ESCRITORES BRASILEIROS CONTEMPORÂNEOS EDIÇÃO 21
Nº. 21
Fevereiro/2021
Foto: Roberto Moreira
E n t re v i s ta I z a k D a h o ra
EDITORIAL Fevereiro marca o aniversário do ator, escritor, músico e professor Izak Dahora, mas o presente é nosso! O artista nos concedeu uma interessantíssima
Fevereiro/2021 nº.21
Revista pertencente à Editora Matarazzo. Email: versejandocomimagens@gmail.com Telefone: (11) 3991-9506. CNPJ: 22.081.489/0001-06. Distribuição: São Paulo - SP. Diretora responsável: Thais Matarazzo - MTB 65.363/SP. Depto. Marketing: Ana Jalloul (11) 98025-7850 Depto. Jurídico: Tatiane Matarazzo Cantero. Periodicidade: mensal. Formato: digital. Capa: Izak Dahora. Fotógrafo: Roberto Moreira Edição 21 - Nº 21 - Ano II - Fev./2021. A opinião e conceitos emitidos em matérias e colunas assinadas não refletem necessariamente a opinião da revista Escritores brasileiros contemporâneos. Contatos www.editoramatarazzo.com.br Facebook: @editoramatarazzosp Instagram: @editoramatarazzo
como o leitor poderá conferir nas páginas a seguir. Geraldo Nunes traz na página São Paulo de Todos os Tempos a histórias das linhas dos bondes paulistanos. A professora Noadias Novaes destaca a importância do uso de máscaras inclusivas pelos docentes no retorno às aulas presenciais. Voz-levante é nome da nova coluna da nossa revista, assinada pela professora, escritora e poeta Mari Vieira. Na coluna Direito, a dra. Gisele Luccas traz um artigo abordando as diferenças entre guarda compartilhada e guarda alternada. Thais Matarazzo traz a crônica Romão, Julinha e uma nota feliz, e o conto Lição de Vida. Contos, crônicas e poemas com os nossos colunistas e colaboradores: Aparecida de Souza Castro, Atilio de Souza Cirando, Fernanda Souza, Luiz Negrão, Marcinha Costa, Nazareth Ferrari, Newton Nazareth, Regina Brito, Ricardo Hidemi Baba e Sandra Regina Alves.
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EXPEDIENTE
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SUMÁRIO Editorial, 2
CRÔNICA
Entrevista Izak da Hora, 13
A aula, 29 Ricardo Hidemi Baba
São Paulo
de
Todos
os
Tem-
pos
Conheça
os nomes das linhas
de bonde que circularam em
São Paulo, 4 Geraldo Nunes
Romão e Julinha feliz, 10 Lição de Vida, 37 Thais Matarazzo
e uma nota
POEMAS Protagonistas, 25 Sandra Regina Porta Bandeira, 26 Fernanda Souza Primavera, 32 Nazareth Ferrari
Voz-levante, 24 Mari Vieira
Série Cadernos poéticos, 33 Aparecida de Sousa Castro
Volta
Passado o Carnaval, 34 Saci ao Pé da Letra, 34 Vacinas para o Mundo, 34 Luiz Negrão
às aulas com máscaras
inclusivas: recurso didático, empatia e simpatia,
Noadias Novaes
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CONTOS
Ménage à Trois, 35 Atilio Ciraudo
Essas ondas fascinantes, 27 Regina Brito
DIREITO
A nova década de vinte, 28 Newton Nazareth
Qual a diferença entre “Guarda Compartilhada e Guarda Alternada???”, 42
O
esquisito do terceiro an-
dar,
41 Neide Ciarlariello
Dra. Gisele Luccas
São Paulo
de todos os tempos
Geraldo Nunes Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.
C onheça
os nomes das
linhas de bonde que
Essas lembranças que me vieram no dia em que São Paulo completou 467 anos, fizeram com que eu vasculhasse uma gaveta para achar uma pesquisa que realizei em 1994, sobre a história do transporte coletivo em São Paulo. Na ocasião entrevistei dois senhores que sabiam tudo sobre bondes: Abelias Rodrigues da Silva e Waldemar Pinto Sampaio, que já não estão mais entre nós. Deles vieram histórias como a do Bailarino, que contarei mais adiante e ainda os nomes e os números de todas as linhas de bonde. Fui mais além, a
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De vez em quando bate uma nostalgia e recentemente, no dia do aniversário de São Paulo, passei a tarde recordando os bondes elétricos da minha infância. Sair de casa para andar de bonde era muito mais gostoso que viajar de ônibus. O bonde andava mais devagar e dava para observar a movimentação do povo nas ruas. Por isso, ainda me lembro do itinerário de algumas linhas e do ponto final dos bondes na Praça Clóvis, em frente à antiga Drogaria do Farto. Naquele tempo as pessoas saiam dos bairros para irem à cidade e não ao centro. Sé, Rua Direita, República; era tudo cidade. Isso ajuda a explicar um pouco a decadência do centro hoje.
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S ão Paulo
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circularam em
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Por volta de 1900 surgiram os primeiros bondes elétricos circulando nas ruas do triângulo, como
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Os bondes elétricos eram largos demais para ruas tão estreitas como as do centro e a situação se tornou perigosa para os pedestres. Naquele tempo as pessoas não tinham o costume de olhar o trânsito antes de atravessar as ruas e muita gente morreu atropelada. Por outro lado, a cidade saiu ganhando porque obteve um transporte limpo, eficiente e que não poluía o ar. A eletricidade passou a fazer parte da vida do paulistano e muito contribuiu para o desenvolvimento da cidade no século 20. Os anos seguiram e o bonde antes herói, foi transforma-
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A tração animal trazia seus inconvenientes, a cidade ficou mal cheirosa. Preciso explicar os motivos? Jornais da época, como o Correio Paulistano, noticiavam a formação de imensas nuvens de mosquitos pela demora das autoridades em remover a sujeira deixada nas vias públicas pelos animais.
a São Bento, que vemos na foto acima quando os trilhos ainda estavam sendo implantados. No dia da inauguração, o povo não cabia em si de tanta alegria e a aglomeração foi geral.
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pesquisa remonta a 1875 quando a capital paulista implantou o serviço de bondes puxados por burros.
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Ao se aposentar virou entregador dos jornais Gazeta da Zona
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Os bondes não tinham motoristas, quem dirigia era chamado de motorneiro. O mais famoso deles foi Augusto Barbosa, o Bailarino. Titular da linha 43 Santana-São Bento, ficou conhecido pela solidariedade com os mais velhos e as crianças. Ele descia da cabine para ajudar as passageiras idosas atravessarem a rua após o desembarque. Habituado em ver todos os dias os mesmos usuários, costumava parar nos pontos e aguardá-los quando estavam atrasados.
O apelido Bailarino veio dos tempos em que jogava futebol na várzea. Quando marcava um gol comemorava fazendo dancinhas como alguns jogadores de hoje. Determinado dia, quebrou um caminhão sobre os trilhos e o bonde ficou retido. Algumas meninas estudantes do Colégio Santana desceram para comprar sorvete e depois retornaram sem pagar nova passagem, em plena Rua Voluntários da Pátria, com a permissão do Bailarino. Um fiscal assistiu a cena e quis demitir o motorneiro, mas a população saiu em defesa dele.
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do em vilão, quando os ônibus começaram surgir em maior número. Mais velozes, obtiveram em curto espaço de tempo a preferência da população. Nessa época ninguém se preocupou com a poluição dos motores dos ônibus porque nem todos sabiam o significado da palavra monóxido de carbono.
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Norte e sua história ali foi publicada pela primeira vez. Em 28 de outubro de 1984 a Gazeta da Norte noticiou: “Morreu Augusto Barbosa,
o motorneiro Bailarino, amigo dos idosos e das crianças”. Nos áureos tempos do bonde, São Paulo chegou a ter 60 linhas para atender a demanda de passageiros de quase todos os bairros. Sua desativação pela Companhia Municipal de Transportes Coletivos - CMTC, começou em 1957 e se completou em 1968.
