A Sirene - Ed. 50 (Junho/2020)

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APARASIRENE NÃO ESQUECER

Junho de 2020 Mariana - MG

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Foto: Sérgio Papagaio

Queremos colocar aqui a nossa preocupação com a nossa comunidade. Estamos passando por um momento muito crítico, porque temos o primeiro caso suspeito aqui, uma jovem de 15 anos de idade. Nosso povo está tendo que sair pra comprar o alimento. Terré Pataxó, morador da comunidade indígena Nahô Xohã, Brumadinho-MG

Nós estamos aqui jogados, mesmo. Porque mataram nosso rio. A Vale tirou o nosso rio, tirou o nosso sustento também. Como vamos caçar pra nos alimentar? Como vamos pescar? Como a gente vai comer um peixe? Não tem como. Sucupira, morador da comunidade indígena Nahô Xohã, Brumadinho-MG

Trancados dentro de nós. Regência é um distrito de Linhares, no Espírito Santo. A região, conhecida pelas ondas, recebia diversos turistas antes da chegada do rejeito de minério da Samarco/Vale/BHP Billiton, que percorreu o leito do rio Doce desde Bento Rodrigues até o município, atingindo o mar. Por isso, há mais de quatro anos, os(as) moradores(as), pescadores(as), comerciantes e surfistas de Regência tiveram de se adaptar à falta de recursos e, até mesmo, no caso dos surfistas, de local de trabalho. Se, antes, o surf era praticado na foz, local atingido pelo rejeito, hoje, os espaços da prática do esporte estão fechados por determinação do Governo Federal, por causa da pandemia. A comunidade local vive com a angústia das decisões da Renova, que segue violando direitos, e a sensação de que, de alguma forma, estão sendo atingidos(as) mais uma vez durante a pandemia. Por Fabrício Fiorot, Francelino Neto e Luciana Souza de Oliveira Com o apoio de Júlia Militão, Sérgio Papagaio e Wigde Arcangelo

Dentro da Vila de Regência, a gente se conhece, a gente se abraça, a gente se toca, a gente se visita, os portões estão sempre abertos… E, do nada, a gente começou a se trancar dentro de casa. Nós começamos a nos trancar dentro de nós mesmos. Devido ao isolamento, a Renova se ausentou totalmente dos territórios. As Câmaras Técnicas, em que nós, atingidos, tínhamos um espaço aberto, o espaço de voz, não de voto, ficaram restritas a videoconferências e nem sempre nós, da Foz, temos um sinal bom de internet. O fechamento do cadastro, por exemplo, que, para nós, pelo menos para a Comissão de Regência, nós somos contrários, está indo “de vento em popa”, porque temos a orientação de não nos reunirmos e tudo isso está avançando. As tratativas sobre o fechamento do cadastro, a questão da água, os projetos estruturantes, o próprio edital do rio Doce, por exemplo, que iria começar agora no segundo semestre, também está postergado. Tem uma comissão que está indo no território formando uma nova comissão de atingidos, registrando essa comissão em cartório e mandando pro juiz, porque esses atingidos são a favor do fechamento do cadastro, então, os atingidos que são contra estão sendo colocados de lado. O fechamento do cadastro é uma fala das mineradoras. Luciana Souza de Oliveira, moradora de Regência-ES e membro da Comissão dos Atingidos de Regência e Entre Rios Desde que essa pandemia surgiu, não tem tido condição boa para o surf da nossa região. Um problema grave que a gente tá enfrentando nessa atual conjuntura, que é um legado da Samarco, é o seguinte: o

número de surfistas que a gente tem na nossa vila é restrito. A gente consegue fazer a prática do esporte sem aglomeração, sem que leve risco a outras pessoas, só que, hoje, a nossa praia se encontra fechada. Um dos melhores acessos para a prática do esporte é dentro da Reserva Biológica de Comboios, gerida pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), e existe uma determinação do Governo Federal para restringir acesso a qualquer coisa que seja federal. Grande problema que a gente herdou da Samarco, porque, a vida inteira, a gente pegou onda na foz do rio Doce e, desde que essa lama chegou, a gente tem utilizado esses acessos lá do ICMBio. Toda esse problema agrava a situação de muitos surfistas da vila que não tiveram nenhum reconhecimento da Fundação Renova e que, consequentemente, estão passando dificuldade. Em tempos de pandemia, o cara não tem condições de acesso ao auxílio e também não consegue fazer os “bicos”. Então, para a categoria do surf, está sendo uma grande dificuldade, desde a chegada da lama, pela falta de reconhecimento, pela falta de informação sobre a qualidade da água, sobre a falta de informação do impacto da nossa saúde. Francelino Neto, morador de Regência-ES O problema é que aqui já tinha poucos turistas. Com a pandemia, não vem mais nenhum. Antes, era o problema da contaminação da água [devido ao rompimento da barragem] e, agora, tem também o problema do vírus. Eu tenho pousada, tenho que manter meu negócio fechado durante a pandemia. Fabrício Fiorot, morador de Regência-ES


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