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Nuno Ivo Gonçalves Parece que esta instituição, se vingasse como órgão superior do Estado, seria um elemento muito útil da vida financeira portuguesa. E ela poderia ser alargada àquilo que ainda hoje falta – um corpo de especialistas para remodelação da técnica dos serviços, que, em conjunto com os diversos organismos, lentamente modificasse o modo de realizar com eficiência e rapidez todo o complicado trabalho de expediente, arquivo, correspondência, que constitue a tarefa de cada um. Porque se não deu o desenvolvimento esperado à Intendência Geral do Orçamento? Por falta de pessoal idóneo e imparcial que coibisse abusos e corrigisse erros? Porque segundos pensamentos levaram o Ministro das Finanças a desempenhar, êle próprio, funções meticulosas e delicadas que o deveriam ser pela Intendência?
José de Araújo Correia, Portugal Económico e Financeiro, 1938
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A Intendência-Geral do orçamento História de um organismo que nunca existiu ( 1929-1996 )
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Nasceu em 1952 na cidade de Lisboa. Economista licenciado pelo Instituto Superior de Economia da Universidade Técnica de Lisboa, Mestre em Administração e Políticas Públicas pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, Doutor em Sociologia, especialidade de Sociologia Política, pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e detentor do diploma de Estudos Avançados ( 3º Ciclo ) em História Moderna e Contemporânea, da mesma instituição. Na Administração Pública exerceu funções como dirigente, técnico superior e auditor. Foi Assistente Convidado no Instituto Superior de Economia (onde leccionou Finanças Públicas) e Assistente Convidado e Professor Associado Convidado no Instituto Superior de Gestão (onde leccionou e foi responsável por Gestão do Sector Público). Membro da Ordem dos Economistas, do Instituto Português de Auditoria Interna e da Sociedade de Geografia de Lisboa. Tem em preparação a publicação da sua tese de doutoramento O progresso da ideia de “gestão empresarial” na Administração Pública portuguesa. Em desenvolvimento da investigação realizada nessa tese está a estudar a influência da cooperação internacional nas políticas portuguesa de Administração Pública, tendo publicado em 2019 As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas ( 1908-2012 ) .
Nuno Ivo Gonçalves
A Intendência-Geral do Orçamento História de um organismo que nunca existiu 1929 - 1996
No Decreto com força de lei nº 16 670, de 27 de Março de 1929, que criou a Intendência Geral do Orçamento, “organismo por intermédio do qual o Ministro das Finanças exercerá a superintendência e a fiscalização técnica da preparação e execução do Orçamento” e que “funcionará junto do Ministro das Finanças e a êle directamente subordinada”, ficaram definidos os poderes desta em termos de emissão de instruções e esclarecimentos, e até a duração da preparação do Orçamento e a elaboração de mapas resumo do Orçamento das despesas. Quanto à eficiência na execução do orçamento ficou dependente tanto dos serviços nos termos do Artigo 16º “Os directores e administradores dos serviços são obrigados a aplicar as verbas que fazem face às despesas dos seus serviços de modo a alcançarem um máximo de rendimento útil com o mínimo dispêndio possível” como da Intendência-Geral do Orçamento, à qual no artigo 22º ficou competindo “Vigiar pela observância do artigo 16 º do presente decreto, tomando desde logo as providências que o seu não cumprimento exigir” e “Estudar as fórmulas mais económicas do emprêgo dos dinheiros públicos, propondo as modificações na organização e na técnica dos serviços que julgar necessárias ou convenientes para que seja observada a maior economia dentro da maior eficiência”. Estrutura ligeira, a Intendência Geral do Orçamento seria composta de um “intendente geral e de dois adjuntos” e “requisitará às diversas repartições do Estado os funcionários estritamente necessários para a execução dos serviços”. Um artigo transitório estabelecia que Enquanto não for instalada a Intendência Geral do Orçamento, serão desempenhadas pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública as funções que competem à mesma Intendência na preparação do Orçamento. A Intendência assim criada por António de Oliveira Salazar nunca foi instalada, mas também nunca foi extinta. Aureliano Felismino, Marcelo Caetano, António de Sousa Franco escreveram sobre ela e seria o último que, ministro em 1996. poria fim à sua “existência fantasmática”. Uma história que investigámos neste livro.
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A INTENDÊNCIA-GERAL DO ORÇAMENTO – HISTÓRIA DE UM ORGANISMO QUE NUNCA EXISTIU (1929-1996)
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FICHA TÉCNICA
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título: A Intendência-Geral do Orçamento – História de um Organismo que Nunca Existiu (1929-1996) autor: Nuno Ivo Gonçalves edição: Edições Ex-Libris ® (Chancela Sítio do Livro) imagem de capa: António de Oliveira Salazar em 1930 em foto inserida em A Reorganização Financeira – Dois anos no Ministério das Finanças 1928-1930, editado pela Coimbra Editora, amavelmente disponibilizada por esta para a publicação do presente livro arranjo de capa: Ângela Espinha revisão: Patrícia Espinha paginação: Alda Teixeira 1.a Edição Lisboa, fevereiro 2022
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isbn: 978-989-9028-40-1 depósito legal: 490817/21
© Nuno Eduardo da Silva Ivo Gonçalves
Todos os direitos de propriedade reservados, em conformidade com a legislação vigente. A reprodução, a digitalização ou a divulgação, por qualquer meio, não autorizadas, de partes do conteúdo desta obra ou do seu todo constituem delito penal e estão sujeitas às sanções previstas na Lei. Declinação de Responsabilidade: a titularidade plena dos Direitos Autorais desta obra pertence apenas ao(s) seu(s) autor(es), a quem incumbe exclusivamente toda a responsabilidade pelo seu conteúdo substantivo, textual ou gráfico, não podendo ser imputada, a qualquer título, ao Sítio do Livro, a sua autoria parcial ou total. Assim mesmo, quaisquer afirmações, declarações, conjeturas, relatos, eventuais inexatidões, conotações, interpretações, associações ou implicações constantes ou inerentes àquele conteúdo ou dele decorrentes são da exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).
publicação e comercialização:
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AGRADECIMENTOS
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São devidos agradecimentos ao Dr. Rui Carp – com quem, no período em que pertenci à equipa de Finanças Públicas do então Instituto Superior de Economia, pela qual foi responsável, tive ocasião de trocar ideias sobre sistemas orçamentais em geral e sobre as experiências portuguesas em particular, e que quando exerceu o cargo de Director-Geral da Contabilidade Pública não deixou de se interrogar sobre a forma como os serviços que dirigia tinham olhado no passado para a persistência na lei de uma Intendência-Geral do Orçamento nunca instalada – pela disponibilidade com que, ao saber que tinha iniciado esta investigação, me foi transmitindo as suas impressões; e ao Dr. Miguel de Barros Caetano, que partilhou comigo algumas recordações da sua experiência pessoal dos tempos do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho e da tentativa posterior de elaboração de um Plano de Médio Prazo 1977/80, conhecido por “Plano Manuela Silva”, para além de me ter chamado a atenção para que as Minhas Memórias de Salazar, de seu pai, continham algumas respostas a questões que fui formulando. Esta investigação, em que as várias questões apresentadas foram tratadas, no essencial, com recurso a fontes impressas, ficou a dever muito à boa organização e disponibilidade dos serviços da Biblioteca Nacional; da Biblioteca Central do Ministério das Finanças, onde destaco o apoio de Paula Faria e de Filomena Vicente; e da Biblioteca do Tribunal de Contas, onde, durante o mês de Agosto de 2020, Luís Vieira fez, em circunstâncias muito difíceis, tudo o que lhe foi possível para assegurar o acesso em versão digital a documentos cuja consulta se revelou imprescindível . V
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Não posso deixar de mencionar os diálogos que fui mantendo com amigos e conhecidos (entre os quais é justo mencionar Inês Guerreiro), a quem fui sendo “obrigado” a tentar explicar as razões que me levaram a estudar uma matéria com aparentemente tão escassa relevância, e a prometer que tentaria que as conclusões se revestissem de um mínimo de interesse para os eventuais futuros leitores. Não sei se o consegui, mas fiquem certos de que não deixei de o tentar. Antes de iniciado o trabalho, mantive uma reunião com a Associação Entre Séculos, que, não tendo tido directamente a ver com o tema estudado, me incentivou a prosseguir na exploração dos caminhos percorridos nesta investigação, certo de que outros caminhos estarão igualmente a ser percorridos com empenho por muitos investigadores a quem a História Contemporânea também motiva. Durante a execução, recebi do Dr. José Marques Felismino, antigo quadro da Fundação Calouste Gulbenkian (com o qual o Dr. António Repolho Correia, Secretário-Geral da Fundação, facilitou o contacto) e filho do Director-Geral da Contabilidade Pública Aureliano Felismino, elementos biográficos sobre o seu pai, que me foram muito úteis; e mantive correspondência com o Dr. Rogério Malheiro de Macedo, bem como com o Dr. João Sabino, do Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças (ACMF). Muitos dos elementos de informação utilizados vieram de contactos anteriores com a Direcção-Geral do Orçamento ou com os Arquivos do extinto Departamento de Prospectiva e Planeamento e os Arquivos da OCDE em Paris, mesmo que não direccionados para a realização do presente trabalho. Finalmente, agradeço a disponibilidade da minha filha Ana para ouvir o que lhe fui contando sobre a marcha dos trabalhos, e para colaborar em alguns aspectos da sua finalização, apesar de envolvida em projectos de maior fôlego e de maior utilidade para a comunidade.
