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ano 18 - edição 56 | março de 2021

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

História na pele De geração em geração, a luta do movimento negro vem resistindo ao longo dos séculos.


Corpo da matéria Ano 18 - Edição 56 - Março de 2021 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Ângela Leitão

COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADORA EDITORIAL

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Lucas Nogara de Menezes Couto, Yasmin Cristina Graeml, Lucas Matheus Grassi, Paula de Araujo e Silva, Luísa Menegatti Secco, Anna Caroline Padilha de Freitas, Gabriela Küster Solyom, Carolina Bosa de Souza, Gabriela Fontana Rodrigues, Rafaelly Kudla de Oliveira, Marina Vançan Prata, Laís da Rosa Coelho, Ana Cláudia Iamaciro, Lorena Gabriella de Souza Frade, Matheus De Oliveira Koga, Mariana Meyer Campos Valore de Siqueira, Maria Cecília Marchalek Zarpelon, Julianne Fernandes Trevisani, Sofia Helena Magagnin, Carla Giovana Tortato Gai, Luana Perdoncini Roballo Cruz, Isabelli Pivovar Machado

Imagem de capa: Maria Cecília Marchalek Zarpelon 6ºP Jornalismo

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SUMÁRIO

Resistência sempre!

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Quando o pedido sai para a entrega

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Atração fatal

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Memórias que não foram apagadas

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A transformação de uma vida

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Casamento infaltil

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Encontro de almas

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O desafio de voltar para casa

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Eles são capazes

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Dois extremos, uma pessoa

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Um motivo para recomeçar

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Sujeito bicho

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O funk dos pinheirais

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Resistência, sempre! Valorizar a luta do movimento negro é reconhecer a história da formação do Brasil em sua totalidade Maria Cecília Zarpelon, Marina Prata e Sofia Magagin Foto montagem: Equipe/Reprodução

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Brasil não pode ser definido com uma única história, por mais que dezenas de gerações tenham aprendido a enxergá-lo assim. A história europeia e afro-brasileira têm perspectivas muito diferentes a respeito da formação do país, mas ambas representam recortes da construção social e cultural que influenciam diretamente no comportamento da sociedade até hoje. O legado do ativismo negro começou muito antes dos movimentos políticos e sociais que conhecemos. A militância não é exclusiva da contemporaneidade: ela está intimamente ligada à presença dos negros na história do Brasil. A base dessa luta é formada por grandes histórias, nem sempre conhecidas, que contribuem para a visibilidade da causa dentro de seus próprios espaços. Resgatar e conhecer as memórias que compõem esse movimento é fundamental para refletir sobre o passado e despertar atitudes que promovam um futuro mais igualitário. A hierarquia racial que ainda vigora no Brasil tem origens relativamente recentes na história do país e do mundo. Entre os séculos 16 e 19, a Europa

Janeiro (UFRJ) Amilcar Pereira, que estuda o cenário do ensino da cultura afro-brasileira. A dualidade que separava brancos e negros motivou políticas públicas que buscaram apagar os negros da História do Brasil. O processo de imigração subsidiado pelo Estado entre os séculos XIX e XX, teve como objetivo transformar o país em uma sociedade “moderna”, ou seja, branca. Foi uma tentativa de embranquecer uma nação originalmente miscigenada. “Esse processo resultou na base da formação educacional eurocêntrica que temos no Brasil até hoje, e que alimenta o racismo”, destaca Pereira. Contra essa ideia de modernidade europeia, surgem homens e mulheres que resistem ao processo histórico de inferiorização, opressão e dominação de pessoas não brancas. Por mais que o combate à desigualdade racial não fosse legitimado, a resistência sempre esteve presente nas senzalas e quilombos. “Desde o momento em que houve negros aqui no Brasil lutando contra as condições que lhes foram impostas, seja por liberdade ou melhores condições de vida, já temos o movimento negro”, conclui.

“Desde o momento em que houve negros aqui no Brasil lutando contra as condições que lhes foram impostas, já temos o movimento negro.” Amilcar Pereira, professor de História da UFRJ Moderna estabeleceu um ideal de diferenciação entre o europeu “civilizado” e os povos de outros continentes, considerados inferiores. Um dos elementos utilizados para consolidar essa ideia foi a distinção pela cor da pele. “Era necessário construir um aparato discursivo que legitimasse e justificasse aquela dominação da modernidade europeia sobre os outros povos do mundo”, aponta o professor da Universidade Federal do Rio de

De acordo com o professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe (UFS) Petrônio Domingues, o movimento negro no Brasil como conhecemos hoje, caracterizado por coletivos que lutam por direitos civis, políticos e sociais, surgiu no período pós-abolição. “Já havia o entendimento de que a Lei Áurea era insuficiente para a inserção social, política e econômica dos negros no país. Então, eles decidiram fundar

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associações com caráter cultural, beneficente, de mobilização e recreacional”, explica. Foi somente a partir dessa incansável luta, ao longo dos anos, que a sociedade em geral passou a reconhecer a existência do racismo e se sensibilizar sobre a necessidade de combatê-lo. “O movimento negro é precursor das políticas afirmativas que colocaram por terra o mito da igualdade racial”. Segundo Domingues, o reconhecimento da discriminação racial levou o movimento negro a um novo patamar, que trouxe conquistas expressivas para a comunidade negra. Foi na Constituição de 1988 que o racismo, antes considerado apenas uma contravenção penal, tornou-se oficialmente um crime. Além disso, em 2003 foi criada a Lei Federal 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história afro-brasileira nas escolas públicas e privadas, o primeiro passo para uma transformação cultural. No mesmo ano, o Governo Federal criou mecanismos para discutir questões raciais, como a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Outro grande avanço ocorreu em 2012, com a implementação de cotas raciais que proporcionam o ingresso de negros e negras no Ensino Superior, como forma de tentar sanar a dívida histórica ocasionada pelos séculos de desigualdade social entre raças.

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PEQUENAS GRANDES HISTÓRIAS “O racismo nos atinge de forma violenta. Ele diz para nós por meio de atitudes, palavras, gestos, olhares, brincadeiras: ‘você é diferente, você tem um lugar diferente’. Isso nós vamos percebendo ao longo da vida”, relata a pedagoga aposentada e ativista do Movimento Negro Unificado do Brasil (MNU), Almira Maria Maciel. A militante, de 72 anos, se envolveu com o movimento muito cedo, quando vivenciou de perto o início da Ditadura Militar. A violência que presenciou despertou questionamentos e a fez refletir sobre a desigualdade racial, um assunto considerado tabu em seu ambiente familiar, mesmo sendo miscigenado. Foi em busca de conhecimento que Almira se envolveu com a causa e passou a participar ativamente de cursos, encontros e reuniões que discutiam o racismo no cotidiano das pessoas. “Aqui, a maioria da população negra sempre foi discriminada, teve sua humanidade negada e foi tratada como um objeto, em todos os sentidos. Mesmo convivendo com negros e negras, nós dizemos: ‘Não têm segregação aqui, não têm oficialmente, todas as raças convivem de forma harmoniosa’. Isso não é verdade”, reflete. Durante toda a sua trajetória, Almira buscou levar sua luta adiante. Fez isso como professora da rede municipal,

Nas colagens, Almira em sala de aula em 1978, família Maciel em manifestação e a ativista palestrando em evento.


trabalhando em regiões periféricas, onde casos de discriminação eram constantes. “Trabalhei com a perspectiva de coletivizar o debate, possibilitando um mundo em que o racismo não destrua a vida das pessoas como destrói.” Sua inquietação também foi transmitida para a família: hoje, a filha e a neta mais velha também são filiadas ao MNU. “Dada a concretude do racismo, é importante que o núcleo familiar se conscientize da necessida-

Dora reconhece que, diante de um ambiente racista e discriminatório, é significativo que as famílias incentivem a discussão sobre o preconceito. “Esse é um ponto muito importante na luta contra o racismo: a população negra sentir que ela vale a pena, que ela é importante, que ela tem talento, que pode dirigir qualquer lugar e estar em qualquer espaço.” Entretanto, a militante destaca que o tema, muitas vezes, é pouco discutido nas famílias

“Lá pelos 17, 18 anos, você leva um susto quando descobre que não é você que é feio, que não presta, são os outros que dizem isso por conta da sua cor.” Dora Lucia Bertulio, ativista de de resistir e buscar alternativas de igualdade e justiça”.

Nas colagens, Dora com seus pais, em sua formatura e atualmente na Corregedoria da UFPR.

A militância pela causa negra foi uma das maiores heranças que a catarinense Dora Lucia Bertulio recebeu de seu pai. Nascida em Itajaí, uma cidade absolutamente segregada onde os negros e brancos não podiam frequentar os mesmos lugares, Dora cresceu em uma família privilegiada de conhecimento, na visão dela. “Eu tinha muita segurança naquilo que a gente era, muito respeito por nós mesmos. Sabia que os outros eram responsáveis pelos maus tratos que aconteciam por conta do racismo, nunca a gente. Meu pai sempre dizia: ‘Você não é menor por isso’”, conta.

brasileiras, frente ao cenário de maus tratos, humilhação e subjugamento que desencoraja o debate. O pai de Dora era um sindicalista, integrante do Partido Comunista, que foi preso pela Ditadura. Foi também um dos fundadores da Sociedade Cultural e Beneficente Sebastião Lucas, o primeiro clube catarinense de raça negra, que se tornou referência na região. A sua busca por justiça motivou a filha a estudar Direito e seguir seus passos no ativismo. “Lá pelos 17, 18 anos, você leva um susto quando descobre que não é você que é feio, que não presta, são os outros que dizem isso por conta da sua cor.” Dora faz um paralelo entre a discriminação racial e uma série de outros movimentos segregacionistas que condenam pessoas por serem simplesmente aquilo que são. Diante disso, ela acredita que entrar para o ativismo é fazer a diferença nos espaços ocupados na sociedade. Nesses anos de dedicação ao movimento negro, Dora faz questão não só de estar presente nesses ambientes, mas de possibilitar que outros façam o mesmo. Ela foi uma das responsáveis pela implementação do sistema de cotas para negros no Paraná, e foi reconhecida como ‘Personalidade

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Afro-Paranaense’ pelo governo do estado, em 2017. Atualmente, Dora atua na Procuradoria Geral da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

que meu pai chora muito lá de cima por ver essa entidade viva depois de tanto tempo. Se não fosse eu, o clube não existiria mais”, conta.

Assim como seu pai, a ativista se esforça para sensibilizar os familiares e pessoas próximas a conhecerem, agirem, interferirem e serem proativos na causa. “Desde uma ida ao mercado, uma propaganda que passa na TV a um comentário de um político, estou sempre fazendo as pessoas ao meu redor verem os dois lados da moeda.”

Sandro Fernandes tem tanto orgulho da história de sua família que fez dela seu objeto de estudo. O historiador, de 50 anos, se dedicou a pesquisar o passado de sua cidade natal e entender como as relações raciais moldaram Guarapuava ao longo do tempo. Em 1864, quando o local era apenas uma província que pertencia a Antônio de Sá Camargo, intitulado Visconde de Guarapuava, o tataravô de Sandro era escravo daquelas terras. Campolim de Sá Camargo carregava o sobrenome de seu proprietário, mas não podia passá-lo a seus filhos, que foram nomeados Silva.

LEGADOS DA LUTA A Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio, em Curitiba, faz parte não apenas da história do movimento negro paranaense, mas também da memória da própria cidade. A primeira instituição voltada para afrodescendentes no estado foi fundada em 1888, logo após a abolição da escravatura no Brasil, com o objetivo de oferecer assistência e alfabetização aos escravos recém-libertos e suas famílias. Há quatro décadas, Álvaro da Silva herdou do pai o cargo de presidente do clube. O senhor de 72 anos frequenta a Sociedade desde menino, quando sua família se mudou de Joinville para a capital paranaense. Foi a partir daí que a história de pai e filho se uniu à história da 13 de Maio. “Meu pai era barbeiro, foi apelidado de ‘Garoto da Saldanha’, pois era muito conhecido e conhecia todo mundo. Foi em um rolê que ele se esbarrou com o clube dos negros aqui e foi convidado para compartilhar a diretoria”, recorda. Álvaro se lembra de ir a muitas festas que eram promovidas para arrecadar fundos, principalmente a tradicional gafieira de domingo, que não podia faltar. Depois da morte do pai, Álvaro seguiu o mesmo caminho. “Ele me chamou para ajudar no clube e eu fiquei até hoje. Meu pai teve os últimos dias de vida na 13”. Depois de 132 anos de história e algumas dificuldades, o legado da Sociedade é motivo de orgulho para Álvaro. “São poucos clubes hoje que aguentam, e eu estou vivo e resistindo ainda. É uma coisa fantástica. Acho

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O filho de Campolim, Bento José da Silva, foi um dos responsáveis pela construção de um dos espaços sociais negros mais tradicionais da região, o Clube Social Rio Branco. Fundado em 1919, o local tinha como função promover o lazer, a confraternização e a ajuda mútua para os ex-escravos e seus descendentes. Sandro se lembra de frequentar o clube criado por seu bisavô desde criança. Os carnavais do Rio Branco têm um lugar especial em sua memória. Mas foi apenas quando ingressou na faculdade de História, que ele começou a refletir sobre a trajetória de sua família com o clube, e decidiu iniciar sua pesquisa. “Os negros faziam questão de registrar a inserção deles na sociedade e na produção cultural de Guarapuava em fotografias. Por meio desse acervo documental, que data do fim dos anos 1950 até os anos 1980, comecei a reconstruir a trajetória do Rio Branco”, relata. A partir da década de 1980, os clubes no Brasil perderam relevância como lugares de sociabilidade, e o Rio Branco não resistiu à tendência. Hoje, ele existe apenas na memória das pessoas, eternizado na pesquisa de Sandro e na figura do atual presidente, filho do tio-avô do historiador. “A ideia de retomar o clube como

Álvaro herdou a presidência da Assossiação Beneficente 13 de Maio do pai, há mais de 40 anos.


um centro cultural me agrada. Ser um lugar em que as pessoas podem contar, rever e entender a importância da cultura afro-brasileira até hoje no país.” Sandro entende que histórias como as de sua família são importantes para mostrar que a luta dos negros pela construção de um espaço social igualitário existe há muito tempo, e que elas refletem uma trajetória comum no país inteiro. “Nós falamos de coisas tão distantes da gente, sendo que têm histórias tão próximas para serem contadas. Essas trajetórias de vida, de pessoas, lugares e grupos negros são importantíssimas para construir efetivamente a história da nação brasileira, de norte a sul.”

Nas colagens, a fachada do Clube Rio Branco em 1990, o bisavô de Sandro e fundador do clube, Bento José da Silva e a família atualmente (Sandro à esquerda, de camiseta preta e Francisco ao centro, de boné).

“A primeira vez que eu ouvi sobre o meu passado foi pela minha mãe. Ela comentava sobre o meu tetravô, que tinha sido escravo”, relembra o sobrinho de Sandro, Francisco Fernandes, de 17 anos. Porém, somente ao ser vítima de racismo o jovem percebeu que, infelizmente, a discriminação não faz parte apenas do passado da família. “O pesadelo começou quando passaram a me excluir, fui apelidado de ‘King Kong’ por ser o mais moreno do colégio. Além disso, os próprios professores pegavam no meu pé, riam e falavam de mim para os outros alunos da minha sala”, relata Francisco. Apesar de ter sofrido por anos, hoje o rapaz sente orgulho de contar sua história. “Me chamavam de negro e eu ficava

triste. Hoje em dia me chamam de moreno e eu não aceito, quero ser chamado de negro, porque eu sei de onde eu vim e tenho muito orgulho.” Mesmo tão jovem, Francisco já pretende usar sua voz para inspirar outras pessoas por meio da música, falando sobre a luta negra em suas letras de RAP. Ele espera levar a mensagem que aprendeu às próximas gerações. “Quero manter isso para o meu futuro, meus filhos, para que eles tenham conhecimento do que foi o nosso passado, do que nós passamos. Nosso sangue é de escravo.” Combater o racismo e acabar com a estrutura de desigualdade é um dos principais pilares para construir uma sociedade democrática de fato. É fundamental reconhecer o lugar de fala e protagonismo dos negros e negras na luta contra a desigualdade racial, mas isso não inviabiliza a participação de todos, já que objetiva uma sociedade mais igualitária. A luta contra o racismo no Brasil é uma luta do Brasil inteiro.

A militância não é vilã A vilanização do ativismo tem crescido e a causa negra é um dos principais alvos do ódio de grupos extremistas que encontram força nesse discurso. portalcomunicare.com.br

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Quando o pedido sai para a entrega Com o aumento do desemprego, trabalhadores informais recorrem aos aplicativos de delivery como fonte de renda Isabelli Pivovar Lucas Grassi Maria Fernanda Coutinho

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nze da noite de uma quinta-feira gelada. Parado em frente a um prédio antigo no centro de Curitiba, prestes a concluir a última entrega do dia, com a bag de entregas no ombro já curvada pelo cansaço e segurando a bicicleta com uma das mãos, Kenji anuncia a chegada do pedido e é recebido com a pior notícia que um entregador pode receber: “Não tem elevador, você vai ter que subir de escada”. Com um suspiro, Igor Kenji Tachibana, de 23 anos, entregador por aplicativos de delivery há oito meses, subiu sete lances de escada para terminar seu expediente e finalmente

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conseguir descansar para o próximo dia. “Faz parte do trabalho, subir escadas ou pedalar quilômetros para entregar a comida para o cliente. Mesmo se você estiver esgotado, se não fizer estas coisas, não recebe o dinheiro”,

“Frente à pandemia, os camioneiros e os motoboys são o elo mais importante entre o isolamento e os isolados nas cidades. É o que está mantendo nossa sobrevida.” Daniel Poit, economista


explica com a feição cansada, mas sem deixar escapar um sorriso hesitante no rosto. Ficar em casa. Essa é uma das principais recomendações para a contenção da pandemia do novo coronavírus, que já tem 155.939 casos confirmados e matou 10.627 pessoas no Brasil, segundo dados oficiais até o dia 10 de maio. Quando sair significa colocar a saúde em perigo, a comodidade oferecida pelos aplicativos de entrega se torna ainda mais sedutora. Ao HuffPost Brasil, o aplicativo de delivery Rappi informou que registrou nas últimas semanas um aumento de 30% no número de pedidos, principalmente em restaurantes, supermercados e farmácias. Muito graças à logística e facilidade do trabalho informal, que cresce espontaneamente fora do processo de planejamento de políticas públicas e à margem da formalidade, as pessoas estão tendo a oportunidade de respeitar o isolamento com outros profissionais para atender às suas necessidades, visto que é um dos únicos setores que continuam trabalhando integralmente. Essa realidade não é exclusiva para Tachibana. O cenário descrito acima

exemplifica a rotina dos entregadores de delivery, ou simplesmente, motoboys. Trabalhar de domingo a domingo sem contrato, em jornadas que podem chegar a mais de vinte e quatro horas seguidas, se arriscando constantemente no trânsito, sem garantias ou proteções legais e muitas vezes por menos de um salário mínimo no mês. Essa é a situação para 41,1% dos brasileiros, o equivalente a 38 milhões de trabalhadores informais no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para o economista Daniel Poit, “os aplicativos foram se instalando em função da deficiência do sistema de transporte e das oportunidades que o mercado foi oferecendo. E, atualmente, frente à pandemia, os camioneiros e os motoboys são o elo mais importante entre o isolamento e os isolados nas cidades. É o que está mantendo nossa sobrevida”, defende. Com o aumento no número de entregadores, consequentemente, a demanda se torna mais escassa e as entregas, mais espaçadas, o que faz com que a renda dos motoboys diminua. Para Rafael Rosa, de 34 anos, se tornar um entregador de aplicativo foi Reprodução/Unsplash

