PVEC25Abril20

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Não saias do quarto um poema de Joseph Brodski

Não saias do quarto, não cometas o erro de fugir. Se fumas Shipkas, para que precisas de sol? Lá fora, nada faz sentido, especialmente o grito de alegria. Vai até à casa de banho e volta depressa, meu velho. Ah, não saias do quarto, não chames um táxi, meu amigo. Porque o espaço é um corredor que termina num contador. E se a tua querida, de ar sorridente, entrar, expulsa-a sem a deixares despir-se. Não saias do quarto. Finge que tens gripe. Quatro paredes e uma cadeira são o melhor que há no mundo. Para quê deixar este lugar apenas para regressar mais tarde à noite, tal como eras, só que mais abatido? Ah, não saias do quarto. Dança bossa nova com os sapatos calçados sem meias, com um casaco sobre o teu corpo nu. O átrio tresanda a cera de esqui e a couves. Escreveste muito. Mais será excesso de bagagem. Não saias do quarto. Deixa que o quarto te diga que ainda tens bom aspecto. Incognito ergo sum, disse o Conteúdo, insolente, à Forma. Não saias do quarto! Lá fora não encontrarás a França. Não sejas parvo! Sê o que outros não foram. Fica. Não saias do quarto! Deixa a mobília reinar livremente, tenta misturar-te com o papel de parede. Tranca a porta, barrica-te com um guarda-fatos contra cronos, cosmos, eros, raça e vírus. Tradução de João Rodrigues


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