Conheça as últimas linhas de bonde extintas pela prefeitura*
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24/02/1957 24/02/1957 25/11/1961 25/11/1961 25/11/1961 25/11/1961 25/11/1961 25/11/1961 09/04/1962 15/03/1962 15/03/1962 11/02/1962 25/01/1962 15/04/1962 15/04/1962 15/04/1962 09/04/1962 01/03/1962 20/07/1963
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42- Duarte de Azevedo – São Bento 43- Santana – São Bento 9 – Duque de Caxias 12 - Barra Funda 13 – Barra Funda 14 – Vila Buarque 32 – Vila Prudente 33 – Sorocabanos 1 – Jaraguá 6 – Penha 11 – Bresser 17 – Vila Pompeia 27 – Vila Mariana 30 – Bosque da Saúde 30 A – Praça da Árvore – Bosque 47 – Vila Clementino 53 – Oriente 63 – V. Clementino – V. Madalena 65 – Casa Verde – Fábrica
Data de extinção
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Linha
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* Fontes: Abelias Rodrigues da Silva e Waldemar Pinto Sampaio.
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20/07/1963 13/01/1963 24/02/1963 24/02/1963 01/05/1964 16/11/1964 01/10/1965 01/10/1965 26/03/1966 12/08/1966 10/03/1966 08/07/1966 12/08/1966 12/08/1966 15/07/1966 10/03/1966 10/03/1966 12/08/1966 10/03/1966 30/06/1966 14/01/1967 14/01/1967 21/01/1967 21/07/1967 21/01/1967 21/01/1967 25/01/1967 27/03/1968
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26 – Pq. São Jorge 64 – São Judas – Lapa 102 – Indianópolis 104 – São Judas – Santo Amaro 5 – Bela Vista 23 – Domingos de Morais 3 – Avenida 40 – Jardim Paulista 7 – Penha 19 – Perdizes 24 – Belém 28 – Vila Madalena 29 – Pinheiros 35 – Lapa 36 – Avenida Angélica 49 – Canindé 51 – Rubino de Oliveira 55 – Casa Verde 60 – Penha – Lapa 66 – São Judas Tadeu 4 – Ipiranga 20 – Fábrica 34 – Vila Maria 41 – Belém Auxiliar 61 – Vila Maria – Casa Verde 67 – Alto da Vila Maria 103 – Brooklin Paulista 101 – Santo Amaro – Biológico
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Publiquei na edição anterior da EBC uma crônica em homenagem aos atores Chiquinho Brandão e Flávio Guarnieri. Retorno ao assunto, pois aconteceu uma situação peculiar, muito bonita. A gente sempre guarda na memória afetiva eventos que nos dizem mais ao coração. Um momento de encantamento da minha infância foi assistir o espetáculo Romão e Julinha, de Oscar von Phuhl, quando tinha cinco ou seis anos, no Teatro de Cultura Artística, em São Paulo.
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Crônica de Thais Matarazzo
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e J ulinha e uma nota feliz
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R omão
Encontrei em um sebo no centro da cidade, pouco antes de começar a pandemia da Covid-19 no Brasil, o livro Romão e Julinha. Folhei rapidamente o volume surrado, decidi comprar, coloquei-o na pilha com outros títulos que escolhi. Eu não sei o que aconteceu, quando cheguei em casa a obra não estava na minha sacola. Que pena! Guardei a informação da capa: dois gatinhos e a arte nas cores laranja, amarelo e branco. Passou. Após a publicação da crônica, resolvi procurar o livro no site Estante Virtual. Por sorte encontrei o resultado buscado e um dos itens tinha a capa idêntica ao que eu vi no sebo anteriormente , ou seja, da primeira edição de 1982. Paguei R$ 6,00, bem baratinho. Passada uma semana, o carteiro toca a campainha e me entrega o livro. Quando eu abri, quase desmaiei: a página de rosto está autografada pelo autor e dedicada a quem? Ao Flávio Guarnieri. Na descrição da venda não constava essa informação. Flávio Guarnieri foi o protagonista da peça que assisti junto com a atriz e apresentadora Silvana Teixeira, como narrei na crônica anterior. Que incrível! Coincidência, não?
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um coração generoso, já ouvi diversas pessoas que o conheceram comentarem isso. Mas, o que desejo expressar é que fiquei muito tocada ao receber essa pequena joia literária, pois neste momento eu sou uma paciente oncológica, e posso imaginar como foi difícil a descoberta da doença para o Flávio, uma pessoa tão ativa e talentosa. Parece que pouco tempo depois de saber do diagnóstico, o artista veio a falecer. Então, interpreto que esta “coincidência” não foi uma “coincidência” e sim uma “mãozinha” do Flávio ao fazer o caminho para que o livro viesse ao meu encontro. E que encontro maravilhoso! Alegrou o meu coração porque me fez regressar a uma altura da minha vida onde tudo era alegria e despreocupação. Não reclamo do presente, não, pois graças a Deus e a ciência, meu tratamento oncológico tem dado super certo e estou melhorando um pouquinho por vez. Agradeço o mimo de recordar um momento tão doce da infância, foi uma gota de ternura no presente. Termino esta crônica emocionada. É isso que eu gostaria de compartilhar com o amigo leitor!
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Você pode não acreditar, aconteceu algo «mágico»: ao folhear as páginas senti uma sensação aprazível, envolvente mesmo. Voltou aos meus olhos alguns flashs do espetáculo dos gatos brancos e gatos amarelos interpretados por queridos artistas, diversos pertencentes ao elenco do infantil Bambalalão da TV Cultura, “febre” da criançada na década de 1980. Imediatamente comentei o fato com a minha amiga Camila Giudice, ela também ficou embasbacada com a circunstância. O ator Flávio Guarnieri nos deixou em abril de 2016, aos 56 anos, devido a uma leucemia. Além de grande artista, foi uma pessoa com
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Foto: Roberto Moreira
Artista revela curiosidades sobre sua carreira artística Quem acompanhou a novela Éramos Seis, em 2020, exibida na TV Globo, se lembra do personagem Tião, mecânico e amigo do Alfredo, filho rebelde da d. Lola. Tião foi interpretado por Izak da Hora. A cena em que aparece tocando violino durante a revolução constitucionalista de 1932 foi comovente... e verdadeira: ele é violinista! Izak projetou-se em todo Brasil aos 12 anos quando interpretou o divertido e inquieto Saci-Pererê no Sítio do Picapau Amarelo, entre 2001 e 2006.
Ator, Músico, Professor, Escritor, Pesquisador, Mestre em Artes (UERJ) e Graduado em Artes Cênicas (UNIRIO), Izak possuí um currículo extenso em trabalhos destacados em teatro, televisão e cinema. O artista possui a agenda cheia, trabalha em diversos projetos e é dedicado à todas as suas atividades. Atenciosamente abriu um espaço na agenda para participar da nossa entrevista. Desde já agradecemos sua amabilidade e atenção! Sem mais delongas, vamos lá!
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H ora
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com I zak da
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Foto: Lukas Alenkar
Entrevista
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Como você iniciou sua carreira artística?
Eu participava do Coral (infantil) de Música Antiga da UFF (Universidade Federal Fluminense), quando meus regentes Márcio Selles e Lenora Selles foram convidados a preparar seus alunos para um comercial de fim de ano da Light (empresa de energia elétrica da
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Essa resposta é fácil e difícil ao mesmo tempo, porque sempre tive inclinação para as artes, mesmo quando não racionalizava exatamente o que é ser artista. Eu era sempre o primeiro aluno a levantar o braço quando a professora pedia para alguém ler em voz alta, hastear a bandeira, representar a turma ou organizar o teatro escolar, por exemplo. Aos seis anos, fui um dos reis magos na apresentação que houve na formatura da alfabetização. O “bichinho” da arte está em mim desde cedo. Então, por isso mesmo, ser artista para mim sempre foi algo muito sentido internamente, orgânico, natural, de modo que é até difícil precisar quando ser artista começa pra mim. Tanto que os meus primeiros trabalhos profissionais aconteceram de maneira muito despretensiosa, quase que como brincadeira mesmo.
cidade do Rio). Como neste grupo não havia nenhuma criança negra, eles resolveram convidar um aluno deles de outro grupo musical para o qual lecionavam. Esta criança era eu. A partir de então, um amigo do meu pai que tinha uma agência de figuração (Afro-Brasil Produções), após me assistir no comercial, perguntou se não havia o interesse de que eu participasse de produções de TV através da agência dele. Meu pai disse: “Depende do menino. Se ele quiser...” Eu quis. Era como se eu atravessasse a tela e conhecesse por dentro aquele universo mágico que é a televisão, sabe? Minha geração assistiu muito à TV na infância. Então, havia algo lúdico naquele meu interesse e ida para a TV - uma espécie de expedição, uma aventura na qual pude já aprender noções básicas da linguagem, da vida de trabalho, da responsabilidade com horários e da valorização em relação àquilo que se luta para conquistar. Nisso eu tinha 8, 9 anos. Meu primeiro trabalho profissional foi na novela “Torre de Babel”. Depois participei da minissérie “Chiquinha Gonzaga”. Em ambas as produções estive tecnicamente como figurante, mas na primeira fui na prática um elenco e apoio, que ficava do início ao fim no mesmo núcleo, ganhando uma fala aqui outra ali, o que foi me dando uma
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Quando criança você já queria ser artista?
