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ENTRE EPIDEMIA E IMIGRAÇÃO: um viés de investigação da história da população no Grão-Pará (1748-1778)
nos jogos de poder na capitania. Francisco Gurjão, no que foi seguido pelos vereadores, se esforçava em destacar que os problemas causados pela doença poderiam atravessar o Atlântico e ancorar na sede administrativa do Império: Desta futura decadência a q este Povo fica sujeito resultará as Rendas de V. Magestade hua tal diminuição, que nesta Provedoria não haverá com q suprir aos pagamentos ordinários a q está aplicado o Rendimento dos Dízimos, q costumão sair da colheyta; que fazem os moradores [...] e como muy importante aos Reais Dominios de V. Magestade nesta America o manter estas capitanias com os prezidios necessários, e abundancia de moradores, q formão os Corpos Auxiliares para deffença da Marinha por ser este Estado confinante com Colonias de potencias estrangeyras [...] 109
O trecho citado enfatizava as ameaças da epidemia contra a Coroa. Podemos destacar ainda o tempo verbal utilizado por Francisco Gurjão ao designar tais ameaças, o futuro: “resultará”, “não haverá” ou mesmo na expressão “desta futura decadência”. Ou seja, ainda era possível que o rei tomasse providências e “socorrer com seo poderoso brasso a este aflitíssimo Povo...”.110 As fronteiras da Amazônia lusitana e a queda econômica da região estavam ameaçadas pela pestilência, no entanto, ainda passiveis de salvação. Explicitamente, a relação de dependência entre o rei e seus súditos era reforçada, cabia ao monarca promover o auxílio para aqueles que na prática lhe garantiriam a posse do território e o fomento da fazenda real.
I.IV Natureza e povoamento A “retórica da epidemia” atrelava o surto à preocupação com o despovoamento da região, incluindo a cidade de Belém: “[as casas desta cidade] aonde as mais bem livradas, apenas ficarão só com os Senhores dellas, tratando dos poucos enfermos q lhe restavão, e depois de enterrarem a dez, vinte e mais escravos de q se servião”.111 O discurso reverberava no próprio Conselho Ultramarino em Lisboa. Por exemplo, o conselheiro Fernando José Marques Bacalhau, em maio de 1750, ao tratar dos danos causados pela epidemia, afirmou: “Todos 109 AHUPR, Capitania do Grão-Pará, 26 de abril de 1749, cx. 31, doc. 2910. 110 Ibidem. 111 Ibidem.