OPINIÃO
A nova realidade do transporte marítimo: análise crítica Nos últimos anos temos vindo a assistir ao desenrolar de um novo paradigma nas cadeias logísticas, motivado pelos armadores e transportadores marítimos e a sua visão estratégia e futura de mercado. A pandemia ajudou a clarificar posições, e se no início tínhamos dúvidas, ainda aceitávamos que certas disrupções se justificavam pela lei da oferta e da procura, hoje em dia estão clarificadas as posições, as intenções e os seus responsáveis. A indústria marítima, designadamente nos chamados países armadores, tem sido tradicionalmente protegida. Exemplo paradigmático disso é o “Consortia Block Exemption Regulation”, renovado até 2024 pela Comissão Europeia, que permite uma isenção por categoria das regras de concorrência da UE para os consórcios marítimos (alianças marítimas), o que, na prática, permite acordos entre companhias marítimas para operarem serviços de transporte marítimo em conjunto. A criação destas Alianças a nível global permitiu uma concentração de mercado, reduzindo numa primeira fase os concorrentes diretos, através de uma gestão conjunta da capacidade de oferta e de outros serviços. Após esta primeira fase e da estabilização das alianças e do mercado, foi possível aos armadores marítimos iniciarem uma fase de integração vertical, muito tímida inicialmente, mas que rapidamente acelerou e se tornou mais visível. Atualmente já ninguém tem dúvidas que as compa-
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Marta Borges Advogada Sócia da Machado, Sarmento, soc. adv, SP, RL https://pt.linkedin.com/in/borgesmarta mb@msad.pt
A recente taxa de camionagem que algumas companhias marítimas tentaram implementar em Portugal (…) é um claro exemplo de como estas entidades operam à margem das regras da concorrência e do princípio da liberdade contratual.
nhias marítimas pretendem alargar os seus serviços para terra, com a prestação de serviços de logística, transporte terrestre, ferroviário e aduaneiros. Não se trata aqui de questionar a bondade desta estratégia, mas sim a forma como as companhias a pretendem implementar e ditar ao mercado, não através das regras da livre concorrência e da autonomia privada, mas de uma imposição aos operadores. A recente taxa de camionagem que algumas companhias marítimas tentaram implementar em Portugal, no início deste ano (e que já haviam testado
noutros países), é um claro exemplo de como estas entidades operam à margem das regras da concorrência e do princípio da liberdade contratual. De igual modo, a recusa em contratar com empresas transitárias, mesmo que mandatadas pelos donos das cargas e que representam uma atividade lícita e licenciada. A acrescer, as várias tentativas em aumentar a responsabilidade dos carregadores e transitários, não só através da inclusão dos transitários na figura do “Merchant”, como na imposição de declarações de extensão de responsabilidade (Letters of Undertaking (LoUs) e Letters of Indemnity), a imposição de acordos de crédito, a criação e utilização abusiva das black lists, os custos exorbitantes de paralisações e sobreestadias... Por outro lado, a opção pela construção e utilização dos ULCVs (navios de contentores de grande dimensão), não só pressionou os terminais de carga, com picos de capacidade não ajustados às regras do trabalho portuário e de funcionamento dos Portos, como as ligações ao hinterland, com os transportadores rodoviários a não terem capacidade de resposta adequada. Ora, tudo isto só é possível num mercado muito concentrado, o que permite a estas Alianças marítimas imporem a sua visão e as suas regras, independentemente da fiabilidade e da qualidade do serviço, que todos os intervenientes e entidades reconhecem estar a degradar-se em vez de melhorar. Na verdade, este protecionismo, ainda