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Antes de integrar o elenco do Sítio do Picapau Amarelo, você participou de outros programas de TV?
Então... Fiquei naquela agência de figuração que mencionei por uns dois anos, até minha mãe dizer “Chega!”. Porque saíamos de longe (da cidade de São Gonçalo para Jacarepaguá (cidade do Rio), atravessando a Ponte Rio-Niterói), pegando por vezes mais de duas conduções para chegar - e chegávamos no horário! Mas muitas vezes a gravação só começava bem depois do horário marcado, o que nos desgastava muito. Para ter uma ideia, vi meu pai e minha mãe várias vezes desembolsarem um bom dinheiro para fazermos certos trechos de táxi para cumprirmos os horários
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Sempre. A única exigência deles sempre foi em relação ao estudo que, aliás, é uma exigência que vem na minha família desde o meu avô Manoel Montes. Meu avô sempre dizia: “Enquanto ficarem rindo de você porque você vai estudar, não diga nada. O tempo dirá.” Essas palavras do meu avô me marcaram profundamente e acho que elas tem um pouco a ver com a fábula da cigarra e da formiga” (risos). Meus pais fizeram muitos sacrifícios, esforços e renúncias pelos meus estudos e minha formação. E eu desenvolvi um amor muito grande pelos estudos - meu ano de vestibular foi entre gravações (ainda do “Sítio”) e a sala de aula; estudei várias vezes no camarim. Estar na TV ou ser famoso nunca me bastou. Sempre achei que para ser artista ou fazer qualquer coisa bem feita é preciso buscar profundidade. Creio que uma das grandes dificuldades de se educar alguém hoje é estimular esse amor pelo estudo. Ouço crianças e jovens dizerem “estudar é chato”, “ler é chato”. Mas como pode isso se estudar é o que permite a gente
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Seus pais sempre o incentivaram e apoiaram a sua decisão em ser artista?
ser o que quiser ser com qualidade e com a possibilidade de uma visão mais ilustrada da vida? Numa sociedade de tantas promessas de felicidade a qualquer preço, educar solidamente alguém é dificílimo. Tenho pensado muito nisso. Agradeço aos meus pais pelo incentivo à minha carreira artística na mesma proporção do estímulo ao conhecimento, porque isso me possibilitou, inclusive, desbravar diferentes atividades dentro da Arte (como ator, professor, pesquisador etc) e viver delas.
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“casca” na prática televisiva. Algo muito importante pra minha introdução profissional.
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Sem dúvida, os laços de amizade que fiz e os aprendizados que tive. Com o “Sítio”, firmei um entendimento básico da linguagem televisiva e dele trouxe laços com pessoas muito importantes na minha vida e na minha carreira.
Teste. Eu já havia feito vários testes para outras produções. Inclusive, no dia do teste do “Sítio” não queria ir, pois havia feito outro recentemente no qual acabei não
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Como surgiu a oportunidade de entrar para o “Sítio”?
Quais são as melhores lembranças que guarda da época do “Sítio”?
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sendo escolhido, o que mexeu comigo. E naquele dia havia um passeio da escola para um parque aquático muito famoso na época, e que ficava perto do Projac - pode isso? Que ironia (risos) Mas minha mãe, sempre ela, disse: “Nem que seja o último, mas neste você vai porque já assumimos este compromisso. (Nesta altura, eu tinha 12 anos e já estava em uma agência de atoresmirins bastante conhecida por revelar novos talentos, a Désir). Quando cheguei no teste, havia crianças do país inteiro. Aquilo me animou. Creio que fiz o meu melhor. Só me lembro de depois o câmera-man, Simão Castelo, hoje aposentado, chegar perto da minha mãe e dizer “o diretor gostou dele”. O diretor era Roberto Talma, diretor fundamental na minha carreira. Sei que ele gostava do meu trabalho e me tratava com muito afeto. Talma me deu oportunidades muito importantes. Saudade dele. Gratidão a ele.
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estabelecidos, ou voltarmos fora de hora em segurança para casa. Via os dois, com esforço, financiando o meu sonho de ser artista, porque retorno material mesmo não era algo compensatório - figurante sofre. Num determinado momento minha mãe disse “Chega. Se você quer ser ator de verdade a gente te coloca num curso de teatro e você começa a trabalhar como ator.” E assim foi. Minha mãe diz que quando passamos certa vez, numa das muitas vezes a pé, em frente à portaria 3 do antigo “Projac”, hoje Estúdios Globo - a portaria 3 é a entrada oficial do elenco -, eu disse para ela: “Um dia eu vou entrar por ali também.” E aconteceu. Deus me ajudou e fez meus pais de instrumentos. Na fase pós-figuração, como ator-mirim, fiz várias participações - mas agora com personagens de fato, falas, outra condição profissional. Participei de “Angel Mix” (da Angélica), das novelas “Andando nas nuvens” e “Porto dos Milagres” e de vários comerciais de TV.
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Foto: Lukas Alenkar
Como apareceram os convites para trabalhar no teatro e no cinema? Quais peças e filmes você destaca como sendo trabalhos de destaque?
Profissionalmente, o teatro surgiu logo depois das primeiras oportunidades na TV. Foi em 2000, fazendo um espetáculo chamado
Costumo dizer que as crianças são patrões bastante exigentes (risos). Se gostam, são claros. Se não gostam, também. Já trabalhei muito pra criança e creio que isso me deixou uma marca bem forte porque mesmo nos meus atuais projetos de livros, elas estão presentes. Gosto desse universo. Ao mesmo tempo que ele nos pede responsabilidade, ele também nos oferece uma interessante liberdade criativa.
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Gosta de trabalhar com o público infantil?
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Minha vida hoje é a de um artista-docente. Preciso desses dois lados da minha existência para me sentir plenamente preenchido. Penso que o meu artista pode receber um aprimoramento constante por conta da minha atividade de professor/pesquisador e vice-versa. Não consigo mais ficar sem uma dessas duas atividades e sem que elas interajam, se retroalimentem. Lecionar surgiu como uma possibilidade de não parar de trabalhar, por volta dos meus 19 anos, dando aulas de violino, mas como sempre fui um entusiasta do conhecimento, segui vida acadêmica depois da graduação em Artes Cênicas (pela UNIRIO), fazendo um mestrado em Artes (pela UERJ). Hoje sou professor nos cursos de licenciatura em Teatro e de Cinema da Universidade Estácio de Sá.
“Escolacho teen”, com direção do Lúcio Mauro Filho. Depois, paralelamente ao “Sítio” fiz minha segunda peça, e depois do “Sítio”, verticalizei minha vida no palco, que é o norte da minha visão como artista. São mais de doze peças até aqui. Destaco “O Encontro - Malcom X e Martin Luther King Jr.”, “Contra o vento - um musicaos”, “Lima Barreto ao Terceiro Dia” e “Lili - uma história de circo”. No cinema, destaco o filme “Alemão”. Na TV, fiz muita coisa, já perdi a conta, mas destaco aqui “Falas negras”, “Éramos seis”, “Os dias eram assim”, “O astro”, “Escrito nas estrelas”, “Brava Gente (‘Anjo não chora’)” e “Sítio”.