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RESUMO
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A Intendência-Geral do Orçamento foi criada em 1929 por um Decreto que visava “completar”, em relação às despesas públicas, a Reforma Orçamental publicada no ano anterior pelo novo Ministro das Finanças, Oliveira Salazar, mais tarde Presidente do Conselho de Ministros e Chefe do Governo de 1932 a 1968. Visava assegurar uma correcção económica das despesas, distinta da correcção jurídica, contudo nunca foi instalada, ficando as suas funções transitoriamente a cargo da Direcção-Geral da Contabilidade Pública. Todavia só em 1996, 22 anos após o fim do Estado Novo, foi declarada extinta. A presente investigação debruça-se sobre o “mistério” da sua criação, não-instalação e não-extinção. Palavras-chave: Intendência-Geral do Orçamento; Direcção-Geral da Contabilidade Pública; História da Administração Pública; Instituto Internacional de Ciências Administrativas (IICA); Organização Científica do Trabalho; Reforma Orçamental; Planeamento; Biografias.
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ABSTRACT
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The Portuguese budget reform of 1928 by Oliveira Salazar (Finance Minister from 1928 to 1940 and Head of Government from 1932 to 1968) was highly appraised and largely accounted for the success of “Estado Novo”. In 1929, as a complementary measure to this reform, the new office “Intendência-Geral do Orçamento” was created. This office aimed at a systematic appraisal of public expenditure from an efficiency point of view. Its foundation appears inspired by the Budget and Accounting Act, from the United States government in 1921. This new office, that was never inaugurated, only ceased to exist 22 years after the end of “Estado Novo”. In 1996, the Portuguese government extincted the “Intendência-Geral do Orçamento”.
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Keywords: Intendência-Geral do Orçamento, Direcção-Geral da Contabilidade Pública, Public Administration History, International Institute of Administrative Sciences (IIAS), Scientific organization of Labor, Budget reform, Planning, Biographies.
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ÍNDICE 1
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Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
I PARTE
CRIAÇÃO, NÃO-INSTALAÇÃO, EXTINÇÃO
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1. Reflexões sobre Finanças Públicas que nos anos 1920 vão tendo ecos fora da Academia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. A criação da Intendência Geral do Orçamento e os factos associados à sua existência jurídica sem instalação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3. Aureliano Felismino e as funções de Intendência-Geral do Orçamento na Direcção-Geral da Contabilidade Pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4. Marcelo Caetano e a perspectiva de integração da Intendência-Geral do Orçamento na Presidência do Conselho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5. Plano e Orçamento – integração ou dualidade orçamental? . . . . . . . . . . . 6. António de Sousa Franco e as reformas financeiras da Democracia . . . . .
11 29 67
91 109 133
II PARTE
AS PERSPECTIVAS DE OLIVEIRA SALAZAR, ARMINDO MONTEIRO
E FERNANDO EMYGDIO DA SILVA, APRESENTADAS EM DEZEMBRO
DE 1923 E EM JANEIRO DE 1924 PERANTE AS ASSOCIAÇÕES EMPRESARIAIS, NA GÉNESE DA CRIAÇÃO DA INTENDÊNCIA GERAL DO ORÇAMENTO
7. Os anos pós-Primeira Guerra Mundial e pós-Sidónio Pais . . . . . . . . . . . . 151 8. A comunicação de Oliveira Salazar em Dezembro de 1923 . . . . . . . . . . . 161 IX
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9. A comunicação de Armindo Monteiro em Dezembro de 1923 . . . . . . . . 10. A conferência de Fernando Emygdio da Silva em Janeiro de 1924 . . . . 11. Os primeiros governos da ditadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12. Oliveira Salazar e Armindo Monteiro na reforma do orçamento da despesa pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. Fernando Emygdio da Silva e a autoria material do texto que criou a Intendência-Geral do Orçamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
167 179 191
conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . fontes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . legislação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
233 239 245 255
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apêndice 1 – documentos que não puderam ser localizados em arquivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
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apêndice 2 – portugal nos congressos internacionais de ciências administrativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263 apêndice 3 – erros e imprecisões a corrigir . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
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GLOSSÁRIO DE SIGLAS
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ACL – Associação Comercial de Lisboa AIP – Associação Industrial Portuguesa ACMF – Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo AOS – Arquivo Oliveira Salazar BdP – Banco de Portugal BNP – Biblioteca Nacional de Portugal CGD – Caixa Geral de Depósitos CGE – Conta Geral do Estado DCP – Departamento Central de Planeamento DPP – Departamento de Prospectiva e Planeamento DGAEP – Direcção-Geral da Administração e Emprego Público DGCP – Direcção-Geral da Contabilidade Pública FLUP – Faculdade de Letras da Universidade do Porto GAO – G eneral Accounting Office, depois Government Accountability Office. GEP HOP – Gabinete de Estudos e Planeamento de Habitação e Obras Públicas IGO – Intendência-Geral do Orçamento IHC – Instituto de História Contemporânea IRAS – International Review of Administrative Sciences IICA – Instituto Internacional de Ciências Administrativas INTOSAI – International Organization of Supreme Audit Institutions IPCA – Instituto Português de Ciências Administrativas LEOE – Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado LEO – Lei de Enquadramento Orçamental LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil NAO – National Accounting Office XI
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OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico OCT – Organização Científica do Trabalho OE – Orçamento do Estado OGE – Orçamento Geral do Estado OMB – Office of Management and Budget PDRITM – Programa de Desenvolvimento Regional Integrado de Trás-os-Montes PIDDAC – Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central PIDR – Programa Integrado de Desenvolvimento Regional PISEE – Programa de Investimentos do Sector Empresarial do Estado POCP – Plano Oficial de Contabilidade Pública PPBS – Planning Programming Budgeting System PRN – Partido Republicano Nacionalista RCB – Rationalisation des Choix Budgétaires RISA – Revue Internationale des Sciences Administratives SGL – Sociedade de Geografia de Lisboa STPC – Secretariado Técnico da Presidência do Conselho de Ministros STP – Secretariado Técnico do Planeamento SRA – Secretariado da Reforma Administrativa TdC – Tribunal de Contas
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INTRODUÇÃO
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Delimitação do objecto da investigação
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Nos anos de 1928 e 1929, na sequência da nomeação de António de Oliveira Salazar como Ministro das Finanças da Ditadura Nacional, foram aprovados dois diplomas: o primeiro, o Decreto com força de lei n.º 15 465, de 14 de Maio de 1928, qualificado como Reforma Orçamental; o segundo, o Decreto com força de lei n.º 16 670, de 27 de Março de 1929, apresentado como um aperfeiçoamento da Reforma no domínio das despesas – consagrando, entre outras medidas, a criação de uma Intendência-Geral do Orçamento com vista a preparar os Orçamentos Gerais do Estado numa perspectiva de “correcção económica” das despesas e a “estudar as fórmulas mais económicas do emprego dos dinheiros públicos, propondo as modificações na organização ou na técnica dos serviços que julgar necessárias para que seja observada a maior economia dentro da maior eficiência”. Não ficou totalmente clara, na época, a génese desta medida marcadamente inovadora, que aliás não teve a concretização que seria de esperar, uma vez que nos 40 anos seguintes, apesar de o seu autor político ter passado a acumular a pasta das Finanças com a Presidência do Ministério (Presidência do Conselho de Ministros após a entrada em vigor da Constituição Política da República Portuguesa de 1933), acumulação que manteve até 1940, e de serem da sua confiança os Ministros das Finanças nomeados daí até 1968, nunca tal Intendência-Geral do Orçamento (IGO) foi instalada, sendo as suas funções exercidas pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública (DGCP), sem que contudo o diploma que a criou fosse alguma vez revogado. 1
