Inútil (volume teórico)

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ZINE INÚTIL


FOTO ZINE INÚTIL

JOÃO CANNO 2020


Resumo O descarte de produtos vem aumentando proporcionalmente ao consumo abusivo da população mundial. Formas de reutilizar estes objetos surgem por todo o Brasil, aplicadas à arte e a utensílios para o dia-a-dia. O trabalho apresenta um estudo baseado em autores que explorarão a construção a partir do já existente analisando obras de Duchamp e Munari, buscando entender seus conceitos e os relacionando às exposições de Lina Bo sobre a cultura vernacular brasileira, e a obra de Gabriela Gusmão sobre “inventos de rua”. O estudo foi feito por meio da semiótica de Pierce, e da reflexão de Cardoso (2014) sobre o tema. Estas pesquisas foram a base para a elaboração e construção em laboratório de novas peças, construídas a partir de um novo olhar sobre artefatos descartados em São Paulo. O trabalho se consuma na produção de um zine, cuja finalidade é expor os artefatos criados, adotando a bricolage também como linguegem gráfica. Palavras chave: 1. Design 2. Artefato 3. Descarte 4. Reutilização 5. Zine


Sumário 5 Introdução

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Design. Artifício. Artefato

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Artefato X Objeto Objeto e significado Os objetos inusitados de Marcel Duchamp Bruno Munari Lina Bo Bardi Contemporâneos de Duchamp 37

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Design. Linguagem. Semiótica

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Lógica da linguagem

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Reuso. Reciclo. Ressignifico

34 Produto 39 Referências 40

Lista de imagens


Introdução “Nunca possuímos tantas coisas como hoje, mesmo que as utilizemos cada vez menos” (SUDJIC, 2008, p.5) Estamos cercados por tantos objetos e artefatos, que não sabemos dizer tudo que temos dentro de nossas casas. Na contramão, vemos pessoas buscando construir peças e utensílios partindo de bases nunca antes vistas, novos artefatos que resultam de combinações e associações imprevistas. Objetos descartados, que não mais desempenham suas funções originais ou sofreram algum tipo de dano, estão sendo requalificados, ganhando novas funções, novas identidades, novos usos no contexto contemporâneo. Figuras 1 e 2 : Ambas a imagens são referentes a “Exposição Bahia” , na quinta Bienal. Setembro 1959, Ibirapuera São Paulo - SP. (imagens escaneadas do livro Tempos de Grossura: Design do Impasse).

No Brasil, cerca de 160 mil toneladas de resíduo sólidos são coletados diariamente, segundo dados do IPEA . Dessas 160 mil toneladas, 57,41%, aproximadamente 91,86 mil toneladas são de matéria orgânica e o restante, 42,59%, 68 mil toneladas, equivale a material que pode ser reciclado. Porém, apenas 13% deste material é reciclado e somente 14% da população é atendida pela coleta seletiva. Portanto, a utilização de material descartado como matéria prima para “invenção” de futuros objetos, além de ser uma prática antiga em comunidades menos abastadas ou menos habituadas ao convívio e ao consumo de produtos industriais, encontra, de certa forma, um estímulo ou incentivo diante de um cenário como esse apresentado pelos relatórios do IPEA acima citados.

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Nota Lina Bo Bardi casou-se com Pietro Maria Bardi em 1946, ano em que veio com ele para o Brasil, Entre 1948 e 1951 fundou com Bardi a empresa Palma – Studio de Arte e Arquitetura, atuando nas áreas de design de objetos, gráfico e interiores. Seus projetos mais conhecidos em São Paulo são a Casa de Vidro (1951), residência do casal, o MASP na Av. Paulista (1969) e o SESC-Pompéia (1986). Entre 1959 e 1965 atuou em Salvador, Bahia, restaurando e revitalizando o conjunto do Solar do Unhão e reformando o teatro Castro Alves. Nos anos de 1980, projetou a Casa do Benin, o conjunto da Ladeira da Misericórdia, o Teatro Glauber Rocha e a sede do Olodum, todos no centro histórico de Salvador. A arquiteta dedicou-se a estudar design e a arte popular. assuntos sobre os quais publicou livros e artigos. (página 20 bibliografias).

Um dos primeiros contatos com esse universo no Brasil, foi celebrado e documentado por Lina Bo Bardi (1914-1992), arquiteta italiana nascida em Roma , e naturalizada brasileira em 1953. (figuras 1 e 2) Lina foi responsável por organizar a mostra “.Exposição Bahia”, na V Bienal de São Paulo (1959) , e a exposição Civilização do Nordeste (1963), no Museu do Unhão, em Salvador, após ter feito uma pesquisa no interior da Bahia sobre Antropologia Cultural e Arte Popular Nordestina. Nestas excursões recolheu objetos singulares e mobiliários desenvolvidos pela comunidade local, de forma espontânea e empírica. Surpresa, a arquiteta reage à descoberta de “objetos úteis” fora do padrão, e com forte apelo cultural vernacular: Matéria prima: o lixo. Lâmpadas queimadas, recortes de tecidos, latas de lubrificante, caixas velhas e jornais. Cada objeto risca o limite do “nada” da miséria. Esse limite e a contínua e martelada presença do “útil e necessário” e que constituem o valor desta produção, sua poética das coisas humanas não-gratuitas, não criadas pela mera fantasia. (BARDI, 1994, p. 35)

As impressões de Lina Bo Bardi refletem uma imagem que nos habituamos a encontrar nos dias de hoje. Com o aumento da marginalização e exclusão social, o ser humano encontra artifícios para sobreviver. Criar é uma alternativa tanto financeira quanto intelectual e essas alternativas incluem desde criação com base em matéria prima “bruta”, como o barro, argila, madeira, metal, etc. até a criação com base em objetos, tanto de descarte quanto que estavam em uso e encontraram outros destinos com finalidades distintas, sendo levados a construção de

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artefatos úteis ou a fazer peças únicas que adquirem status de obras de arte.

Figura 3: Capa da obra do livro em que Gusmão apresenta imagens de objetos encontrados nas ruas das cidades, especialmente na zona sul e no centro do Rio de Janeiro.

