Sollicitare n.º 29

Page 1

EDIÇÃO N.º 29 \ QUADRIMESTRAL \ OUTUBRO 2020 – JANEIRO 2021 \ €2,50

REPORTAGEM

UM DIA COM UM DEPUTADO ENTREVISTA

CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES: Sim ou Não?

REPORTAGEM

DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

ENTREVISTA COM

DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO Presidente do Supremo Tribunal Administrativo


FICHA TÉCNICA

Sollicitare

ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

Diretor José Carlos Resende Editor Rui Miguel Simão Redatores principais André Silva, Dina Teixeira, Joana Gonçalves Colaboram nesta edição: Carla Matos Pinto, Carlos Mineiro Aires, Filipa Manuela de Oliveira, Francisco Serra Loureiro, João Pedro Amorim, Keriny Baixo, Marcelino Costa Santos, Miguel Ângelo Costa, Nuno Almeida Ribeiro, Susana Antas Videira e Susana Pinto Conselho Geral Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt Conselho Regional do Porto Tel. 222 074 700 · Fax 222 054 140 c.r.porto@osae.pt Conselho Regional de Coimbra Tel. 239 070 690/1 c.r.coimbra@osae.pt Conselho Regional de Lisboa Tel. 213 800 030 · Fax 213 534 834 c.r.lisboa@osae.pt Design: Atelier Gráficos à Lapa www.graficosalapa.pt Impressão: Lidergraf, Artes Gráficas, SA Rua do Galhano, n.º 15 4480-089 Vila do Conde Tiragem: 6 500 Exemplares Periodicidade: Quadrimestral ISSN 1646-7914 Depósito legal 262853/07 Registo na ERC com o n.º 126585 Sede da Redação e do Editor Rua Artilharia 1, n.º 63, 1250 - 038 Lisboa N.º de Contribuinte do proprietário 500 963 126 Propriedade: Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução Rua Artilharia 1, n.º 63 1250-038 Lisboa – Portugal Tel. 213 894 200 · Fax 213 534 870 geral@osae.pt www.osae.pt Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os conteúdos publicitários são da exclusiva responsabilidade dos respetivos anunciantes.

EDIÇÃO N.º 29 \ OUTUBRO 2020 – JANEIRO 2021

REVISTA DA ORDEM DOS SOLICITADORES E DOS AGENTES DE EXECUÇÃO

BASTONÁRIO José Carlos Resende ASSEMBLEIA GERAL PRESIDENTE: Armando Oliveira (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Paulo Branco (Braga) 2ª SECRETÁRIA: Ana Filipa da Silva (Seixal) CONSELHO GERAL PRESIDENTE: José Carlos Resende (Viana do Castelo) 1º VICE-PRESIDENTE: Paulo Teixeira (Matosinhos) 2º VICE-PRESIDENTE: Armando A. Oliveira (Braga) 3ª VICE-PRESIDENTE: Edite Gaspar (Lisboa) 1º SECRETÁRIO: Rui Miguel Simão (Lisboa) 2ª SECRETÁRIA: Rute Baptista Pato (Benavente) TESOUREIRA: Vanda Santos Nunes (Barreiro) VOGAIS: João Coutinho (Figueira da Foz), Carla Franco Pereira (Évora) Ana Paula Gomes da Costa (Sintra), Maria José Almeida Ricardo (Lisboa) Francisco Serra Loureiro (Figueira da Foz) CONSELHO SUPERIOR PRESIDENTE: Carlos de Matos (Lisboa) VICE-PRESIDENTE: Mário Couto (Vila Nova de Gaia) SECRETÁRIA: Maria dos Anjos Fernandes (Leiria) VOGAIS: Otília Ferreira (Lamego), José Guilherme Pinto (Maia), Neusa Silva (Viseu) Valter Jorge Rodrigues (Moita), Margarida Carvalho (Lisboa), Alberto Braz (Coimbra) Susana Pinto (Felgueiras), Ana de Sousa Matos (Paços de Ferreira) CONSELHO FISCAL PRESIDENTE: Miguel Ângelo Costa (Barcelos) SECRETÁRIO: João Francisco Lameiro Pinto (Sesimbra) VOGAL: Mazars & Associados, Sroc, S.A. CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS SOLICITADORES PRESIDENTE: Júlio Santos (Silves) VICE-PRESIDENTE: Fernando Rodrigues (Matosinhos) VOGAIS: Marco Antunes (Vagos), Lénia Conde S. Alves (Leiria), Christian Pedrosa (Almada) CONSELHO PROFISSIONAL DO COLÉGIO DOS AGENTES DE EXECUÇÃO PRESIDENTE: Jacinto Neto (Loures) VICE-PRESIDENTE: Mara Fernandes (Lisboa) VOGAIS: Marco Santos (Trofa), Susana Rocha (Matosinhos) Nelson Santos (Marinha Grande) CONSELHO REGIONAL DO PORTO PRESIDENTE: Duarte Pinto (Porto) SECRETÁRIA: Alexandra Ferreira (Porto) VOGAIS: Elizabete Pinto (Porto), Nuno Manuel de Almeida Ribeiro (Santa Maria da Feira) Delfim Costa (Barcelos) CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA PRESIDENTE: Anabela Veloso (Santa Comba Dão) SECRETÁRIO: Leandro Siopa (Pombal) VOGAIS: Edna Nabais (Castelo Branco), Amílcar dos Santos Cunha (Cantanhede) Graça Isabel Carreira (Alcobaça) CONSELHO REGIONAL DE LISBOA PRESIDENTE: João Aleixo Cândido (Seixal) SECRETÁRIO: António Correia Novo (Portalegre) VOGAIS: Natércia Reigada (Lagos), Maria José Santos (Silves) Carlos Botelho (Almada) Estatuto editorial disponível em: http://osae.pt/pt/pag/osae/estatutos-editoriais/1/1/1/361

Os artigos e entrevistas remetidos para a redação da Sollicitare serão geridos e publicados consoante as temáticas abordadas em cada edição e o espaço disponível.


EDITORIAL

A

Sollicitare deste mês dá capa à Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), Juíza Conselheira Dulce Manuel da Conceição Neto. É evidente a simbologia de vermos a primeira mulher a presidir a um tribunal superior em Portugal. No entanto, a entrevista ultrapassa, em muito, esse significado. A Presidente do STA assume com desassombro os graves problemas que existem na Justiça administrativa. Constata que o Estado é maioritariamente réu nas ações, sendo, aparentemente, o beneficiário do atraso processual. Denuncia ainda várias falhas, com especial destaque para o Sistema Informático de Apoio aos Tribunais Administrativos e Fiscais – SITAF – que ainda dificulta a atuação e intervenção dos agentes de execução. Durante longos anos foi consensual que o “cancro” que originava os principais atrasos judiciais residia nos processos de execução. Com a introdução de ferramentas e metodologias inovadoras em Portugal e na Europa e o empenho do Ministério da Justiça, dos agentes de execução e dos outros operadores judiciais conseguiu-se resolver essa patologia. Tardam em ser resolvidos os problemas do processo administrativo! Que geram incerteza, desconfiança e um recurso exagerado a maus remédios, como é o caso das providências cautelares ou das decisões arbitrais. Especial atenção merece também a entrevista/debate referente à Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Num momento em que tanto se discute o futuro da mesma, é de salutar todo o diálogo sobre esta temática. Neste número, conhecemos duas opiniões opostas: a de José Manuel Oliveira, Solicitador há 47 anos e Vogal da Direção da CPAS, e a de Luís Martins, Solicitador desde agosto de 2019. Em comum, a preocupação com o futuro da classe. No que diz respeito às reportagens, a nossa equipa partiu numa viagem por salas, paredes, corredores e fachadas e conta-nos de que são feitos os tribunais. Com a orientação de Vasco Costa, Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ, de Miguel Gama, arquiteto e responsável pelo Núcleo de Elaboração de Projetos do IGFEJ, e de Patrícia Branco, Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, começamos a descobrir os meandros da construção e da manutenção dos edifícios

José Carlos Resende Bastonário da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

que compõe o parque judiciário português. Vamos criar uma rubrica sobre infraestruturas da Justiça. Começamos a analisar o funcionamento da estrutura responsável pelos projetos e manutenção. No futuro pretendemos aprofundar as seguintes questões: os edifícios facilitam o acesso à Justiça e a publicidade dos julgamentos? Fomentam a mediação? Têm um custo racional? Como adequá-las às mudanças sociológicas ocorridas nos últimos decénios? Importante é também a reportagem “Um dia com um Deputado”. A Sollicitare acompanhou o dia a dia de dois deputados e ficou a conhecer as rotinas destes profissionais que nos representam na casa da democracia. Neste número 29 da Sollicitare continuamos a dar seguimento à rubrica ‘especial religião’, numa incessante descoberta dos credos que se assumem como mais representativos no nosso país. Depois do Hinduísmo, é tempo de conhecermos a Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica pelos olhos do Bispo Diocesano D. Jorge Pina Cabral. É ainda de realçar que, a partir deste número, a revista conta um espaço dedicado aos Conselhos Regionais. Nesta edição, começamos por ter uma breve caracterização dos mesmos, com o intuito de conhecer melhor a sua história e organização. Quanto à vida da nossa Ordem, salientamos o protocolo assinado entre a OSAE e a Câmara Municipal do Montijo, parceria realizada com o intuito de apoiar as pessoas mais carenciadas através de apoio jurídico gratuito. De referir, também, as conferências online “CPAS?” – o mais recente contributo da nossa Ordem para debater o futuro desta Caixa de Previdência – e “Nacionalidade portuguesa para Judeus Sefarditas”, que reuniu na sede da OSAE diversas personalidades que analisaram a Lei da Nacionalidade, com especial foco na questão dos Judeus Sefarditas. Estes são os principais temas que marcam esta vigésima nona edição da nossa revista. Esperemos que constituam um instrumento de cultura e de conhecimento para os nossos leitores. : :

Sollicitare 1


Sollicitareíndex Labor N.29 \ OUTUBRO 2020 – JANEIRO 2021

DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO

Presidente do Supremo Tribunal Administrativo

UM DIA COM UM DEPUTADO Reportagem 12

Entrevista 4

CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES: SIM OU NÃO? Entrevista 22

Fotografia capa: Cláudia Teixeira

EDITORIAL

1

OSAE O primeiro ano da Plataforma de formação do IFBM 20 O IFBM EXPLICA... O Teletrabalho – uma (nova) realidade PROFISSÃO A [não] Sujeição das Ordens Profissionais ao registo do beneficiário efetivo Entrevista com Luís Manuel Martins Ribeiro Alojamento Local – Regime Jurídico Solicitadores ilustres Manuel D’Agro Ferreira Tecnologia Registo Online de Atos de Solicitadores – A vanguarda da segurança documental Das resoluções alternativas de litígios Direito de preferência e o arrendamento

2

41

42 44 49 50

60 71 72


Improbus Omnia Vincit Labor Improbus Omnia Vincit

ESPAÇO DOS CONSELHOS REGIONAIS

DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

IGREJA LUSITANA

Da espiritualidade anglicana ao movimento “velho-católico”

Reportagem 34

OSAE 28

PEDRO FERNANDES Locutor e apresentador Entrevista 64

Reportagem 52

ORDENS Engenharia: uma profissão para responder a desafios

63

PRODUTOS COM HISTÓRIA Pastilhas Gorila: a adoçar Portugal desde 1975

74

ROTEIRO GASTRONÓMICO Napoleão Taberna Cervejaria Norte

80 81

VIAGENS Felgueiras. Um concelho para descobrir Granada. A pérola da Andaluzia

83 84

SUGESTÕES Teses / Resumos 62 Leituras 73

Edifício no Campus de Justiça de Lisboa

Sollicitare 3


ENTREVISTA

“Ser a primeira mulher a chegar ao cargo constitui, sem dúvida, uma enorme honra”

DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO P RESIDENT E DO S UPR E M O T R IBU N A L A D M IN IST R AT IVO É, desde outubro de 2019, a primeira mulher a presidir a um tribunal superior em Portugal, passo que encara como natural para uma magistrada com trinta e cinco anos de carreira judicial e inevitável naquela que foi uma longa caminhada percorrida pelas mulheres portuguesas desde os tempos em que o acesso à magistratura lhes estava vedado. Nesta conversa com Dulce Manuel da Conceição Neto, Juíza Conselheira e Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, fique a conhecer os desafios que revestem o cargo e a justiça administrativa e fiscal, hoje e no futuro. Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia Cláudia Teixeira

4


Sollicitare 5


ENTREVISTA COM DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO

É presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA) desde outubro de 2019, momento em que se tornou a primeira mulher a presidir um supremo tribunal português. O que representa para si este cargo? Tem um significado especial, sabendo que até ao 25 de Abril de 1974 a carreira da magistratura estava vedada às mulheres? Ser presidente de um supremo tribunal e, por inerência, de um órgão superior de gestão e disciplina de magistrados judiciais, significa assumir responsabilidades, enfrentar desafios e cumprir compromissos, e, como tal, vejo este cargo como algo absolutamente natural para uma magistrada com trinta e cinco anos de carreira judicial. Um passo natural e inevitável nesta longa caminhada que nós, mulheres portuguesas, temos percorrido desde os tempos em que nos estava vedado o acesso à magistratura e onde diariamente temos dado provas não só da nossa aptidão, competência, empenho e brio profissional, como de capacidades de liderança, ocupando gradualmente, com toda a naturalidade e justiça, espaços e funções historicamente masculinos. Foi, aliás, com essa naturalidade que encarei a minha eleição, em 2011, como a primeira vice-presidente do um supremo tribunal em Portugal e que encarei o facto de nas eleições realizadas em 2016 para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativas e Fiscais (CSTAF) ter sido eleita, através de expressiva votação dos juízes de todas as instâncias, a lista que encabecei composta maioritariamente por mulheres. Mas ser a primeira mulher a chegar ao cargo constitui, sem dúvida, uma enorme honra, não só pelo seu significado simbólico, de reconfiguração da Justiça-Mulher, que de mero símbolo talhado na pedra se transmuta em símbolo vivo, de carne e osso, do longe a que as mulheres portuguesas chegaram na magistratura, mas também por ter sido alcançado numa eleição entre pares num colégio maioritariamente masculino. É algo que me deixa cheia de alegria. Como conseguiremos explicar o papel da jurisdição administrativa e fiscal ao cidadão? Em que casos é que se deverá recorrer a um Tribunal Administrativo e Fiscal? Tentando utilizar uma linguagem acessível, ainda que genérica e algo redutora, diria que esta jurisdição é composta por tribunais especializados no controlo da atuação do Estado e demais entidades públicas, sobretudo a nível da legalidade de atos administrativos praticados pela Administração Pública – desde o indeferimento das mais diversas pretensões formuladas por cidadãos e empresas, a litígios que surgem a nível de concursos públicos, de vínculos de trabalho em funções públicas, de proteção social, de punição disciplinar, de urbanismo, de ambiente, de asilo, etc. – e da legalidade de atos tributários – liquidações de impostos, taxas e contribuições – ou de atos administrativos em matéria tributária. Para além de serem os tribunais que julgam as ações de responsabilidade civil instauradas pelos cidadãos contra o Estado e demais entidades públicas por danos provocados com atos ilegais e atos ilícitos, de que constituem exemplo os

6

danos por atos médicos praticados em hospitais públicos ou por atrasos na administração da justiça. É uma jurisdição que dispõe de uma rede nacional de 16 tribunais administrativos e 16 tribunais tributários de 1ª instância, aos quais os cidadãos e empresas devem recorrer para se defenderem de atos lesivos dos seus direitos e interesses legalmente protegidos; que dispõe de dois tribunais de 2ª instância que funcionam sobretudo como tribunais de recurso das decisões de 1ª instância; e que dispõe de um órgão de cúpula – o STA – que funciona como tribunal de recurso, de revista, de reenvio prejudicial e de uniformização de jurisprudência, com a acrescida competência de julgar em primeiro grau de jurisdição processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões de importantes órgãos e entidades públicas, designadamente do Presidente da República, da Assembleia da República e seu Presidente, do Conselho de Ministros e do Primeiro-Ministro. No fundo, estes são os tribunais em que o Estado (em sentido amplo) é sempre o Réu. O que pode fazer alguma luz sobre o desinvestimento na eficiência destes tribunais. Considera que as fronteiras de competências entre a jurisdição comum e a jurisdição administrativa estão suficientemente definidas? Penso que sim, ainda que existam zonas em que a rede da fronteira possa estar mais esbatida ou tenha uma malha mais problemática. Mas ela está desenhada de forma clara: o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal é delimitado em função da qualificação dos litígios como emergentes de relações jurídicas administrativas e tributárias. Uma fronteira que segue um critério material, ligado à natureza da questão a dirimir. E o que normalmente embaraça e provoca o conflito de jurisdições é a interpretação do pedido e dos seus fundamentos face aos termos em que o autor configura a ação, sendo os conflitos mais frequentes na área administrativa do que na área fiscal. Esses conflitos são resolvidos no Tribunal de Conflitos – cuja composição e modo de funcionamento foi recentemente alterada pela Lei nº 91/2019 – e não podem considerar-se numerosos. Foram resolvidos 42 conflitos em 2016, 61 conflitos em 2017, 66 conflitos em 2018 e 40 conflitos em 2019. O que não pode considerar-se expressivo face ao volume anual de litígios pendentes nas duas jurisdições, e que na 1ª instância desta jurisdição ronda os 70.000 processos. Em Portugal existe um sentimento geral de que os processos se arrastam demasiado tempo nos Tribunais Administrativos e Fiscais. A isto acrescem as queixas recorrentes sobre falta de meios e de recursos. Podemos dizer que a jurisdição administrativa e fiscal é o parente pobre da Justiça, em Portugal? Assim é, infelizmente. Os processos demoram demasiado tempo a serem decididos e os juízes arcam com o peso de


Os processos demoram demasiado tempo a serem decididos e os juízes arcam com o peso de uma culpa, que não é sua, de não conseguirem dar resposta atempada a um volume de litigância claramente excessivo para a capacidade dos meios instalados.