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A criação, a não-instalação e a não-revogação merecem ser estudadas e, de alguma forma, explicadas e é esse o propósito do presente trabalho. António de Oliveira Salazar foi sucedido em 1968 enquanto Presidente do Conselho de Ministros por Marcelo Caetano, que defendera logo em 1947 a integração na Presidência do Conselho de Ministros da Intendência-Geral do Orçamento, mas esta posição, mesmo após a sucessão de Salazar, nunca deu lugar à transferência do organismo ainda não instalado para a esfera da Presidência, aliás foi o Secretariado Técnico criado nesta que, pouco antes do 25 de Abril de 1974, veio a ser transferido para o Ministério das Finanças, redenominado brevemente: das Finanças e da Coordenação Económica. Após a Revolução de Abril as funções atribuídas à Intendência foram sendo exercidas por dois outros organismos, a Direcção-Geral da Contabilidade Pública e o Secretariado Técnico (do Planeamento) redenominado em 1975: Departamento Central de Planeamento (DCP), e vinte anos depois: Departamento de Prospectiva e Planeamento (DPP), de algum modo institucionalizando uma dualidade no ciclo de preparação, aprovação e controlo de execução do orçamento da despesa. Importa igualmente estudar e explicar esta coexistência e a não-extinção pura e simples da Intendência-Geral do Orçamento, que só ocorreu em Setembro de 1996, 22 anos depois do fim do regime que assistiu à sua criação. Empreendemos o estudo das questões assim identificadas e, não inesperadamente, as explicações não são fáceis de formular, decorrendo a dificuldade em grande parte da falta de linearidade das reestruturações da Administração Pública sob o salazarismo, mas também da circunstância de esta indefinição reflectir uma falta de capacidade para pensar e organizar o planeamento orçamental português. Alertamos aliás para que, na problemática relativa à correcção económica das despesas públicas e à intervenção pretendida para a Intendência-Geral do Orçamento estão em causa duas vertentes – e dois momentos do ciclo orçamental – totalmente diferentes: a preparação do orçamento 2
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Introdução
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das despesas, que pressupõe a capacidade de ajuizar sobre as propostas do orçamento das despesas elaboradas para submissão aos órgãos políticos competentes para a tomada da decisão orçamental, e a emissão, em sede de execução do orçamento aprovado, de um juízo específico sobre a autorização e realização de determinadas despesas em concreto. Nos comentários que fomos recolhendo sobre a necessidade de avançar ou não com a instalação da Intendência, essa distinção não é, de modo geral, feita, o que pode ser explicado pela subtracção ao Parlamento da competência para aprovar o Orçamento e inerente perda de informação e de interesse sobre os processos de preparação da decisão orçamental, fazendo com que vários autores considerassem que a referência à correcção económica das despesas remetia apenas para o controlo de execução do respectivo orçamento. É, de resto, singularmente reduzido o número de textos que discutem a Intendência-Geral do Orçamento, mas os grandes nomes das Ciências Administrativas ou das Finanças Públicas deste longo período – referimo-nos a Fernando Emygdio da Silva, Aureliano Felismino, Marcelo Caetano, António de Sousa Franco – todos escreveram sobre o tema, que mereceu também referência de José Joaquim Teixeira Ribeiro, outro grande nome das Finanças Públicas. De António de Oliveira Salazar, cujo “milagre financeiro” foi na época tão evocado, só temos praticamente sobre a Intendência-Geral do Orçamento a assinatura no diploma de 1929 e a refererência a esta em alguns outros diplomas posteriores, que evitam reequacionar abertamente a solução adoptada no primeiro.
Questões metodológicas
O presente estudo sobre a História de um organismo que nunca existiu (1929-1996) assenta essencialmente em fontes impressas, incluindo as Contas Gerais do Estado e a própria legislação. 3
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Em dois dos nossos trabalhos anteriores – referimo-nos à tese de doutoramento em Sociologia, especialidade de Sociologia Política, com o título O progresso da ideia de Gestão Empresarial na Administração Pública portuguesa, defendida em 2013 no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, que quis abranger diversos ciclos governativos entre 1926 e 2011; e ao livro publicado em 2019, As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012) – identificámos um conjunto de fontes relevantes para a história da Administração Pública durante o Estado Novo que em parte reutilizaremos aqui, com o cuidado, não obstante, de relacionar num Apêndice 1 – Documentos que não puderam ser localizados em Arquivos toda uma série de documentos que se sabe terem sido produzidos mas continuam por encontrar. No caso específico da legislação, temos tido como princípio não utilizar esta para tirar conclusões de ordem jurídica sobre o que se encontra ou não em vigor, nem a nossa formação de base nos chama a ir por aí. Mas nesta investigação específica, para além de deixar falar o texto das leis, como é nosso hábito, foi preciso deixar falar o silêncio, o que se verificou ser muito mais complexo. Também a necessidade de tratar a experiência de funcionamento de um organismo, a cujo quadro pertencemos e que num determinado período exerceu funções de Intendência-Geral do Orçamento – o Departamento Central de Planeamento –, nos criou alguns constrangimentos. De facto, entre 1976 e 1981 exercemos neste Departamento funções na Direcção de Serviços de Planeamento Sectorial e na sua sucessora Direcção de Serviços do Sector Público Administrativo, num contexto em que, de algum modo, se havia registado uma perda de memória do serviço, uma vez que parte do pessoal do antigo Secretariado Técnico da Presidência do Conselho viria a transferir-se para os Gabinetes de Planeamento dos Ministérios, ainda antes do 25 de Abril ou já depois deste, com vista ao exercício de cargos de direcção nestes gabinetes ou em outros departamentos, e até de cargos políticos, e sem que o regresso à “casa” de alguns des4
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Introdução
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tes quadros tenha reposto a dinâmica anterior. Ressalve-se, no entanto, o papel de Joaquim de Castro Guerra e de Maria do Céu Guerra na reposição da memória e de João Mendes Espada na dinamização da Direcção de Serviços de Planeamento Sectorial. Mais tarde, entre 1982 e 1985 e no âmbito daquele mesmo Departamento, colaborámos e tivemos mesmo algum protagonismo na concepção e no lançamento de uma experiência de orçamentação plurianual que não deve ser omitida, mas, por imperativo de distanciamento, basear-nos-emos para a descrever, tanto quanto possível, em documentação produzida na época. E, confessamos, tivemos de interiorizar muito este imperativo de distanciamento para tentar explicar a evolução registada nas nossas instituições orçamentais, sem adicionar capítulos sobre a “actualidade da questão”…
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Apresentação do trabalho
Formalmente optámos por escrever um livro estruturado em duas partes: – a primeira, sobre as “manifestações” a que a ideia da Intendência-Geral do Orçamento foi dando origem nas publicações oficiais ou textos de discussão, desde a sua criação, em Março de 1929, até a sua extinção, em Setembro de 1996; – a segunda sobre o debate que, de acordo com o que apurámos, esteve afinal na génese da ideia de criar uma estrutura do tipo da Intendência-Geral do Orçamento, debate esse que procuramos evocar a partir das comunicações de António de Oliveira Salazar e de Armindo Monteiro ao Congresso das Associações Comerciais e Industriais de Portugal que teve lugar em Dezembro de 1923, em Lisboa, e que se prolongou com a realização de uma conferência proferida por Fer5
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nando Emygdio da Silva, em Janeiro de 1924, a convite da Associação Comercial de Lisboa (ACL), acabando o texto desta conferência por ser publicado autonomamente.
