Revista Dasartes 128

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Capa: , Bananas, 2020. Foto: © Emmanuel Nassar.
10 VITOR MAZON NAN GOLDIN 48 CINTHIA MARCELLE 6 8 26 Agenda De Arte a Z 66 JUDITH LAUAND EMANUEL NASSAR 84 10 Livros

AGENDA,

Museu da República apresenta exposição individual da artista carioca Gabriela Noujaim com curadoria de Sissa Aneleh. A exposição no Rio de Janeiro é um desdobramento da primeira exposição individual da artista que aconteceu no Museu Nacional da República em Brasília, no ano de 2021, em parceria com o Museu das Mulheres (Museu DAS). Na mostra que ocupará o primeiro andar do museu, será apresentado um conjunto de 16 trabalhos, sendo 4 inéditos, entre eles a instalação e a , além de duas performances.

"Serigrafia é minha técnica, eu sou formada em Gravura pela UFRJ.A impressão desses rostos que eu faço no tecido vermelho, aparecem e desaparecem conforme o espectador se movimenta diante delas. É uma técnica que eu uso muito, assim como no livro conta a artista.

GABRIELA

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NOUJAIM: RESISTÊNCIA LATINAMÉRICA • MUSEU DA REPÚBLICA • RIO DE JANEIRO
DE 4/3 A 4/5/2023

Todos os ingressos para ver a retrospectiva de Johannes Vermeer do Rijksmuseum já se esgotaram, disse a instituição de Amsterdã frustrando as esperanças de muitos que esperavam ver a tão aguardada mostra. “No momento não há mais ingressos disponíveis para Vermeer”, disse o Rijksmuseum, apenas dois dias após a abertura da mostra. “Para garantir que o público possa ter uma visita agradável à exposição, o número de ingressos disponíveis é limitado.”

RESIDÊNCIA • Os onze artistas selecionados para o Programa de Residência2023daUsinaLuisMaluf(ULM) têm seus trabalhos expostos. Obras de Antonio Tebyriçá, Charlene Bicalho, João PauloRacy,KarolaBraga,LeandraEspírito Santo, Licida Vidal, Mariana Fogaça, Rainha F., Sofia Lotti, Taygoara Schiavinoto e Vitor Mazon ocupam o espaço criativo da Barra Funda, em São Paulo. De 16/2 a 15/3/2023.

: chega a São Paulo e celebra os mais de 25 anos de um dos mais aclamados estúdios de animação do mundo. Esta experiência oferece uma oportunidade única de conhecer os processos criativos por trás de algumas das produções mais queridasdaDreamWorksAnimation,como Shrek,Madagáscar,Trollsemuitosoutros. Espaço DOM Cultural (Shopping Cidade São Paulo). A partir de 20/5/2023.

de arte AZ

NOVOS ESPAÇOS • A SP-Arte ganhará,um espaço permanente para realização de eventos ligados à arte contemporânea e exposições em São Paulo. Uma exposição de Hélio Oiticica abrirá a programação. Entre as obras selecionadas, o primeiro construído pelo artista em 1961, como homenagem à Mario Pedrosa no seu exercício experimental de liberdade. Casa SP-Arte, Jardins, São Paulo. A partir de 18 de março.

GIRONACENA • Japan House São Paulo apresenta a exposição no Pavilhão Japonês, no Parque Ibirapuera. Por meio de fotos e textos, a ação relembraráas39exposiçõesquepassaram pela instituição nipônica ao longo desses seis anos, assim como outras atividades que narraram a cultura japonesa envolvendo diferentes perspectivas artísticas, tecnológicas, educacionais, gastronômicas, entre outras. De 2/3 a 23/4/2023.

• DISSE O COMERCIANTE e vice-presidente de uma associação de moradores em Barcelona, Francesc Pla. A declaração veio depois da Basílica da Sagrada Família anunciar a finalização das obras finais até 2026, mas que dependia da demolição de residências próximas.

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Nesta obra, a artista constrói uma narrativa em que alterna fotos e textos com nuances abstratas e até mesmo surrealistas, para nos levar a reflexões sobre o processo de envelhecimento e a passagem do tempo. O livro é composto por imagens que são apenas faladas, sugeridas através do texto, e por imagens que, quando são mostradas como fotografia, são apenas rastros, vestígios.

CECILIA URIOSTE: O JARDIM SECRETO DOS SONHOS

é um manual com táticas de guerrilha destinado a artistas mulheres que desejam ingressar no sistema da arte. Do prático e técnico ao conceitual e subjetivo, seus textos discutem questões essenciais do nosso tempo –como o combate ao racismo, às desigualdades, à violência de gênero e à LGBTQIAP+fobia – sob uma perspectiva decolonial, e apresentam ideias e meios para que jovens artistas possam se inserir no mercado e em espaços institucionais de arte.

HACKEANDO O PODER: TÁTICAS DE GUERRILHA

PARA ARTISTAS DO SUL GLOBAL • Editora Cobogó • 240 páginas • R$ 70,00

Nestes ensaios clássicos baseados na série televisiva , exibida em 1972, John Berger revoluciona a crítica de arte ao apontar as estruturas de poder presentes no processo de criação de imagens. Hoje, cinquenta anos após a escrita deste livro, ainda é preciso reforçar que uma imagem é a recriação ou a reprodução de uma visão. A leitura de Berger, essencial em tempos de propagandas por toda parte, se faz mais urgente do que nunca.