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a solução para evitar o desemprego, mas é notável em sua renda como o aumento de trabalhadores o afetou. “Nos primeiros meses, eu cheguei a fazer 800 reais em uma semana. Eu sempre rodei cerca de cinco horas por dia e conseguia fazer R$ 100 ou R$ 120. Hoje, nesse período, consigo no máximo R$ 50, o que torna difícil e desgastante”, explica. Rosa acrescenta ainda que o vírus alterou a rotina nos primeiros dias, por conta de um

não reconhecida pelo Estado, já que não é formalizada a partir do registro na carteira de trabalho. Poit esclarece que, nessas circunstâncias, há grande risco para o trabalhador: “Se, por exemplo, o profissional teve que ir ao médico e pegou um atestado, não há abono dessas horas perdidas e nenhum suporte”. Os riscos são inúmeros quando o assunto é delivery, desde acidentes no

“É amedrontador, pois é muito incerto. Dá muito medo e é um desafio, mas não tem como parar, porque, como eu disse, se eu parar eu passo fome.” Rafael Rosa, entregador estouro no número de entregas, e por conta disso, conseguiu fazer mais dinheiro. “Mas depois de um tempo, várias pessoas começaram a entrar para trabalhar por eles, então as coisas normalizaram”, lamenta. Uma pesquisa do final de 2019, realizada pela Associação Aliança Bike, afirma que cerca de 75% dos entregadores ficam conectados ao aplicativo por até 12 horas seguidas. Tudo isso por um ganho médio mensal de R$ 992 (R$ 6 a menos do que o salário mínimo, fixado em R$ 998). O menor valor mensal recebido encontrado no levantamento foi R$ 375, para entregadores que trabalham três horas diárias, e o maior foi R$ 1.460, para 14 horas trabalhadas. A jornada de trabalho de pessoas que atuam no delivery é, de forma geral, descompensada. Essa modalidade ganhou força com o crítico cenário de crise econômica que atingiu o Brasil, em 2014, período pós-Copa do Mundo. Poit explica que, a partir de então, as empresas passaram a firmar parcerias sem vínculo empregatício. Dessa forma, há uma relação trabalhista

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trânsito até a entrega em si, mas para a grande maioria dos motoboys e, para Rosa, é a única solução para sustentar a família. “Eu tomo cuidado redobrado porque se acontece alguma coisa, eu fico desamparado e, consequentemente, sem renda. Já passei 14 horas fazendo corridas sem parar para poder bater minha meta semanal e ter um dia de folga”, explica Rosa. O problema, entretanto, está no deslocamento agressivo e imprudente de bicicletas e motocicletas. No Brasil, Carlos Hardt, mestre em Gestão Urbana e Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCPR, explica que os acidentes envolvendo esses veículos são superiores aos que implicam carros. Tal cenário traz, inclusive, impactos para a economia: “Uma pessoa economicamente ativa fica durante um bom tempo fora do mercado, exigindo recursos importantes para seu tratamento. Sob ponto de vista social, também se tem resultados preocupantes, na medida em que este trabalhador, após o período de recuperação hospitalar, por vezes não consegue mais exercer atividades econômicas devido às sequelas, ou, em muitos casos, a


óbitos, com consequências importantes em estruturas familiares”, explica Hardt. O descaso das empresas com a saúde e segurança dos entregadores é revoltante e a jornada de trabalho, embora flexível e opcional, do entregador se torna uma espécie de escravidão. Segundo Rosa, ainda, o descaso com a saúde do trabalhador é revoltante: “Para os aplicativos você é um cifrão, a preocupação é com a entrega e se ela vai ser concluída ou não. Caso aconteça algo contigo, você tem que chamar outro motoboy para terminar e ainda fica sem o dinheiro da entrega”, conclui. Especialmente em meio à pandemia da Covid-19, o Ministério Público do Trabalho emitiu nota técnica com uma série de medidas a serem tomadas pelas empresas de transporte de mercadorias por plataformas digitais. Porém, o motoboy, que já fez entrega para pessoas infectadas, explica que os cuidados estão sendo feitos por conta própria, como a higienização das bags a cada delivery, o uso de máscara e óculos, e a utilização de luvas no mo-

mento da entrega. “É amedrontador, pois é muito incerto. Dá muito medo e é um desafio, mas não tem como parar, porque, como eu disse, se eu parar eu passo fome”, finaliza Rosa. A saúde e bem-estar dos entregadores é também assunto público e, por isso, deve ser revisado pelas empresas responsáveis pelos aplicativos, pois prejudica o indivíduo e a economia, já que a dinâmica informal de trabalho também demonstra inconsistências. Economicamente, como a pessoa não paga impostos, ela acaba não destinando recursos para o setor público. “Se esse trabalhador, por exemplo, sofrer um acidente e precisar utilizar do Sistema Único de Saúde (SUS), o fará sem ter contribuído. Isso, em grande escala, pode ser um problema”, esclarece Poit. Outra problemática está na dificuldade em fiscalizar as condições às quais os indivíduos estão sendo submetidos. “Uma nuance do trabalho informal é que ele flerta muito com a atividade ilícita, pois não há uma forma de controlar e monitorar a legalidade de

Perfil dos entregadores de aplicativo no Brasil Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Aliança Bike

75%

59%

57%

86% 86%

Têm até 27 anos e trabalham até 12 horas por dia

Começaram a fazer porque estavam desempregados

Trabalham os sete dias da semana

Dizem que o delivery é sua única fonte de renda

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tantos indivíduos. Da mesma forma que não há assistência, não há monitoramento também”, explica Poit. Apesar dos impasses, em tempos de crise econômica a alternativa oferecida pelos aplicativos pode proporcionar uma fonte de renda e, por consequência, poder de compra. Isso faz com que a economia gire e que uma família não fique totalmente desamparada a curto prazo. Mesmo o trabalho de entregador envolvendo uma série de problemas e necessite de adaptações para garantir a segurança de seus colaboradores, este se tornou uma opção viável de carreira por conta da sua flexibilidade. “Eu gosto, porque traz uma liberdade que só se tem dessa forma. Não tem um chefe diretamente. Funciona como um escape. Por exemplo, às vezes eu acordo de mau humor e, andando pela cidade, consigo me acalmar. No meu caso, tem um bônus por que amo andar de moto. Então, ganhar para isso é melhor ainda”, comenta Rosa. Para Tachibana, o ônus é o mesmo: “Eu não preciso cumprir horários, tenho liber-

Reprodução/Unsplash

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dade. Se não estou me sentindo bem no dia, não faço corridas e tudo bem, eu tenho que arcar com esse prejuízo depois.” Apesar da rotina cruel, os entregadores se tornaram uma força sólida e unida entre si. “Já aconteceu de vários entregadores, de aplicativos diferentes, pararem no meio do trânsito para brigar com um motorista que fez algo injusto com um de nós”, comenta Rosa, bem humorado. Segundo ele, essa é a melhor parte do trabalho, saber que será assistido e apoiado por pessoas que passam pelas mesmas lutas diárias.

Conheça Acesse a lista completa de aplicativos e delivery que funcionam em Curitiba e região no Portal Comunicare: portalcomunicare.com.br


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Atração fatal Hibristofilia é o nome dado à velada e pouco conhecida admiração por criminosos. Quem são as mulheres apaixonadas pelos homens que a sociedade julga abomináveis? Maria Cecília Zarpelon, Marina Prata e Sofia Magaganin

Nas fotos, Charles Manson, Richard Ramirez, Thiago Henrique, Ted Bundy e Jeffrey Dahmer.

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“N

o momento em que alguém tira uma vida é um poder maior que o de Deus, entende? É como se aquela pessoa fosse um tipo de divindade e você, ao estar com alguém assim, se eleva ao mesmo status.”

Foto montagem: Maria Cecília Zarpelon/Reprodução

Beatriz* passou a infância inteira ouvindo histórias do pai, delegado, sobre homens que transgridem a lei. O fato de muitos deles nunca serem pegos ou acabarem soltos novamente comprova, para ela, uma inteligência acima da média. O fascínio por mentes criminosas veio aos poucos e, logo, se transformou em atração. Via de regra, a sociedade estabelece que homens que cometeram atrocidades e foram condenados por crimes hediondos devem ser alvo de rejeição e abominação. Mas, inesperadamente, não é sempre assim que acontece. Muitos deles recebem juras de amor, cartas de admiradoras, e alguns até se casam na prisão. Mas, afinal, quem são as mulheres que se apaixonam por esses criminosos e o que as leva a sentir essa afeição tão incomum? A criminologia define a atração afetiva ou sexual por infratores como um

mãe. Mas a repressão dos parentes não foi suficiente para conter seu interesse pelo mundo do crime. A forma que encontrou de atuar na área foi iniciar um voluntariado em um presídio. Todos os dias, a jovem viaja à cidade vizinha para vivenciar a realidade carcerária. Beatriz ainda mantém adormecido o desejo de passar em um concurso público para trabalhar com crimes graves e famosos. Apenas ouvir sobre os assassinos que protagonizavam as histórias do pai não era suficiente. Desde muito nova, Beatriz lia livros e assistia filmes sobre o tema, principalmente aqueles que tratam os criminosos como seres humanos comuns. Hannibal, o protagonista de O Silêncio dos Inocentes, fez com que a garota percebesse que era atraída pelo poder, e aquele era seu tipo de homem: “Inteligente, sem medo, com ambições e que pudesse proporcionar um futuro seguro.” O perigo de ter um relacionamento com alguém que já matou pessoas não assusta Beatriz. Ela não vê problema em se envolver com um assassino, desde que se sinta atraída por ele. “Todo mundo já fez algo de errado. Numa relação assim você sabe o que esperar, está tudo às claras. Mulher de político não é mal vista, por que

“Mulher de político não é mal vista, por que mulher de bandido deveria ser? ” Beatriz*, 24 anos comportamento atípico, conhecido como hibristofilia. Essa realidade, majoritária entre mulheres, é cercada de tabus e, por mais que seja recorrente, carece de estudos científicos conclusivos e permanece pouco conhecida. Nascida no interior do Paraná, Beatriz, de 24 anos, sonhava em ser uma profissional da lei, mas foi proibida pelo pai. Para ele, o Direito simplesmente não foi feito para mulheres. Sucessora do negócio da família, a jovem optou por cursar Farmácia para ajudar a

mulher de bandido deveria ser? Profissão é profissão, cada um tem seu caminho”, afirma. Beatriz tem dificuldade de se relacionar com os “cidadãos limitados” que a sua cidade produz. Em busca de encontrar um homem que a satisfizesse e acompanhasse intelectualmente, a jovem tentou entrar em contato com Charles Manson. O criminoso americano era seu grande ídolo, e a esposa dele, alvo de sua profunda inveja. Foram 72 cartas sem resposta. Beatriz

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Maria Cecília Zarpelon

mantém um registro de todas as vezes que enviou suas declarações, com a data exata. A morte do notório criminoso a deixou inconsolável. “Foi como perder alguém muito próximo.” Após tentativas frustradas de ter seu amor correspondido, Beatriz começou um relacionamento de fachada para disfarçar seus reais interesses. O rapaz, que conheceu durante uma viagem a outro país, é, para ela, apenas um “status de Facebook”. Hoje, os únicos criminosos que fazem parte de sua vida são os amigos que fez no presídio onde é voluntária. Na área dos estudos comportamentais, a atração sexual preferencial ou exclusiva por uma pessoa ou objeto não-convencional é definida como uma parafilia. Porém, não há um consenso sobre a classificação da hibristofilia dentro dessa denominação. Segundo a psicóloga mestre e doutora em sexualidade humana pela Universidade de São Paulo (USP) Bárbara de Lucena, são definidas como práticas sexuais convencionais aquelas realizadas de forma consensual com seres humanos, vivos e adultos. Como a hibristofilia atende a todos os critérios de uma relação sexual convencional e abrange tanto a atração sexual quanto afetiva, é difícil dizer

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se trata-se, de fato, de uma parafilia ou não. Tal discordância dificulta o estudo do tema e, consequentemente, sua compreensão. Até o momento, a hibristofilia não é entendida como um transtorno ou doença diagnosticável. “Diferentemente dos distúrbios psíquicos, nenhum comportamento pode ser categorizado, temos que ver o que está por trás dele”, explica Bárbara. De acordo com a psicóloga especialista em análise comportamental Soraya Aragão, os relacionamentos amorosos refletem partes circunstanciais da infância de cada indivíduo. Diante dos casos estudados até hoje, foram constatadas algumas semelhanças entre as mulheres que se apaixonam por criminosos: muitas são vulneráveis, têm baixa autoestima e têm demandas emocionais que não foram supridas, tais como uma infância difícil ou uma família desestruturada. “Geralmente são mulheres imaturas que têm uma percepção equivocada daquele homem, uma distorção da realidade”, esclarece. De modo geral, o comportamento hibristofílico costuma se manifestar entre os 13 e 25 anos. “Todos os nossos comportamentos têm uma função, a gente faz o que faz por um motivo”, reflete Soraya. Mulheres com o agravante de terem sofrido abuso sexual ou psicológico


no passado podem se envolver com um criminoso para repetir a cena de agressão, ou ainda buscar a segurança e proteção que seu parceiro pode oferecer. Além da fragilidade emocional, a procura por adrenalina, poder, fama ou autoafirmação pode motivar essas mulheres, principalmente se o alvo de suaadmiração é um infrator que ganhou atenção da mídia. Algumas, inclusive, acreditam que po-

dem salvar esses homens, trazendo a eles uma espécie de “redenção”. Na visão da psicóloga, é “uma espécie de suicídio indireto ou inconsciente se envolver com uma pessoa que pode potencialmente te matar”. Amanda*, de 21 anos, cresceu com todo o suporte que o dinheiro poderia proporcionar; ia às melhores festas, tinha as melhores roupas, estudava na melhor escola. Porém, mesmo com todo o conforto de uma família de classe média alta, teve uma vida bastante conturbada desde que consegue se lembrar. A filha única de pais divorciados tinha problemas, principal-

mente, com a mãe, narcisista perversa. “Eu sofria abusos psicológicos constantes, desde muito pequena eu tenho recordações da minha genitora falando que me odiava, que tentou me abortar”, relata. Devido aos abusos sofridos em casa, Amanda foi criada pela avó. Aos 10 anos, a pessoa que era sua principal referência faleceu. Nessa época, a jovem entrou em um estado de depressão profunda e começou a se automutilar. “Propositalmente, comecei a me envolver com as amizades erradas. Tudo que era ruim me atraía. Parando para pensar, acho que eu sempre tive um interesse por aquilo que a sociedade considera errado.”

O comportamento dos bad boys sempre chamou sua atenção, despertando fascínio e admiração. Na escola, falava abertamente sobre temáticas criminais com suas amigas, que também demonstravam interesse no assunto. Mas, foi no Tumblr que Amanda realmente se conectou com pessoas que pensavam como ela: encantadas por serial killers. “Para mim, com a minha mente de adolescente, era algo admirável eu ser diferente e ter interesses diferentes. Era um prazer estranho ser esquisita.”

Maria Cecília Zarpelon

Aos 12 anos, Amanda enviou sua primeira carta para o presídio San Quentin, onde o assassino em série e estuprador norte-americano Richard Ramirez estava preso. “A minha obsessão com o Ramirez foi muito particular. Eu adorava ler a respeito do Charles Manson, do Ted Bundy, mas o Richard Ramirez foi uma coisa que, na época, eu entendia como uma atração espiritual. Era física, intelectual, mental… Eu assistia a todas as entrevistas. Tentei buscar parentes, familiares dele no Facebook. Eu tentava me aproximar o máximo possível, foi bem intenso”, relembra.

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Até os 15 anos, a jovem não havia beijado ninguém porque não conseguia se imaginar tendo um relacionamento com um “rapaz normal”. “Algumas pessoas falam que quem tem esse interesse é tão sociopata quanto os próprios serial killers. Isso enfatiza ainda mais a ideia da hibristofilia ser um tabu.” As incontáveis cartas de Amanda para o criminoso traziam “confissões de uma menina apaixonada se declarando para seu amante”. Ela traduzia poesias da literatura brasileira, contava a respeito do seu dia a dia e de seus planos de ir à Califórnia visitá-lo. Ramirez chegou a escrever de volta para sua admiradora três vezes. As respostas do assassino, embora padronizadas, significavam muito para ela. “Ele contava a respeito dos programas que podia assistir, dos filmes que via…”, recorda.

A incapacidade que pessoas com transtornos psicóticos têm de sentir empatia, assim como a característica nata de manipulação de assassinos em série, impossibilita que esses criminosos correspondam o amor de suas admiradoras. “A relação só existe na cabeça daquela mulher”, argumenta a advogada criminal Lívia Arcângelo, que conduz pesquisas sobre o perfil criminológico de feminicidas, estudando o caso de um assassino em série de Goiânia. Sobre a mente criminosa, Lívia constatou em seus estudos que os assassinos não agem sempre como assassinos, eles se apresentam para a sociedade de maneiras diferentes e assumem uma persona conforme a conveniência. “Ele age como se fosse superior e não fizesse parte deste plano. Serial-killer acha que está em uma missão.” É dessa forma que homens psicopatas conseguem conven-

“O fascínio fica tanto em volta do assassino que elas se tornam meras coadjuvantes.” Lívia Arcângelo, advogada criminal

A jovem casou-se aos 16 anos e hoje é mãe de uma menina. É formada em Artes Cênicas e, atualmente, estuda Direito. Ao olhar para trás, Amanda entende que os comportamentos que teve na adolescência foram uma forma de externalizar toda sua carência emocional. “Enquanto mãe e esposa, analiso tudo isso como uma forma desesperada de me sentir especial, uma tentativa de chamar a atenção de meus pais. Foi um pedido de socorro”, finaliza a jovem.

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cer e cativar suas admiradoras, ainda mais quando se tratam de criminosos midiáticos colocados em uma posição de heroísmo. “Grandes bandidos, que chamam a atenção pela fama, atraem o imaginário de várias mulheres que vão tentar contato a todo custo.” Em casos famosos na mídia, a atenção costuma ficar sempre em cima do criminoso, enquanto suas admiradoras, por outro lado, permanecem anônimas por conta do tabu que envolve esse interesse. “O fascínio fica tanto em volta do assassino que elas se tornam meras coadjuvantes”, afirma. A hibristofilia não escolhe sexo. Um homem pode se apaixonar por uma mulher criminosa, mas, na maioria dos casos, ocorre o contrário. É fato que, no Brasil, 95% da população carcerária é composta por homens, segundo o Conselho Nacional de Justi-

Maria Cecília Zarpelon

No último contato de Amanda com Ramirez, ela pediu que o assassino a enviasse uma mecha de cabelo, mas não obteve resposta. O criminoso morreu logo em seguida, forçando o rompimento do contato. Foi então que Amanda entendeu que não haveria possibilidade de que ela e seu amado ficassem juntos e, aos poucos, a paixão foi desaparecendo.