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Pedro Aires Oliveira deu, no seu Armindo Monteiro, uma biografia política, um destaque adequado às duas primeiras comunicações e situou nessa ocasião o início do relacionamento entre os dois académicos, mais tarde governantes, hipótese que não acompanhamos totalmente (Oliveira, 2000: 46-50, 64-65) mas tivemos a possibilidade de recorrer a fontes impressas que, estando já disponíveis desde a década de 1970, nunca terão sido exploradas, para encontrar respostas sobre os “mistérios” da criação e da não-instalação da Intendência-Geral do Orçamento. Julgamos ter sido bem sucedidos na nossa pesquisa.
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Dado que a criação da Intendência-Geral do Orçamento em 1929 é o facto primordial da pesquisa, as fontes impressas retidas como fontes propriamente ditas englobam textos da autoria de – ou directamente inspirados por – Marnoco e Sousa, Oliveira Salazar, Armindo Monteiro e Fernando Emygdio da Silva, bem como de Frederic Winslow Taylor, Henri Fayol e alguns outros autores. Mas em rigor, poderíamos ter considerado como tal outros textos que pretenderam agir sobre a situação criada pela não-instalação da Intendência, seja activando-a seja mudando a sua inserção na Administração Pública, seja ainda extinguindo-a, constituindo os seus pronunciamentos e manejos eles próprios materiais de relevo como fontes de pesquisa, embora no livro tenhamos preferido colocar os textos correspondentes na Bibliografia. Cabe dizer que adquirimos por compra a alfarrabistas uma boa parte dos documentos utilizados nesta investigação, incluindo o que parece ser a primeira tradução para português de A Organização Scientífica do Traba-
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lho, de Frederic Taylor, datada de Outubro de 1920 e da autoria de Braga Paixão, que a publicou em Angra do Heroísmo em 1922. No Apêndice 2 – Portugal nos Congressos Internacionais de Ciências Administrativas deixamos um apontamento de teor metodológico sobre algumas conclusões da investigadora Ana Carina Azevedo. Finalmente, no Apêndice 3 – Erros e imprecisões a corrigir, incluímos algumas situações que afectaram a publicação do nosso livro As Secções Nacionais Portuguesas do Congresso Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012), as quais, à medida que vão sendo identificadas, temos vindo a assinalar no blogue Incursões em História Contemporânea (https:// incursoesemhistoriacontemporanea.wordpress.com/) .
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CRIAÇÃO, NÃO-INSTALAÇÃO, EXTINÇÃO
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1. Reflexões sobre Finanças Públicas que nos anos 1920 vão tendo ecos fora da Academia Percorrendo as Lições de Finanças de quatro Professores de Coimbra
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Há interesse em discutir se a acção de António de Oliveira Salazar – que assinou no início das suas funções como Ministro das Finanças o Decreto n.º 16 670, criando em 1929 a Intendência-Geral do Orçamento – estava ou não prefigurada no ensino que assegurou na Universidade de Coimbra nas cadeiras de Economia Política e de Finanças, como o próprio não deixou de propalar, e se as preocupações com a eficiência que na época se apresentavam, em contexto empresarial, muito ligadas com a difusão das teses da Organização Científica do Trabalho (OCT), tinham lugar relevante neste seu ensino. Nuno Valério, que organizou a edição pelo Banco de Portugal (BdP), em 1997, sob o título O ágio do ouro e outros textos económicos 19161918 (Salazar, Valério, 1997) de três trabalhos de Salazar no domínio da Economia, redigidos no início da sua actividade académica (O ágio do Ouro. Sua natureza e suas causas (1891-1915); Questão Cerealífera: O Trigo; Alguns aspectos da crise das subsistências), refere-se também à existência de lições de Economia Política, organizadas em 1927 pelo aluno Alberto Menano que apenas abrangem a introdução e uma das partes do curso – a produção (faltando circulação, distribuição e consumo) e de Finanças, organizadas em 1922 pelo aluno João Pereira Neto. A inclusão destas lições na colectânea editada por Valério é afastada pelo organizador por razões semelhantes: 11
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– no primeiro caso – Economia Política – apontamentos coligidos das prelecções do Exmo Sr. Dr. Oliveira Salazar pelo aluno Alberto Menano, Coimbra, Gráfica Coninbricense, 1927:
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por um lado, trata-se de um manual elementar e claramente datado; por outro, é, em rigor, impossível saber o que é que, da redacção final, pertence realmente a Salazar e o que é que pertence ao estudante organizador da publicação.
– no segundo caso – Lições de Finanças – conforme as prelecções do Exmo Sr. Dr. Oliveira Salazar pelo aluno, João Pereira Neto, Coimbra Editora, 1927, adiante designadas por Lições de Finanças …
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por suceder precisamente o mesmo. Percorremos as lições de Economia Política organizadas pelo aluno Alberto Menano em 1927 (Salazar, Menano, 1927) e, de facto, não encontrámos nada que nos parecesse relevante para a presente investigação, a não ser a omissão – que anotámos, no que se refere à produção e, dentro desta, à divisão do trabalho – de qualquer referência à Organização Científica do Trabalho, de que já se falava na época, graças aos trabalhos de Frederic Taylor, nos Estados Unidos, e de Henri Fayol, em França. Tinha já havido referência desenvolvida centrada em Fayol por parte de Armindo Monteiro numa comunicação de Dezembro de 1923 ao Congresso das Associações Comerciais e Industriais de Portugal, em sessão em que Salazar também apresentou uma comunicação, que não abordava os trabalhos daquela escola de pensamento, e de Fernando Emygdio da Silva, que se referiu tanto a Taylor como a Fayol numa conferência realizada em Janeiro seguinte que constituiu que um prolongamento do Congresso. Ora, já existia pelo menos uma tradução portuguesa da autoria de Braga Paixão1, publicada em 1922 em Angra do Heroísmo, de A Organização
Tratar-se-á possivelmente de Vítor Manuel Braga Paixão (1892-1982), que por altura de 1934 foi Director-Geral do Ensino Primário (Torgal, Estado Novo, Estados Novos, 2.ª 1
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Scientífica do Trabalho de Taylor em cuja introdução, datada de Outubro de 1920 e intitulada “Duas palavras”, o tradutor escrevera:
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Parece-me que é especialmente azado êste momento para divulgar em Portugal o método de Taylor na organização scientífica do trabalho. Quando muito já se diz, e se escreve que Portugal só pelo desenvolvimento de todas as suas faculdades de produção, em todos os ramos de actividade, poderá disfrutar uma vida digna de povo livre e honrado, não é desarrazoado que se divulguem métodos com que inteligentemente se pretende conseguir a melhor produção. Tais métodos o presente livrinho dará a conhecer a quantos estão sinceramente interessados em que Portugal não continue a ser parasita de empréstimos e indústrias estranjeiras. A obra de reconstrução nacional, esboçada por mercê da boa vontade e da tenacidade com que alguns atacam a rotina e a inércia de quási todos, parece gravemente ameaçada pela onda da revolta social, cega de paixões como todas as revoltas, daqueles que, aspiram por uma fatia de pão e por um lugar ao sol das venturas da terra, que outros avaramente lhes têm impedido …
No que se refere às Lições de Finanças … organizadas pelo aluno João Pereira Neto em 1922 (Salazar, Neto, 1922), embora também nos pareça evidente que formalmente nunca poderiam ser incluídas numa colectânea de textos da autoria de Oliveira Salazar, não podemos deixar de as considerar relevantes para a nossa investigação pela atenção dada ao “princípio edonístico”, pelo tratamento que nelas é feito da despesa pública, e pelas indicações bibliográficas. No que se refere ao “princípio edonístico”, este aparece referido nas Lições de Finanças … a propósito de um dos três critérios utilizados para definir
edição revista, II Volume, pp. 301-302), tendo também exercido funções homólogas no Ministério das Colónias, e sido membro da Academia das Ciências. 13
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as “necessidades públicas”, e que eram o critério político, o critério económico e o critério histórico. Segundo o critério económico, necessidades públicas são aquelas em cuja satisfa-
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ção, o máximo edonístico se consegue ùnicamente mediante a acção do Estado. O princípio edonístico é a aplicação da lei do menor esforço a todas e quaisquer manifestações da vida económica. Segundo êste princípio o homem procura obter a máxima utilidade com o menor esforço possível. Aplicando este conceito às necessidades públicas, temos que, nestas o máximo edonístico se consegue apenas pela acção do Estado. Os indivíduos satisfazendo-as por si, não conseguem tão vantajoso número de utilidades, nem mesmo em tão boas condições …. Este princípio é importante para orientar os governantes acêrca dos serviços que hão-de ser reservados para o Estado e daqueles que hão de ser deixados à iniciativa dos indivíduos
(Salazar, Neto, 1922:6).