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Paralelo à carreira de ator, você sempre continuou os estudos musicais e se tornou professor. Como foi a experiência de lecionar?
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Não. Este livro é um texto inteiramente diferente do texto da minha dissertação de mestrado. A pesquisa é a mesma mas o texto é outro - fiz questão; para mim e para o leitor. Fiz questão também de que esta publicação fosse o que chamo de “desdobramento” e não “adaptação”, pois durante os quatro anos que se sucederam à minha defesa da dissertação segui pesquisando, amadurecendo e aprofundando percepções, fazendo novas descobertas, entrevistando artistas ligados ao tema. Para mim o processo continuou e é isso que constitui o livro, um “produto” em si. “Arte total brasileira: a teatralidade do “Maior Show da Terra’” é uma investigação sobre a condição teatral dessa manifestação tão genuinamente brasileira: o desfile de escola de samba. Em um país colonizado, de heranças escravocratas e tamanhas desigualdades, foi e ainda é em formas populares que o negro, o mestiço e o sujeito periferizado exercem o seu desejo de representar e de se ver representado. Nenhum outro momento das artes cênicas no Brasil, como os desfiles das escolas
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Você se refere ao “Histórias de sacis”, certo? Considero esse convite da Editora Uirapuru uma dessas ações mágicas da vida. Porque sempre escrevi, desde a infância, brincando, e profissionalmente este sempre foi um desejo. Me vejo com a escrita cada vez mais presente na minha vida. Então, sinto que aquela experiência foi uma oportunidade do destino pra que eu iniciasse oficialmente a minha jornada como escritor. Até porque o processo de conseguir uma editora para publicar um projeto é algo muito difícil. Não quis me valer apenas do conhecimento sobre o Saci que tive como ator ao longo dos seis anos que fiz o “Sítio”. Por isso, exerci meu lado pesquisador, do qual gosto muito, e fui ler Câmara Cascudo, entre outras referências, a fim de buscar algo novo para mim, que me fizesse ter prazer durante a escrita e me sentindo oferecer algo interessante. Me diverti escrevendo o conto “Quem roubou a risada do Rei Saci?”. Este conto abre a coletânea de contos “Histórias de sacis”, reunindo textos de oito autores negros de diferentes regiões do Brasil. Foi uma boa experiência também para criar sob encomenda, com tema pré-determinado e prazos.
O livro “Arte total brasileira: a teatralidade do maior show da Terra” (Cândido, 2019) é o desdobramento da sua tese de mestrado em Artes pela UERJ. Você fez adaptações para a publicação do livro?
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Como surgiu a oportunidade de participar de um livro?
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Deve ter sido uma experiência fantástica escrever a sinopse do enredo da GRES da Grande Rio no carnaval de 2019. Comente como foi o processo? Foi nesta ocasião que você se tornou um pesquisador?
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Experiência incrível! Eu já era pesquisador antes. Foi assim: concluí meu mestrado em 2014 com a promessa feita a mim mesmo de transformar a pesquisa em livro, porque amo os livros e porque sempre acreditei na minha pesquisa sobre a condição teatral dos desfiles, na perspectiva de uma arte totalizante e híbrida. Então durante os quatro anos que se seguiram à defesa, escrevi um novo texto, com uma linguagem acessível a um público que transcendesse o meio acadêmico. E fiz entrevistas com alguns artistas do carnaval, o que não consegui fazer para a dissertação que defendi na UERJ. Com meu ex-orientador, consegui o contato do Renato Lage e da Márcia Lage, casal de carnavalescos importantíssimo. Eles me deram o “sim” e eu fui entrevistá-los. Lá pelo final da conversa, já madrugada, eles me perguntam: “Você não gostaria de trabalhar com a gente?” E eu: “Claro que sim!” A partir daí, iniciamos uma parceria muito interessante. O subtítulo do enredo foi sugestão minha para o argumento deles e assim ficou (“Quem nunca que atire a primeira pedra”). Minhas tarefas foram escrever a sinopse do enredo e o roteiro oficial do desfile. Procurei ouvi-los bastante, conversei com os dois, visitei o escritório do Renato inúmeras vezes, além de rever desfiles dele e do
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de samba, ou expressões como Festival do Boi de Parintins e outras, consegue mobilizar tantas pessoas para a teatralidade, e com tamanha capacidade de articular teatro, música, artes plásticas, performance, vídeo, circo... Uma arte híbrida, coletiva e de sentido totalizante. Quanto mais elitista uma sociedade e uma cultura são, mais a cultura de matriz “popular” (prefiro o termo “brincante”) se fortalece e se reinventa, porque o movimento humano para a arte é uma ânsia natural. Ninguém vive sem o simbólico, sem tentar recriar, reorganizar ou melhor entender as dinâmicas da vida. Este ano não teremos carnaval, evidentemente (ainda estamos [sobre]vivendo a uma pandemia, o que impede aglomerações), mas penso que o mês de fevereiro será um interessante momento para se pensar o carnaval, o seu lugar de maior festividade popular do país, além do futuro da mesma, com todas as implicações dessa reflexão (social, econômica, estética, antropológica etc).
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casal. Tudo a fim de captar o espírito de deles de fazer carnaval. O bacana é que eles me permitiram dar opiniões e sugestões também. Participar da criação de algo que é presentificado por mais de 4 mil pessoas na Avenida (aquele palco com capacidade para cerca de 70 mil pessoas, a céu aberto) é algo indizível. Cada ideia, cada linha de enredo, cada protótipo de fantasia e alegoria estiveram sob meus olhos e dedos no nascedouro daquela criação, junto de Renato e Márcia. Vou carregar pra sempre essa emoção.
Cultura se deram e se dão quando os intelectos e sensibilidades se voltam ao que se chama “popular” (um universo não só de espontaneidade mas também de criação de valores e sistematizações). Eu gosto de apresentar perspectivas de saberes populares em sala de aula, sim. Assumo essa como uma das minhas missões como artista-docente. Muitos jovens não conhecem sentidos básicos da cultura brasileira.
Você é um artista completo, envolvido com diversos projetos, e também é professor universitário. Gosta de lecionar e incentivar os seus alunos nas pesquisas sobre a cultura popular?
Ótima pergunta. Já perdi a conta de quantos trabalhos fiz para a TV e o teatro com o violino. Os autores e diretores adoram aproveitar as outras habilidades que um ator ou atriz traz. O primeiro diretor a ter esse olhar para o meu violino foi Roberto Talma. Minha primeira experiência continuada com arte na minha vida foi com música.
Palhaço Macarrão. Peça Lili - uma história de circo, 2014 - de Lícia Manzo
Fevereiro/2021 nº.21 Escritores brasileiros contemporâneos
Sem dúvida, creio que uma das linhas determinantes do meu trabalho como artista é a do encontro entre “erudito” e “popular”. Com todas as aspas mesmo, porque “popular” é uma forma por vezes até pejorativa de ver a “cultura brincante” - assim autodenominada. E como artista-docente que acredita nos saberes que estão dentro e fora da academia, me interessa levar esses saberes tantas vezes negligenciados e marginalizados para a escola, para a academia. Grandes momentos de virada e de expansão da Arte e da
O violino parece ser uma constante nas suas atuações artísticas. Qual a importância deste instrumento em sua vida?
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Quais são os seus projetos para 2021?
No teatro, a peça “Diva”, que deve ser lançada nas plataformas digitais até abril. Estamos ensaiando esta peça que será em formato on-line (por conta da pandemia), explorando o híbrido entre teatro e cinema. É muito interessante. É uma trama de suspense, algo noir, que explora os limites entre a vida de uma atriz e a “vida” de sua personagem envolvida em um crime. Estou também envolvido com
Acompanhem meus trabalhos através das minhas páginas (@izakdahora no Instagram e izakdahoraartista no Facebook). São canais em que sempre apresento meus pensamentos, trabalhos e no qual gosto de receber o retorno do público sobre o que faço.
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Por quais canais podemos acompanhar as suas atividades artísticas?