uma culpa, que não é sua, de não conseguirem dar resposta atempada a um volume de litigância claramente excessivo para a capacidade dos meios instalados. Uma situação que se encontra espelhada em relatórios nacionais e internacionais. Segundo o relatório divulgado em Outubro de 2019 pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu, a justiça administrativa e fiscal continua a representar um dos pontos mais críticos do sistema judicial português, sendo a duração dos processos nestes tribunais apontada como um dos maiores desafios na área da justiça portuguesa. E o mais recente relatório da Comissão Europeia, elaborado no passado mês de Fevereiro, revela que os processos dos tribunais administrativos e fiscais portugueses continuam a contar-se entre os mais longos da União Europeia, ainda que ultimamente tenham sido introduzidas medidas para

melhorar a situação, como é o caso das equipas para a recuperação de pendências e a criação de juízos especializados. A nível nacional, o relatório elaborado em 2017 pelo Observatório Permanente da Justiça evidencia, com a clareza e a crueza dos números, o estado de prolongado estrangulamento destes tribunais, com um elevadíssimo volume de processos para um quadro de magistrados e de funcionários ostensivamente subdimensionado, com pendências acumuladas ao longo de anos e que são impossíveis de resolver em tempo útil num quadro de carência de meios e instrumentos que permitam uma gestão racional. E até o órgão de gestão desta jurisdição sobrevive de forma amadora. Não tem secretaria própria ou qualquer gabinete de apoio e assessoria, ainda que previstos na lei há 16 anos, funcionando com o esforço da juíza-secretária e de alguns funcionários do STA que lhe dão apoio; não existe quadro orgânico para o normal desenvolvimento da sua atividade – como seja a figura de um vice-presidente, de um chefe de gabinete, de um órgão de gestão corrente que assegure a resolução dos assuntos que não possam aguardar pelas sessões de um Conselho que, segunda a lei, só reúne uma vez por mês e sempre em Plenário; e não tem membros a exercer funções em regime de tempo integral ou parcial. Trata-se de uma situação anómala, fruto de uma desatenção e desinvestimento que se prolongou durante muitos anos. Ainda assim, mantenho a esperança, uma esperança lúcida e atuante, no futuro desta jurisdição, não só pelo esforço

Sollicitare 7


ENTREVISTA COM DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO

do seu corpo de magistrados, que está a conseguir alcançar taxas de resolução processuais superiores a 100%, mas também pela atenção que a atual Ministra da Justiça tem votado a estes tribunais e pelo esforço que, a nível de justiça tributária, está a ser desenvolvido pelo atual Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais com vista à redução dos litígios tributários – seja a nível da sua resolução a montante do sistema judicial, seja a nível preventivo da conflitualidade e de alteração da postura da Administração Tributária, a qual, enquanto serviço público, tem o dever de contribuir para uma justiça mais célere. Considera que a Justiça está, atualmente, mais credibilizada, próxima e acessível ao cidadão, nomeadamente no que respeita aos custos e procedimentos? A credibilidade da justiça administrativa e fiscal passa pela existência de um corpo de juízes de direito que garanta uma justiça independente e imparcial, e passa pela eficiência e qualidade da resposta judicial. Se relativamente ao primeiro aspeto não há motivos para duvidar da sua atual credibilidade, já o mesmo não posso dizer do segundo aspeto. Como pode ter mais credibilidade se continua a não conseguir dar resposta atempada e adequada a um volume de litigância claramente excessivo para a capacidade dos meios instalados? Como pode ter mais credibilidade se é conhecida quase exclusivamente pela sua morosidade? E como pode ter maior eficiência se os juízes continuam a não ter um mero assistente administrativo, o que os obriga a ter de pesquisar toda a legislação e todos os elementos doutrinais e jurisprudenciais necessários para julgar cada caso, a ir pessoalmente procurar e comprar obras e publicações indispensáveis à resolução dos mais diversos litígios, a bater no teclado do computador todo o despacho diário, todo o expediente, todas as decisões, o que os impede de se libertarem para a sua verdadeira função, que é a de julgar. Como pode ter maior eficiência se não existem ainda juízes para preencher o quadro legal fixado para os tribunais de 1ª instância, o que, além do mais, acarreta a impossibilidade de criação de uma bolsa ou quadro complementar de juízes para fazer face a ausências temporárias, como as que ocorrem, com frequência, por força do gozo de licenças parentais numa magistratura maioritariamente feminina. Como pode ter maior qualidade se os juízes continuam a não dispor de assessoria técnica e jurídica, apesar de ela ser indispensável para a adequada resolução de litígios que exijam conhecimentos que não são estritamente jurídicos e que frequentemente envolvem matérias de elevada tecnicidade e complexidade. Quanto a custas, são óbvios os obstáculos económicos que impedem e dificultam o acesso à justiça em Portugal. E como já alertou a Comissão Europeia, há uma clara necessidade de reforma do sistema das custas judiciais, atenta a incerteza do seu montante e a sua pouca transparência. O regime vigente, em que não existe limite máximo para a taxa

8

de justiça a cobrar às partes, leva ao pagamento de taxas de valores elevadíssimos, sem correspondência com o serviço efetivamente prestado pelo tribunal, originando situações de manifesta injustiça e desproporcionalidade. E o facto de ser o juiz a decidir, de forma casuística, se dispensa ou não a taxa de justiça remanescente nas causas de valor superior 275.000 euros e, no caso afirmativo, em que proporção, constitui um cancro que só agrava a incerteza, a injustiça e a morosidade processual. Com a última alteração ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), os Solicitadores passaram a poder exercer o mandato nos termos conseguidos no Código de Processo Civil e as entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos pelo Solicitador. Do lado dos Solicitadores houve um grande esforço formativo, seja na área académica, seja em termos de formação contínua. Os tribunais administrativos já interagem com os Solicitadores considerando esta nova realidade? Conheço e louvo todo esse esforço formativo. É notória essa maior interação profissional entre Magistrados e Solicitadores e é cada vez mais comum a representação de Entidades Públicas por Solicitadores.


Também no CPTA se veio clarificar a introdução dos Agentes de Execução. Faltam, no entanto, desenvolvimentos informáticos e eventualmente normas complementares que facilitem esta intervenção nas execuções administrativas, nas citações e noutros atos. Como analisa o futuro neste aspeto? Existe uma falha na arquitetura do Sistema Informático de Suporte à Atividade dos Tribunais Administrativos e Fiscais – o SITAF – no que toca à possibilidade de atuação e intervenção dos Agentes de Execução no âmbito das execuções administrativas. O que obriga os Agentes e os Juízes a recorrerem a expedientes que não se encontram previstos na lei e que aumentam a morosidade dos processos. É incompreensível que o problema ainda não tenha sido resolvido. Impõe-se um esforço conjunto, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, para se obter uma rápida solução, sobretudo no atual contexto em que a atividade judicial à distância, através de plataformas informáticas, adquiriu uma importância fundamental.

O regime vigente, em que não existe limite máximo para a taxa de justiça a cobrar às partes, leva ao pagamento de taxas de valores elevadíssimos, sem correspondência com o serviço efetivamente prestado pelo tribunal, originando situações de manifesta injustiça e desproporcionalidade.

Como é que a Presidente do Supremo Tribunal Administrativo encara a existência do Centro de Arbitragem Administrativa, comummente designado por CAAD? É o caminho irreversível para a privatização da Justiça numa área que por excelência é do Direito público? A arbitragem é um instrumento de resolução jurisdicional de conflitos, vulgar no âmbito do direito privado e do direito internacional, mas raríssimo no domínio do direito público interno dos países, os quais, na sua generalidade, têm grande receio e até hostilidade pela justiça arbitral nesta área, particularmente em matéria tributária. O que se compreende na medida em que é altamente problemático que o Estado queira delegar em entidades privadas o julgamento de conflitos gerados no exercício de funções públicas e que visam a prossecução do interesse público, sabendo que estão em jogo importantes interesses da comunidade e que nesse tabuleiro atuam influentes poderes de facto e grandes interesses económicos e financeiros, o que reforça a necessidade de assegurar ao máximo a imparcialidade e a independência dos julgadores, de os subtrair à órbita de influência e de pressão de outros poderes. Pessoalmente, estou convicta de que só um corpo de juízes sujeito a rígidos princípios, deveres e garantias orgânicas e estatutárias – como é o dever de exclusividade profissional absoluta, e como é o princípio que proíbe a escolha de um juiz para resolver um processo – pode acautelar uma justiça independente e imparcial. E penso que se trata de uma convicção generalizada. O alarme social que notícias recentes geraram sobre uma eventual e pontual inobservância desse tipo de deveres na Relação de Lisboa revela a consciência coletiva do seu significado e peso para a confiança na Justiça.

Sollicitare 9


Contudo, os árbitros do CAAD – que é uma pessoa coletiva de direito privado – acumulam a função de julgadores com o exercício pleno da sua atividade profissional, nomeadamente com a advocacia, a consultoria e a assessoria na área administrativa, financeira e fiscal a empresas e entidades públicas e privadas, nacionais e multinacionais, a prestação de serviços na área do direito administrativo e fiscal, a funções empresariais e societárias, a funções políticas e partidárias. E não vejo ninguém a inquietar-se com isso, ou a escrutinar a distribuição dos processos, ou a questionar a falta de sujeição destes julgadores ao dever de declaração de rendimentos e património a que todos os juízes de direito já estão legalmente obrigados apesar da exclusividade profissional que lhes dita o vencimento. Mas como presidente do órgão cimeiro da jurisdição administrativa e fiscal o que me preocupa é o facto de a arbitragem ter servido, e poder continuar a servir, de pretexto para a desresponsabilização e desinvestimento do Estado na melhoria das condições de funcionamento dos seus tribunais, enfraquecendo o poder judicial numa área tão sensível como é a área do direito administrativo e fiscal. E aí reside a irritação que os juízes desta jurisdição sentiram relativamente à arbitragem, porque ela representou mais uma forma de abandono e de desistência destes tribunais, de abandono dos juízes à sua vergonha de não conseguirem dar resposta atempada ao brutal nível de litigância nesta área. E por isso o compromisso que assumi, de tudo fazer para obter meios e instrumentos que permitam a estes tribunais organizarem-se e consolidarem-se como a via primordial de controlo dos poderes e da atuação do Estado, de modo a que os cidadãos não se sintam coagidos ou forçados a recorrer à via privada de justiça arbitral, ainda que esta possa constituir uma via residual de maximizar o direito fundamental de acesso à justiça, mas que, por força da sua natureza voluntária, não pode deixar de representar uma escolha livre e muito ponderada face à irrecorribilidade, ou recorribilidade extremamente limitada, das suas decisões. Sente que a formação dos diversos profissionais ligados ao universo judicial tem vindo a ser adaptada em função dos novos desafios? Existe uma constante preocupação pela formação contínua dos juízes desta jurisdição, porque ela é fundamental

10

para a compreensão e decisão de processos sensíveis e com problemas cada vez mais complexos, que exigem preparação adequada. E existe da parte do CSTAF a abertura para lhes facultar a frequência de cursos, congressos, seminários e outras realizações que tenham lugar no País ou no estrangeiro, concedendo-lhes a necessária autorização para o efeito, desde que não haja inconveniência para o serviço. Mas o problema reside aí, reside no serviço, nas pesadas cargas processuais que dificultam a frequência de ações de formação. Enquanto não houver assistentes ou assessores que permitam ao juiz libertar-se para a sua verdadeira função e apostar fortemente na sua formação, não iremos conseguir superar o desafio. Acresce que na falta de assistentes, os juízes têm ainda de fazer formação informática para vencer os problemas que a tramitação eletrónica de processos lhes traz. É absurdo. Sobretudo porque a função e a formação de um juiz é dispendiosa, e vê-lo sobrecarregado com estas e outras tarefas é um desperdício que sai muito caro a todos os portugueses. Por outro lado, a resolução de litígios de natureza administrativa e fiscal exige conhecimentos jurídicos muito abrangentes e multidisciplinares e conhecimentos que não são estritamente jurídicos e que envolvem matérias de alta tecnicidade, que exorbitam da formação contida numa licenciatura em direito. E nesse aspeto não só a atual formação é insuficiente como as pesadas cargas processuais não concedem tempo para ela. Quanto aos demais operadores judiciários, em particular advogados e solicitadores, é abissal a diferença de formação relativamente ao passado, assistindo-se a uma forte aposta formativa nesta área. Tem-se assistido a uma elevada e crescente especialização dos advogados que litigam nesta jurisdição, que trabalham cada vez mais em equipa e com auxílio de técnicos especialistas, apesar de, ironicamente, o juiz se ver obrigado a decidir sem qualquer tipo de apoio técnico e jurídico as causas que estes lhe submetem. Existe diálogo suficiente entre os diversos profissionais? Diria que existe a possibilidade de pleno diálogo. Não só não se verifica qualquer impedimento a esse nível como constato que ele é cada vez mais visível e profundo, fruto essencialmente de colóquios, seminários, cursos e outras realizações em que intervêm magistrados, advogados,


ENTREVISTA COM DULCE MANUEL DA CONCEIÇÃO NETO

Esta jurisdição tem ainda um longo caminho de recuperação pela frente, um caminho que não durará apenas o tempo de um mandato único de cinco anos, como é o meu.

solicitadores, académicos e juristas de diversas áreas, que permitem fomentar o diálogo jurídico-científico e partilhar experiências e saberes. Por outro lado, as revistas e estudos jurídicos em matéria administrativa e fiscal que vão sendo editados constituem instrumentos preciosos para a abertura de canais de comunicação e, sobretudo, para a construção de plataformas de respeito mútuo. E não tenho conhecimento de situações de conflitualidade entre magistrados, mandatários e funcionários nos tribunais administrativos e fiscais, o que é revelador do respeito e sentido de colaboração entre todos. Como perspetiva este mandato enquanto Presidente do Supremo Tribunal Administrativo? Um mandato espinhoso. O compromisso que assumi, sobretudo a nível de presidência do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não é fácil, porque passa por dar voz e visibilidade pública às especificidades, dificuldades e constrangimentos desta jurisdição e por desenvolver todos os esforços para mobilizar vontades para um real investimento e fortalecimento dos seus tribunais. O isolamento que a pandemia provocou veio dificultar a tarefa e temo que a brutal crise económica que se avizinha não facilite o investimento necessário, apesar de ele ser premente face ao previsível aumento de litigiosidade que a pandemia trará, especialmente no âmbito dos contratos públicos e a nível de contencioso fiscal. Esta jurisdição tem ainda um longo caminho de recuperação pela frente, um caminho que não durará apenas o tempo de um mandato único de cinco anos, como é o meu. Enquanto cidadã, como se descreve? Consegue gerir de uma forma satisfatória distanciamento social de magistrada e a sua vivência social e familiar? Dispo as vestes de magistrada na minha vida pessoal e familiar. É algo vital para o meu equilíbrio. Apesar de ser uma pessoa sociável, tenho necessidade de isolamento e de silêncio, algo que foi acentuado pelo facto de há 20 anos exercer funções em tribunais superiores. O exercício da magistratura, sobretudo a nível de tribunais superiores, é muito solitário; é um processo em que se fica fechado em estudo e diálogos interiores que levam ao isolamento e que é agravado pelo regime de exclusividade profissional absoluta.

Mas sempre tentei conciliar a profissão com atividades culturais e sociais, com a maternidade e com a família, ainda que isso me tenha obrigado, como a tantas outras mulheres, a difíceis e nem sempre conseguidos exercícios de equilíbrio, numa profissão que facilmente nos absorve 12 horas por dia. E embora ache que a cidadania se exerce também no cumprimento diário de um trabalho profissional dedicado e competente, sobretudo quando ele se destina a servir os cidadãos, sempre senti necessidade de me envolver com a comunidade, o que me levou a integrar durante anos um grupo de reflexão cívica da cidade onde resido, em Aveiro, a participar ativamente na associação de pais do jardim-de-infância e da escola dos meus filhos, a integrar o Conselho Geral da sua escola secundária e a colaborar na realização de eventos culturais significativos. E porque o convívio com amigos constitui o esteio para a minha estabilidade emocional, creio que tenho conseguido gerir de forma satisfatória o desafio. : :

Sollicitare 11


UM DIA COM UM DEPUTADO

REPORTAGEM

Texto André Silva / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

12


DUZENTOS E TRINTA DEPUTADOS, NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, DÃO VOZ AO PAÍS QUE OS ELEGEU E CORPO AOS IDEAIS QUE CONTRARIAM AMARRAS E SILÊNCIOS FORÇADOS. APRESENTAM INICIATIVAS LEGISLATIVAS, QUESTIONAM O GOVERNO, DEBATEM COM OS COLEGAS DA OPOSIÇÃO. ATÉ AQUI, SÃO POUCAS AS SURPRESAS. ALIÁS, BASTA SINTONIZAR A ARTV PARA, SEM FILTROS, NEM CORTES, ASSISTIR A PARTE DO QUE É O DIA A DIA DESTE ESPAÇO ONDE HÁ ESPAÇO PARA TODOS OS CIDADÃOS. MAS HÁ MAIS HORAS NESTES QUE SÃO OS DIAS NA CASA DA DEMOCRACIA. E, NUM DESSES DIAS, A SOLLICITARE TAMBÉM LÁ ESTEVE, COM MÁRCIA PASSOS, DEPUTADA DO PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA, E COM FILIPE PACHECO, DEPUTADO DO PARTIDO SOCIALISTA.


O 14

despertador dita o início de mais um dia. Márcia Passos e Filipe Pacheco preparam-se. Ela compõe o casaco, ele abotoa a camisa. Pegam na pasta, no computador, no telemóvel e seguem caminho. “Cada deputado tem a sua forma de trabalhar. Eu sou madrugadora. Mantenho o ritmo que tinha no meu anterior trabalho, como advogada. Já era a primeira a chegar ao escritório e continuo a ser a primeira a chegar aqui. Chego sempre entre as oito e as oito e quinze. A hora de sair não existe. Saio quando terminar o que tenho para fazer. Os dias são muito intensos”, confessa Márcia Passos. Dias intensos, longos e que, segundo Filipe Pacheco, contrariam a visão que ainda resiste do deputado: “Existe uma visão estereotipada do trabalho do deputado e que só contempla a imagem das reuniões plenárias, onde estão os 230. Ou seja, aquilo que passa na televisão. E não há nada mais errado do que isso”. Chegam à Assembleia. Entram no edifício, sentam-se na secretária e pegam na agenda. “Uma semana típica de um deputado tem fases bem definidas. Segunda-feira é o dia reservado ao contacto com o eleitorado. Na terça e na quarta de manhã acontecem as reuniões das comissões parlamentares. Na quarta e quinta, à tarde, e na sexta, de manhã, temos reuniões de plenário. Na quinta de manhã ainda temos reuniões de grupos parlamentares. E, depois dos plenários, há sempre lugar para as reuniões das comissões e dos grupos de trabalho”, explica o deputado do Partido Socialista.