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Estas referências ao princípio edonístico (mais tarde grafar-se-ia “hedonístico”) são praticamente idênticas às que podemos encontrar no Tratado (incompleto) de Marnoco e Sousa, editado postumamente, com prefácio de Anselmo de Andrade, com o título de Tratado de Sciência das Finanças (Sousa, 1916:20 e 21), numa abordagem já anteriormente desenvolvida por aquele Professor, como se deduz pelas referências em Finanças (apontamentos coligidos por dois alunos sobre as prelecções feitas ao curso do 3.º ano jurídico no ano de 1911 a 1912), Coimbra, LITH e TYP Correia Cardoso, na p. 26: “A Escola Austríaca, cujo único e grande princípio é o do homem edonista” e em Apontamentos para a cadeira de Finanças colligidos em harmonia com as prelecções feitas pelo Sr. Dr. Marnoco e Sousa ao curso do terceiro ano jurídico de 1910 a 1911, por A.Baptista, Marques da Cruz e A. Rebelo, em cuja p. 26 se esclarece o conceito: “princípio edonístico, ou a lei do menor esforço, em virtude do qual o homem procura obter a máxima utilidade com o menor sacrifício possível.”
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Podemos assim dizer que a problemática da economicidade relacionada com as intervenções públicas não é estranha ao ensino de Finanças de Oliveira Salazar, embora sem que das vagas referências feitas nas Lições de Finanças… se possam retirar conclusões no plano, digamos, operacional, e sem que haja referência expressa à Organização Científica do Trabalho e aos autores situados nessa escola de pensamento. Sobre estas lições de 1922 escreveu Nuno Valério:
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Também elas têm um plano tradicional – uma curta introdução e quatro partes, sobre o orçamento, as despesas públicas. a dívida pública e as receitas públicas (incluindo impostos e de propriedade de empresas públicas) … As lições são claramente lições de um professor de direito para estudantes de direito. O essencial da obra trata de legislação, evidentemente sobretudo de legislação portuguesa, embora algumas comparações internacionais sejam também apresentadas. … Para além disso, apenas é importante sublinhar que as doutrinas clássicas da minimização e do equilíbrio do orçamento ... (Valério, 1997).
Não acompanhamos totalmente este autor nas observações acima transcritas, uma vez que, por um lado, pelo menos na parte relativa às despesas públicas, Oliveira Salazar coloca por diversas vezes questões relacionadas com a dificuldade de redução das despesas e de compressão de orçamentos, de uma forma que, na nossa opinião, não corresponde a uma visão exclusivamente jurídica ou apenas susceptível de ser discutida entre juristas, e que por outro lado, conforme regista Manuel Braga da Cruz na introdução à edição dos Inéditos e Dispersos que promoveu, inserida no Vol. I – Escritos político-sociais e doutrinários, 1908-1928, apresentou no Congresso das Associações Comerciais e Industriais de Portugal em Dezembro de 1923 uma tese em que, numa abordagem com alguns pontos de contacto com a das Lições, se pronunciava sobre a “Redução das despesas públicas” (Cruz, 1997:I, 19-20). Texto por nós consultado nas Teses e Actas do Congresso das Associações Comerciais e Industriais de Portugal mas que Braga da 15
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Cruz recolheu igualmente nos mesmos Inéditos e Dispersos, Vol. II – Estudos económicos e financeiros 1916-1928 (Cruz, 1997:II, tomo 2, 19-29). Também não nos parece líquido que os estudantes a quem foram ministradas estas prelecções, num curso então marcadamente culturalizante, se destinassem exclusivamente às profissões jurídicas, aliás em O Fascismo Catedrático de Salazar Jorge Pais de Sousa chama a atenção para que Salazar terá tido como alunos um conjunto de oficiais do Exército que, a seguir à Primeira Guerra Mundial, terão frequentado a Universidade de Coimbra, com o intuito de melhorarem a sua formação geral, ou mesmo de alcançarem uma licenciatura que os preparasse para o exercício de cargos civis sem renúncia à sua condição de militares, o que terá ajudado a divulgar o nome do Professor junto dos meios a que pertenciam, sendo inclusive por essa via que terá surgido o primeiro convite, logo a seguir ao 28 de Maio de 1926, para se ocupar da pasta das Finanças (Sousa, 2011:282-292). O Decreto n.º 16 044, de 16 de Outubro de 1928 (promulga a lei orgânica das Faculdades de Direito) – que reorganizou o ensino nas Faculdades de Direito de Coimbra e de Lisboa e restabeleceu a segunda, extinta por Decreto do último Ministério da Ditadura presidido pelo General Carmona2 – viria a dar testemunho de que os cursos de Direito eram muito procurados na época. A experiência tem demonstrado que se matriculam no primeiro ano alunos muito insuficientemente preparados para seguirem com aproveitamento o ensino do
Decreto n.º 15 365, de 14 de Abril de 1928 – (Extingue a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a Faculdade de Letras da Universidade do Pôrto e a Faculdade de Farmácia e a Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra – Extingue igualmente o Liceu da Horta e as Escolas Normais Primárias de Coimbra, Braga e Ponta Delgada – Limita, a partir do próximo ano lectivo, a matrícula nos liceus de Lisboa, Pôrto e Coimbra – Determina que, desde o próximo ano lectivo, só seja permitido o funcionamento dos cursos liceais de letras e sciências nas classes cuja matrícula atinja, pelo menos, dez alunos). 2
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direito, com grave prejuízo não só para os cursos a que pertencem, onde são um elemento de atraso e perturbação, mas para eles próprios, porque estão antecipadamente condenados a um seguro insucesso. As provas escritas e orais revelam frequentemente a incapacidade ou falta de habilitação de alunos que não sabem estudar, que não sabem redigir, que não sabem exprimir-se correctamente, a quem faltam noções radicalmente indispensáveis para a compreensão das disciplinas jurídicas. Para corrigir êste defeito torna-se evidente a necessidade dos exames de admissão às Faculdades. Este remédio não é porém de per si bastante para pôr têrmo a um outro mal: a excessiva afluência de alunos que procuram a formatura em direito, por ventura em detrimento de outras profissões não menos necessárias à vida nacional. Dêste facto resulta por um lado a exagerada aglomeração dos cursos, o que pedagógicamente é um grandíssimo inconveniente, que não deve evitar-se com o alargamento exagerado do quadro de professores ou com uma grandíssima acumulação de serviços. Por isso, prescreve-se uma limitação ao número de inscrições no primeiro ano.