Tanto para Lina Bo quanto para Gabriela Gusmão (na nota de rodapé dizer quem é ela), estas criações são alternativas viáveis nas situações de vida em que estas pessoas se encontram. Em Tempos de Grossura (1994) Lina identifica os criadores dos artefatos como artesãos, que constroem a partir de materiais que foram utilizados por eles e, portanto, estes descartes já se encontram à disposição deles. “Mas esta não-alienação artística coexiste com a mais baixa condição econômica, com a mais miserável das condições humanas” (BARDI, 1994, p. 25) Já em Rua dos Inventos , Gusmão trata os construtores como inventores, que buscam pela cidade materiais que podem servir a seus propósitos. (figura 3) Assim a autora reconhece o caráter de “desenho vernacular” que tais objetos assumem, inventados por estes habitantes urbanos. A meu ver, tais engenhos caracterizam o desenho vernacular, refletido de maneira própria a realidade da região em que se encontram. Aqui tratamos de manifestações do povo brasileiro, que com sua capacidade inata traça planos ou estratégias de sobrevivência desenvolvendo projetos. (PEREIRA, 2002, p. 26)

Para entender a transformação e criação destes inventos, estabelecemos como objetivo deste Trabalho de Conclusão de Curso, um estudo abordando o que caracteriza um objeto e um artefato, mostrando suas semelhanças e diferenças, apresentando onde serão utilizados cada um dos termos neste tra-

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balho. Além disso desenvolvemos uma reflexão sobre o significado destes objetos (e para atingir tal objetivo tivemos que estudar a teoria dos signos e a semiótica) ,identificando-os enquanto signos (e identificando os signos que os compõem). Dentre os objetivos secundários deste TCC mostraremos como podem ser dispostos estes elementos de forma a mudar a composição resultante das peças, com pequenas intervenções em elementos característicos que faziam parte do artefato anteriormente. As transformações dos objetos propostas neste trabalho são divididas em três categorias, que eventualmente se sobrepõem: 1. reuso, quando o objeto assume uma nova função, deixando para trás sua função original; 2. reciclagem, quando se restitui a matéria ou se divide o material a fim de criar algo, surgindo um novo artefato; 3. ressignificação, quando desconstruímos e reconstruímos o artefato, a partir da subversão dos significados dos signos identificados. Esses engenhos levam à transformação de um objeto em outro que não o previsto no momento da produção industrial. O novo assume outra função, outro conceito, outro significado, mesmo que mantenha a forma original, transfigurando-a. (PEREIRA, 2002, p. 25)

É imprescindível um estudo de comportamento dos objetos para que possamos fazer uma análise de transformação. Para que isso seja possível, abordaremos a semiótica e a linguagem como instrumentos de

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construção e desconstrução de identidade do artefato, apresentando os conceitos de Charles Sanders Peirce (1839 - 1914), criador da semiótica. Para que entendamos melhor a construção dos artefatos, este projeto busca analisar produções construídas a partir da reutilização de artefatos, como uma forma de expressão e de sustento. Este levantamento feito através de pesquisas em livros, artigos e documentários, que abordam o tema em diferentes âmbitos, a fim de se observar e absorver os conhecimentos que já foram discutidos e relatados sobre o tema em questão.

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Design. Artifício. Artefato Design, um termo tão amplo quanto a própria concepção de arte. Desde o início dos tempos o conceito de “design” foi o responsável por traduzir modos de pensar e produzir objetos/ produtos; a forma ou maneira com a qual os objetos seriam vistos e como seriam produzidos ou reproduzidos (manufatura e indústria). É a óptica pela qual a sociedade enxerga e traduz os padrões da época. O design é a linguagem que uma sociedade usa para criar objetos que reflitam seus objetivos e seus valores. Pode ser usada de formas manipuladoras e mal-intencionadas, ou criativas e ponderadas. (SUDJIC, 2002, p.49)

Sabemos que o design induz o comportamento de como os produtos serão percebidos, pois, entendido como “projeto”, deve assumir uma finalidade e, assim, procurar atingir um objetivo através da opção por este ou aquele modo de conceber o que se pretende produzir. Mas, para se compreender sua natureza precisamos estabelecer uma conexão ainda mais profunda com a essência do que está sendo criado e concebido, em termos de origem e destino de uma ideia. “Sua raiz etimológica está no latim arte factus, “feito com arte”, [...] ou seja: tudo aquilo que não é natural.” (CARDOSO, 2014, p.47).

Para Cardoso (2014), os artefatos têm uma característica essencial: todos surgem com uma finalidade utilitária, e se originam de um “fazer” artístico (daí o hábito de denominarmos artistas os artesãos), um há-

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bito ou técnica de lidar com um material com talento e diferenciação. Para Cardoso (2014) para existir um entendimento do artefato deve-se entender seis fatores que são determinantes para a construção do seu significado: três deles relacionados à compreensão, “ponto de vista”, “discurso” e “experiência” e os outros três à materialidade, “uso”, “entorno” e “duração”. Assim, o autor se vale de um exemplo, como um relógio, para analisar como se daria a produção de significado do objeto pensada para cada fator: • O fator “uso” revela como o artefato funciona, levando a entender qual seria sua função. Por exemplo: Aparelho de marcação de tempo de um dia (24 horas). • O fator “entorno” apresenta o artefato, tendo em vista a sua visibilidade, construção e aceitação. Diz respeito ao contexto, em que o objeto será utilizado. Por exemplo: Como será o relógio: parede, pulso, bolso, está relacionado ao momento histórico e a necessidade do usuário. • O fator “duração” mostra tempo de vida do artefato, quanto tempo ele se mantém o mesmo. Por exemplo: O quanto o relógio será usado até não servir mais a sua função. A pulseira de couro, de um relógio de pulso, caso não tenha manutenção e cuidado constante, acaba rachando e se despedaçando, mudando suas características. ”A existência de qualquer objeto decorre dentro de um ciclo de vida que comporta desde sua criação até sua destruição.” (CARDOSO, 2014, p.66).

• O fator “ponto de vista” é a óptica pela qual a

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sociedade vê o artefato. Por exemplo: Que tipo de relógio é usado no momento, hoje é comum as pessoas responderem à pergunta “que horas são”, pegando o celular no bolso e vendo as horas em um relógio digital (hoje utilizado como acessório/status/diferencial). • O fator “discurso” é a forma com que o “ponto de vista” é divulgado e compartilhado. Por exemplo: Qualidade que são passadas para influenciar o seu uso, propagandas, conversas com amigos e até mesmo review, que são feitos em sites e vídeos. • O fator “Experiência” demonstra sua relação com o artefato, relação direta com o “uso” e o “ponto de vista”. Por exemplo: A impressão ao usar aquele determinado produto. No caso de um relógio de pulso, se ele é “clean”, transmite sua informação com objetividade; se é ergonômico, todo tipo de contato com ele melhora ou piora sua experiência. A bagagem que possuímos de vivências, obtidas diretamente ou por empréstimos, colore nossa percepção e define o modo como processamos qualquer experiência atual. (CARDOSO, 2014, p.73).

