ENSAIO
IVAN JUNQUEIRA JUSTIÇA PARA VINICIUS Sempre que me toca reler a poesia de Vinicius de Moraes, mais me convenço de que até hoje não lhe fizeram a devida justiça, seja por indigência exegética seja por preconceito literário. É claro que não se pode situá-lo no mesmo nível de Cecília Meireles, Bandeira, Drummond, Jorge de Lima, Dante Milano e João Cabral de Melo Neto, mas é que Vinicius, quer pelo domínio da língua e das boas tradições da língua - quer pela pujança de sua linguagem poética, cultivou uma vertente lírica dentro da qual são poucos, ou muito poucos, os que dele lograram se aproximar. Há nos versos do autor uma tragicidade tão intensa e dolorosa que nem o humor nem a participação social de seus últimos poemas serão capazes de apagar. Vinicius de Moraes será sempre, e acima de tudo, o poeta do amor e da morte. E talvez por isso mesmo seja ele o poeta mais emblemático de sua época, assim como o foram Baudelaire e Dylan Thomas, aquele que com maior desassombro e autenticidade encarnou o mito de Orfeu, descendo aos infer-
nos da vida e da morte em busca de sua Eurídice, que foram muitas e talvez nenhuma. Seu trânsito tardio para a música não é, portanto, fortuito, mas uma destinação que, sob muitos aspectos, se confunde com a danação fáustica, como o atesta não propriamente o decisivo papel que desempenhou na evolução do nosso cancioneiro popular, mas a urdidura poético-dramática que sustenta o seu Orfeu da Conceição. Como todos os da sua geração de 1930, Vinicius de Moraes é um dos mais característicos herdeiros do Modernismo de 1922, tendo levado ao ápice, como bem assinala Sérgio Milliet, ''os vícios e as virtudes da escola''. Não será necessário muito es-
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forço para compreender por que Vinicius de Moraes é, até hoje, um dos nossos poetas de maior aceitação popular. Foi no soneto a forma em que ele alcançou talvez seus momentos mais altos e duradouros como poeta. A partir do momento em que, já dominados os segredos da linguagem poética de Vinicius de Moraes, aí por volta de 1940, cristaliza-se também sua concepção estética quanto ao soneto, até então hesitante e nebulosa. E aí chegamos ao primeiro dos sonetos integralmente resolvidos de Vinicius de Moraes, um dos mais belos de qualquer língua ou literatura, o ''de fidelidade'', cuja cadência decassilábica é no mínimo encantatória