Anotemos entretanto, porque tal nos virá a ser útil no desenvolvimento do presente estudo, que a Bibliografia indicada por Salazar para a disciplina de Finanças, a qual aliás Nuno Valério relevou na sua “Introdução”, incluia o já referido Tratado de Marnoco e Sousa, três obras de autores franceses (duas de Gaston Jèze e uma de Edgard Allix), três obras de autores italianos (Niti, Graziani e Einaudi) e o Tratado de Ciência das Finanças do alemão Wagner, em edição francesa, mas nenhum autor anglo-saxónico. Coloca-se finalmente a questão de saber até que ponto seriam as Lições de Finanças …, organizadas em 1922 por João Pereira Neto, fiéis às prelecções do Professor. No já referido O Fascismo Catedrático de Salazar, Jorge Pais de Sousa faz apelo a Bissaia Barreto e à sua descrição das aulas dadas por Salazar pela altura do ano – 1918 – em que fez o seu concurso para Professor:
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2011:282-283).
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Antes de falar, traçava no quadro o plano exacto da sua lição. Assim se evidenciavam as suas raras qualidades de ordem e lógica. Terminava a lição dizendo: “É esta a minha opinião. Quando tiverem consultado os elementos de estudo que lhes indiquei, quando tiverem pesado bem os prós e os contras, sigam, meus senhores, a opinião que lhes parecer melhor”. Não comentava nunca as respostas dos alunos. Os seus olhos frios nunca revelavam aprovação ou descontentamento (Sousa,
No intróito da publicação das Lições de Finanças… de 1922, sob o título “Duas palavras”, escreve João Pereira Neto:
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E como recompensa do nosso trabalho – seja-nos permitido dizê-lo – bastar-nos há a consolação de podermos afirmar que estas LIÇÕES DE FINANÇAS se encontram em perfeita harmonia com as prelecções magistrais do Exmo Senhor Doutor Oliveira Salazar. Se por vezes o desenvolvimento do sumário intercalado no texto não é escrito integralmente, é porque dêste modo se torna a leitura menos pesada e mais simples e nunca, como se poderia depreender, porque se tenham reduzido os assuntos.
Embora não disponhamos de qualquer indicação expressa de que Salazar aprovou formalmente esta versão, não deixamos de notar que foi editada pela Coimbra Editora, que viria a ser também editora de livros publicados pelo Ministro das Finanças e Presidente do Conselho, designadamente A Reorganização Financeira. Dois anos no Ministério das Finanças 19281930, e os seis volumes de Discursos e Notas Políticas. Luís Reis Torgal em Estado Novo, Estados Novos indica: “Note-se que Salazar era sócio da “Coimbra Editora, Limitada” tendo, inclusivamente nela trabalhado nos seus tempos de professor” (Torgal, 2009:I, 133). Ligação também várias vezes referida por Franco Nogueira no seu Salazar, Vol I – A Mocidade e os Princípios (Nogueira, 1977a:I, 256, 273). Já os apontamentos coligidos por Alberto
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Menano sobre as Prelecções de Economia Política viriam a ser publicados pela Gráfica Conimbricense (grafada “Conimbricence”). Seria interessante confrontar o texto com o das Lições de Finanças: Em harmonia com as prelecções feitas pelo Exmo. Sr. Dr. Oliveira Salazar ao Curso do 3.º Ano Jurídico de 1916-1917, Coimbra, Tip. Literária, 1916, organizado por Mário Pais de Sousa, que Jorge Pais de Sousa incluiu nas “Fontes” de O Fascismo Catedrático de Salazar, mas não tivemos acesso àquele trabalho. A concluir esta passagem pelas “Lições de Finanças” de vários Professores de Coimbra, que alargámos aos anos 1930, façamos referência ao que nas Lições de Finanças de harmonia com as prelecções do Exmo Senhor Doutor João Pinto da Costa Leite (Lumbrales), ao curso do III ano jurídico de 19321933, por Hernâni Marques, Paiva Manso, Bacelar Ferreira, reproduzidas na Atlântida – Livraria Editora, Coimbra, 1932, aquele a quem Salazar passara as suas cadeiras e viria a passar em 1940 a pasta das Finanças, explicava, a páginas 82 a 84, sobre a Intendência-Geral do Orçamento: “pertence à Intendência Geral do Orçamento a incumbência de elaborar o Orçamento do Estado“ e mais adiante, a páginas 92 a 94, alertava “ainda não está nitidamente definida a competência da Intendência, visto que ela ainda não funciona”, tentando embora uma distinção: a fiscalização administrativa das despesas públicas no que respeita à utilidade compete à Intendência Geral do Orçamento, no que respeita à contabilidade (execução do orçamento, cumprimento das formalidades legais e dispêndio dos duodécimos) compete à Direcção-Geral da Contabilidade Pública
Ao Tribunal de Contas competiria, por sua vez, a fiscalização judicial (ou jurisdicional) das despesas públicas. Costa Leite (Lumbrales) também remete para o princípio hedonístico na discussão feita a páginas 82 a 84 das suas Lições, concluindo do artigo 16.º do Decreto n.º 16 670: “Os directores e administradores dos serviços são 19
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obrigados a aplicar as verbas que fazem face às despesas dos seus serviços de modo a alcançarem um máximo de rendimento útil com o mínimo dispêndio possível” que “Este artigo estabelece assim, o princípio hedonístico aplicado às Finanças do Estado”. Já nas Lições de Finanças: Em Harmonia com as Prelecções do Prof. Doutor José Teixeira Ribeiro ao curso do III Ano Jurídico de 1935-36, compiladas pelos alunos Frederico Furtado Morgado, Romeu Nobre Gomes e Mário Roseira, Coimbra, Casa do Castelo, 1936, apenas se dá conta da legislação publicada sobre a Intendência-Geral do Orçamento e da circunstância de esta não estar em funcionamento.
Discutindo a possível influência de Congressos Internacionais
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Ana Carina Azevedo, que de algum modo procurou relacionar o diploma de 1929 com a realização de Congressos sobre Organização Científica do Trabalho referenciados na sua investigação, dá conta na sua tese de doutoramento da existência de dois textos de João Camoesas publicados um em 1925 e outro em 1927, com os títulos, respectivamente “O Taylorismo e a organização científica do trabalho” e “O Trabalho Humano”, e da participação de Portugal no IV Congresso de Organização Científica do Trabalho realizado em 1929 em Paris (Azevedo, 2014:1-2) mas na sua dissertação de mestrado, onde discute com maior desenvolvimento a questão, decorre, como já tivemos ocasião de fazer notar em trabalho por nós publicado, que, se na sequência de carta do Secretário-Geral deste Congresso a Oliveira Salazar foi enviada por um núcleo com ligações ao Instituto Superior de Agronomia uma relação de estudos sobre o tema, e nos anos seguintes aprovadas iniciativas relacionadas com a OCT na Agricultura, não se confirma que houve efectivamente participação no referido Congresso de uma delegação portuguesa (ou pelo menos a autora não indica a composição desta), aliás seriam os trabalhos da Secção de Administração privada 20
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e pública do Congresso que poderiam interessar à discussão da génese do diploma de Salazar e desses não há notícia de terem na altura concitado interesse entre nós (Azevedo, 2014:1-2; Azevedo, 2015:42-45; Gonçalves, 2019:274). Acresce que em matéria de investigação sobre a participação portuguesa em Congressos nos causa alguma perplexidade o que Ana Carina Azevedo deixou escrito na sua tese de doutoramento: …ainda na década de 1950, Portugal participaria no IX Congresso Internacional de Organização Científica realizado em Bruxelas entre 5 e 11 de Julho de 1951 – para o qual o secretário-geral do comité nacional belga da organização científica solicita, através da legação de Portugal em Bruxelas, que seja chamada a atenção de industriais, professores e especialistas que em Portugal se interessem pelos trabalhos de organização e gestão de empresas.