Esses fatores, para se entender um todo, muitas vezes não são de entendimento simples quando separados, porque todos são complementares e são intrínsecos ao artefato, sendo que a separação de cada tópico como está acima, acaba por ser ineficaz para entender o pleno significado do objeto. Destacamos esse ponto pois, segundo a semiótica peirceana nenhum significado é definitivo, sendo sempre parcial, e sujeito as circunstâncias em que ele é atribuído a qualquer objeto.

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A palavra “artefato” tem a mesma origem da alavra “artificial”, que quer dizer produzido por uma técnica antinatural (dicio.com.br). Desta maneira ambos os termos estão ligados de forma que, para que um artefato exista, deve haver ou ter havido intervenção humana em qualquer escala, concluindo que todo artefato é construído de forma artificial. (CARDOSO, 2014)

Artefato X Objeto É bom introduzir logo a distinção de objeto e artefato, [...] Uma montanha, uma pedra ou uma árvore são objetos, mas não artefatos. Artefato é um objeto feito pela incidência da ação humana sobre a matéria-prima: em outras palavras, por meio da fabricação. (CARDOSO, 2014, p. 47).

Para Cardoso (2014) existe uma diferença tênue entre objeto e artefato.

Figuras 4 e 5: Pedra sabão, o material utilizado de diversos tipos de artesanatos, como panelas e socador de alho.

Objeto, do latim “objectum” (dicionário Michaelis), é muitas vezes colocado como sinônimo de artefato, porém divergem em aspectos cruciais. Como dito antes o artefato tem uma finalidade, e resulta de intervenção humana. O objeto é, literalmente tudo que é posto à nossa frente, ou seja, todo artefato pode ser chamado de objeto, porém nem todo objeto pode ser chamado de artefato. Nas imagens 4 e 5 apresentamos dois objetos: Figura 4 a pedra sabão bruta, e figura 5 a pedra trabalhada, eximbindo as modificações feitas pelo homem transformando a matéria prima em um artefato.

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Objeto e significado Para discutirmos o significado dos objetos, ou de tudo que está “posto à nossa frente” , segundo Cardoso (2002), escolhemos estudar os conceitos básicos da semiótica criada pelo filósofo e matemático Charles Sanders Peirce (1839 - 1914) estadunidense, referência no estudo sobre o código não verbal (lógica), e sobre a lógica presente na elaboração das linguagens não verbais (a que, portanto, é discutida quando analisamos e estudamos objetos). Para Peirce o signo é uma representação de algo, através de qualquer forma “perceptível”. Sendo uma parte, uma secção desta forma, portanto, uma representação “parcial” daquele ente. O autor diz também que o signo se constitui de forma triádica, trabalhando com três conceitos articulados para se gerar um significado: signo, objeto e interpretante. Assim: • Signo: representa possibilidade de representação. • Interpretante: o processo mental, que gera o significado de forma não definitiva, relacionando o objeto (o que é representado) e o signo, que o substitui (está no lugar dele). • Objeto: o que é/ está representado. Estas três instâncias são colocadas de forma a gerar um diagrama triangular, sendo o signo, e o objeto os vértices da base, ligados por linha descontínua e o interpretante o do lado oposto, conectando os outros dois com linhas diagonais contínuas. (Figura 6)

É preciso, antes de tudo, observar que o “ob-

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jeto” do triângulo peirceano é usado como referência de tudo que se pode observar, enquanto, no caso deste TCC, usaremos o termo especificamente para nos referirmos a objetos e artefatos propriamente ditos, peças e utensílios que compõem o universo selecionado para estudo. Figuras 6: Triangulo Peirciano, apresentacomo se dão as ligações de cada conceito.

Assim, partimos do princípio de que todo objeto possui um significado e propósito, caso contrário não teria sido construído.

Nota

Os objetos, dentro de sua área de entendimento, buscam também demonstrar através de seu significado, o momento que seu possuidor vivência a experiência de uso ou conhecimento do objeto. Isso ocorre de forma relativamente simples, porém o entendimento se demonstra por formas complexas.

O signo sempre é representação parcial do objeto, portanto a linha é pontilhada porque não é definitiva, ela depende do interpretante. Já o processo de associação ocorre de forma particular a cada vez, portanto só ocorre se o interpretante relacionar signo e objeto de um único modo (que poderá ser outro, porém dependerá de outra associação).

O consumo se tornou algo intrínseco ao ser humano, na medida em que não se pode viver sem estar incluido nesta prática. A aquisição de um objeto quer dizer muito sobre o consumidor, o mesmo tem a propriedade de apresentar traços da personalidade de quem o possui, e também demonstrar as preferências de quem a obtém, além de apresentar o repertório cultural a que a pessoa foi exposta e que formou seus gostos e seus valores. Como mostrado o objeto tem o poder de mostrar a personalidade de quem o possui. Hoje os produtos são construídos em massa e comprados na mesma frequência, gerando pessoas que buscam os mesmos tipos de produtos como forma de se expressarem, se aproximando por terem traços em comum. Estas pessoas começam a se juntar, se conhecer e terem

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uma forma de contato, iniciando a formação de grupos, tribos urbanas, e gerando, com o passar do tempo ,comunidades, subculturas e culturas. Exemplo disso, são os denominados “sneakerheads” que buscam se introduzir em um ciclo social, formado por apreciadores e/ou colecionadores de tênis. Neste contexto o tênis é um artefato que além de ter a função prática de proteção, também desempenha o papel de expressar a personalidade do usuário através das cores, formatos e marcas, que possuem seus próprios posicionamentos sociais. Comprando um artefato, mesmo sem se considerar colecionador ou apreciador, você já está expressando traços da sua personalidade, pelas próprias características do objeto e gostos pessoais. “Os objetos são nossa maneira de medir a passagem de nossas vidas. São o que usamos para definir, para sinalizar quem somos, e o que não somos.” (SUDJIC, 2002, p.21)

A História da Arte testemunhou, no início do século XX, uma experiência inusitada com objetos cotidianos, realizada por Marcel Duchamp, que ao mostrar os objetos em outra situação de uso, deu a eles outras interpretações, no caso artísticas. Estes objetos revelavam subversões de montagens, composições, nomenclatura e para a própria forma de arte instituída até o momento.

