. Suas soluções indicam que estão envolvidos em interpretações e raciocínios básicos.
225
|
| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Nível
2
1
Pontuação Mínima
Característicasdastarefas
420
No nível 2, os estudantes são capazes de interpretar e reconhecer situações em contextos que não exigem mais do que uma inferência direta. Conseguem extrair informações relevantes de uma única fonte e utilizar um modo simples de representação. Os estudantes situados nesse nível conseguem empregar algoritmos, fórmulas, procedimentos ou convenções básicos para resolver problemas que envolvem números inteiros. São capazes de fazer interpretações literais dos resultados.
358
No nível 1, os estudantes são capazes de responder a questões definidas com clareza, que envolvem contextos conhecidos, nas quais todas as informações relevantes estão presentes. Conseguem identificar informações e executar procedimentos rotineiros de acordo com instruções diretas em situações claras. Conseguem executar ações óbvias e acompanhar de forma imediata os estímulos dados.
Fonte: http://inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015
ATabela 2 , apresenta o desempenho do Brasil e mais 13 países selecionados sob a perspectiva internacional, com os resultados médios dos estudantes de 15 anos, na escala interpretada do PISA 2015. Tabela 2: Desempenho internacional médio de estudantes de 15 anos, PISA 2015
País
Média
EP36
IC 37
Coreia do Sul
524
3,7
517-531
Canadá
516
2,3
511-520
Finlândia
511
2,3
507-516
Portugal
492
2,5
487-497
Espanha
486
2,2
482-490
Estados Unidos
470
3,2
463-476
Chile
423
2,5
418-428
Uruguai
418
2,5
413-423
36 EP: estimativa de erro-padrão da média. 37 IC: intervalo de confiança da média.
226
| T e ia País
d e saber es n as questões ambientais
Média
EP38
IC 39
México
408
2,2
404-412
Costa Rica
400
2,5
395-405
Colômbia
390
2,3
385-394
Peru
387
2,7
381-392
Brasil
377
2,9
371-383
República Dominicana
328
2,7
322-333
Fonte: http://inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015
A Tabela 3 a seguir mostra a série histórica do PISA em matemática desde 2003, quando a escala desse domínio foi desenvolvida pela primeira vez. Tabela 3: Série histórica do PISA em matemática, de 2003 a 2015
2003
País
Média
2006
EP1
2009
Média
EP1
Média
2012 EP1
Média
2015 EP1
Média
EP1
Coreia do Sul
542
3,2
547
3,8
546
4
554
4,6
524
3,7
Canadá
532
1,8
527
2
527
1,6
518
1,8
516
2,3
Finlândia
544
1,9
548
2,3
541
2,2
519
1,9
511
2,3
Portugal
466
3,4
466
3,1
487
2,9
487
3,8
492
2,5
Espanha
485
2,4
480
2,3
483
2,1
484
1,9
486
2,2
Estados Unidos
483
2,9
474
4
487
3,6
481
3,6
470
3,2
Chile
-
-
411
4,6
421
3,1
423
3,1
423
2,5
Uruguai
422
3,3
427
2,6
427
2,6
409
3,8
418
2,5
México
385
3,6
406
2,9
419
1,8
413
1,4
408
2,2
Costa Rica
-
-
-
-
409
3
407
3
400
2,5
Colômbia
-
-
370
3,8
381
3,2
376
2,9
390
2,3
Peru
-
-
-
-
365
4
368
3,7
387
2,7
Brasil
356
4,8
370
2,9
386
2,4
389
1,9
377
2,9
-
-
-
-
-
-
-
-
328
2,7
Rep. Dominicana
Fonte: http://inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015
38 EP: estimativa de erro-padrão da média. 39 IC: intervalo de confiança da média.
227
|
| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Percentual de estudantes por nível de proficiência, matemática – PISA 2015 0%
10%
20%
30%
Finlândia
4
10
22
Canadá
4
11
20
Coréia do Sul
5
Espanha Portugal Estados Unidos Chile
10
24
Brasil
15
28
21 17 22
Nível 3
Nível 4
1 2 3
9
27
Nível 2
1
6 13
22
68
Nível 1
5 6
26 31
44
República Dominicana
15
27 35
1 3
17
24
38
7 6 9
25
31
2 4
14
19
26
27
Peru
9
18
24
35
100%
11
23
26
27
90%
28
19
26
Abaixo Nível 1
24
23
México
80% 24
22
11
70%
23
25 15
25
Colômbia
60%
29
15 9
50%
27
17
7
Uruguai Costa Rica
40%
Nível 5
2
10
2
10
3
9
3 8
2
Nível 6
Adaptado de: http://inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2015
Além disso, os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB mostram que o nível de aprendizado dos estudantes brasileiros do Ensino Médio em matemática não só está abaixo do adequado como tem uma tendência a piorar quando comparado com o Ensino Fundamental na última década. Como mostra o Gráfico 1 a seguir: Gráfico 1: Evolução dos resultados do Brasil no SAEB (2005 a 2015) Proficiências médias em Matemática
Dados disponíveis em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/saeb/aneb_anresc/ resultados/resumo_dos_resultados_saeb_2015.pdf
228
| T e ia
d e saber es n as questões ambientais
Segundo estes indicadores, em 2015, a nota média dos alunos do Ensino Médio na disciplina foi de 267, enquanto o índice adequado é considerado 350. É o nível mais baixo desde 2005, início da série histórica do SAEB. E ainda, em 2013, o resultado foi de 270, o que aponta duas quedas consecutivas. Essas médias significam, segundo a escala de proficiência do SAEB, que os estudantes encontram-se no nível 2 de uma escala de 10 níveis e não seriam capazes, por exemplo, de determinar um termo de progressão aritmética, dada sua forma geral. É nítido o desentusiasmo, por parte dos estudantes, nesta disciplina, e como diz Hussein e Xavier (2015), esse desinteresse e essa falta de motivação para aprender ciências e matemática tem raiz na dificuldade que o discente apresenta para correlacionar o conhecimento científico com o seu cotidiano, não conferindo sentido e aplicabilidade. Gonçalez e Brito (2001) apontam que, em suas pesquisas, evidenciouse que nas situações em que a exploração, a iniciativa e a criatividade estavam presentes, havia uma atitude mais favorável à Matemática, por parte dos alunos. Em outras palavras, ao se dar a devida importância à intuição matemática como processo psicológico, manifesta nos atos de criação, imaginação, emoção e sensibilidade, confere-se ao espaço da sala de aula uma dimensão mais dinâmica e eficaz, no processo de ensino-aprendizagem desta ciência. Diante dessa necessidade, percebe-se uma nova realidade, tornando evidente e necessária a adoção, pela matemática e pela ciência, de novas abordagens para a solução de problemas complexos, como diz Klein (2004), principalmente nos campos de interação entre o homem e os sistemas naturais, nos campos de grande desenvolvimento tecnológico e nas áreas de grande competição econômica. Como afirmam Santos e Mortimer (2002), há uma necessidade de ensino, seja de matemática ou ciências, baseado na problematização de temas sociais que propiciará ao aluno o desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão, para isso, a abordagem dos temas será feita por meio da introdução de problemas, cujas soluções serão propostas em sala de aula após a discussão de diversas alternativas, vinculadas ao estudo do conteúdo científico, suas aplicações tecnológicas e consequências sociais. Assim, buscar-se-á um ensino interdisciplinar que problematize o conhecimento científico de modo a estabelecer correlação com o cotidiano do aluno em prol de uma educação participativa e emancipatória. Com essa finalidade, este projeto propõe o encontro de uma disciplina de suma importância 229
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | no currículo com uma perspectiva considerada necessária nos dias de hoje: a Matemática e a educação com enfoque em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), visto que ambas vão ao encontro da formação de um cidadão crítico e capaz da tomada de decisão. Isso ocorre uma vez que nos documentos oficiais aparecem indicações para formação desse cidadão: nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, nos seus princípios e fundamentos, é proposto que a prática educativa “garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência, dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem” (BRASIL, 1997, p. 27); nas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs, no que se refere às formas para organização do currículo escolar, encontram-se informações explícitas de que a interdisciplinaridade, o exercício da transversalidade ou do trabalho pedagógico: “contribuem para que a escola dê conta de tornar os seus sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e da possibilidade de se tornarem aptos a aprender a criar novos direitos, coletivamente” (BRASIL, 2013, p. 29). Como pensar na Matemática de maneira universal, de forma a associála a situações do mundo real e desenvolver atividades que levem os alunos a adquirirem conhecimentos fundamentais para a vida ao sair da escola? Buscando trazer contribuições para o processo educativo, o objetivo deste trabalho é relacionar a Matemática ao cotidiano do aluno, numa perspectiva interdisciplinar, visando à superação da ideia de um currículo fragmentado e desarticulado. Já os objetivos específicos estão elencados a seguir: 1. Avaliar e refletir teoria e prática de um encontro entre a Matemática e assuntos relacionados às ciências, sociedade e tecnologia; 2. Sugerir opções de trabalho em sala de aula com a Matemática sob o enfoque CTS no ensino médio; 3. Construir como produto desta pesquisa um livro com o título: “MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR INTERDISCIPLINAR EM UMA PERSPECTIVA CTS”, composto por um conjunto de planos de aula, aplicados e narrados, com uma variedade de temas interligando a matemática a diversas questões sociais, oferecendo aos professores alternativas de trabalho que busquem a motivação dos estudantes, através da criação de interfaces entre a Matemática e outras áreas do conhecimento.
230
| T e ia
d e saber es n as questões ambientais
A experiência pedagógica nas aulas A aula foi realizada unindo as turmas do ensino médio, 1º, 2º e 3º anos, tendo como tema de partida “Matemática e Meio Ambiente: trocando experiências em sala de aula”; como estava em seus respectivos tempos, a professora de Biologia e o professor de Língua Portuguesa também participaram da aula dando suas significativas contribuições. O primeiro momento foi iniciado com os alunos respondendo a um questionário, em seguida, em projeção multimídia, foram apresentadas algumas imagens com a intenção de problematizar o que entendemos que seja ecologicamente correto. Como no município onde a Escola está estabelecida encontra-se o Parque Industrial da Bayer, maior unidade de Produção da América Latina e a segunda maior unidade de Formulação de Inseticidas, Fungicidas e Herbicidas do mundo, discutiu-se os possíveis problemas gerados por explosões já ocorridas anteriormente. A partir das discussões anteriores e também desta última, foi estabelecida a seguinte pergunta: Então, será que temos saída? Num último momento, ainda em sala de aula, foi proposta uma atividade baseando-se na quantidade de lixo produzido por cada cidadão, consequentemente por cada família, sendo uma oportunidade para se trabalhar com o assunto de porcentagem lecionado nos três aos anos do ensino médio. Em outro momento, a aula foi encerrada num passeio realizado para o Museu do Amanhã, localizado na Praça Mauá no Centro do Rio de Janeiro, um museu de ciências, um ambiente de ideias, explorações e perguntas sobre a época de grandes mudanças em que vivemos e os diferentes caminhos que se abrem para o futuro. A atividade buscou refletir acerca dos seguintes questionamentos: De onde viemos? Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Como queremos ir? A terceira aula foi desenvolvida com a turma do 2º ano, tendo como tema de partida “Matemática a serviço da cidadania: contribuindo com os direitos humanos”. Discutiu-se a respeito do fato de que a acessibilidade ainda é um grande problema nos grandes centros urbanos, em seguida, em projeção multimídia, foram apresentadas algumas cenas exemplificando as dificuldades encontradas pelos cadeirantes em diversas situações da vida. Logo após, discutiu-se sobre a Lei 5.296/04, que regulamenta a legislação da acessibilidade e foi apresentado um vídeo: “Dificuldades dos deficientes físicos nos ônibus do Rio de Janeiro”. 231
|
| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Por fim, os alunos foram informados que as construções de rampas seguem normas que são regulamentadas pela Associação Brasileiras de Normas Técnicas, sendo o valor da inclinação da rampa a razão entre a altura e o seu comprimento. Discutiu-se essas normas de maneira que eles notassem que quanto maior for a altura que se quer vencer, mais suave deverá ser a inclinação da rampa e, a partir de todas essas discussões e desta percepção da aplicação matemática a situações de grande importância para a sociedade, aproveitou-se o momento para introduzir o conteúdo trigonometria. Desenvolvimento da aula A turma foi composta por 65 alunos que fazem parte do corpo discente do Ensino Médio, sendo 28 alunos do 1º ano, 22 alunos do 2º ano e 15 alunos 3º ano. A proposta desta aula foi realizada em um único dia, utilizando três tempos de 50 minutos ininterruptos. O espaço físico foi a própria sala de aula no dia da semana que consta as aulas de Matemática já estabelecidas no quadro de horário da instituição, em uma das turmas. Com a junção das turmas, participaram da aula os professores de Ciências Biológicas e de Língua Portuguesa, que estavam em seus respectivos tempos. Discussões e Resultados O primeiro momento foi iniciado com os alunos respondendo a um questionário com o propósito de ter uma visão de cada aluno, a partir das seguintes perguntas: 1) Já participaram de aulas sobre Educação Ambiental no Ensino Médio? Caso positivo, em qual disciplina? / 2) O que vocês entendem sobre desenvolvimento sustentável? / 3) Se não desejamos destruir a natureza, por que isso segue acontecendo? Por que a degradação persiste? / 4) O “ser humano” tem alguma responsabilidade nessas mudanças que estão ocorrendo no meio ambiente? / 5) O que acham dessa conexão entre Matemática e o Meio Ambiente? Após ouvir as respostas e discutir sobre as mesmas, foi utilizada a projeção multimídia para apresentação de algumas imagens, com a intenção de problematizar o que entendemos que seja ecologicamente correto, como separação do lixo para coleta seletiva, mas em alguns bairros e municípios não há essa coleta; troca das lâmpadas incandescentes por fluorescente, 232
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d e saber es n as questões ambientais
mas a quantidade de mercúrio apenas em uma destas lâmpadas é capaz de tornar não potável cerca de 20 mil litros de água; e, ainda, imagens com exemplos de energias renováveis, por exemplo. Foram também problematizadas frases como “consuma produtos orgânicos”, “consuma menos água”, “vá ao trabalho de bicicleta”, “colete óleo de cozinha para fazer sabão”, “recicle garrafa pet” e outras. Seguem alguns exemplos: Coleta seletiva
Fonte: http://emaasarecolectoraderesiduos.blogspot.com/
Caminhão de lixo inadequado
Fonte: http://www.jacobinanoticia.com.br/jacobina-caminhao-de-lixo-poe-em-risco-a-vida-de-garis-diariamente/
233
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Descarte incorreto de lâmpadas fluorescentes
Fonte: http://www.portaldepaulinia.com.br/noticias-da-regiao/noticias/18771-descarte-incorreto-de-lampadas-traz-riscos-a-saude.html
Energia Limpa
Fonte: http://brasilescola.uol.com.br/quimica/energia-limpa.htm
234
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d e saber es n as questões ambientais
Produtos Orgânicos
Fonte: https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-mercado-para-os-produtos-organicos-esta-aquecido,5f48897d3f94e410VgnVCM1000003b74010aRCRD
Usos da água
Filme: http://jornalggn.com.br/tag/blogs/crise-hidrica?page=5
Reciclagem
Fonte: https://br.pinterest.com/pin/561824122237907446/
235
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Após a apresentação dos slides e a discussão das imagens, foi proposto o seguinte questionamento: Então, será que temos saída? Em debate, chegou-se à seguinte conclusão: “Pode-se encontrar uma solução, porém ela não é totalmente clara, deve-se tentar descobrir caminhando, processando, acreditando, revendo, inovando e pensando sempre”. Quanto à primeira pergunta, dos 65 alunos presentes, 37 responderam não ter contato com nenhuma aula ou disciplina de Educação Ambiental, sendo 17 alunos do 1º ano, 15 do 2º ano e 5 do 3º ano. Dos 28 alunos que responderam que já tiveram contato com alguma disciplina ou aula de Educação Ambiental, todos disseram que foi Ciências Biológicas; desses, oito afirmaram também que ouviram superficialmente em Geografia. Para auxiliar o entendimento, a distribuição foi representada no Gráfico 4 abaixo: Gráfico 4: Alunos que já participaram de aulas de Educação Ambiental no Ensino Médio Disciplina ou aula de Educaçao Ambiental 40 35 30 25 20 15 10 5 0 número de alunos
Biologia
Biologia e Geografia
não tiveram contato
20
8
37
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
Observando as respostas, percebe-se o quanto as disciplinas estão individualizadas. Não há ligação, não há conexões umas com as outras, apesar dessa discussão no Brasil ter estado presente em documentos educacionais desde os anos 70, quando sua utilização estava inicialmente articulada à noção de integração (FAZENDA, 1979). 236
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d e saber es n as questões ambientais
Gallo (1999) afirma que a organização curricular das disciplinas colocaas como realidades estanques, sem interconexão alguma, dificultando para os alunos a compreensão do conhecimento como um todo integrado, sendo a construção de uma cosmovisão abrangente e que lhes permita uma percepção totalizante da realidade. A segunda pergunta foi respondida por 60 alunos, basicamente, como a utilização consciente dos recursos da natureza, de forma que consiga reutilizar e preservar o meio ambiente, diminuindo a poluição, economizando água, reciclando e cuidando da natureza pensando na geração futura. Os demais não responderam. Considerando as respostas, percebe-se que o conceito informado pelos alunos é o mesmo que vemos e ouvimos nos meios de comunicação, em geral, quase que um conceito popular e que vem sendo utilizado nos últimos anos de forma paradoxal, como afirma Bomfim (2010), tornou-se uma justaposição inconciliável entre duas palavras, no caso: “Desenvolvimento e Sustentável”. Não houve nenhum questionamento sobre o discurso harmonioso de desenvolvimento e sustentabilidade, e também não houve nenhuma reivindicação ao sistema social que tem uma lógica de consumo associada ao produtivismo. Bomfim e Piccolo (2011) alertam que é comum a mídia propor uma educação ambiental limitada a um programa de higienização, restringindo-se a não sujar as ruas, à coleta de garrafas e bolsas de plástico, como também ao recolhimento de latinhas de alumínio, baterias, entre outras ações; no entanto, é importante o avanço das discussões, como a poluição advinda do uso dos automóveis, a contaminação dos rios mediante a liberação de esgotos não tratados, a poluição visual ligada ao consumo para que dessa forma possa ser evidenciada a responsabilidade das indústrias, empresas e mesmo instituições públicas no papel de poluir e degradar o meio ambiente. Atuar numa educação ambiental crítica é ter a plenitude de seu exercício participativo como cidadão, é caminhar rumo à democracia e à emancipação social, é educar não somente na escola, mas além de seus muros, onde deve ser considerado o olhar dos grupos envolvidos; é ser interdisciplinar, é conclamar os excluídos dos processos básicos da tomada de decisão, é poder incentivar discussões que envolvam CTS, por exemplo, questionando o porquê das escolhas de algumas matrizes energéticas que equivocadamente ainda são utilizadas no Brasil (DIAS e BOMFIM, 2011). Na terceira questão, as respostas foram unânimes. Afirmaram que a humanidade, no geral, não se importa com o meio ambiente, acredita que a 237
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | natureza durará para sempre, preocupa-se com o futuro e se esquecem do meio em que vivem. Essa foi uma boa oportunidade para apontar que o ser humano vem sendo o principal responsável por uma série de mudanças no meio ambiente, e que o maior impasse para a proposta de “desenvolvimento” sustentável não é a produção de lixo como vem sendo apontado, e sim o consumo. Com relação à quarta pergunta, todos responderam que sim, o ser humano tem total responsabilidade nas mudanças climáticas que estão ocorrendo. É importante discutir e fazer com que todos percebam que, da mesma maneira que aumenta o nível de consciência ecológica, também aumenta a degradação da natureza. A revista Época fez uma entrevista ao Glaciologista americano Robert Bindschadler, do Instituto Goddard, da NASA, e seus estudos mostraram: (...) como certo que, ainda neste século, antes de 2100, nós vamos ver um aumento de 1 metro no nível do mar. Na Antártica, a parte que está derretendo mais rápido é a porção oeste (...). [Duas grandes geleiras por lá] parecem vulneráveis a um colapso em uma questão de séculos. Isso seria o tal aumento de 5 metros no nível do mar. Mas eu nem gosto mais de falar sobre isso. Os impactos da elevação de 1 metro no nível do mar serão tão grandes que é com eles que devemos nos preocupar (ÉPOCA, 2009, p. 12).
Na última pergunta, todos os 65 alunos responderam que sim, a Matemática tem conexão não só com o Meio Ambiente, mas também com diversos outros assuntos em outras disciplinas. Essa resposta é uma boa oportunidade para refletir o porquê de uma disciplina com um bom tempo de horas/aula semanais raramente fazer conexões com outras áreas do saber, já que as competências, a interdisciplinaridade e a contextualização passaram a fazer parte do discurso de uma boa parte dos educadores, principalmente a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). O último tempo desta aula foi utilizado para se discutir os possíveis problemas gerados pelo Parque Industrial da Bayer, maior unidade de Produção da América Latina e a segunda maior unidade de Formulação de Inseticidas, Fungicidas e Herbicidas Bayer do mundo, estabelecido no mesmo município da escola em pauta. Em seguida, foi proposta uma atividade em grupo, aproveitando a oportunidade para se trabalhar o conteúdo de Porcentagem, necessário nos três anos do Ensino médio. No 1º ano, quando ensinado o conteúdo de conjuntos, no 2º ano quando ensinado o conteúdo de probabilidade, e no 3º ano quando ensinado o conteúdo de matemática financeira. 238
| T e ia
d e saber es n as questões ambientais
Atividade proposta: Leia o texto abaixo, discuta com seus colegas de grupo e trabalhe as situações-problema: O lixo produzido nas residências é chamado de lixo doméstico ou domiciliar e resulta de atividades cotidianas como: limpar a casa, cozinhar, ir ao banheiro, estudar, fazer compras, etc. No Brasil, cada pessoa produz entre 300 a 500 gramas por dia, podendo chegar a 1 kg por dia nos grandes centros urbanos, sendo que 50% correspondem a sobras de alimento, ou seja, resíduos orgânicos, e os outros 50% correspondem a materiais descartáveis. No decorrer do último século, a população mundial dobrou de tamanho, já somamos cerca de 6 bilhões de habitantes, todos produzindo lixo em maior ou menor quantidade. Em geral, quanto mais rico e industrializado for um país, maior será também a produção e o consumo de descartáveis, consequentemente, a quantidade de lixo produzido por seus habitantes será mais elevada, com plásticos, papéis e latas em abundância.
Pensando nesta situação, vamos analisar o problema em nossa cidade: - Agora, tentando se basear na informação do texto acima, calcule: Quanto de lixo, aproximadamente, você e sua família produzem em sua casa por dia? E por mês? E por ano? - A cidade do Rio de Janeiro possui aproximadamente 6 520 266 habitantes. Vamos tentar calcular, aproximadamente, o quanto de lixo nossa população produz por dia? E por mês? E por ano? - Analisando as informações, o que você acha que pode acontecer com essa grande quantidade de lixo produzido em sua cidade?
A aula foi concluída em outro dia, marcado previamente com a direção da escola, quando foi realizada uma visita ao Museu do Amanhã, localizado na Praça Mauá, no Centro do Rio de Janeiro, um museu de ciências, um ambiente de ideias, explorações e perguntas sobre a época de grandes mudanças em que vivemos e os diferentes caminhos que se abrem para o futuro, refletindo acerca dos seguintes questionamentos: De onde viemos? Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Como queremos ir? 239
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) |
Chegada ao museu
Foto registrada pelo autor.
Conversa dos alunos com a Guia do museu
Foto registrada pelo autor.
Antes de iniciar o percurso e conhecer as exposições presentes na visita educativa, a acompanhante do museu reuniu os alunos para uma conversa descontraída, baseando-se na seguinte pergunta: “Por que um Museu do Amanhã?”. Após ouvi-los, a acompanhante respondeu: “porque vivemos em uma nova era, em que o conjunto da atividade humana se tornou uma força de alcance planetário. Somos capazes de intervir na escala de moléculas e de continentes. Manejamos átomos e criamos microrganismos artificiais. Desviamos o curso de grandes rios, alteramos florestas, influenciamos a atmosfera, transformamos o clima, ou seja, habitamos num planeta que vem sendo profundamente modificado por nossas ações”. E concluiu a conversa pedindo que os alunos refletissem durante todo o percurso no museu sobre o seguinte questionamento: “Que amanhãs serão gerados a partir de nossas próprias escolhas?” 240
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d e saber es n as questões ambientais
Como poderemos viver e moldar os próximos 50 anos
Foto registrada pelo autor.
Segundo momento da Exposição Principal – Cubo do Pensamento
Foto registrada pelo autor.
Este segundo momento está associado à pergunta “Quem somos?”. Somos matéria, vida e pensamento. Nesta exposição, estão representados três cubos de sete metros de altura, todos têm um lado interior e um exterior. No cubo da Matéria, os alunos tiveram uma visão unificada da Terra. No segundo, o cubo da Vida remete os alunos ao suporte bioquímico do código básico que coordena a composição e o desenvolvimento de todos os seres vivos, o DNA. O terceiro cubo apresenta a dimensão do Pensamento, ilustrado por centenas de imagens que retratam diferentes aspectos de nossa vida, sentimentos e ações. 241
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Alunos no antropoceno
Foto registrada pelo autor.
Alunos no antropoceno
Foto registrada pelo autor.
Antropoceno é o momento central da Exposição Principal: o prefixo grego “antropo” significa humano; e o sufixo “ceno” denota as eras geológicas. Neste momento, a pergunta a ser explorada pelos alunos foi: “Onde estamos?”. Na exposição, seis totens com dez metros de altura trazem conteúdo audiovisual sobre como moldamos o planeta e as mudanças climáticas extremas. 242
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Alunos na área dos amanhãs
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A área dos Amanhãs foca nas grandes tendências globais, nas quais existirão mais pessoas no mundo, vivendo por muito mais tempo. Cidades gigantescas e hiper conectividade. A convivência com pessoas das mais diferentes culturas e modos de vida fará parte do nosso cotidiano. Como e onde vamos viver? Os alunos foram convidados a pensar nas questões de sustentabilidade e convivência em três espaços: Sociedade, Planeta e Humano. Ambiente de uma oca, simbolizando o conhecimento indígena
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | É aqui que os alunos encontraram o único objeto físico integrante do acervo do museu: um churinga. Esse artefato dos aborígines australianos, de aparência, para nós, enigmática, é, na verdade, uma ferramenta. Contudo, não serve para furar ou cortar: trata-se de um utensílio simbólico. Serve, para aquele povo e muitos outros, como uma ferramenta temporal, para associar o passado ao futuro. Os saberes das gerações passadas que são legadas às futuras. O churinga representa, assim, a própria continuidade do povo e de sua cultura. O percurso da Exposição Principal encerrou com o exercício da imaginação em Nós, propondo o engajamento dos alunos na ideia de que o Amanhã começa agora, com as escolhas que são feitas. A reflexão estimulada foi: “Vivemos em um planeta profundamente transformado pela nossa própria intervenção. O hoje é o lugar da ação. Qual será o nosso legado para as próximas gerações?
CONSIDERAÇÕES Decorrido aproximadamente 20 anos desde a publicação da LDB/96, algumas pesquisas indicam que não houve mudanças relevantes na escola, já que esses documentos tinham o propósito de assegurar a mudança nas práticas educacionais até então correntes. Eles são pouco discutidos na formação inicial dos novos profissionais, recentes a este processo. O que se torna uma das principais dificuldades para que as mudanças sugeridas tanto nas DCNEM como nos PCN cheguem à sala de aula, pois há pouca compreensão dos professores acerca de temas fundamentais presentes nesses documentos, notadamente um currículo estruturado por competências, interdisciplinaridade e contextualização. Em face dessa importância, dadas essas mudanças, é que os Parâmetros Curriculares Nacionais (1999) indicam como objetivo da matemática, como disciplina escolar no Ensino Médio, possibilitar ao aluno estabelecer conexões entre diferentes temas matemáticos, e entre esses temas e o conhecimento de outras áreas do currículo. Diante desses novos requisitos, percebe-se a necessidade de professores polivalentes, com características que incluem e vão além do conhecimento do conteúdo; um professor (cri)ativo, produtor, mediativo, eficiente, participante, pesquisador-ativo e agente de transformação, pelo menos no âmbito da sala de aula, da escola e da comunidade escolar. Com o desenvolvimento das atividades foi proporcionado aos alunos, além de aprender sobre Matemática, uma oportunidade de discutir assuntos 244
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importantes acerca do meio ambiente, ampliando o foco de entendimento, participação e conexão entre os fenômenos. Assim opinar e mudar de opinião frente aos fatos que surgem no dia a dia, suprimindo concepção, muitas vezes distorcidas, sobre a ciência e a tecnologia e meio ambiente. Com o desdobramento das discussões, os alunos perceberam que a matemática vai muito além dos problemas de sala de aula e que é possível, através de conceitos básicos, melhorar a vida de quem precisa enfrentar diariamente a problemática do dia a dia relacionada ao ambiente. E ainda, que há a necessidade de se estar atento ao campo político educacional que envolve as ligações interdisciplinares do ambiente no ensino da matemática.