ça (CNJ). Mas não é só isso que explica a hibristofilia ser predominantemente feminina. Uma das teorias para justificar esse fenômeno está baseada na psicologia evolucionista. De acordo com a abordagem teórica, a mulher teria uma tendência a se atrair sexualmente por homens “macho-alfa”, que a psicóloga Bárbara de Lucena define como “alguém com características agressivas, de bom lutador e que ganharia dos adversários”. Para ela, esses criminosos seriam “um extremo do interesse das mulheres por aspectos mais viris”. A psicóloga Soraya Aragão acrescenta que, de acordo com essa teoria, a preferência se deve a um gene herdado pelas mulheres por meio da construção filogenética, já que, ao longo da evolução da raça humana e da sociedade, as mulheres se relacionam historicamente com homens mais agressivos e opressores.

É possível enxergar a hibristofilia como um dos diversos efeitos colaterais da cultura da superioridade masculina, em que a mulher é colocada como uma figura submissa aos comportamentos violentos de seus parceiros. Comportamentos esses, como a psicopatia, que são estudados exaustivamente pelas áreas da psicologia e psiquiatria, além de excessivamente explorados pela mídia e pelo entretenimento, enquanto a hibristofilia permanece velada como um simples fetiche feminino fora do padrão. *Pseudônimo utilizado para preservação da integridade da fonte. Leia também Quando o crime se torna sucesso de bilheteria portalcomunicare.com.br

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Memórias que não foram apagadas Apesar de estarem estabelecidos em Curitiba desde o século XIX, os judeus que vivem na cidade ainda hoje sofrem com preconceitos e estereótipos relacionados à religião Ana Iamaciro Andressa Carvalho Carla Tortato Laís da Rosa

O Paraná é o quarto estado do país com maior número de judeus, com 3,5 a 4 mil ntegrantes na comunidade.

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uando eu estava no primeiro ou segundo ano [do ensino médio], houve uma vez em que eu cheguei na sala de aula e tinham desenhado uma suástica na minha mesa. [...] Havia sido de manhã, minha reação foi ficar quieto, não fazer nada. Eu coloquei um estojo em cima para ninguém ver”. Esse é o relato de Itay Peceniski, que à época, com 15 anos, presenciou o preconceito enquanto iniciava seu contato com pessoas não judias, após trocar de colégio. Depois do ocorrido, Itay comenta que seus amigos, que estudaram com ele na escola israelita, chegaram a incentivá-lo a recorrer ao diretor da instituição para que uma providência fosse tomada, entretanto, nada foi feito a respeito. O fato ocorreu há sete anos, mas Itay, hoje com 22, ainda sente os impactos

Motivos como esses, devido à falta de conhecimento das pessoas sobre a religião judaica, refletem no cotidiano dos judeus. Itay, que tem pais judeus e cresceu em uma comunidade judaica, afirma que, por medo, não usa o quipá (chapeuzinho típico da religião) na rua e pelo mesmo motivo também já deixou de usar brinco. Ele relata que sente receio até mesmo ao se apresentar para alguém. “As pessoas veem já pelo meu nome, tipo, ‘Nossa, que nome diferente, de onde é?.’ Daí, para a maioria, se eu não sinto muita confiança, eu falo qualquer coisa, do tipo ‘Meus pais inventaram’ ou ‘É em tupi-guarani’. É dessa forma que o antissemitismo me afeta.”, afirma pensativo. O Paraná é o quarto estado do país com maior número de judeus. São cerca de 150 mil no Brasil. Segundo

“Quando você conhece o diferente, você vê que ele não é tão diferente de você.” Ilana Lerner, diretora da BPP do antissemitismo na sua vida. Antes do ocorrido no colégio, seu contato era praticamente apenas com judeus. Ele, que nasceu em Israel, veio para Curitiba em 1999, quando tinha 2 anos, à época não sabia falar a língua portuguesa tão bem quanto sabia hebraico. Itay conta que foi um processo de adaptação, pois o Brasil é um país muito ligado à religião cristã. Ele afirma que alguns estereótipos relacionados a pessoas de origem judaica ainda permanecem no imaginário coletivo, com ideias como as que dizem que os judeus são todos multimilionários e teorias da conspiração que afirmam que eles estão sempre tramando uma manipulação a fim de dominar o mundo para beneficiar a si mesmos.

Isac Baril, presidente da Federação Israelita do Paraná, o número de judeus no estado está entre 3,5 mil e 4 mil. Em Curitiba, são mais ou menos 850 famílias. Em Maringá, há uma pequena comunidade, em torno de 60 pessoas. Londrina tem 50 pessoas e, em Ponta Grossa, há cerca de 20 pessoas de origem judaica.

Leia mais Veja um pouco do museu da religião judaica, Yad Vashem, em Jerusalém. portalcomunicare.com.br

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Os judeus chegaram a Curitiba em torno de 1880. A grande maioria veio da Polônia, da Alemanha e da antiga União Soviética (Rússia e Ucrânia). No Brasil, a maior parte dos judeus não nasceu em Israel e, sim, de outras origens, como da União Soviética, do Egito e da Síria. No estado do Paraná, a maior quantidade é de judeus de origem polonesa, alemães, ucranianos e romenos. O maior índice é de poloneses e alemães. Este ano completam-se 75 anos do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que pôs fim ao Holocausto, em que minorias sofreram uma perseguição sem precedentes. Entre as vítimas, havia negros, ciganos, homossexuais e, principalmente, judeus. Ao todo os nazistas, sob o comando de Adolf Hitler, foram responsáveis pela morte de cerca de seis milhões de pessoas de origem judaica. Mesmo após décadas do ocorrido, manifestações antissemitas e pró-nazistas continuam a ocorrer. Neste ano, em Curitiba,18 carros foram vandalizados com desenhos de símbolos nazistas em um clube. Em outro caso recente, em dezembro do ano passado, um jovem causou polêmica ao usar uma suástica em um shopping da cidade. Para o professor de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Dennison de Oliveira, o preconceito contra pessoas de origem étnica judaica parece ser dominante, já o judaísmo como religião, que antes era motivação para preconceito, hoje atua no sentido inverso. “Como se vê no caso brasileiro, notadamente na judaização das seitas evangélicas e pentecostais que celebram símbolos e valores judaicos”, relata. Sobre a relação estreita entre Brasil e Israel, Oliveira afirma que esta pode ser uma motivação para o antissemitismo, na medida em que é possível (mas de forma alguma justificável) se estabelecer uma relação entre a comunidade judaica local e as sistemáticas violações dos direitos humanos das populações palestinas que vivem sob ocupação militar israelense. O historiador acredita que é possível que o antissemitismo tenha relação com o fato de muitas pessoas não terem a dimensão histórica e social do que foi o Holocausto judeu, mas que também pode ser inversamente, ou seja, como se a existência anterior de um genocídio justificasse sua retomada. O Museu do Holocausto de Curitiba, localizado no bairro Bom Retiro, é um lugar importante que abriga memórias em suas paredes. A meia luz que ilumina o ambiente expressa a tristeza e as lembranças da luta dos judeus, Divulgação

O Museu do Holocausto se destaca pela luta contra a intolerância, o ódio, a discriminação tão relevantes nos dias de hoje. editoria 24 revistacdm | cidades


conservando a história e reunindo diversos documentos, fotos e relatos de pessoas que passaram pelo período horrendo durante a Segunda Guerra Mundial. Carlos Reiss, diretor geral do museu, conta que trabalha com o conceito de vítima do Holocausto como sendo qualquer pessoa que tenha sofrido algum tipo de perseguição ou discriminação por parte do regime nazista. Ele afirma que quando o museu foi inaugurado, há oito anos, havia pouco mais de 20 sobreviventes do Holocausto, mas agora apenas qua-

ou praticamente não-humano, de que o judeu é alguém que não pode ser cidadão desse país porque ele é um traidor da pátria.”, diz. Reiss reitera que todas as acusações contra o povo judeu se formaram com o tempo e que o antissemitismo se fortaleceu com base nesse ódio. “Os movimentos skinhead, os de negação do Holocausto, neonazistas, todos esses grupos são contemporâneos, mas muitos deles acabam se apoiando nessas ideias antigas que

“Preservar e contar essas histórias é uma forma da gente transmitir valores para as próximas gerações.” Guilherme de Souza, psicólogo

tro ainda estão vivos, todos com idade bastante avançada. “Com uma estimativa entre 500 e mil pessoas, a gente tem pouco perto da estimativa, mas imaginando que desses 120 ou 130 dos quais nós temos o registro, praticamente todos deixaram filhos, netos, bisnetos, nós estamos falando, hoje, de centenas de pessoas, centenas de descendentes que vivem aqui e muitos vivendo ainda aqui em Curitiba, vivendo no Paraná. Então, isso que é o mais bonito de tudo, de como a vida seguiu seu rumo e o objetivo de aniquilar essas pessoas não foi concretizado. Tanto é que as novas gerações estão aí”, conta Reiss. Segundo Carlos Reiss, o antissemitismo foi ganhando novas características, mas sua origem vem de muito tempo atrás. “O ódio pelos judeus vai se concretizando a partir de acusações de que foram eles que mataram Jesus, que se intensificaram durante a Idade Média. Acusações de que os judeus sequestram criancinhas para fazer algum tipo de ritual, depois vem a ideia de que o judeu é de uma raça inferior

o antissemitismo foi recolhendo e adquirindo no decorrer do século 20”, afirma Reiss. Sobre a intolerância nos dias atuais, Reiss afirma que nas redes sociais, o ambiente virtual é muito mais propício para que discursos racistas e antissemitas saíssem das sombras e alcançasse um número maior de pessoas. “Com o fenômeno das redes sociais, da internet e da possibilidade de difusão de ideias, se tornou algo muito mais alarmante. Há uma necessidade cada vez maior de a gente combater esse tipo de discurso, esse tipo de narrativa”, diz. Em combate ao antissemitismo, para Reiss, a maneira mais eficaz é preservar as histórias das pessoas. “É uma forma, em primeiro lugar, de transmitir valores universais como tolerância, a ideia da diversidade, da coexistência, da paz, resistência, justiça. Preservar e contar essas histórias é uma forma da gente transmitir valores para as próximas gerações”, explica.

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Ele complementa com um segundo passo: fortalecer esses valores. Para ele, o Holocausto pode ser uma ferramenta contra qualquer tipo de ódio, como o fascismo, violência contra a mulher, LGBT fobia, etc. “Restringir o legado [do Holocausto] apenas à luta contra o antissemitismo, significa não usar o potencial educativo que o Holocausto tem de combater a intolerância como um todo”, afirma Reiss.

Itay Peceniski

Segundo o psicólogo Guilherme da Silva de Souza, o Brasil sendo um país de grande diversidade cultural, étnica e religiosa também faz com que haja um crescimento psicológico variado da população, e com isso, ocorra um aumento da discriminação religiosa, pois o nosso histórico cultural já vem dos nossos antepassados onde aprendemos a ser intolerantes passivos e assim, reforçando esse julgamento. “Quando as pessoas falam ‘chuta que é macumba’ e outros comentários do tipo, fazem que inconscientemente reforcem nosso olhar de julgamento”.

Para diretora da Biblioteca Pública do Paraná, Ilana Lerner Hoffmann, que também é judia, a informação e o conhecimento são importantes ferramentas no combate à intolerância. Segundo ela, é necessário que as pessoas passem a ver as diferenças como algo positivo, como curiosidade para aprender mais sobre as diversidades, não apenas em termos religiosos. Ilana ressalta a importância dos livros nesse processo, pois a leitura é uma forma de conhecimento e uma ferramenta para entender o mundo. Então, tratando-se da literatura judaica, os livros assumem uma função de disseminação cultural. “Quando você lê, você se empodera”, afirma. Para ela, o conhecimento não pode ter barreiras, contudo, ao mesmo tempo em que a biblioteca oferece livros sobre Adolf Hitler, tem também uma infinidade de outros que tratam a respeito do que ele causou para milhões de pessoas. “O mais importante é o que as pessoas fazem com esse conhecimento.” Ilana conta que cresceu em um ambiente judaico, seus avós eram bastante religiosos e ela frequentou escolas e até fez parte de movimentos juvenis dentro da comunidade. Em casa, ela mantém alguns costumes, mas nem todos os preceitos da religião. “Eu acho que é importante que as pessoas tenham respeito pela identidade religiosa de cada um, seja ela qual for”, diz. Quanto ao preconceito, Ilana afirma que apesar de não ter sofrido nada pessoalmente, há uma intolerância generalizada. “Você sente que existe um olhar diferente, escuta as piadas e as pessoas falando de coisas que elas não conhecem [...] Eu não tive a vivência pessoal, mas eu vi durante toda a minha vida movimentos anti judaicos acontecerem, as suásticas sendo pintadas nos muros e o cemitério sendo profanado. A questão sobre antissemitismo é mal explicada.”

Itay no local de culto da religião judaica, conhecida como Sinagoga. editoria 26 revistacdm | cidades

É dessa forma que alguns estereótipos relacionados às pessoas de origem judaica ainda permanecem. A diretora da BPP cita, por exemplo, a ideia de que eles são pães duros e “donos de


Divulgação

O centro é a maior referência para estudo e pesquisa sobre o Holocausto no Brasil .

lojinha”. Ela explica que isso ocorre porque quando os judeus chegaram a Curitiba, no começo da migração, eles não tinham terra e nem estudo, a única coisa que podiam obter era uma loja. “É uma coisa muito brasileira de mesclar o preconceito com o humor, por isso que eu acho válido esse movimento que está acontecendo de tirar certas palavras, de mudar certos conceitos e expressões.”, afirma. Ilana relata, entretanto, que isso não ocorre apenas com pessoas de origem judaica, mas com chineses, árabes, japoneses, portugueses e outras comunidades, visto que Curitiba sempre foi uma cidade feita de imigrantes. Segundo ela, esses grupos têm um convívio aberto e amigo entre si, o que pode ter efeito positivo na educação das pessoas. “O que eu espero é que elas aprendam de uma vez por todas a se respeitarem, a se conhecerem, porque quando você conhece o diferente, você vê que ele não é tão diferente de você”. A orientação feita por Isac Baril, presidente da Federação Israelita do Paraná, para quando um judeu sofre algum tipo de preconceito por conta de sua religião e cultura, é entrar em contato com a organização, pois ela é o órgão representativo dos judeus no

estado. A federação tem um departamento jurídico para onde encaminham os casos de antissemitismo e, em seguida, tomam as providências necessárias. Baril conta que um dos casos de antissemitismo que ocorreu recentemente, um homem publicou nas redes sociais a frase “Não fizeram o trabalho completo de exterminar todos os judeus”. O homem foi condenado a 2 anos de prisão. Outro caso que Baril ressalta foi de um menino de 16 anos que publicou uma foto nas redes sociais, dele segurando uma faca na mão com a legenda “Isso aqui é para você judeus”. Isac reitera que existe célula nazista no Brasil e também em Curitiba. “Temos que lembrar que quando se fala em célula nazista, eles não são apenas contra judeus, são contra negros, contra nordestinos, contra ciganos, índios, comunidade LGBTQI+, entre outros”, diz.

Leia mais Veja um pouco sobre a história, o diário e o legado de Anne Frank, uma grande figura para a história dos judeus. portalcomunicare.com.br

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Luísa Secco

A transformação de uma vida

Como é feita a transição de gênero de pessoas trans e quais efeitos os tratamentos podem acarretar Gustavo Ferraz, Laura Borro, Luana Perdoncini, Luísa Secco e Paula Araújo

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uando tinha 15 anos, Rafael se entendeu como transgênero. Mesmo demorando alguns anos para abraçar a nova identidade, ele sabia que era um homem trans. Agora, aos 19 anos, ele se viu sem nenhum apoio familiar quando optou pelo tratamento hormonal mesmo tendo receio de sofrer mudanças no corpo por pressão da sua família. “Sou desempregado e emocionalmente dependente dos meus pais. Meu namorado também é trans e está em TH (transição hormonal), acredito que juntos conseguiremos resolver isso em um tempo”, explica o artista.

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“Tome o seu tempo e não escute quem diz que você tá errado, que tem que fazer isso e aquilo para ser válido.” Orlando Vinhora, estudante. Histórias como a de Rafael são muito comuns dentro da comunidade transgênera. A dificuldade de pessoas próximas aceitarem o processo de transição é uma etapa pela qual muitos passam ao longo do seu tratamento.

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Além disso, há o preconceito dentro da própria comunidade LGBTQI+ contra pessoas trans que tomaram a decisão de não se submeter, ou ainda vão passar, pela transição hormonal. “Passar pela transição hormonal é, infelizmente, um privilégio. Em questão financeira (caso seja no particular), ter apoio da família, estar psicologicamente bem… nem todos podem passar por isso”, é o que conta Rafael. Ele continua: “Tem quem opte por não passar (pelo tratamento hormonal), seja por esses motivos ou por não ver necessidade, e isso não faz de ninguém menos trans. É

triste ver esse pensamento ser disseminado dentro da própria comunidade, e da comunidade LGBTQI+ num geral, é tão triste quanto”, conclui o artista, que ainda não iniciou o tratamento e acompanha o namorado, também trans, durante o tratamento hormonal. A quantidade de cirurgias de redesignação sexual, aumentou de dez operações para 57 por ano, é o que mostra os números do Sistema Único de Saúde, fazendo dez anos apenas que o SUS passou a realizar os procedimentos de transição de gênero. Já a prescrição de hormônios cresceu de 171 para 1,9 mil no período de agosto de 2008 a 2017. As cirurgias são realizadas em pessoas que não se identificam com o gênero designado ao nascer, e devem seguir regras da Associação Profissional Mundial de Saúde Transgênero. Os primeiros passos a serem tomados por pessoas têm interesse nesta transição é fazer uma avaliação com orientação de um médico, e, na sequência, começar a ingestão de hormônios, que fará a transformação das características físicas dessas pessoas. Orlando Vinhoza tem 26 anos e começou a terapia hormonal no ano passado, depois de refletir por alguns anos sobre as mudanças e ter certeza da estabilidade financeira para bancar o tratamento. Ele conta que começou o processo com médico particular que também era trans, o que o ajudou a se sentir mais confortável. Depois, migrou para o SUS, no ambulatório trans em Niterói, onde continua sendo atendido. Orlando relata que a terapia tem sido tranquila, pois teve bastante tempo para entender como funciona e o que esperar. Com apoio de família, amigos e de seu companheiro, que também é trans e iniciou a terapia hormonal na mesma época, compartilha as histórias, mudanças e a felicidade das suas conquistas. Orlando notou diferenças no formato do corpo, voz, surgimento de barba e está muito contente com elas. Ele diz que o único efeito colateral que reparou foi o aumento de acne. Orlando aconselha que, para quem está se descobrindo, é bom ter paciência e refletir sobre o que quer e aproveitar

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para se conhecer, além de cuidar com as expectativas. “Tá tudo bem se você não tem certeza sobre tudo, se não quer tomar hormônio ou fazer determinada cirurgia. Tome o seu tempo e não escute quem diz que você tá errado, que tem que fazer isso e aquilo para ser válido”, completa. Leonidas Noronha é mastologista e diz que teve poucas oportunidades de atender pacientes transgênero. Mas que vê a dinâmica de consulta é bastante distinta. “Na minha experiência, as pessoas trans necessitam de um cuidado especial por parte do profissional da saúde, pois não estamos tratando apenas da parte física, que envolve a cirurgia, mas sim de questões emocionais e sociais”, conta. O médico fala que os riscos das cirurgias, seja para mastectomia masculinizadora ou para colocação de implantes mamários, são os mesmos comparados a outras cirurgias do mesmo porte. Leonidas fala que esses pacientes precisam de acompanhamento especial com psicólogo ou psiquiatra, “pois se faz necessário relatório por parte desses profissionais atestando acompanhamento por no mínimo dois anos, além do termo de consentimento pós-informado para a cirurgia”, explica o profissional. “Hoje já dispomos de normativas bem definidas pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) no que se refere às responsabilidades éticas e morais na relação médico-paciente.”, ele afirma. Além disso, o mastologista conta que, no Brasil, existem inclusive serviços públicos que oferecem atendimento e cirurgia gratuitas para pacientes trans. Hoje, o Ministério da Saúde faz a cobertura de consultas com ginecologistas, endocrinologistas e psicólogos. A mastectomia é a retirada da mama, e a histerectomia, a remoção do útero. As cirurgias de redesignação sexual foram regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina nos anos de 1990. Embora os procedimentos já possam ser realizados no país, critérios devem ser adotados com rigidez. Neste ano, a idade mínima para a realização de cirurgia reduziu de 21 para 18 anos. As terapias hormonais, que antes deveriam ser iniciadas depois dos 18 anos, passaram a ser liberadas a partir dos 16.