UM DIA COM UM DEPUTADO

Márcia Passos complementa: “São dias sempre muito preenchidos. Cada intervenção no plenário implica muito estudo, muito trabalho. Os dois ou três minutos que temos para falar, que é muito pouco, é o resultado de um trabalho árduo, e longo, de gabinete”. Os ponteiros do relógio continuam a avançar. São 9h30. Tem início a primeira reunião. Tanto Márcia Passos como Filipe Pacheco fazem parte da Comissão da Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local e da Comissão da Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação. Filipe Pacheco confessa que “este é o local onde é feita uma grande parte do trabalho de um deputado e onde existe maior discussão”. A troca de argumentos entre deputados é intensa. Primeiro o partido do governo, depois a oposição. Alguém levanta a voz e engrossa o tom para conseguir terminar o seu raciocínio. Exige-se articulação de ideias. O dom da oratória pede silêncio, mas as provocações paralelas, em volume de sussurro, fazem parte do jogo político. No fim, pedem-se cedências de todas as partes, em prol do equilíbrio e do país. E, apesar de tudo isto, o tempo não dá tréguas. Pausa. Os deputados dirigem-se à cafetaria. Mas a discussão prolonga-se pelo corredor. “Aqui respiramos política, história, sociedade. Estamos sempre a falar destas coisas. E falamos muito fora das reuniões, das comissões e do plenário. É nos corredores, no bar, na cantina, nos gabinetes…

E resolvem-se muitas questões assim. Os nossos debates até podem ser acesos, mas, depois de sairmos, falamos tranquilamente. Aquele é o momento para mostrar, ao país, as ideias do partido e marcar a diferença sobre os caminhos que levam a determinados resultados. Mas, de facto, há muito trabalho que é feito nos bastidores, é nos corredores e nas conversas mais informais que vamos encontrando pontes e soluções”, salienta a deputada do Partido Social Democrata. Termina-se o café. Olha-se para as notícias que enchem o ecrã. Um cidadão, exaltado, afirma, com convicção e revolta: “eles não fazem nada!”. Filipe admite: “A imagem que o cidadão tem é muito negativa. E, sinceramente, acho que está relacionada com uma preguiça coletiva. É muito fácil culpar um deputado pelos problemas da sociedade. Isto dispensa-nos de fazer um exercício de reflexão sobre quais as causas dos problemas estruturais da sociedade portuguesa”. Márcia acrescenta: “A imagem é de alguém que está distante, de alguém que está fechado na Assembleia a decidir coisas para o país. E é precisamente essa imagem que temos de contrariar. Daí o trabalho de proximidade ser muito importante. Nós temos de sair daqui. Ir até junto das pessoas, às empresas, ao terreno. Temos de perceber como é que as coisas realmente são. E, claro, para se conhecer não basta ler. Temos de falar com as pessoas e de perceber quais são as suas realidades. Criaram-se mitos à volta dos deputados e eu não os entendo.

Sollicitare 15


Trabalha-se, realmente, muito!”. Filipe concorda. “Há uma visão distorcida do deputado. Sim, é uma imagem negativa, mas se fizermos um exercício sério, responsável e isento de demagogia ou populismo, constatamos que é uma imagem errada.” Regressam à reunião, percorrendo os longos corredores da Assembleia da República. Assumem os seus lugares. Recomeça a discussão. De um lado, os deputados do partido do governo, do outro a oposição. De um lado, o “está tudo bem”, do outro, o “está tudo mal”. Será mesmo assim ou será este mais um mito? A deputada do PSD explica o que é, na sua perspetiva, integrar e fazer oposição: “Para mim, é olhar para as medidas que vão sendo implementadas com responsabilidade. Criticar o que está mal e aplaudir quando está bem. Sempre em prol do país e das pessoas. Ser oposição não é dizer sempre que está tudo mal. Fazer oposição passa por, quando está mal, criticarmos e apresentarmos alternativa”. Já o deputado do PS considera que, “do ponto de vista da fiscalização, significa a mesma coisa que ser do partido do governo. E até acho que, por vezes, pode ser mais exigente. Obriga-nos a mais negociação, a mais articulação”. A reunião dá-se por terminada. São 13h00. Entram no refeitório. Pegam no tabuleiro. Escolhem entre as opções da ementa do dia. Entre carne assada e peixe

grelhado, é a normalidade que se serve por aqui. A funcionária recebe o pagamento. 5.80€. Sentam-se. Perguntamos pela lagosta, pelo caviar, em tom de brincadeira. Não temos resposta. E também não temos lagosta, nem caviar. Riem-se. Avançamos, então, para outra questão: o cidadão quer saber de política? O riso é interrompido e dá lugar à expressão de seriedade que o assunto pede. “Eu acho que há algumas pessoas que não querem saber de política e que acham que isto não serve para nada. Mas também sinto que há muitas pessoas interessadas, nomeadamente, jovens. Há algum descrédito, sem dúvida, mas sempre houve e continuará a haver. Agora, na minha opinião, é uma irresponsabilidade não querer saber de política, do que se passa no nosso país e no mundo. Eu não sei como é possível viver assim. Até porque só não sabe quem não quer. A comunicação entra pela nossa casa. Só quem está completamente distraído - porque quer estar – é que não sabe de nada. Mas sinto que esta é uma minoria e que as pessoas têm interesse”, partilha Márcia Passos. Filipe tem uma outra visão quanto aos jovens: “Eu acho que as pessoas querem saber de política, sim. Mesmo quando acham que não querem saber. Acho, contudo, que as gerações mais velhas, por terem vivido em ditadura, dão mais valor aos mecanismos tradicionais de participação. Isso não acontece com os jovens. E com isto não quero dizer que

“Há uma visão distorcida do deputado. Sim, é uma imagem negativa, mas se fizermos um exercício sério, responsável e isento de demagogia ou populismo, constatamos que é uma imagem errada.” FILIPE PACHECO

16


UM DIA COM UM DEPUTADO

não se interessam por política ou por assuntos que digam respeito à sua vida. Acho é que não se identificam com o que são os mecanismos tradicionais de participação. Como, por exemplo, as eleições ou a integração num partido político. Considero que os jovens estão afastados dessa realidade. Mas continuam a interessar-se. Basta pensarmos na greve climática estudantil”. Juntam-se os talheres e arrumam-se os tabuleiros. O almoço termina. Dirigimo-nos aos respetivos gabinetes. O plenário só começa às 15h00 e ainda há muito estudo e trabalho de preparação para assegurar. Pelo grande corredor, que liga o antigo e o novo edifício, continua o debate. Desta vez, em torno da responsabilidade do deputado em aproximar o cidadão da política. Na opinião de Filipe e havendo uma fronteira tão ténue entre o que é a política e o que é o dia a dia de qualquer cidadão, “essa responsabilidade existe, claro que sim. Aliás, na semana do deputado, a segunda-feira é o dia reservado para o contacto com o eleitor. Há, desde logo, essa preocupação. Outro exemplo desse trabalho é o parlamento dos jovens”. Márcia acrescenta exemplos e provas de que muito se pode fazer: “Tenho agora um tema muito engraçado que é saber se os centros comerciais devem ou não fechar ao domingo. Neste tipo de tema, que mexe com a vida do cidadão, eu gosto de perguntar a opinião das pessoas. ‘O que

“Eu acho que há algumas pessoas que não querem saber de política e que acham que isto não serve para nada. Mas também sinto que há muitas pessoas interessadas, nomeadamente, jovens. Há algum descrédito, sem dúvida, mas sempre houve e continuará a haver. Agora, na minha opinião, é uma irresponsabilidade não querer saber de política, do que se passa no nosso país e no mundo.” MÁRCIA PASSOS

Sollicitare 17


acha disto? Qual é a sua opinião?’ Vou colhendo informações e as pessoas percebem que, de alguma forma, estão a participar. Com isto quero dizer que o combate deste desinteresse depende muito de nós. Os deputados têm essa responsabilidade, sem dúvida”. A campainha toca. É hora de começar o plenário. Márcia e Filipe sentam-se nos seus respetivos lugares. A diversidade de temas em debate espelha a sociedade dos dias que correm. O deputado do PS encara isto como um desafio. “Durante a nossa vida, a nível profissional, tendemos a optar pela especialização numa determinada área e, aqui, no parlamento, é o oposto. Aqui temos de conseguir acompanhar a transversalidade das questões. Por exemplo, a minha área de formação é engenharia, mas, aqui, muitos dos temas que sigo estão relacionados com a modernização administrativa, o poder local, etc. E isso é um desafio. Temos de procurar informação, estudar, estar atualizados… E representar o eleitor”. A deputada do PSD acrescenta: “Desde que fui eleita, faço este trabalho de proximidade para que, aqui, possa ser a voz das pessoas. É importante mostrar aos eleitores que não somos seres inatingíveis. Nós somos eleitos por distrito, mas, assim que o somos, passamos a representar o povo português”.

Falamos com um homem e uma mulher. E, aqui, onde não se ousa negar a diversidade, há igualdade de género? Márcia Passos não perde tempo a responder: “Não sinto qualquer discriminação por ser mulher. Não sinto que o meu papel seja mais difícil por ser mulher. Acho que ainda há um caminho a percorrer e acho que esse caminho vai estar percorrido quando não forem necessárias quotas. Quando tivermos mulheres na política sem ser preciso quotas, estaremos bem”. As horas vão passando. Os pontos da ordem de trabalhos vão sendo percorridos e debatidos. Segue-se uma proposta de lei sobre a pandemia. A deputada não hesita: “A pandemia foi a pior coisa que nos aconteceu. Dizer que é um privilégio fazer parte da história é forte, eu sei. Mas é o que sinto. É a minha forma de encarar as coisas. Nós estamos a fazer parte desta história e da História de um país. Eu vou levar isto para sempre. Na minha primeira legislatura, isto aconteceu”. E foi exatamente durante este período, durante o estado de emergência, que muito se falou na suspensão da democracia. A pergunta é direta: estivemos, de alguma forma, em perigo? Filipe esclarece, com a convicção de quem viveu na pele: “O estado de emergência representou uma suspensão de alguns direitos e liberdades, mas a democracia nunca esteve suspensa”. E Márcia Passos acredita que, pelo medo, muito

A campainha toca. É hora de começar o plenário. Márcia e Filipe sentam-se nos seus respetivos lugares. A diversidade de temas em debate espelha a sociedade dos dias que correm.

18


UM DIA COM UM DEPUTADO

Qual o sentimento que reveste esta missão? A resposta poderia ter acontecido em uníssono: “Responsabilidade”.

poderia ter sido diferente: “Nunca esteve suspensa a democracia. Jamais! E aí o Presidente da Assembleia da República teve um papel fundamental. Em determinada altura, instalou-se o medo. Todos queríamos ir embora. Estar com as nossas famílias. Não sabíamos onde podíamos tocar, com quem podíamos falar. Ninguém sabia de nada, era tudo novo. Estava o mundo confinado, em casa, e nós aqui, na Assembleia. Nunca parámos. E, exatamente por isso, nunca senti que a democracia estivesse suspensa. Antes pelo contrário.” O dia está próximo do fim. As despedidas fazem-se nos respetivos gabinetes enquanto se guardam os computadores nas pastas. Uma última pergunta: Qual o sentimento que reveste esta missão? A resposta poderia ter acontecido em uníssono: “Responsabilidade”. Segundo Márcia Passos, “de repente, sentimos que muito está nas nossas mãos”. E Filipe Pacheco acrescenta, na certeza de que as palavras não dizem tudo: “É uma honra, um orgulho. Não posso esconder”. A porta fecha-se. Descemos a escadaria da Assembleia da República. Imponente, mas despida de barreiras. Olhamos para trás uma última vez. Amanhã, a rotina poderá repetir-se. Mas apenas isso: a rotina. Afinal de contas, por aqui passa a vida do país. E tudo de que é feita a vida dos cidadãos. Porque de tudo isto se faz uma democracia que está viva. : :

Sollicitare 19


OSAE

O PRIMEIRO ANO DA PLATAFORMA DE FORMAÇÃO DO IFBM Entrevista a PAULO TEIXEIRA, 1.º Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e Diretor do Instituto de Formação Botto Machado

A plataforma de formação do IFBM comemora, no próximo dia 14 de outubro, o seu primeiro aniversário. Que balanço faz deste ano? Os objetivos foram alcançados? Pensamos que os objetivos foram plenamente alcançados e que os números falam por si. Ninguém estava preparado para a pandemia e ainda estamos a reprogramar a possível retoma da atividade formativa presencial, quer da formação contínua, quer da formação inicial. Porém, a plataforma e as restantes ferramentas disponibilizadas e integradas, que estavam a ser ensaiadas para uma oferta mais alargada do modelo formativo, foram rapidamente testadas e colocadas à disposição dos associados, o que nos permitiu, de imediato, disponibilizar a oferta formativa em formato à distância. Creio que respondemos bem e dentro das expectativas, dada a elevada procura sentida e o grande número de reedições consecutivamente esgotadas. Portanto, dentro de um cenário indubitavelmente condicionado pela COVID-19, o balanço só pode ser muito positivo, porque não só os objetivos foram alcançados, como os novos desafios foram superados. Quais foram as principais inovações que esta plataforma trouxe aos seus utilizadores? A plataforma prepara-nos para as necessidades tecnológicas atuais e para as inovações pedagógicas do futuro. Os associados não devem contactar telefonicamente, ou por e-mail, os serviços para solicitar um certificado ou saberem quais as ações previstas ou, por exemplo, quais as ações que frequentaram (são atos puramente administrativos que demoram muito tempo se operados dessa forma e que podem ser rapidamente respondidos de forma automática). A plataforma tem uma área reservada que permite esta interação intuitiva, como a consulta das inscrições, do histórico de formações, entre outros atos de «secretaria» ou puramente administrativos. Para além disso, a oferta também é diversificada: tanto temos ações para o público em geral, como outras reservadas apenas a associados, daí que o login integrado com o ROAS/SISAAE seja relevante e facilitador para que possa aceder enquanto associado, beneficiando dos preços de associado. É a pensar nos associados que a oferta formativa de qualidade é disponibilizada a custos baixos, sendo que estes suportam apenas as despesas de contratação de formadores e/ ou logísticos. Por outro lado, a plataforma tem a possibilidade de integração e-learning, vídeos, livestream, formulários, exames, ferramentas de conferência, comunicações automáticas e todo um conjunto de ferramentas indispensáveis que, quanto mais não seja, a situação epidemiológica veio demonstrar serem necessárias afinar. Permitiu-se, assim, que qualquer associado pudesse, comodamente, aceder aos conteúdos formativos, dispensando, por vezes, o suporte de enormes custos com deslocações para as formações presenciais que, por mais que nos custe, nunca chegam a todos os concelhos do país.

20

A plataforma prepara-nos para as necessidades tecnológicas atuais e para as inovações pedagógicas do futuro.


Conheça toda a oferta formativa em ifbm.osae.pt

Dados estatísticos sobre a plataforma de formação do IFBM

N.º de formações: 128 N.º de horas de formação: 597 N.º de inscritos: 5973

Como se perspetiva o futuro da formação na OSAE? Creio que, para o bem e para o mal, a situação que vivemos veio demonstrar que temos de valorizar mais o nosso tempo e fazer a melhor gestão possível do mesmo, quer no trabalho, quer fora dele. Por isso, o planeamento da formação não voltará atrás quanto ao modelo de sucesso que implementámos em tempo quase recorde. Isto é, a formação presencial continuará a ser valorizada, porque nenhuma tecnologia substitui o contacto direto entre formando e formador, sinto-o na primeira pessoa, quer na OSAE, quer na universidade. Todavia, os modelos eficazes de formação à distância, sobretudo se forem utilizados numa perspetiva complementar ou até mesmo paralela, poderão ser uma mais-valia, quer pela durabilidade da informação disponível, quer pela versatilidade ou facilidade de acesso a todos. O que nos aconteceu, nos mais diversos setores da sociedade, e no IFBM não foi exceção, permitiu encarar o futuro com confiança, porque quando o esforço é legítimo, as coisas tendem a correr bem. E, francamente, as alternativas utilizadas correram bem. Isso ajuda-nos a encarar o futuro com mais confiança, pois a formação com qualidade tem de continuar a ser disponibilizada. : :

Sollicitare 21


Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores: SIM OU NÃO? 22


ENTREVISTA

[

A discussão em torno da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) tem estado na ordem do dia. Por isso, a Sollicitare quis ouvir duas opiniões antagónicas sobre este tema que tanto diz aos profissionais. Por um lado, José Manuel de Oliveira, Solicitador há 47 anos e Vogal da Direção da CPAS. Por outro, Luís Martins, Solicitador desde agosto de 2019. Duas visões de duas gerações distintas. Em comum, a preocupação com o futuro da classe. Entrevista Joana Gonçalves / Fotografia OSAE assista ao vídeo em www.osae.pt

] Sollicitare 23


CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES: SIM OU NÃO?