MODOS DE VER • Aut. John Berger • Fósforo Editora • 192 páginas • R$ 84,90 • R$ 59,90 (Ebook)

PERDIDOS • Editora Lovely House • 72 páginas • R$ 120
LIVros,

VITOR mazon

GARIMPO

VITOR mazon,

VENCEDOR DO PRÊMIO GARIMPO DASARTES 2023 PELO VOTO POPULAR, O ARTISTA VICTOR MAZON PRODUZ FOTOGRAFIAS DE PAISAGEM QUE SE APROPRIAM DE ELEMENTOS DESCARTADOS DA MARCENARIA COMO FORMA DE FUNDIR EM UMA ÚNICA PEÇA TEMPOS DISTANTES DA EXISTÊNCIA DOS ELEMENTOS

POR LEANDRO FAZOLLA

Em 2020, durante a pandemia de COVID-19, Vitor Mazon recolheu algumas sobras de madeira da marcenaria de seu pai. Agrupou os pedaços em frente a uma parede e fotografou a imagem. A foto foi selecionada para o Festival de Paranapiacaba. Mais do que a reunião de formas abstratas, da maneira como foi agrupada e registrada pelas lentes do artista, a composição ganhou outros contornos e se assemelha aos prédios de uma cidade grande.

Aquele foi o início da carreira artística de Vitor Mazon, escolhido pelo voto popular no Prêmio Dasartes 2023. Os poucos anos de carreira, no entanto, não impedem que o artista crie uma trajetória sólida, tendo participado de diversas exposições coletivas desde então, e também feito sua primeira individual, , na Zipper Galeria, mostra com curadoria de Eder Chiodetto pelo programa Zip’Up, projeto experimental voltado para receber novos artistas, nomes emergentes não representados por galerias paulistanas.

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Sem título, 2022. Série Sarrafos. Foto: © Vitor Mazon.
Sem
título, 2022. Série Sarrafos. Foto: © Vitor Mazon.

Tendo cursado Jornalismo, foi durante a faculdade que Mazon se encantou pela fotografia e passou a trabalhar com projetos autorais e outros mais comerciais. Filho e neto de marceneiros, o artista nunca tinha pensado em seguir os passos de seus antecessores, até que, durante o período mais restritivo da pandemia de COVID-19, começou a explorar as possibilidades da marcenaria enquanto ofício, trabalhando com o pai.

A partir do momento em que a marcenaria começou a entrar enfaticamente na sua trajetória profissional, não demorou para que seus materiais invadissem também sua produção fotográfica. A partir de então, novas possibilidades de entendimento de sua matéria principal, a madeira, se abriram. Outros elementos do ofício, como lixas e ferramentas, também começaram a aparecer na produção de Mazon, como mostram as obras de sua exposição

individual: xilogravuras, desenhos, esculturas e diversas outras linguagens artísticas passaram a ter lugar em sua produção, tendo sempre o interesse pela paisagem como força motriz.

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Sem título, 2022. Série Sarrafos. Foto: © Vitor Mazon. Sem título, 2022. Série Ensaio de Uma Foto Só. Foto: © Vitor Mazon.

Nas obras que o artista compõe, há um trabalho artesanal que inclui a escolha do objeto principal da obra, a interferência provocada na imagem capturada e, ainda, as relações tridimensionais que ela pode agregar, seja pela inserção de elementos reais sobre as fotografias impressas, seja na forma como suas molduras rompem o modelo tradicional e criam novas relações não apenas com as imagens, mas, também, com o próprio espaço.

Para Mazon, a madeira é símbolo, forma e conceito, e surge de diversas formas: desde seu estágio inicial, na forma de árvore na natureza, um dos motivos principais em seus registros, passando pela madeira “domesticada pelo homem”, como ele mesmo diz, até a madeira que sobra desse processo em forma de serragem. Quando analisada em conjunto, a produção do artista sugere uma espécie de ciclo da passagem do tempo, algo que se torna ainda mais forte e simbólico se considerarmos que a madeira é também o elemento que mantém uma ligação estreita entre ele mesmo, o pai e o avô, três gerações marcadas pelo mesmo ofício. Seu avô passou a maior parte da vida adulta trabalhando como marceneiro; o pai cresceu na marcenaria e seguiu o ofício; e ele, descobriu depois de adulto novas possibilidades para aquele ofício que sempre marcou sua trajetória, desde que era uma criança e brincava de afixar pregos em um banco de madeira enquanto via pai e avô trabalharem.

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Sem título, 2022. Série Ensaio de Uma Foto Só. Foto: © Vitor Mazon.
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Paisagens Ásperas, 2021/2022.

Foto: © Vitor Mazon.

Sem título, 2022. Série Sarrafos. Foto: © Vitor Mazon.

Assim como as molduras, que ele mesmo cria e acompanham algumas de suas obras, subvertem seu uso tradicional utilitário, expandindo-se para além das geometrias comuns e fazendo elas mesmas parte intrínseca das obras, Mazon também subverte o utilitarismo relacionado ao ofício que marca a família, e expande essa madeira para outros caminhos que talvez nem o pai e nem o avô poderiam imaginar que ela poderia seguir. De forma poética, o artista permanece ligado ao ofício da família, não repetindo modelos préestabelecidos, mas encontrando, em seu gesto artístico, novas possibilidades. Neste mês de fevereiro, a partir do dia 15, o trabalho do artista poderá ser visto na exposição da residência da Galeria Luís Maluf.

RESIDÊNCIA ARTÍSTICA • USINA LUIS MALUF • SÃO PAULO • 15/2/2022 A 15/3/2023
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Leandro Fazolla é ator, historiador e crítico de arte. Doutorando em Artes Cênicas. Mestre em Arte e Cultura Contemporânea, na linha de pesquisa de História, Teoria e Crítica de Arte. Diretor Geral do Instituto Cultural Cerne.

NAN GOLDIN,

Heart-shaped bruise, New York City, 1980. Ur diabildspelet The Ballad of Sexual Dependency, 1981–2022 © Nan Goldin.