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A terapia para pessoas transgêneras começou no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 2009, quando foram feitas 171 prescrições, ao custo de R$ 11,2 mil. Já no ano de 2017, foram 1.968 pedidos, com o valor de 108,8 mil. A psicóloga Cinthia Perdoncini conta que acompanhou um paciente antes mesmo do processo de transição. “O medo da falta de aceitação dos pais fez com que ele iniciasse um tratamento clandestino, tomando remédios por conta própria”, diz. Com essa situação, Cinthia sentiu a necessidade de se informar a respeito de tratamentos que não exigissem o plano de saúde para que os pais do paciente não descobrissem. “Foi quando cheguei ao Transgrupo Marcela Prado, que deu todo apoio e tirou todas as dúvidas desse paciente para iniciar o tratamento por meio do SUS.” A psicóloga fala que, nas palestras organizadas pelo Transgrupo, ela passou a encorajar o paciente a levar os pais para os eventos. “Isso fez com que os pais passassem a aceitar mais a condição de seu filho e, assim, ele conseguiu dar início a transição hormonal pelo plano da saúde”, Cinthia explica. A profissional afirma que a vontade de transição de gênero perante as pessoas transgêneras não é considerada uma doença psicológica, porém a falta de aceitação pode desencadear problemas como a automutilação, depressão, ansiedade, problemas com imagem. “São problemas que podem se agravar e levar à alguma fatalidade”, conta a psicóloga.

O OUTRO LADO DA HISTÓRIA Embora todos os avanços da ciência, cabe registrar alguns fatos, estes que nos mostram que temos muito a melhorar enquanto sociedade. Nosso país lidera o ranking mundial de assassinatos de pessoas transgêneras há pelo menos dez anos. No período de 2008 a 2016, 40% de 2.190 assassinatos de pessoas trans, mundialmente, aconteceram no Brasil, de acordo com a Transgender Europe. No ano de 2017, o número de travestis e transgêneros assassinados foi de


179, o maior em 10 anos, sendo que no ano de 2018, eram 163. Crimes estes, resultados tão somente de preconceito e intolerância. Delitos de transfobia, que resultou no ano de 2019, na criminalização da homofobia e da transfobia, decretada pelo Superior Tribunal Federal. O Relatório de Violência LGBTfóbica, do ano de 2016, feito pelo Ministério dos Direitos Humanos, afirma que o perfil de pessoas que cometem esses crimes são homens, com idade entre 25 e 30 anos, brancos, e que não possuem nenhuma relação com às vítimas. Além disso, conclui também que a maior parte das agressões e violações ocorreram em locais públicos. Para o youtuber Stefan Costa, “ninguém está preparado para ajudar nós pessoas trans, já que nos tratam como um novo ser, nos tratam com estranhamento, já que o nosso modo de viver é diferente do padrão”. Ele começou a terapia hormonal com 23 anos. Hoje, aos 25, conta da dificuldade de encontrar médicos dispostos a atendê-lo. “Normalmente, os médicos nos tratam como pessoas anormais, com algum tipo de patologia. Nem todos querem receitar medicamentos, nem acompanhar. Eu passei por dois antes de conseguir um tratamento decente”, conta. Por esse motivo, Stefan começou seu tratamento sozinho, comprando a testosterona com um farmacêutico e aplicando em si próprio. A endocrinologista Juliana Laibida acredita que todo endocrinologista já atendeu algum paciente transgênero, já teve casos de pacientes que fazem a terapia hormonal por conta. “A maioria acaba usando doses suprafisiológicas (doses altas) esperando efeitos desejados mais rápidos, porém colocando a vida em risco”, conta a profissional. Juliana também fala que já viu casos de trombose venosa, que pode evoluir para trombose pulmonar e morte. Além de trombose, ao fazer uso da automedicação, existe risco aumentado do paciente desenvolver doenças cardiovasculares, câncer, doenças hepáticas (fígado) e aumento de pressão arterial. A equipe da CDM resolveu verificar se era possível comprar remédios utilizados para terapia hormonal com facili-

dade. Após assistirmos a um vídeo no YouTube em que uma mulher trans indicava o Climene (valerato de estradiol e acetato de ciproterona) e a Espironolactona, fizemos a tentativa de comprá-los em uma farmácia. Ambos os medicamentos são tarja vermelha e possuem a indicação de venda sob prescrição médica. Entretanto, conseguimos adquiri-los sem dificuldade ou receita. Entre os efeitos colaterais dos medicamentos estão mudança de peso, dor abdominal, erupção cutânea, coceiras, náuseas, diminuição dos glóbulos brancos no sangue, função hepática anormal, tontura e alteração na libido. Quando perguntada sobre o tratamento feito com o Climene, citado acima, a endocrinologista explica que o remédio é uma opção, mas que prefere usar estrógenos transdérmicos. Porém, Juliana diz que, em hipótese alguma, o paciente deve iniciar tratamento sem o acompanhamento de um endocrinologista, o especialista que cuida da terapia hormonal nestes casos. Infelizmente, a falta estudos sobre pessoas transgênero em tratamento hormonal por parte da medicina fazem com que muitos profissionais não saibam como direcionar o tratamento correto para pessoas trans que procuram tratamento. Caio Oliver Assunção é um homem trans e conta que, quando procurou atendimento, foi mal recebido por alguns médicos, que usavam os pronomes errados e não o tratavam pelo nome social. “Isso acontece em diversas áreas. Poucas vezes fui respeitado em clínicas particulares ao contrário das públicas que tem em seu cadastro a opção de ‘nome social’ e, assim, sou tratado pelo gênero com o qual me identifico”, explica. Perguntado sobre os motivos dessa falta de preparo dos médicos, Oliver afirma que existe uma ausência de empatia e respeito dos médicos, além disso há falta de vontade da parte dos profissionais ao querer ajudar os pacientes, e, por último, não existem estudos sobre saúde trans, o que dificulta a melhora dos médicos em atender pessoas trans. “Parece que a medicina faz questão de reafirmar que não existimos.”

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Casamento infantil Brincar de casinha deixou de ser um passatempo de criança e se tornou uma realidade muito antes do que deveria Alice Putti e Rafaelly Kudla

P

ara a Organização das Nações Unidas (ONU), o casamento infantil é caracterizado por toda a união, formal ou informal, em que um dos integrantes possui menos de 18 anos. O Brasil está apenas atrás da Índia, Bangladesh, e Nigéria no ranking mundial desse tipo de matrimônio. Estar neste top 4 não é motivo de orgulho nenhum. Pelo contrário, é alvo de inquietação e vergonha. Segundo a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em todo o mundo, 650 milhões de mulheres se casam antes dos 18 anos. Estima-se, portanto, uma a cada cinco meninas. No Brasil, os casos estão na base dos 3 milhões. De acordo com pesquisa do projeto Girls not Brides (Garotas, não noivas, pela tradução literal), um dos principais motivos está na questão econômica. Meninas pobres têm três vezes mais chances de se casar do que meninas de famílias com estabilidade financeira. Luciana F. (nome fictício) teve uma adolescência repleta de responsabilidades, mais até do que poderia lidar. Precisava cuidar da casa e dos irmãos

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mais novos enquanto a mãe trabalhava. Isso era dia e noite. O pai abandonou a família logo que soube da quarta gravidez da esposa. Apesar disso, Luciana fazia questão de estudar, não por pensar no futuro, numa profissão, mas sim para escapar da bagunça do lar e poder se sentir uma menina igual as outras. A condição financeira não era das melhores. Não faltava comida na mesa, mas também não sobrava. Luciana não tinha tempo para ela, para ser adolescente, para errar e acertar, para estudar fora da escola, e chegou a reprovar dois anos. Aos 16, descobriu que estava grávida. Ao contrário do que se imagina, para ela a gravidez era uma benção, um sinal de vida nova. Claro, como ela mesmo diz, por sorte o pai da criança se mostrou disposto a assumir o filho, diferentemente de muitos casos que vemos no Brasil. A família do rapaz disse que os dois deveriam casar e morar na casa Reprodução/Unicef

A Unicef divulgou um vídeo que representa a face perturbadora do casamento infantil.


que fazia parte do terreno deles. pessoas como eu”, diz a jovem. Os dois largaram a escola e foram trabalhar para sustentar a casa. Casaram-se na igreja poucos meses depois da notícia da gravidez. Segundo Luciana, tudo teve que ser muito rápido para a barriga não aparecer no vestido de noiva e ninguém notar que ela já estava grávida. “Me disseram que se o padre soubesse, não haveria casamento e meu filho seria amaldiçoado devido ao pecado grave que cometemos.” À época, ela pouco se importou, quanto antes melhor, o casamento seria sua libertação para uma vida nova. Hoje, dez anos depois, continua casada e com mais um bebê dentro de casa. Ela e o marido contam que as dificuldades foram muitas já que ambos não tinham escolaridade completa, o que dificulta até hoje na busca por emprego e por um salário que ajude a melhorar as condições financeiras da família. Ao perceberem a importância dos estudos e visando a uma melhor qualidade de vida, os dois estão intercalando o trabalho com os estudos para concluir o ensino médio.“ “Quem sabe fazer um curso técnico depois ou uma faculdade, agora temos condições de sonhar, algo que antes parecia que não era para

Quando questionei se havia arrependimento do casamento às pressas, ela confirmou que, pensando na maturidade que tem hoje, teria feito tudo com mais calma, do jeito certo, talvez alguns anos depois, mas que ela sabe que fez a escolha certa, e tudo aconteceu como deveria ter acontecido. O Brasil está em sétima posição entre os países da América do Sul quando o assunto é gravidez na adolescência. Em números absolutos, o país possui 400 mil casos por ano. No mundo, são aproximadamente 16 milhões de meninas entre 15 a 19 anos e 2 milhões de casos de menores de 15 anos. Como o corpo da menina ainda está em fase de crescimento, os riscos para a saúde são altos, tanto para a mãe quanto para o feto. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),

“ Meu filho seria amaldiçoado devido ao pecado grave que cometemos.” complicações durante a gravidez e durante o parto são a principal causa de morte de meninas entre 15 a 19 anos.

Reprodução/Unicef

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Reprodução/Unicef

Casamento infantil não é coisa do século passado e está mais próximo do que a gente imagina.

O QUE DIZ A LEI No dia 13 de março de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei que dificulta o casamento infantil, proibindo em todas as hipóteses o casamento de menores de 16 anos. Antes da nova redação dada pela Lei nº 13.811/2019, ao art. 1.520 do Código Civil, o casamento do menor de 16 anos já era proibido, todavia, era permitido de forma “excepcional” a menor de 16 anos grávida e, até 2005, a outra hipótese era no caso de extinção de punibilidade para o estuprador que se casasse com a vítima, para evitar a imposição e o cumprimento de pena criminal. A ex-deputada federal Laura Carneiro (PMDB-RJ) é a autora do projeto de lei que pediu a alteração do artigo e justificou a proposta como um projeto de adequação da legislação pátria ao movimento global de proteção à infância e juventude. Para a advogada Karine Rottava Scolaro, a demora da Justiça para extinguir os casamentos infantis está ligada à cultura do nosso país.

Além disso, Karine também ressalta a situação socioeconômica do Brasil. “O que se vê no Brasil, principalmente em comunidades mais carentes, são meninas que, cansadas da vida cotidiana com suas famílias, muitas até por sofrerem abusos dentro de casa, preferem constituir sua própria família, até mesmo como desculpa para saírem de suas casas”, afirma. Um exemplo dessa realidade é a história da Luciana, contada acima.

“A família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado.”

“A demora em trazer a voga o tema, inclusive com a criação da nova lei, se deva por tendências conservado-

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ras (patriarcado), costumes, inclusive religiosos, em que a maior preocupação era com os rituais religiosos e solenidades. O casamento é a entidade familiar mais tradicional do direito, considerando que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, também por isso a demora.’

Sobre as penalidades em caso de violação do código a Lei 13.811/2019 nada esclarece acerca dos efeitos


jurídicos em caso de descumprimento. Apenas esclarece que casamento com impedimento legal é nulo, não produzindo seus efeitos.

familiares que já eram sentidos na geração dos nossos pais mas menos explícitas e com mais preconceitos do que nos tempos atuais.

O CASAMENTO INFANTIL NO BRASIL

Por outro norte, o Código Penal, ao tratar dos crimes sexuais contra vulnerável, prevê em seu art. 217-A que é crime “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”. Ou seja, é estupro de vulnerável.

Priscila (nome fictício) é um exemplo das consequências psicológicas causadas pelo casamento precoce. Assinou os papéis no dia em que completou 16 anos. Conta que na época achava que o namorado era o amor da sua vida, “coisa de alma gêmea mesmo, amor à primeira vista”. Ele insistiu no casamento, dizia que ela precisava ser dele “por completo”, que ela só seria feliz quando tivesse o sobrenome dele. Ela, cegamente apaixonada, aceitou.

3 milhões de mulheres se casam antes dos 18 anos

Quanto às próximas ações do poder legislativo, Karina aponta que no momento não há nada previsto visando à erradicação do casamento infantil até 2030, como deseja a ONU, e afirma que no momento o trabalho precisa ser coletivo, como por exemplo, implementando mais ações de políticas públicas, principalmente nas escolas na fase de ensino infantil e fundamental, juntamente com um trabalho nas famílias.

IMPACTO PSICOLÓGICO A psicóloga Andressa Schmidt afirma que o casamento entre menores de idade pode causar impactos físicos e psicológicos para o resto da vida. Submeter uma criança ou adolescente à uma situação de extrema responsabilidade sem preparo algum, como por exemplo, emprego, filhos e até sexualidade, é uma forma de abuso. A maturidade é uma das questões que mais implica no casamento infantil. “Atualmente, os adolescentes têm amadurecido mais tarde, mas mesmo antigamente, quando nossos avós contam que trabalhavam desde o cedo e que tinham muito mais responsabilidade que os jovens de hoje, não quer dizer que estavam preparados, maduros o suficiente tanto fisicamente quanto psicologicamente para assumir um casamento, uma família. Hoje em dia, muito menos”, explica a psicóloga. Andressa exemplifica sua fala comentando sobre como a juventude de hoje está muito mais instável psicologicamente, com altos indices de suicidio, depressão, ansiedade e uso de remédios controlados, devido a problemas

O primeiro ano foi um paraíso na terra, os dois continuaram estudando, ele á noite para poder trabalhar de dia e juntar dinheiro para a casa própria. Ela começava a sonhar com a faculdade. No segundo ano, as coisas mudaram. Ele queria um filho, dizia que ela não precisava mais estudar, que ele iria trazer o sustento da família e ela tinha que se preocupar em cuidar da casa e engravidar. Ela viu seus sonhos irem por água abaixo. “Mas o que eu ia fazer? Ele era meu marido eu achei que deveria obedecê-lo porque o amor era isso, e se ele, que me amava, queria isso eu também deveria querer.” Enquanto Priscila não engravidou, o marido não a deixou em paz. A violência psicológica era frequente, e o medo que ele partisse para a violência física só aumentava. Ela engravidou. Achou que teria seus problemas solucionados, e seu marido voltaria a ser aquele menino carinhoso de sempre. Estava enganada. Quando a criança completou 3 anos, ela decidiu voltar para a casa dos pais. Pediu o divórcio. Voltou a estudar e a sonhar. Apaixonou-se novamente. As sequelas psicológicas continuam.

Os estados com maior incidência são: Maranhão 35,2% Ceará 28,6% Alagoas 28,3% Bahia 24,7% Pará 23,9% Entre 10 e 14 anos, mais de 88 mil meninas e meninos vivem em uniões formais ou informais. Casadas até os 15 anos são 877 mil 36% das mulheres entre 20 e 24 anos se casaram antes da maioridade Fontes: UNICEF, Situação Mundial da Infância 2017; Banco Mundial (2017); Plan International, pesquisa “Ela Vai No Meu Barco” e Organização ProMundo

O casamento infantil é uma prática que infringe diversas leis previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, prejudica o desenvolvimento saudável físico e mental e alimenta os índices de disparidade econômica da sociedade. Precisamos cuidar e orientar nossas crianças e adolescentes.

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Banco de Imagens FreePik

Encontro de almas O A possibilidade da adoção faz com que o conceito de família se reconfigure na contemporaneidade Brandow Bispo, Carolina Bosa, Gabriela Fontana e Julianne Trevisani

número de casais com filhos, no Brasil, é quase três vezes maior do que o dos que não têm nenhum, segundo dados estatísticos do censo de 2010, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A vontade de dar continuidade à família é, ainda, a vontade de muitos, mesmo que de forma diferente do que na geração de nossos avós.

Assim como as flores esperam a primavera para florescer, e como os pássaros aguardam o inverno para migrar, também vários casais expectam por seus filhos. Filhos que, por vezes, são gerados por meio de um encontro de almas. Então, por que não falar da história destes encontros?

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Só que, antes, é necessário lembrar das muitas crianças que estão nas filas de adoção pelo país. Segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) - ferramenta digital lançada pela Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) que auxilia os juízes das Varas da Infância e da Juventude -, existem pouco mais de 46 mil pretendentes à adoção no Brasil para 9.310 crianças/ adolescentes cadastradas. Segundo Hália Pauliv de Souza, dona do blog Adoção Segura e voluntária no Grupo de Apoio Adoção, há uma séria

“Um processo adotivo não pode e nem deve ser apressado.” Hália Pauliv de Souza, dona do blog “Adoção Segura” preocupação com relação à “etapa de preparação” dos pretendentes à adoção. Ela acredita que o processo é falho devido à má preparação dos técnicos jurídicos para entender as questões emocionais envolvidas no processo, que diferem da teoria. Além disso, há um desinteresse e uma falta de motivação por parte dos pretendentes, que entendem que já dispõem de conhecimentos sobre as questões discutidas no Grupo de Apoio. Com o objetivo de amenizar ainda mais esse problema, o TJPR oferece

cursos de adoção on-line para suprir esta dificuldade. Conforme aponta o Conselho Tutelar de Curitiba, as medidas durante essa etapa, que dura cerca de nove meses, não são tão rigorosas e os encontros são pouco profundos. Essa superficialidade no processo causa problemas de adaptação após a adoção. “Um processo adotivo não pode e nem deve ser apressado. A criança precisa de um tempo na Instituição para se desligar da família de origem e os pretendentes amadurecerem para evitar arrependimento”, explica Hália.