A CPAS, fundada 1947, tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respetivas famílias, exercendo ainda uma atividade relevante ao nível de assistência social. Passadas mais de sete décadas, consideram que a CPAS continua a fazer sentido? José Manuel de Oliveira (JMO) – É evidente que, numa sociedade moderna, a CPAS faz todo o sentido. Como sabemos, as sociedades, depois da Segunda Guerra Mundial, desenvolveram três pilares que são fundamentais para o seu equilíbrio: a saúde, a educação e a previdência. A CPAS, embora originariamente tenha sido criada como uma caixa de reformas, soube adaptar-se ao longo do tempo e passar a integrar a assistência. Eu considero que a CPAS cumpre as necessidades fundamentais dos beneficiários. Claro que, na conjuntura que vivemos, há duas queixas comuns: a ausência do subsídio de doença e a muito propalada ausência do apoio na parentalidade. Nada mais falso do que dizer-se que a CPAS não dá apoios na parentalidade. Na minha ótica, os apoios nesta questão são bem melhores do que na Segurança Social (SS). Explicando: a CPAS concede dois subsídios, um de nascimento e outro de maternidade, que, no seu conjunto, têm um valor económico muito semelhante ao da SS. E dadas as características especiais dos beneficiários da CPAS, pois são trabalhadores independentes, os beneficiários ainda podem continuar a exercer a atividade. Na SS, quem está a receber apoios não pode trabalhar. Por isso, é redondamente falso que não existem apoios na parentalidade. Há, de facto, a falta de um subsídio no que diz respeito à doença. Esta eventualidade já devia estar coberta há muito tempo. Felizmente, os estudos técnicos estão a chegar ao fim e, dentro de poucos meses, se não acontecer nenhum incidente, este problema estará resolvido e os associados da CPAS poderão usufruir de um subsídio de doença em condições muito semelhantes aos da SS. O que importa é que estas situações estejam cobertas e que a previdência esteja assegurada, seja através de um instituto público ou através de uma caixa privada. Luís Martins (LM) – Na minha visão, não faz sentido. A CPAS está completamente descontextualizada. Neste momento seria importante que a CPAS estivesse mais próxima dos seus beneficiários, já que são eles que a sustentam. Era fundamental existir mais assistência na saúde, na parentalidade e na doença. Era fundamental que a CPAS não se baseasse em rendimentos presumidos. A maior parte dos colegas que conheço ganha muito abaixo daquilo que se presume. Por outro lado, há muitos outros que ganham acima. Isto leva a que uma pessoa que aufira, por exemplo, 20 mil euros por mês, pague 250 euros à CPAS. Já uma pessoa que aufira 500 euros paga os mesmos 250. Onde é que há justiça nisto? Alguma coisa tem de ser alterada. E depois há outra situação: até há uns anos, o cálculo das pensões

24

era totalmente diferente, privilegiando os melhores descontos dos últimos anos da carreira contributiva. Tal fazia com que alguns Solicitadores e Advogados, os da “velha guarda”, descontassem apenas aquele período que lhes garantia a reforma – porque a CPAS pouco mais serve para além de atribuir reformas, não dá assistência praticamente nenhuma. Quem quer outro tipo de assistência, tem que fazer um seguro. Outro problema da CPAS foram as contribuições devidas e não pagas e que só recentemente começaram a ser executadas. Algumas já estão prescritas e, portanto, temos beneficiários que nunca foram penalizados, nunca foi executado o seu património e hoje recebem reformas que estão fora do que é normal, muito altas. Enquanto isso, os jovens não conseguem fazer face às despesas correntes. Não é justo. A revisão do Regulamento da CPAS, em 2015 – que introduziu aumentos nas contribuições mensais e acabou com a isenção desse pagamento dada até então aos recém-licenciados –, fez nascer muitos anticorpos. Na vossa opinião, são justificados? JMO – Justificadíssimos. De tal maneira que, no anterior mandato, a direção da CPAS resolveu o problema. Atualmente, os estagiários têm a faculdade de optar por iniciar o seu período de contribuições logo que se inscrevem como estagiários ou, então, iniciar só depois de concluído o estágio com êxito. Esse problema está resolvido e seria bom transmitir-se a seguinte ideia: os beneficiários, sejam eles estagiários ou profissionais inscritos, não devem olhar para as contribuições como um custo. As contribuições para a CPAS são uma forma de começar a construir a reforma. Por isso, podia ser um custo para os estagiários, mas, em contrapartida, estavam já a preparar a sua reforma. Foi um problema criado pelo regulamento de 2015, mas está resolvido. LM – Sim. A isenção funcionava como uma alavanca no início da carreira profissional, já por si difícil. Esta dificuldade tem-se vindo a agravar ao longo do tempo. Para além da falta desta alavanca, os recém-licenciados começam, desde logo, a ter que concorrer com a procuradoria ilícita, com as pessoas que não pagam quotas nem CPAS. Concorrem com quem faz o seu trabalho à margem dos Solicitadores, profissionais que mesmo não auferindo qualquer rendimento, têm que no final do mês pagar quotas e CPAS, caso contrário são executados no seu património. É muito complicado. A pandemia da Covid-19, que recentemente assolou o país, teve também grandes impactos nos rendimentos de muitos Solicitadores e Agentes de Execução, profissionais que não foram abrangidos por medidas de apoio similares às que foram adotadas no âmbito do regime dos trabalhadores independentes. Como analisam a ação da CPAS durante esse período?


“A CPAS, embora originariamente tenha sido criada como uma caixa de reformas, soube adaptar-se ao longo do tempo e passar a integrar a assistência. Eu considero que a CPAS cumpre as necessidades fundamentais dos beneficiários.”

JOSÉ MANUEL DE OLIVEIRA

JMO – A CPAS esteve muito atenta a esta situação verdadeiramente anormal que criou dificuldades no exercício da atividade e fez exatamente o mesmo que fez a SS. Isto é, concedeu moratórias por 12 meses para o pagamento das contribuições de abril, maio e junho, cujo início começa só em outubro. Este problema também foi resolvido. Por outro lado, todos sabemos que a SS não deu apoios diretos aos trabalhadores independentes, quem deu foi o Estado. Decidiu transferir verbas do Orçamento do Estado para serem abonos pecuniários aos trabalhadores independentes. A única questão que não se compreende é o porquê de o Governo ter decidido criar cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Há cidadãos que foram beneficiados e os Solicitadores, Agentes de Execução e Advogados foram excluídos. Esta é a pergunta a fazer. Não à direção da CPAS, mas ao Governo. Continuo esperançado de que o Governo reconheça que está a cometer um erro gravíssimo junto de profissionais que têm grandes responsabilidades na sociedade portuguesa e que merecem ser tratados de outra maneira. LM – Ficou muito aquém das expectativas. Esperava que a CPAS tivesse dado algum apoio durante este período excecional, ou até mesmo a isenção. Compreendo que o Estado deu ajudas à SS e que a SS se financia de formas distintas em relação à CPAS. Mas, por outro lado, numa situação excecional como foi esta da pandemia, tinham, pelo menos durante os três meses, de isentar. Eu, por exemplo, não ganhei dinheiro nenhum neste tempo e, no entanto, tive que continuar a

Sollicitare 25


CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES: SIM OU NÃO?

pagar à CPAS. Não sou beneficiário, sou contribuinte. Para que serve a CPAS então? Quando eu chegar à idade da reforma, terei essa mesma reforma? Se não chegar, não me serve para nada. Então, para isso, com regras homólogas às que já existem na CPAS, mais vale integrar na SS. Não digo que sou contra a CPAS, mas que se encontre uma forma de mudar algumas coisas, ou então que seja feita a integração na SS. Assim é que não pode continuar. É claro que os colegas que ganham muito dinheiro não estão interessados em mudar, porque se forem para a SS vão descontar mais. Ao Estado seria atrativo ter esses contribuintes. Na CPAS, um profissional ganha 20 ou 40 mil euros e paga só 250 euros. Tens 15 ou 20 advogados ou solicitadores a trabalhar para ti, ganhas milhões e cada um paga 250 euros. Claro que é bom. Mas não pode ser assim. É preciso ver os rendimentos, não é presumi-los. Não há justiça e é contra isso que eu e a maior parte dos colegas estamos. Está quase tudo errado na CPAS. Numa situação de pandemia, nem sequer isentar as contribuições… acho isso muito grave e é preciso haver mudanças. O que faz mais falta na CPAS é haver justiça para as pessoas que praticam a justiça.

LM - Sou um dos que assinou a petição e sinto que não estou sozinho. O problema é que muitas pessoas que assinaram a petição não votaram quando deviam. Acho que deveria haver mais união na classe. Há colegas que não se sabe qual é a posição que têm em relação à CPAS e à SS. E devo referir que esta situação de termos que pagar 250 euros, mesmo não auferindo rendimentos, é mais uma forma de barrar o acesso à profissão. Se alguém não consegue fazer face a essa despesa, muito provavelmente vai suspender a cédula. Tal é benéfico para as grandes sociedades. No meu caso, para conseguir fazer face às minhas despesas, tenho que conciliar a Solicitadoria com outras áreas como a formação. Não tenho problema nenhum em fazer qualquer trabalho. Mas o que eu gosto é de ser Solicitador, foi para isso que tirei uma licenciatura e uma pós-graduação. E para exercer esta profissão tenho que pagar, no mínimo, 250 euros por mês à CPAS. É certo que as grandes sociedades não querem mudar esta situação porque sabem que funciona como forma de barrar o acesso à profissão. Mas é preciso arranjar outras formas de o fazer: limitando os cursos nas universidades ou estipulando quotas de pessoas que podem aceder à profissão, por exemplo.

Como reagem à petição lançada e assinada por quase oito mil solicitadores, agentes de execução e advogados que pedem que a CPAS seja integrada no regime geral da Segurança Social? E como encaram as manifestações que decorreram contra a CPAS? JMO – Esta petição que pede a integração da CPAS na SS é, pura e simplesmente, a democracia a funcionar. Eu sou dos que acha que os problemas da CPAS têm de ser amplamente debatidos e em espírito absolutamente aberto. Portanto, acho que é um exercício de direitos que eu não posso deixar de saudar. Gostaria é que esses direitos fossem exercidos com rigor. Vi o vídeo de apresentação de alguns beneficiários na Assembleia da República e, de facto, foram dadas muitas informações úteis, mas foram dadas também muitas informações sem qualquer fundamento. Eu espero que os senhores Deputados estejam disponíveis para ouvir a direção da CPAS e que estejam preparados para distinguir entre o que é verdadeiro e o que é falso. É muito fácil provar que muito do que ali foi dito não tem rigor. No que diz respeito às manifestações, eu sou dos que tiveram de lutar contra a ditadura. Dito isto, estou encantado com o exercício dos direitos. Continuo a dizer que eles devem ser exercidos com ponderação. Por exemplo, numa das manifestações contra a CPAS fomos informados de que os manifestantes queriam entregar uma petição. Dissemos que sim, que estávamos disponíveis para os receber. Estiveram dois dirigentes da instituição a receber os manifestantes e, com muita estranheza nossa, quando foram convidados para se sentar e dialogar, só quiserem entregar a petição e foram embora. Acho que é um mau exercício dos direitos.

Como perspetivam o futuro da CPAS? JMO – Na minha opinião, há um tema fundamental que tem de ser discutido dentro da CPAS e eu espero que saibamos todos – os Bastonários da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução e da Ordem dos Advogados, a direção da CPAS, o Conselho Geral da CPAS, os Solicitadores, os Agentes de execução e os Advogados – discutir este problema que é fundamental. A sustentabilidade da CPAS está assegurada para os próximos 15 anos. O trabalho fundamental que há a fazer é tratar da sustentabilidade para depois dos próximos 15 anos, para que não aconteça como em 2015 quando se fizeram alterações profundas, com pouco diálogo, quer com os parceiros institucionais, quer com os beneficiários. E qual é então o problema fundamental que se põe daqui a esse tempo? É a sustentabilidade, pois o número de reformados aumenta e consequentemente as despesas também aumentam. Para resolver este problema é preciso rever o modelo de contribuições. Há pouco consenso à volta disto, mas tem de ser gerado com paciência, rigor e respeito recíproco. Quanto a mim, os montantes de contribuição do quinto escalão, onde estão inscritos a maioria dos beneficiários, não podem aumentar, ano a ano, em valores superiores à inflação. Temos de encontrar outro modelo. Podemos ter vários caminhos. Um deles é fazer como se faz em alguns países europeus, em que o valor das contribuições aumenta de acordo com o número de anos de inscrição. Outras das hipóteses é que exista um aumento de contribuições conforme a idade do beneficiário. Um terceiro caminho, extremamente polémico, passa pelas sociedades profissionais. Ou seja, achamos razoável tributar moderadamente as sociedades de

26


“Está quase tudo errado na CPAS. Numa situação de pandemia, nem sequer isentar as contribuições… acho isso muito grave e é preciso haver mudanças. O que faz mais falta na CPAS é haver justiça para as pessoas que praticam a justiça.”

LUÍS MARTINS

profissionais? Pelo volume de serviços prestados, pelo lucro ou pelo número de profissionais que lhes presta serviço? É preciso distinguir entre pequeníssimas, pequenas, médias e grandes sociedades e estipular contribuições entre 0.5% e 3%, penso que será suficiente. Refiro que em 1947, aquando da criação da CPAS, só existia o exercício da atividade em prática individual. Hoje as sociedades de profissionais faturam, segundo se diz, mais de 600.000.000 €/ano. Numa destas opções residirá a possibilidade de mantermos uma caixa com ótimas condições para os seus beneficiários, desde que cheguemos a acordo nesta matéria. Se conseguirmos isto, a CPAS será mais sustentável, mais justa e mais diferenciada. Sobre a palavra ‘diferente’ queria, por fim, dizer que a CPAS oferece aos Beneficiários um Seguro de Assistência, um Seguro de Acidentes, comparticipações em internamento hospitalar no privado. Além disso, a Reforma na CPAS continua a ser aos 65 anos. LM – Vejo cada vez mais pessoas interessadas numa mudança e acho que o futuro será melhor. Tenho esperança nisso. Sou da opinião de que os Solicitadores devem ter a possibilidade de escolher o seu sistema previdencial e de estudar melhorias consideráveis no atual sistema da CPAS, que atualmente parte do pressuposto de que todos Solicitadores são ricos. Eu não sou e ainda me falta muito para chegar à reforma. Até lá, continuo sem proteção por parte da CPAS. : :

Sollicitare 27


OSAE

Espaço dos Conselhos Regionais A partir deste número, a Sollicitare passará a incluir um espaço dedicada aos órgãos regionais da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. Nesta edição, descubra mais sobre a história, o funcionamento e o dia a dia dos Conselhos Regionais do Porto, Coimbra e Lisboa da OSAE, numa viagem guiada pelos respetivos Presidentes.

CONSELHO REGIONAL DO PORTO Por Duarte Pinto, Presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional. A história do Conselho Regional do Porto (CRC) remonta ao seculo XIX. Tudo começa a 12 de maio de 1873, com a emissão do alvará de aprovação real, sob chancela de D. Luís, da Associação dos Solicitadores Encartados do Distrito da Relação do Porto, precedendo igual associação criada em Lisboa cinco anos antes. Esta tinha os seguintes fins estatutários: a manutenção e defesa da dignidade, direitos e justos interesses dos Solicitadores; a regulação das regras do exercício da profissão e o apoio aos associados e às suas famílias. A 20 de janeiro de 1907, um novo estatuto era proposto, cujos fins, na linha dos anteriormente aprovados, visavam sanar quaisquer irregularidades que fossem praticadas e prejudicassem a classe. Foi também na cidade do Porto que, a 26 janeiro de 1898, a classe se reuniu, sob a direção de Fernão Botto Machado, para discutir um decreto que interferia com a vida própria da profissão e das associações que representavam os Solicitadores. A Associação dos Solicitadores Encartados é, posteriormente, convertida na Câmara dos Solicitadores do Porto, em 1927, sendo nessa data criada a de Coimbra. Com a unificação das três câmaras “regionais”, que deu origem à Câmara dos Solicitadores, em 1944, agregando a Câmara Solicitadores de Coimbra, é criado o Conselho Regional do Norte, que perdurou até à entrada em vigor do atual estatuto, em 2015. Desde 1961 que a sede do Conselho Regional do Porto tem lugar no Palácio da Justiça, onde temos a nossa livraria. Já os serviços administrativos e o arquivo funcionam ainda nas instalações de Campanhã. Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional? O Conselho Regional do Porto tem mais de 1700 associados, com uma média de idades de 46 anos, representado as Solicitadoras 64 por cento dos inscritos.

28

Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional? São sete os colaboradores deste Conselho Regional: Ama� deu Monteiro, Carla Resendes, Fátima Grabulho, Paula Lopes, Helena Peixoto, Sofia Monteiro e Susana Azevedo. Como é o dia a dia no seu Conselho Regional? O dia a dia, quer dos dirigentes, quer dos colaboradores do Conselho Regional do Porto, é feito de muito trabalho. É um trabalho que envolve muita dedicação, rigor e responsa�bilidade. Quais são as principais atividades desenvolvidas? Na sede do Conselho Regional do Porto, isto é, no Palácio da Justiça, funciona o nosso salão nobre e de receção protocolar, sendo ali também realizadas as assembleias regionais, distritais e reuniões dos órgãos da OSAE. Para além disso, dedicamo-nos a muitas atividades: atendimento telefónico e presencial; inscrições; alterações de moradas; cancelamentos, entre outras tarefas. Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional? Com muito otimismo. Os associados deste Conselho Regional carregam a mesma força e o espírito dos fundadores, que, ao longo dos séculos, têm vindo a moldar a geoestratégia do país e até da própria península, passando pela mudança dos regimes políticos. É, pois, com muita vontade que perspetivo os próximos anos. : :


Sollicitare 29


CONSELHO REGIONAL DE COIMBRA Por Anabela Veloso, Presidente do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional. Vamos, então, a uma visita rápida pelo nosso passado recente e pelo presente. Após uma pesquisa rápida pelas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, encontrámos diversos números de jornais, como a “Gazeta de Coimbra”, o jornal mais antigo de Coimbra e com mais tiragem do distrito. Recordamos anos de referência, tais como 1911-1912, 1920-1921, 1928, épocas díspares, mas de um passado não tão longínquo, que nos fazem reviver memórias. Nesta altura, a nossa profissão era apelidada de Solicitador Encartado, sendo publicitada da seguinte forma: “Encarrega-se de tratar de todos os serviços judiciaes e pendencias de todas as repartições publicas, administração de bens, compra e venda de propriedade e papeis de credito, etc”. O título de Solicitador Encartado foi atribuído pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal da Comarca, que também controlava o número de inscritos por localidades. A tão afamada Rua da Sofia, em Coimbra, era a rua onde mais Solicitadores Encartados tinham o seu “Escriptorio”. Sim, porque para existirem Conselhos Regionais, temos de contar com os nossos mais preciosos, os nossos Associados. Nos anos de 1900–1928, os Associados contavam com os Conselhos Distritais de Lisboa, Porto e Coimbra. São memórias públicas e que tão boas são de recordar. Um dos momentos mais marcantes da história dos Solicitadores, relembra-nos a “Gazeta de Coimbra”, foi em 1928. No primeiro fim de semana de dezembro, pelas 14h30, os Solicitadores encontraram-se para a realização da “assembleia magna dos Conselhos Distritais da Camara de Solicitadores”, com a finalidade de discutir o projeto de regimento da mesma Câmara. Escrevia-se à data que, “no esplendido hall do Palacio de Justiça os solicitadores que formam os conselhos distritais de Lisboa, Porto e Coimbra e outras que vieram a Coimbra movidos pelo seu natural espirito de classe, muito embora não podessem tomar parte nos trabalhos desta reunião reservada aos referidos conselhos.”. Portanto, a casa dos Solicitadores Encartados era o Palácio da Justiça em Coimbra e, passadas mais de nove décadas, esta continua a ser a nossa casa e que tão bem nos sabe acolher. Estas boas relações têm sido férteis e vieram para ficar, sendo reconhecida a competência dos Solicitadores. Quanto a isso, o Conselho Regional de Coimbra (CRC) da OSAE, agora renovado, tem feito um trabalho altruísta, dedicado, afeiçoado e, sem

30

dúvida, próximo dos órgãos de soberania. Por exemplo, no passado dia 5 de março, promovemos uma visita ao Palácio da Justiça do Tribunal da Relação de Coimbra e, realmente, aquela continua a ser a nossa casa. Para finalizar este pequeno resumo da nossa história, gostaria de falar de Avelino Paredes e da homenagem que lhe fizemos. Foi ele que emprestou o seu nome a uma das salas existentes nas nossas atuais instalações, que reabriram em 2016, na Avenida Fernão de Magalhães, na baixa de Coimbra. E é exatamente aqui, na sede da OSAE, na região Centro, que estamos disponíveis para o receber. São estas algumas das memórias públicas, e que bom é este recordar. Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional? Considerando os números de referência de 31 de dezembro de 2019, o CRC tem 692 associados: 518 são Solicitadores e 174 são Agentes de Execução, sendo que estes últimos incluem 52 que exercem unicamente a função de Agentes de Execução e 122 que são também Solicitadores. Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional? Atualmente o CRC conta com a colaboração de dois seres humanos excecionais, que para além de desenvolverem um trabalho fantástico, levam a sério o trabalho em equipa, fazendo com que este funcione e se torne motivador, o que se traduz em resultados muito positivos e visíveis. São eles Armando Matias e Carina Correia. Como é o dia a dia no seu Conselho Regional? Já dizia o filósofo Confúcio “Escolhe um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”. Assim é o dia a dia quer dos dirigentes, quer dos colaboradores do CRC. A receita é juntar motivação e prazer às atividades a que nos propomos, o que resulta num bom ambiente de trabalho e isso reflete-se nos nossos Associados. Como refere Armando Matias, “Dia sim, dia sim, o CRC é uma verdadeira equipa! Dia sim, dia sim, o CRC são as PESSOAS!” Já para Carina Correia, “O dia a dia no CRC é cheio de boa disposição, trabalho e sempre com uma equipa pronta a ajudar!” Esta é a equipa do CRC da OSAE, a nossa equipa!