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Os objetos inusitados de Marcel Duchamp Nota. 1 Marcel Duchamp (1887-1968) foi um pintor e escultor francês, naturalizado norte-americano. Foi considerado um ícone do movimento conceitual de arte moderna o “Dadaísmo” e o precursor do “ready-made”. (ebiografia.com, acesso 04/11/2019).

Nota. 2 O termo “dada” é encontrado por acaso numa consulta a um dicionário francês. “Cavalo de brinquedo”, sentido original da palavra, não guarda relação direta, nem necessária, com bandeiras ou programas, daí o seu valor: sinaliza uma escolha aleatória (princípio central da criação para os dadaístas), contrariando qualquer sentido de eleição racional. “O termo nada significa”, afirma o poeta romeno Tristan Tzara, integrante do núcleo primeiro. Ao contrário de outras correntes artísticas, o Dadaísmo apresenta-se como um movimento de crítica cultural mais ampla, que interpela não somente as artes, mas modelos culturais passados e presentes (Itaú Cultural, acesso 04/11/2019).

Neste trabalho abordamos diferentes níveis da transformação de artefatos, e Marcel Duchamp (18871968) é um dos principais precursores da ideia de se pensar objetos de forma inusitada, tendo sido o artista do movimento dadaista, que mais explorou a construção de “esculturas” a partir de partes, pedaços ou materiais reutilizados de objetos obsoletos ou descartados. Neste caso, foram objetos construídos como obras de arte, justamente para provocar a tradição que os vanguardistas do início do século XX contestavam, e contrariar os pensamentos até então colocados como sendo a “verdade” para o que era considerado “Arte”. A seguir, serão analisadas, em sequência cronológica, duas obras do autor, ambas relevantes para este trabalho: “Roda de Bicicleta”, 1913 (Figura 7) e “Fonte”, 1917 (Figura 8). Sua obra “Roda de Bicicleta” (1913) faz uma alteração curiosa no uso de todos os objetos utilizados em sua composição. A obra consiste em um banco de madeira de pé, em cujo assento está fixado um garfo de bicicleta com uma roda voltada horizontalmente para cima. Esta obra tensiona o paradigma que tradicionalmente se estabelece entre banco X roda, nas bicicletas normais. Uma bicicleta possui em sua construção primordial elementos, entre eles um banco e duas rodas e ambos possuem suas funções específicas. O banco para sentar-se, expressa assim o apoio para o corpo; as rodas como apoio do corpo da bicicleta e único contato com chão. Ao se pedalar uma bicicleta, normalmente, gera-se atrito entre a roda e seu ponto de contato (o

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solo), transferindo essa energia, a roda gira deslocando a bicicleta no espaço, transportando o seu usuário.

Figura 7: Escultura do artista Marcel Duchamp denominada Roda de Bicicleta.

Na “escultura” de Duchamp, a composição intriga o destinatário por fugir do convencional: esta roda, roda, mas está presa ao banco e não é passível de deslocamento. O banco, por sua vez, perde sua função de apoio do corpo e conexão entre o usuário e a bicicleta, e passa a ser o único contato com o solo, e também suporte fixo para o garfo, que faz a conexão entre o assento do banco e a roda. Há nesta obra uma inversão de posturas entre o assento e a roda provocando a reflexão, causada pela estranheza que vivencia o apreciador da obra. (Figura 7) Em 1917, Duchamp apresenta a obra “Fonte”, uma peça de cerâmica industrial, convencionalmente utilizada como mictório em banheiros públicos. O sistema de fixação do objeto, em uma parede, com a “bacia” direcionada para baixo, revela como o fornecimento e o escoamento da água ocorrem, a partir da exibição clara do desenho dos pontos de saída e entrada da água no equipamento/ objeto. Na obra do artista, esta peça de porcelana é posta em posição paralela ao eixo “x”, ou seja, na horizontal, apoiada em superfície plana, fazendo os desenhos dos orifícios na peça remeter a um chafariz, construindo a relação semântica entre a estrutura da peça e o nome dado à obra. (Figura 8).

Figura 8: Instalação do artista Marcel Duchamp denominada Fonte

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Bruno Munari Munari segue uma linha de raciocínio similar quando trabalha com nossas formas de arte e design.

Figura 9: ‘Concavo-convesso’

Nasceu na cidade de Milão, Itália em 1907. Em 1933 pela primeira vez apresentou, segundo ele “seus modelos experimentais que tendem a verificar as possibilidades de informação estética da linguagem visual”, o qual denominou ‘macchine inutili’ ou Máquinas inúteis. Em 1948 foi um dos fundadores do MAC - Movimento de Arte Concreta, e a partir deste momento seus trabalhos seguiram em linhas experimentais, com: ‘Concavo-convesso’ (figura 9), ‘Negativi positivi’ (figura 10) e ‘Sculture da viaggio’ (figura 11). Durante sua carreira projetou e realizou inúmeros projetos de design pelos quais recebeu quatro prêmios Compasso D’Oro. Também se destacou pela magnífica produção editorial. Por fim faleceu em 1998, em Milão.

Figura 10: ‘Negativi positivi’

Munari experimentou e construiu a partir da reutilização de objetos de reuso, elementos naturais, como os carimbos que criou a partir de um corte na base da alface, depois de cortado, entintando a base numa almofada com tinta e imprimindo-o. A imagem formada é o desenho de uma rosa. Após estes testes, Munari experimentou também esta tecnica com outros vegetais e frutas, como: couve-flor, tomate, alho, pimentão, etc. (Figura 12).

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Lina Bo Bardi

Figura 11: ‘Sculture da viaggio’

Nascida em Roma na Itália, estudou arquitetura na Universidade de Roma. Em 1946 veio para o Brasil com seu marido, para idealizar o Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1951. Naturalizou-se brasileira e em 1957 deu início ao projeto e construção do MASP que veio a ser finalizado uma década depois. Em Salvador fez a restauração do Solar do Unhão que, posteriormente à revitalização, se tornou o Museu de Arte Popular (MAP), terminando sua construção em 1964. Após a sua finalização o museu recebeu mostras populares como: Civilização do Nordeste e A Mão do Povo Brasileiro, o que deu origem ao livro Tempos de Grossura: O Design do Impasse, (1994) que faz um estudo Antropológico da cultura nordestina.