PELO mundo

AO VIRAR SUAS LENTES PARA A VIDA INTIMA NAS MARGENS DA SOCIEDADE, NAN GOLDIN SE TORNOU UMA DAS ARTISTAS MAIS COMENTADAS E CONTROVERSAS DAS ÚLTIMAS DÉCADAS. SUA NOVA EXPOSIÇÃO UNE SUA ARTE AO SOM E MÚSICA, CONTANDO HISTÓRIAS DE AMOR, VÍCIO E PERDA

POR DRIKA DE OLIVEIRA

O Museu de Arte Moderna de Estocolmo (Moderna Museet) apresenta a exposição

A mostra é um recorte bastante peculiar da obra de Nan Goldin, já que é a primeira vez que as fotografias da artista são apresentadas somente por meio de projeções. São seis obras de Goldin dispostas em seis espaços diferentes, criados especialmente para esta mostra. A grande sala escura que reúne todos esses seis espaços forma uma espécie de vilarejo de obras de arte, uma comunidade de histórias e imagens imaginada pela própria artista.

A ideia da exposição começou quando o curador Fredrik Liew se deu conta de que ainda não se tinha feito uma mostra só com trabalhos audiovisuais de Goldin, formados principalmente por . Quando a contactou, explicando que gostaria de apresentá-la como realizadora audiovisual e contadora de histórias, a artista aceitou de imediato. Ela logo indicou a arquiteta Hala Wardé, para que se construísse uma espécie de “aldeia de obras”. Nessa aldeia, cada uma das seis peças tem sua própria casa. Todos os núcleos são revestidos de um tecido grosso preto e têm uma textura aveludada, que lembra uma cortina de teatro ou mesmo de cinema. Por dentro, cada uma tem estrutura e cor próprias.

Hug, New York City, 1980. Ur diabildspelet The Ballad of Sexual Dependency, 1981–2022

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The
© Nan Goldin.

A célebre (1981-2022), por exemplo, tem um vermelho, enquanto (2019-2021) tem uma cor azul intensa e (2019-2020), um alaranjado sóbrio. Quando o visitante entra em uma dessas casas, ele atravessa e é atravessado pela cor que o acolhe; só depois chega a uma sala escura, onde a obra está projetada. Em uma entrevista concedida ao Steidl Publishers, em 2022, Nan Goldin diz que sempre pensou em seus como sendo filmes feitos de . Ou seja, é como se cada espaço fosse de fato um pequeno cinema. Assim, ao adentrar as casas que compõem a exposição, o

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Fashion show at Second Tip, Toon, C, So and Yogo, Bangkok, 1992. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021 © Nan Goldin.

espectador acaba adentrando também em uma zona de intimidade: da artista, da obra, de si mesmo – o quarto escuro.

Nascida em 1953, em Washington, nos Estados Unidos, a artista se mudou para Boston ainda muito pequena. Aos 16 anos, foi introduzida à câmera fotográfica, que se tornou sua grande ferramenta de trabalho e de expressão. Sua primeira exibição solo, em 1973, em Boston, já trazia uma exploração muito próxima e direta da comunidade e LGBTQIA+ da cidade. O grande diferencial do trabalho da artista era sua intimidade com as pessoas e com o mundo que

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C as Madonna in the dressing room, Bangkok, 1992. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021 © Nan Goldin. Joey at the Love Ball, NYC, 1991. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021. © Nan Goldin.

fotografava. Algo que certamente afeta os instantes capturados, como em (1980) ou em (1999), mas também a forma de os capturar, com enquadramentos próximos, uso constante de e uma química específica na relação dos fotografados com a câmera – seja por não se incomodarem com sua presença, de tão íntimos, ou pela forma de olharem através da lente, para a amiga que os fotografava. Goldin de fato vivia no mundo que fotografava, e até por isso fazia também autorretratos singulares, como o violento (1984).

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Nan one month after being battered © Nan Goldin.

Muitas dessas fotos da fase inicial do trabalho de Nan Goldin estão nos (1981-2022) e (1992-2021), que continuam sendo retrabalhados constantemente pela artista desde o século passado. O primeiro dos dois, por exemplo, recebeu uma versão nova para a exposição no Moderna Museet. “ é o diário que eu deixo as pessoas lerem”, disse Goldin se referindo ao aspecto pessoal e autobiográfico da obra. Ali estão cenas eróticas, festivas e violentas da própria fotógrafa e de seus amigues, incluindo a brilhante (1983).

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Nan and Bryan in Bed, 1983 © Nan Goldin.

Amanda at the sauna, Hotel Savoy, Berlin, 1983. Ur diabildspelet The Ballad of Sexual Dependency, 1981–2022. © Nan Goldin

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Picnic on the Esplanade, Boston, 1973. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021. © Nan Goldin.

Em , a artista faz uma homenagem às amizades trans, celebrando uma euforia de gênero. Vemos ali um olhar amoroso e direto da fotógrafa-cineasta, um respeito profundo à potência de vida daquelas pessoas. É o que fica evidente, por exemplo, em (1973). Em Goldin, uma pessoa trans não traz consigo um corpo estranho ou exótico, traz simplesmente a coragem de viver da forma mais sincera. Por isso, esse trabalho marca um claro contraponto com certas fotos publicadas no livro-coletânea (1996), em que a artista acompanha o processo de morte da amiga Cookie Mueller, vítima da Aids. Assim, seja na festa da vida ou no luto da morte, o trabalho de Nan Goldin lida muito com a memória. Se ela segue até hoje atualizando seus com fotos antigas, é possível ler aí um esforço de não deixar que se perca a existência dos corpos que já não estão – seja porque morreram, ou porque simplesmente mudaram, caminharam no tempo e seguiram vivendo.