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didática
e
prática
de
ensino.
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Dá-nos, com seus sorrisos, suas novas lágrimas, o peixe da alegria, o pão da palavra, as rosas das brasas… … a clareza do horizonte livre, o mar da Galileia, ecumenicamente, aberto para o mundo. Dom Pedro Casaldáliga.
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O CASO DOS CANUDOS PLÁSTICOS NO RIO DE JANEIRO
Marina Morim Gomes Marianna Duarte Alves
INTRODUÇÃO A Revolução Industrial caracterizou-se por um período que marcou a sociedade com uma mudança no padrão de consumo: um aumento considerável na geração de produtos através de sistemas de produção. Por consequência, foi responsável por modificar o planeta com uma crescente geração de resíduos (VIEIRA & BELTRAME, 2017). Desde então a cultura do consumismo, baseada no aumento do uso de recursos naturais e subsequente destinação inadequada destes resíduos, tornou-se regra (COSTA et al., 2018). Somado a isto, deve-se destacar o crescimento demográfico mundial que vem aumentando a cada ano e desafiando a capacidade máxima do planeta em suportar uma população com o padrão de consumo atual (IBGE, 2013; HOGAN, 1993). Os plásticos estão presentes em vários setores que movimentam a nossa economia, mas os efeitos de um ciclo de vida não sustentável vem afetando os ecossistemas, a saúde humana e as comunidades mais vulneráveis (WALKER & XANTHOS, 2018). Segundo Geyer e colaboradores (2017), aproximadamente 300 milhões de toneladas métricas de plástico são produzidas anualmente, sendo 50% de uso único. Os plásticos de uso único incluem sacolas plásticas, canudos, copos e embalagens para alimentos. Tais materiais têm um ciclo de vida útil curta, porém se acumulam nos rios, lagos, mares e oceanos devido ao descarte inadequado e sua lenta taxa de decomposição (SCHNURR et al., 2018). No âmbito legal, o Brasil possui políticas a nível nacional que instituem normas e ferramentas apropriadas para reduzir o descarte de plástico e aumentar a sensibilização da população acerca da questão ambiental. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305/2010, em seu Capítulo II e Artigo 3º, 248
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prevê a redução e a prevenção da geração de resíduos através do aumento da consciência pública com a destinação final adequada, incluindo a reciclagem (BRASIL, 2010). Já a Política Nacional de Educação Ambiental, Lei 9.795/1999, define a educação ambiental como “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente (...)” (BRASIL, 1999) e coloca-a como componente essencial em todos os níveis de ensino. Contudo, ainda existe uma grande lacuna na aplicação destas leis. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010, em seu artigo 3° estabelece que sejam adotados padrões sustentáveis de produção e consumo, de tal forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida sem comprometer a qualidade ambiental e as necessidades das gerações futuras. Em 2015, os países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovaram o documento “Transformando Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, que estabelece um plano com objetivos e metas bem definidas e que tem como base os três pilares do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental para serem cumpridos até 2030. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentável está entre os dezessete objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), para alcançar tal desafio são necessárias medidas como: a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais, a redução da geração de resíduos por meio da prevenção, redução, reciclagem e reuso e racionalizar o fornecimento de subsídios que incentivam o uso de combustíveis fósseis. Com o apoio destas políticas, muitos municípios vêm instituindo leis voltadas para problemas ambientais específicos. Pode-se citar o caso dos projetos de lei que estão crescendo cada vez mais pelo país focados em acabar com a distribuição de canudos plásticos em estabelecimentos comerciais. Os canudos plásticos são responsáveis pela geração de microplásticos secundários e constituem parte da poluição presente nos oceanos, podendo provocar impactos na saúde humana (SCHUNRR et al., 2018). Alguns estados brasileiros, como o Ceará, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, entre outros, já possuem municípios que restringem de alguma forma o uso de canudos plásticos. No município do Rio de Janeiro, a Lei Ordinária 6.458/2019, obriga os comerciantes a usarem exclusivamente canudos de material biodegradável e/ou reciclável (RIO DE JANEIRO, 2019). O descumprimento dessa lei pode acarretar multa de até R$ 6.000,00, em caso de reincidência. Porém, apesar da lei e da fiscalização, ainda é possível perceber a distribuição dos canudos plásticos por 249
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | muitos estabelecimentos na cidade, demonstrando que a despeito da instituição da lei, existem muitos entraves para a sensibilização da população. Assim, este trabalho pretende realizar uma análise crítica da legislação municipal sobre os canudos plásticos no Rio de Janeiro, buscando propor a educação ambiental como agente de mudança na aplicação da lei 6.458/2019. O presente trabalho constitui-se de uma revisão bibliográfica baseada na literatura já existente sobre o tema. Para a análise crítica da situação atual, também foram levantados textos como entrevistas, notícias e as próprias leis de forma a analisar e contextualizar no tempo e espaço o caso dos canudos.
Panorama da legislação e sua aplicação no Rio de Janeiro A preocupação com o meio ambiente e os impactos resultantes das atividades humanas é um assunto considerado recente na história da humanidade. A Conferência de Estocolmo, realizada em 1972 na Suécia, é considerada um marco na área ambiental por ser a primeira conferência internacional onde o meio ambiente foi a principal pauta (DE PASSOS, 2009). Desde então, uma série de atitudes, programas, eventos e congressos vêm sendo realizados, tanto nacional como internacionalmente. No Brasil, a Constituição de 1988, traz em seu artigo 225 uma evidente preocupação com o meio ambiente e com os recursos que estarão disponíveis para as próximas gerações (BRASIL, 1998; MIRANDA & DIAS, 2016). A cidade do Rio de Janeiro foi palco de duas Conferências das Nações Unidas que colocam o meio ambiente em destaque e discussão, a ECO-92 e a RIO+20 (MARTINS et al., 2015). A partir de 1972, com a realização da ECO-92, as discussões geradas vêm resultando em uma série de medidas e preocupações ambientais, das quais podemos destacar a preocupação com os resíduos sólidos e com a poluição marinha. Em 2017, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lançou a campanha mares limpos, que propõe tanto ao poder público quanto à iniciativa privada o estabelecimento de compromissos e implementação de medidas para mitigar a poluição nas águas até 2050 (ONU, 2019). Por sua importância turística e localização geográfica, o Rio de Janeiro decidiu adotar medidas para frear os impactos ambientais gerados pelo lixo plástico. Dentre estas, podemos citar o Projeto de Lei nº 1691/2015, de autoria do vereador Dr. Jairinho, cujo texto pretendia obrigar os estabelecimentos a utilizar 250
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apenas canudos de papel embalados em material semelhante. Além disso, o projeto incluía uma multa no valor de R$ 3.000,00 e em caso de reincidência, R$ 6.000,00 para aquele que descumprisse o proposto pela lei. Este projeto foi aprovado, entrando em vigor a Lei Ordinária nº 6384, de 04 de julho de 2018, que, além de incluir a multa anteriormente citada, revogou a Lei Ordinária 3.655, de 1º de outubro de 2013 (RIO DE JANEIRO, 2018). A Lei 3.655/2013, previa a utilização de canudos plásticos individuais e hermeticamente embalados nos estabelecimentos da cidade. O Projeto de Lei 1691/2015 mantinha o mesmo texto desta lei, alterando apenas a palavra “plástico” por “papel” e acrescentando “embalados em material semelhante”. Contudo, o art. 4º do projeto, que estabelecia que a lei entraria em vigor na data de sua publicação, foi vetado, permitindo que os comerciantes tivessem tempo de se adaptar à mudança. Por ser muito restritiva, a Lei nº 6.384/2018 foi revogada e em 2019, entrou em vigor a Lei Ordinária 6.458/2019, proveniente do Projeto de Lei nº 981-A, de autoria dos vereadores Thiago Ribeiro e Marcello Siciliano, que modificou alguns trechos do texto original. Em vez de obrigar os estabelecimentos a utilizar canudos de papel, a lei atual exige que os mesmos sejam de material biodegradável e/ ou reciclável, ressaltando que, em nenhuma hipótese eles devem ser de material oxibiodegradável ou de plástico. O município do Rio de Janeiro, ao se tornar a primeira cidade do estado a banir o uso de canudos plásticos, impulsionou outras cidades brasileiras e despertou o interesse em ampliar a aplicação da proibição à âmbito estadual, através do Projeto de Lei 4200/2018 que tramita na ALERJ. A nível estadual já está em vigor a Lei 7957/18 que dispõe sobre o uso prioritário de canudos e copos reutilizáveis e determina que o poder executivo promoverá campanhas para estimular o uso dos mesmos.
Análise do contexto atual Embora a Lei atual permita o uso de canudo biodegradável/reciclável , isso leva a um questionamento: Estariam os canudos recicláveis sendo reciclados? Substituir os canudos de plástico por canudos de papel reduz o dano ambiental, uma vez que o papel é mais rapidamente decomposto na ordem de duzentos anos mais rápido do que o plástico (VAZ et al., 2003). Mas se o descarte deste papel não é corretamente realizado e o material não é encaminhado à reciclagem, 251
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | podemos hipotetizar um aumento na quantidade de resíduos sólidos na cidade, mesmo com a baixa durabilidade do canudo de papel. É fundamental ressaltar a importância da separação adequada dos canudos de papel e o encaminhamento à programas de reciclagem, o que levanta a inevitabilidade das políticas públicas de educação ambiental (ANTQUEVES et al., 2015). É através da conscientização ambiental e da reflexão crítica que o comportamento acerca da separação do lixo pode ser modificado. A Educação Ambiental atua de forma contínua no desenvolvimento da consciência crítica da sociedade, nesse processo os indivíduos de forma coletiva e participativa, tomam consciência do seu ambiente e adquirem conhecimentos, valores, habilidades, experiências e determinação que os tornem aptos a agir e resolver problemas ambientais presentes e futuros (DIAS, 2004 apud COSTA et al., 2018). A Educação Ambiental é um grande aliado à maior disseminação da Política dos 3R’s. Ao adotar esses princípios deve-se sempre evitar a geração de resíduos e, apenas quando não houver nenhuma possibilidade de reutilização, é que o resíduo deve ser encaminhado a reciclagem. Essa política preconiza que a não geração de resíduos produz mais economia que a reciclagem de materiais após o uso. Guanabara e colaboradores (2008) afirmam que a Política dos 3R’s possui duas vertentes: a primeira priorizando a redução e reutilização e a segunda priorizando a reciclagem. Ainda segundo os mesmos autores (GUANABARA et al., 2008), a maioria dos projetos de educação ambiental focam apenas na reciclagem, deixando de fora a discussão da redução, reutilização e do consumo ético e sustentável e distorcendo os valores ambientais. É nítida essa percepção no caso dos canudos no Rio de Janeiro, uma vez no momento da aprovação da primeira lei sobre o assunto, os canudos reutilizáveis nem sequer foram levados em consideração na legislação. A substituição dos canudos proposta na Lei Municipal 6.458/2019 é uma oportunidade para estimular a reflexão crítica e o entendimento da motivação da legislação, promovendo assim uma mudança de hábito na sociedade carioca. Nesse sentido, a educação ambiental em sua vertente crítica pode auxiliar promovendo cidadãos com uma atitude crítica, compreensão da complexidade ambiental e capazes de enfrentar a crise ambiental em conjunto e os problemas sociais que dela se desmembram (JACOBI, 2005). Torna-se necessário enfatizar à população a ausência de canudos plásticos não deve ser contornada com outros canudos descartáveis, mas sim, evitar o descarte de quaisquer resíduos. 252
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Uma alternativa é a substituição dos canudos de papel e plástico por materiais reutilizáveis como canudos de metal, silicone, vidro ou bambu, já disponíveis no mercado. Através de programas de educação ambiental, pautados na vertente crítica e disseminados nos diversos níveis de ensino, promovendo assim um pensamento crítico, faz-se possível que a população estenda o exemplo dos canudos para refletir sobre o todo: o problema da descartabilidade inserido na questão ambiental.
Entraves na aplicabilidade da lei e a educação ambiental crítica como solução A falta da compreensão e desenvolvimento do pensamento crítico pode ser observada no município do Rio de Janeiro, em atividades rotineiras. Somado a isto, podemos ressaltar a evidente falta de fiscalização da prefeitura na aplicação da Lei 6.458/2019. Uma situação comum que pode ser observada no município são os atendentes oferecendo outros descartáveis para substituir a ausência dos canudos. As “soluções” mais oferecidas são copos plásticos para substituir o canudo em bebidas como sucos, refrigerantes e água e colheres plásticas para bebidas como vitaminas e milkshakes. Este tipo de situação ressalta a perpetualização da descartabilidade como uma solução nos estabelecimentos comerciais. É necessário levar em consideração a diferença tanto na difusão de informações quanto na fiscalização da aplicação da lei nas diferentes zonas do município. Nas regiões mais abastadas é possível perceber a grande quantidade de estabelecimentos que fornecem canudos metálicos, de papel e de biscoito, além de embalagens reutilizáveis e cartazes informando sobre a importância de reutilizar. Em contrapartida, as regiões carentes apresentam a maioria dos estabelecimentos ainda utilizando canudos plásticos. Torna-se evidente, portanto, que o problema ambiental não se restringe à óptica ecológica, mas à aspectos sociais (JACOBI, 2005). Segundo Lia e Vasconcelos (2019) em um estudo realizado na cidade de Campo Grande (MS) constataram que 40,8% dos gerentes e/ou proprietários dos estabelecimentos acreditam que leis que restringem o uso de canudos plásticos poderiam prejudicar o comércio. Embora o número dos que não concordam nem discordam da afirmativa tenha sido maior nesse estudo, é preocupante constatar 253
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | que uma parcela da população acredita em tal afirmativa e evidenciar a cultura do consumismo enraizada na sociedade em prol de mudanças que consideram o meio ambiente. A substituição de descartáveis plásticos por similares biodegradáveis reduz o dano ambiental, mas a ausência das políticas públicas de educação ambiental e consumo sustentável não torna essa medida eficaz. A educação ambiental crítica aparece como um instrumento que pode ser utilizado pelo poder público e por instituições de ensino como um construtor de críticas ao sistema consumista vigente, evidentemente prejudicial ao meio ambiente. Neste ponto, é possível que a educação ambiental seja capaz de auxiliar no estímulo ao desenvolvimento de alternativas mercadológicas capazes de substituir os canudos plásticos convencionais. Algumas alternativas já podem ser encontradas em diferentes estabelecimentos, mas o estímulo contínuo ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias duráveis, reutilizáveis e degradáveis promove o pensamento crítico nos jovens. Dentre as alternativas já disponíveis encontramos canudos metálicos, de silicone, de vidro, de bambu e outros menos populares. Na cidade do Rio de Janeiro, os canudos de metal são os mais populares, especialmente aqueles feitos de aço inox cuja durabilidade é alta. Estes podem ser encontrados à venda em diferentes estabelecimentos espalhados pela cidade. Os canudos metálicos são um excelente exemplo de substituição mercadológica. Além da possibilidade da reutilização, eles apresentam outro aspecto que rompe com os padrões do consumismo: a durabilidade. Os canudos feitos de alumínio ou inox, podem durar muitos anos, quando são mantidos sempre higienizados, evitando o processo de ferrugem no produto. Além disso, o metal é um material reciclável quando corretamente descartado em coleta seletiva. Alguns empreendimentos optaram por ideias criativas que se unem a sustentabilidade, como utilizar biscoitos cujo formato lembra um canudo. É possível encontrar também iniciativas dentro das instituições de ensino que buscam desenvolver produtos que agradem a população e sejam compostos de materiais naturais ou biodegradáveis, como os alunos de Uberlândia que desenvolveram um protótipo composto de polvilho e água (NASCIMENTO et al., 2018). Torna-se evidente, portanto, a urgente necessidade da aplicação e revisão das políticas públicas e programas que envolvam a educação ambiental para transformar a realidade da cidade do Rio de Janeiro, possibilitando uma melhor aplicação das leis que possuem uma pegada ambiental. 254
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Propostas de atuação A PNRS (lei 12.305/2010) inclui a educação ambiental como um instrumento de sua aplicação. Faz-se necessário salientar que embora a Lei Ordinária 6.458/2019 esteja lidando com a questão dos resíduos sólidos e o meio ambiente, a mesma não prevê nenhum tipo de programa de educação ambiental em seu texto. A PNRS também prevê a elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que deveria abarcar prioritariamente programas e ações de educação ambiental. No âmbito municipal, esses programas poderiam utilizar a questão dos canudos para proporcionar um pensamento crítico extrapolando-os para os resíduos sólidos como um todo. É perceptível a ausência de programas ou planos de educação ambiental que incluam a discussão do consumismo, dos descartáveis plásticos e da gestão de resíduos a nível municipal. Buscando sanar essa lacuna, o presente trabalho apresenta algumas sugestões e traz em seus anexos materiais que podem ser utilizados como aporte para incrementar as políticas públicas de educação ambiental. • A inclusão da discussão da questão ambiental, dos microplásticos, dos resíduos sólidos e do consumismo utilizando como exemplo de discussão os canudos, que são um assunto atual, no ambiente escolar, em diversos níveis e com diferentes abordagens permitiria que as crianças aprendessem desde cedo sobre a existência das leis e políticas públicas voltadas para o assunto, facilitando sua aplicabilidade no futuro. • Ampla divulgação de mídias digitais em veículos de comunicação, como o Youtube ou a Televisão aberta, abrangendo dados atuais e a realidade com o objetivo de conscientizar a população sobre a existência da lei e dos motivos que levaram que a mesma fosse implementada. É importante destacar a necessidade de equipes interdisciplinares para produção de tais conteúdos. • A utilização de material escrito, com informações sobre a legislação, as consequências de não cumpri-la e as alternativas mercadológicas à utilização de canudos plásticos disponíveis poderia também ser um veículo de comunicação com a população. Esse tipo de material poderia, ainda, ser interativo, como no caso dos aplicativos.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | • Abordagem do assunto em painéis, pôsteres e em exposições museológicas, dentro e fora do ambienta acadêmico, buscando envolver o máximo de pessoas na discussão. • Qualificar os professores da educação básica para discutir o assunto em sala de aula, levando o exemplo dos canudos como um iniciador da discussão das questões ambientais e plásticos descartáveis A proposta aqui realizada utiliza a vertente crítica da educação ambiental para desenvolver uma reflexão crítica e complexa sobre os canudos plásticos, buscando proporcionar ao indivíduo a possibilidade de expandir esse conhecimento para todo o problema ambiental. Nos anexos deste trabalho foi disponibilizado um modelo de panfleto, cujo conteúdo pode ser utilizado em projetos de educação ambiental de forma bruta ou ser modificado para transformações em mídias de ampla divulgação, desde que devidamente referenciado. Não obstante, é necessário ressaltar que apenas a utilização deste e outros materiais não constitui por si só um projeto de educação ambiental. O objetivo da elaboração destes materiais é suprir a ausência de disponibilidade dos mesmos, facilitando a elaboração dos projetos de educação ambiental.
Perspectivas futuras Com a crescente urgência e preocupação coletiva com as questões ambientais, espera-se que mais iniciativas como a lei dos canudos no município do Rio avancem tanto no legislativo como no executivo. A exemplo disto, ainda no ano de 2019 foram proibidas as sacolas plásticas convencionais, feitas exclusivamente com material plástico. Por meio de políticas públicas e institucionais de educação ambiental, espera-se que os consumidores se conscientizem e reflitam sobre a real necessidade de usar outros materiais descartáveis, como garrafas e sacolas plásticas. Essas iniciativas individuais influenciam as indústrias a se reinventarem para atender a essa nova demanda mercado, com produtos mais criativos, sustentáveis e economicamente viáveis. O banimento dos canudos plásticos na cidade do Rio de Janeiro estimula a adoção dessa medida em todo o território nacional. Projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados preveem a proibição de uso, fabricação e comercialização dos canudos plásticos em todo o país. 256
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A construção da consciência ambiental demanda tempo e esbarra com entraves sociais e econômicos, para diminuir o tamanho desse desafio é importante que o poder público forneça incentivos tributários para que os canudos se tornem mais baratos e possam alcançar mais pessoas. Além disso, a educação ambiental crítica por ter o papel de formar indivíduos e grupos sociais capazes de identificar, problematizar e agir em relação às questões socioambientais, terá um papel crucial se implementada de forma eficiente.
CONSIDERAÇÕES A educação ambiental é um instrumento que influencia em diversos fatores ambientais e sociais, dentre eles a aplicabilidade de leis que possuem temas ambientais. Desta forma, é necessário incluir o planejamento de políticas públicas de educação ambiental nos textos das leis e colocá-las em prática para que os resultados almejados sejam alcançados. No caso dos canudos plásticos no Rio de Janeiro, a educação ambiental poderia ser uma grande aliada para aumentar o impacto da legislação e sua real aplicação. Percebe-se ainda uma lacuna entre a conscientização ambiental e o cumprimento da lei, que pode ser reduzida com a aplicação da vertente crítica da educação ambiental, na qual pretende-se impactar a população com a reflexibilidade e entendimento da complexidade ambiental.
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RIO DE JANEIRO. Lei Ordinária nº 6.458, de 08 de janeiro de 2019. Diário Oficial do Município, Rio de Janeiro, RJ, 2019. p. 3. SCHNURR, R. E. J.; ALBOIU, V.; CHAUDHARY, M.; CORBETT, R. A; QUANZ, M. E.; SANKAR, K.; SRAIN, H. S.; THAVARAJAH, V.; XANTHOS, D.; WALKER, T. R. Reducing marine pollution from single-use plastics (SUPs): A review. Marine pollution bulletin, 137: 157-171, 2018. VAZ, L. M. S.; COSTA, N. B.; GUSMÃO, O. S.; AZEVEDO, L.S. Diagnóstico dos resíduos sólidos produzidos em uma feira livre: o caso da feira do tomba. Sitientibus, Feira de Santana, 28: 145-159, 2003. VIEIRA, P. L.; BELTRAME, L. T. C. Educação ambiental: a resposta para o problema dos resíduos sólidos urbanos. In: 8º Fórum Internacional de Resíduos Sólidos, Curitiba. 2017. WALKER, T. R.; XANTHOS, D. A call for Canada to move toward zero plastic waste by reducing and recycling single-use plastics. Resources, Conservation & Recycling, 133: p. 99-100, 2018.
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Eu, Araguaia e tu, um tempo só. Abraamicamente numerosas, nos garantem o sonho proibido as estrelas, lá fora canceladas. O ipê batiza ainda com ouros gratuitos o Silêncio, o que nós, ó Araguaia, conseguimos salvar dos invasores. Sempre ainda encontramos - eu e tu a pergunta inquietante de uma garça, na beira, provocando respostas, acordando o Mistério. Dom Pedro Casaldáliga
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UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA RELAÇÃO ENTRE O MEIO AMBIENTE FLORESTAL E URBANO
Felipe S. Cruz Mauro Marinho Costa
INTRODUÇÃO Um dos principais desafios para a humanidade é lidar com a “crise ambiental”, principalmente com os problemas relacionados ao aquecimento global, à escassez de água potável, ao aumento vertiginoso da população mundial e à gradativa perda da diversidade biológica (GALLO JUNIOR et al., 2016). A criação da União Mundial para a Conservação da Natureza (IUCN) em 1948 foi um marco para as Unidades de Conservação. O principal objetivo da IUCN foi promover o planejamento racional de áreas onde existam espécies vegetais vitais ou raras, vida selvagem e características cênicas, científicas ou culturais. Uma de suas iniciativas foi definir o termo “parque nacional” em sua Assembleia Geral de 1969. Já em 1978, foi elaborado o relatório pela Comissão Mundial de Áreas Protegidas (CMAP) enfocando as categorias, objetivos e critérios para Áreas Protegidas (Silva, 1999). As categorias propostas pelo relatório foram: Reserva Científica/Reserva Natural Estrita, Parque Nacional, Monumento Natural/ Marco Natural Destacado, Reserva da Conservação da Natureza/Reserva Natural Manejada/Santuário de Vida Silvestre, Paisagem Protegida, Reserva de Recursos, Área Biótica Natural/Reserva Antropológica, Área Manejada de Uso Múltiplo/ Área de Manejo dos Recursos, Reserva da Biosfera e Sítio do Patrimônio Mundial. A conservação da biodiversidade in situ, por meio da criação e implementação de Unidades de Conservação (UC), é uma ferramenta indispensável para que o país consiga cumprir os compromissos constitucionais internos e os diversos acordos internacionais firmados. Além do mais, é primordial para a preservação dos bens naturais, minimização dos problemas oriundos da ‘crise ambiental’, e promoção da qualidade de vida da sociedade. 261
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Segundo NOGUEIRA-NETO (1997), a experiência brasileira e internacional mostra que para a efetiva proteção à biodiversidade é necessário que sejam criadas e implantadas Unidades de Conservação. Essas áreas de preservação podem ser caracterizadas como bancos genéticos in situ, constituídas não apenas por exemplares individuais da biota, mas também de ecossistemas protegidos em larga escala, em áreas representativas de vários geobiomas climáticos. Outro marco de fundamental importância para a conservação dos recursos naturais e para a melhoria da qualidade da vida humana foi a Convenção sobre Diversidade Biológica subscrita pelo Brasil e outros 156 países, durante a Rio-92 (SEMA, 1997). A Convenção estabeleceu a obrigação de se identificar e estimular o desenvolvimento de mecanismos para a conservação e utilização dos recursos em bases sustentáveis. Além disso, consolidou os Sistemas Nacionais de Unidades de Conservação, que tinham como principais objetivos a conservação in situ, através das áreas protegidas sistematizadas, e a conservação ex situ através de outros organismos conservacionistas, como os zoológicos, jardins botânicos, aquários e bancos de germoplasma. De acordo com MILANO et al. (1993) o Sistema de Unidades de Conservação deve contemplar a conservação da diversidade biológica a longo prazo, centrando-a como eixo fundamental do processo conservacionista, além de estabelecer a necessária relação de complementariedade entre as diferentes categorias de unidades de conservação, organizando- as em grupos de acordo com seus objetivos de manejo e tipos de uso: proteção integral e manejo sustentado. Assim, entende-se por Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o conjunto organizado de áreas naturais protegidas que, planejado, manejado e gerenciado como um todo é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de conservação (MILANO, 1989). Além disso, o SNUC deve servir como um instrumento técnico jurídico que agrega objetivos nacionais de conservação, uniformidade em política, terminologia e conceituação sobre as Unidades de Conservação.
