CÂNTICOS VISCERAIS – O terceiro livro de João Batista do Lago LENINHA BARROS TACON CÂNTICOS VISCERAIS é o terceiro livro de João Batista do Lago que, acertadamente, em suas próprias palavras o define como seu "ponto ideal". Não se trata de mais um livro de poesias; são poesias de um novo espírito poético, poesias que se esteiam na polêmica da razão…ou das razões. São arguições profundas que se ultrapassam num devir poético. Simpatizante das concepções bachelardianas, João Batista sente ser necessário adentrar os caminhos de uma poética que recorde à razão sua função agressiva, turbulenta em que se multiplicam as "ocasiões de pensar". Esta razão necessariamente há de ser polêmica, há de provocar, de desancorar do local onde naufragou – este, já agora, inútil destroço. Há uma tensão dinâmica, fluida e não uma cisão entre a poética de João e seu pensar racional sobre o real. Para além de uma inserção advém uma complementariedade, há um poeta no racional extraindo insights, compreensões retiradas a fórceps, dores "viscerais" por trás da persona alegre… Trata-se aqui de uma construção que desfragmenta, fractaliza e se recria a partir de blocos de uma linguagem assimétrica : a obra? Estética harmoniosa, cromática ferina de palavras-sílex, suaves e fertilizadas flores beijadas por beija-flores… A crise inserta na Pós-Modernidade (leia-se aqui a ruptura da legitimidade das meta-narrativas) gerou um mal-estar na confiabilidade, na credibilidade dos grandes discursos. João não consegue esconder esse malestar e, para além disso, revela-o pela – metaforicamente – face mareada, pré-emética, deixando-se ver sinal e sintoma. A dor em João é-lhe tão "visceral", que por vezes beira a impotência de um moribundo. Quais as dores que o exasperam? São as dores do (des)conhecimento e mesmo do conhecimento, as dores da inconformação frente às ideologias que espalham subserviência e misérias, as dores que se mimetizam em prazeres, que se escondem por trás das máscaras assépticas, as dores da inocência perdida, do abuso criminoso da inocência de si; as dores de abortos covardes das utopias felizes; de caminhar solitário num mar de dores anestesiadas. Com uma pitada de Bachelard, diria que João vê o estrume, mas também vê a flor! E de ambos aspira-lhes a essência do perfume…mesmo que fatal. Aspira convicto, consciente do mal que pode evolar da flor ou do bem que pode estar mimetizado no estrume. Porque o João se debruça sobre ambos – independente, objetivo e total no seu conhecer, na sua contemplação. E, por isso, apreende no instante…e retifica a apreensão – dolorido – no próximo apreender… A apreensão causa dor. A noção de dor em João, como já foi dito, é dilacerante: do fundo de suas entranhas, no estranho ventre algo chegou a termo! O concepto, pronto para vir à luz, tem de rasgar-lhe por dentro e não é possível adiar…Há dor no concepto e no parturiente. O pós-parto exige recuperação; o recém nato, adaptação. É João a sentir a ferida de si a doer, a dor dos feridos todos, a dor de ser e de existir consciente, a dor da inconsciência no outro de que lhe crescem feridas… or que o "visceral"? Porque a dura palavra coaduna-se com o real; é-lhe velha irmã conhecida, companheira do dia-a-dia. Porque a estética virtuosa já carece de sentido, já não mais perturba a desvirtuose em que estamos imersos, já não é mais capaz de perfumar o que se apresenta pútrido na ausência de virtude das cidades, dos países, dos escravos felizes de senhores vis.