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Mas é também um trabalho que lida com a experiência subjetiva em si, mesmo quando a memória falha. É o caso de (2019-2021), outro filme que compõe a exposição. Mais recente, essa sequência de imagens tremidas, distantes, desfocadas ou desérticas já não têm quase nada da natureza intimista cultivada nas fotografias das outras obras. também usa material de arquivo da artista, mas o faz para representar o esquecimento, o precipício da adicção. O tremor dos riscos luminosos em tantas fotos remete à intensidade imediata da experiência da abstinência das drogas. O corpo e a mente são tomados por uma força devoradora que pausa o tempo. Não há mais o que lembrar; há a necessidade da substância, ou a possibilidade de uma rota de fuga. A falta de memória gera também perda de identidade, solidão. Já não são os amigos íntimos que são fotografados. É uma peça que a própria artista declarou ter sido muito difícil de fazer em uma entrevista à Marian Goodman Gallery.

” “ 42

My horse Roma, Valley of the Queens, Luxor, Egypt, 2003. Ur det digitala bildspelet Memory Lost 2019–2021. © Nan Goldin.

The crowd, Paternò, 2004. Ur det digitala bildspelet Memory Lost 2019–2021. © Nan Goldin.

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Elephant mask, Boston, 1985. © Nan Goldin. À direita: Jimmy Paulette and Misty, New York, 1991. © Nan Goldin. Gina at Bruce’s dinner party, NYC, 1991. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021. © Nan Goldin.

Greer in a babydoll dress, NYC, 1981. Ur diabildspelet The Other Side, 1992–2021. © Nan Goldin.

Seguindo nessa linha, o título da exposição (“Isto não vai acabar bem”) parece sugerir uma conotação negativa e catastrófica à mostra. Mas há nessa frase também um aspecto de desafio, ou cumplicidade na partilha de uma vivência com alguém; há um sorriso de canto de boca: a declaração implícita de um desejo, de um devir. Não por acaso, mesmo depois de , poderemos ver (2019-2020), que formula uma viagem através do torpor das drogas. Ou seja, o trabalho de Nan Goldin nos apresenta, acima de tudo, uma entrega às contingências da vida, aos encontros e desencontros que nos afetam e nos definem, que nos libertam.

Drika de Oliveira é chefe de coleções fílmicas na Cinemateca do MAM Rio, Diretora de Fotografia e Pesquisadora Audiovisual.

NAN GOLDIN: THIS WILL NOT END WELL • MODERNA MUSEET • SUÉCIA • 29/10/2022 A 26/2/2023 49

CINTHIA MARCELLE

ALTO relevo

MARCELLE

O conservador, 2005. © Cinthia Marcelle.

A MANEIRA COMO OS OBJETOS, AS IDEIAS E OS CONCEITOS SÃO ORDENADOS NO MUNDO, BEM COMO AS ESTRUTURAS DE PODER E AS HIERARQUIAS QUE SUSTENTAM ESSES SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO SÃO TEMAS CENTRAIS NA PRODUÇÃO DA ARTISTA CINTHIA MARCELLE

POR ISABELLA RJEILLE

, título da exposição de Cinthia Marcelle no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), parte de um trabalho da artista que consiste em desenhar um muro de tijolos com um rolo de fita crepe e uma folha de papel. Esse trabalho pode (ou não) ser acompanhado de outro, intitulado (2007-em processo). Em ambos, percebemos os gestos simples de interromper o comprimento da fita com um corte manual e cuidadosamente remontá-la no formato de um muro sobre uma folha. O que os distingue, para além de seus títulos, é a representação do muro: enquanto designa um muro intacto, (2007-em processo) o representa arruinado. Em ambos, a cor da fita que compõe o muro é da mesma cor do papel, tornando essa barreira opaca, mas não completamente invisível. Com o passar do tempo, a acidez da cola atribui à fita nuances de amarelo sobre o papel branco e revela a barreira.

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Foto: Isabella Matheus © Cinthia Marcelle.

O trabalho reúne e sintetiza uma série de assuntos que atravessam a prática de Cinthia Marcelle nas artes visuais e para além dela por isso foi escolhido como título desta exposição, a primeira mostra panorâmica dedicada à artista no Brasil. No entanto, para realizar uma panorâmica da produção de Marcelle, é preciso adotar uma metodologia não baseada na linearidade temporal de sua biografia. A produção da artista segue outra lógica. Pode ser organizada por materiais, operações, gestos, cores ou temas que se entrecruzam e ressurgem ao longo de sua trajetória. A expografia propõe um percurso circular por obras de diferentes períodos, muitas delas revistas e/ou reconfiguradas para essa mostra. Neste ensaio, buscarei navegá-lo, ampliando-o, por meio de uma leitura (também espiralar) de um conjunto de obras da artista, que toma como base três aspectos: os materiais, o tempo e a cor.

Por via das dúvidas, 2014. Foto: © Cinthia Marcelle.

MATERIAIS

O primeiro aspecto está na escolha dos materiais utilizados pela artista. Eles determinam temas e procedimentos, delineiam universos de interesse com os quais a artista irá trabalhar. Esses materiais, muitas vezes provenientes de ambientes escolares ou da construção civil, estão presentes em diversos trabalhos de Marcelle, como (2002), (2009), (2009), (2014), (2015) e (2018), e definem dois campos de interesse centrais em sua produção: a educação e o trabalho. As figuras do estudante e do trabalhador também aparecem com frequência em suas obras, sempre como protagonistas de ações e performances que partem de seus próprios ofícios, aproximando e desfazendo distinções entre o trabalho manual, os processos de aprendizado e o trabalho do artista. Em algumas dessas obras, o trabalho é esvaziado da necessidade de produtividade impostas ao trabalhador pelo sistema capitalista; o ambiente escolar aparece na sua capacidade de recusa da reprodução de formas hegemônicas e excludentes de entendimento de mundo. Ambos são trazidos não apenas por seus materiais, mas também por gestos, que, deslocados da ordem cotidiana das coisas, se mostram prontos a serem reorganizados e a reorganizar, a partir das bases, as sociedades nas quais se inserem.