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O facto é que também deparámos com este documento quando procurávamos informação sobre a participação portuguesa em Congressos Internacionais de Ciências Administrativas, mas não se encontra junto a ele no arquivo referenciado qualquer outro que comprove o encaminhamento da solicitação para entidades portuguesas, ou a participação destas neste Congresso de 1951, nem ao longo da tese de Ana Carina Azevedo existe qualquer desenvolvimento sobre esta suposta participação. Depois desta referência, a autora passa, sem transição, a discorrer acerca do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (IICA), que nada tem a ver com os Congressos Internacionais de Organização Científica (Azevedo, 2014:238-239). Entretanto, um outro texto de Ana Carina Azevedo, este publicado em Abril de 2019, voltou a suscitar-nos dúvidas sobre a forma como a autora fundamenta as suas referências sobre a participação portuguesa nos Congressos Internacionais de Ciências Administrativas, a ponto de termos considerado imprescindível apresentar estas dúvidas em Apêndice 2 21
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ao presente trabalho, onde também daremos nota de uma actualização da nossa publicação de Fevereiro de 2019 quanto a esses Congressos (Azevedo, 2019). Nessa nossa publicação, ao identificarmos os temas dos primeiros Congressos Internacionais de Ciências Administrativas, assinalámos que o “aperfeiçoamento dos métodos administrativos com vista a um maior rendimento” foi um dos que transitou do Congresso de Paris (1927) para o Congresso de Madrid (1930). Sabendo-se embora que João de Magalhães Colaço, Professor da Faculdade de Direito de Lisboa, foi o único português a participar nos Congressos de 1923, em Bruxelas (para além do responsável pela Legação de Portugal, Alves da Veiga), de 1927 em Paris, e de 1930 em Madrid, e que a Secção Nacional Portuguesa dos Congressos Internacionais de Ciências Administrativas, à qual este Professor pertenceu, foi constituída em 1928 por Portaria do Ministério do Interior, a falta de indícios de que tenha sequer funcionado proíbe-nos de presumir uma influência directa da Secção na génese da criação da Intendência-Geral do Orçamento (Gonçalves, 2019:29, 76-88, 274). Também não temos qualquer elemento que nos sugira que João de Magalhães Colaço tenha feito qualquer comunicação directa sobre o assunto ao seu antigo colega no professorado de Coimbra, Oliveira Salazar. Já poderíamos admitir, sim, que, uma vez que tinha sido indicado em 1923 pela Faculdade de Direito de Lisboa ao Ministério do Interior para ser um dos integrantes de uma delegação portuguesa de que só ele apareceu, e que terá sido indicado directamente pela Faculdade para participar no Congresso de 1927, que tenha feito no regresso destes Congressos relato ou comunicação aos outros Professores da Faculdade, entre os quais se encontrava Fernando Emygdio da Silva, delegado ao Congresso inaugural do movimento em 1910, e que chegara a integrar a primeira Comissão Internacional Permanente, mas a existência de tal relato não está documentada (Gonçalves, 2019:71-81). 22
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De qualquer forma a problemática da Organização Científica do Trabalho era já conhecida na universidade portuguesa pelo menos desde 1913, como nos conta este mesmo Fernando Emygdio da Silva num texto intitulado “Organização Científica do Trabalho. Palavras ditas na sessão comemorativa do exercício da sua actividade entre nós da Fundação Bedaux”, inserido no III Volume das suas Conferências e Mais Dizeres, publicado em 1964 mas onde se refere terem decorrido 12 anos após a morte de Bedaux em 19443, pelo que supomos que o texto datará de 1956 ou de 1957 (Silva, 1964c: III, 211-216).
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Quando já vão mais de quarenta anos estava preparando o meu concurso para a Faculdade de Direito de Lisboa, três pontos, insertos entre os vinte para a tiragem à sorte de uma das minhas lições, particularmente me intrigavam. À luz do que eu tinha aprendido até esse momento não lograva explicar essa inclusão: em resumo, não lhes sabia determinar o conteúdo nem apurar o interesse. Felizmente, num desses dias de exaustivo trabalho, dei, na montra de uma livraria, com um livro, surgido de novo, cujo título bastou para me dar, num relance, a chave do triplo enigma. Chamava-se o autor, Frederic Winslow Taylor e chamava-se o livro “Organização científica do Trabalho”. Parece que pelo maior dos acasos, como vim a saber depois, o Dr. António Centeno dera antes de mim pela brochura, sofrera o aliciante contágio das ideias nela expostas, aptas, com efeito, a impressionar a notória presteza do seu espírito – e, com zelo apostólico para mim não isento de riscos, apressou-se a dar o livro a ler ao seu amigo prof. Roberto Alves, que logo ardeu na mesma chama e sendo precisamente (o mundo é pequeno) o vogal do júri do meu concurso encarregado de formular os pontos de economia política,
Charles Bedaux, com actividade relevante nos Estados Unidos da América, Canadá, Reino Unido e França, aproximou-se do nazismo e acabou por ser capturado aquando da ocupação americana do Norte de África em 1943. Levado para os Estados Unidos, suicidou-se em 1944. A Fundação terá sido instituída pela sua viúva. https://en.wikipedia. org/wiki/Charles_Bedaux . 3
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imprimiu afanosamente a três de entre eles – os tais três pontos até aí misteriosos – cambiantes da doutrina que, embora só com perigo para mim, chegou com leve diferença de tempo, ao conhecimento do examinador e do examinado. Acidentado jogo do alvoroço e do acaso que determinou assim o primeiro ajuste de contas e de ideias realizado em Portugal com base no tema enunciado e de certo modo afim ao debate desta noite. Fàcilmente se compreende que a surpresa e contentamento daquele remoto achado, em ligação com os dados de um verdadeiro problema de fundo na reorganização do trabalho dos homens, houvessem preso para sempre a minha nunca esmorecida curiosidade no seguimento do que então me apareceu.
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António Centeno, indica-nos Filipe S. Fernandes no seu livro À minha maneira, era em 1931-1932 “um dos grandes empresários da época”. Segundo o autor, o empresário em causa, formado em Teologia e em Direito em 1879, esteve envolvido na vida política e foi fundador e proprietário de jornais até à proclamação da República. No entanto, já por esta altura exercia actividades empresariais, tendo sido administrador e depois presidente da Companhias Reunidas de Gás e Electricidade, “de que era um dos principais accionistas portugueses ”, em 1898 “requereu a patente de introdução de nova indústria para transformar sucata de ferro em ferro forjado em bruto ou aço e fazer laminagem do ferro e aço”; “Em 1912 assistiu à conferência realizada por Guglielmo Marconi na sessão promovida pela Sociedade de Geografia de Lisboa, a 23 de Maio. Participou na constituição da Companhia Portuguesa Radio Marconi em 1925, assumindo a presidência entre 1925 e 1938”; “Presidiu à Companhia do Niassa e esteve ligado à Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, à Companhia do Papel do Prado, à Fundição e Construções Mecânicas (Fundição de Oeiras), etc.” e ainda “Em 1896 presidiu à Associação Industrial Portuguesa” (Fernandes, 2013:112-115). Este é o homem de, no dizer de Fernando Emygdio, “notória presteza de espírito” (e exercendo um notável leque de actividades empresariais) que, convenhamos, não podia deixar de ficar impressionado pelas ideias de Taylor. 24
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Quanto a Roberto Alves, revela-nos o “Curriculum” de Fernando Emygdio da Silva, publicado postumamente no V Volume das suas Conferências e Mais Dizeres que o júri das provas realizadas em 1913 era constituído por professores de Coimbra e por este professor da Universidade do Porto (Silva,1975a: V, 11-24). Fernando Emygdio não nos elucida se a edição disponível na livraria correspondia à língua original ou a uma edição francesa, embora seja de excluir que se tratasse de uma edição portuguesa. Recordemos que Braga Paixão, querendo divulgar as ideias de Taylor, sentiu a necessidade em 1920, como já referimos, de fazer uma tradução portuguesa, não se sabendo a partir de que língua.
