UM COSMOS NA CASCA DE UMA NOZ ROGÉRIO ROCHA Quantos livros morreram no prelo? Quantos poetas morrem inéditos? Quantas obras sequer encontraram as retinas dos leitores? Trata-se de uma realidade que se tem manifestado durante toda a história da literatura, para não dizer da própria história da arte. Hoje escrevo a partir da ausência do homem a quem este pequeno texto – que tem caráter de mera apresentação – busca alcançar. Falo da figura de Manoel Serrão da Silveira Lacerda, nascido em São Luís (MA), advogado e professor de direito, descendente de espanhóis e portugueses judeus, que partiu do plano terrestre em 26 de dezembro de 2019 sem deixar sequer um livro publicado. É importante frisar, incialmente, um esforço hoje em curso para não o condenar ao solo frio do ineditismo – que, nesse caso, equivaleria não ao puro esquecimento, mas ao estado de eterno desconhecimento do poeta pelo público de hoje e talvez de amanhã. Tal iniciativa vem sendo levada a cabo pelos mais íntimos amigos, dentre os quais cito dois, para fazer-lhes justiça: os escritores João Batista do Lago (por meio de quem pude conhecer a obra de Serrão) e Mhario Lincoln (grande divulgador da cultura brasileira e maranhense). Neles deposito a esperança de ver realizado um sonho do falecido escritor: o da publicação de sua obra. Ainda que póstuma, merece publicação. Manoel Serrão é um poeta não lido, por isso não conhecido. Digo é (e não foi) pelas razões conexas às respostas que poderíamos oferecer aos questionamentos que fiz logo no primeiro parágrafo. Poeta Serrão. Não o pude conhecer, é verdade. Chegaram a mim, contudo, seus poemas, apresentados que me foram por um amigo do homenageado, o já citado poeta João Batista do Lago, que os tem disseminado em vários sites de literatura na rede mundial de computadores. Alguém que reconheceu nos versos daquele ser humano a força abrangente de um autor que, no recolhimento de sua timidez, praticou muito boa poesia, como a que encontramos na belíssima “Ses’sen’ta”: Ó qu'eu por amor à ti vida, não fiz! / Se por ti me fiz o sono leve, o sonho, e o pesadelo/ a luz e a sombra./ Se me fiz pouco a pouco a paz e a escuridão/ sem medo da noite;/ Se me fiz o Sol, o céu preclaro, o sal, o cio, dias rútilos/ –, sementes;/ plantei-me em ipês de floradas amarelas./ Se me fiz o modular do bem-ti-vi cantador,/ e o revoar do colibri beija-flor. Serrão, que foi um escritor prolífico, estruturava suas criações dentro de um vasto repertório de signos, com riqueza vocabular e uma gramática de extensas raízes, fazendo excelente uso dos recursos estilísticos disponíveis a sua lírica, geralmente concretizada em versos longos, quais os que temos no poema “D’osgemeos”, reproduzido abaixo em excerto: Ó tu imortal que ao sal das vagas emerge das entranhas líquidas,/ que desaba em fúria severa sobre o tombadilho,/ e quão um punho em brasais, esbatia-se contra o rochedo do "Náutilos"/: arremessa-o contra o tempo pelo eterno;/ desafia-o num só gesto à morte;/ e, atormenta-o nos interiores pelos seus contrários o mundo ao redor. Manoel soube, contudo, expressar-se também em poemas curtos, como em “Água benta”: Dessedenta/ A língua/ E o céu da boca!/ Cospe o velho/ Saliva o novo. Ou em “Delirium”: Distorce-me/ O real pelo avesso.../ Ó delusão? Mentir para o/ Meu ‘eu’ não!/ Nunca fui (ao) mundo oposto. Com versos livres ou rimados, com métrica ou não, através de aforismas, pensamentos, prosa poética e, às vezes, filosófica, apresentava, em seu temário, assuntos como a relação do homem com o Divino, a religião, o misticismo, a existência, os sonhos, o amor, a morte e a psique. É possível notar também conteúdo e formas absorvidas de autores da antiguidade ocidental, como Homero e Horácio, por exemplo. Percebi, contudo, logo ao primeiro contato com a poesia do desconhecido maranhense, influências de Rimbaud, William Blake e Sousândrade. Posteriormente, em exercícios mais ousados, também presentes na