CONSELHOS REGIONAIS

Quais são as principais atividades desenvolvidas? Não nos cingindo ao Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE), e indo um pouco mais à prática da casa, o CRC, através dos seus serviços administrativos, garante o tratamento diário de todos os pedidos de inscrição, suspensão, cancelamento, cessação de suspensão, alterações de morada, inscrições e cancelamentos de inscrições de empregados forenses e, ainda, substituições e desassociações de Agentes de Execução, desta forma apoiando, sempre que necessário, de forma direta ou indireta, os respetivos Colégios Profissionais e os seus representantes. De forma equivalente, o CRC, através dos seus serviços administrativos, cuida da faturação de eventos organizados pela OSAE e pelos seus Conselhos Regionais. Apoia também, sempre que necessário, as formações e estágios. Em suma, acreditamos que, aos olhos de quem julga, o CRC é perseverante na atividade, próximo, direto e pró-ativo.

é uma zona que carece de reorganização territorial. Também no âmbito judicial, o CRC tem incentivado os seus associados a retomar a atividade do patrocínio jurídico, lugar esse que a classe ocupava no passado e anseia retomar. O CRC ganhou o merecido espaço de representação dos associados da região centro. Sabemos das dificuldades, mas perante este desafio, a classe sairá mais próxima e mais forte. : :

Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional? Com muito labor e um completo empenho, os resultados esperam-se grandemente positivos. O foco será sempre o Associado, com o intuito de dignificar os profissionais e defender o interesse público da profissão, junto das mais variadas instituições. Os nossos profissionais são muitíssimo habilitados e isso tem-se notado, ainda mais, com a pandemia Covid-19, em que assistimos a duas situações. Por um lado, geraram-se enormes dificuldades aos profissionais do foro e ao cidadão, por todas as medidas impostas. Por outro, os Solicitadores têm sido verdadeiros parceiros da justiça e do cidadão, sendo distintos quanto à sua intervenção juntos dos serviços públicos. Assim, os nossos profissionais devem aproveitar estas novas oportunidades para que o cidadão os veja com outros olhos, isto é, como aquele que tem diversas ferramentas disponíveis e horários alargados para ajudar o cidadão. Já que os serviços públicos não dão a resposta mais rápida e eficaz ao cidadão, este recorrerá aos nossos serviços, sejam eles na área dos registos, predial, comercial ou automóvel. Estou certa de que somos os mais solicitados nesta altura pandémica que ainda vivemos, por exemplo, a nível fiscal, seja para reconhecimento de assinaturas ou autenticação de documentos, seja para uma simples compra e venda, caso este em que o Solicitador obtém a certidão, liquida impostos e promove o registo. Entre outros atos, como doação, partilha, permuta e muitos mais! É desta forma que nós - os Solicitadores - nos devemos rever! Com a energia e dedicação que temos tido no reforço da profissão, estou convicta de que o futuro será, evidentemente, melhor. Não deixando de referenciar o contributo do Secretário deste Conselho Regional, Leandro Siopa, para esta questão, refiro que, apesar das dificuldades dos seus associados, estes têm aderido fortemente às novas abordagens e desafios profissionais, nomeadamente com a perspetiva muito positiva do cadastro predial simplificado. Tendo sido a região Centro o território mais fustigado pelos incêndios de 2017, esta

Sollicitare 31


CONSELHO REGIONAL DE LISBOA Por João Aleixo Cândido, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Descreva-nos, sucintamente, a história do seu Conselho Regional. Não há como falar da história do Conselho Regional de Lisboa (CRL) sem falar de Francisco António de Miranda e Sousa, o primeiro Presidente deste Conselho. A sua tomada de posse foi em 1929, ocupando o cargo até 1932. Só mais tarde, a 23 de fevereiro de 1944, com a promulgação do Decreto-Lei n.º 33547, foi publicado o novo Estatuto Judiciário, que organizou numa só Câmara a classe dos Solicitadores Portugueses, substituindo-se, assim, a organização inicial em três câmaras. Mas é a 19 de junho de 1976 que se assinala um momento de extrema importância: é aprovado o primeiro Estatuto dos Solicitadores, pelo Decreto-Lei n.º 483/76. Estes são marcos importantes para a história deste Conselho Regional. Mas nem só de datas se faz a história desta casa. As ruas mostram bem a evolução das sedes do CRL. A primeira sede foi na Rua Nova do Almada, seguindo-se a Alameda D. Afonso Henriques, a Rua D. Estefânia, a Avenida José Malhoa e, por fim, a atual na Rua Artilharia 1. Atualmente, integram no CRL as Delegações Distritais dos Açores, Beja, Évora/Portalegre, Faro, Lisboa, Madeira, Santarém e Setúbal e as respetivas concelhias. Tem sido um percurso rico, de evolução e muitos desafios à mistura, mas a nossa prioridade sempre foi, e sempre será, valorizar e proteger a atividade dos nossos profissionais, que felizmente é cada vez mais reconhecida. Quantos associados da OSAE pertencem ao seu Conselho Regional? O Conselho Regional de Lisboa tem, no total, 1657 associados: 1523 são Solicitadores e 433 Agentes de Execução. Destes 433, 134 são também Advogados e 299 são Solicitadores.

32

Quantos colaboradores fazem parte da equipa do seu Conselho Regional? Fazem parte do Conselho Regional de Lisboa cinco colaboradores. São eles Sónia Correia, Carla Coutinho, Anabela Botinas, Filipa Silva e Patrícia Pereira. Como é o dia a dia no seu Conselho Regional? O dia a dia no Conselho Regional de Lisboa é essencialmente preenchido pelas atividades que aqui desenvolvemos, dentro das competências delegadas e apoiando, sempre que nos é solicitado, nas atividades do Conselho Geral. Quais são as principais atividades desenvolvidas? São várias. Salientamos o atendimento telefónico e presencial, a emissão de selos de autenticação a nível nacional e a emissão de cédulas a nível nacional. Somos também responsáveis pelas quotas a nível nacional e pelo estágio a nível regional, bem como pelas inscrições (solicitadores/agentes de execução/empregados forenses), suspensões (solicitadores/agentes de execução), cancelamentos (solicitadores/ agentes de execução/empregados forenses) e alterações de moradas (solicitadores/agentes de execução). Como perspetiva o futuro do seu Conselho Regional? Porque o futuro é uma incógnita, propomos continuar a promover o Encontro Regional de Solicitadores e Agentes de Execução e o almoço de Natal, que vemos como algo benéfico para a coesão deste conselho regional. Para além disso, pretende-se continuar a apoiar todas as iniciativas de caráter formativo e lúdico das Delegações Distritais e Concelhias. : :


CONSELHOS REGIONAIS

Sollicitare 33


34


REPORTAGEM

DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL? Texto Joana Gonçalves / Fotografia Rui Santos Jorge e OSAE assista ao vídeo em www.osae.pt

TODOS NÓS PASSAMOS POR ELES. NAS GRANDES CIDADES OU NAS PEQUENAS VILAS, INSTALADOS EM EDIFÍCIOS IMPONENTES OU DISCRETOS NA PAISAGEM URBANA, OS TRIBUNAIS ESTÃO PRESENTES POR TODO O PAÍS. POR ENTRE INÚMERAS SALAS, PAREDES, CORREDORES E FACHADAS, MUITAS SÃO AS VIDAS QUE SE CONTAM E SE DECIDEM NESTAS CASAS ONDE A JUSTIÇA SE FAZ. MAS QUEM DECIDE DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

Sollicitare 35


DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

DOMVS IVSTITIAE A expressão latina mais conhecida pelos portugueses. Ao lê-la, o leitor já saberá que vamos, inevitavelmente, falar sobre tribunais. Mas desengane-se, que esta reportagem não é sobre os muitos desafios do Direito e da Justiça em Portugal. Não. Hoje vamos falar sobre edifícios e sobre arquitetura. Vamos falar sobre construção e reabilitação. Vamos conhecer os rostos de quem pensa e constrói o parque judiciário português. A nossa viagem começa no décimo sétimo andar de uma das mais altas torres que compõem o Parque das Nações, em Lisboa. Com vista privilegiada para o Tejo, é aqui que, entre outras funções, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ) assegura a gestão e a manutenção do património do Ministério da Justiça. Sob sua alçada estão todos edifícios dos tribunais, mas também dos serviços prisionais, da Polícia Judiciária, do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI) e do Instituto dos Registos e Notariado (IRN), perfazendo um total de 1200 edifícios espalhados por todo o território nacional. “Todos estes organismos dependem do IGFEJ naquilo que diz respeito à gestão patrimonial nas suas diversas vertentes, seja nas mais administrativas – tratadas no nosso Departamento de Gestão Patrimonial –, seja na elaboração de projetos, acompanhamento de obras e lançamento de empreitadas – através do Departamento de Gestão de Empreendimentos”, explica Vasco Costa, Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ. E é mesmo este último departamento que mais nos interessa no âmbito desta reportagem, o qual, organicamente, ainda se divide em dois núcleos: o de Elaboração de Projetos e o de Revisão de Projetos e Fiscalização de Obras. Seguramente que, ao ler esta descrição, imaginou que, neste departamento, para dar resposta a um tão grande parque imobiliário, deverão trabalhar algumas centenas de pessoas. Não. “Para gerir estes 1200 edifícios temos um quadro de 33 pessoas distribuídas entre a área de projeto e a área de fiscalização e acompanhamento de obras. Mas isto é o quadro. Destes 33 elementos, neste momento temos 14 pessoas a trabalhar. 14 pessoas para gerir um património de 1200 edifícios. Esta é uma grande dificuldade e um grande desafio que enfrentamos.”, salienta Vasco Costa. Continuando na senda dos números, importa também sublinhar que, destes 1200 edifícios, 340 são tribunais de épocas e perfis arquitetónicos distintos. De acordo com Patrícia Branco, Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e autora do estudo ‘Análise da arquitetura judiciária portuguesa: as dimensões de reconhecimento, funcionalidade e acesso à justiça’, “os espaços dos tribunais

36

portugueses apresentam perfis arquitetónicos múltiplos e/ ou variados, que se delineiam em função da coexistência de diferentes estilos arquitetónicos provenientes de diferentes períodos, surgindo edifícios cujo modelo é reconhecível e foi herdado do Estado Novo, por oposição a edifícios cujo modelo pode ser caracterizado como heterogéneo”. Os primeiros, explica a investigadora, são claramente identificáveis como tribunais pela sua solenidade, imponência e por seguirem aquilo que era a moda e a imagem do anterior regime. Já nos segundos, que surgem com a democracia e, em particular, nos anos 90, é visível uma grande profusão de ideias. “O arquiteto passa a estar no centro do mundo e ganha o direito a utilizar a linguagem e os elementos de composição que mais lhe agradam. Não é muito controlado, as regras não são muito claras e surgem alguns edifícios que, do ponto de vista simbólico, é difícil dizer ‘isto é um tribunal’”. Quem o afirma é Miguel Gama, arquiteto e responsável pelo Núcleo de Elaboração de Projetos do IGFEJ. Problema: chegamos à cidade, temos um conjunto de edifícios à nossa volta e perguntamo-nos ‘o que é o tribunal?’. Não há uma composição clara, portanto, à partida, pode ser qualquer edifício. “Na minha opinião, um tribunal pode ter uma imagem e um estilo quaisquer. O estilo tem é que dar resposta a um conjunto de necessidades. Diria que essas necessidades são mais claras quando estamos a falar de questões funcionais, mas não o são no que diz respeito à imagem”, contextualiza o arquiteto.

“O tribunal é como qualquer outra infraestrutura: tem uma funcionalidade, tem uma operação e tem uma lógica de custo”.

VASCO COSTA

Diferentes edifícios, diferentes intervenções Sendo o edificado judiciário tão diversificado, as intervenções necessárias à sua conservação e adequação só poderiam ser, também, diferentes. Em jeito de resumo, podemos considerar que o IGFEJ executa três grupos de obras: a de conservação pura e simples (a cobertura que está estragada e que é preciso substituir, a caixilharia que precisa de ser mudada ou os revestimentos exteriores que estão em queda, por exemplo), a de melhoraria das condições de habitabilidade dos edifícios (neste grupo estão os edifícios que não têm nenhuma patologia, mas que, pela sua vetustez, justificam que lhes seja colocada uma instalação de ar condicionado, que a rede elétrica seja revista ou, mesmo, que a acessibilidade seja aprimorada) e, por último, a intervenção


Vasco Costa, Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ

Miguel Gama, arquiteto e responsável pelo Núcleo de Elaboração de Projetos do IGFEJ

Sollicitare 37


de adequação. Aqui incluem-se os “os tribunais que, do ponto de vista da conservação, não evidenciam necessidade de intervenção no plano construtivo, mas por força do aumento do movimento processual, já não são adequados ou já não têm a dimensão necessária ao funcionamento daquele juízo. Neste caso, ou se amplia o edifício ou, no limite, temos de fazer um novo”, alavanca Vasco Costa. Estas três vertentes são avaliadas periodicamente, em estreita colaboração com Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ). É este organismo o responsável por fazer a análise do movimento processual e perceber se as infraestruturas, quer físicas, quer de recursos humanos, são suficientes para dar resposta às necessidades do sistema jurídico. Identificadas as intervenções, segue-se o passo seguinte: a elaboração do projeto. Os de maior dimensão e complexidade são, tipicamente, contratados fora, ou seja, conforme explica Miguel Gama, “é lançado um concurso público para que os gabinetes de projetistas concorram à elaboração desse projeto. Nessas situações, aquilo que fazemos é definir qual o “produto” que queremos, isto é, que projeto pretendemos, que características deverá ter, que necessidades pretendemos ver supridas, quais as fases do seu desenvolvimento e quais os prazos e custo previsto. Já quando estamos perante projetos de menor dimensão – como pequenas obras de conservação –, de forma a dar uma resposta rápida a essas questões, são os nossos técnicos que tratam”. No que à construção de raiz de um tribunal diz respeito, embora os casos não sejam muitos, as regras são similares e, mais uma vez, o que é definido pelo IGFEJ passa pelo ponto de vista funcional. “Trabalhamos com arquitetos que de um modo geral nunca desenvolveram nenhum projeto para a Justiça. Num primeiro momento, entendemos ser de grande utilidade promover a visita a diversos tribunais para que percebam qual a sua lógica de funcionamento. Já do ponto de vista plástico, hoje em dia não existe uma limitação, ou seja, o arquiteto tem a liberdade total. Ressalve-se que essa liberdade acontece até certo ponto. Mesmo que, do ponto de vista plástico, um projeto seja interessantíssimo, não nos podemos

38

esquecer que estamos a construir um tribunal e que, por conseguinte, a funcionalidade tem de estar garantida”, ressalva Vasco Costa, acrescentando que “o tribunal é como qualquer outra infraestrutura: tem uma funcionalidade, tem uma operação e tem uma lógica de custo”. Miguel Gama complementa que, apesar de se pretender que o tribunal esteja integrado naquilo que é o tecido urbano e que seja contemporâneo, não pode deixar de ser um tribunal. “Não queremos que uma sala de audiências seja igual a um espaço de lazer. Um cidadão, quando vai a uma sala de audiências, não deve ter o à-vontade que tem quando vai, por exemplo, a um restaurante e o próprio desenho da sala de audiências deve refletir, de alguma forma, o peso da Justiça. Mas a Justiça tem vários pesos. Não é que trate as pessoas de forma distinta, mas pretende-se que uma sala de audiências de um tribunal que julgue Crime seja diferente da que existe num tribunal que julgue Família e Menores, porque, efetivamente, os ‘destinatários’ são distintos. A monumentalidade tem a ver não apenas com a imagem que a Justiça quer de si, mas muito mais com a imagem que a Justiça quer transmitir a quem a ela vai recorrer”. Mas voltando à construção de um tribunal: para auxiliar os projetistas é feito, pelo IGFEJ, um programa preliminar e entregue aos candidatos o chamado “Manual de Projeto de Tribunais”. Este é um documento que explica, em detalhe, do que é que se faz um tribunal. “Primeiro fala do que é a Justiça, de como ela funciona, quais são as suas especificidades e principais problemas. A partir daí, aborda as questões arquitetónicas no sentido da linguagem. Não define um estilo, mas diz ao que ele deve dar resposta. Depois, entramos nas questões funcionais. A DGAJ diz-nos, por exemplo, que este será um tribunal para 50 magistrados, com determinado número de Juízos e salas de audiência. O candidato pega no documento e sabe que cada um desses espaços tem uma área e cria um programa de compartimentos. Depois, é necessário fazer um fluxograma com as interligações e as interdependências. Seguidamente, há a questão das circulações: não queremos, por exemplo, que um detido se cruze


DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

“Na minha opinião, um tribunal pode ter uma imagem e um estilo quaisquer. O estilo tem é que dar resposta a um conjunto de necessidades”. MIGUEL GAMA

com uma testemunha ou com um magistrado. Por fim, entramos na dimensão construtiva e indicamos quais as soluções que consideramos mais adequadas para as especialidades, tais como a estabilidade, ventilação e climatização, águas e esgotos, comunicações, eletricidade, sustentabilidade, acústica e segurança. Tudo tem de ser muito bem pensado”. E como se define a localização do futuro tribunal? “Depende da nossa capacidade de encontrarmos os locais adequados, mas também existe uma interação muito grande entre o IGFEJ e os municípios nesse âmbito. Apesar de o Ministério da Justiça possuir um conjunto alargado de património,

normalmente esse património não está em localizações que sejam adequadas para se instalar um tribunal. Nesse caso, os municípios ajudam-nos a encontrar a localização mais indicada”, clarifica Vasco Costa. ‘Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018 –2028’: um desafio? A degradação do parque judiciário português tem vindo a ser muito focada na agenda mediática. São recorrentes as notícias sobre tribunais com défice de acessibilidades,

Sollicitare 39


DE QUE É FEITO UM TRIBUNAL?

escassez de espaço ou falta de condições de habitabilidade. De forma a fazer um levantamento dos problemas existentes nos tribunais, o Ministério da Justiça traçou o “Plano Estratégico Plurianual de Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018 –2028”, que reflete todas as necessidades dos edifícios, sejam elas de conservação, de melhoria das condições de trabalho ou de adequação. Vasco Costa adianta que o IGFEJ, enquanto entidade que colaborou na execução deste plano a 10 anos, se revê por completo no mesmo. No entanto, aponta limitações à sua execução: “Quais são as limitações que temos? Em rigor, são limitações de recursos, quer humanos, quer financeiros. Por outro lado, há uma componente política daquilo que se pretende executar – a tutela

Na visão da investigadora, “o plano estratégico é interessante e há uma análise cuidada daquilo que era a realidade em 2018. Há uma preocupação com as questões de flexibilização dos espaços, de acessibilidades, de manutenção e conservação dos edifícios já existentes. Não posso dizer que discordo, mas quero ver como é que vai ser concretizado”. Patrícia Branco acredita, também, que o estado de conservação dos edifícios da Justiça tem impacto no grau de confiança que os cidadãos depositam nas instituições “Muitas vezes, pensa-se que as pessoas não estão preocupadas com os espaços, porque, na verdade, elas só lá estão para resolverem as suas questões e o espaço é irrelevante. Eu não acho que o seja. Todos nós vivemos em edifícios e gosta-

“O tribunal é a casa da Justiça. Se as pessoas vão a essa casa, que também é sua, e veem que não está bem cuidada, (…) não vão ficar satisfeitas.” PATRÍCIA BRANCO

Patrícia Branco, Investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

tem, naturalmente, a legitimidade e a competência de dar orientações na priorização das intervenções que deverão ser executadas – e, por outro lado, há a necessidade de dar resposta a requisitos legais e de cumprimento de regulamentos. No fundo, é a articulação desses temas que dá forma aos nossos planos de atividade e compõe o respetivo “caderno de encargos”. Curiosamente, até ao momento, o recurso mais escasso, apesar do diminuto tamanho da nossa equipa, é o recurso financeiro.” De qualquer forma, decorridos dois anos da entrada em vigor do plano, o Vogal do Conselho Diretivo do IGFEJ faz um ponto de situação dos trabalhos: “Dos 340 tribunais existentes, 147 necessitam de intervenções. Desses 147, desenvolvemos e concluímos 35 projetos e executámos 17 obras. Em termos de necessidades identificadas no que a novos edifícios diz respeito (ou de ampliação de edifícios existentes), temos identificados 14 casos. Desses, um está concluído, três têm projetos terminados e outros três estão em curso”. Para obtermos uma visão mais externa sobre o documento, pedimos a Patrícia Branco a sua opinião sobre o mesmo.

40

mos de estar confortáveis. O tribunal é a casa da Justiça. Se as pessoas vão a essa casa, que também é sua, e veem que não está bem cuidada, que não tem um sítio pensado para esperar com comodidade ou para acolher as crianças, não vão ficar satisfeitas. Claro que há quem diga que as pessoas querem é uma decisão. Tudo bem, até concedo. Mas, se estiverem num espaço confortável, atrativo e seguro, se calhar até vão aceitar melhor determinadas decisões. Não vou dizer que é o principal, mas faz seguramente parte de uma cadeia que leva a que a pessoas tenham mais confiança.” Concluímos, portanto, que, quanto mais aprofundamos o tema, mais são as questões que surgem e que não têm espaço nestas páginas. De olhos no Tejo, o desfecho que nos invade o pensamento é só um: a casa da Justiça é feita de pessoas. As que a pensam, as que a constroem, as que nela decidem, as que nela trabalham, as que a ela recorre, as que por ela passam. E assim se conta do que é feito um tribunal. Continuaremos a abordar esta temática nas próximas edições. : :


O IFBM EXPLICA…

O TELETRABALHO – UMA (NOVA) REALIDADE

Por Francisco Serra Loureiro, Solicitador e Vogal do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

E

mbora o teletrabalho não seja uma figura nova, pois a sua consideração como modalidade de trabalho subordinado remonta ao Código do Trabalho de 2003, a necessidade de uma resposta urgente à situação epidemiológica do novo Coronavírus -COVID 19, levou a uma intensificação e maior divulgação desta forma alternativa de trabalho, sempre que a função em causa assim o permitisse. A evolução das novas tecnologias de informação e comunicação, elemento essencial para a realização desta forma de trabalho, permite que, hoje, o trabalhador consiga desempenhar as suas obrigações laborais a partir, por exemplo, do conforto do seu lar, mas sem deixar de estar subordinado às instruções do seu empregador, cumprindo os horários e funções que lhe são atribuídos e observando todos os deveres que decorrem de uma relação contratual laboral. Com o fim do estado de emergência e o subsequente regresso a uma normalidade possível, a maioria dos trabalhadores colocados em teletrabalho voltou aos seus postos de trabalho. No entanto, na legislação ainda encontramos previsão para a obrigatoriedade do desempenho de funções por teletrabalho, desde que observada pelo menos uma de três situações: trabalhador imunodeprimido ou doente crónico, desde que clinicamente comprovado, trabalhador com deficiência, com grau de incapacidade igual ou superior a 60 por cento e, ainda, trabalhador com filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou que, independentemente da idade, tenha deficiência ou doença

crónica. Neste caso, a permanência em casa decorre da suspensão das atividades letivas que ainda hoje, não raras vezes, observamos. Não obstante a existência destas normas de caráter excecional, a realidade demonstra que, mesmo sem motivo legal justificativo, muitos empregadores optam, hoje, por aderir a esta modalidade de trabalho. Com este fenómeno em crescimento, é conveniente referir que esta situação deve observar a celebração de um contrato de teletrabalho e que a existência deste não pressupõe a omissão de algum direito ou dever por parte do trabalhador. Tal como é referido no Código do Trabalho, estes trabalhadores têm os mesmos direitos e deveres que os demais trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito a questões de formação (especialmente para desenvolvimento de competências das tecnologias de informação e comunicação), carreira profissional, período de trabalho, entre outros. Por vezes, a grande dificuldade poderá passar pela destrinça entre o tempo de trabalho e o tempo de descanso do trabalhador, mas o referido Código estipula expressamente a obrigatoriedade do empregador em garantir as melhores condições de trabalho, tanto do posto de vista físico como psíquico, estabelecendo, em simultâneo, o respeito pela privacidade e pelos tempos de descanso daquele e da sua família. Seja na perspetiva do trabalhador ou na perspetiva do empregador, nada como o conforto de saber que pode ser elucidado por um Solicitador, profissional com conhecimentos sólidos em Direito Laboral. Porque já sabe: um Solicitador, todos os serviços. : :

Sollicitare 41


OSAE ASSINA PROTOCOLO COM A CÂMARA MUNICIPAL DO MONTIJO PARA PRESTAÇÃO DE CONSULTA JURÍDICA GRATUITA

A

Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) estabeleceu um protocolo de colaboração de prestação de consulta jurídica gratuita com o Município do Montijo para as pessoas mais carenciadas. Esta consulta jurídica será feita através de meios de comunicação à distância, como forma de fazer evoluir este serviço e adaptá-lo aos tempos atuais. A cerimónia de assinatura ocorreu no dia 23 de setembro na Câmara Municipal do Montijo. A OSAE esteve representada por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, Rui Simão, 1. º Secretário do Conselho Geral, e Rute Baptista Pato, 2. ª Secretária do Conselho Geral, enquanto que pela Câmara Municipal do Montijo estiveram presentes Nuno Canta, Presidente da Câmara, e Ricardo Bernardes, Vereador. José Carlos Resende destacou que este protocolo “é muito interessante, tanto para os associados da Ordem, como para os cidadãos do Montijo. Vamos, através dele, poder prestar aconselhamento jurídico às pessoas mais carenciadas”. Esta decisão é especialmente relevante num momento em que o país se depara com uma grave pandemia, que tem gerado muitas dificuldades económicas. Acresce ainda o próprio desconhecimento das leis, que leva a que “as pessoas não tenham acesso a apoios e cometam erros, que têm consequências graves”. Segundo o Bastonário, “esse desconhecimento, principalmente nas pessoas carenciadas, tem que ser combatido”. Também Nuno Canta realçou que “é importante que a Ordem esteja próxima das pessoas”. Salientou, ainda, a relevância da celebração deste protocolo para a Câmara, uma vez que se pretende “levar até às pessoas e, particularmente, até aos mais vulneráveis, esclarecimento jurídico”. Terminando as suas declarações, afirmou que esta iniciativa pretende ser “de grande alcance humanitário” e que tudo será feito para o sucesso da mesma. : :

42

A [NÃO] SUJEIÇÃO DAS ORDENS PROFISSIONAIS AO REGISTO DO BENEFICIÁRIO EFETIVO

Por Susana Antas Videira, Professora Associada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Consultora da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução


PROFISSÃO

A

Proposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª, em processo de aprovação, tem como objeto transpor a Diretiva (UE) 2018/843, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo (BC/FT) e a Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, referente ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal. É primeiro desígnio deste projeto, conforme se lê na nota preambular, proceder a uma revisão dos principais instrumentos jurídicos nacionais em matéria de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, num esforço de garantir um regime jurídico mais eficiente e completo para enfrentar e mitigar riscos emergentes, derivados, em particular, do recurso a sistemas financeiros alternativos, como a moeda eletrónica e outros ativos virtuais, e da ameaça resultante de uma maior convergência entre a criminalidade organizada transnacional e o terrorismo. Mas, para o que importa à economia do presente artigo, a Proposta de Lei em apreço vem introduzir alterações no regime jurídico do beneficiário efetivo (RCBE) e em diplomas conexos, a fim de simplificar procedimentos e elucidar aspetos técnicos que necessitavam de clarificação. Um deles é, precisamente, o da sujeição das Ordens profissionais ao RCBE. Não é este o momento para apreciar o regime jurídico disciplinador desta base de dados, sob gestão do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. (IRN), que procura consolidar informação suficiente, exata e atual sobre a pessoa ou pessoas singulares, que, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, detêm a propriedade ou o controlo efetivo das entidades que integram o seu âmbito de aplicação. Importa, antes, assinalar que a Proposta de Lei supra identificada vem excluir expressamente do âmbito de aplicação desse regime as associações públicas profissionais. Com efeito, outra não poderia ser a solução, atenta a natureza jurídica das Ordens e as funções de regulação e de supervisão que exercem, porquanto a coerência normativa e as exigências da interpretação sistemática cairiam em falência se a administração autónoma corporizada pelas associações públicas profissionais tivesse, para efeitos do

regime jurídico do beneficiário efetivo, solução diversa da gizada para todos os subsetores da administração pública ou para as entidades administrativas independentes, em especial, as que exercem funções de regulação e de supervisão. Por outras palavras, sendo intenção inequívoca do legislador excluir do âmbito de aplicação do regime em apreço as entidades que, por natureza, estão adstritas à prossecução de finalidades de interesse público e as entidades administrativas independentes, não se poderia conceder que as Ordens profissionais, enquanto forma de administração mediata do Estado, que exercem aqueles mesmos poderes, deixassem de estar enquadradas naquela exclusão. A este propósito e em abono da conclusão extraída, importa, particularmente e de forma perfunctória, invocar a índole jurídica destas associações públicas, bem como os fins que são destinadas a prosseguir. Com efeito, configurando as Ordens uma forma de descentralização ou de administração mediata do Estado, compete-lhes, fundamentalmente, regular e supervisionar o exercício da profissão, no respeito pelos respetivos princípios deontológicos. Por consequência, estas associações de direito público consubstanciam casos de administração autónoma, descentralizada, em que o fundamento de descentralização é, como assinala a doutrina administrativista, institucional, cabendo-lhe a função de organismo público de auto-regulação profissional legalmente instituída. Nestes termos, a sua criação nunca depende da iniciativa privada, sendo - antes e sempre - um ato de autoridade. Por consequência, como vem clarificar o legislador na Proposta de Lei em referência, as Ordens profissionais, dotadas de personalidade jurídico-pública e de funções de regulação [também pública], têm de se considerar excluídas do âmbito de aplicação do RCBE por equiparação com os serviços e entes dos subsetores administrativos do Estado e com as entidades administrativas independentes. Assinala-se, portanto, como particularmente relevante esta proposta de exclusão expressa das Ordens profissionais do RCBE, refletida na alteração preconizada para o respetivo artigo 4.º pela Proposta de Lei n.º 16/XIV/1.ª, que vem, a este propósito, consagrar o entendimento sempre defendido pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução. : :

Sollicitare 43


ENTREVISTA

“A profissão de Solicitador é uma profissão abrangente, uma profissão digna”

LUÍS MANUEL MARTINS RIBEIRO Lutador, inteligente, dedicado e ambicioso, Luís Ribeiro teve um percurso profissional diversificado. Foi marceneiro, caixeiro, copista, escrivão, funcionário do Banco Regional de Aveiro e até atuou numa banda musical. O bichinho dos papéis sempre esteve presente, mas a Solicitadoria apenas aparece numa fase posterior, durante a sua reforma. Numa altura complicada da sua vida foi esta profissão que lhe trouxe novamente o ânimo e o entusiasmo, área que agora partilha, orgulhosamente, com a sua neta Ângela Ribeiro. Admite sentir-se realizado e confessa, ainda, que “a profissão é engraçada, é gratificante para quem se dedicar a ela”. Entrevista Dina Teixeira / Fotografia OSAE / assista ao vídeo em www.osae.pt

44


Sollicitare 45


ENTREVISTA COM LUÍS MANUEL MARTINS RIBEIRO

É natural de Vouzela, distrito de Viseu. Como foi a sua infância? Foi atribulada e bastante movimentada. Estudei em Viseu, mas os meus pais não tinham grandes possibilidades e, portanto, fui para marceneiro. Trabalhei cerca de dois anos, depois fui para caixeiro numa loja de fazendas. De caixeiro passei para o notário, onde estagiei e aprendi caligrafia e a escrever à máquina. Era da altura do Dr. António Pinto Bastos Vieira, que exigia que nós tivéssemos uma caligrafia impecável para as escrituras e que escrevêssemos corretamente à máquina. Depois, por volta dos meus 15/16 anos, vi que os meus pais tinham alguma possibilidade de me ajudar a estudar e fui para São Pedro do Sul, onde tirei o quinto ano. Ainda em Vouzela, fiz parte de uma banda musical, na qual toquei vários anos. Mais tarde, fui funcionário do Banco Regional de Aveiro, onde era “forte”, digamos assim, um homem de confiança do banco. Estive lá cerca de dois anos e, posteriormente, fui para a fábrica de celulose de Cacia, onde passei três anos. Mas sempre tive aquele bichinho dos papéis, por isso resolvi ir para os tribunais. Fui para o de Vouzela como copista, interino. Depois concorri para trabalhar no Porto, onde estive bastante tempo. Passei a escrivão adjunto em Aveiro, local onde fui fazer as provas para chefe de secretaria e escrivão. A minha nota foi muito boa, passei com distinção. Seguidamente, concorri a Oliveira de Frades, onde estive 12 anos. Fui nomeado no dia 25 de abril de 1974, digamos que vim com a Revolução. Aqui fui obrigado a permanecer, porque os meus filhos andavam a estudar. Depois concorri para secretário judicial em Moimenta da Beira e era para acabar a minha carreira nesse momento, porque tínhamos um estatuto especial que permitia que nos reformássemos com 55 anos e era isso que eu queria. Entretanto, um amigo pediu-me para ir para a Comarca de Albergaria-a-Velha. Tanto andou de volta de mim que conseguiu que eu assinasse o requerimento e fosse para esse local. Aí estive um ano e sem férias absolutamente nenhumas, nem no natal, nem no verão. Sei que trabalhei, trabalhei, trabalhei… mas acabei depois por me aposentar efetivamente. Como é que a profissão de Solicitador aparece na sua vida? A profissão de Solicitador apareceu mais tarde, quando me reformei e vim para casa tratar da agricultura. Eu já tinha conhecimentos na área, porque o meu irmão era Solicitador em Aveiro e estive muito tempo com ele no escritório, muitas vezes até a ajudá-lo nos trabalhos que ele fazia. Houve um dia em que eu estava nas terras e o meu amigo João Melo, antigo Secretário em Albergaria-a-Velha, veio visitar-me e disse: “Tu não andas bem. Inscreve-te como Solicitador”. Nós tínhamos um estatuto que nos permitia inscrevermo-nos como Solicitadores desde que tivéssemos cinco anos de escrivão e eu tinha 12. De facto, andava um pouco desorientado na altura e ele entusiasmou-me. Como também já conhecia a profissão inscrevi-me e daí para a frente estive sempre a exercer.