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Trouxa, 2011. Foto: © Cinthia Marcelle.

A aproximação entre esses dois universos está presente em uma nova obra reconfigurada para o MASP a partir de (2016), inicialmente exibida em (2016-17), na Duplex Gallery do MoMA PS1, em Nova York. O espaço da Duplex Gallery, que já abrigou uma escola, teve as frestas dos tijolos das paredes preenchidos por bastões de giz de lousa, em uma ocupação linear semelhante às pautas de um caderno — como se, por meio das frestas da parede, Marcelle pudesse estudar aquele lugar. No MASP, um muro de blocos de concreto empilhados ocupa a vitrine que se estende para o Centro de Pesquisa do espaço expositivo do segundo subsolo. O concreto foi escolhido para estabelecer um diálogo com os materiais utilizados no próprio edifício do museu. O rejunte de cimento, que uniria esses blocos, é substituído por giz de lousa escolar encaixado nas frestas, em uma referência ao rejunte que vaza por entre os blocos que separam as paredes dos ateliês no Sesc Pompeia, edifício de Lina Bo Bardi, arquiteta que concebeu e projetou o MASP.

” “ 57
Educação pela pedra, 2016-2023. Foto: Isabella Matheus © Cinthia Marcelle. Cinthia Marcelle e Jean Meeran, Capa morada, 2003. © Cinthia Marcelle.

TEMPO

O segundo aspecto mobilizado por Marcelle é o tempo, um dos elementos que organiza nossas vidas, seja contabilizado na forma de calendários, relógios e agendas, dias e noites, meses e anos, como elemento que nos faz perceber as mudanças, seja através da luz, pela simultaneidade e repetição dos eventos, pelo envelhecimento dos materiais, ou mesmo pelo acúmulo de pó nos cantos da casa. Em e , é o tempo que revela a estrutura de uma barreira antes opaca. Já em e , ambas de 2019, e na série (2018-20), o tempo é contado a partir do trabalho manual da artista e de seus colaboradores, com os materiais que compõem a obra: tecido, tinta, sarrafo e cadarço. é uma série de pinturas que torna visível em seu produto final a relação entre tempo e trabalho mobilizados para a execução de cada peça. A série completa é composta por 13 obras, nas quais as faixas pintadas industrialmente de preto são cobertas manualmente com tinta branca. Essa faixa preta, por sua vez, materializada em um cadarço da mesma cor, comprimento e largura, é enrolada sobre um sarrafo que acompanha o tecido. Ao serem justapostos, o ritmo e a variação das faixas brancas e pretas evidenciam as quantidades de tempo e trabalho empregadas na confecção de cada peça. Já na série (2004-em processo), o tempo se manifesta em pequenas ações orquestradas pela artista e executadas por agrupamentos de pessoas, fazendo emergir uma unidade coletiva em meio à aleatoriedade e à dispersão cotidianas.

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Calendário, 2018-2020. © Cinthia Marcelle.

Em (2005), uma cena cotidiana é alterada e republicada no tempo: em um cruzamento de uma cidade qualquer, oito malabaristas brincam com fogo durante o intervalo do sinal de trânsito. Inicialmente, dois deles ocupam a faixa e, a cada fechamento do sinal, mais dois se unem à ação, até ocuparem toda a extensão da faixa de pedestres, formando uma barreira de fogo em frente aos automóveis e motocicletas, que, ao final, buzinam coletivamente diante dessa interrupção inesperada da ordem das coisas. Com esse agrupamento não usual de malabaristas no sinal, a artista joga com o tempo que organiza os fluxos urbanos, reconfigurando momentaneamente as dinâmicas de poder subjacentes à rotina das grandes cidades.

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Confronto, 2005. Foto: © Cinthia Marcelle.

COR

A cor é capaz de inscrever e apagar, borrar e demarcar, ressaltar, sobrepor, tornar visíveis ou invisíveis determinados aspectos de objetos, situações, contextos e lugares. A cor carrega também significados históricos e sociais distintos em cada contexto. É um elemento formal e uma escolha estética, mas também ética e política. Em

Marcelle evidencia como o contexto é capaz de influenciar o que é visível e o que não é. Mesmo que figura e fundo sejam supostamente da mesma cor, seus materiais fazem com que, aos poucos, suas diferenças apareçam. Um dos trabalhos que sintetizam a complexidade da abordagem da cor na obra da artista é a série de fotografias (2003), realizada em parceria com o artista sul-africano Jean Meeran durante uma residência artística na Cidade do Cabo, na África do Sul. Dividida em quatro partes ( , e ), essa série registra a artista em processo de se localizar em contexto alheio ao seu. No conjunto de fotografias, Marcelle tem seu corpo totalmente coberto por tecidos, misturando-se à paisagem ou se perdendo em meio ao acúmulo de objetos em uma feira de rua. Apenas em , a última foto do conjunto, a artista aparece sentada no banco traseiro de um trem, em um dia comum na cidade, completamente misturada a seus habitantes. Sobre essa foto, Marcelle relatou:

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e
Cinthia Marcelle e Jean Meeran, Capa morada, 2003. © Cinthia Marcelle. Cinthia Marcelle e Jean Meeran, Capa morada, 2003. © Cinthia Marcelle.

