MARANHAY - Revista Lazeirenta - 62 - JUNHO 2021

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RAPAZ, OBRA RARA COM GOSTO DE SEMENTE E SÊMEN LEILA MICCOLÍS20

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O livro RAPAZ, de Mariano Cassas, é obra rara, porque a poesia de cunho homossexual em nossa literatura é muito esparsa e apresenta-se, em geral, com pouca técnica. O tema, até hoje, infelizmente, é explosivo demais para que seus autores preocupem-se com a literariedade, o que faz com que as composições deste tipo, muitas vezes, tenham coragem, mas lhes faltem propriedades literárias maiores. Realmente não é fácil escrever abertamente sobre comportamento, pensando em metáforas, metonímias, ritmos, elipses, alegorias e tropos. Por isso mesmo, disse que o livro de Mariano Cassas é raro, pois consegue aliar ousadia, estilo, clareza, mas propriedades literárias também. Lembra-me António Botto22, o poeta decadentista português que morreu atropelado no Brasil, no começo do século passado. Não que Mariano Cassas necessite de lastros culturais estrangeiros para ser valorizado, de modo algum. Porém considero Botto um dos poucos poetas (inclusive, ao que consta, foi o primeiro de língua portuguesa) que conseguiu esta destreza: transmitir, através de sua poesia homoerótica, o testemunho da hipocrisia, da indiferença, da falta de solidariedade de uma sociedade pretensamente “aberta” à diversidade, porém ainda altamente preconceituosa, quando se trata de conviver com a diferença na prática. Não é apenas uma lírica impactante, é uma lírica que protesta contra o farisaísmo cotidiano, de forma veemente. Indaga Botto, no Poema 2 de Toda Vida: [...] “Moral! Que vem a ser isso / Que se dá sem se pedir? / Homens!, cantai a verdade, / Bem alto, para se ouvir!”. Pergunta Mariano Cassas em E se fosse HIV?: “Onde todos vocês estiveram / quando deveriam estar aqui? / Eu continuo vivo – assim seja – / sem homem comida e cerveja”. Repito que não tenho a menor intenção de traçar, entre os dois, um paralelismo que respalde a poesia de Mariano Cassas – ele não precisa disso. No entanto, a menção ao poeta português serve para percebermos que, lamentavelmente, pouco ou nada mudou em matéria de pseudomoralismos repressivos, e que, principalmente em tempos de AIDS, os riscos da vida são tidos como desnecessários, fazendo com que o sexo vá ficando cada vez mais virtual e robotizado. RAPAZ nos alerta sobre isto, expondo sua nudez exuberante e despudorada, através de um lirismo muitas vezes agressivo, porém, ao mesmo tempo, de uma beleza transparente e contagiante: “Sim / estarei sempre aprendendo / a me entregar”. Tomara que sigamos estes versos, diariamente, e cultivemos este precioso plantio amoroso: nos entregarmos à vida, às experiências e à poesia, sempre com renovada vontade de aprendermos com elas.

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Leila Míccolis (Rio de Janeiro, 1947) é uma poeta, ensaísta, romancista, contista, roteirista de cinema e televisão, dramaturga e editora brasileira.[1] Estreia na poesia em 1965 com o livro Gaveta da Solidão, e foi publicada na antologia 26 poetas hoje, em 1975, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. Wikipédia Morre o controvertido poeta maranhense Mariano Cassas (imirante.com) António Botto – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)


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