Os pontos de vista de dois Professores de Lisboa
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Na altura em que António de Oliveira Salazar era o Professor de Finanças de Coimbra, o Professor de Finanças de Lisboa era este Fernando Emygdio da Silva a que acabámos de aludir, o qual, natural da capital, se formara em Direito em Coimbra anos antes de Salazar e aí fizera o seu acto de licenciatura e, em 1911, o seu doutoramento, comparecendo no Congresso Internacional de Ciências Administrativas realizado em Bruxelas em 1910 na qualidade de delegado do Governo e da Sociedade de Geografia de Lisboa (SGL), da qual, conforme assinalámos no nosso as Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012), só se faria sócio em 1936 (Gonçalves, 2019:71-75) . Do que entretanto ficámos a conhecer da personalidade de Fernando Emygdio, concluímos que este, que acumulava o exercício de funções como Professor da Faculdade de Direito de Lisboa com as de Administrador do Banco de Portugal (mais tarde, Vice-Governador em representação dos privados) e de diversas sociedades comerciais, não terá querido inscrever-se na SGL antes do falecimento de seu pai, Manuel Emygdio da 25
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Silva, que era sócio da referida Sociedade, o qual ocorreu em 1936, como aliás só a partir deste ano assumiu funções (como Presidente do Conselho de Administração) no Jardim Zoológico de Lisboa, de que Manuel Emygdio também fora membro da administração. Retenhamos por agora a profunda delicadeza da atitude de Fernando Emygdio neste tipo de circunstância, reencontrá-la-emos mais tarde. Numa miscelânea da Biblioteca Nacional localizámos um opúsculo editado pela Associação Comercial de Lisboa em 1924, com o título A crise financeira e a revisão das despezas públicas. Conferência realizada na Associação Comercial de Lisboa na noute de 30 de Janeiro de 1924. No dia seguinte, o conferencista, Fernando Emygdio da Silva, numa introdução intitulada “Duas palavras”, dá conta de que a referida Associação:
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reincidindo na fidalguia das suas atenções para comigo deliberou não só a publicação que hoje se faz como, de acordo com a respectiva comissão executiva, a inserção deste texto a par dos relatorios notaveis que formam o volume destinado a perpetuar a obra do ultimo congresso das Associações Industriaes e Comerciaes Portuguêsas.
No entanto apesar do suposto acordo da comissão executiva do Congresso, não encontrámos este texto nas 454 páginas do volume de Teses e Actas, tendo a Associação Comercial de Lisboa, apesar do que terá dito a Comissão Executiva do Congresso, acabado por editar autonomamente o texto da conferência. Temos portanto António d’ (assim era grafado o “de” na edição de 1923) Oliveira Salazar e Fernando Emygdio da Silva a pronunciarem-se sobre o mesmo tema – as despesas públicas – numa mesma conjuntura política e económica, anos antes de a Reforma Orçamental ser, primeiro, aprovada, e depois, alargada ao orçamento da despesa com criação da Intendência-Geral do Orçamento.
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Em rigor foram três os académicos, sendo dois de Lisboa, a pronunciar-se sobre o tema nesta ocasião. Escreve Pedro Aires Oliveira que também Armindo Monteiro, muito próximo de Fernando Emygdio da Silva, presente no mesmo Congresso na qualidade de Director do Banco do Continente e Ilhas, apresentou uma comunicação, em que também era identificado como Professor, intitulada “A questão do equilíbrio orçamentário”, que teve grande impacto no Congresso e, posteriormente, na imprensa. O biógrafo político de Armindo Monteiro refere:
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A discussão da sua comunicação teve lugar na sessão nocturna de 2 de Dezembro. Por razões não esclarecidas, Salazar não compareceu nessa sessão, tendo regressado a Coimbra imediatamente após a sua curta conferência … Franco Nogueira, estranhamente, não menciona esta importante comunicação de Salazar na sua biografia do ditador. De qualquer forma não deixa de ser curioso que Salazar tenha apressado o seu regresso a Coimbra. Tendo dado a conhecer as suas propostas financeiras aos representantes das forças económicas, estaria ele interessado em guardar as suas distâncias face à ‘”plutocracia” ? (Oliveira, 2000:49).
Parece-nos mais simples admitir que Oliveira Salazar, já no topo da carreira, percebeu que a sua comunicação, aliás sóbria (pp. 83-95 do volume editado com as intervenções no Congresso) não podia deixar de ficar ofuscada pela intervenção do jovem (ainda não tinha atingido os 30 anos) Doutor da Faculdade, de algum modo concorrente, de Lisboa, Armindo Monteiro, Professor apenas desde o ano anterior, a qual chegou a ser qualificada, por um seu colega do Banco, é certo, durante o debate, de “verdadeiro programa de governo”, e veio a ocupar uma grande parte da edição (pp. 97-167 do mesmo volume). Enquanto a primeira se atinha no essencial às despesas públicas, aliás em estrita obediência ao tema da sessão, a segunda fazia a discussão das finanças portuguesas das últimas décadas e tratava do equilíbrio, da despesa e da receita. Mais, enquanto a primeira era genérica mostrando 27
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grande relutância a formular propostas concretas, a segunda mostrava um profundo conhecimento da Administração da época e revelava-se fortemente propositiva. Só conhecemos uma referência posterior de Salazar a este Congresso, inserida num dos famosos artigos publicados no Novidades em finais de 1927, mais especificamente no de 21 de Dezembro:
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Ao arrumar uns velhos papéis, encontro uma carta de há anos e em que um amigo me pede que consinta na eliminação duma frase por mim escrita em tese destinada a um Congresso qualquer. Havia quem a julgasse pouco patriótica ou pelo menos pessismista, desalentadora para tantos que queriam trabalhar com entusiasmo e com fé. Mandei que se cortassem as palavras do reparo. Diziam: ´a redução das despesas públicas é um problema polìticamente insolúvel’… A frase desapareceu, mas a verdade…a verdade ficou. 4
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Em termos mais amplos, é de fazer notar que chegaram até nós textos apresentados por Salazar em outros eventos mas nenhum relato de confronto de opiniões havido nessas ocasiões com outros oradores5. O relato da ascensão de muitos estadistas é apresentado frequentemente como uma sucessão de veni, vidi, vici, que até pode ser explicada por os protagonistas se furtarem a medir-se com outros opinadores. A análise das intervenções dos três académicos permitiria, por si só, como veremos, intuir que a criação da Intendência-Geral do Orçamento não nascera de uma ideia de Salazar, e não estava prefigurada nas suas lições. A elas voltaremos por isso na II Parte do presente trabalho.
Anais da Revolução Nacional, Vol II, 1926-1930:158. Não podemos também excluir que a não-participação de Salazar se devesse simplesmente a razões familiares, já que na altura a saúde da sua mãe, Maria do Resgate, era periclitante (Nogueira, 1977a: I, 252-285). 4 5
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2. A criação da Intendência-Geral do Orçamento e os factos associados à sua existência jurídica sem instalação O Decreto da “Reforma Orçamental”
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Dos diplomas publicados em 1928 logo a seguir ao início de funções de António de Oliveira Salazar como Ministro das Finanças, o de maior relevo será certamente o Decreto com força de lei n.º 15 465 (Promulga a reforma orçamental), de 14 de Maio, cujas disposições prefiguram orientações mais tarde acolhidas pela Constituição Política da República Portuguesa de 1933. Nessa verdadeira “lei de enquadramento orçamental” adoptam-se medidas de centralização financeira, na sua maioria reunidas numa alínea a) “Organização do orçamento, unidade, universalidade e equilíbrio orçamental”, que antes de mais se traduzem numa centralização de informação no Orçamento-Geral do Estado, incluindo, em mapas criados no preâmbulo, empresas do Estado, autarquias locais (juntas de freguesia, câmaras municipais, juntas gerais de distrito, juntas gerais dos distritos autónomos) e colónias. Dispõe igualmente que
Art. 13.º. Todas as receitas e todas as despesas dos serviços públicos, estejam ou não sujeitos a administrações autónomas e haja ou não fundos especiais que lhes sejam destinados, serão incluídos no orçamento, exceptuando-se apenas as de estabelecimentos financeiros do Estado onde se realizem operações bancárias.
Do mesmo modo se dispunha, sendo também exceptuados os estabelecimentos bancários do Estado, 29
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