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Fui convidado para muitas lives temáticas sobre teatro, educação, cultura, antirracismo... Até então nunca havia feito lives, acredita? Eu as considero trabalhos pois foram verdadeiros debates com colegas que se propuseram a um pensamento embasado, crítico. Me preparei para cada um desses encontros. E me senti honrado por essas realizações.
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Neste período de isolamento social devido à pandemia da Covid-19, você realizou trabalhos virtuais?
um novo filme, de que ainda não posso falar muito sobre, mas que devemos rodar neste semestre. Tem a ver com a transcrição de uma importante obra da literatura brasileira. E meu próximo livro, em cujo projeto trabalho há dez anos, e que deslanchou a partir de dezembro. É um livro de auto-ficção. No mais, sigo lecionando nos cursos de teatro e cinema da UNESA e me preparando para a sequência da vida acadêmica.
Foto: Lukas Alenkar
Durante as apresentações do coral de música, me encantei pelos violinos e comecei a a estudar. O violino é um grande parceiro meu, simboliza meu amor pela música e penso que traduz a minha alma apaixonada pelas coisas que faço. O violino é um instrumento dramático, intenso.
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Foto: Lukas Alenkar
VOZ-LEVANTE Mari Vieira Instagram: @amarivieira Facebook: Mari Vieira
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Brasileiros Contemporâneos. A periodicidade será mensal. O objetivo é nos dedicarmos a produção literária das mulheres, especialmente de mulheres negras. Nosso desejo é que este seja um espaço aberto de reflexão, de divulgação e tudo mais que entendermos como importante para apoiarmos a escrita das mulheres. Conheça um pouco da minha história. Nasci onde não faltava luz e nem horizonte. Tudo era imenso, o céu era intensamente azul, os quintais eram matas e a inspiração um dado da natureza. Todos os caminhos eram quase sempre versos e a poesia morava perto do rio. Tudo era mágico, até a ausência de luz elétrica que só chegou quando eu tinha por volta de seis anos. Saudades do Vale do Jequitinhonha-MG. A São Paulo que me recebeu há mais de vinte anos realizou os sonhos que nasceram lá: me tornei professora, escritora e poeta e cofundadora do coletivo de escritoras negras Flores de Baobá e mestra em Literatura e Crítica Literária pela PUC/SP. Tenho contos e poemas nas antologias Cadernos Negros, Mulherio das Letras, Escritoras de Cadernos Negros, Alma de Poeta, Olhos de Azeviche, revistas Ruído Manifesto e Escritores Brasileiros Contemporâneos, entre outras.
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Voz-levante será a minha coluna aqui, na Revista Escritores
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Protagonistas
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Um pensamento indaga: Será que acontece também No mundo das árvores Uma folha rejeitada Por não estar esverdeada? No mundo dos seres humanos É tão comum... Sigo poetizando Tudo tem um porquê Um propósito a ser dirigido Poeta veste os pensamentos E sem querer O coração é atingido A alma recebe o abrigo Do sentimento A cena vem a mente Em versos é distribuído Conclusão: Por isso me encanto Com os versos que planto São sementes disseminadas Como protagonistas No Universo Caem no ventre da terra A qualquer momento rebentam É só ficar atento
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Num simples piscar Desprendeu-se do galho antes do seu tempo Para o meu admirar Sobre a pedra cinzenta Uma linda folha, Eu vi se ajeitar Chamou a atenção Seu tom alaranjado Apoio da produção A chuva a lavou O Sol a maquiou Nada foi combinado Contudo isso... Aos olhos da poeta Tudo se completa Retrato da poesia A força do tempo A ausência do vento Inspiração assedia Cenário perfeito Estava ali a protagonista Sem nenhum defeito Querendo ser notada Vestida para cena A luz da solidão Com ela contracena.
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Sandra Regina Alves Poeta, cantora e compositora @sandraamoura5@gmail.com
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P orta
bandeira
F ernanda L uiza
Carnaval sobrenome empoçado de brilho, amor, simpatia E no meio da passarela Sou carnaval na avenida.
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Na avenida rainha estandarte, preciosa maravilha que rodopia Ah, o samba me encaminha
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É chegada a hora esperada em meio as tramas e imagens durante toda passagem levo brilho da minha gente
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Meu nome é samba da gente À espera de fevereiro Depois de um ano inteiro Visto a saia rodada
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E ssas
ondas fascinantes
C onto
de
R egina B rito
Regina Brito Professora de Literatura, contista, escritora, poeta e atriz. Nascida na cidade do Rio de Janeiro.
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Quantas viagens, MAR DE INSPIRAÇÃO. Essas vagas ondulantes refletidas no meu interior, me conduziam à terras distantes. Seria a comunhão com meus ancestrais? Ou simplesmente a vontade de mergulhar fundo em busca do meu Netuno? O MAR sempre foi meu confidente. Nas tristezas, alegrias e respostas. Toda a sabedoria adquiri contemplando-o. Envolvi-me, purifiquei-me e o seduzi de diversas formas. E assim, invadi sua profundeza. Eternamente sua... Meu corpo molhado, excitado é fruto do seu carinho. Ele sabe onde tocar-me. Ora me aquece, ora me esfria quando estou ardente de desejos. Mergulho cada vez mais, rodopio, é uma sensação de entrega total... Ah! Assim emerjo e imerso. Totalmente sua e nua.
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C oletivo C ultural B orboletas V oadoras
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A
nova década de vinte
Newton Nazareth é carioca e está lançando dois livros pela Ed. Matarazzo: “CONFINADOS” e “TRILOGIA PANDEMIA” (este em co-autoria com Regina Brito).
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Começara sob o signo da pandemia. A década de 2020 trouxera ao proscênio da existência um singelo micro-organismo. A humanidade passiva assistia ao drama e aguardava o seu desfecho. A cura viria? Tal qual no início do século XX as polícias sanitárias tomaram suas providências para que o ser urbano continuasse a ser um projeto economicamente viável. O planeta girava em torno do Sol sem se queixar, abrigando seu algoz. Três reinos inteiros agonizavam ao domínio de nossas repúblicas imaginárias para que prosseguíssemos no caprichoso desafio ao nosso próprio corpo. O organismo humano resistia ao implacável bombardeio de gordura, açúcar, álcool e demais substâncias nocivas. Adormecíamos doentes e somente despertávamos na manhã seguinte graças ao milagroso florescimento de novas células. Estas gritavam por água e a gente achava que estava com fome. Até que enchêssemos o estômago o cérebro viciado pediria por mais. Qual a diferença entre o monge e o mendigo se ambos não comem quase nada? Ao longo de um século de confinamento descobrimos a resposta que sempre estivera dentro de cada um de nós. Ampliando e fortalecendo a imunidade natural, vencemos todas as pandemias e chegamos à nova década de 2120 curados de nossos velhos vícios. E nunca mais precisamos tomar vacina.
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N ewton N azareth
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A
aula
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meu depoimento, uma moça colocou as dificuldades de se ter um parente cadeirante, no que se refere a calçadas esburacadas, lugares públicos sem acessibilidade e um sentimento de impotência. Chegou a minha vez! Comecei relando que a questão do deficiente como protagonista sequer era abordada tanto pela academia quanto pela sociedade, levar este tema naquele espaço representava um avanço. Não se enquadrar no padrão social impõe barreiras para conseguir um emprego, mesmo com o avanço tecnológico, impede a ascensão social e dificulta os relacionamentos amorosos, isso dói! Viver batalhas impossíveis é dolorido! Percebi lágrimas no olhar daquele professor enérgico! Escutamos os últimos relatos e o docente concluiu: - O machismo e o racismo estruturados no capitalismo geram sofrimentos e dores para todos!
