A epidemia: sintomas, cidade e mortos
Considerando as dimensões sociais associadas à mulher, essa mortalidade poderia redimensionar a vida de muitas esposas, que possivelmente passariam a chefiar seus domicílios. Foi o caso de Dona Antonia que perdeu o esposo e mais seis escravos, de Inácia de Souza cujo marido e mais dois escravos morreram e Dona Camila de Gusmão que perdeu o marido e mais 28 escravos. Esposas transformadas em viúvas pela epidemia e que tiveram a reorganização do domicílio como desafio.200 Apesar da interferência da epidemia na oferta de mão de obra, na desarticulação da produção de muitas fazendas, no redimensionamento das relações de algumas famílias e no emergir de domicílios chefiados por mulheres, não podemos negligenciar sua dimensão demográfica. Perguntas sobre quantas pessoas morreram vitimadas pela epidemia, quais os perfis dos mortos e a sazonalidade da mortalidade podem auxiliar a compreensão do impacto populacional da doença.
II.III A epidemia como fenômeno demográfico Os desdobramentos da epidemia estão associados a um importante indicador demográfico: a mortalidade, e tem efeitos sobre a evolução social e econômica de uma região.201 Ao mesmo tempo, a demografia histórica vem destacando os impactos de epidemias na composição da dinâmica populacional – principalmente quando articulada a períodos de fome. Corroboramos a ideia de que as análises não devem se resumir ao total absoluto de mortos, e sim à compreensão dos segmentos (etnia, sexo, idade, ofício...) mais atingidos pela doença.202 Também se deve considerar que, embora a epidemia tenha uma duração relativamente curta, seus efeitos no índice de crescimento de uma população podem ser mais duradouros.203
200 AHUPR, Capitania do Grão-Pará, 16 de maio de 1750, cx.31, doc. 2976.
201 CANCHO, Miguel Rodriguez. La villa de Cáceres en el siglo XVIII (Demografia y sociedad). Cáceres: Universidad de Extremadura, 1981, p. 24.
202 FERRO, João Pedro. A População Portuguesa no Final do Antigo Regime (1750-1815). Lisboa: Editorial Presença, 1995, p. 69-71.
203 WRIGLEY, Edward; SHOFIELD, Roger. The Population History of England 1541-1871. London: Edward Arnold, 1981, p. 413. GLASS, David Victor; EVERSLEY, Edward Charles. Population in History: essays in Historical Demography. London: Edward Arnold, 1965, p. 52-55.
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