Marcelle trabalha a cor de maneira análoga, reforçando que uma escolha estética é capaz de revelar aspectos políticos subjacentes a ela. Na instalação (2014-22), a cor é aplicada sobre objetos provenientes da construção civil e sobre o espaço expositivo em que estão inseridos. Essa instalação foi pensada como uma intervenção no segundo subsolo do MASP, em diálogo com a arquitetura moderna e sem paredes do edifício de Bo Bardi, concebida para ser permeável e acessível. Esse espaço foi originalmente pensado como um local de encontro, um hall cívico — parcialmente cercado por janelas, que, ao mesmo tempo, permitem ver de dentro o que está fora e apartam fisicamente esses dois lugares. Sobre essas janelas, Marcelle posicionou placas de madeira pintadas de branco que remetem aos painéis que recebem as obras no espaço expositivo. Essas placas deixam ver, por entre suas frestas e intervalos, um pouco do que está na rua: as pichações nos muros, as pedras e o jardim na área externa, os pertences de uma pessoa que usou aquele espaço como abrigo. Martelos, capacetes, escadas, botas, baldes, pranchetas, pastas e canetas são colocados cuidadosamente no limiar de um espaço demarcado no chão pintado na cor branca, no mesmo tom

das chapas, que avançam para cobrir parte dos objetos que atravessam essa demarcação. A escolha de uma cor tão frequentemente utilizada nas paredes dos espaços de arte pela convenção de sua suposta “neutralidade” recobre parte desses objetos, uniformizando, homogeneizando e apagando suas diferenças. Aqui, ela atua como a criação de um espaço temporário, no qual a regra é que tudo o que se encontra dentro é contaminado por essa cor, que se coloca enquanto norma. No entanto, as placas apenas encostadas sobre as janelas aludem à fragilidade desse sistema, capaz de ser derrubado a qualquer momento por alguns dos objetos que se encontram em suas margens — como marretas e outras ferramentas.

DÚVIDAS

SÃO PAULO • 14/12/2022 A 26/2/2023

MASP

Isabella Rjeille é curadora do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), desde 2019. CINTHIA MARCELLE: POR VIA DAS
Da parte pelo todo, 2014-22. © Cinthia Marcelle.

JUDITH lauand

DESTAQUE

JUDITH lauand,

Acervo

41, Mulher fumando (Abraço), 1969. Foto: Isabella Matheus. © Judith Lauand.

Hoje, diferentes formas de ver e estar no mundo se fazem presentes e se constroem em muitos campos do conhecimento e, especialmente nas artes, o recontar histórias e propor novas abordagens têm sido alvos de atenções de artistas, curadores e museus. Prova disso são as recentes interações entre arte, história e antropologia nas propostas artísticas e em exposições que trazem discursos plurais, tais como as mostras organizadas pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP), que contam histórias a contrapelo.

No atual ciclo curatorial (biênio 2022/2023), a exposição com curadoria de Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, celebra os 100 anos da artista, falecida em dezembro de 2022, mas também vê e reescreve a história da arte brasileira sob nova perspectiva.

Por meio de 128 obras e dezenas de documentos do arquivo pessoal de Lauand, a mostra joga luzes sobre sua trajetória e sobre o projeto construtivo brasileiro. E os fatos e questionamentos são tantos, que fico até agitada. Mas, vamos com calma! Organizemos as ideias: o primeiro ponto é compreender o que foi o concretismo no Brasil. E, na sequência, entender por que o exercício de rever a poética de Judith Lauand é, no fundo, contar “outra história”.

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MOSTRA RETROSPECTIVA NO MASP PASSEIA PELO FIGURATIVISMO ATÉ A RACIONALIDADE GEOMÉTRICA, SEM ESCAPAR DO FEMINISMO E RADICALIDADE NA OBRA DA ARTISTA PAULISTA JUDITH LAUAND
POR ALECSANDRA MATIAS DE OLIVEIRA
Sofre, ore, e salve, 1969. © Foto: Eduardo Ortega. © Judith Lauand.
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Historicamente, a arte concreta chegou ao Brasil em um momento de euforia, com a expectativa de desenvolvimento econômico, após a II Guerra Mundial. Viam-se a proliferação de indústrias nacionais, como a automobilística; a criação da Petrobrás; as siderúrgicas; o crescimento das cidades e os novos meios de comunicação, como a popularização do rádio, das revistas, dos jornais e o advento da televisão. O país queria superar seu passado arcaico, rural e atrasado, e planejava ser “do futuro”, urbano e industrial. Durante a década de 1950, a elite industrial – preocupada com a inserção do Brasil na modernidade e no capitalismo internacional – apoiou a arte moderna e seus desdobramentos. Sob a influência norte-americana, particularmente com a intervenção do magnata Nelson Rockfeller, o empresário Ciccillo Matarazzo, um exemplo dessa mentalidade burguesa, cooperou para a fundação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP) e do MASP e, além disso criou a Bienal de São Paulo. Aliadas a esses eventos, as ideias do movimento concretista partiram de Ulm (Alemanha) em direção à América Latina, chegando à Argentina e depois ao Brasil. À época, uma série de conferências foi organizada para a preparação de críticos e artistas – mas, para o grande público, as propostas concretas foram difundidas através das Bienais. A primeira Bienal de São Paulo foi realizada em 1951. O Grupo Ruptura, formado em 1952, surgiu a partir desse contexto em São Paulo e se tornou responsável pelas regras do Movimento Concreto Brasileiro. Os membros do Grupo eram: Waldemar Cordeiro (visto como o líder), Lothar Charoux, Geraldo de Barros, Leopold Haar, Luiz Sacilotto, Anatol Wladislaw, Hermelindo Fiaminghi, Maurício Nogueira Lima e a nossa artista Judith Lauand. Diga-se, aqui, que ela só integrou o Grupo em 1955, quando foi convidada por Waldemar Cordeiro, sendo a única mulher inserida oficialmente no círculo concretista.