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Como costumava, naquela noite límpida de luar, fui à universidade de São Paulo assistir a uma aula do curso de especialização em psicologia política. Por algum problema que não me recordo, não houve aula, eu e duas amigas fomos procurar o coordenador, e o encontramos lecionando em um curso sobre “gênero”. Entramos na sala, o professor falava que os homens também sofrem com o machismo, pois aqueles que não se enquadram no padrão forte, atlético, rico e branco, são discriminados. Em um segundo momento, foi realizada uma rodada de relatos. Cada relato me fazia refletir. Percebi que minha deficiência não se encaixava no padrão, e por este motivo, há tantos sofrimentos. Ouvi das mulheres, as quais tem salários reduzidos e são julgadas por sua aparência, escutei histórias de racismo e homofobia. Como uma mística, antes do
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Volta às aulas com máscaras inclusivas: recurso didático, empatia e simpatia Noadias Novaes
Professora AEE e amante da inclusão Email: noaquimica@gmail.com
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que pessoas com deficiência auditiva pudessem fazer a leitura labial normalmente. Logo esta máscara ganhou vários adeptos em todo o mundo e não somente da comunidade surda, mas também entre fonoaudiólogos, professores e entre outros profissionais.
Ahsley criou máscaras que ajudam deficientes auditivos e surdos na leitura labial. Foto: Arquivo pessoal
Com tudo, aqui no Brasil, esse apetrecho ficou conhecido como Máscara Inclusiva, porém costumo apresentá -la como a Máscara da Alegria. Afinal, quem não deseja apresentar o seu sorriso, ou aquele batom magnífico no qual ficou escondidinho no uso da máscara comum?
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Com o retorno às aulas presenciais em algumas instituições de ensino, há a preocupação no cumprimentos dos protocolos da OMS no que tange ao combate da COVID-19, uma delas é a utilização de máscaras, por ser um dos itens indispensáveis que proporcionam proteção, evitando o contágio pelas vias aéreas. No entanto, as máscaras comuns dificultam a comunicação verbal e não verbal na compreensão fonética das palavras e na leitura da expressão facial, visto que esses elementos são muito eficazes para promoverem uma situação de aprendizado, segundo o pesquisador e professor Clermont Gauthier: “os professores eficientes empregam sinais não verbais e não obstrutores, que não quebram o efeito do clímax”. Entretanto, especificamente as pessoas com deficiência auditiva/surdez, necessitam fazer a leitura labial para comunicar-se melhor. Porém, com o uso da máscara comum esta comunicação fica prejudicada. Sabendo disso, uma jovem estudante norte-americana Ahsley Lawrence criou máscaras com uma transparência na boca para
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Então o que estão esperando? Se preparem para mostrar esse sorriso lindo, por onde passar. E aos queridos colegas professores se preparem para dar um show de empatia, profissionalismo pedagógico e simpatia. Até mais!!! Abraços inclusivos e não esqueçam de me repassar aquele feedback e sugestões para as próximas edições!!
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A Professora Noadias Castro utilizando a máscara inclusiva em uma de suas aulas domiciliares do projeto AEE NA QUARENTENA.
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tura poderá confeccioná-la, sem muitos segredos: https://www.artesanatopassoapassoja.com.br/mascara-visortransparente-leitura-labial/
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Por tanto, esta máscara nos apresenta mil e uma vantagens para ser utilizada. Ressaltando também que em seu visor transparente ao invés de usar o acetato pode-se utilizar a embalagem de garrafas PET, no qual com esta ação também contribuirá para a preservação do meio ambiente. Então, como Profissionais da educação devemos nos apropriar de estratégias pedagógicas de acordo com o contexto social, cultural onde estar inserido, como afirma o educador Libâneo em um de seus livros: “A profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida.” Conclui-se que esta mascara além de demonstrar o sentimento de empatia com o próximo também torna-se uma ferramenta eficaz na ministração das aulas pois possibilita ao professor uma boa comunicação com seu alunos e assim uma melhor compreensão da disciplina ministrada e o relacionamento aluno-professor consolidado. Visto também que as crianças aprendem através da afetividade fazendo com o que as expressões faciais se tornem um fator importante para o ensino- aprendizagem. Você pode estar se perguntando: Onde posso encontrá-las? Trago abaixo o link em que você obterá o molde gratuitamente e qualquer pessoa com habilidades em cos-
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Nazareth Ferrari Natural de Taubaté, SP. É pintora, escultora, escritora, professora, Pós-Graduada em História da Arte, Engenheira Civil e Membro Titular da Academia Valeparaibana de Letras e Artes. Conquistou inúmeros prêmios em literatura e artes visuais, possuindo obras na Alemanha e na França.
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Série Cadernos poéticos Aparecida de Sousa Castro
Sutileza na mão ao mexer um cozido, mingau ou café. Gesto do encanto feito bailarinos na versatilidade do pé. Na coreografia de um confinamento coletivo, o espelho reflete almas ou demônios em conflito sem corpo de baile, uma nova terra. Lá fora sem público ou fila de espera, passa o vento, passa o pó, a “formiga sem barriga”, a manhã, a tarde, só não passa o barulho da serra. É Homens permanentemente ativos em casa. É serra ao lado, é serra em frente, é serra ao fundo e as janelas dos apartamentos ao anoitecer ainda adormecem. Mais cedo que antes acendem-se as luzes. É a cidade em casa. Falar com os deuses, dá ocupa-
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C oreografia
de um confinamento II
(10/02/2021) Lavamos bem as mãos com água e sabão. Por cima uma camada invisível ataca a outra na contra mão. Cumprimentos e aplausos estão no tempo de repouso. Porém, cotoveladas representam o abraço saudoso. Braço faz é laço para a ciranda da seringa sem vitamina. Todos na mesma dança... Com fé “essa missa” termina.
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(26/08/2020)
do, e de nada adiantaria pois a mente humana anda rasa. Gato nem mia numa pandemia, melhor alimentar o lado cão para que o lobo tenha a mima. O momento é para semideuses em pantomima.
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de um confinamento I
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C oreografia
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P oemas L uiz N egrão
O futuro é hoje E o agora. Na festa e na praia O mundo sou eu. Pra mim ou vai embora. Só se vive uma vez. Curti o que pude Fui feliz e gozei. Em minha memória A família chora.
S aci
ao
Pé
da
Letra
Saci, o protetor das florestas, é Amado por uns, até com efeméride Caçado por outros no redemoinho com peneira Imaginário ser da Cultura Brasileira. Protege as ervas sagradas Em conjunto com os animais Ri das travessuras com o cachimbo Em um pé na encruzilhada Realiza os sonhos proibidos das crianças Êta! Criatura que no cavalo faz trança.
Vacinas
para o
Mundo
Pássaros voam juntos para os ninhos Que construíram. Suas casas Acolhem os filhotes sozinhos Até que aprendam a usar as asas. Assim como as aves e os lírios amarelinhos Pessoas, algumas com vidas rasas, Preparam o longo caminho, Que a pandemia arrasa. Não é a floresta dos pinhos Que o medo embasa E encoraja o vinho. Livro, além de aprender, não atrasa Socializar-se como a trama do linho, Nem da vida o bater das asas.
Luiz Negrão Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito (EPD), publicou os textos históricos: “125 do Café Jardim”, “Homenagem do Dia do Patrono do Fórum de Artur Nogueira e “A atuação do Ministério Público no Caso Emeric Levai”.
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C arnaval
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Passado
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Ménage à Trois
Três: Garcin – Estelle – Inês Através do outro encontrar sentido para sua salvação Conceitos diferentes de liberdade e poder de escolha Calor intenso e sofrimento Estar junto para sempre Sofrer sem interrupção Pois bem, continuem A rigor: o Inferno são os outros.
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Atilio Ciraudo
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Atilio de Souza Ciraudo testando sua liberdade Entre 4 Paredes Continuemos. atiliociraudo@gmail.com
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Três: Ana – Raul – João Existir: relacionar consigo mesmo através do outro Liberdade: livre para sair, enfrentar o desconhecido, permanecer para descobrir Responder pelos próprios atos e consequências Frescor, praia, mar, brisa, risos, alegria, amizade, amor, fraternidade Viver agradecido Pois bem, continuemos A rigor: o Céu somos nós.