Figura 12: Carimbos feitos a partir de vegetais por Munari

O livro demonstra e explica parte das construções manuais que são criadas no Brasil, mais especificamente do Nordeste. Traz diversas fotografias de objetos transformados de forma única, como as canecas de lata de óleo, balde feito de pneu, carros de brinquedo feitos com latas, além de bules, chaleiras, esculturas, bonecos e premiações (figuras 13 a 16). As produções selecionadas e colocadas no livro, mostram, como diz Lina Bo (1994), um reflexo das baixas condições econômicas humanas. Esta seleção revela produtos criados para atender a necessidades e também entender as funções que o construtor imagina. Estes não buscam por descartes, mas por aproveitarem o que eles já haviam utilizado como: latas de óleo, pneus desgastados, lâmpadas, tampas, rolhas, tecidos, etc.

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Além de apresentar construções provenientes de matéria prima bruta como: madeira, argila e barro. Os que constroem, são, além de tudo, criadores de arte, pois provocam de modo significativo a percepção do que foi construído no receptor/ espectador.

Figura 13

Figura 14

Figura 16 Nota figuras 13 a 16: Artefatos feitos com materiais que haviam passado tempo de vida util

Figura 15

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Contemporâneos de Duchamp Para ligarmos as obras de Duchamp as construções atuais, devemos entender como esta conexão é feita. Estas obras são caracterizadas por sua “ousadia”, dada pela inversão de papéis. Munari afirma: Mais próximo de nós, Marcel Duchamp apresentou um urinol como fonte. Este objecto, que sempre havia recebido jactos líquidos, agora restitui-os tornando-se uma fonte. (Munari, 2007, p.42).

Figura 17: Fogareiro para vender amendoin feito com lata de arroz

Esta inversão se dá em partes de objetos, que desmontados, desligados, descartados dão forma a outros usos. Em Rua dos Inventos, estas partes ao entrar em contato/ interação com semelhantes, em questão de desmanches, assumem outras funções inusitadas. (Figura 17). A desconstrução da lata de arroz para se tornar um “forno/ fogareiro” necessita de uma alteração em sua estrutura, sua sintaxe. Primeiro se corta a lateral, onde será feito o fogareiro, e do outro lado outro corte onde vai o forno, trazendo um novo olhar e mudando completamente sua função de transporte de líquidos para queima de combustível, aquecendo e torrando os amendoins que estão na parte interna do balde. Esta desconstrução e reconstrução se relacionam convocando os antigos princípios dos artefatos e aplicando-os a novos sistemas.

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Design. Linguagem. Semiótica Os “objetos modificados” por Duchamp, embora denominados “arte”, uma vez que foram executados com pretensão artística, podem configurar exemplos de artefatos, em vista da “modificação” que sofreram, tanto na forma/ estrutura, como no significado que assumem. Todo artefato se comunica por meio do seu significado, ou seja, por meio dos fatores ou signos, através dos quais se apresenta, físicos (materiais) e psicológicos e culturais (já citados acima), tendo como principal fator de linguagem o design .

Nota. 1 O Design foi adotado como um fator que reuniria os demais.

Nota. 2 Propriedade denominada “materialidade”, também responsável por conferir “forma” ou “desenho” ao objeto, como veremos na sequência.

O design tem o efeito de regente dos elementos que compõe um artefato, juntando a forma e a função, ou mesmo estabelecendo uma relação entre ambas. Cada elemento colocado no artefato tem seu propósito, sendo que a junção de todos os elementos selecionados para o objeto resulta na totalidade da informação. Partindo do material, observamos que o objeto pode ser constituído de papel, madeira, metal, polipropileno, vidro, cimento, e etc… e cada um desses materiais informa uma qualidade própria, como peso, cor, textura, odor, tamanho, durabilidade e resistência; se é ou não transformável, e comunica também, como pode ser transformado. O design é considerado uma linguagem principalmente visual. Usa a cor para sugerir brincadeira ou masculinidade e o formato para envolver os usuários nas funções ou informá-los a respeito delas. Mas é muito mais que isso: o design usa todos os sentidos. (SUDJIC, 2002, p.89).

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Com o material já introduzido, podemos passar para o próximo fator: o desenho. O desenho do produto, seu formato, que é denominado como materialidade. Isto é, a forma que o material assume sendo transformado, e que possibilita ao artefato/objeto, em muitos casos, expressar sua finalidade, mostrando como o objeto deve ser manuseado, apresentando fatores importantes como: ergonomia, mecanismos de funcionamento (abertura, dobras, fechos), e qualquer função que o objeto possa desempenhar. Sinaliza ainda, qual será a disposição do objeto e porque estará exposta desta maneira, comunicando então a sua funcionalidade. Por fim, o aspecto e a produção gráfica aplicada no produto que, em conjunto com o desenho, demonstra, claramente, a linguagem utilizada para este se comunicar com o público. Comumente este aspecto é construído com ilustrações, fotografias, tipografias e letterings. Neste ponto encontramos também o fator que, atualmente, é o recurso mais utilizado para agregar valor ao objeto: a marca, utilizada como demonstrativo de qualidade, identificação, linguagem e até mesmo cultura. Essa construção, das ideias citadas acima, fica evidente no produto Apple Watch. O relógio inteligente possui seu corpo feito de alumínio e uma tela de vidro touchscreen, conta com uma pulseira de borracha e um fecho adaptado do clássico sistema de cinta. A borracha utilizada na pulseira, de forma anatômica, por ser facilmente “modelada”, juntamente com suas funções transportadas do telefone como: pagar contas, mostrar dados do clima, receber e en-

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viar mensagem, etc., deixam a experiência do usuário mais agradável. Este relógio não possui logo em sua construção física, porém seu nome “Apple Watch” e seu formato, caixa quadrada com cantos arredondados, são características únicas da marca. Não dependendo apenas da tecnologia, o relógio possui a marca “Apple” para gerar o valor. (figura 18)