Educação Ambiental Tem sido difícil definir etapas, e a Educação Ambiental aparece muitas vezes como um campo difuso de experiências e resultados incipientes. O que significa exatamente “dar um significado ecológico” a educação? (CAPRA, 2001; RISSER, 1985; LI, 2000; FARINA A. & BELGRANO, 2004). 262
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O movimento ambientalista surge a partir de percepção de degradação da paisagem, que inicialmente é representada pela natureza como um ideal de pureza, do bom selvagem, o que estimula a sociedade, num primeiro momento, a criar suas primeiras Unidades de Conservação Ambiental (MOL, 1997). A observação da degradação ambiental é o principal fator agregador e iniciador dessa consciência. Há uma passagem dos problemas ambientais para uma segunda escala de amplitude (chuva ácida, aquecimento global, buraco na camada de ozônio etc.) o que promove na sociedade uma percepção de crise. Esta tendência propõe que se imponham limites para a industrialização que, se controlada, poderia minimizar a poluição e os problemas ambientais. As Organizações Não Governamentais – ONGs – passam a centrar seus discursos na ideia do conservacionismo e entendem como “vilã” de todo o processo de industrialização e sua face destruidora. Realiza-se uma grande coalização ambientalista contra a sociedade de consumo. Fazem-se críticas contundentes ao papel da tecnologia como promotora crise ecológica (MOL & SPAARGAREN, 2000). Na área acadêmica, a questão ambiental impõe ao pensamento científico uma nova forma de busca de conhecimento, uma racionalidade que parte da premissa de que os problemas podem ser mais complexos do que se supunha. O processo de construção dessa racionalidade ambiental revela os limites que existem para se conseguir uma fonte síntese analítica, devido aos limites das formas convencionais de conhecimento (LEFF, 1994). A Educação Ambiental (EA) é um campo em construção, tanto no que se refere as políticas públicas (sejam elas governamentais ou realizadas por segmentos específicos da sociedade) quanto na produção acadêmica de conhecimentos. A insipiência da área é solo fértil para as mais diferentes abordagens conceituais, práticas pedagógicas e ações mobilizadoras da sociedade, o que de certa forma enriquece a diversidade de iniciativas, mas enfraquece sua eficiência enquanto estratégia coletiva. Apesar do significativo avanço no campo das ideias, a EA carece de pesquisas que possam contribuir com a compreensão de seus fundamentos e testar sua eficiência enquanto atividade transformadora (NEIDOMAN, 2007). A educação ambiental, antes de tudo, é Educação, esse é um pressuposto inquestionável. Nesse sentido, nenhuma discussão a respeito das metas, objetivos e avaliação da educação ambiental que mereça credibilidade pode deixar de abordar a perspectiva sociológica da Educação como um instrumento ideológico de reprodução das condições sociais. Nesse sentido, na medida 263
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | do possível, a educação ambiental deveria ser analiticamente enquadrada na perspectiva de uma prática pedagógica destinada seja a manter ou alterar as relações sociais historicamente construídas, mesmo que essa prática pedagógica não seja destinada exatamente ao convívio social, mas ao convívio humano com a natureza. Ilusão ou ingenuidade seria deixá-la de fora desse enquadramento teórico, como se a educação ambiental estivesse isenta da interação com a mudança social, como se a educação ambiental fosse, tal qual o ambientalismo fundamentalista, supra ideológico (LAYRARGUES, 2006). EDUCAÇÃO AMBIENTAL Mudança Cultural
Mudança Social
Função moral da Educação: processo de socialização humana ampliada à Natureza
Função política da Educação: instrumento ideológico de reprodução social
Auto-restrição comportamental: ética
Estabelecimento de regras de convívio social: política
Plano simbólico: valores
Plano material: interesses
Utopia: construção do futuro com ênfase no universo escolar e da juventude
Ideologia: vivência do presente com ênfase nas relações produtivas e mercantis
Natureza como Bem em si com valor intrínseco
Natureza como mercadoria com valor de troca
Social subordinado ao Ambiental
Ambiental subordinado ao Social
Cultura como mediação entre Humano e Natureza
Trabalho como mediação entre Humano e Natureza
Sociedade funcionalista e atomizada: primado do indivíduo e homem genérico
Sociedade conflituosa e desigual: sujeitos sociais específicos
Ética Ecológica
Cidadania e justiça ambiental
Dever moral de proteger a natureza
Direito legal de ter a natureza protegida
Mudar a visão de mundo
Mudar a ação do mundo
“Eu não vou degradar o ambiente”
“Nós não vamos deixar que degradem o ambiente”
MUDANÇA AMBIENTAL Educação Ambiental e Mudança Ambiental. Adaptado de LAYRARGUES, 2006.
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Metodologia Este presente artigo teve como metodologia o levantamento bibliográfico de artigos e pesquisas pertinentes ao tema estudado, tendo como palavraschave: Educação Ambiental; Unidades de Conservação; Psicologia Ambiental; Unidades de Conservação e Educação Ambiental. Além de uma pesquisa em sítios específicos da internet para o melhor aproveitamento de dados, tendo como exemplos: 9 Ministério do Meio Ambiente: Lei Nº 9985 de 2000 e Decreto nº 4340 de 2002; 9 WWF-Brasil; 9 ICMBio – MMA; 9 ProNEA; 9 Programa Petrobras Ambiental; Os problemas ambientais são sempre afetados direta ou indiretamente pelos problemas da sociedade, seja economicamente ou socialmente, sem falar em problemas gerados pelas características do meio natural. Perante a isso, os variados segmentos da sociedade possuem uma visão enfraquecida e equivocada da parceria sociedade-natureza, sem perceberem os benefícios da conservação ambiental (WELLS et al. 1992). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da (Snuc), instituído pela Lei 9.985/00, define critérios e normas para a criação, implantação e gestão de UC. Essa lei apresenta objetivos e diretrizes específicos, sendo que um deles é a conservação de espaços naturais (incluindo aí, na nossa visão, os culturais). Nesse sentido, é possível agrupar sinteticamente seus objetivos em quatro grupos diferentes, mas complementares: 1. proteção/manutenção/preservação da biodiversidade, da socio diversidade e de serviços ambientais (bens utilizados) imprescindíveis (como a água); 2. incentivo e promoção da pesquisa científica; 3. promoção da educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; 4. Promoção do desenvolvimento sustentável (para as comunidades do entorno das UC).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Nas atuais diretrizes trazidas pelo Snuc, nota-se ênfase na garantia de processos de envolvimento e participação da sociedade (populações locais, organizações não- governamentais, poderes públicos municipais e estaduais etc.) na criação, implantação e gestão de UC (IBASE, 2006). A UC pode se tornar um espaço educador, já que a educação ambiental está prevista em todas as categorias descritas no SNUC. Entendendo isso, não se pode lançar mão dos objetivos de criação da unidade e, reforçando, de como a escola pode participar e/ou contribuir efetivamente na gestão deste espaço. Um espaço educador deve ter clara sua intencionalidade pedagógica e currículo pautado no exercício da cidadania e respeito socioambiental. A UC precisa ser pensada como parte de um território que contém vários outros elementos como populações tradicionais, populações vizinhas, culturas e saberes diversos, identidades e diversidades. A decisão de trabalhar a EA formal no âmbito da UC pressupõe que o gestor assuma o espaço de articulador. É fundamental entender seu verdadeiro papel e não confundir com o do professor. Entender o contexto da unidade e também o contexto e necessidades da escola, buscar parcerias, ter abertura de diálogo e planejar conjuntamente as ações, nos coloca no verdadeiro papel do gestor na gestão ambiental pública (WWF - Brasil, 2016).
CONSIDERAÇÕES Quando pensamos em educação no processo de gestão ambiental estamos desejando o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação permanente dos cidadãos, principalmente, de forma coletiva, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam à qualidade do meio ambiente. (Ibama, 2002).
Com isto podemos ver que o ensino e programas de educação ambiental em unidades de conservação são de suma importância para a sua preservação. Segundo Muhle (2012), a criação de áreas protegidas tem sido um dos principais elementos para as ações de preservação e conservação da natureza frente ao desenvolvimento urbano e industrial. O homem, desde o século passado, passou também a reverenciar estas áreas como espaços onde poderia, em períodos livres de trabalho ou outras obrigações diárias, se reconectar com a natureza. Reconhecemos então, que a educação ambiental com responsabilidade social é toda aquela que propicia o desenvolvimento de uma consciência ecológica 266
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no educando, mas que contextualiza seu planejamento político-pedagógico de modo a enfrentar também a padronização cultural, a exclusão social, a concentração de renda, a apatia política, a alienação ideológica; muito além da degradação do ambiente (sem confundi-la com o ‘desequilíbrio ecológico’). É toda aquela que que enfrenta o desafio da complexidade, porque os problemas ambientais acontecem como decorrência de práticas sociais, e como tal, expõem grupos sociais em situação de conflito socioambiental (LOUREIRO, C. F. B. et al. 2006).
Unidades de Conservação, Educação Ambiental e Gestão Participativa. Fonte: WWF - Brasil, 2016.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | SEMA. Secretaria do Estado do Meio Ambiente. Convenção da Biodiversidade, volume II - Entendendo o Meio Ambiente. Coordenação Geral: Secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo Fábio Feldmann, São Paulo, SMA, 47 p., 1997. SILVA, C. E. F. Desenvolvimento de Metodologia para Análise da Adequação e Enquadramento de Categorias de Manejo de Unidades de Conservação. Dissertação (Mestrado em Conservação e Manejo de Recursos). Centro de Estudos Ambientais, Universidade Estadual Paulista - Rio Claro, 186p., 1999. WELLS, et al. (1992). People and parks – linking protect áreas with local cmmuinities. Washinton, D.C. The world Bank, The Wildlife Fund –USA Agency for international development. 99p. WWF – Brasil, 2016. Educação ambiental em unidades de conservação: 2016 ações voltadas para comunidades escolares no contexto da gestão pública da biodiversidade. Brasília, Brasil.
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Combater amando. Morrer pela vida, lutando na paz Dom Pedro CasaldĂĄliga
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A CULTURA DA SUSTENTABILIDADE NO ÂMBITO ESCOLAR
Andreia Jerônimo Viana Dayenne Dutton Doresti de Assumpção
INTRODUÇÃO A população mundial obtém recursos do meio ambiente para suprir suas necessidades, muitas dessas matérias-primas são limitadas e não renováveis. Com o surgimento dos problemas ambientais ao longo dos anos, a sustentabilidade ganhou mais atenção da sociedade. O conceito de sustentabilidade de Carlowitz (1713), em termos gerais, está pautado no desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, impactando minimamente às gerações futuras. Na contemporaneidade, muito se discute a importância da sustentabilidade está relacionada as práticas cotidianas de uma unidade escolar, por ser um espaço de estímulo ao conhecimento e pela necessidade da mudança de mentalidade e práticas envolvendo a relação ser humano e meio ambiente. Segundo Gadotti (2005), “o desenvolvimento sustentável, visto de uma forma crítica, tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação”. O Projeto Político Pedagógico (PPP) é um elemento que visa atender as necessidades da comunidade local de forma democrática, por isso precisa de uma gestão participativa juntamente com os atores escolares - professores, funcionários, discentes e seus responsáveis legais – para sua elaboração. OPPP é uma ferramenta norteadora das atividades realizadas no âmbito escolar, facilitando as ações e adequando a aplicação da sustentabilidade através da educação ambiental, e é através dele que se torna palpável a eco alfabetização. Para a implantação de uma escola sustentável é imprescindível a aplicabilidade de um currículo escolar direcionado à cultura sustentável. 270
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Sendo a educação ambiental o foco para a reflexão, por ser entendida como toda ação educativa que corrobora para o desenvolvimento de um cidadão com conduta consciente em relação ao meio ambiente. O trabalho objetiva demonstrar a possível sustentabilidade escolar quando alinha-se currículo, PPP e gestão escolar. O estudo se caracteriza como descritivo exploratório, do ponto de vista metodológico. A pesquisa foi feita através de levantamento bibliográfico por meio de consulta a artigos científicos, dissertações e teses disponíveis eletronicamente em sítios de periódicos, além de portais governamentais e não governamentais. Para mapear os termos possíveis para representar o tema de pesquisa e passar para a elaboração das estratégias de buscas que foram empregadas no campo assunto Escola Sustentável. As palavras-chave utilizadas foram: Escola Sustentável, educação ambiental, Sustentabilidade.
O currículo e a educação ambiental Segundo o manual das escolas sustentáveis do Ministério da Educação, a transição para uma escola sustentável é promovida a partir de três dimensões inter-relacionadas: Currículo, gestão e espaço físico. O currículo escolar deve ter base nos princípios e objetivos do projeto político pedagógico (PPP) do sistema de ensino. Nesse sentido, para que a transição ocorra, o PPP deverá conter premissas da sustentabilidade socioambiental que dará base para que o professor desenvolva a temática em suas aulas e assim formar cidadãos mais consciente sobre o mundo que está inserido e caso necessário, transformá-lo. Para isso acontecer, Silva e Taveira (2012) afirmam que a escola sustentável deve ensinar também valores éticos, morais, culturais, sociais e econômicos por meio de processos educacionais, para que os alunos repensem seus atos em relação com meio ambiente. Tal conceito se associa com os incisos I e IV do artigo 5º da Política Nacional da Educação Ambiental (PNMA) (Lei nº 9.795/1999), que define como objetivos da Educação Ambiental (E.A.). I- O desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | IV - O incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania.
Não é à toa que a PNEA (1999) diz que E.A. deve ser desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas de forma integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal, de maneira interdisciplinar, pois reconhece a sua importância para a prática cidadã em resolver os problemas socioambientais. E é por esse motivo que a E.A também foi inserida como tema transversal e integral nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1997) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), sendo este o atual documento que define as aprendizagens essenciais que todos os alunos do Brasil devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica. Vale se atentar que a abordagem da E.A. na temática resíduos sólidos, deve estar focada na mudança de hábitos para a redução do consumo ou até mesmo para o reaproveitamento de bens acima da reciclagem, uma vez que esta não modifica a cultura do consumismo, levando a crer que está tudo bem adquirir cada vez mais recursos naturais em forma de bens e produtos (que muitas vezes não são necessários) conquanto se recicle (Layrargues, 2016). Por isso, Nadal, Lopes e Fernandes (2010) afirmam que a promoção de concursos que premiam quem “recicla mais” é um erro, pois pode surtir o efeito contrário e promover o consumo desnecessário afim de ganhar tal prêmio. Visto isso, a educação ambiental mostra-se uma ferramenta legal, no âmbito da lei, que deve estar nos currículos de todas as disciplinas e alinhada ao PPP para que a escola possa alcançar a sustentabilidade, pois ela se propõem a facilitar os meios de interpretação da interdependência natureza-homem no espaço e tempo, afim de promover uma utilização mais reflexiva e prudente dos ambientes naturais para satisfazer as necessidades da humanidade. (DIAS, 2004 p. 210).
Gestão escolar sustentável Para Nadal, Lopes e Fernandes (2010), ser sustentável significa apostar em formas de desenvolvimento que não prejudique a natureza e satisfaça a demanda das atuais e futuras gerações. Para implementar e manter essa postura, 272
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a escola e a sua gestão devem igualar o seu discurso à prática, dando exemplo de redução no desperdício de luz, água, papel, alimentos, materiais de limpeza e outros insumos que ela precise para o seu funcionamento. Pois nada adianta debater com os seus alunos as fontes de energia renovável se a mesma mantém as luzes acesas em ambientes iluminados por fonte natural. Então, para a transição de um espaço sustentável, a gestão escolar deve conhecer a pegada ecológica da escola, precisa identificar os aspectos e os impactos ambientais que ela gera para então propor um plano de ação que vise a diminuição dessa pegada. A política de compras alimentícias por exemplo, deve priorizar os produtores locais, especialmente se estiverem vinculados à economia popular e solidária, na perspectiva do desenvolvimento local sustentável e da diminuição da pegada ecológica com o transporte de alimentos por longas distâncias (BRASIL, 2012). Tratando de gestão escolar, a mesma deve utilizar de sua autonomia prevista na Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB - nº 9.394/1996) para promover a participação de todos - professores, auxiliares de limpeza, porteiro, inspetor, responsáveis e vizinhos - no sentido de fomentar a sustentabilidade não só no interior da escola, mas no seu entorno também. A escola e sua comunidade devem estar dialogadas no desenvolvimento de projetos de forma geral não só em datas comemorativas como a semana do meio ambiente ou dia da água, mas sim de forma contínua durante todo o ano.
O espaço físico: Dificuldades e soluções Projetos arquitetônicos dos espaços físicos da escola devem ser adaptados às condições locais, observando por exemplo a incidência do sol para usufruir da iluminação natural, porém sem impactar demais a sensação térmica local, a utilização de painéis solares, a construções de telhados verdes e conforto acústico são recursos que atendem as premissas da sustentabilidade (BRASIL, 2013), contudo, nem todos os estabelecimentos de ensino detém verbas ou possuem estrutura física para estas mudanças estruturais. Nesse cenário, cabe a comunidade escolar transformar o espaço físico em sustentável através de pequenas mudanças como: criação de espaço verdes (hortas e jardins), reaproveitar o resíduo orgânico para utilizá-lo na composteira construída no próprio espaço, manter sempre as luzes apagadas – preferencialmente utilizando sensores de presença, torneiras desligadas quando 273
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | estas não tiverem sendo utilizadas, fazer o descarte adequado dos materiais (com o foco antes na redução e na reutilização), elaborar e fixar cartazes no seu interior afim de lembrar à todos os objetivos da escola e torná-lo contínuo.
Considerações A gestão escolar alinha os planejamentos e as estratégias com as necessidades da instituição e da comunidade ao redor, têm que perceber que as boas práticas da gestão ambiental são necessárias para a otimização dos recursos e diminuição dos desperdicíos, conscientizando e capacitando funcionários para execução de tarefas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Os temas transversais estimulam a reflexão e o debate de uma questão que se apresenta moderna e ao mesmo tempo tão pouco explorada na escola. Certamente sua inclusão no currículo representa um desafio à escola, mas é um pontapé inicial para os desenvolvimentos econômico, social, ambiental e cultural. Na mobilização para a implantação de uma escola sustentável, não se faz necessário uma grande reestruturação arquitetônica, pequenas mudanças estruturais e organizacionais contribuem. Promover estratégia inteligente para manter um desenvolvimento que utilize os recursos naturais de forma equilibrada. Além de utilizar a educação ambiental de forma lúdica e crítica para transformar e ressignificar a cultura escolar, com isso contribuir para a formação de uma sociedade mais consciente. Com o surgimento dos problemas ambientais ao longo dos anos, a sustentabilidade ganhou mais atenção da sociedade, levando essa temática para o âmbito escolar. O presente trabalho aborda a gestão escolar integrada a sustentabilidade, apontando as principais estratégias para promover a alfabetização socioambiental. O tema proposto destaca-se por possuir uma perspectiva de capacitação interdisciplinar, para que ocorra o processo de ensino aprendizagem, alinhado com as temáticas da sustentabilidade estabelecidas no PPP. Para a implantação de uma escola sustentável é imprescindível a aplicabilidade de um currículo escolar direcionado à cultura sustentável. Mais do que informações e conceitos, a escola tem se dispor a trabalhar não somente com ações teóricas, mas práticas também. Os temas transversais estimulam a reflexão e o debate de uma questão que se apresenta moderna e ao mesmo tempo tão pouco explorada na escola. Certamente sua inclusão no currículo representa um 274
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desafio à escola, mas é um pontapé inicial para os desenvolvimentos econômico, social, ambiental e cultural. Utilizando a educação ambiental de forma lúdica e crítica para transformar e ressignificar a cultura escolar, com isso contribuir para a formação de uma sociedade mais consciente.
REFERÊNCIAS BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Segunda versão revista. Brasília, MEC/CONSED/UNDIME, 2016. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Vamos cuidar do Brasil com escolas sustentáveis: educando-nos para pensar e agir em tempos de mudanças socioambientais globais; elaboração de texto: Tereza Moreira. Brasília: A Secretaria, 2012. 46 p. Brasil. Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 agosto de 1981. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm Gadotti, Moacir. Pedagogia da Terra e Cultura da Sustentabilidade. Revista Lusófona de Educação, 2005. p. 19. Disponível em: http://www.scielo.mec.pt/pdf/rle/n6/ n6a02.pdf SILVA, Carmen Lúcia Gomes da; Tavieira, Flavia Giangiulio. Por que fazer escolas sustentáveis? Revista campo do saber. v. 2. n. 2. Jul/dez de 2016. p. 69-79. NADAL, Paula; LOPES, Noêmia; FERNANDES Rogério. Estruturas e ações para uma escola sustentável. Nova escola. Maio de 2010. Disponível em: https://novaescola. org.br/conteudo/1598/estruturas-e-acoes-para-uma-escola-sustentavel
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O ouro do Milho e não o dos Templos, o sangue da Cana e não dos Engenhos, o pranto do Vinho no sangue dos Negros, o Pão da Partilha dos Pobres Libertos. Dom Pedro Casaldáliga
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A TEMÁTICA AMBIENTAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO
Taísa de Oliveira Vieira Maylta dos Anjos
INTRODUÇÃO A compreensão ambiental constitui-se numa importantíssima etapa para que a sociedade veja essa questão como eminentemente interdisciplinar, política e de crítica ao modelo de produção atual e, a partir daí percorra um caminho de propostas mais sustentáveis e transformadoras. Pois, a ideia de desenvolvimento não deverá estar associada apenas aos valores econômicos, mas também aos valores sociais, políticos, culturais e ambientais. Atendo-se aos atuais debates relacionados ao meio ambiente percebemos que precisamos atuar de forma atuante e política sobre a natureza, porque só assim conseguiremos garantir às gerações futuras as vertentes essenciais (água, solo, ar limpo, biodiversidade etc, bem como elementos sociais que garantam a qualidade de vida) para a prolongação da vida humana neste planeta. Um dos caminhos para compreensão da relevância que o meio ambiente possuiu para o avanço da humanidade é o conhecimento. Tendo como um dos aportes de transformação a informação, acredito que os cidadãos terão condições de influir em situações complexas que envolvem as atuais questões ambientais que põem em risco o futuro da Terra, como aquecimento global, mudanças climáticas, uso indevido dos recursos naturais, aumento no nível do mar, buraco na camada de ozônio, profunda desigualdade social, entre outros. A Física, por ser uma ciência natural, deve abordar temas ambientais que se encaixam em seu campo de estudo, e com isso contribuir para um meio social formado por cidadãos conscientes de suas responsabilidades, de seus direitos e deveres para com a preservação e para a justiça socioambiental. Segundo o PCN (BRASIL, 1999, p. 237) é necessário reconhecer a Física como construção 277
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | humana, suas relações com o contexto cultural, social, político e econômico; e fazer com que todos sejam capazes de participar em relação às situações sociais que envolvem aspectos físicos e/ou tecnológicos. Ao considerarem a necessidade da abordagem de assuntos ambientais como forma de prevenção a prováveis desastres, Santos e Barros (2011, p. 2) destacam que: A educação ambiental como um instrumento para orientação das populações deve induzir ações preventivas quando ocorrem eventos climáticos que possam ameaçar suas vidas. Numa analogia à campanha contra o fumo, o ensino dessas questões ambientais aos alunos da educação básica propiciaria os vetores necessários para a mudança da atitude das populações com o meio ambiente.
Atualmente, se vivencia uma crise de abastecimento de água, afetando a vida social, econômica e política da mais importante cidade do país. Os sistemas de abastecimento de água vêm batendo recordes de quedas no nível de água, atingindo valores nunca antes registrados, valores de capacidade menores que 9%. Estudiosos apontam várias causas para essa atual situação como uso inconsciente da água, ocupação ilegal de regiões importantes para a conservação da água, desmatamento de florestas e falta de infraestrutura que atendam às necessidades dos sistemas de abastecimento. Vemos aqui uma questão que se liga ao conhecimento, às políticas públicas, ao crescimento desordenado das cidades e ao descaso à moradia. Diante dessa situação, a reflexão crítica acerca da educação ambiental é vital, e a escola ainda é um ambiente para que essas discussões aconteçam, porque além de atuar na formação explícita dos sujeitos sociais, é campo onde o coletivo se encontra e os debates e diálogos são mais experimentados. A Política Nacional de Educação Ambiental, art. 2, I,II, III, IV, V e VI, prevê que todos têm o direito à educação ambiental, incumbindo à essa democratização, os poderes públicos, às instituições educativas, aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), aos meios de comunicação de massa, às empresas, entidades de classe, instituições públicas, privadas e à sociedade como um todo. Diante desse contexto surge a discussão sobre a importância de aulas com enfoque CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente). Segundo HOFSTEIN, AIKENHEAD e RIQUARTS (1988: 358), citado por Santos e Mortimer (2002, p.3), CTSA é caracterizado como o ensino do conteúdo de ciências no contexto autêntico do seu meio tecnológico e social, no qual os estudantes 278
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integram o conhecimento científico com a tecnologia e o mundo social de suas experiências do dia-a-dia. É de conhecimento que aulas com enfoque CTSA ainda não são muito empregadas na sala de aula, apesar de seus benefícios para o aluno, Aikenhead (1998) afirma que a introdução de aulas com abordagem CTSA aumentam a literatura científica, promovem seu interesse pela Ciência e melhoram o espírito crítico, o pensamento lógico e a tomada de decisão. Acredita-se que uma das dificuldades de uma abordagem CTSA nas aulas de Ciência esteja relacionada a um complexo de situações que tem imbricado todos os corpos escolares e a gestão pública. Nesse ínterim Fontes e Cardoso (2006) salientam, especificando uma categoria que: ...a formação de professores nem sempre tem acompanhado as novas exigências da educação científica, nomeadamente na contextualização da Ciência na abordagem CTS, de modo a que os professores possam transformar as aulas de ciências em contextos diversificados, agradáveis e motivadores da aprendizagem da Ciência (p. 16).
O livro didático visto pela ótica da formação educacional e pela ótica da formação dos sujeitos sociais é instrumento fundamental para o processo de ensino-aprendizagem, é por meio dele que o professor organiza, desenvolve e avalia seu trabalho pedagógico de sala de aula. Muito embora, a situação de trabalho para muitos docentes seja de precarização, resvalando para a análise do uso do livro didático, há a necessidade de reavaliar e observar como vem sendo constituído o seu uso nas diferentes disciplinas lecionadas no processo de formação do ensino médio. Tendo tamanha importância na educação básica espera-se que os livros didáticos atendam às necessidades dos professores e dos alunos, tratando de temas relevantes para a formação cidadão, incluindo a temática ambiental. Santos e Barros (2010) afirmam que: ...os livros didáticos deveriam ser planejados em consonância com as questões inerentes à época e ao ambiente social no qual se situam, transformando-se em um instrumento didático relevante no processo educacional que abarcam múltiplos e variados elementos sócio científicos. No contexto da sociedade contemporânea, que vivencia problemáticas ambientais significativas, há necessidade de aprimorar essa compreensão científica através dos livros didáticos – particularmente os das ciências naturais.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Enfim, a relação professora livro didático é de extrema importância para a construção do conhecimento, portanto este trabalho discute como os livros didáticos de Física estão tratando questões ambientais em seu conteúdo programático e se estão atendendo as necessidades dos docentes para elaboração de aulas com uma abordagem CTSA. A relevância desse trabalho se baseia na atual condição da sociedade face às questões ambientais. Infelizmente são frequentes os noticiários relatando situações agravantes que envolvem o meio ambiente como secas prolongadas, deslizamentos de encostas, mudanças climáticas com alterações significantes na temperatura entre outras. Portanto, o conhecimento desta temática na formação do aluno é de extrema importância, pois irá contribuir para sua formação cidadã e conscientização da responsabilidade que cada indivíduo possui dentro do seu contexto social. PCN+ (Brasil, 1999, p. 16) destacava que é necessário promover a compreensão da responsabilidade social que decorre da aquisição de conhecimento, a ponto do estudante sentir-se mobilizado para diferentes ações, seja na defesa da qualidade de vida, ou/e na qualidade das infraestruturas coletivas. Também ressalta que o ensino de Física deve ser capaz de “promover situações que contribuam para a melhoria das condições de vida da cidade onde vive ou da preservação responsável do ambiente, conhecendo estruturas abastecimento de água e eletricidade de sua comunidade e dos problemas delas decorrentes, sabendo posicionar-se, argumentar e emitir juízos de valor”. Neste contexto, Santos e Barros (2011, p. 2) afirmam: ...a educação for mal tem papel crucial na formação de cidadãos capazes de lidar com os riscos ambientais, atuando tanto no nível local quanto global. Apesar da relevância de ações escolares vinculadas ao meio ambiente – legislação educacional pertinente, disciplinas e projetos de educação ambiental, discussões em sala de aula sobre essas questões, acreditamos que elas são tímidas e raras, levando-se em conta que os problemas ambientais são de extrema importância e intensidade no Brasil, principalmente, para os que residem nos grandes centros urbanos.
Diante de tal importância social, o ensino de Física deve promover discussões a respeito de temas ambientais, sobretudo por termos na escola um lócus de discussão que é multiplicada e age no coletivo de forma a proporcionar a efetivação das mudanças. Acredita-se que aulas com ênfase CTSA são capazes de tratar essa temática, da mesma forma defendemos que esses conceitos estejam
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presentes nos conteúdos programáticos dos livros didáticos, facilitando tanto o trabalho do professor como a interação do aluno com a temática ambiental.
Desenvolvimento O presente trabalho discute a importância da abordagem ambiental nas aulas de Física, pois os atuais problemas ambientais devido a ação antrópica, vêm desencadeando mudanças e riscos para a integridade da Terra e a perpetuação da vida. Para tal foi feito uma análise de como os livros didáticos tratam desta temática e como é importante para o professor contar com esse instrumento na elaboração de aulas com enfoque CTSA para ampliar o universo acadêmico e o repertório do aluno. A literatura que trata da importância da temática ambiental no ensino de Física, e também da importância de aulas com uma abordagem CTSA, entre eles carecem de um olhar mais crítico para que se compreenda os elos que impedem a prática transformadora dela no que se refere ao consumo, produção e organização social acerca do ambiente e na intervenção desse. Landulfo (2005) propõe uma discussão sobre o diálogo que existem entre a temática ambiental e a Física. Ressaltando a responsabilidade de cada sujeito diante de questões ambientais tão relevantes para o futuro do planeta. Ao tratar dos problemas ambientais, Landulfo (2005, p.71) afirma: ...os problemas ambientais surgem da interação entre o homem e a natureza, e fazem parte da própria história da raça humana. Resultam, basicamente, de dois aspectos do desenvolvimento da civilização: a rápida expansão da população e o aumento do consumo de energia e matéria-prima por pessoa. O único aspecto novo nos dias de hoje é a escala desses problemas. A situação se agravou com o acúmulo de prejuízos herdados de outras sociedades. Portanto, a preservação do meio ambiente natural paras as futuras gerações requer que se envidem esforços enormes desde já.