A IMPORTÂNCIA DO AUXÍLIO Para que o processo de adoção possa trazer não somente auxílio, mas aprendizados e inspirações, foram criados programas que facilitam o encontro da criança e do adolescente com os pretendentes habilitados no CNA. Esse é o exemplo do A.DOT, do estado do Paraná. O programa foi criado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, por meio da Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná e do Conselho de Supervisão dos Juízos da Infância e da Juventude (CONSIJ-PR), do Grupo de Apoio Adoção Consciente (GAACO) e da Agência Blablu.ag. Outra iniciativa nesse sentido é o Projeto Encontro (http://projetoencontro.org.br/), que também conta com o apoio do TJPR, MP e das Varas da Infância e Adolescência das comarcas do Paraná. Além desses programas, existem muitas ONGs espalhadas pelo Julianne Trevisani

Idade, cor da pele e problemas de saúde diminuem as chances de adoção de crianças e adolescentes que estão em entidades de acolhimento (Fonte: Ministério Público do Paraná - 2019).

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país que dão apoio às famílias que estão no processo de adoção, ou que já passaram por ele. “Nosso trabalho consiste desde os pretendentes até as crianças. Com as crianças fazemos um acompanhamento psicossocial e promovemos a elas atividades junto com os pretendentes já habilitados pela justiça. Como essas crianças geralmente passam por um processo grandioso dentro da vara da infância, e geralmente sigilosos, elas não podem ficar expostas a qualquer situação”, segundo Marcelo dos Santos, presidente da instituição Reencontro - Adoção Consciente, localizada na cidade de Araucária, na região metropolitana de Curitiba, sobre o trabalho das instituições de apoio para as famílias. A questão psicológica, tanto da criança quanto da família que se prepara para adotá-la, é muito importante a ser discutida. Muitas dos meninos meninas que estão cadastradas vieram marcadas principalmente pelo abandono dos pais e da família de origem, como explica Santos, “Elas (crianças) não foram retiradas da família por pouca coisa. Os direitos dessas crianças, os direitos delas foram violados grandemente. A questão psicológica da criança ou do adolescente que vai ser preparado para a adoção se inicia desde o momento em que o judiciário compreende que a destituição familiar, do poder familiar, vai acontecer”. Quanto a preparação psicológica da família que vai adotar, não tem uma regra. “Depende muito do que o grupo

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“Você precisa falar ao seu coração, a adoção é gerar pelo coração.” Marcelo dos Santos, presidente do “Instituto Reencontro” de apoio vai identificar e do que, principalmente, quase que exclusivamente, do que o judiciário vai entender de acordo com o estudo psicossocial daquela família. Então ele não tem uma via de regra mas tem algumas coisas básicas. Entender que aquela família ou aquele pretendente tem condições psicológicas e financeiras, que não precisa ser rico, mas que vai ter condições de receber aquela criança”, pontua Santos. O presidente destaca que a ajuda das ONGs e instituições de apoio possuem um trabalho fundamental para esse auxílio às famílias junto às varas da criança e do adolescente. E, ainda, que toda a “preparação” não está somente destinada a preparar as pessoas a serem bons pais ou mães, mas que este sentimento é um dom que cada um tem internamente, “você precisa falar ao seu coração, eu costumo dizer que a adoção ela é gerar pelo coração”, conclui.

O PRESENTE DE FINAL DE ANO Foi no final de Novembro de 2018, que Ana Paula Fagundes e Vitor Henrique Fagundes, receberam uma ligação

Arquivo pessoal da Família Fagundes


des

Arquivo pessoal da Família Buckeridge

que mudaria suas vidas. Após cinco anos de espera, o casal foi contactado pelos assistentes sociais do Fórum da Comarca de Joinville, com a notícia de que eles haviam encontrado uma criança que se encaixava no perfil da família. O casal conta que a partir desse momento ocorreram várias mudanças em suas vidas. Mirela Fagundes, que tinha apenas 4 anos na época, se adaptou muito bem à família e em menos de uma semana após o primeiro encontro, se mudou para casa de Ana Paula e Vitor. “Se fosse me usar como exemplo, eu diria para as pessoas: Adotem!”. Porque é um processo louco, insano, incrível. É sensacional você olhar para uma criança que há pouco tempo não existia na sua vida e em fração de dias, meses, parece que ela esteve ali desde o princípio”, diz Ana Paula. Segundo Ana Paula, o casal começou a se planejar para esse momento há muitos anos. No ano de 2003, eles passaram a participar de ações sociais realizadas em sua empresa. Eles conheceram a situação de crianças que estão em risco ou em situação de vulnerabilidade social ou para adoção. Naquele momento eles se encantaram com algumas crianças em específico e resolveram que iriam adotar. Decidi-

ram que, após seu casamento, dariam entrada no processo de adoção. O casal conta que todas as etapas foram fundamentais no processo, desde a preparação com assistentes sociais, o acompanhamento com psicólogos, até as reuniões dos grupos de apoio com outros casais na mesma situação. Ainda acrescentam que é de suma importância tirar um tempo para adaptar sua rotina e criar um vínculo maior com a criança.

A SURPRESA DA NOITE “As melhores memórias que eu tenho com os meus pais é do dia que eles me adotaram. Eu estava dormindo no orfanato, a moça do orfanato me acordou no meio da noite e falou: ‘Ruan, arruma suas coisas e desce’. Eu não sabia o que estava acontecendo e, quando eu cheguei lá, eles estavam lá embaixo. Eu achei que eu ia passar mais um fim de semana na casa deles, só que era no meio da semana então eu não entendi. Eles me falaram: ‘Essa é a sua nova família, a partir de hoje, você é filho deles, você foi adotado’. Eu travei né?!. Fiquei ‘o que ta acontecendo?’. Eu fui, entrei no carro e quando chegamos, a casa estava toda a minha família me esperando para me dar parabéns e tudo mais. Então, essa é a minha lembran

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ça mais marcante com eles”, relata Ruan Buckeridge, jovem que tem hoje 18 anos, mas conhece seus pais desde os 2 anos. Walter Buckeridge e sua esposa, Rochele, sempre tiveram o desejo de ter filhos. Tanto desejavam que têm três. Théo, o mais velho; Lívia, a caçula; e Ruan, que conheceram por meio de um projeto da escola do qual Rochele era responsável. “Ela tem uma pré-escola e dava bolsa para algumas crianças carentes do Lar Moisés, onde Ruan estava abrigado. Ele estudava lá na escola da minha esposa desde pequenininho”, explica Walter, relembrando desta época. O casal foi padrinho do garoto durante o tempo em que ele estudava na escolinha, então sempre inseriram Ruan nas rotinas de fim de semana. “Chegou um momento que, como ele (Ruan) tinha mais dois irmãos que moravam com ele no mesmo lar, estava ficando muito difícil a adoção, [...] as crianças que vão ficando mais velhas e a probabilidade de serem adotadas é menor. E acontece que o juiz, em conversa com o pessoal do lar, deu uma possibilidade de uma adoção conjunta, se as três crianças fossem adotadas pelos três padrinhos e mantivessem contato, conseguiria liberar essa adoção, e foi o que acabou acontecendo”, continua Walter. O casal adotou Ruan aos 7 anos, que já é um jovem de 18, e para eles, a adoção não foi uma decisão do tipo: “Nós vamos adotar, corre atrás do processo”, mas que tudo foi acontecendo naturalmente. “A gente sempre acha que a criança vem pra sua casa e que ela tem aquele histórico de não ter carinho e, enfim, o estereótipo da criança que vive no lar. A gente pelo menos tinha uma ilusão de ‘ah não, ele fica aqui em casa alguns meses e a gente dando carinho e dando educação isso já se resolve’. E, na verdade, não é assim. A educação tardia, a educação de uma criança não é um processo de 3; 4 meses; 1 ano, é a vida, e até hoje a gente tem as coisas para educar, para mostrar para o Ruan. Então, no princí-

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pio você se sente um pouco frustrado por não conseguir fazer isso, mas com o passar dos dias você vai entendendo, aprendendo, e é um processo como de qualquer outro filho.”, conta Walter. “Nós temos três filhos, cada um tem uma personalidade, cada um necessita de uma habilidade diferente do pai ou da mãe, para se criar, para ter um bom dia a dia. Talvez as pessoas adotam crianças mais novas para

“A gente sempre acha que a criança vem pra sua casa com aquele histórico de não ter carinho.” Walter Buckeridge minimizar esse impacto, não sei falar se consegue minimizar, porque eu tenho o exemplo do Ruan, que a gente foi, entre tapas e beijos, criando ele. Então, não sei falar se por adotar um nenê, se isso muda ou não muda. Enfim, eu só sei que eu sou um pai diferente para Ruan, um pai diferente para a Lívia e um pai diferente para o Théo, no sentido de que a gente se adapta aos filhos como a gente se adapta às pessoas”, conclui sobre os desafios de ser pai. Arquivo pessoal da Família Buckeridge


FATOS

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Recusar

O jornalismo passou por atualizações e a PUCPR acompanhou essas mudanças. A FATOS Narrativas Midiáticas conta com uma estrutura pioneira, considerada uma das melhores do Brasil, para desenvolver conteúdos jornalísticos de várias formas. Não é a toa que o portal tornou-se bicampeão da categoria "jornal/revista laboratório online." Se deseja trabalhar com o melhor do jornalismo, venha para PUCPR.

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O desafio de voltar para casa Estudantes internacionais e intercambistas são afetados diretamente pela crise da Covid-19 tendo que escolher arriscar uma tentativa de volta para o país ou permanecer onde estavam estudando Gabriela Küster Solyom Maria Vitória Pessoa Yasmin Graeml 5º e 7º Período

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rinta e duas horas no aeroporto e muitos voos cancelados. A saga de Jorge Corazza Mussi para voltar ao Brasil devido ao coronavírus esteve longe de ser uma viagem tranquila. Jorge estava terminando seu segundo semestre no Patrick Henry Community College, nos Estados Unidos, quando foi surpreendido com a chegada da Covid-19 ao país, levando ao cancelamento das aulas. Quando recebeu a notícia de que suas aulas seriam online o estudante ligou para os pais pedindo para voltar para casa mais cedo e assistir às aulas do Brasil junto com a família. A missão de trazer o filho de volta não foi uma tarefa simples. Seu pai, Jorge Possebon Mussi, conta que passou horas tentando falar com a companhia aérea, mas que a qualidade das ligações estava muito ruim e levava mais de uma hora para ser atendido em qualquer empresa. Jorge tentou trocar a passagem que o filho voltaria para o Brasil nas férias no começo de maio. Inicialmente, a companhia queria cobrar uma taxa, mas ele conseguiu a anulação, explicando que o motivo da volta antecipada era o novo coronavírus. O voo foi


istrados desde o começo do ano. A Covid-19 não era um assunto muito comentado. A estudante chegou a ir para a Disneyworld em fevereiro, pegando um voo de Nova York para Orlando, e aproveitando os parques lotados sem qualquer preocupação.

marcado para o dia 23, no início da semana seguinte. Além do voo internacional, o estudante precisou de um trecho interno até Miami, de onde o avião para o Brasil sairia. Em Nova York, cidade considerada o epicentro da doença nos Estados Unidos, as medidas rápidas de isolamento social também surpreenderam os estudantes. Mariana Betiol é aluna da Parsons Art and Design School, localizada na Quinta Avenida, local que atrai diariamente milhares de pessoas. Nos seus últimos dias na cidade, ela chegou a ver o local vazio. Mariana lembra que o semestre começou normalmente, apesar de os Estados Unidos já terem casos regArquivo Pessoal

Foi no começo de março que as coisas se complicaram na cidade “Desde que começou a ter muitos casos na Califórnia, eu sabia que era impossível não ter em Nova Iorque. É muita gente nos metrôs, muitos turistas…”, conta Mariana. No dia 4 de março, quando confirmaram o primeiro caso de contaminação comunitária, ela tinha uma excursão para um museu e lembrou que ela e uma amiga optaram por ir de uber. “O problema é que o número começou a aumentar muito rápido. Estavam dizendo que quadruplicou a cada três dias na cidade”, lembra a estudante. Em 15 de março, Mariana iria a um show com uma amiga e, quando resolveu vender o ingresso, ainda se questionava se era de fato necessário desistir do concerto, que mais tarde seria cancelado. A primeira decisão de combate contra o coronavírus das duas universidades foi prolongar as férias de primavera de uma para duas semanas. As de Jorge seriam de 7 de março até o dia 15, de uma semana para duas, decisão que foi seguida pelo cancelamento das atividades presenciais. “Lá pelo dia de 16 de março, eu liguei para ele e falei: Olha, minhas aulas foram canceladas. Eu sei que as passagens estão mais baratas agora. Então, acho que agora é a hora de tentar ver alguma coisa para voltar para o brasil, que aí pelo menos eu fico com vocês”, conta o estudante. Passagens compradas, a ideia do filho era fazer uma surpresa para a mãe que achava que ele só tinha conseguido comprar passagem para o meio de abril. Na noite do dia 20, três dias antes do voo, foi anunciado que o Panamá fecharia a fronteira e, como

Mariana em passeio na Times Square, NY.

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internos, ele preferiu tentar adiantar e arriscar esperar do que fazer uma conexão mais curta. “O voo para o Brasil era só à noite, mas o meu era a noite no dia seguinte, então o que eu ia tentar fazer era chegar cedo para tentar pegar o voo que tinha naquele dia mesmo. No mesmo horário, mas um dia antes”, explica o estudante.

Jorge em Martinsville. Jorge tinha uma conexão lá, o voo para o Brasil foi cancelado. Seu pai logo voltou à guerra por passagens, tentou ligar na companhia aérea pela qual Jorge voaria e, sem resposta, resolveu simplesmente comprar uma nova passagem tanto para o trecho nacional quanto o internacional.

O plano não deu certo, um voo para Manaus foi cancelado no dia anterior e fez com que o voo para São Paulo, que Jorge queria pegar estivesse lotado. O pai do estudante começou a perceber que os voos dentro do Brasil também estavam começando a ser cancelados. Preocupado, ele chegou a ligar para o diretor do Aeroporto de Guarulhos para saber se havia uma chance muito alta do voo da noite do dia seguinte ser cancelado.

“Falei minhas aulas foram canceladas, as passagens estão baratas agora, acho que agora é a hora de tentar voltar para o Brasil.” A viagem era longa de Martinsville, no estado da Virgínia, onde fica a universidade Jorge tinha que ir de carro até Greensbro, na Carolina do Norte, cidade mais próxima com aeroporto. De lá pegar um voo para Miami e, só depois disso, vir para o Brasil. O estudante não tem carro e, por isso, assim que desligou o telefone com o pai começou a procurar carona já para o dia seguinte. “Um amigo meu me levou, mas eu dependia muito de achar alguém que pudesse me levar no horário certo”, conta Jorge. Como a cidade da universidade é pequena não tem ônibus nem uber disponível. Jorge chegou ao aeroporto de Greensbro às 8 da manhã para o seu voo às 14 horas, com destino a Miami. O voo para o Brasil era só no dia seguinte, mas, como estavam tendo muitos cancelamentos de voos

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Enquanto isso, já estava no aeroporto o estudante tentava encontrar algum voo que pudesse vir para o Brasil sem ficar mais de 24 horas no aeroporto. “Isso era domingo, então pensa, no domingo eu conheci gente que estava no aeroporto tentando trocar voo desde terça-feira e filas de mais de 200 pessoas em cada guichê para tentar resolver alguma coisa”, relembra. Na hora, a preocupação com o vírus era pequena em relação a de não poder para casa: “Não estava pensando no virus, claro que de 5 em 5 minutos eu estava passando álcool gel e ficando longe de todo mundo, só que o meu maior medo era ficar preso nos Estados Unidos.”


Arquivo Pessoal

Para um estudante internacional sair dos Estados Unidos, é preciso de autorização da universidade, que foi contra a decisão da estudante de voltar para casa e não assinou os documentos. “Me perguntaram se eu tinha certeza que eu queria voltar para casa. Porque se o Brasil piorasse e NYC melhorasse, e eu não conseguisse voltar, eu seria penalizada e ter consequências na escola e no visto.” Mesmo assim, a estudante resolveu vir ficar com a família e acredita que, com a situação atual, esta regra irá mudar. A principal preocupação de Mariana era morar no dormitório da faculdade, já que em Harvard os alunos tiveram três dias para se mudar e ela não teria para onde ir. Em uma reunião, os responsáveis falaram que isso não iria acontecer devido ao fato que os dormitórios da Parsons terem mais estrutura, como cozinha e banheiro, dentro de todos os apartamentos facilitando o isolamento. Uma semana depois que Mariana chegou ao Brasil, recebeu o e-mail, da universidade, avisando que quem pudesse, teria que se mudar dos dormitórios.

Mariana durante o intercâmbio em NY. conta Jorge. A esta altura, a chegada do filho não era mais surpresa para a mãe, Simone Mussi, que estava muito nervosa com toda a situação. “Eu fazia o trabalho de base, só rezava”. O estudante veio só com a mala de mão deixando todas as suas coisas no apartamento onde mora com mais três amigos brasileiros nos Estados Unidos. Dos quatro, ele foi o terceiro a vir embora e o quarto, quando tentou vir, não conseguiu mais voo. Na sexta-feira antes das férias, Mariana já não teve aula, ela ainda não imaginava que o semestre inteiro seria online, mas decidi que já que teria mais férias viria para o Brasil “Vou para o Brasil, passou as duas semanas e volto para terminar o semestre. Até lá já vão ter controlado isso”. Já havia boatos de que as aulas seriam online após as férias, mas ela ainda mantinha a esperança de voltar para Nova Iorque e terminar o semestre.

A estudante também deixou tudo para trás, fechado no dormitório, e voltou para o Brasil com o que coube em uma mala. No caminho, a motorista do uber que a levou para o aeroporto comentou que estava rodando a cidade procurando por papel higiênico e que não estava encontrando mais. A coordenadora de mobilidade internacional da PUCPR, Lídia Kovalski explica que a unidade de Curitiba decidiu não tomar uma posição ou dar aconselhamentos gerais para os estudantes em intercâmbio. Lídia conta que a movimentação com os estudantes começou quando o número de casos na Itália cresceu muito. “Primeiro precisávamos pensar no aluno PUC que estava fora. O contato

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com esses alunos foi feito através de e-mail no dia 11 de março”. Para eles, foram dadas três opções: continuar no país do intercâmbio com as aulas online; voltar para o Brasil e continuar com as aulas online; ou cancelar a matrícula na universidade parceira e

em que os intercambistas podem ficar dois anos para não ter a experiência tão prejudicada e é isso que a estudante pensa em fazer.

se matricular nas matérias da grade padrão da PUC.

de bolsas e cancelamento de programas: “Foi uma coisa muito louca, veio do nada, gente comprando passagem resolvendo a vida em questão de um dia”. A estudante chegou a ficar com a chave do apartamento de uma amiga que voltou para casa antes, e não teve tempo de entregar o imóvel.

“A maioria das nossas universidades parceiras deu opção aos alunos de voltarem para casa, e continuarem com as aulas feitas online. O único caso que tivemos foi uma aluna que estava na Virginia Tech e não teve opção, apesar de nós termos deixado livre. O governo norte-americano enviou os intercambistas para casa.”