Figura 18: Relógio inteligente da marca Apple cujo o nome é Apple watch

Como afirma Cardoso (2014), não existe diferença funcional entre o relógio de pulso da marca Rolex, para um da marca Swatch e outro da marca Casio. Porém, um relógio Rolex, do modelo mais barato, custa mais que qualquer relógio da marca Swatch e este, por sua vez, tem mais valor agregado que qualquer um da marca Casio. (Cardoso, 2014, p.103) Por fim, para sintetizar todos os conceitos e reflexões mencionadas deve-se fazer um estudo de significado do artefato. E para executar esse estudo vamos recorrer à Semiótica. “Identificar e definir a natureza de um signo, a relação que mantém com o objeto representado, a atuação possível de um interpretante na prática relacional que estabelece entre o modo de representação de um signo e seu objeto, parcial ou totalmente representado, reconstitui condição imprescindível para que se estabeleçam os padrões característicos de uma linguagem. Ao estudo dessa lógica dá-se o nome de Semiótica.” (FERRARA, 2002, p.11)

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Lógica da linguagem Para estudar o significado dos artefatos, adotamos a classificação dos signos segundo a relação que se pode estabelecer entre signo e objeto: três categorias dentre as dez tricotomias e sessenta e seis classes .subdivididas por Peirce. A definição das três categorias de signo selecionadas, ícone , índice e símbolo é a seguinte, segundo Décio Pignatari (2003) : Ícone, quando possui alguma semelhança ou analogia com seu referente. Exemplos: uma fotografia, uma estátua, um esquema, um pictograma. Índex ou Índice, quando mantém uma relação direta com o seu referente, ou a coisa que produz o signo. Exemplos: chão molhado, indício de que choveu; pegadas, indício de passagem de animal ou pessoa; uma perfuração de bala, uma impressão digital etc. Símbolo, quando a relação com o referente é arbitrária, convencional. As palavras, faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. As palavras, faladas ou escritas, em sua maioria, são símbolos. Quando eu pronuncio os fonemas correspondentes a mesa, por exemplo, o som complexo que emito designa um determinado objeto por convenção estabelecida (embora muito se possa discutir sobre a genética morfológica desse tipo de signos) ... (Pignatari,2003, p.30). Nota www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732007000200012 João Queiroz Classificações de signos de C.S.Peirce. Revista Trans/Form/Ação vol.30 no.2 Marília , 2007

A partir deste entendimento podemos então afirmar que: 1. Ícone: Possui conformidade com o referente, é uma qualidade. No caso dos produtos e artefatos já citados neste trabalho teriamos como exemplo: A FONTE, de Duchamp (1913). 2. Índex ou Índice: Relacionado diretamente ao referente, em termos materiais/ físicos ou sensí-

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veis/ estímulos, ou mesmo funcionais, um sinal de presença. Neste trabalho um possível exemplo é o grafismo dos rótulos remanescentes nas chapas de latão das luminárias na exposição organizada por Lina sobre a arte vernacular da Bahia. 3. Símbolo: é uma forma arbitrária de conexão com o referente, uma convenção, sem nenhuma necessária associação qualitativa ou funcional. Por exemplo, As imagens desenhadas por Munari, figura x, que embora sejam abstrações, simbolizam um rosto humano”. Para se estudar o processo de produção de significados a partir da constatação e identificação de signos é necessário, segundo PEIRCE (PEIRCE apud PIGNATARI, data) a compreensão de três níveis do signo, que são responsáveis por identificar forma e funções dos referentes. São eles: • Sintaxe: responsável por explicar a composição, a estrutura do objeto através da discriminação dos elementos que o constituem. • Semântica: representa a sua conotação, seu estudo verbal, a definição amparada pelo código verbal. • Pragmática: demonstra a experiência do usuário, como é utilizado. Trata-se de um signosujeito a variações contínuas, graças a diferenças culturais e à evolução dos comportamentos. Por exemplo: para identificar uma cadeira é necessário elementos específicos, e esses correspondem à sintaxe da cadeira, isto é: assento + encosto + base. Porém, se houver uma mudança nessa estrutura, o nome do objeto é alterado também, mudando assim sua semântica: assento + encosto + base + braços dá

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Figura 19: Poltrona Barcelona desenhada por Mies Van der Rohe em 1929.

origem a uma poltrona, significado que, por sua vez, pode ser alterado dependendo do local onde o objeto é utilizado, portanto, em uma condição que altera seu nível pragmático. Se este objeto estiver em uma sala de estar, ou dentro de um apartamento é denominado poltrona, porém mudando o local do artefato, levando-o a um palácio, dentro da sala real, onde o rei se senta, o objeto passa a se denominar trono (a compreensão do signo está filtrada pelo uso- nível pragmático). Um caso clássico deste fenômeno é o projeto da poltrona Barcelona, desenvolvido por Mies Van der Rohe em 1929 para ser colocada no pavilhão da Alemanha, na Exposição Internacional de Barcelona cujo destino era receber o rei e a rainha da Espanha. (Figura 19 e figura 20) Há modelos desta poltrona no palco e no saguão do auditório do Centro de Convenções, do CAS (2019), cuja finalidade de uso é completamente outra: Qualquer alteração feita em um nível de um signo, pode alterar o referente, alterando também seu significado. Cardoso (2014) nos dá um exemplo curioso sobre este caráter do signo:

Figura 20: Poltrona Barcelona no Pavilhão da Alemanha.

E quando os garçons do bar, [...] colocam as cadeiras viradas de cabeça para baixo sobre as mesas? nesse momento a cadeira não é para sentar: ela é um signo comunicando que está na hora de ir embora [...] (CARDOSO, 2014, p.123)

Comunicar significados, estimular a produção de significados é função da linguagem. A linguagem é a forma que as pessoas encontram para se comunicar, expressando sentimentos e ideias.