Fontes e Cardoso (2006), discutem a importância de aulas de Ciências com um enfoque CTSA na educação básica. Para eles um dos obstáculos para que os alunos possuam outro olhar sobre o ensino de Ciências está na formação dos professores, muitos educadores apresentam desinteresse em aulas com ênfase CTSA. 281
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Aulas com uma abordagem CTSA possui muita relevância na formação cidadã dos estudantes e acreditamos que o livro didático pode contribuir com o trabalho do professor. Santos e Barros (2010) enfatizam a importância do livro didático no processo de ensino-aprendizagem analisando como esses materiais didáticos fazem conexões entre o ensino de Física e os problemas ambientais contemporâneos, particularmente enfatizando o aquecimento global. Também encontramos nos trabalhos de Santos e Barros (2011) uma discussão sobre o papel da educação básica em tratar os temas ambientais que afligem a sociedade focalizando no contexto da Física do ensino médio. Segundo a pesquisa, a realidade encontrada nas aulas de Física está muito distante da atual preocupação do meio acadêmico de aproximar o currículo escolar da temática ambiental. Neste contexto, são abordas as atuais demandas sociais e culturais que envolvem o meio ambiente no ensino de Física. Salientamos, ainda, que essa temática abre ações para que a interdisciplinaridade seja vivenciada no ensino de Física, fator de extrema importância para o aprendizado. Em nossa pesquisa, iremos tratar igualmente da acuidade em promover nas aulas de Física uma reflexão sobre os atuais problemas ambientais que afligem nossa sociedade, já que julgamos de grande relevância trabalhar a educação ambiental com os alunos e promover o desenvolvimento dos educandos e o preparo para o exercício da cidadania.
Metodologia A metodologia utilizada foi de revisão bibliográfica com análise descritiva sobre o assunto. Optamos pela mesma por considerar que há necessidades de revisar tanto os conteúdos como a forma que esses podem se entrelaçar, conectar e acrescentar o olhar, ampliando o conhecimento de forma crítica e dando mais solidez às ações que derivam dele. Sendo assim, para análise da temática ambiental nos livros didáticos de física, foi elaborado um conjunto de parâmetros que julgamos considerável para a discussão dos temas escolhidos, a saber, radiação ultravioleta solar e camada de Ozônio; El Niño, crise energética, usinas nucleares e os acidentes de Chernobyl e Goiânia; Aquecimento Global e o efeito estufa. Seguindo esses parâmetros, avaliamos uma coleção para exemplificar como o livro didático pode ser analisado segundo a perspectiva ambiental. E, assim, o professor que reconhece a importância do ensino de Física relacionado 282
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ao contexto histórico, científico, social, tecnológico e ambiental poderá por meio desses aspectos desenvolvidos pela pesquisa escolher o livro didático que melhor se encaixe na exploração das questões relacionadas ao meio ambiente. O Programa Nacional do Livro Didático foi criado com o objetivo de avaliar através de grupos pedagógico livros de cada disciplina e aprovar aqueles que se adequavam aos parâmetros julgados importantes. As literaturas aprovadas são listadas no Guia do Livro Didático, onde se apresenta a análise do livro e sua estrutura. Através desse Guia professores do país inteiro optam pela coleção que mais se enquadra ao projeto pedagógico da instituição de ensino que ele atua. Os livros escolhidos para fazerem parte do PNLD precisam atender uma série critérios. Os que possui uma conexão com o tema dessa obra são, (PNLD, 2012): [Indicador 1.11] Favorece o reconhecimento que todo o conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos. (DCNEM, parágrafo 1º, artigo 8º). [Indicador 1.12] Reconhece as disciplinas escolares como recortes das áreas de conhecimento que representam e não esgotam isoladamente a realidade dos fatos físicos e sociais devendo buscar entre si interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade. (DCNEM, parágrafo 3º, artigo 8º). [Indicador 2.4] Contribuir para a apreensão das relações que se estabelecem entre os conteúdos (nas suas dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais) de ensino-aprendizagem propostos e suas funções socioculturais. [Indicador 2.9] Propõe discussões sobre as relações ciência, tecnologia, sociedade e ambiente possibilitando a formação de um cidadão capaz de apreciar e posicionar-se criticamente diante das contribuições e dos impactos da ciência e tecnologia sobre a vida social e individual.
Como o livro escolhido para o desenvolvimento da pesquisa está contido no PNLD, conclui-se que esse e todos os outros que igualmente estão no Guia do Livro Didático foram aprovados nos parâmetros citados acima, assim como os outros que fazem parte do critério de avaliação. Dessa forma, o trabalho irá discutir como os aspectos relacionados ao meio ambiente foram discutidos e se contribuíram de maneira significativa na formação do estudante. 283
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A análise baseou-se na seguinte tabela: Tabela: Parâmetros para análise dos livros Ruim
Bom
Páginas dedicadas ao tema
Parágrafos
1 ou mais
Enfoque dado ao tema
Superficial
Análítico
Preocupação com as questões socioambientais
Superficial
Significativo
Sugestões de filmes, pesquisas, experimentos, debates.
Sem Proposta
Com proposta
Sendo que: Excelente
4 Bons
Bom
3 Bons
Razoável
2 Bons
Ruim
1 ou 0 Bom
A coleção didática usada para esta obra foi Física em Contextos - pessoal - social - histórico, do autor Maurício Pietrocola. Essa literatura didática foi escolhida, porque é o material usado pelos alunos do Ensino Médio do Instituto Federal do Rio de Janeiro, campus Nilópolis. Fato que é favorável para a obra já que se conhece o contexto escolar e a prática pedagógica de muitos professores. Segue abaixo uma pequena parte da avaliação que a coleção recebeu no Guia de Livros Didático, (PNLD, 2012): Física em Contextos - Pessoal - Social - Histórico - Essa obra destacase pela forma de abordagem dos conteúdos de Física, articulando aspectos conceituais, históricos e metodológicos. Os assuntos são apresentados de forma contextualizada, em linguagem simples e dialógica, favorecendo, assim, não só a aprendizagem dos aspectos conceituais dos conteúdos de Física, mas também dos processos de constituição e evolução dos conceitos físicos e das relações entre Física e sociedade.
A análise foi feita a partir de uma leitura crítica e reflexiva dos contextos relacionados ao meio ambiente que possuem aspectos que podem ser discutidos pelo ensino de Física. Levou-se em conta se a abordagem do tema contribuía para uma conscientização na formação cidadã dos estudantes.
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Para identificar o caminho que queremos percorrer na análise dos livros, descrevemos no trabalho alguns problemas ambientais que podem ser analisadas a partir dos conceitos físicos, e a atual situação do planeta diante de tais problemas, avaliando principalmente seus prejuízos para a humanidade. Os temas escolhidos para uma análise baseada nos conceitos físicos são: Raios ultravioleta solares, ozônio e vida; El Niño; O efeito estufa e o aquecimento global; Crise energética; Energia nuclear, as bombas de Hiroshima e Nagazaki, o acidente de Chernobyl e o lixo nuclear de Goiânia. As questões ambientais que estão na pauta do dia e que poderiam conduzir ricas discussões nos livros didáticos de Física, provocando um entrelaçar de conhecimentos que aquece a abordagem interdisciplinar não acontece de forma mais aprofundada e crítica. Nesse sentido, buscamos em sites e em matérias veiculadas, tanto pela mídia impressa, como pela grande imprensa, tons que esclarecem, sucintamente, o que analisamos analisar na coletânea de Física. No relatório da ONU de 11 de setembro de 2014, foi colocado que a camada de ozônio voltou a ficar mais grossa e o buraco que aparece todos os anos em cima da Antártida parou de crescer. A ONU atribui esses bons resultados ao fim do uso do gás CFC. Essa notícia divulgada em pelos diversos veículos de comunicação em rede nacional, não deve ter atingido significativamente a todos os brasileiros que receberam essa mensagem. Nem todos os telespectadores reconhecem a importância da camada de ozônio para o planeta Terra e também não compreendem o que são gases CFCs e como são capazes de destruir a camada de Ozônio. Os conceitos científicos relacionados aos raios ultravioleta solares e a camada de Ozônio são compreendidos à luz da Física. Segue uma breve explicação sobre tais questões. Sabe-se, que a luz atua tanto como onda, tanto como partícula. Assim a luz é formada por radiação eletromagnética. A luz possuiu uma faixa de radiação, conhecida como luz visível que está entre 400 nm para a luz violeta até 700 nm para a luz vermelha. Mas existem outros tipos de radiação como raio X, infravermelho, ultravioleta, gama etc.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Comportamento ondulatório da luz.
Tipos de radiação
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Assim como luz, os átomos também emitem radiação eletromagnética, esse fenômeno ocorre quando os elétrons saem de níveis mais altos de energia para níveis mais baixos emitindo, assim, pulsos oscilantes de radiação eletromagnética, esses pulsos são conhecidos como fótons. A frequência de cada fóton está relacionada a diferença de energia correspondente ao salto, ou seja, a frequência de um fóton é diretamente proporcional a sua energia, assim segue que,
E~F
Desta forma, um fóton de um feixe de luz vermelha carrega consigo uma quantidade de energia correspondente a sua frequência. Um fóton com frequência duas vezes maior terá duas vezes mais energia. Assim, se vários átomos de um material forem excitados (situação em que o átomo perdeu uma energia adquirida por algum processo e retornou ao nível mais baixo) serão emitidos muitos fótons com frequências diferentes, e essas frequências correspondem às cores características da luz emitida por cada elemento químico. Assim concluise que cada elemento químico possui seu próprio padrão característico de níveis de energia, e para cada padrão existe uma luz específica para determinada frequência, formando assim uma espécie de digital. À essa identificação própria de cada elemento chamamos de espectro de emissão. O sol é composto por vários elementos químicos. Logo a luz solar que atinge a superfície terrestre é composta por um amplo intervalo de frequências, o que significa diferentes radiações eletromagnéticas. O espectro de emissão solar está compreendido em um intervalo de comprimentos de onda menores que 400 nm (radiação ultravioleta) até comprimentos de onda maiores que 800 nm. Cada radiação eletromagnética interage de maneira diferente com a matéria, por exemplo o raio X possui a capacidade de penetrar no ser humano diferente de uma onda de rádio. Quando essas radiações atingem a atmosfera aproximadamente 47% do total atingem a superfície terrestre. Moléculas de água e gás carbônico absorvem boa parte da radiação infravermelho e as radiações ultravioletas são absorvidas quase que completamente pela camada de ozônio. A camada de ozônio (O_3) é formada pela combinação de oxigênio atômico (O) e oxigênio molecular (O_₂). Ou seja, essa camada é na verdade um volume composto de oxigênio atômico, molecular e o ozônio constantemente formado pela combinação dos outros dois. 287
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | De tal modo quando essa camada repleta de oxigênio é atingida pela radiação eletromagnética, ocorre um fenômeno conhecido como fotodissociação, onde a molécula de oxigênio é quebrada em dois átomos de oxigênio dando continuidade ao ciclo de formação de ozônio. Essa interação entre acamada de ozônio e a radiação ultravioleta impede que esses raios atinjam a Terra. O que é importantíssimo para vida neste planeta, pois essas ondas eletromagnéticas com frequência acima de 105 ciclos/s induzem efeitos danosos às células, podendo gerar mutações mesmo que em quantidades pequenas. Cientistas descobriram no final da década de 70 início da 80, a existência de buracos na camada de ozônio com maior destaque na região da Antártida no mês de outubro e na região do Ártico nos meses de março e abril. Descobriu-se que as substâncias conhecidas como clorofluorcarbonetos (CFCs) reagiam com o ozônio destruído essas moléculas. Os CFCs eram utilizados em desodorantes, inseticidas, em fluidos refrigerantes entre outros. Com o fim do uso dessas substâncias está sendo possível alcançar bons resultados em relação ao buraco na camada de ozônio. A repetição do fenômeno El Niño em 2014 tem probabilidade de 80%40, essa notícia foi divulgada no portal G1 no dia 26 de junho de 2014. Segundo a matéria existe grandes chances da chegada do El Niño no período de outubro a dezembro deste ano. Inclusive já existem países em alerta devido aos prejuízos que o fenômeno traz para o planeta. O fenômeno do El Niño ocorre irregularmente em intervalos 2 a 7 anos, logo a discussão sobre esse tema só é lembrada na época de ocorrer a presença de tal evento. Landulfo (2005, p. 89) descreve o fenômeno do El Niño como sendo: ... o movimento em larga escala das águas oceânicas interage com os padrões de vento no globo. Nas regiões tropicais há os chamados ventos alísios, que sopram, continuamente, de leste a oeste. No Pacífico esses ventos empurram grandes quantidades de água na direção da costa da Indonésia, a oeste. Isso causa uma diferença significativa no nível do mar entre os lados opostos do Pacífico. Por exemplo, o nível do mar nas Filipinas, a oeste, está cerca de 60 cm acima do nível na costa do Panamá, no leste do Pacífico. As águas oceânicas no Oeste são mais quentes. A massa quente de água oceânica no Pacífico causa, em circunstâncias climáticas normais, 40 g1.globo.com, Natureza, 26-06-2014
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um alto índice pluviométrico na região da Indonésia e nos países vizinhos...No intervalo de alguns anos – um período que pode variar de quatro a sete anos-, o padrão dos ventos sofre uma espécie de inversão, o que implica a queda de intensidade dos ventos alísios. Como resultado mais significativo, a água quente que é acumulada no Oeste flui de volta a leste através do Pacífico na direção da cota oeste da América do Sul. E pode levar até oito meses para as condições normais se restabelecerem.
Segundo a descrição acima o El Niño afeta circunstancialmente o clima em várias regiões do planeta. Na região Sul do Brasil, por exemplo espera-se para esse ano ainda um aumento no nível pluviométrico para região. Por hora nada alarmante, mas dependendo da força fenômeno pode causar grandes prejuízos, principalmente para o setor agrícola. No dia 21 de setembro de 2014 foi publicada uma notícia no portal G1 com o seguinte título: Emissões de CO2 em 2013 batem recorde, segundo novo estudo global41. Segundo a matéria o lançamento de gases contaminantes foi 2,3% maior que em 2012, resultando em um total de 36,1 bilhões de toneladas métricas de dióxidos de carbono (CO2) emitidos no ambiente. O assunto também esclarece que segundo estudos, em 2014 o aumento em relação a 2013 será 2,5% maior, e a perspectiva futura é que essas emissões continuem aumentando e daqui a 30 anos o planeta estará 1,1º C mais quente que agora. Diante de tal situação, dezenas de milhares de pessoas marcharam pelas ruas no dia 21 de setembro de 2014, em várias cidades do mundo protestando por maior atenção das autoridades pelas questões climáticas. A matéria traz também um painel da ONU, mostrado uma histórico das variações climática que vem ocorrendo desde o início das atividades industriais (principais emissoras de gases poluentes) até os anos futuros.
41 g1.globo.com, Natureza, 21-09-2014
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Painel da ONU. Fonte: g1.globo.com, Natureza, 21-09-2014
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Diante de tal matéria um leitor com pouco conhecimento não é capaz de entender qual o efeito desses gases poluentes na atmosfera e, consequentemente, a variação da temperatura do planeta. O ensino de Física se encaixa perfeitamente na explanação dos conceitos envolvidos na discussão do aquecimento global, e diante de situações tão alarmantes como podemos ver no próprio painel da ONU, cabe ao ensino da Física divulgar dentro do ambiente escolar os conceitos científicos relacionados ao meio ambiente. Para esclarecer os aspectos físicos relacionados ao aquecimento global segue uma breve explanação, que teve por base pesquisas nos sites acadêmicos. Assim, toda e qualquer matéria irradiam, e a frequência e o comprimento de onda da radiação dependem da temperatura do objeto emissor. Comprimentos de ondas curtas são associados a altas temperaturas, comprimentos de ondas longas estão associados a baixas temperaturas. E esses comprimentos de onda podem atravessar ou não certos tipos de matéria. Quando uma matéria é penetrada para determinados comprimentos de onda, dizemos que ela é transparente. No caso, dela não ser penetrada dizemos que é opaca a tal comprimento de onda. A radiação solar é transparente a atmosfera terrestre (camada de gases que envolvem a Terra), logo a superfície da Terra absorve essa energia e irradia parte dessa energia. Como a Terra é mais fria que o sol, essa radiação reenviada por ela é de comprimento mais longo. Os gases atmosféricos (dióxido de carbono, óxido nitroso, metano, vapor d’água) absorvem e reemitem boa parte dessa radiação de longo comprimento de onda de volta para a Terra. Esse fenômeno ficou conhecido como efeito estufa, porque graças a ele a Terra mantém uma temperatura ideal para a vida. Sabe-se que a temperatura média da Terra oscilou entre 19ºC e 27ºC nos últimos 500000 anos. Atualmente encontra-se no ponto mais alto (27ºC) e continua subindo. As atividades humanas vêm contribuindo significativamente para esse acréscimo na temperatura média do planeta. Landulfo (2005, p. 94), declara: Sabe-se que a temperatura sofreu várias flutuações na história da Terra e da civilização, mas os eventos de aumento de temperatura mais recentes coincidem com a disseminação da industrialização, endossando a hipótese de que o resultado é um efeito estufa acelerado causado por poluentes lançados na atmosfera, em particular o dióxido de carbono.
Sabe-se que o carbono passa por vários processos de produção e consumo, a saber por exemplo, a fotossíntese e a respiração. Contudo, a quantidade de 291
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | dióxido de carbono injetada na atmosfera absorvida pelos oceanos e pela biosfera varia mediante os ciclos anuais de fotossíntese e oxidação. Landulfo (2005, p. 105), registra que: ... A fotossíntese ocorre preferencialmente durante os períodos mais quentes e úmidos do ano; a oxidação, incluindo a queima de biomassa e a decomposição de material proveniente do desflorestamento, libera dióxido de carbono durante todo o ano, mas, principalmente, nos períodos mais frios e secos. Resumindo, a concentração de CO2 na atmosfera diminui durante a estação de semeadura e aumenta durante o resto do ano. Ou seja, as atividades humanas alteram significativamente o ciclo do carbono acarretando um desequilíbrio considerável, pois os agentes que consomem a carbono da atmosfera não estão dando conta de tamanha demanda. Diante de tal conjectura Landulfo (2005, p. 109), enfatiza que: ... se todos os países do mundo se unissem interrompendo imediatamente as emissões de dióxido de carbono […] a concentração de dióxido de carbono permaneceria ainda maior do que a encontrada no início da década de 1970 por um período de pelo menos 100 anos. Isso porque o carbono injetado na atmosfera nos últimos 150 anos superou o estado de equilíbrio existente na era pré-industrial.
Enfim, o Homem vem contribuindo de forma apreciável para o aumento na temperatura média global colocando em risco toda a biodiversidade do planeta. O aquecimento global conduz o esgotamento de muitos recursos naturais, influência nas variações climáticas que por vezes ocasionam em catástrofes ambientais, derretimento de regiões cobertas por gelo com consequência para a elevação no nível dos oceanos (risco de cidades situadas em regiões abaixo do nível do mar, regiões agrícolas e mangues alagarem), amedrontamento para muitas espécies que não sobreviveram as mudanças no clima, excesso de O2 promovendo alteração no pH dos oceanos (mudanças no metabolismo de muitas espécies marítimas), migração de animais, doenças tropicais entre outras. Por mais que se acredite que essas variações climáticas sejam naturais e fazem parte de um ciclo, não podemos conceber a ideia de que não estão afetando o nosso planeta de uma forma geral. 292
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Crise Energética As turbinas em risco: A falta de água faz com que hidrelétricas reduzam a geração, e o risco de racionamento aumenta42. Essa matéria foi publicada na página virtual da editora Abril, e é datada de 30/04/2014. Segundo a reportagem o Brasil está na eminência de um novo apagão energético devido a escassez de chuva, a matéria esclarece que: O período úmido, que se estende de dezembro a abril, chegou ao fim sem que o volume de chuvas tenha se aproximado da média histórica. A falta de chuvas e a inépcia governamental criaram um desequilíbrio inédito entre oferta e demanda de energia, a ponto de os reservatórios das principais usinas hidrelétricas se esvaziarem em uma época do ano em que eles costumam se encher substancialmente. Segundo projeções de três consultorias ouvidas por VEJA, há grandes chances de os brasileiros enfrentarem um novo apagão nos próximos meses, sem que exista nenhum plano de contingência em preparação. Uma das projeções indica que, se as chuvas continuarem no mesmo volume em que vêm ocorrendo desde o início do ano, a 70% da média histórica, o nível das represas cairá para menos de 18% até o fim de agosto (veja o gráfico abaixo). Esse é considerado um patamar crítico para as usinas, porque as obriga a desligar ao menos parte das turbinas.
42 www.abril.com, 30-04-2014.
Tabela Níveis dos Reservatórios X Porcentual de Chuvas. Fonte: www.abril.com, 30-04-2014
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | O tema energia tratado na matéria faz parte de um debate atual, em que se faz necessário conhecer a várias fontes de geração de energia, a relação custo benefício que cada uma oferece e a necessidade do uso mais expressivo das energia limpas, considerando efeitos danosos ao meio ambiente. Mediante a atua situação energética Landulfo (2005, p. 117), observa que: ... dado o crescimento populacional, há uma demanda maior d produção de energia. Esta, por sua vez, provoca o aumento do consumo das matérias e fontes básicas de energia, as quais no processo de utilização e/ou produção geram resíduos que afetam o meio ambiente; ou seja, produz-se poluição. O tripé população, energia e poluição, nas atuais circunstâncias, tem que se apoiar na criação de tecnologias alternativas de produção-consumo de energia, e estas devem se inserir no modelo global de gerenciamento e desenvolvimento sustentável com um mínimo de impacto ao meio ambiente.
A Física possui total autonomia para realizar a discussão desta temática e fazer a ponte com o meio ambiente. Para esclarecer a presença da Física à temática relacionada as fontes de energia, fez-se uma breve descrição dos principais mecanismos geradores de energia incluindo geradores de energia limpa. Usinas Hidrelétricas: Gerada a partir de uma grande quantidade de água canalizada para uma turbina, que gera uma energia cinética capaz de alimentar um gerador de energia elétrica. Essa energia cinética (energia associada ao movimento) manifesta-se porque a turbina é constituída por uma roda beneficiada por pás, que é posta em rotação ao receber a massa de água. Essa rotação irá gerar uma carga energética que nutrirá um gerador.
Usina hidrelétrica. Fonte www.bbc.co.uk/energia
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Usinas termoelétricas, representa um conjunto de mecanismos cuja a finalidade é uma eficiência energética a partir da transformação de energia química de um combustível fóssil (carvão, óleo ou gás) ou biomassa em energia elétrica. Para tal, é aquecido a partir da queima de combustíveis uma caldeira cheia de água, o vapor d’água à alta pressão produzido é utilizado para girar a turbina, que por sua vez aciona o gerador elétrico. O vapor d’água passa por um processo de refrigeração retornando a caldeira para dar continuidade ao ciclo.
Usina termoelétrica. Fonte: objetoseducacionais2.mec.gov.br
Usinas Nucleares, o mecanismo dessa fonte de energia é semelhante ao de uma usina termoelétrica, só que em vez da queima de combustíveis fósseis para aquecimento da caldeira são as reações nucleares responsáveis por tal liberação de energia térmica. No reator efetua-se a reação de fissão de núcleos atômicos pesados como o Urânio 235. Durante a fissão o núcleo do material pesado se choca com um nêutron dando origem em dois núcleos de materiais mais leves e dois ou três nêutrons, essa colisão libera muita energia térmica, essa energia aquece uma água que está situada em um circuito fechado, o vapor desse primeiro circuito aquece um circuito secundário. Deste segundo circuito desloca-se um novo fluxo de vapor capaz de girar uma turbina seguindo o mesmo mecanismo de uma usina termoelétrica. 295
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Usina nuclear. Fonte objetoseducaionais2.mec.gov.br
Energia Solar, energia proveniente da radiação do sol. Atualmente está sendo bastante difundido a importância da utilização das novas tecnologias que aproveitam o sol para gerar energia porque é um recurso abundante e que atinge a todos sem distinção. Além do que possui significativa eficiência, por exemplo, uma milha quadrada exposta à luminosidade proveniente do sol ao meio-dia pode abastar um gigawatt de potência elétrica. A partir de células fotovoltaicas – equipamento que possui a capacidade interagir com a radiação solar – os Elétrons do material que é constituído as células (normalmente o silício) recebe energia dos fótons da luz e adquirem a capacidade movimentar-se gerando assim corrente elétrica.
Casas na Holanda construídas com células fotovoltaicas. Fonte Física Conceitual, 2011 Bookman.
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Ademais, a luz solar pode ser refletida por espelhos até aquecedores com água situados em torres, esse mecanismo permite um resultado bastante expressivo, pois a concentração de luz solar obtida por milhares de espelhos resultam em um aquecimento de quatro vezes o ponto de ebulição da água. Energia Eólica: Os ventos são usados para fazer girar turbinas geradoras no interior de cata-ventos adequadamente equipados para conceber a transformação da energia cinética em elétrica. Esse mecanismo é totalmente dependente da ação dos ventos e portanto, são instalados em regiões onde o ar está em intensa atividade. Podendo ser em terra ou em mar. Energia das Ondas Oceânicas, constitui-se em boias oscilantes na superfície que fazem girar geradores sobre o solo oceânico. Energia de Marés, composto por uma baía que ao receber a energia proveniente do movimento de subida e descida das grandes marés oceânicas fazem girar turbinas geradoras de eletricidade.
Esquema do mecanismo da energia gerada pelas ondas oceânicas. Fonte: www.odiarioverde.com.br
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Energia Geotérmica, é uma fonte energia mantida por depósitos de água quente encontrados abaixo da superfície, com o vapor oriundo dessa água muito quente faz-se girar geradores elétricos. Regiões com vulcões em atividade são apropriadas para eles tipo de fonte de energia.
Energia geotérmica. Fonte: menrvatemplodosaber.blogspot.com.br
Petróleo é um recurso natural que é a base de vários produtos como Diesel, asfalto, gasolina, óleos lubrificantes, entre outros. E no mundo inteiro é muito utilizado como combustível para todos os meios de transportes. Pois, a maioria dos veículos de transporte utilizam o motor a combustão interna de quatro ciclos. O funcionamento dessa máquina térmica acontece em fases, primeiro uma mistura de ar e combustível enche o cilindro enquanto o pistão se movimenta para baixo, sem seguida o pistão se move para cima e comprime a mistura adiabaticamente, então uma centelha inicia ignição e eleva a mistura a uma alta temperatura, a expansão devido à elevação da temperatura empurra o pistão para baixo com violência e por fim os gases da queima são expulsos para fora pelo tubo de descarga recomeçando o ciclo. Gás natural é um derivado do petróleo e está sendo bastante utilizado nas atividades humanas, como combustível, plásticos, borrachas, fertilizantes, usinas termoelétricas e outros. É considerado muito melhor para o meio ambiente se comparado com os outros derivados do petróleo, porque possui baixa presença de contaminantes, menor contribuição de emissão de dióxido de carbono, considerável contribuição para o ambiente urbano, já que a contaminação do ar é baixa. 298
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Segue abaixo uma tabela mostrando como cada fonte de energia discutida acima contribui para vários tipos de poluição que afetam o meio ambiente, com consequências para os indivíduos inseridos nessas regiões prejudicadas.
Energia solar
Energia eólica Fotovoltaicos
Queima de biomassa Energia geométrica
Energia hidrelétrica Energia de marés Energia de ondas Carvão
Petróleo
Gás natural
Energia nuclear Significativo
Notável
Grande
Marcante
Tabela ilustrativa dos impactos sofridos pelo ambiente causado por diferentes tipos de fontes de energia. Adaptada: LANDULFO, Meio Ambiente e Física, p. 125.
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Ocupação territorial
Ruído
Intrusão visual
Resíduos
Catástrofes
Metais pesados
Aerossóis
Metano
Dióxido de Carbono
Recursos Energéticos
Poluentes ácidos
Poluição
Risco a súde e segurança
Tabela: Impactos ambientais provocados por diversas fontes de energia
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Energia Nuclear, o acidente de Chernobyl e o acidente de Goiânia Reatores julgados seguros abrem caminho à retomada nuclear no Japão43. Essa notícia foi divulgada no dia 16 de julho de 2014 no portal G1. A matéria informa que: As autoridades japonesas de regulação concluíram nesta quarta-feira (16) que dois reatores do sudoeste do país cumprem os critérios de segurança, uma etapa técnica crucial para a retomada do programa de energia nuclear no Japão, nos próximos meses. Reunidos na manhã desta quarta, os membros responsáveis pelo expediente aprovaram um relatório de 420 páginas segundo o qual as medidas técnicas adotadas pela companhia Kyushu Electric Power para as usinas Sendai 1 e 2 são tecnicamente compatíveis com as novas normas de segurança.