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Conto de Thais Matarazzo Primavera de 1915. A Europa sofria com a grande guerra. Atarantado com diversos afazeres e deveres militares, o rei Frederico Augusto III da Saxônia, de 50 anos, resolveu ceder ao pedido da consorte, ou melhor, ex-esposa, pois não viviam juntos há mais de uma década. Nunca mais Luísa teve autorização para visitar os filhos, era considerada um “mau exemplo de conduta” para os principezinhos. Ela enviou diversos pedidos de visitas, todos foram veementemente negados. A princesa Luísa da Toscana abandonou o lar, não conseguiu viver debaixo dos tentáculos da tirania do seu sogro, o rei Jorge. Ela teve as suas razões. O marido nunca tomava partido nos desentendimentos entre nora e sogro. — Frederico, tu és mesmo um banana!, dizia. No fundo, Frederico nunca esquecera Luísa, ainda a amava. A decisão de aceitá-la de volta não cabia a ele, o dever e a honra de um príncipe herdeiro estavam acima dos assuntos do próprio coração.
Tentou, na medida do possível, ser um bom pai para os seis filhos: Jorge, Frederico Cristiano, Ernesto Henrique, Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica, que em maio de 1915, tinham, respectivamente, 22, 21, 18, 14, 13 e 11 anos de idade. Frederico perdeu sua mãe quando jovem, sabia como era amargo o sentimento da orfandade. O rei Frederico Augusto nunca casou-se novamente, católico fervoroso, sabia que seu matrimônio havia sido cancelado pela leis dos homens, mas não pela lei da santa madre igreja. Em privado, nunca insinuou nada de negativo sobre a ex-cônjuge, pelo contrário, contava aos filhos dos atributos positivos da mãe, de como ela era carinhosa enquanto viveu com eles no palácio de Dresden. Costumava, sim, destacar as ações do mau feitio do avô, o rei Jorge, sendo que, por vezes, até ele teve vontade de fugir da Saxônia e viver uma vida livre, todavia... Sabedor do seu dever, alegava que Deus o designou para ser rei (autocrata convicto!) e ele não poderia fugir da sua vontade. Luísa estava grávida quando fugiu, entretanto, não sabia. Internada em um asilo na Suíça, o médico
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Vida
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Lição
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8 anos, Matilde chamou a menina num canto e afirmou: — Ana, você já está uma mocinha e precisa saber uma verdade: tu não és filha do meu irmão. Sua mãe abandonou vocês. Na verdade, você é fruto de um pecado, filha de um serviçal e plebeu. Até hoje não percebo porque não te contaram este fato. Vês os seus olhos e cabelos castanhos, são diferentes dos teus irmãos. Nunca ouvistes comentários? — O que a tia diz? — Não sejas burra, menina. Você entendeu perfeitamente. És uma bastarda! Foste criada aqui por pura caridade de meu finado pai e do meu irmão. És uma vergonha para a nossa família. És plebeia como o teu pai de sangue! — Cala-te, Matilde! — Quem está aí? — Eu ordeno que te cales, ou mando cortar a tua língua venenosa. — Frederico? Ah, és tu... A pequena Ana Mônica correu e abraçou o pai. Ambos saíram e deixaram Matilde sozinha na sala do piano. Com muita delicadeza, Frederico não escondeu a verdade da menina. Com sabedoria precoce, Ana pareceu entender a situação e aceitou.
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da corte, dr. Leopold, foi até lá para reconhecer a criança como filha legítima de Frederico. A princesa alegou que a criança era fruto de uma traição, filha do tutor dos príncipes. Não houve acertos, o médico levaria Ana Mônica, de qualquer maneira. O rei Jorge não admitiria essa “desonra” para o seu herdeiro, já bastava o escândalo da fuga da nora, cá entre nós, arquitetada pelo próprio soberano que queria ver-se livre da “odiosa princesa toscana”. Luísa protestou como pôde, lutou pela filha. Quando a menina recém-nascida chegou a Dresden, Frederico foi conhecê-la: — Tu não tens culpas do erro da tua mãe. És um anjo. Com certeza, és filha do tal tutor... A Ana tem os cabelos pretos e olhos castanhos. Mas, deixa estar, és o último presente que Luísa me deu nesta vida! – pegou a bebê e a embalou. Dali em diante, teria que ser pai e mãe da prole. As crianças reais foram criadas com união, a amizade dos irmãos era interessante. A princesa Matilde, tia dos garotos, sempre maldosa, vivia embriagada. Ninguém gostava da sua presença. Certa feita, quando Ana Mônica completou
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A visita foi agendada na embaixada do Reino Unido em Dresden: Jorge, Frederico Cristiano, Ernesto Henrique, Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica, impecavelmente trajados, observaram quando a grande porta de madeira escura se abriu e Luísa da Toscana adentrou o ambiente, era uma senhora já madura, de cabelos grisalhos e um rosto marcado pelas amarguras, diferente das fotografias que tinham visto no palácio. Luísa encarou os filhos com ternura no olhar. Nenhum dos seis lhe tinha rancor. Quebraram o protocolo
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— Não importa o que dizem, tu és minha filha querida do coração. Está certo? — Sim, papá! Eu te amo! O tempo passou. Finalmente, em 1915, o monarca aceitou que os filhos fossem visitados pela mãe na presença de preceptores e outras pessoas da nobreza saxônica. Os seis ficaram felizes com a notícia, e durante uma semana mal puderam dormir direito. Apesar de todos os serviçais que ficavam à disposição dos príncipes, nunca, nenhum, pôde substituir a presença de uma mãe de verdade...
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As princesas: Margarida Carolina, Maria Alice e Ana Mônica. Foto: domínio público
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com essa atitude. Deixe sua Alteza Real, a princesa Ana Mônica, em paz. Saiba aproveitar a benevolência de vosso ex-marido ter permitido esta visita! A criada puxou a garota de 11 anos pelo braço e foi embora. Ao chegar ao palácio, Ana Mônica correu para encontrar o pai no escritório. — Papai, papai, papai! — O que se passa, menina? — Eu só queria dizer que o senhor é o meu verdadeiro e único pai!
As princesas: Ana Mônica , Maria Alice e Margarida Carolina. Foto: domínio público.
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*** Conto inspirado na biografia da princesa Ana Mônica da Saxônica (1903-1976). Os herdeiros do rei Frederico Augusto III da Saxônia são trinetos dos imperadores do Brasil, d. Pedro I e d. Leopoldina da Áustria.