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Nota Forma aqui significa todos os meios e recursos utilizados por aquele que produz linguagem, em contextos específicos: elementos constituintes , características do suporte, características dimensionais, características sensíveis (visuais, sonoras, táteis, olfativas e palatares), características cinéticas (ritmos, frequências, velocidades) etc. (nota de atendimento TCC, 2019, - prof° Myrna Nascimento)

“Comunicar-se [...]significa associar-se de algum modo, formando uma organização ou organismo” (PIGNATARI, 2003, p.20)

Para se compreender a comunicação, o fenômeno (evento) comunicacional, deve-se entender a lógica por trás dela. Para Pignatari (2003) a comunicação ocorre sempre de uma fonte para um destino, que estão em locais distintos. É necessário uma mensagem que é transmitida/ emitida pelo emissor e recebida/ percebida pelo receptor, elaborada a partir de um código, compartilhado pelos envolvidos no processo comunicacional. Em contato com a mensagem, o receptor decodifica o código e “responde/corresponde”, “age” conforme a intenção do emissor ( ou não, pois há sempre a possibilidade de ruídos e desvios interferirem no processo). (PIGNATARI, 2003, p. 22) .Ferrara (2002) complementa essa ideia explicando a existência de distintas formas para se expressar, que são conduzidas, todas, para uma espécie de “filtro” comum, que as separa em comunicação verbal e não-verbal. Textos e falas são formas de expressão muito comuns e utilizadas majoritariamente por diferentes culturas. O texto é uma manifestação natural: conhecimentos que foram há muito passados dos mais velhos para os mais novos através da fala, popularmente chamados de “boca-a-boca”, foram se perdendo e dando origem à necessidade do surgimento de uma forma de armazenar esse conteúdo, a escrita. (FERRARA, 2002, p.13) Neste caso, o autor do livro é a fonte, o texto é o emissor sendo o livro o meio, e o código a língua portuguesa. É necessário a compreensão do código pelo receptor, a condição de decodificação através da leitu-

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ra, para que a fonte mensagem chegue ao destinatário. A linguagem não-verbal, mais complexa de se definir, é uma forma de comunicação “implícita”, está presente em toda parte do dia-a-dia, ou seja no cotidiano. A todo momento pessoas estão se comunicando, pela linguagem corporal, pelas vestes, acessórios, cortes de cabelo, e tudo isso mostra uma linguagem que nos leva a uma discussão já antes abordada neste trabalho, acerca de objetos diretamente relacionados à personalidade do consumidor/ usuário e seus hábitos de escolhas e consumo. (FERRARA, 2002, p.6)

Assim, intervenções que são inseridas e executadas em objetos e artefatos, modificando-os e alterando eventualmente suas funções são, sob este raciocínio, expressões de linguagem de quem as propõe e realiza.

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Reuso. Reciclo. Ressignifico

Figura 21: Latas descartadas de maneira inadequada e que poderiam ser reutilizadas

Como discutido anteriormente a transformação do artefato se dá através de muitas formas; com pequenas mudanças no objeto pode-se alterar completamente seu significado. Existem materiais mais fáceis de serem trabalhados em cada nível de transformação. Madeira, metal, pedra, entre outros, cada um destes materiais pode ser mudado de forma específica, através de ferramentas e técnicas como: torno e goivas para madeira; formão e martelo para pedra; alicates e maçaricos para o metal; etc. O resultado da modificação realizada depende também do talento e habilidade manual de quem fará a intervenção, elevando detalhes, técnicas, alterando ferramentas a nível experimental para obter resultados não previstos e originais. Além disso, para um objeto ser reutilizado depois de transformado por alguma dessas formas, ele passa por um processo de descarte (como já comentado acima cap. 2, “duração”), quando ele perdeu o seu valor, e a possibilidade de desempenhar suas funções. (figura 21). Para entender como os materiais podem ser mudados, devemos entender como se dá a transformação de um objeto e quais os níveis que classificam cada categoria. O trabalho abordará três níveis de intervenção e mudança nos objetos, sendo eles: reutilização, reciclagem e ressignificação. Reutilizar, utilizar novamente. Utiliza-se o material inteiro, alterando apenas seu entorno, ou seja, sua semântica, e, consequentemente, seu signi-

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ficado. Podemos observar um exemplo deste fenômeno quando um objeto é utilizado fora do seu sentido, como o pneu (figura 22). Como podemos observar na Figura 22, alguns pneus estão empilhados e apenas um é colocado, em cima de todos; assumindo a forma de um totem de identidade visual. Neste caso o pneu está sendo reutilizado, pois houve uma alteração de semântica, antes era utilizado para sustentar, locomover e gerar aderência para um veículo deslocar-se, e agora nenhuma dessas qualidades estão sendo exploradas, pois ele está sendo utilizado de outra forma semântica, se tornando um totem de informação (ou apoio para um sinalizador, como no caso da pilha). Figura 22: Totem feito com pneus indicando uma borracharia.

Figura 23: Balanço feito da reciclagem de pneus gastos.

Reciclar, ato de reprocessar uma substância a fim de aprimorá-la e melhorar seu rendimento como um todo. O material é modificado, podendo ser transformado de forma inteira ou apenas sendo “desmembrado” dividindo suas partes, havendo alteração na sintaxe, o que traz, consequentemente, alterações nos outros níveis de significado do signo, como, por exemplo, no semântico, pois o objeto passa a pertencer a outra categoria de produto. (figura 23) Na imagem do balanço, o pneu foi completamente modificado, alterando sua estrutura e construindo outro objeto, novo e distinto, porém com a mesma base material. Neste caso seria uma reciclagem, onde se altera primeiramente a sintaxe, levando às alterações posteriores. O objeto antigo, reciclado, passa a servir apenas como material a ser trabalhado para assumir novo significado, uso e constituir um novo objeto.

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Ressignificar, significa atribuir um novo significado a alguma coisa. Um artefato ressignificado tem maior complexidade do que os outros dois casos citados acima. Para haver a ressignificação deve existir uma modificação em todos os aspectos de forma concisa. A quantidade de “variáveis”, ou seja, de elementos, que estão presentes no contexto estudado “somam” qualidades ou repertórios que não são convencionalmente encontrados juntos a um objeto, transformando-o em outro produto completamente distinto.

Figura 24: Lamparina feita com uma lampada e latas de metal.