Esta é a primeira vez desde o acidente de Fukushima que as autoridades de regulação emitem um parecer sobre cumprimento dos critérios de segurança em uma usina nuclear, quando a totalidade dos 48 reatores atômicos do Japão estão paralisados. A energia gerada a partir da fissão nuclear (ver seção 1.4) ainda gera muita polêmica, dividindo muitas pessoas quanto ao seu uso. Principalmente devido aos famosos acidentes envolvendo a Física Nuclear, como a bomba de Hiroshima e Nagazaki, o acidente Chernobyl e o lixo nuclear de Goiânia. As cidades japonesas Hiroshima e Nagazaki não tiveram a mínima chance diante do bombardeio nuclear que receberam dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. A energia liberada pelas bombas atômicas foi de uma grandeza gigantesca, tanto que as detonações formavam enormes esferas de fogo com a uma temperatura de aproximadamente 4000º C. Muitas vítimas desapareceram vaporizadas, e quase todas morreram devido a queimaduras consideradas fatais. À presença de radiação oriunda da explosão afetaram milhares de japoneses, causando diversos tipos de doenças. E até os dias de hoje, décadas depois do acidente, existem pessoas acometidas por câncer graças a essa exposição. 43 g1.globo.com, Natureza, 16/07/2014
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A usina nuclear de Chernobyl localizada na Ucrânia protagonizou um acidente terrível em abril de 1986. Um problema de resfriamento no reator 4 da usina ocasionou numa explosão do mesmo, liberando toneladas e toneladas de Urânio para atmosfera, atingindo até mesmo outros países vizinhos. O acidente teve proporções gigantescas com milhares de mortes e milhares de doenças devido à exposição radioativa. E atualmente, o governo ucrânio está construindo uma nova proteção para os restos do reator, pois a cobertura de concreto que esse recebeu na época já está apresentando fissuras, e o risco de contaminação é grande. Em setembro de 1987, o estado de Goiás (Brasil) sofreu com o descarte inadequado de material nuclear. Em um prédio abandonado dois catadores de matériais recicláveis encontram um aparelho de radioterapia e decidem levá-lo para casa e retirar o que fosse aproveitável desse instrumento.
Estação nuclear em Sendai. Fonte g1.globo.com
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A coleção didática usada para o estudo foi “Física em Contextos - pessoal - social - histórico”, do autor Maurício Pietrocola e é indicado pelo PNLD. Essa escolha se deu por ser usado pelos alunos do Ensino Médio do Instituto Federal do Rio de Janeiro, campus Nilópolis. A análise foi feita a partir de uma leitura crítica e reflexiva dos contextos relacionados ao meio ambiente que possuem aspectos que podem ser discutidos pelo ensino de Física. A análise da coleção da Física auxilia no inquérito que se baseia essa pesquisa, que é, averiguar como o livro de ensino de Física está promovendo uma discussão do ponto de vista ambiental relacionado com esta disciplina. Formulamos uma tabela, categorizando os temas e a incidência que são tratados. As categorias estão dispostas abaixo na tentativa de auxiliar na busca dos conteúdos citados na abordagem acima. Tabela: Informações levantadas na pesquisa. Crise energética
Energia nuclear, as bombas de Hiroshima e Nagazaki, o acidente de Chernobyl e o lixo nuclear de Goiânia
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Enfoque dado ao tema
Analítico
Analítico
Preocupação com as questões sócio-ambientais
Relevante
Relevante
Sugestões de filmes, sugestões de pesquisa experimentos ou outra atividade complementar
Sem proposta
Proposta de uma pesquisa e debate.
Páginas dedicadas ao tema
Raios ultravioleta, Ozônio e Vida
El Niño
O efeito estufa e o aquecimento global.
Páginas dedicadas ao tema.
1 Parágrafo
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Conteúdo encontrado em tabela.
Enfoque dado ao tema.
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Superficial
Preocupação com as questões sócioambientais.
Superficial
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Superficial
Sugestões de filmes, experimentos ou outra atividade complementar.
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Diante dos dados coletados na coleção, expostos na tabela 3, segue uma análise de como os conteúdos investigados foram discutidos pelos livros da coletânea. Como observado pela tabela somente o assunto El Niño não foi mencionado no conteúdo do conjunto didático. No volume II de “Física em contextos - pessoal - social - histórico” encontramos um vasto estudo sobre energia e suas várias interfaces do conhecimento, sendo uma delas a preocupação com o aumento das necessidades humanas que demanda uma carga energética cada vez maior, tanto elétrica para uso residenciais, comerciais e industriais como em forma de combustível para os meios de transporte. A discussão contemplada pelo livro foi observada critérios, sendo assim o tema energia foi classificado como bom. A significativa discussão a respeito da energia nuclear, a abordagem procurou definir os aspectos técnicos e conceituais desse tipo de fonte energética e também apresentou os perigos que da Física Nuclear através dos acidentes presenciados pela sociedade. Comtemplou todos os critérios de maneira positiva e por tanto ficou classificada como excelente. Raios ultravioleta, Ozônio e vida foi pouco explorado, encontrou-se pequenas linhas dedicadas ao tema. Classificação ruim. O efeito estufa e o aquecimento global, também foi discutido muito superficialmente. Classificação ruim. El Niño, não foi encontrado nada a respeito disso. Os temas tratados superficialmente não impedem que o professor dê uma contribuição à temática, portanto o fato de estar no livro já contribui com o trabalho docente.
Consideração A análise feita nos livros mostrou que existem discussões que apresentam acontecimentos e fenômenos com o meio ambiente, entretanto deveriam ser melhor aprofundada para contribuir mais fortemente para a formação dos sujeitos, tanto cientificamente, como política e socialmente, cumprindo assim as exigências educacionais de um cidadão autônomo, crítico e participativo. Esses assuntos devem estar mais imbrincados e relacionados com o contexto da Física. Algumas discussões foram tratadas superficialmente, esse fato significa que o livro deva ser mais bem contextualizado para melhor contribuir para a prática docente. Não pode ocorrer a ausência dessas questões ambientais no conteúdo do exemplar. Também vale ressaltar que os temas relacionados ao 303
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | meio ambiente deverão ser tratados com busca de significado. Observamos que autores diferentes atribuem valores diferentes para cada temática trabalhada. Assim, o professor preocupado em debater em sala de aula os atuais problemas que envolvem o meio ambiente deve procurar escolher o material didático que trata significativamente aquele assunto que o docente julga ser mais importante. Nesse sentido, o caminhar interdisciplinar deve garantir a diversidade dos temas, o aprofundamento deles e a clareza no alargamento e ampliação dos assuntos tratados que explicam os fenômenos e dão novo modo de compreensão cercado de saber e conhecimento. A investigação aponta uma inicial tentativa interdisciplinar nos livros didáticos pesquisados com a temática ambiental, ponto esse que fortalece o processo de ensino aprendizagem e, tal fato deve ter consequências no intenso desenvolvimento de pesquisas nas áreas de ensino, procurando promover uma educação mais consistente, contextualizada com a realidade escolar, que respeita a individualidade de cada sujeito assim como sua participação na sociedade. Os crescentes estudos voltados para o processo educacional têm colaborado na elaboração de muitas exigências que devem estar compreendidas nos livros didáticos, exigindo dos autores maior atenção a assuntos relacionados com o cotidiano para que seja possível estabelecer relações entre o aprendizado e a vivência desses. A Física, como disciplina escolar enfrenta inúmeras dificuldades de aprendizado, e uma das causas é exatamente um aprendizado descontextualizado dos avanços tecnológicos, da história da ciência, da sociedade e meio ambiente. As mudanças propostas há décadas começam a aparecer nos livros investigados. Se comparados os livros atuais com os livros de trinta anos atrás veremos como a metodologia do ensino se modificou. Passou-se a confeccionar um material que trabalha não só os aspectos específicos de cada conteúdo físico como também estabelecer conexões entre as interfaces relacionadas ao tema. Esperamos que tais pequenos avanços não sofram retrocessos dentro das novas bases educacionais que estão por serem implantadas daqui para frente. Almejamos que esse contínuo movimento em relação à temática ambiental não cesse, e que cada vez mais possamos ter livros didáticos excelentes para auxiliar o trabalho docente, como também satisfazer as necessidades dos alunos de maneira criativa para a formação de um cidadão crítico e reflexivo.
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REFERÊNCIAS CARDOSO, A. Formação de Professores de Acordo com a Abordagem Ciência/ Tecnologia/Sociedade. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5, nº 1 (2006). SANTOS, A.G.; BARROS, F. S. Abordagem do Aquecimento Global em Livros Didáticos de Física do Ensino Médio. XII Encontro de Pesquisa em Ensino de Física – Águas de Lindóia – 2010. SANTOS, A. G.; BARROS, F. S. Questões Ambientais no Ensino de Física. XIX Simpósio Nacional de Ensino de Física – Manaus – 2011. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Brasília: Ministério da Educação, 1999. BRASIL. Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Secretaria de Educação Básica: Ministério da Educação, 2002. Sites consultados: http://www1.folha.uol.com.br/especial/2014/crisedaagua http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/sistema-cantareira/ http://g1.globo.com/natureza/noticia/2014/09/estudo-culpa-aquecimentoglobal-por-eventos-climaticos-extremos-de-2013 http://g1.globo.com/natureza/noticia/2014/06/repeticao-do-fenomeno-el-ninoem-2014-tem-probabilidade-de-80.html http://g1.globo.com/natureza/noticia/2014/07/reatores-julgados-seguros-abremcaminho-retomada-nuclear-no-japao.html http://www.furnas.com.br/hotsites/sistemafurnas/usina_term_funciona.asp http://portal.mec.gov.br/
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Agora, emprego os meus dias ‘vivendo’, quer dizer, ‘convivendo’, que não é pouco: Rezo, durmo, leio, escrevo, como, respondo cartas, atendo visitas... E aguardo Dom Pedro Casaldáliga
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PERCEPÇÃO AMBIENTAL: contribuições para estudos em educação ambiental
Marcelo Borges Rocha Ana Helena Grieco Gonzalez
INTRODUÇÃO Cada indivíduo percebe, reage e responde de forma diferente às ações sobre o meio. As respostas ou manifestações decorrentes das ações são resultado das percepções, tanto individuais quanto coletivas, dos processos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada pessoa (FERNANDES, 2004). Neste contexto é importante entender que o termo percepção, derivado do latim perceptio, significa compreender algo, ação ou efeito de perceber e, em linhas gerais, está relacionada à combinação dos sentidos no reconhecimento de um objeto, a recepção de um estímulo e a tomada de consciência de um determinado fenômeno ou objeto por meio dos sentidos, sensações, intuições, entre outros (MARIN, 2008).
DESENVOLVIMENTO A percepção configura-se assim, como um processo que envolve mecanismos perceptivos através da captação dos estímulos externos pelos órgãos dos sentidos e processos cognitivos, influenciados principalmente pelas motivações, interesses, valores e conhecimentos prévios (DEL RIO; OLIVEIRA 1999). Dessa forma, uma mesma pessoa pode ter percepções distintas em diferentes momentos de sua vida, assim como um mesmo fato pode ser percebido de várias maneiras diferentes para pessoas diferentes. Segundo Chauí (2000, p. 136), a percepção pode ser caracterizada como uma relação do sujeito com o mundo exterior e, para a autora, 307
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | a percepção depende das coisas e de nosso corpo, depende do mundo e de nossos sentidos, depende do exterior e do interior, e por isso é mais adequado falar em campo perceptivo para indicar que se trata de uma relação complexa entre o corpo-sujeito e os corpos-objetos num campo de significações visuais, tácteis, olfativas, gustativas, sonoras, motrizes, espaciais, temporais e linguísticas. A percepção é uma conduta vital, uma comunicação, uma interpretação e uma valoração do mundo, a partir da estrutura de relações entre nosso corpo e o mundo.
Assim, os processos perceptivos se dão entre o sujeito e o ambiente, por meio de uma relação dialógica (CARVALHO; STEIL, 2013). Além disso, a percepção também envolve a vida social, isto é, “os significados e os valores das coisas percebidas decorrem de nossa sociedade e do modo como nela as coisas e as pessoas recebem sentido, valor ou função” (CHAUÍ, 2000, p. 136). Para Tuan (2012, p. 24) a percepção é uma atividade, um ”estender-se para o mundo”, e é “tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados” (TUAN, 2012, p. 33), que pode resultar ou não em uma atitude diante de alguma situação. Sendo esta uma postura cultural, possui mais estabilidade que a percepção e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, de experiências. A experiência, para Tuan (2012), é de grande importância uma vez que se trata de todas as modalidades pelas quais o sujeito apreende, constrói e vivencia a realidade, o meio ambiente. Tais experiências estão ligadas direta ou indiretamente aos interesses, às visões de mundo e às necessidades das pessoas. A figura abaixo sugere uma representação do processo perceptivo. Nesse esquema, é possível notar que a realidade se apresenta através de todos os aspectos do processo, desde a visualização até a resposta ao fenômeno posto. Além disso, os filtros culturais e individuais influenciam cada etapa e, consequentemente, o resultado da realidade construída. Representação teórica do processo perceptivo
Fonte: Del Rio; Oliveira, 1999.
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Os estudos de percepção se originaram no campo da Psicologia. Segundo Carvalho e Steil (2013), a percepção é de certa forma, o objeto fundador deste campo de conhecimento. Na busca por compreender de que maneira os sujeitos percebem e organizam os estímulos sensoriais (tanto externos quanto internos), iniciaram-se as primeiras pesquisas em psicologia científica, com a fundação do primeiro laboratório de psicologia experimental por Wilhelm Wundt em 1879, com foco em estudos da percepção humana (MARIN, 2008; CARVALHO; STEIL, 2013). O caráter experimental desses primeiros estudos, centrados na visão mecanicista e cartesiana da ciência moderna, influenciou algumas vertentes da psicologia dedicadas a estudar a percepção, como o Mentalismo e o estruturalismo vertentes mais tradicionais -, o behaviorismo e a psicologia ambiental44 , em sua fase inicial. A superação dessa perspectiva se deu a partir dos estudos de Gestalt na primeira metade do século XX, pela psicologia ambiental e outras áreas de conhecimento (MARIN, 2008). Esses estudos buscaram compreender padrões no fenômeno perceptivo e pretendeu desenvolver uma ciência universal das leis perceptivas válidas para os fenômenos psicofísicos (CARVALHO; STEIL, 2013). Neste momento de consolidação teórica, os estudos envolvendo a percepção ambiental se ampliaram para outras áreas de conhecimento, como a Geografia e Arquitetura (RIBEIRO, 2009). Se a percepção é um fator sempre presente em toda atividade da vida humana, pode-se dizer que ela possui efeito significativo na conduta dos indivíduos frente ao meio ambiente (MACHADO, 1999). Na busca por compreender esses efeitos direcionam-se os estudos em percepção ambiental. O conceito de percepção ambiental possui uma variedade de definições devido a sua vasta utilização em diferentes áreas de conhecimento. Pacheco e Silva (2006) salientam que esse conceito, do ponto de vista científico, estabelece conexões entre estudos relacionados ao meio físico, relacionada à área da Geografia, e entre esse meio com a subjetividade, trazida pela Psicologia. Diversas áreas do conhecimento vêm se apropriando desse termo em seus estudos, cada qual com suas concepções, abordagens, metodologia e aplicações diversas (VASCO; ZAKRZEVSKI, 2010). 44 A psicologia ambiental pode ser definida, em linhas gerais, como o estudo das interrelações entre comportamento e ambiente físico. É um campo interdisciplinar e direciona a sua ênfase para processos psicológicos básicos (cognição, percepção, desenvolvimento, personalidade, aprendizagem). Compreende uma relação bidirecional da relação homem-ambiente, considerando os impactos de dimensões do ambiente sobre a pessoa e a ação e reação das pessoas ante o ambiente, inclusive modificando-o. (BASSANI, 2001; FRASSON, 2011)
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | É, portanto, um conceito de natureza interdisciplinar. Na área da educação ambiental, as iniciativas de estudos em percepção ambiental podem ser consideradas relativamente recentes se comparadas à inserção da temática em outras áreas, como a Psicologia e a Geografia (MARIN, 2008). Para Tuan (2012), a percepção ambiental é um processo em que o ser humano percebe o seu espaço a partir de seu conhecimento, da forma como vive, influenciado por sua bagagem cultural e refletindo a partir de suas ações. Segundo o autor, esse processo ocorre através do uso dos cinco sentidos associado com mecanismos cognitivos, e, com isso, cada percepção e cada resposta perante o meio ambiente são diferentes para cada indivíduo. A percepção ambiental é, portanto, uma relação individual de compreensão do meio ambiente. Na mesma direção, Coimbra (2004) aponta a percepção individual do meio ambiente como resultado de aspectos sensoriais e racionais que são, para o autor, inseparáveis como duas faces da mesma moeda. O aspecto sensorial seria todo o processo de perceber através dos sentidos e, no que concerne ao meio ambiente como objeto de conhecimento, a percepção através dos sentidos possui um grande papel em detectar sinais de qualidade ambiental como, por exemplo, indicadores de poluição. Já o racional relaciona-se com o conhecimento e o intelecto, a produção de signos e abstrações. A percepção ambiental também pode ser definida como um processo ativo da mente juntamente com os sentidos, motivada pelos valores éticos, morais, culturais, experiências e expectativas e pode ser considerada uma tomada de consciência do ambiente pelo homem (MELAZO, 2005). Ainda em relação a esse conceito, Machado (1999, p. 8) afirma que: A capacidade de perceber, conhecer, representar, pensar e se comunicar permite ao homem moldar os lugares e as paisagens. Suas respostas ambientais são, então, influenciadas pelas interpretações que ele é capaz de fazer a partir de suas experiências perceptivas presentes e passadas, de suas expectativas, propósitos, aspirações, gostos e preferências.
A percepção ambiental também pode ser entendida como uma forma de expressão e linguagem. Segundo Ferrara (1999, p. 264), (...) percepção ambiental é forma de conhecimento, processo ativo de representação que vai muito além do que se vê ou penetra pelos sentidos, mas é uma prática representativa de claras consequências sociais e culturais. A percepção entendida nessa dimensão não é consequência de estímulos que do exterior atuam sobre a
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sensibilidade do indivíduo provocando-lhe reações que poderão ser programadas e ter seus efeitos testados, mas, ao contrário, supõe uma elaboração de informações que ocorrem no interior do indivíduo a partir de pequenas experiências, porém são apenas possíveis e, nesse sentido, não podem jamais ser previstas ou programadas.
Ao ser tratada como uma forma de representação, Ferrara (1999) considera também a percepção enquanto produção de conhecimento ambiental. Nesse contexto, Coimbra (2004) concebe a percepção do meio ambiente como sendo, a uma só vez, processo e resultado: enquanto processo é um ponto de partida para o conhecimento ambiental, e, como resultado, pode significar todo o conhecimento adquirido a respeito do meio ambiente. No entanto, apesar de existirem aproximações entre a percepção e o conhecimento sobre o ambiente, faz-se importante delimitar a distinção entre os conceitos de percepção ambiental e cognição ambiental. Para Bassani (2001), a cognição ambiental é um processo no qual se compreende, estrutura e aprende sobre o ambiente, e, através de mapas cognitivos, pode-se orientar e se deslocar em diversos ambientes. Porém, a percepção ambiental é: a experiência sensorial direta do ambiente em um dado momento, não sendo um processo passivo de mera recepção de informações, uma vez que implica certa estruturação e interpretação da estimulação ambiental das pessoas (BASSANI, 2001, p. 52).
Estudos que buscam compreender a percepção de indivíduos acerca do ambiente utilizam ferramentas capazes de refletir a interpretação dos sujeitos únicos através de questionários abertos, entrevistas, mapas mentais e fotografia, por exemplo, cuja análise pode auxiliar numa maior compreensão de uma realidade local (FRASSON, 2011). O trabalho de Vasco e Zakrzevski (2010) sobre o estado da arte das pesquisas sobre percepção ambiental no Brasil, demonstrou que a grande maioria das pesquisas é de cunho qualitativo e aborda uma dimensão crítica da compreensão das relações entre homem e ambiente, visando estabelecer subsídios para processos educativos que favoreçam transformações sociais e ambientais. Essa dimensão crítica também é apontada por Marin (2008), ao sugerir que o foco dos objetos de estudo em percepção ambiental deve ir além de compreender como os atores sociais veem os problemas ambientais. Os estudos sobre percepção deveriam se ocupar, portanto, muito mais que do produto discursivo, que, por vezes, e pela influência de múltiplos fatores (alienação, relações de poder, imaturidade política, indústria cultural, desaprendizagem do senso coletivo,
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | etc.), se apresenta esvaziado de sentidos. Deveriam ir à gênese da existência e descrever os múltiplos modos de vida reveladores do real sentido de inserção do ser humano no seu ambiente. É somente na redescoberta desses modos de viver e de se relacionar com a natureza, o lugar habitado e a coletividade que se pode ancorar uma postura sensível e proativa e uma discursividade enraizada, crítica, capaz de gerar o comprometimento das pessoas, focos das metas da educação ambiental (MARIN, 2008, p. 2016).
Nesse sentido, Melazo (2005) entende que o estudo envolvendo a percepção ambiental deve buscar não apenas entender o que o indivíduo percebe, mas também promover a sensibilização, a consciência, bem como alcançar o desenvolvimento do sistema de compreensão do ambiente ao redor. Diante disso, é possível compreender que a percepção ambiental precisa estabelecer uma interface com o campo da educação ambiental. Diante disto, entendemos a educação ambiental como uma área de estudo que pensa o ambiente não como um objeto de estudo simplesmente, ou um tema a ser tratado entre tantos outros, mas considera que “a trama do meio ambiente é a trama da própria vida, ali onde se encontram natureza e cultura; o meio ambiente é o cadinho em que se forjam nossa identidade, nossas relações com os outros, nosso ‘ser-no-mundo’” (SAUVÉ, 2005, p. 317). Sendo assim, inserese como uma “dimensão essencial da educação fundamental que diz respeito a uma esfera de interações que está na base do desenvolvimento pessoal e social: a da relação com o meio em que vivemos, com essa ‘casa de vida’ compartilhada” (SAUVÉ, 2005, p. 317). É possível definir educação ambiental como sendo um processo de reconhecimento de valores e esclarecimento de conceitos, que tem o objetivo de desenvolver habilidades, modificando atitudes em relação ao meio, envolvendo as relações entre seres humanos, suas culturas e os seus meio biofísicos, e relacionado também com a ética e a prática das tomadas de decisões que levem a uma melhoria da qualidade de vida (SATO, 2002). Deste modo, para a educação ambiental é fundamental entender como os indivíduos percebem e representam o ambiente em que vivem, estabelecendo relações de afetividade e contribuindo para modificação de valores e atitudes (CATANHEDE et al, 2016). Os estudos sobre a percepção ambiental nesse campo é um meio de compreender como os sujeitos adquirem conceitos e valores, bem como, como compreendem suas ações e se sensibilizam frente à crise socioambiental (OLIVEIRA; CORONA, 2011). Possui fundamental importância para entender 312
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melhor as inter-relações entre o homem e o meio ambiente, suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e conduta (FERNANDES, 2009). Além disso, entender a percepção do ambiente faz-se importante para delinear estratégias de intervenção para processos educativos, pois a partir das percepções internalizadas, pode-se buscar a mudança de atitudes, um dos objetivos principais da educação ambiental para sociedades sustentáveis (PEDRINI; COSTA; GHILARDI, 2010). As atividades perceptivas são essenciais no processo de construção de sentimentos e sensações em relação a um lugar, podendo resultar nas mais diversas relações entre o indivíduo e o ambiente, tanto de afeto e zelo quanto de desconforto, medo ou indiferença. A essa relação afetiva, Tuan (2012) atribui o termo topofilia. Segundo o autor, a palavra topofilia é um neologismo, útil quando pode ser definida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material” (TUAN, 2012, p. 205). Marin, Oliveira e Corona (2011) apontam que a topofilia é fortemente marcada por aspectos culturais como a afetividade, memória e experiência interativa. A formação desses elos afetivos entre pessoas e lugares possui grande valor para os processos de sensibilização ambiental e na construção da noção de pertencimento para com o meio ambiente, contribuindo para a formação do sujeito ecológico. O sujeito ecológico, termo proposto por Carvalho (2012), é aquele capaz de incorporar conhecimentos e comportamentos necessários à formação de uma ética ambiental e de uma postura comprometida e crítica com o desenvolvimento de uma sociedade sustentável. A questão da percepção ambiental é hoje considerada fundamental para se entender a preferência, o gosto e as ligações cognitivas e afetivas dos seres humanos para com o meio ambiente, uma vez que se constituem na grande força que modela a superfície terrestre através de escolhas, ações e atitudes ambientais (MACHADO, 1999, p. 1).
Diversas pesquisas na área da educação ambiental vêm trabalhando a percepção ambiental e cabe destacar aqui alguns exemplos. Catanhede et al (2016) desenvolveram um estudo com alunos de uma escola da zona rural que possuem contato permanente com uma unidade de conservação, com o objetivo de conhecer a forma como estes significam e interpretam o meio em que vivem. A metodologia utilizada nessa pesquisa foi a aplicação de desenhos como ferramenta para analisar a percepção ambiental dos alunos. Como resultado, demonstrou-se a importância da experiência na elaboração conceitual e na construção de realidades, uma vez que os desenhos permitiram analisar 313
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | detalhadamente a forma como interpretam o meio em que estão inseridos, com representação de plantas típicas da região, por exemplo. Palma (2005) realizou um estudo diagnóstico de percepção ambiental na comunidade acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O intuito do estudo foi conhecer a realidade local para planejar e realizar projetos de educação ambiental que possam atender às reais necessidades do público alvo. O estudo parte do pressuposto de que as investigações sobre a percepção ambiental permitem elaborar e conduzir os programas de educação e gestão ambiental com maior sucesso. Sobre os resultados observados na pesquisa, concluiu-se pela necessidade de implantação de um projeto de gestão de resíduos e educação ambiental dentro da Universidade. Nessa mesma direção, Cecchin e Limberger (2011) realizaram um ensaio que traz a percepção ambiental como uma das metodologias de trabalho em educação ambiental. O trabalho teve por objetivo construir um arcabouço teórico para pesquisas futuras na região de estudo. As autoras, assim como Palma (2005), reafirmam a importância de estudos de percepção ambiental como subsídios para a educação ambiental. Pereira et al (2013) avaliaram um processo de intervenção como subsídio à sensibilização ambiental para a educação ambiental. O trabalho compreendeu uma fase de diagnóstico da percepção ambiental dos indivíduos, seguida de uma intervenção e uma avaliação do processo. Para a coleta dos dados relativos à percepção ambiental, foram utilizados questionários antes e após o processo de intervenção. A intervenção foi realizada a partir da apresentação, estudo e discussão de um vídeo sobre as enchentes no Vale do Itajaí/SC, que alternava imagens de natureza preservada com imagens de locais destruídos pelas enchentes. Dentre os resultados, observou-se que a percepção ambiental teve influência da mídia, e que os recursos midiáticos devem ser empregados com objetivos definidos para auxiliar na realização de processos interventivos e de sensibilização ambiental. Coadunando com discussão sobre a importância de estudos sobre percepção ambiental e práticas de educação ambiental, Gonzalez e Rocha (2019) realizaram uma pesquisa acerca da percepção ambiental de estudantes da educação básica, de uma escola localizada na cidade do Rio de Janeiro, sobre a Baía de Guanabara. Neste estudo, os autores analisaram os desenhos produzidos pelos estudantes à luz da Análise de Conteúdo. Os resultados apontaram que a visão de um ecossistema ainda rico em biodiversidade é desconhecida para a maioria dos participantes do estudo, uma vez que só destacaram os aspectos relacionados à poluição e degradação ambiental deste ambiente natural. 314
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Assim, observa-se que na área da educação ambiental os estudos em percepção ambiental vêm sendo realizados para diferentes fins e com diferentes públicos. Ribeiro, Lobato e Liberato (2009) afirmam que, para alguns pesquisadores da área, os estudos de percepção podem atuar como: Etapa prévia para se fazer Projetos e Programas de EA, com vistas a conhecer os saberes, interesses, gostos, expectativas, necessidades, vivências e experiências de indivíduos e grupos, bem como objetivando identificar o significado de signos importantes para a existência das pessoas (RIBEIRO; LOBATO; LIBERATO, 2009, p. 57).
Por outro lado: (...) outros educadores ambientais pensam a percepção do ma já como uma etapa inicial das próprias ações de ea, sobretudo nas atividades de sensibilização ambiental, por meio de multiestimulação de acuidade perceptiva, cognitiva e afetiva; e da ressignificação de contextos e conteúdos, vinculados às experiências ambientais, por intermédio, por exemplo, de trilhas interpretativas.” (RIBEIRO; LOBATO; LIBERATO, 2009, p. 57).