Acervo 29, Concreto 33, 1956. Acervo MASP. Foto: Eduardo Ortega. © Judith Lauand.

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Lauand iniciou seu percurso no final dos anos de 1940, na Escola de Belas Artes de Araraquara e, nessa época, dedicava-se à arte com influências realistas e expressionistas. Seus motivos eram figuras e naturezas-mortas. Ela se formou em Artes Plásticas, em 1950, e, em 1952, mudou-se para São Paulo, onde estudou gravura com Lívio Abramo. A jovem artista entrou em contato mais próximo com o concretismo, quando atuou como monitora na II Bienal de São Paulo, em 1953 – ali, ela teve as primeiras trocas com os membros do Grupo Ruptura – e, nesse momento, adotou o vocabulário abstrato-geométrico.

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Acervo 8, Concreto, 1954. Foto: Daniel Cabrel. © Judith Lauand.

Assim, ela participou do 4º Salão Paulista de Arte Moderna na Galeria Prestes Maia, em 1955 (nessa ocasião, ela chamou a atenção de Waldemar Cordeiro e selou sua entrada no Grupo). Na sequência, a artista enviou obras para a , realizada, em 1956, no MAM SP e, em 1957, no MAM RJ. Integrou a mostra , em Zurique, em 1960 e, em 1963, expôs na inauguração da Galeria Novas Tendências, em São Paulo, da qual foi fundadora, com Hermelindo Fiaminghi e Luiz Sacilotto.

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Acervo 9, 1955. Foto: Daniel Cabrel. © Judith Lauand.

Sem título, 1955. Foto: Jaime Acioly. © Judith Lauand.

Waldemar Cordeiro e seus amigos seguiam uma doutrina fortemente ligada às propostas do artista suíço Max Bill e da Bauhaus, além disso, enfatizavam em suas produções os valores relacionados à noção de progresso, desenvolvimento industrial, crença na tecnologia e investimento na lógica do capital. Eles aspiravam a uma linguagem de comunicação universal e autônoma, aproximando-se das formas arquitetônicas. Para os construtivistas, a pintura, a escultura e outras linguagens eram pensadas como construções – e não como representações – e, nesse ponto, encontra-se a relação com a arquitetura em termos de materiais, objetivos e procedimentos. Eles se basearam no rigor geométrico, na matemática; eliminaram o gesto (o sinal da mão) e privilegiaram o desenho exato (feito com régua e compasso).

Não demorou muito tempo, as obras concretas repercutiram nacional e internacionalmente e, de certo modo, influenciaram outros artistas, como toda uma fase de Alfredo Volpi. Mencione-se ainda que o concretismo foi um movimento, isto é, ganhou expressão em várias manifestações artísticas, tal como a poesia. E muitos teóricos consideraram o construtivismo “vocação” da arte brasileira – algo que indicava a evolução das artes –, tanto que artistas adeptos do figurativismo,

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Sem título, 1955. Foto: Isabella Matheus. © Judith Lauand.

como Di Cavalcanti e Cândido Portinari, foram considerados antiquados. Toda a questão da modernidade se colocou centrada nas propostas construtivas –temos como exemplo disso os ideais que giram em torno da criação de Brasília. Porém, passados alguns anos, a “ortodoxia” do projeto construtivo recebeu sérios questionamentos, em especial, a partir de 1959, quando surgiu o Grupo Neoconcreto – mas, aqui, temos que abandonar essa trama da história da arte brasileira para nos dedicar ao percurso de nossa artista.

Nesse ponto, voltamos à produção de Judith Lauand: reconhecida por suas obras com formas geométricas, rigor matemático a partir de linhas, planos e vetores, além das cores contrastantes, a artista foi, muitas vezes, colocada como coadjuvante no círculo construtivista. Lembramos que o Grupo Ruptura era, essencialmente, de homens brancos vindos das classes médias e abastadas – Lauand era uma mulher e, muitas pesquisas atuais evidenciam as relações dúbias entre os membros do Grupo. Em algumas declarações, a artista apontou o acolhimento profissional entre os colegas e a neutralidade de tratamento quanto ao gênero. Ela dizia: “Não me sentia mulher, eu me sentia um ser humano”.

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Note-se ainda que críticos e pesquisadores, que se dedicaram ao estudo do concretismo, dão a entender que a trajetória da artista seria como um privilégio dentro daquele ambiente masculino, ou, ainda, uma concessão. O sexismo surgia, vez ou outra, nas tarefas distribuídas entre os integrantes do grupo. Isso pode ser sentido quando a artista contou sobre a pequena desavença entre ela e Cordeiro: para ele, na Galeria Novas Tendências, Lauand deveria vender não apenas suas obras, mas também os trabalhos de seus colegas. Isso, talvez, não fosse exigido dos companheiros homens. Porém, a maior negligência com relação à trajetória de Judith Lauand está no campo da crítica de arte e na análise de seus trabalhos – essa vertente está registrada nos estudos de Talita Trizoli, pós-doutoranda no Instituto de Estudos Brasileiros na Universidade de São Paulo. Adjetivos, tais como “tensões delicadas”, “geometria feminina” e “pequenas delicadezas concretistas”, mostram que o julgamento remete à feminilidade, mas, de fato, esse “feminino” não está nas obras da artista. O que se descreve não é o que se vê. Quando uma figura geométrica é rústica (masculina)? Ou frágil (feminina)? Um círculo é tão somente um círculo! Uma abstração!

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À esquerda: Acervo 377, concreto 28, 1956. Abaixo: Moça no trem, 1952. Fotos: Isabella Matheus. © Judith Lauand.