46

Com base na sua experiência, como descreveria o dia a dia de um Solicitador? O nosso dia a dia é sempre muito preenchido, isto é, para quem quiser, efetivamente, ser Solicitador e trabalhar a sério. Se não temos trabalho para fazer no escritório, temos de nos atualizar, porque a legislação que sai é constante e se não apanhamos o comboio na altura, nunca mais o apanhamos. Portanto, nós temos de ter uma vida muito regrada e muito bem organizada para conseguirmos ser Solicitadores. Quem quiser exercer esta profissão tem muito trabalho pela frente e muitos desafios à sua espera. Destes 26 anos como associado da OSAE, excluindo os quatro em que esteve ausente, qual foi a experiência mais marcante? Houve uma pausa de quatro anos porque concorri à Câmara Municipal de Oliveira de Frades e, embora não tivesse ganhado, fiquei como Vereador e sempre optei por não suspender a minha inscrição. Foi só essa a pausa. A profissão de Solicitador é uma profissão muito honrosa. Eu gosto muito desta profissão, sinto-me realizado. É uma profissão muito trabalhosa, é uma profissão em que é preciso ter-se uma persistência muito grande. É, também, importante ter a capacidade de a gerir bem. Experiências marcantes tive várias. A mais marcante foi quando efetivamente fui convidado para fazer parte dos órgãos da Câmara dos Solicitadores em Viseu. Foi uma experiência gratificante, porque a equipa era maravilhosa. Ao longo da profissão, também gostei muito de ter frequentado o curso de Solicitador em Coimbra. Pude conhecer muitos colegas, o que foi uma mais valia para mim. Mais tarde também fui a outra formação sobre GeoPredial, em Águeda, que foi formidável. É pena que o GeoPredial não esteja ainda completamente implementado, porque estou convencido que ganharia muito se fosse implementado na totalidade. É uma valência que me daria prazer exercer. Outra história engraçada foi quando um cliente veio aqui ao escritório e disse-me assim: “Você vai a Lisboa fazer-me a compra de uma quinta aqui na zona, que é de uns brasileiros, mas o procurador está em Lisboa. Eu vou consigo, mas não quero que me conheçam. Por isso, você vai para um café com o procurador do vendedor e eu fico ao lado e vou-lhe dando as minhas instruções, por gestos”. E assim foi, fomos a Lisboa no dia combinado com o procurador do vendedor e acertámos a conta para 1100 contos. No dia da escritura, o homem aparece-me cá ao meio dia com um saco de 1100 contos. Eu peguei no dinheiro e meti-o no cesto dos papéis, no lixo, com papéis por cima. O homem ficou branco. É que se alguém viesse assaltar o meu escritório, não era no caixote do lixo que iriam procurar o dinheiro! Quanto muito nas gavetas ou nos armários. Fui almoçar com muita calma e, quando cheguei, o homem estava à porta do escritório. Não tinha ido almoçar com medo de que roubassem o dinheiro. Essa foi uma experiência muito divertida. Depois o próprio procura-


Hoje (…) o Solicitador tem muitas valências, é muito mais independente e tem ferramentas imensas para trabalhar. dor do vendedor, que exigiu que a compra fosse em dinheiro vivo, amarrou aquele saco de dinheiro ao cinto. Achei graça a tudo aquilo. Que desafios têm agora os Solicitadores que não tinham no passado? Antigamente o Solicitador era o braço direito dos advogados. Eles exerciam a advocacia, mas era o Solicitador que tratava de todos os documentos nas repartições, quer na conservatória, quer nas câmaras municipais. Portanto, o advogado, quando tinha um processo, passava ao Solicitador que, nos termos do Código do Processo Civil, era o primeiro a ser notificado e não o Advogado. No entanto, embora os Solicitadores trabalhassem com os Advogados, estes tinham uma independência total. Num inventário, por exemplo, o Solicitador era o técnico de inventário, tal e qual como os escrivães eram, mas estes podiam exercer sem se fazer acompanhar do advogado. Hoje é diferente: o Solicitador tem muito mais valências, é muito mais independente e tem ferramentas imensas para trabalhar. Pode titular atos e até ser Agente de Execução. A profissão é engraçada, é gratificante para quem se dedicar a ela. Na sua opinião, que valores são indispensáveis ao exercício da profissão? Eu considero indispensáveis os valores da honestidade e do trabalho. É preciso também ter alguma inteligência e dedicação à profissão. Se não for assim, se não houver essa dedicação, se não se sentirem realizados, acho que não devem ir para Solicitadores. E depois também devem ter uma boa base de sorte e capacidade de encaixe. Por exemplo, eu tenho clientes que me contaram a vida desde pequeninos e

eu nunca abri a boca. Há uma relação muito grande de confiança entre o Solicitador e o cliente. Que conselhos daria a quem está agora a iniciar a carreira de Solicitador? Quem está a iniciar esta carreira deve ser honesto, trabalhador e deve, acima de tudo, querer efetivamente seguir esta profissão e sentir-se realizado. Acho que estes são fatores indispensáveis, caso contrário nunca se será um bom Solicitador. Como vê o futuro da profissão? Eu acho que a profissão tem muito futuro, na medida em que a OSAE tem fornecido ferramentas indispensáveis à nossa permanência como Solicitadores. Atualmente fazemos uma panóplia de coisas que antigamente não se fazia. Hoje a profissão de Solicitador é uma profissão abrangente, é uma profissão digna e que tem um futuro muito grande. A sua neta parece ter seguido as pisadas do avô. Acha que ela se tornou Solicitadora por sua influência? É capaz de ter sido, sim. Eu fui influenciado pelo meu irmão que também fez parte dos órgãos da Câmara dos Solicitadores, no Concelho Regional do Porto. Na época não existia ainda o Conselho Regional de Coimbra. Mas sim, ela é capaz de ter sido um bocadito influenciada por mim. Como se sente ao ter uma neta que também seguiu a área da Solicitadoria? Sinto-me orgulhoso, cheio de vitalidade e dou-lhe todo o apoio que ela precisar. Para mim é uma alegria imensa ter uma neta Solicitadora. Creio que, na verdade, mais do que um avô, para ela sempre fui um amigo. Por isso, só posso estar orgulhoso. : :

Sollicitare 47


OSAE PROMOVE DIÁLOGO SOBRE CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES

A

NACIONALIDADE PORTUGUESA PARA JUDEUS SEFARDITAS EM ANÁLISE NA OSAE

N

o passado dia 3 de julho, a Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) organizou a conferência online “Nacionalidade portuguesa para Judeus Sefarditas?”. A iniciativa teve como objetivo analisar a Lei da Nacionalidade, com enfoque na questão dos Judeus Sefarditas e na recente intenção do Partido Socialista em alterar o diploma que assegura passaporte português aos seus descendentes. Participaram neste evento, sob moderação de José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, Constança Urbano de Sousa, deputada do Partido Socialista (PS) e coordenadora do grupo de trabalho que debateu as alterações à Lei da Nacionalidade na Assembleia da República, Catarina Rocha Ferreira, deputada do Partido Social Democrata (PSD), Ana Gomes, antiga eurodeputada, e Luís Menezes Leitão, Bastonário da Ordem dos Advogados. Atualmente, e desde 2015, os descendentes de judeus sefarditas podem obter cidadania portuguesa, bastando que, para tal, apresentem certificado de registo criminal e declaração de descendência. Por iniciativa da deputada socialista Constança Urbano de Sousa, foi submetida ao Parlamento uma proposta de alteração da atual legislação. Esta proposta “visa, unicamente, clarificar os critérios de ligação a Portugal”, referiu a vice-presidente da bancada do PS. Na opinião de Ana Gomes, “o que está em causa nesta lei é a reparação histórica e política daquilo que foi uma tremenda violação de direitos elementares dos seres humanos.” Já Catarina Rocha Ferreira mencionou que “existem cada vez mais pessoas sem qualquer ligação ao nosso país que pretendem obter nacionalidade portuguesa e a legislação permite-o. E isso é o que preocupa a longo prazo.” Por fim, Luís Menezes Leitão considerou que “esta Lei da Nacionalidade quis unicamente recuperar uma comunidade Judaica que não tem ligação a Portugal”. : :

48

Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (OSAE) organizou, no dia 22 de setembro, a conferência online “CPAS?”, iniciativa que teve como objetivo promover o debate sobre o futuro da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS). Este evento, moderado por José Carlos Resende, Bastonário da OSAE, reuniu na sede da Ordem, em Lisboa, Carlos Pinto de Abreu, Presidente da Direção da CPAS, José Manuel de Oliveira, Vogal da Direção da CPAS, Vanda Santos Nunes, Tesoureira do Conselho Geral da OSAE e membro do Grupo de Trabalho da CPAS e Delfim Costa, Solicitador. José Carlos Resende abriu a conferência, realçando a enorme importância de se trazer esta discussão a público. Seguiu-se a intervenção de Delfim Costa, que frisou que não é sua intenção “atacar a CPAS, somente possibilitar uma escolha”. Para o orador, “a obrigatoriedade de impor a CPAS não faz sentido” e, no contexto da pandemia da Covid-19, “a CPAS demonstrou não ser capaz de acudir aos seus beneficiários”. Já Carlos Pinto de Abreu refutou algumas das acusações que têm vindo a ser feitas à Caixa a que preside: “Dizer que o estagiário é obrigado a pagar não é verdadeiro (…) Dizer que as medidas de proteção são praticamente nulas não é verdade”. Na sua opinião, a CPAS é “um sistema de repartição que assegura as pensões, as atuais e as futuras, e que tem a responsabilidade de saber assegurar a sua sustentabilidade no imediato e a longo prazo”.

Seguiu-se a intervenção de Vanda Santos Nunes, que começou por referir que “chegou o momento de repensarmos o futuro da CPAS”. Na visão da Tesoureira do Conselho Geral da CPAS, “a caixa de previdência, como está atualmente, não protege os interesses dos seus beneficiários”, visto que “está parada no tempo”. Na visão de José Manuel de Oliveira, a discussão deveria centrar-se, sobretudo, no modelo de contribuições da CPAS: “O atual modelo de contribuições é completamente injusto”. Para o Vogal da Direção da Caixa de Previdência, é fundamental “alterar a médio prazo o modelo de contribuições, que é o principal problema, quer pela sua injustiça intrínseca, quer pela sua sustentabilidade”. : :


PROFISSÃO

ALOJAMENTO LOCAL – REGIME JURÍDICO

A

Por João Pedro Amorim, Solicitador

tualmente, segundo o Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local (RNAL), existem perto de 100.000 Alojamentos Locais (doravante denominado “AL”) em Portugal. Sim, leu bem: cem mil! Com a dinâmica do mercado da procura e da oferta, não há dúvida de que o AL corresponde, hoje, a uma exponencial hipótese de rentabilização no mercado dos edifícios e frações e não a uma excludente das demais, sejam elas habitacionais, de serviços ou comerciais, como comumente muitos afirmam. A par da rentabilização, o que é, afinal, o AL? Consideram-se Estabelecimentos de Alojamento Local (doravante denominados “EAL”), aqueles que prestam serviços de alojamento temporário, nomeadamente a turistas, mediante remuneração, e que reúnem os requisitos, gerais e especiais, previstos na lei. Não é permitida a exploração como EAL dos estabelecimentos que reúnam os requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos. O regime jurídico dos EAL consta, atualmente, do Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29/08, alterado pelo Decreto-Lei n.º 63/2015, de 23/04, pela Lei n.º 62/2018, de 22/08, que o republica, e pela Lei n.º 71/2018, de 31/12, com as especificidades constantes na Portaria n.º 517/2008, de 25/06, entretanto alterada pela Portaria n.º 138/2012, de 14/05. Assim, a exploração de EAL corresponde ao exercício, por pessoa singular ou coletiva, da atividade de prestação de serviços de alojamento. Neste sentido, existem diversas modalidades dos EAL, a saber: a) Moradia: EAL cuja unidade de alojamento é constituída por um edifício autónomo, de caráter unifamiliar; b) Apartamento: EAL cuja unidade de alojamento é constituída por uma fração autónoma de edifício ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente; c) Estabelecimentos de Hospedagem: EAL cujas unidades de alojamento são constituídas por quartos, integrados numa fração autónoma, em prédio urbano ou parte de prédio urbano suscetível de utilização independente. Quanto a estes, em específico, pode ser utilizada a denominação “Hostel” quando a unidade de alojamento predominante for um dormitório, isto é,

quando o número de utentes em dormitório for superior ao número de utentes em quarto e se se obedecer aos restantes requisitos para o efeito; d) Quartos: exploração de AL feita na residência do titular – no seu domicílio fiscal – e quando a unidade de alojamento corresponde a quartos em número não superior a três. De modo a efetuar o registo do EAL é obrigatória a realização de uma comunicação prévia com prazo (condição necessária) dirigida ao Presidente da Câmara Municipal territorialmente competente, executada exclusivamente através do Balcão Único Eletrónico previsto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26/07, cumprindo os requisitos previstos igualmente no artigo 6.º, desta feita do Anexo à Lei n.º 62/2018, de 22/08. Após este procedimento, será atribuído um número de registo – num prazo de 10 dias a partir da sua apresentação ou de 20 dias no caso dos Hostels [prazo de oposição à comunicação prévia por parte do Presidente da Câmara Municipal] –, número que deverá ser utilizado na publicidade e documentação comercial do EAL, sendo este o título válido de abertura do mesmo ao público. Por fim, 30 dias após a apresentação da comunicação prévia com prazo, a Câmara Municipal territorialmente competente realiza uma vistoria para verificação do cumprimento dos requisitos estabelecidos no regime jurídico da exploração dos EAL. Em jeito de resumo, podemos elencar nove passos essenciais para ter, ou assessorar a ter, um AL: 1) Realizar a comunicação prévia com prazo (art. 6.º); 2) Abrir atividade; 3) Cumprir os requisitos gerais do AL, bem como quanto à capacidade (arts. 11.º e 12.º); 4) Ter atenção aos requisitos de segurança (art. 13.º); 5) Possuir livro de reclamações (art. 20.º); 6) Ter livro de informações em português, inglês e, pelo menos, em mais duas línguas estrangeiras (art. 12.º, nºs 6 a 9); 7) Contratar um seguro de responsabilidade civil obrigatório (art. 13.º-A); 8) Comunicar a entrada e saída de estrangeiros ao SEF (art. 14.º, da Lei n.º 23/2007, de 04/07); 9) Conhecer as obrigações fiscais. Por tudo isto, e muito mais, não corra riscos desnecessários! Se pretende desenvolver o seu negócio na área do AL, o Solicitador é o profissional competente para ajudar os investidores e/ou proprietários a fazer o investimento certo e/ou a fazer a gestão do seu património e do seu negócio. Já sabe: um Solicitador, todos os serviços! : :

Sollicitare 49


PROFISSÃO

SOLICITADORES ILUSTRES MANUEL D’AGRO FERREIRA

Por Miguel Ângelo Costa, Solicitador, Agente de Execução e Presidente do Conselho Fiscal da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

50

D

“Somos a bigorna dos desgostos e apenas espelho das alegrias”*

escrever a vida de Agro Ferreira neste pequeno texto é terrivelmente injusto. Este homem, para além de reconhecido pelos seus familiares, amigos, governantes e pela população em geral, deve ser sempre lembrado como um grande pilar da classe dos Solicitadores. Agro Ferreira nasceu na freguesia de Beduíno, concelho de Estarreja, no ano de 1879, vindo a falecer em Lisboa, aos 64 anos, em dezembro de 1943. O seu pai, funcionário público e figura incontornável na região de Aveiro, com ideias liberais, funda o “Jornal de Estarreja”, em 1883, para defender o Partido Progressista. Dono de algumas características muito singulares, cuidava sempre de acrescentar ao apelido dos seus filhos o nome do lugar onde nasceram. Daí o nome de Agro, porque nasceu no lugar do Agro, freguesia de Beduíno. Agro Ferreira, já em Lisboa, foi autorizado a exercer a profissão de Solicitador encartado, por despacho de 17 de junho de 1915, publicado no Diário do Governo em 22 do mesmo mês e, em 1920, a solicitar perante o Tribunal da Relação de Lisboa. Teve o seu domicílio profissional – até à sua morte – na Rua dos Douradores ou do Ouro. Para além da sua atividade profissional, fundou a revista de direito “Procural - Revista Forense”, cujo nome é o acrónimo de Procuradoria Geral. Esta revista foi, durante muitos anos, um auxiliar extraordinário, não só para Solicitadores e Advogados, como também para o comércio e para a indústria a nível nacional. A “Procural” patenteava, para além dos temas forenses, a administração de propriedades, bancos e indústria, passando pelas relações com os emigrantes, principalmente os do Brasil.


Para além desta revista jurídica, foi autor e coautor de publicações como “Manual Anotado do Notariado”, “Inquilinato” e “Resenha da Legislação e Jurisprudência”. Publicou, também, o “Regimento Anotado das Câmaras dos Solicitadores”, saído em 1929, da autoria do Solicitador Alfredo Duarte Rodrigues, e organizou, conjuntamente com Bartolomeu Rodrigues e António Augusto Rodrigues, o esboço do primeiro “Estatuto da Câmara dos Solicitadores” de 1928. Nos princípios dos anos 30 do século passado, a doença de um filho leva-o a procurar os ares do mar da Costa da Caparica. Aí descobre um autêntico paraíso terrestre que poderia ser desenvolvido e até rivalizar com as praias da outra margem, como as do Estoril ou de Cascais. Agro Ferreira acreditava que toda a população deveria ter acesso às mesmas condições balneárias de que gozava a elite lisboeta e, por isso, lança uma série de empreendimentos na margem sul do Tejo. São exemplo disso a construção do Hotel da Praia do Sol (primeiro hotel da península de Setúbal), inaugurado em 1934, e a construção de pequenas casas de um só piso, destinadas à população com menos recursos económicos. Devido ao seu empreendedorismo, é nomeado vereador da Câmara de Almada, fazendo, nesse âmbito, várias conferências sobre o atraso das infraestruturas na margem sul, que contrastavam com o desenvolvimento da margem direita do rio Tejo. Numa conferência em Almada, no ano de 1933, diz: “O porto de Lisboa… meio

porto, afinal lhe chamo eu, pois só se tem contado com a margem norte do Tejo, esquecendo que existe a margem sul….”. E acrescentou: “de um lado o primeiro mundo elitista, do outro um amontoado de ferro velho”1. Para rentabilizar o investimento efetuado, Agro Ferreira foi pioneiro no uso da publicidade alusiva ao Sol da Caparica, através de artigos nos jornais e da publicação de “A Praia da Costa” e “A Praia do Sol”2, cartazes alusivos à cura e ao bem-estar que o mar da Caparica proporcionava. Aproveitando a amizade com o Ministro das Obras Públicas de então, Duarte Pacheco, com quem compartilhava a vontade de desenvolver a região, Agro Ferreira idealizou uma das construções que seriam estruturais para toda a região sul: a avenida Cacilhas-Trafaria, a que chamou Avenida Sul do Tejo. No entanto, esta não chegou a concretizar-se, já que ambos faleceram, bruscamente, no final do ano de 1943. Agro Ferreira foi um homem que nunca deixou de trabalhar em prol da família, da classe e do bem comum. Numa carta a um amigo, após o lamento da morte de uma filha, dizia: “somos a bigorna dos desgostos e apenas o espelho das alegrias”. : : NOTAS: * Carta ao Dr. José de Almeida – Arq. D. da Guarda. 1 – Arq. H.M.B. Almada 2 – Associação Gandaie Agradecimento: Ao seu neto, Prof. Rui Baião, pelas notas fornecidas.