Marin (2008) propõe uma classificação dos estudos de percepção ambiental com base nos apontamentos de Del Rio e Oliveira (1998), na busca por elucidar vertentes teóricas dentro do campo. Com isso, a autora propõe três tipos diferentes de estudos. São eles: estudos de caráter intervencionista, voltados a compreender a percepção para projetos de gestão ambiental, por exemplo; estudos de caráter interpretativo, que envolvem investigações fenomenológicas e de construção social do universo simbólico e a percepção enquanto forma de comunicação; e estudos de caráter educacional, em que a percepção é parte do processo de formação de conhecimentos e, por consequência, de valores. Em todos estes estudos percebe-se a preocupação com um panorama de intensa exploração dos recursos naturais, que visa o atendimento das necessidades impostas pelo desordenado crescimento populacional, ocupação e expansão urbanas, seguidos pelos reflexos de um padrão insustentável de consumo de produtos e consequente descarte inadequado de resíduos no meio natural, configurando o ápice de uma múltipla crise ambiental e civilizatória, torna-se imprescindível a busca por aplicação de estratégias e instrumentos que contribuam na transição para um novo paradigma, com o objetivo de alcançar-se um novo cenário socioeconômico, cultural e ambiental em níveis locais e global. 315
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Neste sentido, encontra-se nas práticas de educação ambiental a possibilidade da compreensão no que se refere a existência e a importância da interdependência econômica, social, política e ecológica, nas zonas urbanas, rurais e oceânicas, proporcionando à humanidade o meio de construir novos conhecimentos no caminho da mudança de atitudes e comportamentos, face aos desafios contemporâneos. De acordo com Loureiro (2003) a educação ambiental caracteriza-se como uma práxis educativa e social cuja finalidade é a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem a compreensão da realidade e promova a atuação coerente e responsável dos atores sociais, sejam individuais e coletivas no ambiente. Em termos oficiais, um importante passo na institucionalização da educação ambiental no Brasil, foi dado com a promulgação da Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), que estabeleceu em 1981, no âmbito legislativo, a necessidade de inclusão da educação ambiental em todos os níveis de ensino, com objetivo da participação ativa da comunidade na defesa do meio ambiente, fortalecendo a ideia de capilaridade que se desejava imprimir a essa prática pedagógica. Tal compromisso é reforçado na Constituição Federal de 1988, Capítulo VI, sobre meio ambiente, no seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, no qual se lê que compete ao poder público “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Também em 1988, inicia-se o processo de institucionalização de uma prática de comunicação e organização social em rede, com os primeiros passos da Rede Estaduais de Educação Ambiental, a exemplo de São Paulo e Espírito Santo. Em 1991, a Comissão Interministerial para a preparação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) considerou a educação ambiental como um dos instrumentos da política ambiental brasileira. No ano seguinte, em 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) instituiu os Núcleos de Educação Ambiental em todas as suas superintendências estaduais, com objetivo de operacionalizar as ações educativas no processo de gestão ambiental na esfera estadual. Neste mesmo ano, no II Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, foi proposta a criação de uma Rede Brasileira de Educação Ambiental, onde se adotou como carta de princípios o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, de caráter não-oficial e criado durante o Fórum das Organizações Não-Governamentais (ONGs) realizado na Eco 92, atuando como marco mundial relevante para a 316
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educação ambiental, por ter sido elaborado no âmbito da sociedade civil e por reconhecer a educação ambiental como um processo dinâmico em permanente construção, orientado por valores baseados na transformação social. Com o objetivo de consolidar a educação ambiental como política pública, o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA, 1994), compartilhado pelo então Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e pelo Ministério da Educação e do Desporto, com as parcerias do Ministério da Cultura e do Ministério da Ciência e Tecnologia. Constitui-se como o primeiro programa de âmbito nacional de grande relevância, com objetivo de contribuir para o enraizamento de uma cultura de respeito e de valorização da diversidade e da identidade. No qual os segmentos sociais e as esferas de governo são coresponsáveis pela sua aplicação, execução, monitoramento e avaliação. O ProNEA foi executado pela Coordenação de Educação Ambiental do MEC e pelos setores correspondentes do MMA/IBAMA, responsáveis pelas ações voltadas respectivamente ao sistema de ensino e à gestão ambiental, embora também tenha envolvido em sua execução outras entidades públicas e privadas do país. O programa prevê três componentes: (a) capacitação de gestores e educadores, (b) desenvolvimento de ações educativas, e (c) desenvolvimento de instrumentos e metodologias, contemplando sete linhas de ação: • Educação ambiental por meio do ensino formal. • Educação no processo de gestão ambiental. • Campanhas de educação ambiental para usuários de recursos naturais. • Cooperação com meios de comunicação e comunicadores sociais. • Articulação e integração comunitária. • Articulação intra e interinstitucional. • Rede de centros especializados em educação ambiental em todos os estados. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), expressa na Lei nº 9.795/1999, em seu Art. 1º, define educação ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” E dá sequência em seu Art. 2º, reforçando que “a educação ambiental é um componente permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”. 317
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Desta forma entende-se que cabe à educação ambiental proporcionar a reflexão para que pessoas e organizações coletivas, cientes de suas responsabilidades socioambientais, possam agir de forma consciente e articulada por uma melhor qualidade de vida no ambiente onde vivem e atuam. Pensar a educação ambiental significa desenvolver a educação dentro de uma perspectiva ampliada, dialógica, crítica e transformadora, envolvendo as relações dos seres humanos entre si, e destes com o meio onde vivem e desenvolvem suas atividades sociais, de lazer e de trabalho, ampliando assim os aspectos de interdependência para além dos assuntos relacionados apenas à conservação e preservação natural do meio ambiente. Objetiva-se assim a percepção a respeito dos conflitos e problemas gerados pelo uso e apropriação desigual dos recursos naturais, estimulando a ação participativa na busca de soluções para os impactos socioambientais decorrentes desses conflitos. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), aprovados em 1997 pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) com o objetivo de garantir a todas as crianças e jovens brasileiros, o direito de usufruir do conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercício da cidadania. Os PCN passam a atuar como: … subsídio para apoiar a escola na elaboração do seu projeto educativo, inserindo procedimentos, atitudes e valores no convívio escolar, bem como a necessidade de tratar de alguns temas sociais urgentes, de abrangência nacional, denominados como temas transversais: meio ambiente, ética, pluralidade cultural, orientação sexual, trabalho e consumo, com possibilidade de as escolas e/ou comunidades elegerem outros de importância relevante para sua realidade. (Programa Nacional de Educação Ambiental - ProNEA, p. 26, 1994).
Em seu capítulo específico para o tema Meio Ambiente, os PCNs (BRASIL, 1997, p.169) enfatizam que “a solução dos problemas ambientais tem sido considerada cada vez mais urgente para garantir o futuro da humanidade e depende da relação que se estabelece entre sociedade/natureza, tanto na dimensão coletiva quanto na individual.” Ao se referir a educação ambiental, observa-se que ela deva ser trabalhada como tema transversal, abordando os aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e ecológicos. As vantagens de uma abordagem assim é a possibilidade de uma visão mais integradora, e uma significativa melhora na compreensão das questões socioambientais como um todo. 318
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Logo, como tema transversal, a educação ambiental deve estar presente em todas as disciplinas, perpassando de forma ampla os conteúdos trabalhados dentro e fora da sala de aula. A perspectiva ambiental deve remeter os alunos à reflexão sobre os problemas que afetam a sua vida, a de sua comunidade, a de seu país e a do planeta. Para que essas informações os sensibilizem e provoquem o início de um processo de mudança de comportamento, é preciso que o aprendizado seja significativo, isto é, os alunos possam estabelecer ligações entre o que aprendem e a sua realidade cotidiana, e o que já conhecem. Nesse sentido, o ensino deve ser organizado de forma a proporcionar oportunidades para que os alunos possam utilizar o conhecimento sobre Meio Ambiente para compreender a sua realidade e atuar nela, por meio do exercício da participação em diferentes instâncias: nas atividades dentro da própria escola e nos movimentos da comunidade. É essencial resgatar os vínculos individuais e coletivos com o espaço em que os alunos vivem para que se construam essas iniciativas, essa mobilização e envolvimento para solucionar problemas (BRASIL, 1997, p. 189-190).
Neste sentido, pensamos uma educação que reflita sobre a realidade, por meio de ações e intervenções realizadas diariamente nos espaços onde se vive, potencializando a sua capacidade de interação, seja por meio da reflexão e construção de novos conhecimentos, ou seja pela aplicabilidade desses conhecimentos na transformação de hábitos e comportamentos. Assim, a educação ambiental, como parte do processo educativo formal e não formal, atende uma demanda da sociedade, expressa em documentos legais, por meio da Constituição Federal, da Política Nacional de Educação Ambiental, e por meio de recomendações do Ministério da Educação e do Conselho Federal de Educação, no que diz respeito ao fortalecimento da cidadania e manutenção do ambiente ecologicamente equilibrado por meio de processos educativos. De acordo com a publicação Educação Ambiental e Gestão Participativa em Unidades de Conservação publicada pelo IBAMA, em síntese, a educação ambiental, coerentemente com a perspectiva teórica adotada, envolve a compreensão de que o processo educativo é composto por atividades integradas formais, informais e não-formais, estando fundamentada numa concepção pedagógica norteada por alguns princípios: - Educação como instrumento mediador de interesses e conflitos entre atores sociais que agem no ambiente, usam e se apropriam dos recursos naturais de modo desigual;
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | - Percepção do problema ambiental como questão mediada pelas dimensões econômicas, políticas, simbólicas e ideológicas, que ocorrem em dado contexto e que determinam a compreensão cognitiva do mesmo; - Entendimento crítico e histórico das relações existentes entre educação, sociedade, trabalho e natureza; - Desenvolvimento da capacidade de usar saberes para agir em situações concretas do cotidiano da vida; - Preparação dos sujeitos da ação educativa para que se organizem e intervenham em processos decisórios nos diferentes espaços de participação existentes no Estado brasileiro; - Priorização dos atores sociais em situação de maior vulnerabilidade socioambiental como sujeitos da ação educativa.
Visto desta perspectiva, cabe ao educador ambiental atuar de forma a possibilitar a criação de espaços de diálogos entre pessoas, organizações e comunidades para o compartilhamento de experiências e saberes, de maneira a criar vínculos das pessoas entre si e com o ambiente onde se inserem. Além de estimular o diálogo sobre os cenários locais e global, suas causas e conseqüências e sobre os problemas específicos dos grupos sociais, conhecendo suas peculiaridades na forma de perceber e agir no ambiente em que interagem, proporcionando a formação de processos de mobilização e ação participativa na promoção e fortalecimento da cidadania.
CONSIDERAÇÕES Mobilizar para uma gestão participativa dos espaços comuns é um dos desafios da educação ambiental, que colabora para a superação de uma visão fragmentada da realidade, estimulando a tomada de consciência e de atitudes, de maneira que os indivíduos possam intervir na realidade cotidiana por meio de iniciativas viáveis, exequíveis e sustentáveis. O educador deve se empenhar no estímulo à ação participativa, reafirmando o papel estratégico da participação coletiva, que possibilita o desenvolvimento de uma consciência crítica e fortalece o processo democrático nas tomadas de decisões, na busca do equilíbrio ecologicamente correto do ambiente. 320
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Cabe ainda ao educador ambiental estimular uma visão crítica sobre a realidade, despertando a percepção das pessoas para os conflitos existentes para que, de maneira organizada, possam adotar as ações transformadoras da realidade socioambiental, uma vez que é finalidade da ação educativa estabelecer processos práticos e reflexivos na construção de valores sociais que contribuam com a sustentabilidade. Para tal, impera a necessidade do desenvolvimento de recursos, instrumentos e estratégias, que sejam capazes de dialogar de forma direta e compreensível com os diferentes públicos alvos identificados na sociedade, no processo rumo a mudança de comportamentos e atitudes fundamentais.
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Os pés tolerados na roda de samba, o corpo domado nos ternos do congo, inventam na sombra a nova cadência, rompendo cadeias, forçando caminhos, ensaiam libertos a marcha do Povo, a festa dos negros, acolhe Olorum! Dom Pedro Casaldáliga
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“DIGA-ME COM QUEM ANDAS E EU TE DIREI QUEM ÉS”: educação ambiental em disputa curricular na era da BNCC
Soraya Miranda Castello Branco Fernanda Martins Cordeiro Alves Alexandre Maia do Bomfim
INTRODUÇÃO Educação ambiental, quem é você? No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade. (Chico Mendes)
A Educação Ambiental (EA) tem sido alvo de discussões políticas de todo o planeta. De início, a temática ambiental era tratada exclusivamente pela perspectiva ecológica, perceptível em publicações memoráveis como “A Origem das Espécies”, do naturalista inglês Charles Darwin, em meados do século XIX. Somente na segunda metade do século XX que se observa uma ampliação do debate ambiental para esferas socioeconômicas, impulsionada principalmente pelas inquietações quanto aos impactos ambientais das ações antrópicas. Nos anos 60, com o surgimento do Clube de Roma e sua publicação referencial “Os Limites do Crescimento” (MEC, 2016), as discussões avançaram para um inevitável incômodo: como sustentar o desenvolvimento sem impactar o ambiente? Na década seguinte, a Organização das Nações Unidas (ONU) abraça as discussões sobre o meio ambiente e o homem em conferências como as de Estocolmo (1972) e de Tbilisi (1977). Das recomendações da conferência de 325
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Estocolmo se desdobraram a primeira ação de Educação Ambiental propriamente dita, o Encontro Internacional em Educação Ambiental (1975) promovido pela agência da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em Belgrado. Já a segunda conferência, em Tbilisi, “foi o ponto culminante da primeira fase do Programa Internacional de Educação Ambiental, iniciado em 1975 (MEC, 2007). Definiu-se os objetivos, as características da EA, assim como as estratégias pertinentes no plano nacional e internacional”.
DESENVOLVIMENTO No Brasil, apesar da participação nos intensos debates ao longo de todo o século XX, inclusive nas conferências internacionais, somente nos anos 1990 a Educação Ambiental se consolidou enquanto política educacional. Garantida na Constituição Federal de 1988, a Educação Ambiental vinha sendo gradativamente inserida nos currículos brasileiros, sob uma perspectiva ecológica, em toda a década de 80; seu clímax ocorrera em 1992 na Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, com a publicação da Agenda 21, seu documento mais proeminente. Desde então, políticas educacionais específicas como a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), regida pela lei 9.795/99 foram criadas; concomitantemente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são divulgados, com a temática ambiental – denominada Meio Ambiente – proposta na transversalidade curricular. A educação brasileira começa a reajustar seus currículos escolares e de formação de professores para uma Educação Ambiental na escolarização (MEC, 2007), em conformidade com a agenda global de economia e desenvolvimento sustentável.
Linhas político-pedagógicas de Educação Ambiental Ainda que não seja o objetivo principal deste trabalho, é necessário ressaltar as diferentes correntes de Educação Ambiental discorridas em seu histórico. Sauvé (2005) cita, ao menos, 15 correntes de EA, originadas das diversas disputas do campo pedagógico e aqui categorizadas como “tradicionais” (com longa tradição, conforme o autor) e “modernas” (as mais recentes), conforme o quadro 1: 326
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Correntes da Educação Ambiental Tradicionais
Modernas
Naturalista
Holística
Conservacionista/recursista
Biorregionalista
Resolutiva
Práxica
Sistêmica
Crítica
Científica
Feminista
Humanista
Etnográfica
Moral/Ética
da Ecoeducação da Sustentabilidade
Quadro 1. Correntes da Educação Ambiental Adaptado de Sauvé (2015, p. 18)
Sistematizá-las não visa, necessariamente, hierarquizá-las, tampouco eleger as que devem ser (des)consideradas. Cabe, sim, uma reflexão sobre o efeito de cada categoria, a sua dominância e suas consequências na formação dos cidadãos em todo mundo, ontem e hoje.
Nas mãos de quem está a educação ambiental? O currículo, grosso modo, é uma organização, priorização e formação de propostas de ensino, onde elenca-se o quê, como e quando determinados conhecimentos devem ser participados na vida escolar. Silva (2010) é ainda mais assertivo nas noções de currículo. O conhecimento corporificado no currículo carrega as marcas indeléveis das relações sociais de poder. O currículo é capitalista. O currículo reproduz - culturalmente - as estruturas socais. O currículo tem um papel decisivo na reprodução da estrutura de classes da sociedade capitalista. O currículo é um aparelho ideológico do Estado capitalista. O currículo transmite a ideologia dominante. O currículo é, em suma, um território político” (SILVA, 2010, pp. 147; 148).
Diretrizes curriculares nacionais conduzem a prescrição dos currículos regionais e locais onde, com a autonomia docente, o currículo seria adequado a realidade de cada comunidade escolar – o chamado currículo em ação. Acontece que a gestão da educação brasileira, cada vez mais, se subordina a organismos 327
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | internacionais de grande poder econômico e seus interesses para com a América Latina. Tais organizações impõem reformas educacionais, especialmente curriculares; “essas reformas estão estruturadas basicamente em torno de três dimensões articuladas entre si: formação e atuação docentes, avaliação dos estudantes e aprendizagens essenciais” (SCHNEIDER; NARDI, 2018, p. 48). Nestas sucessivas reformas (a mais recente, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC) observa-se um importante efeito imobilizador do sistema de avaliação dos estudantes, o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o Pisa (Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes45 ), e a incansável busca por índices que fere a autonomia docente. A Base Nacional Comum Curricular é uma realidade para a educação brasileira. Homologada em 2017, apresenta-se como um “documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017). Seus primeiros movimentos iniciaram no final da década passada, precisamente em 2010, com a realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE), onde especialistas debateram as necessidades da Educação Básica. Neste evento, registrou-se a demanda de uma Base Nacional Comum Curricular como parte do Plano Nacional de Educação (PNE), já previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 9º, inciso IV (BRASIL, 2017). O documento, lançado com a promessa de redução das disparidades socioeducacionais, traz desde a capa a epígrafe “A Educação é a Base” que, conforme Macedo (2018), encerra em si duas possíveis interpretações: a literal, que reduz a Educação brasileira (ou o que dela se espera) na Base (Nacional Comum Curricular) ou, não menos dramática, uma ideia salvacionista da Educação, solução dos demais problemas mundiais, e “a assunção de que a educação precisa, pragmaticamente, ser útil para algo que virá. Assim, ela é marquetizada, um bem a ser trocado no mercado futuro” (MACEDO, 2018, p.28). Análises de versões anteriores da BNCC já denunciavam um silenciamento da Educação Ambiental de maneira motivada. Foi verificada “a perda de espaço da Educação Ambiental, prevalecendo sua compartimentalização em disciplinas e, mesmo como tema integrador em apenas três disciplinas, com reinserção condicionada a autonomia das escolas, nos 40% restantes do currículo” (ANDRADE & PICCININI, 2017, p. 11), justificada quando se observa quem são os atores no mercado gerado pela implementação da BNCC. 45 Do ingles Programme for International Student Assessment.
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Só para dar materialidade a tais exemplos, em março agora (2018) ocorreu, em São Paulo, evento de promoção da MindLab, empresa privada que vem atuando na formação de professores e em ambientes informáticos para o desenvolvimento, entre outros, de jogos educativos voltados ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais, um dos “novos” conceitos presentes na BNCC. A propaganda da MindLab traz um conjunto de parcerias com Universidades estrangeiras, dentre as quais a Yale University, em que são realizados estudos experimentais - modelo cuja validade é questionada na literatura educacional desde os anos 1970 - com a função de avaliar os jogos por ela produzidos. Na mesma época, no Rio de Janeiro, ocorria um evento sobre a BNCC e a formação de professores, nos quais estavam representados o MEC, o Teachers College/Columbia University e a Fundação Lemann. A única instituição de formação de professores brasileira presente oficialmente era o Instituto Singularidades, sediado em São Paulo e parte do grupo Península (leia-se Abílio Diniz) (MACEDO, 2018, p. 31).
A Educação Ambiental, de acordo com uma definição de Layrargues (2002), “é um instrumento ideológico de reprodução social que, dependendo da conformação das forças sociais em disputa pela significação da educação ambiental, pode se dar na direção da conservação ou transformação social, dependendo das práticas desenvolvidas” (LAYRARGUES, 2002, p. 11). Como se dá, então, a Educação Ambiental inserida, transversalizada, discutida e operada nessa disputa curricular? Há espaço para uma Educação Ambiental contrahegemônica em um currículo mantenedor de hegemonias? Como resultado, é comum observarmos um adestramento ambiental (BRÜGGER, 1994 apud LAYRARGUES e LIMA, 2011, p. 7), onde o pragmatismo acentuado – demanda da agenda global de desenvolvimento sustentável – evita discussões sobre a ação direta das relações humanas de dominação e de consumo como severos impactos ambientais, isolando a discussão ambiental das contribuições das Ciências Humanas. “[...] O entendimento da educação ambiental como um objeto de estudo sociológico poderá [...] indicar rumos mais nítidos e coerentes para a função social que se deseja dar a essa prática pedagógica” (LAYRARGUES, 2002, p. 12).
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Quais caminhos (ou descaminhos) da educação ambiental, no fim das contas? Aqui analisamos dois documentos curriculares recentes, elaborados pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME/RJ), onde as autoras são regentes na disciplina de Ciências. O primeiro, denominado Orientações Curriculares, teve sua última alteração em 2012 e vigência até 2019. O segundo, Currículo Carioca, teve início da vigência em 2020, contemplando as orientações da BNCC. Buscamos compreender a possível disputa entre o campo curricular (que acompanha as discussões da Base), a predominância de determinada macrotendência político-pedagógica de EA e suas limitações. As Orientações Curriculares foram organizadas por disciplinas, em diferentes cadernos: Artes Cênicas, Artes Visuais, Ciências, Geografia, História, Língua Estrangeira (Inglês/Espanhol), Língua Portuguesa, Matemática e Música. Norteiam os objetivos (competências) e habilidades a serem alcançados. O Currículo Carioca também se organiza em cadernos disciplinares, desconsiderando a característica de organização dos componentes curriculares em áreas do conhecimento (MEC, 2018). Não participam desta análise os materiais didáticos produzidos pela rede municipal de ensino, os Cadernos Pedagógicos (até 2018) e os Materiais Didáticos Cariocas (2019 em diante). Para esta análise foi pesquisado o termo incompleto ambient, que traria resultados para as palavras “ambiente” e “ambiental” e seus plurais, em cada caderno de Orientações Curriculares para o Ensino Fundamental (Anos Finais) e do Currículo Carioca (Anos Finais). Nos cadernos das Orientações Curriculares de Artes Cênicas ocorreram 6 retornos, todos referindo-se ao ambiente cênico; em Artes Visuais, 7 retornos, sendo apenas dois relacionados ao “meio ambiente”: ambiente e cultura indígena e patrimônio ambiental; em Geografia, como esperado, um número considerável de retornos: 29, sendo a maioria comparando ambientes naturais e ambientes antropizados; em História apenas 2 retornos; tanto em Língua Inglesa quanto em Língua Espanhola, 5 retornos onde apenas 1 referia-se ao meio ambiente (conservação ambiental); em Língua Portuguesa apenas 7 retornos, todos citados em sugestões para os anos iniciais do EF; Música traz 4 retornos, sobre menções aos sons do meio ambiente. Excluindo-se os significados de “ambiente” dissociados do que nos interessa, cada retorno está especificado no quadro 2.
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Expressão
Artes Cênicas
X
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Contexto
Questões ambientais (...) cultura indígena
Habilidades e Sugestões
Valorizar o Patrimônio (...) Ambiental
Objetivos
Questões socioambientais
Apresentação
Problemas ambientais
Objetivos, Conteúdos, Habilidades e Sugestões
(Combate à) Degradação ambiental
Objetivos
Questão ambiental
Objetivos
Ponto de vista ambiental
Sugestões
Meio ambiente e sustentabilidade
Conteúdos
Meio ambiente
Habilidades
Desastre natural/ambiental
Sugestões
Motivos ambientais
Sugestões
História
Meio ambiente
Habilidades
Língua Inglesa
Léxico relacionado a questões ambientais
Conteúdos
Questões ambientais
Sugestões
Língua Espanhola
Conservação ambiental
Habilidades
Língua Portuguesa
X
Matemática
X
Música
Fenômeno sonoro no meio ambiente
Apresentação
Compreender os sons do meio ambiente
Objetivos
Materiais do meio ambiente
Sugestões
Escuta do meio ambiente
Objetivos
Artes Visuais
Geografia
Quadro 2. Resultados das pesquisas do radical “ambient” nas Orientações Curriculares da SME/RJ.
A mesma pesquisa foi realizada nos cadernos do Currículo Carioca 2020. As disciplinas da área das Linguagens (Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Artes Cênicas, Artes Visuais e Música) reportaram entre zero e 8 retornos, totalizando 18 resultados; a área de Ciências da Natureza reportou 21 retornos; a área de Ciências Humanas (História e Geografia) trouxe 22 ocorrências e, por fim, a área da Matemática trouxe apenas uma ocorrência do termo. 331
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Depurando tais resultados, as ocorrências do termo ambiente relacionadas ao “ambiente natureza” ocorreram conforme o quadro abaixo: Disciplina
Expressão
Artes Cênicas
X
Artes Visuais
Meio Ambiente (8x)
Língua Espanhola
X
Língua Inglesa
Contexto Apenas na nomenclatura do eixo temático
Aspectos ambientais
Habilidades
Questões ambientais
Objetos de aprendizagem
Língua Portuguesa
X
Música
X Meio ambiente
Habilidades e Objetos de Aprendizagem
Impactos (socio)ambientais
Habilidades e Objetos de Aprendizagem
Características ambientais
Habilidades
Problemas (socio)ambientais
Habilidades e Objetos de Aprendizagem
Condições ambientais
Habilidades
Equilíbrio ambiental
Habilidades
Ambiente natural
Habilidades
Meio ambiente
Habilidades
Problemas (socio)ambientais
Habilidades
Questões geopolíticas, econômicas e ambientais
Objetos de Aprendizagem
Questão ambiental
Habilidades
Ambiente natural
Habilidades
Contexto geopolítico e ambiental
Habilidades
Impactos (socio)ambientais
Habilidades e Objetos de Aprendizagem
Meio ambiente e sustentabilidade
Objetos de Aprendizagem
História
Degradação ambiental
Habilidades
Matemática
Contextos socioculturais, ambientais
Habilidades
Ciências
Geografia
Quadro 3. Resultados das pesquisas do radical “ambient” no Currículo Carioca 2020 da SME/RJ.
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Em ambos os documentos, como se esperava, o maior número de retornos deu-se no caderno de Ciências. Na apresentação do caderno de Orientações Curriculares – Objetivos Gerais do Ensino de Ciências – sugere-se uma tendência crítica às transformações socioambientais, com “a presença de aspectos éticos, estéticos, políticos, sociais e econômicos na busca pela sustentabilidade” (p. 5). Em todo o documento, as orientações seguem correntes tradicionais de Educação Ambiental com um verniz de sustentabilidade, ratificando a ideia de um pragmatismo em atendimento aos acordos internacionais dos quais o Brasil é parte (MORALES, 2009). Uma evidência são as sugestões para o desenvolvimento do conteúdo sobre “energias renováveis e não-renováveis”, discriminada para o 9º ano: •
Discutir, a partir de manchetes de jornal, as vantagens e desvantagens, para o planeta Terra, da utilização da energia renovável e não renovável.
•
Elaborar tabela com os diferentes tipos de combustíveis e sua relação com a sustentabilidade do planeta.
•
Pesquisar, em grupos, sobre as alterações ambientais, resultantes da ação humana. Promover debate sobre o protocolo de Kyoto e o de Paris (recente) a poluição ambiental, o IPCC e o aquecimento global (ORIENTAÇÕES CURRICULARES DE CIÊNCIAS, p. 72).
No Currículo Carioca, a abordagem pragmática persiste, com silenciamentos sensíveis em algumas áreas, inclusive no componente curricular de Ciências Naturais. A orientação para um debate crítico das questões socioambientais ficou restrita ao componente curricular de Geografia, como a descrita na imagem abaixo.