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Acervo 138, 1965. Foto: Daniel Cabrel. © Judith Lauand.

O “desvio” da artista está no uso de sua paleta cromática. As cores contrastantes destoavam dos trabalhos dos seus colegas. Cordeiro, por exemplo, optou por uma economia de cores. Já nossa artista, estrategicamente, empregou a vibração cromática, assim ela se aproximou de um repertório geométrico rejeitado pelas vertentes construtivas. Ao longo de seus 70 anos de produção, ela não se prendeu; foi sempre “desviante”; experimentou diversas técnicas, entre elas, gravura, desenho, guache, colagem, tapeçaria, bordado e escultura. Em alguns trabalhos, percebe-se seu interesse pela pop arte! Por fim, a mostra, em cartaz no MASP, pretende mostrar essa vivência, assim como abrir novas leituras para suas obras que envolvem motivações, como questões políticas, repressão, ditadura militar, a guerra do Vietnã e, com ênfase, sua condição de mulher preocupada com temas, como violência, sexualidade, submissão e liberdade feminina – de modo denso, a exposição tem o objetivo de refletir sobre o construtivismo e, sobretudo, sobre o legado de Judith Lauand nessa nova versão da história da arte brasileira.

Alecsandra Matias de Oliveira é pósdoutorado em Artes Visuais (Unesp).

Doutora em Artes Visuais (ECA-USP).

Mestrado em Comunicação (ECA-USP).

Professora do CELACC (ECA-USP).

Pesquisadora do Centro Mario Schenberg de Documentação e Pesquisa em Artes (ECA-USP). Membro da Associação Brasileira de Crítica de Arte (ABCA). Curadora independente e colaboradora da revista Dasartes, Jornal da USP e Revista USP.

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JUDITH LAUAND: DESVIO CONCRETO • MASP • SÃO PAULO • 25/11/2022 A 2/4/2023

EMMANUEL

REFLEXO

NASSAR,

É gás, 2022. Foto: © Emmanuel Nassar.

A PARTIR DE ELEMENTOS DA RUA E DAS FEIRAS LIVRES DE SEU ESTADO NATAL, O PARAENSE EMMANUEL

NASSAR INCORPORA NAS SUAS OBRAS A LINGUAGEM PUBLICITÁRIA E OS OBJETOS DE CONSUMO EM MASSA.

CONVIDAMOS O ARTISTA PARA REVELAR O PROCESSO CRIATIVO DE CINCO DE SUAS PRINCIPAIS OBRAS

POR EMMANUEL NASSAR

“A obra tem significado especial para mim. Antes dela, eu era predominantemente figurativo. O uso das cores fortes, da geometria temperadas de humor e referências populares era uma ideia vagando na nuvem dos meus pensamentos quando dei vida a essa espécie de máquina. foi feita para trazer à realidade aquilo que ainda não existia. Todo projeto que constituio trabalho que se seguiu veio desta galinha dos ovos de ouro: . ”

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” “
Recepcor,1980.
Foto: © Emmanuel Nassar.

“Em 1982, fiz uma das primeiras exposições individuais em Belém. A atual bilheteria do Teatro da Paz dava lugar à Galeria Ângelus e foi lá que reuni algumas das primeiras obras da carreira como artista. Para dar a máxima publicidade à mostra, recorri a uma chapa metálica de 100 x 200 cm com pintura que lembrava um

pórtico de casa de espetáculos populares. Circo ou parque de diversão. Ao final da exposição, percebi que o anúncio/ pórtico era uma obra. Pouco depois, assinei como aquela que viria a ser umas das mais icônicas de minhas criações: , pintura sobre chapa, em 1984.”

Arraial,1984. Foto: © Emmanuel Nassar.
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Manivela, 2021. Foto: © Emmanuel Nassar.

“Em 1993, visitei uma exposição com bandeiras de 80 tribos de Gana em um museu em Bonn, na Alemanha. Fortemente influenciado por aquela mostra, comecei a observar as bandeiras oficiais dos municípios paraenses e vi nelas o mesmo surpreendente encontro de símbolos, tanto de uma heráldica europeia

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Bandeiras, 1993. Fotos: © Emmanuel Nassar.

como de representações da realidade local. Comecei então a reunir as Bandeiras e propus o projeto ao Museu de Arte Moderna de São Paulo. Cento e vinte e três bandeiras constituem a instalação que hoje faz parte do acervo do museu. ”

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100 ” “

“Eu vejo o todo. Mas moro no particular. Está aí a bandeira em todos os detalhes... O meu olhar, porém, foi uma espécie de telescópio direcionado para o céu. Não qualquer céu, mas aquele representado na bandeira. Outra particularidade. E não o céu, mas uma particular representação dele. O nada.”

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Céu Azul, 2010. Foto: © Emmanuel Nassar.

"Como salvei minha vida com uma dúzia de bananas. Durante um período muito difícil da minha vida, pintei uma tela com uma mão decepada dentro de uma bandeja sobre um banco de madeira com fundo negro. Ao contrário das outras mãos decepadas, ela parecia morta. Isso me assustou muito porque era como eu me via naquele momento. Mantive esse quadro até que uma poderosa reação vital tomou conta de mim. Foi quando, no lugar da mão, eu pintei uma dúzia de bananas”

ESPACIAL

(MAR)

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Bananas, 2020. Foto: © Emmanuel Nassar.
EMMANUEL NASSAR: LATARIA
• MUSEU DE ARTE DO RIO
• 17/9/2022 A
26/2/2023
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Lançada em 2008, a Dasartes é a primeira revista de artes visuais do Brasildesdeosanos1990.Em2015, passou a ser digital, disponível mensalmente para tablets e celulares no site dasartes.com.br, o portal de artesvisuaismaisvisitado doBrasil.

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