Sollicitare n.º 33

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PROFISSÃO

A justiça e a inversão da pirâmide etária

Diana Andrade Jurista

E

m “Portugal Country Fiche on Pensions Ageing Report 2021” conseguimos confirmar algo que já adivinhávamos: daqui a cerca de cinquenta anos, em Portugal, a esperança média de vida feminina subirá de 84,8 para 90,4 anos e a masculina ascenderá de 78,6 para 85,7 anos. Em 2070, cerca de um terço da população terá mais de 65 anos e a força laboral decrescerá de aproximadamente 5 milhões para 3,6 milhões. Algo terá de mudar em todos os setores. A justiça não será exceção. Podemos principiar esta caminhada pela proteção que a lei portuguesa dá aos idosos. A mesma não nos deixa dúvidas sobre o seu direito à participação, à saúde, à autorrealização, à dignidade, à informação, à alimentação, ao seu acesso à justiça, aos direitos sociais, à independência, ao trabalho e à assistência. Todavia, cumpre indagar se esses mesmos direitos se encontram efetivamente acautelados e se não devemos reforçar a sua proteção, sobretudo quando sabemos que a pirâmide etária inverte de forma galopante. É verdade que esta faixa etária tem específico respaldo constitucional. Se olharmos para o artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) - referente à segurança social e solidariedade – ou para os artigos 64.º e 67.º, relativos à saúde e à família, respetivamente, percecionamos a vontade do legislador quanto à promoção da política de terceira idade. Aliás, o seu artigo 72.º dedica-lhes toda a atenção, remetendo-nos precisamente para a importância de se proporcionarem às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação ativa na vida da comunidade. Todavia, note-se que ao abrigo do disposto no artigo 13.º da CRP, referente ao princípio da igualdade, a idade não é considerada como fator potencialmente discriminatório, ao contrário do que sucede com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. E isto merece ser revisitado e alterado. Cumpre, também, cogitar sobre o próprio conceito de idoso. Com o envelhecimento da população fará sentido falar-se em idoso se estivermos perante uma pessoa com 65 anos? E se quisermos avançar para o campo penal, aquilo que parece carecer de análise mais aprofundada é a eventual tutela diferenciada e integrada dos idosos dependentes ou especialmente vulneráveis. Para estas pessoas, faria sentido a existência de direitos especiais, tais como o direito a uma proteção efetiva diferenciada, o direito à assistência, o direito à informação e o direito à indemnização. Outra questão que pode ser suscitada é a (des)proteção dos futuros arrendatários idosos e a oportunidade legislativa para tentar saná-la. Repare-se que a idade do arrendatário, maior ou igual a 65 anos, que foi considerada pelo legislador como fator preponderante na relação de arrendamento habitacional, deixará de ser relevante à medida que os contratos antigos se forem extinguindo. Ora, num momento em que se sabe que haverá uma população idosa crescente, dever-se-ia apostar exatamente em sentido oposto. Encaremos o futuro com realismo: se temos a certeza de que daqui a muito pouco tempo a pirâmide etária portuguesa estará completamente invertida, isso leva-nos a reajustar o panorama da justiça desde já. Há um longo caminho percorrido nesse mesmo sentido, mas a conduta cirúrgica que aqui se advoga será certamente crucial. As políticas públicas deverão acompanhar esta tendência e a justiça tem um papel importante neste processo.

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