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Escritores brasileiros contemporâneos
e deram um grande abraço coletivo. As três garotas queriam dizer tantas coisas, perguntar outras tantas, mas o tempo era cronometrado por um conde. Foi servido um chá, Ana Mônica sentou-se ao lado de sua mãe, que a mediu dos pés à cabeça e notou na criança a fisionomia do seu antigo amante. Em seguida, tentou ter uma conversa privada com a filha, contou sobre a sua origem. — Eu já sabia de tudo, respondeu Ana. — E não tens vontade de conhecer teu verdadeiro pai? Não desejas vir comigo, viver com a tua mãe? Não houve resposta. Uma das governantas notou quando as duas foram para um canto da sala e desfez o diálogo constrangedor: — Ora, tenha modos, madame Luísa. Já está indo longe demais
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O esquisito do terceiro andar
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e nenhum amor. Vivia só. A vizinhança o tinha como “aquele esquisito do terceiro andar”. Mas essa figura estoica era um folião inveterado que se preparava com antecedência para a grande folia de Momo. Já no mês de outubro/novembro começava a armazenar tecidos, fitas, plumas, lantejoulas, e pacotes de serpentinas, confetes e caixas de lança perfume. Da minha janela eu avistava seu apartamento e o via abrindo tais pacotes, ficando horas pensativo admirando todos aqueles produtos como que imaginando o que faria com eles. Também nos finais de semana ele ficava debruçado numa antiga máquina de costura a lidar com os tecidos coloridos, alguns com muito brilho numa concentração que o impedia de constatar a minha intromissão. Talvez não fosse correta essa
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Ele era um grande contraste, tímido e fechado em si mesmo, era um homem de meia idade que não gargalhava, econômico no sorriso, limitado nos abraços, econômico nos cumprimentos sempre a esboçar um ar de expectativa. A pesar do sorriso contido, eu sentia que ele trazia no peito a necessidade de expandir uma alegria que não conseguia transformar em gestos e palavras As crianças não se acercavam dele, quiçá por seu semblante fechado, ou por aquelas roupas estranhas e fora de moda com que ele cobria o corpo. Retornava todos os dias às dezesseis horas e impreterivelmente saia pela manhã as seis, sempre com um cachecol envolto no pescoço quase a cobrir-lhe o queixo, fizesse frio ou calor. Ninguém sabia sua profissão de onde vinha, nem para onde ia. Não tinha família, alguns raros amigos
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Neide Ciarlariello Sabichi
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Num jogo de cara e coroa eu tentava adivinhar qual seria sua fantasia. Um lindo pirata? Um cigano? Um pássaro estilizado? Não sei. Mas no dia seguinte, enquanto ele fixava os losangos coloridos na já concluída blusa de mangas bufantes, sua expressão era de êxtase e eu pude observar que seu rosto se iluminava a cada peça fixada. Ah... com certeza nesse momento ele assobiava “Um pierrô apaixonado que vivia só cantando...” e ia planejando como remeter as serpentinas para laçar sua colombina e se enredar em seus braços, numa aproximação permissiva que as partes desejam e o carnaval facilita. O tempo foi passando e o “esquisito do terceiro andar” terminou sua linda fantasia e a colocou num cabide pendurado no lustre. Que lugar mais estranho de pendurar uma roupa, enfim... acredito que era para melhor visualizá-la, imaginando o momento de vesti-la e realizar seu sonho de alegria. Com certeza era isso mesmo que ele pensava porque a observava de todos os ângulos sempre em círculos,
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minha invasão na casa alheia, mas era impossível resistir pois sua janela nunca se fechava e aquela figura sempre ensimesmada, me encafifava. Sobre a pequena mesa de madeira ele selecionava algumas plumas, também coloridas, e recortava delicados losangos e os colocava na primeira prateleira da estante que mantinha ao lado de um espelho, onde refletia uma antiga eletrola e uma pilha de discos. E nesse afã ele edificava sua fantasia e eu, da minha janela imaginava que ele deveria estar sonhando com o tríduo da alegria, e tentava adivinhar quais seriam as musicas que ele estava ouvindo, numa associação com a tarefa que ele executava. Com certeza na hora em que desamarrava o barbante e abria os embrulhos de toda parafernália carnavalesca adquirida, ele deveria cantarolar “Ô abre alas que eu quero passar....”, porque esse primeiro acorde da lendária marchinha de Chiquinha Gonzaga, é um pede passagem à folia e deve tê-lo feito sentir a fragrância da lança perfume do carnaval de outrora.
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♪♫♪♫♪♫♪♫ “quarta-feira de cinzas amanhece, na cidade há um silencio que até parece, que o próprio mundo se despovoou ...” ♪♫♪♫♪♫♪♫ §
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feliz, aberto à tudo o que vida poderia lhe proporcionar de alegria e aventura naquela noite de carnaval. Esperei... esperei..., mas o terceiro andar permaneceu as escuras por toda a noite. No dia seguinte, a janela emoldurava a mesma sala, a mesma fantasia pendurada no mesmo lustre, e assim foi até a manhã da quartafeira de cinzas, quando a janela do terceiro andar finalmente amanheceu aberta. Da outra minha janela, aquela que me dá visão para a rua, vinha um grande burburinho de vozes e uma sirene tocava alto ininterruptamente; corri para lá e além da garoa fina que cobria aquela manhã avistei um esquife que era introduzida num carro funerário.
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balançando a cabeça afirmativamente, como que inspecionando sua perfeição. O artista admirava sua obra! A ansiedade me dominava. Mal podia esperar o sábado de carnaval para vê-lo envergar seu lindo pierrô e quiçá ver em seu rosto um largo sorriso, quando finalmente, ele pudesse se admirar no espelho fixado ao lado da estante. Da minha janela eu, eufórica, o aplaudiria efusivamente e passaria imediatamente para a outra janela que me dá visão da rua, por onde ele seguiria a passos largos cantarolando “mamãe eu quero... mamãe eu quero... mamãe eu quero mamar”. Acordei no sábado de carnaval e corri para a janela. Lá estava a fantasia pendurada no lustre, mas não avistei meu vizinho. O dia custou a passar e eu aguardei o anoitecer para que a luz do terceiro andar se ascendesse e assim eu pudesse acompanhar a metamorfose do “esquisito do terceiro andar” num lindo pierrô apaixonado. Eu queria ver a transformação daquele homem tímido e fechado, econômico no sorriso e que não gargalhava, num homem
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A guarda pode ser entendida como a responsabilização dos pais pelos filhos, de forma que aqueles têm o direito de manter os menores em sua companhia, para que cumpram o dever de proteger e cuidar da prole. No momento em que um casal decide fixar a guarda dos filhos, muitas dúvidas paíram
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Dra. Gisele Luccas
a respeito do que seja Guarda Compartilha e Alternada. Passamos à análise com o intuito deobservarmos algumas diferenças importantes entre as referidas modalidades. A GUARDA ALTERNADA caracteriza-se pela distribuição de tempo em que a guarda deve ficar com um e com outro genitor. O filho fica, por exemplo, uma semana residindo com a genitora e outra semana com o genitor. Durante os períodos determinados, ocorre a transferência total da responsabilidade em relação à prole. Tomando por base o exemplo citado acima,
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QUAL A DIFERENÇA ENTRE “GUARDA COMPARTILHADA E GUARDA ALTERNADA???”
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se busca é a maior participação dos pais na rotina das crianças e adolescentes, não havendo necessidade, contudo, de se dividir o tempo da criança ou do adolescente em mais de uma residência. O objetivo deste modelo é que os pais obtenham o exercício comum da guarda, sendo perfeitamente possível que a criança possua uma residência fixa, enquanto na guarda alternada ela faz um revezamento entre as residências dos pais. A residência única mantém o referencial de lar existente antes da ruptura dos pais, e é isso que se procura manter na guarda compartilhada, já que o que se busca é o menor número possível de mudanças na rotina da prole. O que ocorre é que o filho deve passar um período de tempo com cada um dos genitores, sem que isso seja previamente fixado e, mesmo assim, a residência de referência continua sendo uma só. É claro que em vários momentos será essencial o
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tem-se que a mãe seria a guardiã e responsável durante uma semana e o pai seria o guardião e responsável na semana seguinte. Para alguns doutrinadores, a guarda alternada não é a mais recomendada, tendo em vista que a criança pode perder o referencial de família, em razão das diversas mudanças em seu cotidiano e da necessária estabilidade para seu completo desenvolvimento. Entendem, ainda, que quando os filhos têm pouca idade, isso gera uma dificuldade de adaptação, e, quando atingem uma idade na qual se possui maior capacidade de discernimento, os filhos jovens acabam aproveitando as trocas de residência para fugir de possíveis situações de conflito, quando não conseguem que o pai (ou a mãe) faça aquilo que desejam. Na GUARDA COMPARTILHADA, por sua vez, o que se compartilha são as responsabilidades relativas ao filho, independentemente de quanto tempo aquele passa na casa de cada um dos genitores. Assim, o que
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É Advogada, Especialista em Direito Médico, Pós Graduada em Perícia Criminal e Ciências Forenses, Capacitação em Psicopatologia Forense, Mediadora Judicial e Privada cadastrada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Palestrante, Colunista, Mestranda em Psicologia Criminal / Especialização Psicologia Forense (Universidad Europeia Del Atlântico - Espanha).
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Dra. Gisele Luccas
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diálogo entre os genitores, para decidir questões referentes à prole, já que ambos estarão exercendo a guarda em igualdade. Contudo, assuntos difíceis referentes aos filhos não podem ser resolvidos com a imposição de comportamentos, sendo apenas razoável a interferência do Poder Judiciário até que os pais entrem em consenso, o que deve ser buscado o mais rápido possível. Cabe acrescentar, ainda, que a Lei 11.698/2008, em seu artigo 1º, parágrafo 5º possibilita o deferimento judicial da guarda para terceira pessoa quando o juiz verificar que o filho não deve permanecer com o pai ou com a mãe. Nesse caso, o juiz atribuirá a guarda preferencialmente, à pessoa que tiver grau de parentesco, relações de afinidade e afetividade com a criança ou adolescente, muito comum nos casos de Alienação Parental. Entre “qualquer modalidade de fixação de guarda”, vise sempre... dar AMOR!!!
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