Habilidades do 8º ano no componente curricular Geografia, Currículo Carioca (RIO DE JANEIRO, 2020, p. 24)
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | A superficialidade das propostas e a ausência de reflexões por outras áreas do conhecimento tornam-se ainda mais preocupantes pelo fato de que os professores ainda consideram o currículo como prescrição (GOODSON, 2007) e, reforçados pela necessidade de alcançar metas quantitativas (Prova Brasil e similares), tendem a obedecer ao script. Desses documentos são elaborados os materiais didáticos próprios da rede municipal carioca, cujos conteúdos são cobrados em avaliações (bimestrais ou semestrais) elaborada pela Secretaria Municipal de Educação. Consequentemente, assumindo o caráter prescritivo do currículo e a necessidade de registrar bons resultados na avaliação municipal, os professores não costumam ir além do que consta nas diretrizes municipais. O caminho que estamos vendo ser adotado contraria as políticas educacionais vigentes desde a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 225º, parágrafo VI, incumbe ao Poder Público a promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino; a PNEA que em seu artigo 5º, parágrafo I, cita como um dos objetivos da EA “o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos” (Lei 9795/99); os PCN que sugerem os conteúdos de Meio Ambiente “integrados às áreas, numa relação de transversalidade, de modo que impregne toda a prática educativa e, ao mesmo tempo, crie uma visão global e abrangente da questão ambiental, visualizando os aspectos físicos e histórico-sociais, assim como as articulações entre a escala local e planetária desses problemas”, o currículo municipal da segunda maior capital do país segue empobrecido na abordagem da Educação Ambiental, sem espaço para a transversalidade temática e reduzindo-a a uma visão ecológica-científica (priorizando-a na disciplina de Ciências) e rasa nas provocações socioambientais, sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Tramita no Senado Federal, desde 2015, um Projeto de Lei (PLS nº 221/15) que visa resgatar a relevância do debate ambiental na educação em meio às reformas. A proposta, conforme citado em sua ementa, Altera a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que “dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências”, para incluir como objetivo fundamental da Educação Ambiental o estímulo a ações que promovam o uso sustentável dos recursos naturais e a Educação Ambiental como disciplina específica no ensino fundamental e médio, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação, para tornar a Educação Ambiental disciplina obrigatória (BRASIL, 2015, grifo nosso).
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No início de 2019, houve uma tentativa precipitada da SME/RJ de alocar a Educação Ambiental, exigida no currículo por organizações internacionais com as quais o Brasil mantém acordo46 , em uma disciplina específica: “Sustentabilidade Cidadã”47 . A medida não se concretizou48 devido a pressões da opinião pública, visto que para inseri-la no currículo, haveria redução na carga horária das disciplinas de Língua Portuguesa e de Matemática. A BNCC, por sua vez, que vem para reorientar os currículos oficiais dos estados e municípios já em 2020, enfraquece a ainda incipiente Educação Ambiental da Educação Básica. Análises de Andrade e Piccinini (2017) e de Behrend, Cousin e Galiazzi (2018) mostram o esvaziamento gradativo da Educação Ambiental ao longo da elaboração das diferentes versões da BNCC para o Ensino Fundamental, até a sua homologação em 2017. Acredita-se que o ocultamento da EA na BNCC seja produzido, especialmente, pelo papel político-pedagógico da Educação Ambiental, que possui caráter emancipatório e transformador e ao problematizar as relações sociais vigentes, atua no plano da existência (...). A perspectiva transformadora da EA vai de encontro à política neoliberal em expansão no país, que aposta no sucateamento da Educação básica, na alienação dos trabalhadores e na exploração do ser humano e dos recursos naturais (BEHREND; COUSIN; GALIAZZI, 2018, p. 81).
Diante de uma BNCC criticamente estéril, é praticamente óbvio que as projeções curriculares que dela emergem serão vazias na abordagem da Educação Ambiental Crítica, tão urgente e necessária (cada vez mais) na perspectiva socioambiental brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante das análises documentais das políticas nacionais e da rede municipal carioca para a Educação, é evidente o esvaziamento dos debates ambientais, independentemente de sua corrente conservadora ou crítica. A concentração de citações do termo “ambiente” (e suas variantes) nos documentos norteadores das disciplinas de Geografia e de Ciências evidencia que 46 Agenda 2030, https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
47 Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, edição 203 de 17 de janeiro de 2019, pp. 17-20. 48 Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, edição 210 de 28 de janeiro de 2019, pp. 12-14.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | vigora, ainda, uma compartimentalização da Educação Ambiental e consequente fragmentação e fragilidade das discussões que tornariam a didática ambiental, de fato, transformadora. Não há nestas orientações qualquer indicação para a transversalidade do tema; a escassez da abordagem desta temática em disciplinas como a História, que muito contribui para um debate crítico sobre os mecanismos de dominação que aniquilam os ecossistemas, é uma importante evidência da fuga da transversalidade da Educação Ambiental curricular. A constante associação de Educação Ambiental ao consumo sustentável, a hábitos sustentáveis e outros atributos da sustentabilidade limita a reflexão a um pragmatismo desejável apenas pela minúscula parcela de poderio econômico, cerceando a capacidade social de reinventar seu modo de desenvolvimento a níveis não predatórios. As novas orientações municipais (Currículo Carioca, 2020), alinhadas à BNCC, corresponderam às expectativas de diversos autores sobre o apagamento da Educação Ambiental, visto que a própria BNCC ignorou a sua necessária abordagem nos objetos de aprendizagem de toda a Educação Básica. A participação do magistério municipal na elaboração do novo currículo49 foi pouco divulgada, o que leva a crer que houve baixa participação da categoria e de demais envolvidos no processo educacional. Ainda não houve uma devolutiva da SME/RJ sobre a participação dos professores. Faz-se necessário, como sempre, o papel autônomo dos professores e demais educadores ambientais da escolarização na prática da Educação Ambiental crítica, para que as discussões e reflexões possam existir apesar das limitações intencionais nos currículos, que buscam reduzi-las a meros comportamentos miméticos, sustentáveis e sem criticidade. Sabe-se que a soberania na construção dos currículos tem pertencido a grandes corporações do terceiro setor, em atendimento às necessidades do mercado e não dos indivíduos. Lopes (2018) aponta uma alternativa que não apenas é viável, como segura para que seja possível extrair água do deserto. Todo o esforço – financeiro, humano, intelectual – investido na produção de uma base curricular nacional deveria estar sendo investido na valorização do comprometimento dos docentes com seu trabalho, na melhoria das condições de trabalho, de estudo e de infraestrutura nas escolas, na formação de quadros nas secretarias para trabalharem com e sobre o currículo (LOPES, 2018, p. 27, grifo nosso). 49 Através de um formulário online, conforme http://antigo.rioeduca.net/blogViews. php?bid=20&id=6678
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É legítimo, portanto, que os principais atores do famigerado “chão da sala” ocupem, também, os espaços intelectuais e políticos que regulam os fundamentos educacionais nas esferas pública e privada; que apesar do baixo investimento e toda a sorte de impedimentos numa caminhada “contra o vento” da hegemonia neoliberal nas políticas educacionais, sejam resistência frente a administração mercadológica da educação, a subserviência ao alcance de índices, a imposição de uma BNCC não democrática e seus consequentes currículos esvaziados e alienantes.
REFERÊNCIAS ANDRADE, Maria Carolina Pires; PICCININI, Cláudia Lino. Educação Ambiental na Base Nacional Comum Curricular: retrocessos e contradições e o apagamento do debate socioambiental. IX Encontro Pesquisa em Educação Ambiental. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2017. BEHREND, Danielle Monteiro; COUSIN, Cláudia da Silva; GALIAZZI, Maria do Carmo. Base Nacional Comum Curricular: o que se mostra de referência à Educação Ambiental? AMBIENTE & EDUCAÇÃO – Revista de Educação Ambiental, v. 23, n. 2, p. 74-89, 2018. BRASIL. Decreto-lei n. 9795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm BRASIL. Projeto de Lei do Senado nº 221, de 2015. Disponível em: https://www25. senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120737 BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Educação é a Base. Brasília, DF: MEC, 2017. BRASIL. Ministério da Educação. Educação Ambiental: aprendizes de sustentabilidade. Cadernos SECAD. Brasília, DF: MEC, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais. Brasília, DF: MEC, 1998. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/ arquivos/pdf/meioambiente.pdf BRASIL. Ministério da Educação. Um pouco da História da Educação Ambiental. 2016. Disponível em http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/ historia.pdf
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | GOODSON, Ivor. Currículo, narrativa e o futuro social. Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 35 maio/ago. 2007. LAYRARGUES, Philippe Pomier. Muito prazer, sou a educação ambiental, seu novo objeto de estudo sociológico. Encontro Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em ambiente e sociedade. Indaiatuba. Anais. (P. 1-15) Indaiatuba: ANPED, 2002. LAYRARGUES, Philippe Pomier; LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Mapeando as macrotendências político-pedagógicas da educação ambiental contemporânea no Brasil. Encontro Pesquisa em Educação Ambiental, v. 6, p. 1-15, 2011. LOPES, Alice. Casimiro. Apostando na produção contextual do currículo. In.: AGUIAR, M.A.S.; DOURADO, L.F. A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. Recife: ANPAE, p. 23-27, 2018. MACEDO, Elizabeth. A base é a base. E o currículo, o que é? In.: AGUIAR, M.A.S.; DOURADO, L.F. A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e perspectivas. [Livro Eletrônico]. Recife: ANPAE, p. 28-33, 2018 MORALES, Angélica Góis Müller. Processo de institucionalização da educação ambiental: tendências, correntes e concepções. Pesquisa em Educação Ambiental, vol. 4, n. 1 – pp. 159-175, 2009. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Educação. Descritores. Rio de Janeiro: PCRJ /SME, 2019. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/9688592/4238910/ DESCRITORES_6AO9_1SEMESTRE_2019 RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Educação. Orientações Curriculares. Rio de Janeiro: PCRJ /SME, 2012. Disponível em http://prefeitura.rio/web/rioeduca/recursos-pedagogicos. RIO DE JANEIRO (Cidade). Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Educação. Currículo Carioca 2020. Rio de Janeiro: PCRJ /SME, 2020. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/web/rioeduca/exibeconteudo/?id=10885079 SAUVÉ, Lucie. Uma cartografia das correntes em educação ambiental. In SATO, Michèle; CARVALHO, Isabel (orgs). Educação Ambiental: Pesquisa e Desafios (recurso eletrônico). Porto Alegre: Artmed, 2008. SCHNEIDER, Marilda Pasqual; NARDI, Elton Luiz. Pilares estruturantes da Base Nacional Comum Curricular da educação brasileira: subordinação à agenda global. Revista de Estudos Curriculares, v. 9, n. 1, p. 45-61, 2018. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
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Na minha idade, tudo cabe em uma oração. Hoje, já aposentado, contemplo a vida relativizando o que é relativo em mim, na sociedade e na Igreja, e absolutizando o que é absoluto: Deus e a humanidade Dom Pedro Casaldáliga
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) |
URGÊNCIAS AMBIENTAIS: reflexões sobre o trabalho escravo
Arthur Fernandes de Lima Costa Resende Emerson de Souza Queiroz Alexandre Maia do Bomfim Maylta dos Anjos
INTRODUÇÃO Este ensaio busca relacionar discussões que permeiam a educação ambiental crítica haja vista o estado atual da Floresta Amazônica, com o aumento de registros de queimadas e desmatamento. É necessário ter um olhar cidadão, atento e coerente ao que está sendo vivenciado pelo Brasil. Para não se incorrer em erros ingênuos e afirmar, como em situações anteriores, que o foco do problema é vindo de um pensamento reducionista que culpabiliza o aquecimento global sem de fato compreender outras variáveis. [...] “aquecimento global” virou explicação para maior parte dos fenômenos ambientais. E isso foi nos incomodando [...], considerando a perspectiva que se tem para entender a “Questão Ambiental”, vimos que é mais um caminho para despolitizar o assunto (BOMFIM, 2015, p. 2).
O trabalho proposto não busca promover um debate, político ou conceitual, em relação às queimadas e desmatamentos. Mas busca observar como notícias como estas tornam o cidadão sujeito a todo o pensamento, seja por noticiários, seja por viés político. O brasileiro como cidadão deve desenvolver o senso de pertencimento com isso exercitar a cidadania entendendo que é possível refletir e promover ações que visam reverter a situação atual. Entende-se por refletir a necessidade de debater além de uma educação ambiental meramente preventiva e/ou sanitarista, mas espera-se pensar em uma educação ambiental crítica, capaz de promover cidadania, dignidade e reflexões sobre o trabalho 340
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escravo contemporâneo. Com um olhar atento através de uma cortina de fumaça que tende a esconder os verdadeiros desejos da classe política dominante, em que: A principal característica de uma Educação Ambiental que se propõe crítica é: primeiro, desejar sempre obter a posição mais avançada de um debate, mais liberto possível, o que provavelmente só acontece com quem tem menos a perder e esconder. Segundo, é entender que mesmo alcançando a posição de vanguarda, ela precisa estar em revolucionamento permanente, com uma revisão permanente da prática (BOMFIM e PICCOLO, 2011, p. 191).
Com o entendimento de uma educação ambiental crítica, o que se propõe é que cada indivíduo, além de assumir um pensamento e posicionamento de cunho ambiental, busque compreender que é necessário exercitar uma cultura reflexiva que seja capaz de promover uma educação ambiental com cidadania e dignidade. Cidadania segundo o conceito de que cada indivíduo é membro da nação, dotado de voz e participação política em decisões necessárias. A dignidade é promovida a partir do entendimento que os indivíduos possuem o próprio valor e todos devem ser respeitados, não são os principais causadores da degradação ambiental. A dignidade também no trabalho, que não pode ser escravo, pois em nosso século existem leis e instituições públicas que buscam inibir essa prática, mas para isso é preciso compreender os conceitos de cidadania. Busca-se então uma reflexão frente à urgência de reação às propostas que deterioram cada vez mais a qualidade de vida e o bem estar social. Diante deste quadro indaga-se como uma educação ambiental crítica pode promover cidadania, dignidade e discussões sobre trabalho escravo contemporâneo?
Trilhas e caminhos, identificando as variáveis Para se tratar de cidadania e dignidade antes é necessária uma breve reflexão sobre o conceito de cada um destes termos. Após um aprofundamento neste entendimento será desenvolvida uma reflexão com os temas propostos em debates ocorridos durante o curso do Programa de Pós Graduação Stricto Senso em Ensino de Ciências (Propec). O palco dos debates foram as cadeiras Debates Conceituais em Educação Ambiental e Tópicos em Educação Ambiental, num curso de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências. 341
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Como proposta de abordagem, após a conceituação segue-se uma análise qualitativa dos textos desenvolvidos durante as disciplinas por meio de uma tematização que visa encontrar as referências para uma Educação Ambiental Crítica (EAC) que promova uma cultura de cidadania e dignidade para contribuir na reflexão sobre o trabalho escravo contemporâneo.
Cidadania Ao iniciar o estabelecimento dos diálogos primeiramente é preciso definir o que é a cidadania. Para tanto busca-se sua origem e significado ao longo do tempo. no site do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania (DEDIHC) do estado do Paraná, encontra-se a seguinte definição etimológica do termo. A origem da palavra cidadania vem do latim civitas, que quer dizer cidade. Na Grécia antiga, considerava-se cidadão aquele nascido em terras gregas. Em Roma a palavra cidadania era usada para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que essa pessoa tinha ou podia exercer. Juridicamente, cidadão é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado (GOVERNO DO PARANÁ).
Ainda encontramos o significado da palavra no dicionário como “1. Condição de cidadão. 2. O conjunto dos cidadãos (por oposição ao poder público ou a grupos privados)” (FERREIRA. p.161, 2001). A cidadania é também um dos “fundamentos” da Constituição da República Federativa do Brasil, expressa no artigo 1º, inciso II (BRASIL, 2016). Não distante de seu conceito, cabe evidenciar o artigo 2015, seção I do capítulo III. Que trata da educação e como esta tem sua finalidade na formação de um cidadão: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 2016). Com este panorama a respeito da cidadania, pode-se inferir que um cidadão é a pessoa participante de sua sociedade com direitos políticos e deveres para com a própria sociedade. No caso em que se tem sobre a educação, entendese que promover a educação é desenvolver a cidadania no indivíduo. O cidadão não é somente aquele com poder de voto, o desenvolvimento da cidadania junto a uma EAC é formar um cidadão para além do voto. 342
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Este cidadão não somente reconhece seu papel na sociedade como eleitor, direito de escolher, mas é responsável, na medida em que reconhece seus deveres não somente para com si próprio, mas para com toda a sociedade a que pertence. Este sentimento é refletido também na questão com o meio ambiente, onde cada indivíduo deve entender seu papel na boa condução do ambiente, mas deve compreender que é capaz de mudar o cenário político por meio de seu voto e de sua luta.
Dignidade Para compreender a palavra dignidade será utilizada a definição contida no dicionário de Filosofia: Esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como é, p. ex., um preço), mas intrínseco, ou seja, a dignidade. “O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem D.” (ABBAGANANO, 2007, p. 277).
Novamente consultando o dicionário Mini Aurélio tem-se que dignidade é “1. Qualidade de digno. 2. Função, título, etc., que confere posição graduada. 3 Honestidade” (FERREIRA, p. 256, 2001). Ao trata dos temas “Família, Criança, Adolescente, Jovem e Idoso” a Constituição traz em seu artigo 230 a seguinte redação: A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. (BRASIL, 2016).
Buscando alinhar as definições encontradas pode-se compreender que a dignidade é o valor de cada pessoa, mas este valor tem seu sentido no imaterial, é um valor não monetário, ou seja, não pode ser trocado. A dignidade também encontra espação no direito a vida, onde ter dignidade é condição de possuir direitos. Em sentido oposto à dignidade pode-se enxergar os períodos escravocratas, onde pessoas eram compradas por moedas, ou seja, não continham um valor intrínseco. Suas condições humanas eram tão precárias que eram trocados por dinheiro, ou até mesmo interesses.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Na compreensão de uma EAC entende-se por dignidade o fato de que para além do valor da pessoa humana compreende-se que é necessário observar as condições em que a vida humana está sendo mantida. Neste fato é preciso refletir sobre as condições da manutenção da vida, que valor se tem pelas florestas? Que valores se tem por aquelas pessoas que vivem na e da floresta? Estamos sujeitando o valor e as necessidade da vida em uma metrópole sobre as condições de vida daqueles que vivem na floresta e também suprimindo o valor da própria floresta. A dignidade aqui proposta vai além da dignidade da pessoa humana, na forma ipsis litteris contida na Constituição. É urgente compreender que para a valorização da pessoa humana necessita-se valorizar o meio em que se mantém a pessoa. Ou seja, o meio ambiente deve ser dotado de um valor próprio e devido à manutenção da vida humana. Quando se trata de dar valor, entende-se aqui que é trazer a dignidade para este fato, como se leu no dicionário de filosofia, dignidade é a expressão de um valor. Infelizmente o que se tem visto quanto ao valor do meio ambiente é que e tem trocado uma valor intrínseco pelo extrínseco ao ponto de se criar intuições como o selo verde ou mesmo os créditos de carbono. Ou seja, a floresta e o meio ambiente adquiriram, por imposição humana, um valor monetário que pode servir como troca de interesses e favores de uma sociedade que se impõe e sobre julga o próprio meio em que vive.
Trabalho escravo contemporâneo O termo trabalho escravo contemporâneo é um conceito que aparece no século XXI mesmo após a abolição da escravatura e remodela a escravidão. Retrata a exploração econômica do capital sobre o homem e não o direto legal de propriedade do ser humano. Para Nina (2010), O trabalho escravo contemporâneo vincula-se diretamente ao fenômeno das migrações e não se ampara na legalidade, mas se aproveita da lentidão do Estado, que não acompanha o ritmo da globalização, sendo incapaz de conter o delito que se põe como transnacional (NINA, 2010, p. 96).
Assim, os lucros com a mão de obra descartável muitas vezes acompanhada de violência psicológica se propagam no país, principalmente na região norte onde os índices de pobreza são muito altos. 344
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Principalmente nessas regiões a relação do homem com o trabalho está diretamente ligada à questão ambiental. Bonfim (2011), diz que: Pensar a “Questão Ambiental” na perspectiva do Trabalho, quer dizer, dos homens e mulheres trabalhadores, especialmente dos incluídos precariamente e dos excluídos, parece ser o mais avançado e lugar de construção de uma esperança concreta (BONFIM, 2011, p. 9).
Dessa forma a visão capitalista do trabalho está acima das questões humanas e naturais. Sobre isso, Bonfim (2011) afirma que o “modo de produção” experimentado pela sociedade capitalista que vem exaurindo a Terra. Ainda que o termo “modo de produção” pareça démodé para muitos pensadores, é sob essa “forma de manutenção e desenvolvimento da vida” que construímos esta sociedade consumidora, poluidora, desigual e bélica (BONFIM, 2011, p. 9).
Portanto é preciso refletir sobre as relações de trabalho na sociedade da atualidade em uma perspectiva de dignidade e cidadania. Mas é ilusão pensar que o jogo político não faz parte dessas reflexões sugeridas neste texto, os acordos e interesses que permeiam as florestas perpassam pelos que detém o poder.
O jogo de interesses segundo distintas ideologias Ao exercer a cidadania e refletir sobre o que é legal para as questões ambientais é preciso tomar muito cuidado. O que está por trás de um projeto de lei em nome de problemas sociais e ambientais pode ser na verdade interesse de um grupo empresarial ou político em torno da exploração do trabalho, ninguém sabe ao certo o valor lucrativo, ideológico e político do jogo no momento da votação: Dessa maneira, devemos lembrar que os “problemas sociais” são construídos socialmente e se referem aqueles fatos que se tornam problemas para uma sociedade por estarem relacionados a uma moral estabelecida pelos setores que têm meios e poderes para a imposição de seus valores (LECLERC, 1979). Nesse sentido é que a temática não pode ser vista como deslocada dos seus conteúdos políticos-ideológicos (BOMFIM e PICOLO, 2011, p. 186).
Sendo assim, os conteúdos políticos-ideológicos não estão dissociados dos interesses do poder de quem está com a caneta na mão, sancionando 345
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | e conduzindo votações que decidem o futuro do país. Nessa perspectiva é interessante perceber o que se torna legal, como por exemplo, o agronegócio na campanha publicitária o “agro é pop”, será o que está por trás? Degradação do meio ambiente? Trabalho escravo contemporâneo? Assim como o agronegócio, outro absurdo é a regulamentação da caça no país: ... dia 22 de abril é dia da Terra, da terra... e parece que em nosso país, com suas dimensões continentais, numa terra fértil, sem neve ou desastres naturais, de riqueza vasta e invejada tem um povo que insiste em destrui-la causando perigo ao planeta. E na contramão a Câmara dos Deputados prevê a regulamentação do exercício de caça no país. Trata-se do Projeto de Lei 6268/16 de autoria do deputado Valdir Colatto, membro da bancada ruralista. O projeto anula a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/67), que proíbe o exercício da caça profissional. Defensores do projeto de lei justificam que é preciso conter algumas espécies, pois são consideradas invasoras e oferecem perigos ao ecossistema (FERNANDES, 2019. p. 6, 7).
Da mesma forma acontece com as queimadas na Amazônia. No mês que se comemora o dia da Amazônia, um descaso das autoridades vira palco de polêmica no cenário mundial. Situação que inicia no mês de agosto e continua em setembro, segundo Fernandes: No dia 19 de agosto de 2019, São Paulo, maior cidade da América Latina, recebeu uma tenebrosa chuva negra e a cidade escureceu, como um filme sobre o Apocalipse. Mas a realidade é muito mais implacável, era o efeito das queimadas que ocorriam há 3046 km de lá, na também maior, floresta tropical do mundo. Tudo no Brasil tem gigantes dimensões, incluindo aí o descaso público. Para ratificar o dia da Amazônia o Instituto Socio Ambienta - ISA- lançou a campanha #aguadequeimada. Segundo o ISA a ação é um alerta contra as consequências do desmonte das políticas ambientais promovidos por este governo (FERNANDES, 2019, p. 1).
Conforme citado acima, o cenário que vivemos é uma grande oportunidade para refletir sobre nossa cidadania, dignidade e melhores condições de trabalho. Repensar as escolhas no período de eleição é tomar decisões para além das florestas. Eleger um deputado e um senador é tão importante quanto eleger um presidente, mas parece que não há a devida conscientização em relação à importância, parece proposital. Somente com a postura de cidadão crítico conseguiremos encontrar o caminho de projetos de lei que faça valer a verdadeira legalidade que interessa a sociedade. 346
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A sociedade atual é oriunda de uma cultura que somente visa a exploração, um país colônia e extrativista que somente toma decisões para um público seleto. A dignidade tem sido extraída a cada dia da população, o alarme que ressoa da natureza é o sinal da falta do desrespeito e desvalorização em níveis cruéis a que se chegou a atual sociedade. É necessário um amplo debate para iluminar a mente da atual sociedade para então se refletir sobre o que está sendo proposto a cada dia.
A relevância da cultura na questão ambiental em meio ao jogo de poder Será que existe influência da cultura do nosso país nas questões ambientais? Nossos representantes da classe política são oriundos de grupos sociais que formam nossa sociedade, nesses grupos cada indivíduo é o produto do que viveu o que reflete na tomada de decisões em relação aos aspectos políticosideológicos. Segundo Bomfim e Picolo: Para compreender a importância de considerar os conteúdos político-ideológicos nas reflexões sobre EA, temos que lembrar que a maneira como a educação é construída em uma sociedade, bem como a visão que os membros dessa sociedade possuem sobre a natureza e sua ação sobre ela está estreitamente relacionada à cultura desses grupos sociais. O termo cultura é entendido aqui como uma categoria intelectual, um conceito utilizado pelos antropólogos para a interpretação da vida social e para o conhecimento entre os homens e os grupos sociais. Isto porque a cultura é vista com a maneira total de viver de um grupo, sociedade, país, e pessoa entendida como produto e produtora da sociedade (BOMFIM e PICOLO 2011, p. 186).
No aspecto discutido nesse texto, a influência cultural sobre Educação Ambiental possui grande relevância na compreensão dos impactos negativos que a natureza vem sofrendo ao longo do tempo. A construção de conceitos e valores voltados à relação do homem com a natureza permite entender a importância da Amazônia para o planeta, mas quem não possui essa construção fica cerceado dessa compreensão. Caso seja um representante político, pode trilhar caminhos sem volta para a degradação do meio ambiente, preocupação das últimas décadas:
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Esta preocupação global advém, principalmente, da degradação do meio ambiente, destruição de habitats; das práticas nãosustentáveis de uso dos recursos naturais, da colheita excessiva – provocando erosão, inundações e alterações do clima; da poluição das águas de oceanos, rios e lagos; da introdução inadequada de plantas e animais exógenos; isto tudo acarretando perda acelerada da diversidade biológica. Essa relação do homem com a natureza baseia-se numa visão da sociedade ocidental moderna capitalista de que a natureza é infinita e desprovida de valor (BOMFIM e PICOLO, 2011, p. 186).
Essa relação de desapego às questões ambientais associadas à visão capitalista ocidental moderna são fatores incisivos na degradação do meio ambiente. É preciso investimentos na mudança de pensamento cultural em alguns grupos sociais em relação ao meio ambiente para minimizar os impactos ambientais. Se faz urgente o desenvolvimento de uma cultura crítica que seja capaz de observar e refletir a que caminho a sociedade está sendo dirigida. Mas acima de crítica, esta cultura de estar apta responder e propor dando um novo norte, uma tomada de decisão ativa frente aos problemas que se enfrenta no hoje. Além de uma sociedade que visa um futuro melhor é urgente uma sociedade que compreenda que hoje é necessário haver real mudança em seu modus operandi e encontre novo caminho a seguir.
CONSIDERAÇÕES Fomentar uma cultura de educação ambiental que promova uma devida reflexão entre a cidadania, a dignidade e o trabalho escravo contemporâneo é de certa forma cultivar na sociedade uma semente de liberdade. A maior parte das propostas e orientações vindas de um dito centro do poder não viabilizam o libertar da sociedade, e sim a condução para uma sociedade cada vez mais desigual e dependente de um sistema idealizado para privar o olhar crítico e participativo. O refletir sobre as proposições políticas deve fazer parte da cultura local. A cada dia a sociedade caminha para um lugar onde estará aprisionada em si mesma, limitada a não observar e incapaz de refletir sobre as questões básicas que a envolve. Ou seja, a sociedade atual caminha em direção a privação
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da dignidade. Este termo dignidade, que é oriundo do latim com o significado de honra, virtude, consideração. É neste texto utilizado para evidenciar que o indivíduo está sendo desconsiderado de questões que o interferem. É debatido sobre a fumaça em São Paulo, mas quem entrevistou o morador da floresta Amazônica para entender como é viver em meio a queimadas e invasões do “boipiranha”, quem deu ouvidos ao morador ribeirinho que passou meses sem tirar comida e sustento do rio Doce; ou ainda quem ouviu o relato de uma das dezenas de pessoas que estavam no refeitório da Vale em Brumadinho? Não distante da reflexão sobre a dignidade, deve-se envolver mais a sociedade a um caminho a dirija para promoção da cidadania, entendendo o papel de cada indivíduo ao escolher representantes que realmente os identifiquem, deve-se estar atento para não corroborar em movimentos e ideologias obscuras e que por de trás de uma ilusão estão conceitos que somente visam a degradar e consumir a vida de um modo geral. Neste trabalho buscou-se convergir como fatos históricos podem estar relacionados a posições políticas não muito claras para a sociedade. A promoção de cidadania e dignidade visa ter como resultado uma sociedade menos ingênua e mais reflexiva, que busca compreender fatos e investigar como as decisões, muitas vezes impostas, refletem de forma ampla no modo de vida. As queimadas e demais desastres naturais não podem ser submetidos a pessoas, mas sim a uma cultura exploratória de decisões que não visam um modo de vida salutar, antes um modo de vida que gera indivíduos dependentes e cegos, alheios a decisões e incapazes de perceber como são manipulados.