Caroline conta que muitos estudantes foram “obrigados” a voltar por cortes

Apesar da cozinha ser compartilhada o dormitório permitiu que os estudantes internacionais ou que não tinham para

Para os intercambistas que estavam aqui em Curitiba, um e-mail foi enviado no dia 15 de março, oferecendo as mesmas três opções. “Toda semana temos reunião com a nossa diretoria para examinar o cenário e decidir o que será feito com as alterações do momento.” A coordenadora ressaltou que os cursos mais afetados, tanto fora, como no Brasil, foram os da saúde, como: medicina, fisioterapia e enfermagem; pela falta das aulas práticas. A dupla diplomação oferecida para diversos cursos da universidade, não será afetada. A intercambista Caroline Goulart está na Université Lumière, em Lyon, na França, e escolheu não voltar, já que fazer intercâmbio era um grande sonho para ela. Com a crise da Covid-19, as universidades fizeram um acordo

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Arquivo Pessoal

Carolina Goulart no intercâmbio em Lyon, França


oal

onde ir ficassem por lá, mas deu o incentivo de poder deixar as coisas e não pagar aluguel para todos aqueles que pudessem ir embora. “Eu procuro estar fazendo exercício, porque eu moro em uma residência bem grande com muita área verde”, conta a intercambista. As aulas da universidade também seguiram online. A psicóloga Priscila Conte está coordenando um grupo de apoio psicológico para intercambistas e estudantes internacionais. A psicóloga acredita que o intercâmbio já é um período de mudanças, adaptações e até mesmo de solidão e que isso pode ser agravado pela situação que estamos vivendo. O apoio psicológico começou em formato de lives no instagram e virou um grupo no whats onde acontecem troca. Os participantes podem contar aquilo que vem os afligindo e o que eles tem feito para se alegrar

durante a crise. “E todos os estudos que eu tenho visto sobre crescimento pós-traumático mostram que um dos fatores mais relevantes para que no futuro você possa lidar bem com esta situação são as relações sociais. Então, além de estar sendo um grupo focado no agora deles, já está sendo pensado também no futuro”, explica a psicóloga. Priscila atende pacientes que moram fora do país e conta que a situação envolve “medo do que pode acontecer, medo de perder os familiares mais próximos por não estarem presentes. Então, em momentos de pandemia, em guerras, as pessoas se recordam de como a vida é frágil.” Sem falar na frustração que vem para muitos que sonharam por muito tempo em morar em outro país e agora que estão lá precisam ficar dentro de casa e lidar com essa situação.

E quem ficou no Brasil? Riccardo Rossignoli é estudante intercambista na PUCPR, em Curitiba, no curso de medicina. Ele tem 22 anos e é natural de Verona, na Itália. Riccardo chegou em Curitiba no dia 7 de fevereiro para fazer o seu primeiro semestre de internato. Ele explica que seu último dia no hospital foi em 28 de março. Desde o começo o intercâmbio previa somente aulas presenciais em atendimento, o que torna o método de vídeoconferências que a universidade adotou, impraticável.

Uma coisa positiva o isolamento trouxe. Riccardo conta que durante o internato não tinha tempo para fazer nada, pois estava sempre muito cansado. E agora consegue aproveitar para conhecer a família com quem está morando. Eles aproveitaram para voltar para o interior, e Riccardo comenta que está gostando muito de conhecer a cultura do Brasil. “Estou vivendo de verdade o que o Brasil é. Eu estou aprendendo o que o Brasil é, e isso não tem preço.” Arquivo Pessoal

Riccardo diz que recebeu tanto as informações da sua faculdade na Itália, quanto da PUC. E decidiu ficar no Brasil, com esperança que as aulas presenciais voltassem. O intercâmbio deveria durar 5 meses, acabando no final de junho. Ele conta que pensou muitas vezes em voltar para casa, mas decidiu ficar para aproveitar o Brasil. Ele está se preparando para as provas que vai precisar fazer quando voltar para sua universidade: “Não me sinto longe da minha família e amigos, porque conversamos muito. E felizmente não conheço ninguém que foi infectado com o coronavírus. Se estivesse na Itália teria que estar dentro de casa também, então prefiro ficar aqui.”

Riccardo no interior do Paraná com a hostfamily .

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Eles são capazes

Uma em cada sete pessoas é portadora de necessidades especiais Gabriela Küster Solyom Maria Vitória Pessoa Yasmin Graeml

N

atã do Vale tem 17 anos, é um menino alegre, responsável e apaixonado pelo Atlético Paranaense. Natã vai para a escola todos os dias da semana, assiste aos jogos de futebol nas quartas-feiras e domingos, vai para a igreja e adora fazer videochamada com seus melhores amigos. Ele mora com a família, Gilson e Janete do Vale, seus pais, e Rafaela, a irmã mais velha. Aparentemente uma rotina comum, que poderia ser de qualquer adolescente, mas Natã foi diagnosticado com uma doença rara, a síndrome de Wolfram.

Apesar de ser deficiente auditivo,

Natã não estuda em uma escola especial. Ele está matriculado em uma instituição de ensino estadual no 1º ano do ensino médio. Sua mãe, Janete, conta que por seu filho ser aluno de inclusão, ele tem direito a atendimento domiciliar feito pelo Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (Sareh), para estudantes que precisam de continuidade no processo de educação fora do ambiente escolar. A família de Natã lutou muito por esse direito, do acompanhamento uma vez na semana, o qual só foi obtido por meio de prescrição médica. Até o fim de 2017, ele frequentava a escola regularmente.

Síndrome de Wolfram É uma doença neurodegenerativa rara, ou se a, ela é progressiva e pode gerar muitos problemas no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico. Ela é caracterizada pela diabetes, atrofia óptica e sinais neurológicos. de Wolfram.

Gilson, pai de Natã, compartilha que, apesar da legislação de inclusão existir e amparar a sua família com diversos direitos, tudo o que conquistaram para o Natã foi por meio da Justiça. “São 17 anos de lutas até com questões de saúde e liminares para terapias, medicações e consultas. A

Gilson, Rafaela, Janete e Natã do Vale

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lei existe na teoria, mas, na prática, há falhas na aplicação delas. Acaba que a legislação fala de forma muito geral e não olha para o indivíduo e, no caso do Natã, isso sempre foi muito complexo, pois chamam ele de “inclusão tripla”, devido à surdez, a atrofia óptica e as pautas autistas. Então é necessário que haja exceções para casos que não se enquadram nas leis Arquivo pessoal comuns”.

Família junto com o Natã antes de um procedimento para restaurar sua visão

Em uma empresa com mais de 200 funcionários deve preecher suas vagas com 5%

Em uma empresa com até 100 funcionários deve preecher suas vagas com 2%

A irmã de Natã, Rafaela, é biomédica e trabalha com a conscientização e ensino sobre a síndrome. Levando informação sobre a doença aos médicos, dando palestras aos alunos de graduação, na área de saúde, e também na área de educação inclusiva, em cursos também de pós-graduação em educação especial. Janete, muito orgulhosa com o papel que sua família está fazendo diz que sempre que saem de uma palestra várias pessoas vem até eles e mostram admiração e ficam agradecidos pela partilha do conhecimento: “principalmente os profissionais da educação, que na maioria das vezes nunca viram um caso assim. Nosso intuito é sensibilizar os profissionais, para que outras crianças não passem pelo que o Natã passou”. Natã ainda não entende como funciona a profissionalização, e seus pais não sabem se, no caso dele, ela vai ser possível. Mas ele contou que no futuro tem um sonho: “Eu quero trabalhar junto com o meu pai”. Em uma tentativa de realizar sonhos como o de Natã, a Universidade Livre Eficiência Humana (Unilehu) é uma organização do terceiro setor que trabalha há 15 anos empregando pessoas com qualquer deficiência, garantindo qualidade de vida e profissionalização. Aline Gonçalves trabalha na coordenação do Programa Mais Eficiência, setor da Unilehu que é responsável pelo trabalho focado na inclusão da Pessoa com Deficiência (PCD) no mercado de trabalho.

O valor do salário do funcionário que trabalha na empresa até 500 funcionário deve ser 4%

CONTRATAÇÃO EM EMPRESAS PRIVADAS PARA PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA FÍSICA

Em uma empresa com mais de mil funcionários deve preecher suas vagas com 5%

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Aline explica que o papel deles hoje é trabalhar a empregabilidade do PCD e capacitar empresas para realizar esse processo de inclusão. Apesar de a contratação mínima ser obrigatória, ela conta que existe maior dificuldade na inserção de todos os tipos de deficiência que apresentam uma maior limitação. “Por exemplo, deficiência visual total é um público com dificuldade de encontrar vaga, os deficientes físicos com maior limitação também, como por exemplo cadeirantes, temos mais restrições o que acaba reduzindo o número de oportunidades em que podemos encaixá-los”.

lei: “Enfrentamos ainda o preconceito e este é o maior desafio. Precisamos de conscientização, e a partir disso, todos os direitos serão garantidos sem obrigatoriedade”. A Lei federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991, implementou cota de contratação em empresas privadas para pessoas portadoras de deficiência. De acordo com a lei, Art. 93, uma empresa com cem ou mais empregados deve preencher suas vagas com entre 2% a 5% com pessoas portadoras de deficiência. O percentual é de acordo com o número de empregados, uma empresa com entre cem e 200 empregados deve ter 2% das suas vagas como cotas, entre 201 e 500 o valor deve ser 3%, de 501 até 1.000 de 4% e, por fim, empresas com mais de 1001 funcionários devem ter 5% destas preenchidas com colaboradores PCD. Cristhiane, acredita que as cotas não são suficientes sem a conscientização, a pessoa com deficiência necessita de condições adequadas para desenvolver seu trabalho, o que inclui a atitude dos colegas.

A superintendente acredita que, para garantir uma boa condição de empregabilidade, é necessário que o empregador não trate o funcionário como cota.

O acompanhamento depois da contratação é feito no período de experiência 45 e 90 dias, por meio da conversa com o RH, gestores e o funcionário. “Também fazemos mediação frente a alguma dificuldade da empresa, e após esta, a monitoria para saber se o comportamento e/ou o resultado do colaborador mudou”. A Lei de Inclusão 13.146 de 06/07/2015, estabeleceu os principais direitos das pessoas com deficiência, entre eles, igualdade e não discriminação, atendimento prioritário, direi-

Hemiplegia É uma condição onde metade dos músculos do corpo do indivíduo são paralisados. A extensão dessa paralisia varia de caso a caso. Pode incluir além da perda de funções motoras e mudanças na cognição a dificuldade na fala, deglutição e respiração.

tos fundamentais, direito ao trabalho, habilitação e reabilitação profissional, direito a assistência social, direito ao transporte, acessibilidade, acesso à justiça. Cristhiane Kulibaba é advogada e integrante da Comissão dos direitos das pessoas com Deficiência do Paraná e acredita que esta foi o maior avanço que a Comissão conquistou, mas aponta que ainda está muito longe de alcançarmos uma efetividade nesta

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A advogada ainda ressalta que as empresas que não cumprirem com a lei são passíveis de penalização.”Elas serão autuadas pela Delegacia Regional do Trabalho, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, que será de acordo com a pessoa com deficiência que não foi contratada, para mim isto é uma evolução”. De acordo com a Who (2011) World Report on Disability, 1 bilhão de pessoas no mundo têm algum tipo de deficiência - isso significa que uma em cada sete pessoas é portadora de necessidades especiais e 80% vivem em países em desenvolvimento. De acordo com este mesmo relatório, apenas 50% dos homens que possuem algum tipo de deficiência estão empregados e quando falamos de mulheres este número cai para aproximadamente 20%. Cyro Eduardo de Souza tem 23 anos e


nasceu com hemiplegia. Ele é estudante do curso técnico de Segurança do Trabalho, e conquistou a vaga como menor aprendiz por meio do programa da Unilehu na Renault há seis meses. Por ser do grupo de PCDs da empresa, suas atividades são preparadas para que não exista nenhum empecilho na execução.

1975, estabelecendo para estas pessoas o direito a medidas de capacitação para que elas se tornem o mais autoconfiantes possível, o acesso à educação, treinamento vocacional, segurança econômica e social, visando à busca de um emprego que leve em consideração as suas necessidades especiais.

Durante toda a sua infância e adolescência, Cyro teve cuidados especiais nas escolas que forneciam atendimentos dedicados aos alunos com deficiência física. Ele explica que por ser PCD achava que nunca conseguiria entrar no mercado de trabalho outra preconceito da sociedade. “A ideia de que as pessoas criaram sobre nós PCDs que não temos que nos esforçar para conquistar uma vaga no mercado de trabalho. Estão completamente enganados. Mais do que tudo estamos aqui conquistar o nosso espaço e com dedicação em realizar um excelente trabalho.”

Dentro das empresas a contratação depende do perfil do candidato e das suas limitações, Claudia Vidal é superintendente de RH e jurídico em uma instituição financeira de Curitiba, que não será apresentada, pois devido ao momento de “home office” que estamos vivendo no mundo em 2020, por causa do Covid-19, seu departamento responsável pela liberação das entrevistas não está disponível. Claudia explica que no banco a inclusão é possível em todas as vagas que não exijam adaptações que a empresa não consegue oferecer. “Hoje, nós procuramos encontrar pessoas que tenham qualificações de acordo com cada vaga, por exemplo na área de marketing a gente tem uma pessoa que tem formação em marketing, na área de compras uma pessoa que tem experiência em compras, falando em PCD, eles tendo qualificação e podendo exercer suas funções são adequados para qualquer tipo de vaga”.

Mas seus pensamentos sobre mindset de crescimento fizeram com que seu primeiro passo fosse o encorajamento de buscar o primeiro trabalho. A sensação de felicidade toma conta ao relatar que trabalha na empresa que é considerada uma das 150 melhores para construir uma carreira de sucesso. Para ele, as oportunidades que as pessoas deficientes recebem são altas em relação às pessoas que não são. Essa sensação de não se sentir capaz não é incomum. O Mauritius Census (2011) mostra que a maior parte das pessoas com necessidades especiais não procura um emprego por acreditar ser incapaz. Mesmo com a Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes, resolução aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações unidas em Stargardt e De Best É uma condição genética e degenerativa que leva a perda gradual da visão. Nela ocorre a perda progressiva das células fotoreceptoras da mácula, gerando a redução da visão central, com a preservação da visão periférica. A progressão da stargardt varia de pessoa a pessoa podendo se agravar após os 50 anos. Costuma aparecer na infância ou adolescência. Surge como um cisto amarelo que se forma sob o epitélio pigmentar da retina, uma camada que fica abaixo da mácula.

A superintendente acredita que, para garantir uma boa condição de empregabilidade, é necessário que o empregador não trate o funcionário como cota, o colaborador precisa ter acesso a chances reais de desenvolvimento e acesso a qualificação profissional. Para isso o contratado precisa estar em funções onde eles realmente possam fazer entregas e evoluir. Encaixar uma pessoa com deficiência em uma função que ela precise fazer muito esforço para exercer normalmente será prejudicial para a produtividade e auto estima dela. Essa é a opinião da funcionária Milca de Souza. Ela é Business Partner da área de Pessoas e Cultura do Paraná Banco e tem a doença de Stargardt, condição de saúde que afeta a sua visão. Milca explica que para o melhor desempenho a transparência é necessária, o caminho na empresa que ela trabalha abre para o colaborador falar sobre o que precisa como adaptação.

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“A qualidade de empregabilidade vem de um ambiente seguro, para pessoa dizer o que precisa e também do uso dessas ferramentas isso vem de uma sensibilidade muito grande do RH, para não julgar uma coisa como desnecessária. Eu contratei uma pessoa a pouco tempo que disse que só precisava de um apoio de pé, eu passei isso pra gestora. A pessoa tem uma deficiência e sabe o que é importante para ela, não questione. Analisamos cada necessidade sem julgamento. Você pode perguntar educadamente o porquê ela precisa disso, se existe outra opção”. Outra questão levantada por ela é que sempre que o PCD é contratado é necessário ter uma conversa com a equipe e o gestor. Algumas deficiências são mais difíceis de lidar e precisam de uma interação e apoio da equipe. “Temos uma funcionária que tem deficiência auditiva parcial, então passamos as orientações; precisam falar de frente, olhando para ela. Uma equipe bem orientada também ajuda na qualidade do emprego dessa pessoa, porque ela não precisa ficar passando por situações constrangedoras”, conta Milca. Ela relata que dentro do banco onde trabalha todas as adaptações necessárias são feitas para ela, como por exemplo telas maiores de computador e o uso de lupa eletrônica. No caso de uma doença degenerativa que com o passar do tempo sofre progressões, também são feitos ajustes no seu ambiente de trabalho. Apesar de estar em uma empresa que se importa com o bem estar do colaborador Milca explica que não é somente o ambiente que precisa ser alterado, mas também a consciência das pessoas: “em relação às pessoas que têm deficiências visuais parciais como eu, acontece de algumas vezes as pessoas esquecerem que eu tenho essa deficiência, porque aquilo que não está visível as pessoas acabam esquecendo. Então todo tempo eu preciso ficar lembrando, isso é muito desconfortável”. Ela acredita que a inserção de mais PCD’s no ambiente profissional faria com que os outros funcionários tivessem mais contato

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com essa realidade, tornando eles mais sensíveis. Um estudo da Unilehu aponta que para pessoas qualificadas, com ensino superior ou pós graduação é mais difícil encontrar vagas. Milca é formada em marketing e aponta que essa estatística está vinculada a um viés inconsciente de acreditar que uma pessoa com deficiência não vai desempenhar bem o seu trabalho. Ela expõe que ainda é uma dificuldade muito grande encontrar boas oportunidades no mercado. Priscila Santos trabalha em uma montadora de carro em São José dos Pinhais e, devido à crise mundial do Covid-19, ela não conseguiu liberação para falar em nome da empresa. Priscila trabalha no departamento de RH, o qual é responsável pelas contratações tanto regulares quanto de PCD. Ela explica que, no ambiente de fabricação, as contratações para as vagas, quando o candidato possui alguma deficiência física, precisam ter os ambientes preparados, para que desta forma o funcionário possa realizar suas funções com segurança, para que não ocorra nenhum tipo de acidente no interior da fábrica. As adaptações variam de acordo com as limitações do colaborador e o departamento no qual ele irá entrar. Para a especialista em Recursos Humanos a comunicação é um fator fundamental durante a contratação, pois assim é entendido qual área o colaborador consegue se desenvolver com a comunicação ativa. “Os funcionários não são vistos como pessoas incapazes de crescimento na empresa. O que desenvolvemos são métodos de aprendizagem para que eles possam crescer e desenvolver novos pilares no interior da organização”. O acompanhamento psicológico para o funcionário PCD é de extrema importância, segundo o psicólogo Alceu

Arquivo pessoal

Milca de Souza Business Partner da área de pessoas e cultura do Paraná Banco

Arqui


Fernandes. Ele trabalha especialmente com pacientes com deficiência e acredita que somente com o acompanhamento o colaborador consegue quebrar algumas barreiras. Para Alceu, que trabalha diretamente com um deficientes auditivos, a grande dificuldade que os PCDs enfrentam é o relacionamento com pessoas do ambiente de trabalho. “Muitos se sentem frágeis por pensar que estão ocupando a vaga de trabalho pela cota obrigatória e não porque têm capacidade. As empresas que buscam pessoas deficientes para oferecer oportunidades, precisam preparar tanto a estrutura física quanto a comportamental, só assim poderão se desenvolver com menos dificuldade nos relacionamentos e alcançar objetivos profissionais”. Outra questão que o psicólogo aponta é que o incentivo ao estudo, vindo dos pais ou responsáveis para a criança que possui deficiência, a ajudará no futuro quando ingressar no mercado de trabalho. Ele explica que os estudos fazem parte do desenvolvimento psicológico da criança e cria o conforto no ambiente social, também beneficia no planejamento de metas e conquis-

al

tas ao longo do tempo criando melhores condições a adaptação do indivíduo com a sua deficiência. Jane Cléria Bonato tem deficiência auditiva, e, sua entrada no mercado de trabalho foi mais fácil pela empresa ser da família “mas digo que a comunicação seja um desafio” ela explica. Para sua formação ela estudou em escolas para surdos e concluiu o ensino fundamental, para ela mesmo que inicial a formação foi importante para que hoje ela desempenhe as atividades com tranquilidade.