Na Figura 24 vemos uma lamparina construída de materiais transformados. A lâmpada, objeto comum e familiar ao universo das luminárias, é modificada mudando sua função original : de fonte luminosa ela migra para um novo contexto, assumindo o papel de um receptáculo, que é utilizado para armazenar o combustível da lamparina. Esta lâmpada não é mais a produtora da luz, porém age como uma viabilizadora da obtenção de luz acionada manualmente através de fogo colocado no pavio para queimar . No entanto, esse é apenas o início da construção deste artefato. A base desse objeto é produzida com chapas de flandres provenientes de latas de metal, moldadas para ser o suporte da lâmpada, uma base improvisada, fixada em uma parede com um eixo para mudar sua direção (outro artifício inusitado e original, não contemplado nos tradicionais soquetes fixos de lâmpadas comuns). Esta junção de elementos, fazendo alterações em todos os níveis do signo, é classificada como ressignificação do artefato, dada a complexidade da alteração do objeto, da sua idealização e construção. (figura 24)

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Produto O resultado final deste TCC é constituído por duas partes: Artefatos e zine. A primeira etapa deste trabalho, os artefatos, correspondem aos objetos construídos com materiais descartados recolhidos de diversas fontes. O trabalho se desenvolveu da análise destes objeto encontrados. Havia-se a intenção da busca de novas parte de objetos para a construção de artefatos mais complexos, porém a situação pela qual estamos passando bloqueou esta operação, contudo foi possível realizar a construção com os objetos que já haviam sido recolhidos. Com os artefatos finalizados foi feito um ensaio fotográfico com a finalidade de serem expostos em um fotozine, cujos capítulos possuem formatos distintos para cada artefato. O zine inicialmente concebido para ser elaborado com os papéis reciclados também não deixou de sofrer alterações, novamente pela situação da pandemia que me inviabilizou visitar lugares que trabalham com este material. Porém houve uma solução viável, a troca consistente de substrato que antes seria papel reciclado manualmente e passou para o papel offset, buscando a origem da construção dos zines onde eram feitos neste substrato, em máquinas de xerox. As circunstâncias que me impediram de buscar novos recursos, provocou momentos de reflexão com os objetos que já haviam sido recolhidos, trazendo momentos de criatividade e ajudando na construção dos artefatos finais.

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Zine

Os capítulos apresentam formas distintas de se manusear, apresentando e enfatizando a singularidade de cada artefato, mesmo que todos apresentem o mesmo conceito de base e estrutura, cada peça possui sua própria personalidade, características e ideia.

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Referências BARDI, Lina Bo. Tempos de Grossura: o Design no Impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994. CARDOSO, Rafael. Design para um Mundo Complexo. São Paulo: Cosac Naify, 2013. DADAÍSMO In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: https://bit.ly/2q6yyru. Acesso em: 12/11/2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-857979-060-7. IPEA. Disponível em https://bit.ly/34Z7Lwe. Acesso em: 10/10/2019. IPEA. Disponível em https://bit.ly/2O5uWOr. Acesso em: 10/10/2019 FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura Sem Palavras. São Paulo: Editora Ática,2002. FRAZÃO, Dilva. Biografia de Marcel Duchamp. Disponível em https://bit.ly/2rwstVx. Acesso em: 04/11/2019. MUNARI, Bruno. Artista e Designer. Lisboa: Edições 70, Lda, 2001. MUNARI, Bruno. Fantasia. Lisboa: Edições 70, Lda. 1997.

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PEREIRA, Gabriela de Gusmão. Rua dos Inventos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002. PIGNATARI, Décio. Informação, Linguagem, Comunicação. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. SUDJIC, Deyan. A Linguagem das Coisas. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca Ltda. EXPOSIÇÃO -A mudança é a única constante no universo. São Paulo – SP: Governo do Estado de São Paulo, por meio da secretaria de Cultura e Economia Criativa, Museu da Casa Brasileira e Instituto Italiano di Cultura, 2019.

Lista de imagens Figura 1 - Escaneado do livro “Tempos de Grossura Design do Impasse” Figura 2 - Escaneado do livro “Tempos de Grossura Design do Impasse” Figura 3 - Capa do livro “Rua dos Inventos”, Gabriela Gusmão, 2002. Figura 4 - Imagem objeto - https://bit.ly/34XijvO. Acesso em: 01/11/2019 Figura 5 - Imagem artefato - https://bit.ly/2pcHGu9. Acesso em: 01/11/2019

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Figura 6 - Tríade de Peirce - representação feita por mim no programa Adobe Illustrator. Figura 7 - Roda de Bicicleta - https://bit.ly/2O4p0VS. Acesso em: 03/11/2019 Figura 8 - Réplica da obra “A Fonte” - https://bit.ly/ 2QabkeJ. Acesso em: 03/11/2019 Figura 9 - Concavo-convesso -https://bit.ly/32FK7mS. Acesso em 01/11/2019 Figura 10 - Negativi positivi - https://bit.ly/2X6KANJ. Acesso em 01/11/2019 Figura 11 - Sculture da viaggio - https://bit.ly/2QcEVUP. Acesso em 01/11/2019 Figura 12 - Carimbos vegetais - Escaneado do livro “Bruno Munari Fantasia”, Figura 13 - Balde de duas alças. Escaneado do livro “Tempos de Grossura - Design do Impasse”. Figura 14 - Balde/ pote feito com borra de pneu. Escaneado do livro “Tempos de Grossura - Design do Impasse”. Figura 15 - Lamparina dobrável parede e mesa. Escaneado do livro “Tempos de Grossura - Design do Impasse”. Figura 16 - Série de canecas feitas com latas de lubrificante. Escaneado do livro “Tempos de Grossura: Design do Impasse”.

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Figura 17 – forno transformado para torrar amendoim – escaneado do livro Rua dos Inventos. Figura 18 - Apple watch 4 - https://amzn.to/2O6ucZn. Acesso em: 01/11/2019 Figura 19 - Poltrona Barcelona - https://bit.ly/2KhXfYK. Acesso em: 03/11/2019 Figura 20 - Poltrona Barcelona no Pavilhão Alemanha https://bityli.com/HWNDz Figura 21 - foto por Cristiano Duarte - Materiais descartados - https://bit.ly/34SDEGD. Acesso em: 01/11/2019 Figura 22 - totem de pneus - Escaneado do livro “Rua dos Inventos”. Figura 23 - Cavalo reciclado de pneu - https://bit. ly/2NGnRVn. Acesso em 01/11/2019 Figura 24 - Lamparina de parede. Escaneado do livro “Tempos de Grossura - Design do Impasse”. Faltam imagens do produto, conforme conversado por mensagens.

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Agradecimentos Ao meu pai, mãe e irmão, namorada e amigos pelo apoio, incentivo e ajuda em diversos momentos. Aos meus primos Anselmo, Raphael e ao meu pai pela contribuição na realização deste trabalho. A equipe de docentes do Centro Universitário SENAC, em especial a Myrna Nascimento pelo apoio, compreensão e ajuda nas etapasdo projeto.

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