REFERÊNCIAS ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes. São Paulo, 2007. _________, A. M. do; PICCOLO, F. D. Educação ambiental crítica: a questão ambiental entre os conceitos de cultura e trabalho. Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, v. 27, julho a dezembro de 2011. BOMFIM, A. M. do. “O senhor não sabe não...? isso é devido ao aquecimento global”: a educação ambiental midiática a contreplo. 37ª Reunião Nacional da ANPEd, 2015, UFSC – Florianópolis. BOMFIM, A. M. do. Trabalho, meio ambiente e educação: apontamentos à educação ambiental a partir da filosofia da práxis. Revista Labor n. 5, v.1, 2011.
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal. Brasília. 2016. FERNANDES, Duda. Dia 5 de Setembro, Dia da Amazônia. Disponível em https:// www.redelatitudes.com/2018/04/o-agro-e-tech-mas-nao-e-pop-popular-8.html _________, Duda. O Agro é Tech mas não é pop. Disponível em https://www. redelatitudes.com/2018/04/o-agro-e-tech-mas-nao-e-pop-popular-8.html FERREIRA, A. B. de H. Mini Aurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 2001. GOVERNO DO PARANÁ. Secretaria da Justiça, Trabalho e Direitos Humanos Departamento de Direitos Humanos e Cidadania – DEDIHC. Disponível em: http:// www.dedihc.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=131 Acessado em 18/10/2019. Layrargues, P. P. Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentável: evolução de um conceito? Revista Proposta, Rio de Janeiro, v. 24, n. 71, p. 1-5, 1997. Löwy, M. Crise ecológica, crise capitalista, crise de civilização: a alternativa ecossocialista. Caderno CRH, Salvador, v. 26, 67, p. 79-86, jan./Abr. 2013. NINA, Carlos Homero Vieira. Escravidão ontem e hoje: aspectos jurídicos e econômicos de uma atividade indelével sem fronteira. Brasília: [s.n.], 2010. UMA Verdade Inconveniente: Um Aviso Global. Direção: Davis Guggenheim. Roteiro: Lawrence Bender, Scott Burns, Laurie Lennard e Scott Z. Burns. Intérpretes: Al Gore. Lawrence Bender Productions / Participant Productions, 2007. 1 filme (100min), son., color.
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P O S FÁ C I O
Sufocamos os rios, transformando-os em nossos esgotos químicos, nossas fossas, nosso lixão. Poluímos o ar que respiramos com gases tóxicos que torna o céu cinza e os pulmões frágeis. Infertilizamos os solos, contaminandoos com safras imensas de venenos. Enfraquecemos a natureza em seus minérios que são retirados para produção de supérfluos. Extinguimos espécies animais e vegetais que dão vida e beleza ao mundo Criamos com isso um ambiente cinza, monocromático, fedorento e insípido. Esse quadro que avança em dilapidação da natureza tem um tripé alimentado pelas mudanças climáticas, perda de diversidade e negação da ciência. Essas condições nos desafiam a pensar e a fazer um mundo pela lógica ecológica que cultive sentimentos como esperança, afeto, alteridade, ética e justiça. Fora do ambiente natural não há vida humana. Dessa forma, o livro expôs, em seus artigos, um novo descortinar de ações e olhares que assumem, na qualidade inerente do processo de reflexão, a continuidade da vida. Assim, salientou o campo das vulnerabilidades socioambientais provocados por disputas e conflitos de interesses. Salientou o quadro que avança em dilapidação da natureza e das vulnerabilidades ambientais, mostrando que a sociedade civil tem que se organizar em proteção do ambiente e da vida. Que ações integradas e complementares entre os diversos setores das esferas públicas devem ser realizadas na observância das capacidades coletivas, acopladas à solidariedade no processo de ensino e aprendizagem. Em que se aprende num eterno gerúndio de teoria e prática, numa práxis que vai se estabelecendo num eterno conhecendo, vendo, observando, fazendo, ensinando, construindo, insistindo, acreditando, transformando, vivendo e esperançando. Parabéns aos 43 companheiros que engrossam na defesa do meio ambiente, presenteando a sociedade com seus estudos e reflexões. Viva, viva, Adorei estar aqui com vocês. Assim homenageio a cada um nominalmente. Parabens, professores, pesquisadores, profissionais liberais: Alexandre Brasil Fonseca; Alexandre Maia do Bomfim; Ana Caroline Pereira; Ana Helena Grieco 351
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Gonzalez; Ana Helena Grieco Gonzalez; Andreia Jerônimo Viana; Angélica Gomes da Silva Gouvêa; Arthur Fernandes de Lima Costa Resende; Clarissa de Mello Braga Teixeira Bianco; Dayenne Dutton Doresti de Assumpção; Denise de Medeiros Frias; Denise Espellet Klein; Diogo Fernandes Rosas; Edgar Miranda; Elisabete Guilhermina dos Santos; Elizabete Cristina Ribeiro Silva Jardim; Emerson de Souza Queiroz; Eva Nascimento Bernardino; Felipe de Souza Cruz; Fernanda Martins Cordeiro Alves; Gabriela Ventura; Grazielle Rodrigues Pereira; Jefferson da Silva; Jose Abdalla Helayël; Lenita Leite de Oliveira Fernandes; Marcelo Borges Rocha; Marcus Vinicius Pereira; Mariana Petri; Marianna Duarte Alves; Marina Morim Gomes; Mauro Sergio Francisco Marinho da Costa; Maylta dos Anjos; Ophelio Walkyrio de Castro Walvy; Patrícia Simas Alves Camilo; Paula da Silva Santos; Shirley Ferreira Weitzel; Soraya Miranda Castello Branco; Taísa de Oliveira Vieira; Thaís Parméra; Túlio Vieira dos Santos; Valéria da Silva Lima. Vanessa de Souza Rosado Drago e Vanessa dos Anjos de Oliveira.
Francisco José Montório Sobral
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MINIBIOGRAFIA DOS AUTORES
Alexandre Brasil Fonseca - Ciências Sociais pela UFRJ. Mestrado em Sociologia e Antropologia pela UFRJ. Doutorado em Sociologia pela USP e pós-doutorado pela Universidade de Barcelona. Atuou como assessor na Presidência da República (2012-2016) nas áreas de participação social e direitos humanos. É professor associado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Diretor do Instituto NUTES de Educação em Ciências e Saúde. pesquisador nas áreas de Sociologia e Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: alimentação e cultura, educação em saúde, desigualdades, diversidade religiosa, mídia e desinformação. Alexandre Maia do Bomfim - Ciências Sociais pela UFF. Mestrado em Educação pela UFF. Doutorado em Ciências Humanas-Educação pela PUC do Rio de Janeiro. Atualmente é professor associado II do IFRJ. Pesquisa na área de Trabalho e Educação, Educação Ambiental. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências - PROPEC. E-mail: alexandre.bomfim@ifrj.edu.br Ana Caroline Pereira - professora, graduada em Ciências da Natureza - Licenciatura, pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. É professora regente de turma da Educação Infantil e Ensino Fundamental - Anos Iniciais há nove anos. Atua na rede pública de ensino nas prefeituras municipais de Nova Iguaçu e Duque de Caxias na Baixada Fluminense. Email: pereiracaroline@live.com Ana Helena Grieco Gonzalez - bióloga e mestra em Ciência, Tecnologia e Educação pelo CEFET. Docente da Secretaria Municipal de Educação de Maricá/RJ. E-mail: anahelenagg@hotmail.com Andreia Jerônimo Viana – Bióloga. Especialização em Gestão Ambiental/ IFRJ. Professora regente em escolas públicas (SEEDUC) e escolas privadas. Angélica Gomes da Silva Gouvêa - Mestre em Educação e políticas públicas pela UFRJ. Professora do Colégio Pedro II dos Anos Iniciais. Graduanda em Filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Arthur Fernandes de Lima Costa Resende - Mestrando no PROPEC/IFRJ. Especialista em Gestão Escolar: Administração, Supervisão e Orientação Graduado em Matemática. Docente na educação básica nas redes Municipal de São Gonçalo e Niterói, pesquisador da Educação STEAM no Brasil. Atua em: Projeto Material Lúdico no processo ensino e aprendizagem. A contribuição da Teoria das Representações Sociais (TRS) para investigação da prática pedagógica dos professores de matemática, Brincando com a álgebra. E-mail: aflc.arthur@gmail.com
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Clarissa de Mello Braga Teixeira Bianco - Bacharel em Ciências Ambientais (UNIRIO) e cursando pós-graduação em Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atuante na área de diagnóstico e remediação ambiental. Dayenne Dutton Doresti de Assumpção - Ciências Biológicas na UCB. Especialista em Educação Ambiental na FIS e pós-graduanda em Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atua na área de educação como professora regente. Denise de Medeiros Frias – Pedagoga pela UFRJ. Pós-graduada em Educação, Diversidade e Cidadania, pela FEL. Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Ensino em Educação Básica, no CAp/UERJ. Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio Pedro II. Participante do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade (GEPES), pelo Colégio Pedro II e do Grupo de Pesquisa Formação em Diálogo: Narrativas de Professoras, Currículos e Culturas (GPFORMADI), pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Atua nas Linhas de Pesquisa “Currículo e Ensino” (GEPES), “A formação de professores na escola” (GEPES) e “Educação e diferença” (GPFORMADI). Denise Espellet Klein - Bióloga, doutora em Biociências e Biotecnologia Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Pós doutorado em Botânica. Docente do IBIO - UNIRIO atuante em Licenciaturas e Bacharelado de Ciências Biológicas. Mãe e cientista. E-mail: kleindeni@gmail.com Diogo Fernandes Rosas - Formado em Ciências Biológicas e em Engenharia Ambiental e Sanitária, com complementação pedagógica para formação de docentes. Especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho e também em Ensino de Ciências. Tem experiência em Gestão Ambiental, Licenciamento Ambiental e Gerenciamento de resíduos. Atualmente cursa Mestrado em Engenharia Ambiental na UERJ, na linha de pesquisa de Gestão Sustentável de Recursos Hídricos. E-mail: diogo.rosas@gmail.com Edgar Miranda - Doutor e mestre em Educação em Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. É Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio Pedro II, onde coordena o Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade - GEPES. Seus interesses de pesquisa concentram-se nos processos de construção e recontextualização de políticas educacionais e curriculares; no currículo e ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na formação de professores. Elisabete Guilhermina dos Santos - Psicologia e Biologia. Atua na área da Educação desde 1983, como professora do Ensino Médio da disciplina Biologia, tendo trabalhado na Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Professora FAETEC. Coordenadora de área e Coordenadora da Agenda 21 Escolar da Escola
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Técnica Estadual João Luíz do Nascimento. É Mestre no Ensino de Ciências da Saúde e do Meio Ambiente, Especialista em Educação para a Gestão Ambiental, Sócia da Empresa RDB Instrutoria e Consultoria Empresarial e Ambiental. Atua como Psicóloga Clínica, Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental e Dinâmica de Grupo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Ambiental. Coordenou O Programa de Coleta Seletiva Solidária da Prefeitura Municipal do município de Mesquita- RJ. Autora do livro Brincando com a Educação AmbientalGuia Prático para o professor trabalhar a Educação Ambiental de forma lúdica. E-mail: guilherminarj@yahoo.com.br Elizabete Cristina Ribeiro Silva Jardim - Doutora em Educação em Ciências e Saúde Nutes-UFRJ. Graduada em ciências/ biologia - UFRRJ. Com Fonseca, A. B. C. e Frozi, D. S. é autora de “Alimentação escolar: complexidade e aprendizados do plantar ao comer”. In: M. J. de Pinho; M. V. R. Suanno; J. H. Suanno; e. P. N. Ferraz. (org.). Complexidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade na educação superior. 1ª ed. Goiânia: editora Espaço Acadêmico, 2015, v. 1, p. 57-75. Com Fonseca, A. B. C. e Dysarz, F. P. é autora de “Escolhas para as práticas pedagógicas e contribuições para a transdisciplinaridade”. In: M. S. L. Lima; M. M. D. Cavalcante; J. A. M. de Sales; I. M. S. Farias. (org.). Didática e prática de ensino na relação com a escola. 1ed.fortaleza: editora da universidade estadual do Ceará-eduece, 2015, v. 1, p. 02152-02163. Com Brandão, R. E. A. e Figueiredo, G. O. é autora de “Contribuições das ideias de Paulo Freire para uma crítica da educação brasileira na conjuntura política contemporânea”. In: l. A. V. Sartório; l. A. Lino; N. M. P. Souza. (org.). Política educacional e dilemas do ensino em tempos de crise. 1ª ed., São Paulo: editora livraria da física, 2018, v. 1, p. 465-500. e-mail : elizabete_crs@yahoo.com.br Emerson de Souza Queiroz - Mestrando no PRPEC/IFRJ. Aperfeiçoamento profissional na área de Educação Cientifica no British Council em London, Inglaterra); Especialista em Novas Tecnologias no Ensino da Matemática UFF Graduado em Matemática (UGF). Docente no ensino superior (FEUC), e docente na educação básica nas redes estadual SEEDUC e Municipal de Japeri, pesquisador da Educação STEAM no Brasil. Ocupou a função de coordenador de Matemática na Secretaria de Educação de Japeri (SEMED), implantou na Rede Municipal de Japeri o Projeto Prepara Japeri – Educação para todos e o Projeto Música e Matemática se reciclam com arte. Eva Nascimento Bernardino - Graduada em Pedagogia pela UFRJ, é professora do Departamento de Anos Iniciais do Colégio Pedro II, pesquisadora do GEPES - CPII (Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade) e pesquisadora voluntária do GEPROD - UFRJ (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Profissão e Formação Docente).
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | Felipe de Souza Cruz – Biólogo - Mestre em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos pela UERJ. Especialização em Gestão Ambiental/IFRJ e Especialização em Gestão de Projetos Ambientais. Formação Tecnicista em Biologia Marinha. Teve sua formação voltada para a área de Monitoramento Ambiental, estudando linhas de pesquisas voltadas para a Ecotoxicologia Aquática e Qualidade das Águas, também atuando na área de Conservação e Preservação de Unidades de Conservação, tendo como características a conservação e manejo de áreas verdes. E-mail: felipe.scruz@ live.com Fernanda Martins Cordeiro Alves – Licenciada em Ciências Biológicas pela UNESA. Especialização em Educação Ambiental pela Universidade Gama Filho (UGF) e mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PROPEC) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). É professora de Ciências nas redes estadual e municipal de educação do Rio de Janeiro (RJ). Gabriela Ventura - Professora do Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Rio de Janeiro IFRJ. Doutora em Educação em Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUTES)/UFRJ. Mestre em Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz / Instituto Oswaldo Cruz. Licenciada em Ciências Biológicas pela UFRJ. Docente do Programa de pós-graduação Lato sensu em Educação e Divulgação Científica do Campus Mesquita/IFRJ e docente do Programa de Mestrado em Rede em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Desenvolve pesquisa, extensão e ensino nas áreas da Educação Ambiental, Educação em Ciências, Divulgação Científica e Educação Profissional e Tecnológica. Grazielle Rodrigues Pereira - Doutora em Ciências Biológicas (Biofísica) pela UFRRJ. Mestre em Ensino de Biociências e Saúde pela FIOCRUZ. Especialista em Neuroeducação e Licenciada em Física. Professora do IFR. Atua como pesquisadora e docente permanente no Pós-Graduação stricto sensu em Ensino de Ciências e no Programa de Pós Graduação Lato Sensu em Educação e Divulgação Científica, ambos do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. É pesquisadora e docente permanente do Mestrado Profissional em Educação, Gestão e Difusão Científica do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Jefferson da Silva - graduado em Licenciatura em Matemática, especialista em Novas Tecnologias no Ensino de Matemática e mestre em Ensino de Ciências. Trabalhou com o ensino fundamental durante cinco anos de 2008 a 2012. Professor do ano ensino médio desde 2012. E-mail: jeffersonsilva_2005@yahoo.com.br Jose Abdalla Helayël - PhD em Física, também pela International School for Advanced Studies in Trieste (1983), onde realizou seus estudos formativos no Grupo
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do Prof. Abdus Salam, sob a orientação do Prof. J. J. Strathdee. Complementou a sua qualificação através de estágios de Pós-Doutoramento no Abdus Salam International Centre for Theoretical Physics (ICTP), na International School for Advanced Studies in Trieste (SISSA), na Università degli Studi di Trieste e no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCTI). Pesquisa também na área da Educação, com foco na Educação em Periferias Urbanas, trabalhando em projetos que focam a Educação para Ciência, a Divulgação Científica, a Orientação Vocacional e o Ensino em Cursos de Pré-Vestibular Sociais voltados para as classes populares. No Núcleo de Petrópolis (PVNC), que co-fundou em 1994, trabalhou até 2018. Desde 2019, coordena no CBPF o Pré-Universitário Ciência e Cidadania (PUCC), no qual integra a equipe de professores do Núcleo de Física-Matemática-Filosofia e do Núcleo de Ciência-Cultura-Cidadania. Lenita Leite de Oliveira Fernandes - Exerce a função de professora há 18 anos, tendo sido professora das redes municipais de Nova Iguaçu, Mesquita, Duque de Caxias e Rio de Janeiro. Atualmente exerce a função de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Colégio Pedro II, lecionando nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Possui graduação em Pedagogia - Faculdades Integradas Simonsen (2013), especialização em Gestão Escolar Integrada e Práticas Pedagógicas pela UCAM Prominas (2016), mestra em Ensino de Ciências e Saúde pelo Instituto NUTES/UFRJ e cursa especialização em Neurociência Pedagógica pela AVM/ UCAM. Participa como integrante do GEPES (Grupo de Estudos, Pesquisa, Extensão e Sociedade) do Colégio Pedro II em parceria com o Instituto Nutes/UFRJ e o Instituto de Física da UFF e também participa do projeto do Clube de Ciências das séries finais do 1° segmento do Ensino Fundamental no Colégio Pedro II campus Realengo I. Marcelo Borges Rocha - Biólogo, doutor em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós doutorado em Administração Pública. Docente da graduação CEFET. Atua em programas de pós graduação do CEFET e da UFRJ. Coordenador do LABDEC. Email: rochamarcelo36@yahoo.com.br Marcus Vinicius Pereira - Licenciado em Física, Mestre em Ensino de Ciências e Matemática e Doutor em Educação em Ciências e Saúde. “Jovem Cientista do Nosso Estado” da FAPERJ. Coordena o Laboratório de Pesquisa em Tecnologia, Educação e Cultura (LABTEC) do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), onde atua como professor e pesquisador desde 2006. Docente do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PROPEC) do IFRJ e do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde (PPGECS) da UFRJ. Atualmente, exerce o cargo de Pró-reitor de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação no IFRJ. Seus interesses de pesquisa têm se concentrado em investigar a produção e a recepção audiovisual,
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | o papel de atividades prático-experimentais, das tecnologias e metodologias ativas em contextos educativos do ensino de ciências, além do papel da formação em pós-graduação em ensino, em particular a modalidade profissional de mestrado e doutorado em ensino e os produtos educacionais desenvolvidos. http://lattes. cnpq.br/7374980263691850 - E-mail: marcus.pereira@ifrj.edu.br Mariana Petri - Professora do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). Licenciada em Ciências Biológicas e Mestre em Biologia Animal pela UFES. Doutoranda em Educação em Ciências e Saúde pelo NUTES/UFRJ. Marianna Duarte Alves - Especialização em Gestão Ambiental/ IFRJ. Bacharel em Engenharia Química pela Faculdade SENAI- CETIQT. Atua na área de gerenciamento de resíduos perigosos. Marina Morim Gomes - Mestrado em Zoologia pelo Museu Nacional/UFRJ. Especialização em Gestão Ambiental no IFRJ. Bióloga pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mauro Sergio Francisco Marinho da Costa - Especialização em Gestão Ambiental/ IFRJ. Biólogo (FAMATH). formado em Ciências Biológicas, com ênfase em Biologia Marinha e atualmente cursa a especialização em Gestão Ambiental no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. Teve sua formação voltada para a área de Monitoramento Ambiental, estudando linhas de pesquisas voltadas para a Bioindicadores e Qualidade das Águas de áreas costeiras. E-mail: maurobiomarmarinho@gmail.com Maylta dos Anjos - Doutora em Ciências Sociais. Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Docente e pesquisadora dos Programas de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica PROFEPT/ IFRJ. Ophelio Walkyrio de Castro Walvy - Possui Bacharelado e Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade Santa Úrsula. Especialização em Análise de Sistemas pela Universidade Veiga de Almeida. Mestrado em Educação Matemática pela Universidade Santa Úrsula e Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense. É professor titular do IFRJ. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de ciências, interdisciplinaridade, ensino médio e ensino técnico-profissionalizante, articulação entre as linguagens disciplinares, ambiente escolar colaborativo e aprendizagem com significado. Patrícia Simas Alves Camilo - Formada em Engenharia de Produção pela Universidade Veiga de Almeida e pós-graduada em Engenharia de Segurança no Trabalho pela Universidade Federal Fluminense, cursando pós-graduação em Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atuante na área de
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segurança no trabalho, como gestora da Coordenação de Segurança no Trabalho da UERJ. Paula da Silva Santos - Bacharel em Ciências Ambientais e cursando pós-graduação m Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atuante na área de consultoria e engenharia ambiental, com enfoque no gerenciamento de áreas contaminadas. Shirley Ferreira Weitzel - Formação técnica em química e graduação em Engenharia de Química pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), aluna do curso de pós-graduação em Gestão Ambiental no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e de pós-graduação em Legislação, Perícia e Auditoria Ambiental na Universidade Estácio. Atuante na área de tratamento de água para reuso como projetista de estação e supervisora técnica. Soraya Miranda Castello Branco – Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências (PROPEC) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ). É professora de Ciências nas redes municipais de educação do Rio de Janeiro (RJ) e Quissamã (RJ). Taísa de Oliveira Vieira - Professora mestre de Física para turmas do Ensino Médio com experiências em escolas públicas e particulares. Graduação em Física. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, IFRJ, Rio De Janeiro, Brasil. Mestrado Profissional em Ensino de Física. Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio De Janeiro, Brasil. E-mail: taisa_br27@hotmail.com Thaís Parméra - Bióloga (Licenciada e Bacharel) pela UERJ, cursou Direito pela UFF e é Analista de Sistemas Informatizados pelo Instituto Superior de Tecnologia em Ciências da Computação do Rio de Janeiro (Faeterj- Rio). É mestre em Ecologia e Evolução pela UERJ e Especialista em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ). Atualmente está cursando doutorado no Programa de Pósgraduação em Geociências da UERJ. É paleontóloga, trabalha com reconstruções paleo ambientais e mudanças climáticas além de ser jornalista, editora do Jornal S.O.S. Terra Resistência Verde e integrar a divisão de meio ambiente da ONG Movimento Conservacionista Teresopolitano. É ativista ambiental e de Direitos Humanos e trabalha diretamente com arte, projetos sociais, educação, ensino e divulgação científica há mais de 12 anos. Tem um blog e um canal no Youtube chamado “Utopia Cibernética” e realiza frequentemente parcerias com outros blogs e podcasts do Brasil. Túlio Vieira dos Santos - Mestrando em Educação (PPGE) pela Faculdade de Educação da UFRJ, atuando na linha de pesquisa Currículo, Ensino e Diferença
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| Maylta Brandão dos Anjos (Org.) | (início em 2019). Possui graduação em Ciências Biológicas pela UFRRJ. É Professor de Ciências e Biologia na rede privada do município de Itaguaí. Foi Residente em Iniciação Profissional na Área de Projetos Educacionais, no Jardim Botânico da UFRRJ, desenvolvendo atividades de extensão relacionadas com Arte e Educação Ambiental. E-mail: vieiratulios@hotmail.com Valéria da Silva Lima – Doutoranda e Mestre em Ensino de Ciências pelo IFRJ, Especialista em Deficiência Auditiva/Surdez pela Unirio. Especialista em Contação de Histórias no Imaginário Social pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Pedagoga pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, atua como professora e Orientadora Pedagógica da Prefeitura Municipal de Barra Mansa, contadora de histórias e mediadora presencial do consórcio Cederj (UNIRIO). Tem experiência na área de formação de professores para a Educação Básica e Mediação Docente no Ensino Superior na modalidade EAD. Vanessa de Souza Rosado Drago - Mestra em Educação Básica no curso de Mestrado Profissional em Educação Básica do Colégio Pedro II (2017). Pós-Graduada em Dificuldades de Aprendizagem: Prevenção e Reeducação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011). Graduada em Pedagogia - Magistério das Séries Iniciais do Ensino Fundamental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Tem experiência na área de Educação como professora regente há 17 anos. Atuou de setembro/2001 a março/2010 como Professora Regente da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro. Atua de 2010 até o presente momento como Professora Regente do Colégio Pedro II. Vanessa dos Anjos de Oliveira - Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) no Colégio Pedro II. É especialista em Administração Escolar pela UCAM, graduada em Pedagogia – Licenciatura Plena em Magistério das Disciplinas Pedagógicas e Educação de Jovens e Adultos pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Docência nos Anos Iniciais, Alfabetização de Jovens e Adultos, Orientação Pedagógica e Formação de Professores. Atualmente participa do Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação e Sociedade (GEPES), vinculado ao Departamento do Primeiro Segmento do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II.
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É aqui que uma teia de saberes se faz tão importante. Temos saberes múltiplos, teóricos e práticos, que nos permite refletir ações que têm a intencionalidade de contribuir no processo de transformação da realidade socioambiental em crise. O livro traz ao leitor a possibilidade de compartilhar reflexões filosóficas e educacionais, de um fazer pedagógico comprometido com uma Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória. Estudos como esse demonstram seu compromisso com diferentes dimensões da questão ambiental. Assim, é com grande satisfação que convido os leitores a mergulhar na riqueza de possibilidades que esta importante obra nos traz. Rio de Janeiro, 22 de junho de 2020. Mauro Guimarães
O quadro que avança em dilapidação da natureza tem um tripé alimentado pelas mudanças climáticas, perda de diversidade e negação da ciência. Essas condições nos desafiam a pensar e a fazer um mundo pela lógica ecológica que cultive sentimentos como esperança, afeto, alteridade, ética e justiça. Fora do ambiente natural não há vida humana. Dessa forma, o livro expõe em seus artigos, um novo descortinar de ações e olhares que assumem, na qualidade inerente do processo de reflexão, a continuidade da vida. Assim, salienta o campo das vulnerabilidades ambientais provocado por disputas e conflitos de interesses. Convido você à leitura. Francisco José Montório Sobral
A questão ambiental amplia definições acerca da relação humanidade e natureza. Leva a entender, de forma mais conecta, os fenômenos físicos e naturais, bem como a dinâmica sociopolítica que acontece na sociedade. Os assuntos trazidos, no livro, apresentam caráter polifônico e preservam em melodia e em rítmica o tom instigador e imbricado da relação, essencialmente, interdisciplinar estabelecida entre as dimensões que perfazem essa questão. Há nos temas trabalhados uma trajetória dialogal de “caminhar, observar, vivenciar, refletir e sentir” o que tangencia as ações antrópicas, compreendendo-as num campo de causa e consequência, ação e reação. É nesse contexto que residiu a espinha dorsal dos seguintes artigos: “Diálogos com José Abdalla Helayël Neto: a ciência solicita mais e mais filosofia e se oferece à educação”. “Sobre a forma como os animais não humanos são concebidos nos discursos e nas práticas educativas ou Professora, posso pegar um sapo no valão pra trazer para o laboratório de ciências?”. “A esperança de Paulo Freire e da agroecologia: breves aproximações de uma utopia possível”. “A abordagem do tema água – o curso de aperfeiçoamento do Instituto Terra”. “A proposta de iniciação científica a partir da abordagem CTSA: esquemas de pensamento e modos de agir”. “Educação Ambiental: um olhar para o contexto social do educando”. “Ecocapitalismo e preservação do belo? Um estudo de caso sobre a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza”. “A questão socioambiental nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: reflexões na formação continuada de professores em ciências naturais”. “A Coleta seletiva de resíduos sólidos nas dinâmicas de grupo”. “Matemática e Meio Ambiente: trocando experiências em sala de aula”. “Educação Ambiental e o caso dos canudos plásticos no Rio de Janeiro”. “Unidades de Conservação na Relação entre o Meio Ambiente florestal e urbano”. “A cultura da sustentabilidade no âmbito escolar”. “A temática ambiental nos livros didáticos de Física do Ensino Médio”. “Percepção ambiental: contribuições para estudos em educação ambiental”. “Diga-me com quem andas e eu te direi quem és: educação ambiental em disputa curricular na era da BNCC”. “Urgências ambientais: reflexões sobre o trabalho escravo”. Boa leitura para todos.
Maylta dos Anjos
coleção
DEBATES
Con temp o râneo s em
E D UCAÇÃO
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