Deficiência Auditiva É considerada como a diferença existente entre a desempenho do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora de acordo com padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI - 1989). O deficiente auditivo pode não escutar parcialmente, em diversos graus, ou totalmente, existem diversas causas para a falta de audição, a falta desta prejudica o desenvolvimento da fala. O indivíduo que não consegue se comunicar oralmente, aprende, no Brasil, a linguagem conhecida por Libras, esta foi criada por um monge francês, morador de um mosteiro onde imperava a lei do silêncio.

Arquivo pessoal

Jane com a filhas: Jessica, Jamille e Joana na formatura da Jamille comportamento | revistacdm 53


Dois extremos, uma pessoa A vida de quem precisa conviver entre a depressão e euforia associadas à bipolaridade Marina Lopes

N

ascida na cidade de Ipatinga, interior de Minas Gerais, Sterfany Vailant enfrentou, desde os 11 anos, o desafio de viver uma infância rodeada por remédios controlados, internações e tratamentos. Diagnosticada por muitos anos com depressão e ansiedade, ela começou a perceber que os tratamentos não funcionavam como deveriam, mas não imaginava que talvez isso significasse um diagnóstico errado. Aos 23, ela se mudou para a cidade de Curitiba com seu marido, e conheceu uma nova psiquiatra que mudaria o rumo da sua história. Logo na primeira consulta, a doutora constatou que,

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em todo esse tempo, os diagnósticos feitos anteriormente realmente estavam incorretos. Sterfany, na verdade, sofria de Transtorno Bipolar. Apesar do choque, ela finalmente conseguiria ter acesso aos medicamentos e tratamentos certos, além de poder entender mais sobre seu real transtorno. Hoje, Sterfany conta que, apesar de ter os sintomas mais controlados, ainda sofre com os altos e baixos comuns do transtorno. Para ela, o mais difícil de viver com a bipolaridade é lidar com a inconstância de humor, e com sua mente que não para em nenhum momento. “Da mesma forma que eu estou bem e feliz, do nada eu fico muito mal, triste e indisposta.


Isso é horrível, pois muitas vezes nem eu mesma consigo me compreender.Imagine as pessoas que estão ao meu lado ou que não têm muito contato comigo.” Apesar de ter o apoio de pessoas que a conhecem, e que sempre tentam incentivá-la e dar força, ela ressalta que muitos ainda a tratam diferente devido ao desconhecimento da doença. Para Sterfany, a insegurança causada pelo medo das pessoas não gostarem dela ou não terem paciência, é constante em sua vida.

tica - individual e herdada pela família - e um componente ambiental para ser desenvolvido. “Há muita controvérsia sobre possíveis desencadeadores, mas alguns dos mais observados nas clínicas são: uso de substâncias

“Nunca sei como ela vai estar daqui cinco minutos, me amando ou me odiando. Ou se vai conseguir cumprir o que planejou e ter uma rotina.”

Definido como uma doença que caracteriza-se por episódios repetidos, em que o humor e os níveis de atividade da pessoas são significativamente instáveis, o transtorno bipolar atinge hoje cerca de 4% da população brasileira, de acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB). Afetando não só a vida das pessoas com bipolaridade, mas também dos seus familiares e das pessoas que convivem por perto.

Julia, advogada

ilícitas, uso de medicamentos, traumas psíquicos e exposição maior ao estresse”, ressalta.

Esse é o caso da Julia*, que enfrenta os desafios de lidar diariamente com a bipolaridade da sua companheira, diagnosticada há 14 anos, e explica que apesar de sempre tentar saber mais a respeito do assunto, ainda tem uma grande dificuldade em lidar com as dúvidas e a instabilidade. “Nunca sei como ela vai estar daqui cinco minutos, me amando ou me odiando. Ou se vai conseguir cumprir o que planejou e ter uma rotina.”. Ela conta também, que soube do transtorno da sua parceira apenas depois dela apresentar algumas atitudes “suspeitas” como vontade de terminar toda semana, isolamento e muito estresse por coisas pequenas. A partir do dia em que descobriu sobre o diagnóstico, Julia começou a pesquisar e ler sobre assunto, para conseguir encontrar uma maneira de entender e lidar os comportamentos presentes em seu relacionamento. O psiquiatra Marcelo Alves Carriello, especialista em transtornos mentais, explica que o transtorno bipolar, muitas vezes vezes diagnosticado no início da vida adulta, necessita de uma base gené-

comportamento editoria | revistacdm 55


Na série norte-americana Modern Love (Prime Video), a atriz Anne Hathaway interpreta uma advogada bipolar que durante toda sua vida utilizou seus momentos extremos de euforia para conseguir impulsionar sua carreira, mas ao mesmo tempo não conseguia manter relacionamentos e empregos, simplesmente por não conseguir sair da cama. Inspirado em uma história real, o episódio traz à tona a questão sobre como conseguir amar ou manter um relacionamento com uma pessoa que sofre de uma doença que afeta justamente o lado emocional e mental. Além de expor a importância de se buscar o apoio de pessoas próximas. Desde que seu irmão mais novo foi diagnosticado, Nataniel Faria viu as coisas mudarem ao longo do tempo. Com menos risadas, brincadeiras e semblantes mais tristes, o relacionamento dos dois nunca mais foi o mesmo, mas isso não o impediu de tentar se mostrar presente e disponível. “Acredito que ter um irmão bipolar é tentar entender o isolamento, o silêncio e, principalmente, se colocar no lugar dele. Sei que ele está ali em essência, e que a doença o limita muitas vezes”, explica. Nesse contexto, Nataniel comenta que acredita que um dos pontos fundamentais em conseguir ajudar uma

pessoa bipolar é conhecer a pessoa antes da doença se manifestar, porque ela vai perceber mais fácil quando algo estiver fora do normal. Para Lucas Faria, há um ano diagnosticado, lidar com a bipolaridade não é algo fácil, então buscar não se cobrar muito e ter relação com pessoas que não olhem com pena para a situação, o ajudaram bastante no tratamento. “Minha relação com meu irmão mais velho é boa justamente porque ele não me vê apenas como um doente ou coitado. Não sinto a pressão de estar feliz e bem o tempo todo.” De acordo com a psicóloga Maria Cristina Delattre, o tratamento é baseado no envolvimento e na compreensão da família sobre o transtorno. Por isso, o apoio familiar é fundamental. Ela explica que, como se trata de um transtorno sem cura, é preciso estimular a pessoa para que continue com o tratamento regularmente, e tenha alguém ao lado nos momentos de crise.

Saiba mais

Conheça curiosidades e mais fatos sobre o transtorno bipolar no nosso portal digital. portalcomunicare.com.br

Bipolares no mundo

Estatísticas sobre bipolaridade

O Transtorno Bipolar afeta cerca de

140 milhões de pessoas no mundo.

e aparece quase sempre antes dos 30 anos, com mais frequência entre

18 e 25 anos.

editoria 56 revistacdm | comportamento

50%

dos portadores apresentam pelo menos um familiar com esse transtorno. as pessoas levam em média

10 anos

para serem diagnosticados com transtorno bipolar.


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Arquivo pessoal

Momento do parto do Enzo, filho da Giulia Monterrumo

Um motivo para recomeçar Os desafios das mulheres que engravidam enquanto cursam a universidade e não querem parar de construir seu futuro Reportagem: Gustavo Ferraz, Laura Borro, Luana Perdoncini e Paula Araújo

editoria 58 revistacdm | educação


Q

uando descobriu que estava grávida, aos 18 anos, Lediane se surpreendeu. A jovem estudante do segundo ano do curso de Direito não estava preparada para uma gravidez tão cedo. Mesmo contando com o apoio da família e do companheiro, ela se viu em um momento decisivo da sua vida: continuar ou não com os estudos? Com todas as adversidades que a gestação trouxe para a sua vida, a jovem não desistiu da sua graduação, estudando até o último mês da gravidez. Sua filha, Isabella, nasceu em um lar feliz e cheio de amor. Mulheres carregam uma série de expectativas e responsabilidades ao longo das suas vidas. Um exemplo é a maternidade. O “dever” de ser mãe persegue a trajetória feminina que, nos dias atuais, envolve, além da formação de uma família, estudo e trabalho. Muita vezes, ninguém escolhe o caminho que a vida vai tomar, e as coisas simplesmente acontecem. É o caso de centenas de jovens que entram na universidade e esbarram com barreiras físicas, emocionais e psicológicas para manterem-se dentro do ambiente universitário. Hoje, as estudantes da Universidade Federal do Paraná (UFPR) são con-

templadas por um auxílio-creche, que pode ser destinado ao pai da criança, também. No ano de 2017, faziam uso desse benefício 16 estudantes. A psicóloga do Serviço de Informação e Apoio ao Estudante da Universidade Positivo, Amanda Vasconcellos, diz que o projeto de acolher mães e seus filhos nasceu em 2018. “Esse projeto surgiu a partir de discussões em sala de aula sobre a relação mãe-bebê, as mudanças e angústias durante o processo de gestação e pós-parto”. Depois disso, a equipe formada começou a divulgar o projeto de grupos de escuta de gestantes/puérperas e atendimentos individuais. “Desde então, fizemos parcerias com órgãos públicos dentro dos quais vamos até o local atender as gestantes e também atendemos a comunidade local, incluindo alunas da UP”, completa a psicóloga. Hoje o Siae atende às universitárias e a comunidade local. A procura das estudantes pelo serviço pode ser feita pessoalmente ou via telefone. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) conta com o Serviço de Apoio Psicopedagógico que faz a promoção de encontros e oficinas, como rodas de conversas, para debater assuntos como suicídio, depressão, ansiedade e todos os problemas psicológicos que afetam a vida universitária.

Serviço:

Saiba como entrar em contato com esses serviços: O Serviço de Apoio Psicopedagógico da PUCPR conta com profissionais psicopedagogos, psicólogos e professores. A forma de contato é pelos telefones: (41) 3271-2177 e (41) 99137-1014 e também pelo e-mail seap@pucpr.br. O Serviço de Informação e Apoio ao Estudante desenvolve projetos de apoio aos estudantes. O departamento conta com professores, pedagogos, psicólogos e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais. O contato é pelos telefones: (41) 3317-3442 e (41) 992524596 e também pelo e-mail siae@up.edu.br.

Arquivo pessoal

Lediane, a pequena Isabella e o pai, Fernando. educação | revistacdm 59


A estudante da Universidade Positivo Maria Stefani Silva Aguiar descobriu que estava grávida no sétimo período da faculdade. Um ano de muita responsabilidade para ela, que iria começar o seu trabalho de conclusão de curso. Desde que descobriu a gravidez, recebeu apoio do seu pai. Sua mãe, por outro lado, teve receio no início, mas depois apoiou e cuidou da filha durante a gestação. “Minha mãe me disse que o importante era eu não desistir dos estudos”, conta Stefani. De acordo com dados coletados pelo Censo 2000, realizado pelo IBGE, 8,81% das mulheres cursando o ensino superior, com idade entre 19 e 29 anos, têm filhos na faixa etária de 0 a 4 anos. A família de Giulia Monterrumo também ficou com medo da estudante parar os estudos quando descobriram sobre a gravidez da então estudante de Medicina Veterinária da PUCPR. O apoio, por outro lado, serviu de incentivo para a jovem continuar indo às aulas. “Já levei meu filho em uma aula e foi super tranquilo”, conta Giulia. “Por ser final de período, todo mundo reagiu super bem e inclusive me ajudaram a distrai-lo”, completa. Hoje, Giulia trocou de curso e faz Relações Públicas. Cuida do Enzo com todo o amor que uma mãe pode ter for um filho, conciliando a faculdade e a família com mais tranquilidade. A professora de ensino superior Márcia Regina Cubas tenta amenizar a rotina de suas estudantes que são mães com

O que diz a lei?

Existem legisla çōes que asseguram mães universitárias

atitudes e gestos de inclusão delas e seus filhos. “É gratificante verificar que podemos minimizar o stress, seja pela situação de não ter onde deixar a criança durante as aulas de sábado ou pela impossibilidade de cuidar dele quando elas têm algum impedimento de deixá-lo na escola ou aos cuidados de outro familiar”, ela conta. Segundo um estudo desenvolvido em 2013 pelo Ministério da Educação (MEC), a Organização dos Estados Ibero Americanos (OEI) e a Faculdade Latino-Americana de Ciências (Flacso), 18,1% das meninas com idades entre 15 a 29 anos deixaram de estudar devido a uma gravidez inesperada. Para os homens, esse motivo equivale a apenas 1,3% dos entrevistados.

“Minha mãe me disse que o importante era eu não desistir dos estudos.” Maria Stefani, estudante.

A psicóloga Gislaine Branco Frizzo atende jovens gestantes e explica alguns aspectos importantes para a convivência da futura mãe em meio ao ambiente acadêmico e familiar. Ela diz que é importante criar uma rede de apoio com a família da gestante, para que ela possa receber apoio durante o período em que está frequentando a faculdade, mas que a jovem deve estar ciente de que a responsabilidade é dela, a família só vai ajudar.

No Brasil, mães universitárias são guardadas pela Lei 6.202, criada ainda na Ditadura Militar e que beneficia mães que engravidam ainda na universidade. De acordo com essa lei, as mães têm o direito, a partir do oitavo mês de gestação, receber apoio pedagógico em casa. Caso a mãe tenha um atestado médico, justificando uma gravidez de risco, também pode obter este benefício a qualquer momento.

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Outra legislação que defende o direito da educação para mulheres gestantes é a Lei 13536/17 que garante prorrogação por 120 dias de bolsas de estudos em caso de maternidade. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, aprovou o Projeto de Lei nº 512/2011, do Senado, que institui a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, a ser realizada, anualmente, na semana do dia 1º de fevereiro.


Quando perguntada sobre a preparação das universidades para receber estudantes gestantes, Gislaine explica que não acredita que as instituições estejam totalmente preparadas, mas que devem focar em programas de orientação e prevenção da gravidez com palestras e eventos.

O OUTRO LADO DA HISTÓRIA Uma situação que se encaixa como abandono parental é a do filhinho da Milena Barbaresco. Ainda com 15 anos, a jovem estudante de Letras descobriu a gravidez e a reação do pai da criança foi de completo apoio: “Ele falou que ia dar tudo certo e que íamos cuidar do bebê, mas depois que meu filho nasceu, ele não quis mais ter contato”, conta Milena. “Ele não é pai, sabe?”, diz a estudante, ao tentar explicar por que não tem contato com ex-companheiro. Mesmo com a falta de apoio do pai da criança, a família de Milena apoia e cuida do seu filho enquanto ela continua seus estudos na universidade. Histórias diferentes dessa são as contadas a seguir, sobre homens que arcaram com as suas responsabilidades de pai enquanto ainda estavam na universidade, ficando do lado de suas companheiras e ajudando na criação dos filhos. Luiz Felipe Wagner Maciel foi pai aos 21 anos e conta que, quando descobriu a gravidez de sua parceira, Andressa, ficou muito assustado. Apesar do susto inicial, apoiou a gravidez

da companheira. “Eu a acalmei ela e disse que daria tudo certo. Eu a acompanhei a todas as ecografias e a levava ao médico”, conta. O pai de Isabella, Fernando Taborda descobriu sobre a gravidez de sua companheira, Lediane, aos 25 anos. “Foi uma surpresa! Eu não esperava, não estava nos meus planos. Pensei até que pudesse ser um alarme falso, mas logo em seguida já me senti nervoso e pensando como seria me tornar pai!”. Mesmo com a surpresa, ele acompanhou sua companheira a todos os exames e consultas feitos durante a gravidez. O engenheiro agrônomo João Vitor Amaro foi pai aos 22 anos e, ao receber a notícia da gestação, sentiu-se ansioso e desesperado. “Em um primeiro momento, foi uma reação de desespero, porque não foi uma gravidez planejada. Nós dois no meio da faculdade, sem saber o que fazer.”. O pai do Enzo conta que recebeu todo o apoio da família, dele e da sua companheira, Giulia. “Nossas famílias nos ajudaram bastante”, conta João Vitor. Leia mais Saiba mais sobre as leis que asseguram as mães universitárias portalcomunicare.com.br

Arquivo Pessoal

Giulia e Enzo

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Sujeito bicho Cuidados com o animal de estimação se renovam devido à ascenção do mercado pet no Brasil

outros cachorros, além de hotelaria. O estabelecimen utiliza um modelo de creche livre, no qual os cachorros ficam soltos no pátio durante o dia, fazendo atividades separados por porte, e dormem em baias individuais, cada um com sua alimentação, água, cama e tapete higiênico. A convivência canina é de harmonia, então cães não sociáveis não serão aceitos.

Alice Putti, Luísa Secco e Rafaelly Kudla

Luana conta que a creche desenvolve diversas atividades que são importantes para o estímulo de caça e faro dos cães, como caça ao tesouro, com frutas escondidas, cabos de guerra, caça com balões de água, entre outros.

A

dinâmica familiar e o próprio conceito de família estão em constante mudança. Hoje em dia, pode-se dizer que os animais são integrantes da família tanto quanto qualquer ser humano. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, o Brasil tinha cerca de 132,4 milhões de animais domésticos, sendo os cães maioria nas casas brasileiras (44,3%). A Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) demonstra que o mercado pet brasileiro é o 2º maior do mundo. De acordo com a psicóloga Caroline Escobar Cisnero, é muito importante abordar as relações emocionais entre humanos e animais, visto que muitas pessoas preferem ter um animal de estimação do que um filho, por exemplo. Como consequência da mudança dessa relação, passaram-se a utilizar com mais frequência serviços especializados para os animais.

HOTELARIA ANIMAL Luana Jeranoski é médica veterinária e funcionária da Casa do Pluto, uma creche para cães que oferece serviços de day care, no qual o cachorro passa o dia e realiza atividades com

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Trabalhar com cachorros significa oportunidade para muitas histórias divertidas. Uma vez, Luana passeava pelo Barigui quando o Joca, um cliente cão da Casa do Pluto, a reconheceu, mesmo ela estando de costas. “Ele deu um pulo em mim e me abraçou pelas costas. Tomei um susto achando que era um assalto, mas quando Cachorros no pátio da creche / Arquivo Casa do Pluto

Na Casa do Pluto, os cachorros participam de diversas atividades para desenvolver seus instintos.


vi que era ele meu coração se encheu de amor!”, diz. Mas nem sempre é só felicidade, como foi o caso de Julieta, cachorrinha abandonada na creche. Felizmente, ela foi acolhida pelos funcionários e mora lá até hoje. Às vezes, é difícil integrar o animal, como no caso de cachorros mais idosos ou muito apegados ao dono, mas a persistência é importante para concluir se o cão ficará bem na creche ou não. “Os cães são como humanos: cada um tem sua personalidade, alguns chegam super bem e nem olham para trás, outros sofrem um pouco mais para começar a ter prazer em frequentar a creche. Vale a persistência!”, afirma Luana. Porém, se a dificuldade é muito grande, o dono é orientado a buscar outro serviço, como as babás.

BABÁ DE BICHO? As pet sitters, ou babás de animais na tradução literal, ainda carregam o nome em inglês devido a origem desse cargo, que veio dos Estados Unidos.

