ENTRE EPIDEMIA E IMIGRAÇÃO: um viés de investigação da história da população no Grão-Pará (1748-1778)
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Ao considerar o quadro de dependência em relação ao lavor indígena, à disputa pelo controle da exploração desses braços e à alta mortalidade causada pelo contágio, Francisco Gurjão buscou ter audiência com religiosos e moradores de Belém: “ouvi dos Religiosos os lamentáveis efeitos da epidemia, q havia devorado grande parte dos índios das Aldeyas e quase todos os escravos de todas as fazendas dos Monocaes”. Dos moradores, também ouviu lamentações: Hera mayor o clamor dos moradores [grifo nosso], porque dos escravos q possuião ficarão tão exaustos os que tinhão muitos, como os q se servião com poucos; porque algumas fazendas populozas / como eu [Gurjão] testemunhei no Rio Guamá por onde passey recolhendo-me à Cidade / ficarão quaze despovoada, e mesmo sucedeu nas cazas desta Cidade ...76
A narrativa criava a imagem da epidemia com repercussões que alcançavam diferentes grupos e interesses. Seu texto agregava declarações de um administrador local, de religiosos e de moradores. Mas, embora vários interesses e declarações fossem citados, ao longo da composição de outros documentos o governador pontuaria grupos que se beneficiariam da epidemia e outros que necessitavam do auxílio real.
I.III Vítimas e real auxílio A produção discursiva da epidemia nos coloca a possibilidade de problematizarmos pontualmente a relação de poder entre metrópole e América lusitana. No início dos anos 2000, ganhou força na historiografia a ideia de um Sistema Corporativo marcado por decisões jurídicas pautadas em sensibilidades locais, que muitas vezes poderiam se distanciar do que era praticado no reino.77 Essa percepção da esfera jurídica fomentou análises de historiadores que tendiam a ressaltar a fragilidade da presença da Coroa no domínio de sua “periferia”. Como também valorizava trajetórias de enriquecimento e políticas que passavam ao largo do centro do Império, naquilo que se chamou
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AHUPR, Capitania do Grão-Pará, 26 de abril de 1749, cx. 31, doc. 2910.
HESPANHA, Antonio Manuel. Depois do Levianthan. Almanack braziliense, n. 05, p. 5566, 2007. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11658. Acesso em: 01 jul. 2019.