é especializada em comportamento animal e restringe o seu serviço a cuidar apenas de gatos. A cat sitter conta como funciona o seu trabalho: “O que fica definido entre eu e o tutor são os cuidados básicos. Eu fico no mínimo 1 hora na casa do tutor, se o ele quer que eu fique mais tempo, existe essa opção também. O que eu faço dentro do que é combinado é: a reposição de ração, a troca de água, a limpeza da caixinha de areia, eu brinco com os gatos, porque pelo fato de ele ficar sozinho já é estressante, ele acumula muita energia e essa energia estressa. Dentro dessa 1 hora, praticamente o tempo todo é de brincadeira e carinho, as tarefas básicas são rápidas, então o restante do tempo é dedicado pra isso. Eu mando também fotos e vídeos diários para o tutor e se ele desejar posso fazer chamadas de vídeo.” Para Vanessa algumas coisas despertam ainda mais o prazer de exercer essa profissão. “É muito gratificante ver que o gato confiou em você. Claro que pode ser que em alguns casos o gato nem apareça. Por exemplo, uma delas, a Pepa, eu não cheguei nem a ver a cor dela, ela vivia escondida e fugindo de mim, e a gente deve respeitar isso, nunca forçar.”

“É muito interessante ver como cada gato é diferente um do outro, cada um tem a sua personalidade.”

“É muito interessante ver como cada gato é diferente um do outro, cada um tem a sua personalidade, uns são mais carinhosos, outros mais tímidos, uns brincam mais, outros menos, mas cada um tem a sua peculiaridade” ressalta a cat sitter.

Vanessa Caron, cat sitter

Pensando em oferecer cuidados especiais para animais de estimação, a veterinária Andressa Gontijo, proprietária do My Pet’s Nanny, trouxe o serviço de pet sitter em 2010, quando este trabalho ainda não existia no país. O serviço consiste em cuidar do pet em sua própria residência quando o dono for viajar ou trabalhar. Esses cuidados costumam durar uma hora por visita e poderão ser feitas várias visitas por dia. Durante os atendimentos, o foco é exclusivo no pet, que receberá, alimentação, passeios, carinho, limpeza e atenção. A cat sitter Vanessa Caron explica que o diferencial do pet sitter é a relação entre o animal e o cuidador. Vanessa

Serviços durante a pandemia Durante essa quarentena, a Casa do Pluto está atendendo com horário reduzido, com grande redução do número de clientes por causa do isolamento domiciliar. Serviço: facebook.com/casadoplutopetshop

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TECNOLOGIA BOA PRA CACHORRO! O DogHero é uma empresa de serviços para animais e foi criado a partir dessa percepção de necessidade na área de hotéis para animais, que muitas vezes oferecem um serviço caro e impessoal, em que o cãozinho fica preso em gaiolas ou canis, sem carinho ou conforto. Ao conversar com amigos, muitos deixavam de viajar por causa disso. Com o passar dos anos, foi ficando mais claro, conversando com pais de cachorro e heróis, que cachorro é amor, e pede carinho e atenção. O aplicativo existe para justamente isso: ajudar os pais de cachorro a cuidarem deles, conta Eduardo Baer, CEO e cofundador da DogHero. Atualmente, a DogHero conta com 1,2 milhão de pets cadastrados, 20 mil heróis entre anfitriões, passeadores e pet sitter, e atuação em 750 cidades entre Brasil, Argentina e México. O aplicativo oferece quatro serviços: hospedagem, creche, pet sitter ou passeio. No caso dos serviços de hospedagem, creche e passeio, o cliente escolha a partir de uma lista: ele digita seu endereço para conhecer os heróis que moram próximo e oferecem aquele serviço. Cada perfil conta com informações sobre o herói, fotos dos pets que cuidou e avaliações de outros clientes. O cliente conversa com os cuidadores que gostou mais, marca um pré-encontro para conhecer a pessoa que vai ficar o animal previamente e faz o pagamento pela DogHero. Enquanto em hospedagem, creche e pet sitter, cabe ao cliente escolher o cuidador, em passeios o fluxo é diferente. Levando em conta o endereço do cliente, as informações sobre o cachorro (como porte, raça, idade e dados do comportamento dele), o app escolhe o passeador ideal para atender aquela família. É possível pedir para passeios para já (o passeador chega em até uma hora na residência do cliente), agendar um passeio único para o horário ou data que preferir, ou fechar um plano semanal.

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Os tutores passam por um processo de seleção extremamente cuidadoso (apenas 20% dos candidatos são aprovados levando em consideração questões de perfil e de segurança). Os heróis também contam com módulos de e-learning sobre comportamento canino e realizam provas para aprimorar os conhecimentos sobre os cuidados com os cães. Além disso, a DogHero também faz um monitoramento da avaliação de todas as experiências registradas pelos clientes para manutenção da base. Na hospedagem da DogHero, o cachorro vive a rotina dele normalmente, como em casa. O horário do passeio é o mesmo. Se o animal costuma dormir no sofá ou na cama em casa, ele dorme na casa do anfitrião nesses locais, também. A comida, os potinhos e os brinquedos dos cães são levados pelos donos para os anfitriões. Desta forma, o objetivo é que o bichinho sofra menos com a ausência dos pais. Além disso, o anfitrião está sempre em contato, enviando fotos e vídeos.

QUEM USA, RECOMENDA! No bairro São Luiz, em Belo Horizonte,em Minas Gerais, mora a servidora pública Patrícia Fernandes, com seu marido e dois gatos, Darth Vader e Mancha Rabino, ambos vira-latas. Eles nunca se interessaram por deixar os animais em hotéis, pois seus gatos ficam muito estressados quando saem de casa. Por isso, Patrícia optou pela cat sitter, que faz visitas diárias de uma hora durante o período em que o casal está viajando.

Darth Vader / Mariana Portugal


Mariana Portugal é dona da empresa Anjos Felinos, que também oferece hotelaria para gatos. Mas, no caso de Darth e Mancha, o trabalho é de babá. Durante a visita, ela brinca com os gatos, troca água e comida, faz a higiene e tira muitas fotos e vídeos para matar a saudade dos donos. Patrícia

“A gente fica no mínimo quinze dias tentando reeducar os bichos.” Patricia Fernandes, tutora dos gatos Darth e Mancha comenta que, quando ela volta de viagem, os gatos estão “estragados” de tanto que são mimados com brinquedos e comidinhas especiais, como atum. “A gente fica no mínimo quinze dias tentando reeducar os bichos”, ri.

Darth e Mancha / Mariana Portugal

Patrícia diz que a vontade de levar os gatos junto nas viagens é grande, mas é menos sofrido deixá-los com a babá. “Já perguntamos pro veterinário, que tem 20 gatos por sinal, e ele não recomenda, diz que ficam muito estressados. Não é interessante para os gatos, por mais que a gente queira.” Na verdade, todos os serviços em relação ao Darth e ao Mancha são

feitos em casa. Inclusive o veterinário, que visita os gatos duas vezes por ano para serem vacinados. Na casa de Patrícia, instalar câmeras foi outra maneira de matar a saudade dos bichinhos. Elas são utilizadas para ver o que os gatos fazem durante o dia. Porém, já foram a causa de um arrependimento. “A nossa câmera dá pra falar, então fizemos uma experiência e chamamos o Darth pela câmera. Ele enlouqueceu porque achou que a gente tava em casa. A gente se arrependeu muito e nunca mais fez isso. Ele ficou perdido procurando a gente com aquela carinha e quase morremos do coração”, conta a dona. Os gatos de Patrícia sentem bastante saudade dos donos e sabem muito bem como demonstrar. Uma vez, quando ela voltou de viagem, o Darth, que na época ainda era bem filhote, soltou um miado contínuo até não ter mais fôlego. “Coração da gente quase caiu de tanta tristeza de ver o bichinho, mas ele ficou tão alegre, foi ótimo esse dia.” Outra história aconteceu depois que levaram o carro de Patrícia em um assalto. Ela ficou até mais tarde na delegacia e estava sem chave para entrar em casa, pois seu marido estava viajando. Sua mãe levou o chaveiro, que fez muito barulho para abrir a porta, e também entrou na casa para fazer o serviço. Patrícia narra que, quando voltou da delegacia, “o gato parecia que queria me contar que teve alguém na casa. Porque ele tava super arrepiado, eriçado, miando e andando na casa toda.”PET TAMBÉM

PRECISA DE CUIDADO PSICOLÓGICO? Caroline Cisnero e Ca-

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Cachorros brincando na creche / Arquivo Casa do Pluto

milla Eckert são psicólogas especializadas em comportamento animal. Caroline ressalta a expansão dos sentimentos entre humanos e seus animais de estimação e a importância de levar isso em consideração na hora de escolher qual o melhor cuidado para seu pet. “A relação que temos com o nosso animal é muito similar em muitos aspectos a forma como a gente se relaciona com humanos. Então a saudade também vai se manifestar da mesma forma.” A ansiedade de separação é outro aspecto importante de verificar na da escolha do serviço ideal para o bichinho. O animal, longe do tutor, fica desesperado, demonstrando sinais de ansiedade, como urinar. “Já há estudos que viram que os animais se machucam, roem as patas, perdem pelo, de estresse, de ansiedade dessa separação”, comenta Camilla. Além de hotéis e pet sitters, há aqueles que optem por levar seu bichinho junto durante as viagens. Caroline

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frisa os cuidados necessários para que a viagem seja boa tanto para o pet quanto para o dono. “Dependendo da quantidade de viagens e do temperamento do animal pode ser tanto uma coisa boa quanto um estressor. Porque dentro de um aeroporto, o tanto de gente, ou na rodoviária, muito barulho, muito estímulo, isso pode ser estressante. Pro animal vai depender muito. Se ele for muito tranquilo, super sociável, é uma coisa super boa, super tranquila de se manejar. Mas se for um animalzinho que fica mais isolado, um pouco mais agressivo, temperamental, pode acabar virando uma dor de cabeça para o tutor também. Pode ficar cansativo para ambas as partes em certo ponto.” Conversamos também com o veterinário Juliano Roveda, para entender o comportamento dos pets quando deixados em hotéis. “O animal pode ficar deprimido, se estressar com mais facilidade no hotel, porque mesmo nos hotéis maiores, que geralmente existe a área de convívio com outros


animais, ou algumas vezes quando são levados para passear, é somente uma ou duas vezes devido à demanda. Mas não é o contato com o dono que você tem diariamente, muitos animais dormem com o proprietário, ou no quarto do proprietário, então é um vínculo bem maior que eles têm.” Juliano explica os cuidados necessários quando os donos optam por transportar seus pets nas viagens: “No caso

para o dono e para o bichinho.” O veterinário destaca também o diferencial de cada pet. “ O gato é mais sensível, eu recomendaria deixar em casa, e pedir pra alguém ir tratar ele. O cachorro é diferente, se você for viajar e não tiver com quem deixar, o estresse é menor em hotéis, desde que o animal não seja muito apegado contigo. E se for deixar gatos, é necessário ver se o hotel tem gatis, que são ambientes exclusivos para gatos, pois se mistura gatos e cachorros, os gatos vão se estressar.”

“Depende do comportamento do animal, de como ele lida com os lugares novos, com pessoas diferentes.”

Resumindo, cada bichinho é único e especial. Respeite o espaço e o comportamento do seu pet. E, se precisar de ajuda para cuidar dele, não se desespere. Com certeza algum serviço vai agradar você e seu melhor amigo.

Juliano Roveda, médico veterinário de viagens, depende muito para onde você vai, onde você vai ficar. É muito melhor você levar o animalzinho do que deixar num ambiente estranho de um hotel, principalmente se você vai fazer uma viagem longa. Tudo depende. Depende do comportamento do animal, de como ele lida com lugares novos, com pessoas diferentes. Cabe ao dono, talvez, fazer um teste. Uma vez leva junto para ver como reage, outra deixa no hotel, outra com a babá, e vai adaptando até ficar bom

Serviço

Weppet Sociedade: Sociedade de psicólogas que estudam e trabalham a relação humano-animal.

O que fazemos: Palestras, rodas de conversa, grupos terapêuticos e psicoeducativos para tutores e profissionais da área pet, workshops, consultoria em instituições veterinárias, atendimento clínico e individual. Pesquisa sobre relações de apego entre tutores e animais de companhia. Camilla Eckert (CRP: 08/28392) Caroline Cisnero (CRP: 08/28500) Instagram: @weppetsociedade

Lei de transporte Quer levar seu animal nas viagens? Fique ligado nas regras para o transporte de animais domésticos. portalcomunicare.com.br

Lei de proteção aos animais Deixar o animal por muito tempo sozinho, sem estímulos ou brinquedos é um fator estressante. Principalmente se é o animal em que o vínculo é igual ao de membro da família. portalcomunicare.com.br

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O funk dos pinheirais Criado para dar voz às favelas, hoje a cultura do funk já está em Curitiba, acompanhando o sonho de muitos MCs de alcançarem uma vida melhor Anna Padilha, Felipe da Fonte, Lucas Couto, Marco Costa, Matheus Koga

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D

esde Claudinho e Buchecha, ele faz sucesso. Mas assim como o mundo em que habita, ele sempre esteve destinado a mudanças. Ele foi feito para representar as favelas, mas hoje dá voz para aqueles, de todo o Brasil, que sonham com uma Range Rover na garagem e um Rolex no braço, ou simplesmente em ter uma vida melhor. Suas batidas - de 100, 130 ou 150 por minuto - são escutadas por todos, mesmo que inconscientemente em um programa de televisão no domingo à tarde, na novela das nove ou no comercial do Chanel nº 5. Algo que não era possível há pouco tempo, pelo preconceito que o rondava. Assim como todo influenciador digital, ele está sujeito aos haters. Mas atualmente ele, o funk, tem mais lovers, justamente por conta da internet. O maior canal brasileiro no YouTube é sobre ele. Kondzilla conta com mais de 56 milhões de inscritos, e a maioria dos vídeos supera esse número em visualizações. Audiência que também migrou para sua série original na Netflix, Sintonia. A produtora musical foi uma das parceiras da ONErpm, network de canais no YouTube especializada em música, em 2012, quando as plataformas de streaming estavam sendo inseridas no cotidiano dos ouvintes. Eles entraram com o planejamento, a análise de dados analíticos e a distribuição de vídeos, e o Kondzilla, com o conteúdo. “A questão da viralização foi só aguardar acontecer”, conta Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm. A network é responsável por distribuir vários dos grandes sucessos do funk nos últimos anos, e trabalha com produtoras independentes, como Kondzilla, GR6 e Masximo, justamente porque, de acordo com Fitzgibbon, entenderam que “o funk atual evoluiu não só como gênero musical, mas também como influenciador de consumo”. Hoje, o funk é pop, é sertanejo, é rap, é trap, é eletrônico. E são esses gêneros derivados que o fazem alcançar todo o país. A jornada até o sucesso não é única, mas dividida entre inúmeros caminhos. Porém, Fitzgibbon compartilha que alguns

itens são essenciais para qualquer um deles: planejamento antecipado, uma boa estratégia de comunicação com continuidade e a ligação com o audiovisual. Não é à toa que o funk conquista milhares de visualizações. Os clipes no YouTube chegaram em mais pessoas, e ele chegou a Curitiba. Precisamente ao som de Claudinho e Buchecha, MC Duh CWB decidiu que faria do funk a sua carreira. Ele nasceu em Quatro Barras, região metropolitana da cidade, mas cresceu no Uberaba. A primeira música foi gravada em 2014, e com ela vieram shows, clipes, outras músicas, outros clipes, e mais shows. Quanto a cena do funk em Curitiba, MC Duh CWB fala sempre no plural. O sucesso de seus colegas de profissão parece ser tão almejado quanto o seu próprio. Os shows fora da cidade de MC MG e MC Veiga, a participação de MC Shat em um filme e o clipe que MC Hjota lançou com o famoso MC Menor MR, de São Paulo, são exemplos compartilhados como conquistas baseadas na esperança de que o caminho seja aberto, um pouquinho por cada um. MC Duh CWB reconhece a internet como principal ferramenta. Ela move o funk. “Qualquer um pode colocar uma música ou um vídeo no YouTube”, explica. Mas seria o espaço suficiente para criar um sucesso? O MC acredita que a maior aceitação do ritmo acontece pelo aumento da qualidade em todos os detalhes das produções. Os clipes são bem produzidos e dirigidos, os shows organizados e as carreiras melhores administradas. É o combo que determina o sucesso.

Escute Acompanhe a matéria ao som da nossa playlist com os maiores sucessos da história do funk até o momento. bityli.com/Srf6U

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Para que o pacote dos sonhos seja, de fato, realizado, os MCs precisam de ajuda. Na maioria das vezes, as produtoras independentes entram em ação. Uma delas é O Conde Produções, também curitibana. Neste caso, o caminho para o sucesso é trabalhoso. Eles estão em todos os detalhes: administram as carreiras dos artistas, marcam e divulgam os shows, fazem clipes e produzem músicas. São eles que moldam o funk.

sobre elas. O preconceito e a exclusão vêm justamente deste ponto. Júnior compara a situação com o nascimento do hip hop, há 40 anos, também nas ruas: “Os mesmos artistas que agora são tidos como lendas, sofriam preconceito. Fazendo um paralelo com o nosso funk, ele nascia no Rio de Janeiro 30 anos atrás. Particularmente, acredito que na presente década estamos vivendo essa evolução progressiva no nosso gênero.”

“O desejo que entra pelos olhos sai pela caneta.”

Porém, realizar isso não é tarefa fácil. Lais Alfieri é produtora audiovisual, e esteve n’O Conde desde o começo da produtora. Ela fazia de tudo: entrava em contato com os MCs, tirava fotos, maquiava, roteirizava clipes musicais, dirigia e editava os vídeos. Fazia de tudo, tudo de graça. “Do mesmo jeito que os MCs queriam fazer sucesso nesse mundo, a gente queria fazer sucesso nesse mundo”, conta. Lais estava estudando para o vestibular na época em que trabalhava produzindo e fotografando os shows de madrugada: “depois eu sentava em um banquinho, num lugarzinho fechado, e ficava estudando a apostila do cursinho.”

Otacilio Júnior, presidente d’O Conde, conta que, de todo esse trabalho, a prioridade é melhorar a questão lírica. Como nasceu nas ruas, o funk fala

Para isso acontecer, as letras precisam mudar.

Mas, para um artista mudar, suas composições, suas inspirações precisam mudar. “Não existe funk que fale sobre ecologia, por exemplo. A poluição visual, sonora e ambiental, com falta de esgoto, é tão natural na vida deles, que não vão dar espaço para uma expressão cultural falando disso. Agora, tendo um contato com um carro importado, eles sentem falta, e o desejo que entra pelos olhos sai pela caneta.” O funk não está apenas no Rio de Janeiro, assim como as periferias também não estão. Em Curitiba, bairros com pouca assistência servem como palco para que a realidade ganhe melodia. Para o funk melhorar, as comunidades precisam melhorar. Trata-se de uma questão social, como sempre foi entoada, mas agora, finalmente, está sendo escutada.

MC Guimê, em ensaio divulgado pela ONErpm. MC Duh CWB.

70 revistacdm | cultura


Já acessou a playlist da matéria?

Agora tenta encontrar seis das canções no caça palavras:

L R E D C S I V E R O Y P A S S E I D E N A V E L B N B S I H A S C E M T I M E W E D T E P I M S O U V I T O R I O S O S L A N C A R O C O H W H A O I M M N E O L M F A N I T C R M N U P U H I R R U E C R T U A T I T C H A M A E L A R W E Y I T E R R E M O T O H N I T A A S G L T Y N C

editoria cultura | revistacdm

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