Sollicitare 51


REPORTAGEM / ESPECIAL RELIGIÃO A liberdade religiosa é fundamental num estado democrático. Mas o que acontece quando a lei civil e a doutrina apontam caminhos diferentes? Neste espaço, vamos revelar-lhe, ao longo de várias edições, os credos com maior representatividade em Portugal. Saiba o que defendem, no que acreditam, como vivem e qual o seu conceito de Justiça.

IGREJA LUSITANA CATÓLICA APOSTÓLICA EVANGÉLICA

DA ESPIRITUALIDADE ANGLICANA AO MOVIMENTO “VELHO-CATÓLICO” A POUCOS MINUTOS DO CENTRO DE LISBOA, MAIS PRECISAMENTE NO N.º 2 DA RUA DAS JANELAS VERDES, ENCONTRAMOS A CATEDRAL DA IGREJA LUSITANA CATÓLICA APOSTÓLICA EVANGÉLICA. QUEM POR ALI PASSA NÃO FICA INDIFERENTE À BELEZA DA FACHADA E IMPONÊNCIA ARQUITETÓNICA DO EDIFÍCIO. TODAVIA, É NO SEU INTERIOR QUE MORA A VERDADEIRA ESSÊNCIA DESTA IGREJA, ONDE A FÉ ESTÁ ESPELHADA EM MÚLTIPLOS RECANTOS. RECANTOS ESSES QUE NARRAM UMA HISTÓRIA DE HÁ JÁ QUATRO SÉCULOS, QUANDO ESTE ESPAÇO ERA AINDA O CONVENTO DE NOSSA SENHORA DOS REMÉDIOS, FUNDADO EM 1606. UM CONVENTO QUE VIRIA A SER PROPRIEDADE DA IGREJA LUSITANA EM 1898. HERDOU-SE O ESPAÇO, PRESERVOU-SE A HISTÓRIA E A RELIGIÃO, ESSA, GANHOU NOVO PALCO E VIDA. ENTREMOS, SEM MAIS DEMORAS, PELOS CAMINHOS QUE NOS LEVAM ATÉ À IGREJA LUSITANA. Texto Dina Teixeira / Fotografia Cláudia Teixeira assista ao vídeo em www.osae.pt

52


Sollicitare 53


DA ESPIRITUALIDADE ANGLICANA AO MOVIMENTO “VELHO-CATÓLICO”

É

uma tarde quente de setembro. O relógio marca as 15h00. Chegamos ao nosso destino. Curiosos, olhamos em redor. Temos a sensação de que a rua parece pintada a pincel, tal é o detalhe dos edifícios que aqui se erguem. Paramos. De repente, todos os olhares vão dar ao sumptuoso edifício da Igreja Lusitana que, pelas características próprias de um prédio do século XVII, contrasta por completo com a restante arquitetura. Passo a passo, entramos serenamente na Igreja Lusitana, contemplando todo aquele espaço, envolto numa aura de comunhão. Sente-se a história secular, revivida pela religião. Sente-se a fé na sua plenitude. Minutos depois, somos recebidos pelos historiadores – Manuel Guedes Vieira e Joana Pina Cabral – que nos apresentam a casa Mãe da Igreja Lusitana. E assim iniciamos uma viagem de descoberta e conhecimento pelos cenários da fé, outrora destinados às práticas conventuais. Conta-nos Manuel Guedes Vieira que “o convento já foi fábrica de velas, um hospital, um quartel”. Por tudo o que é sítio, espalham-se vestígios de outros tempos, como evidencia Joana: “Toda a arquitetura é daquela época, é muito sóbria”. Percorrem-se corredores, escadarias, jardins e pátios. Perde-se a conta ao número de salas e espaços de convívio, tal é a grandiosidade deste majestoso edifício. Pelos labirintos da Igreja, encontram-se portas ainda por abrir. Do paradeiro das chaves pouco ou nada se sabe. Sabe-se apenas que são portas guardadas a sete chaves, cujos mistérios estão por desvendar. Seguimos, de olhares fixados nos pormenores. Os azulejos pintados, os túmulos majestosos e os jardins floridos fazem-nos reviver o passado, num silêncio que não parece deixado ao acaso. Mas é pelos símbolos e figuras religiosas que presenciamos a fé que aqui se vive. Dirigimo-nos até à última sala. As escadas em forma de caracol levam-nos até à parte superior da Igreja. “Aqui é a biblioteca, conhecida como a sala Dr. Bispo Luís Pereira”, afirma Joana Pina Cabral. O olhar de surpresa é generalizado. Os livros empilhados roubam-nos a atenção, transportando-nos para uma outra época. E como se isso não bastasse, ali mesmo ao lado abre-se a porta para o coro. Ficamos boquiabertos, perdidos naquela impressionante vista panorâmica sobre a Igreja. E dali saímos, gravando na memória um momento que fica, sem dúvida alguma, para a posteridade. Num sumptuoso tapete vermelho que se estende até ao presbitério, ornamentado com flores e velas, encontramos o Bispo Diocesano D. Jorge Pina Cabral. Foi em 2013 que foi sagrado Bispo da Igreja Lusitana, sendo o quarto da sucessão. Começa por explicar que a missão da Igreja Lusitana é “servir a humanidade, servir as comunidades onde estamos inseridos”. Entende-se que a Igreja procura ser uma comunidade familiar e fraterna, que acolhe todos aqueles que procuram a vivência do amor de Deus para as suas vidas. Num discurso que promete ser de contextualização, recuamos até às origens da Igreja Lusitana. Desvenda o Bispo que foi no dia 8 de março de 1880 que um grupo de clérigos e fiéis decide criar uma Igreja diferenciadora, cujo nome define muito bem a sua identidade eclesial: “Ela é Lusitana, porque professa ser a restauração da

54


Sollicitare 55


primitiva Igreja que existia na Lusitânia; Ela é Católica, porque mantém a fé católica, a fé sustentada sempre por todos e em toda a parte; é Apostólica, porque preserva o ministério apostólico e sente-se enviada a testemunhar Cristo; e é Evangélica, porque sustentada na Sagrada Escritura, proclama a Boa Nova de Jesus." É curioso, no entanto, que só 100 anos depois da sua fundação, em 1980, a Igreja Lusitana passa a integrar a Comunhão Anglicana. Admite-se ter sido uma consequência natural do seu percurso eclesial, porque “já havia uma comunhão estreita com outras Igrejas Anglicanas”, como refere Jorge Pina Cabral. Para além disso, a Igreja Lusitana partilhava dos mesmos princípios estruturantes das Igrejas Anglicanas: era uma Igreja litúrgica, uma Igreja apostólica e uma “Igreja com uma forte acentuação de unidade na diversidade”, explica ainda. A Comunhão Anglicana caracteriza-se pela particularidade de serem Igrejas autónomas, mas unidas entre si. E é precisamente assim que a Igreja Lusitana se revê: autónoma, nacional e conectada a uma comunhão de Igrejas. Para além do forte laço de união entre Igrejas anglicanas, a entrada nesta Comunhão “tornou a Igreja universal”, assume, passando a haver uma relação mais estreita com Igrejas de todo o mundo e, em particular, com Igrejas Anglicanas Lusófonas: de Moçambique, de Angola e do Brasil.

56

“Ela [a Igreja] é Lusitana, porque professa ser a restauração da primitiva Igreja que existia na Lusitânia; Ela é Católica, porque mantém a fé católica, a fé sustentada sempre por todos e em toda a parte; é Apostólica, porque preserva o ministério apostólico e sente-se enviada a testemunhar Cristo; e é Evangélica, porque sustentada na Sagrada Escritura, proclama a Boa Nova de Jesus."

JORGE PINA CABRAL


DA ESPIRITUALIDADE ANGLICANA AO MOVIMENTO “VELHO-CATÓLICO”

Mas curiosidades à parte, traçado o caminho histórico da Igreja, vejamos os quatro pilares que suportam a sua eclesiologia, naquilo que é o chamado “Quadrilátero de Lambert”. O primeiro tem que ver com o papel predominante das Sagradas Escrituras, pois a Igreja sustenta a sua vivência na Sagrada Escritura enquanto revelação escrita de Deus. O segundo aspeto é o da proclamação dos chamados credos universais, onde está expressa a doutrina da Igreja: o credo niceno, o credo apostólico e o credo de Santo Atanásio. Já o terceiro corresponde ao Episcopado Histórico como continuidade do ministério Apostólico. Por último, e não menos importante, é a dimensão sacramental da Igreja, sendo que os dois sacramentos principais são o batismo e a eucaristia. “São ainda praticados os ritos sacramentais: da reconciliação, do matrimónio, da ordenação, da confirmação e da unção dos enfermos”, menciona o Bispo. A Igreja Lusitana aparece como uma Igreja alternativa à Igreja Católica Romana, considerada muito conservadora e muito rígida nas suas posições eclesiais. Diferencia-se pela sua liturgia própria e pelo uso corrente da Sagrada Escritura - a Bíblia - e a promoção da sua leitura em português. Mas não é tudo. Há outros pontos de divergência que devem ser mencionados.

O primeiro ponto a salientar é que os padres podem contrair matrimónio. Para a Igreja, isso é “algo que enriquece o próprio Ministério Ordenado e que tem fundamento bíblico”, refere Jorge Pina Cabral. Numa amálgama entre “vocação” e “matrimónio” percebe-se, contudo, que o casamento, apesar de permitido, deve apenas ser seguido se os Ministros tiverem essa vocação. O segundo ponto prende-se com a possibilidade de ordenação das mulheres, aprovada na Igreja Lusitana no Sínodo de 1991, um passo muito à frente para um tempo em que a cultura religiosa se assumia, e ainda se assume, demasiado patriarcal, colocando o homem nas posições de poder também na Igreja. “A igualdade de género é muito importante e a Igreja Lusitana tem procurado evoluir, através de departamentos destinados a mulheres e da relação com outras Igrejas.”, esclarece o Bispo. O terceiro e último ponto foca-se na questão do divórcio. Apesar de a Igreja Lusitana defender o matrimónio, o divórcio é permitido, dando-se aos fiéis, em casos excecionais, a possibilidade de casarem novamente na Igreja. De qualquer forma, pede-se bom senso e nestas situações é necessário “analisar a maturidade cristã, humana e esponsal das pessoas que solicitam o divórcio”, acrescenta.

Sollicitare 57


Se pensarmos que estávamos no séc. XIX/XX, este é, realmente, um movimento alternativo e diferenciador. Mas há uma questão que suscita muitas dúvidas, que é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. “Esta é uma discussão teológica e bíblica, que está em aberto no seio das Igrejas Anglicanas. A grande maioria, incluindo a Igreja Lusitana, não permite o casamento homossexual, por se considerar que o casamento, na sua fórmula tradicional, se destina a um homem e a uma mulher. Portanto, a uma complementaridade que foi desejada por Deus e que está expressa na Sagrada Escritura”, realça o Bispo. Tem sido feito, todavia, um caminho de acolhimento de todos na Igreja e, por isso, “essas pessoas, independentemente da sua orientação sexual, são chamadas a ter também uma vida eclesial plena”, explica. Admite-se que este é um tema exigente e sensível. Mas este não é o único dilema que a sociedade enfrenta atualmente. Vivemos num mundo fragmentado e desunido, movido apenas por interesses económicos, e onde as desigualdades e o discurso do ódio se fazem sentir cada vez mais. E “esta cultura em que vivemos, leva-nos a viver uma fé pouco assumida”, admite Jorge Pina Cabral. Felizmente, no caso da juventude, apesar de menos numerosa, nota-se que é mais comprometida. Embora se admita que a tecnologia e as redes sociais podem aproximar os jovens da Igreja, afirma-se também que esse é apenas um meio complementar, “não se podendo negar a própria antropologia da fé”, refere. Termina o tema afirmando que “o mundo de hoje necessita da Igreja e a Igreja necessita de discípulos convertidos”,

58


“A Igreja Lusitana não é fruto de um movimento de missão estrangeiro, é sim uma Igreja verdadeiramente nacional.”

JORGE PINA CABRAL

reforçando ainda que “vivemos num mundo que necessita de ser reconciliado, que precisa do amor de Deus, que precisa de uma vivência de comunhão.” Numa altura em que passamos por um dos períodos mais difíceis da história, foram muitos os desafios trazidos pela pandemia COVID-19. Explica-nos o Bispo que o primeiro desafio foi o da “impossibilidade da reunião eucarística dominical”, que levou a Igreja a fazer transmissões por vídeo, de modo a incluir o povo nas suas celebrações. O segundo desafio foi o de “nos mantermos unidos em termos relacionais”. Passou-se a utilizar o WhatsApp, o Zoom, entre outras plataformas digitais. O terceiro desafio “foi o da oração, que fez com que a Igreja se tornasse mais espiritual e menos sacramental, o que foi também uma redescoberta muito interessante”. Por fim, e não menos importante, “foi o desafio de ajudar a comunidade”. Mais do que nunca “a Igreja Lusitana e as Igrejas em geral, tiveram um papel de coesão muito importante na sociedade portuguesa, porque elas foram a massa espiritual que permitiu que a sociedade se mantivesse unida e animada, num período de grande desespero.”, confessa o Bispo. Se há filosofia que teima em decretar o fim da religião, ponha-se essa ideia de parte. As evidências mostram precisamente o contrário. Perante uma realidade instável, “o homem e a mulher do séc. XXI buscam necessariamente um sentido para vida e nesse sentido para a vida as religiões têm uma proposta muito importante para oferecer”, diz Jorge Pina Cabral. Em jeito de desabafo, espera que “os crentes e os homens ou mulheres de boa vontade caminhem juntos no desenvolvimento daquilo que é preciso fazer no mundo de hoje: para a paz, para a igualdade e para a defesa da Criação”. E como não poderia deixar de ser, aproveitámos a passagem pela Igreja Lusitana para saber que previsões se fazem acerca do futuro da religião e da Igreja. Assegura-nos o Bispo que “o importante é sabermos viver aquilo que o tempo presente nos oferece, porque assim já estaremos a construir o futuro, isto é, a construir aquele que é, em linguagem da fé, o Reino de Deus”. Presos nestes ensinamentos, pelas 17h00 saímos da Igreja. Connosco levamos a certeza de que “a Igreja Lusitana não é fruto de um movimento de missão estrangeiro, é sim uma Igreja verdadeiramente nacional”, empenhada em proclamar a fé ao serviço da humanidade. : :

Sollicitare 59


TECNOLOGIA REGISTO ONLINE DE ATOS DE SOLICITADORES – A VANGUARDA DA SEGURANÇA DOCUMENTAL Por Rui Miguel Simão, Solicitador, Agente de Execução e 1.º Secretário do Conselho Geral da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

O

s solicitadores elaboram documentos dotados de garantias únicas de segurança. Acha que estamos a exagerar? Desde 2006, solicitadores, notários e advogados partilham competências para fazer “reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial”1. No caso dos solicitadores, é ainda feito um registo informático numa plataforma desenvolvida pela OSAE e que, muito adequadamente, se chama Registo Online de Atos de Solicitadores (ROAS para os amigos). A elaboração do documento de acordo com a lei notarial e o seu registo nesta plataforma são duas condições de validade e segurança que se querem tão simultâneas quanto possível, uma vez que a lei prevê que o registo informático seja “efetuado no momento da prática do ato”2. No que concerne aos solicitadores, estas condições de validade são geradas ao mesmo tempo na plataforma ROAS e ficam reproduzidas num único documento. Não há melhor forma de assegurar que o registo online é feito “no momento da prática do ato”, como prevê a Portaria n.º 657-B/2006, do que garantir que ambos acontecem em simultâneo. Este é um exemplo notável de como a tecnologia pode acrescentar garantias de segurança aos cidadãos e às empresas, enquanto se simplifica o trabalho do solicitador. Com esta dupla funcionalidade, impede-se a separação do documento que formaliza o ato do comprovativo do seu registo online, o que confere uma garantia acrescida de imutabilidade ao documento notarial feito por um solicitador. Resumindo, numa só interação com a plataforma, ficam cumpridos todos os requisitos necessários à validade do documento, nos termos da Lei notarial e da Portaria que regula o registo eletrónico deste tipo de atos.

60


PROFISSÃO

Além disso, os solicitadores são os únicos profissionais que têm a obrigação, prevista no artigo 152.º do seu Estatuto, de colocar em todos estes documentos um selo de autenticação, único e irrepetível, emitido pela Casa da Moeda e vulgarmente chamado de “vinheta”. Cada um destes selos só pode ser distribuído pela OSAE e a favor do solicitador. Além de ser um sinal distintivo dos documentos realizados pelos solicitadores, com impressão de uma banda holográfica própria, este selo autocolante contém o nome do solicitador e um número de série único, que é usado para autorizar o registo online. Significa isso que, quando vir um documento com um destes selos de autenticação, sabe que foi emitido por um solicitador habilitado para tal. Mas não pense que o ROAS serve só para facilitar a vida dos solicitadores. Através desta plataforma é ainda permitida a consulta pública da validade dos documentos. Como se não bastasse, cada documento apresenta um QR code único, que visa permitir essa confirmação da validade do documento, de forma rápida, bastando para isso apontar a câmara do seu smartphone para a imagem e abrir o link fornecido. Desta forma, poderá sempre confirmar se o documento que tem à sua frente é legítimo ou não. Apesar de tal não ser obrigatório, nem tampouco necessário, o ROAS passou também a permitir a consulta online dos documentos sobre os quais o solicitador praticou o ato notarial. Acrescente-se ainda que, além de todos os requisitos anteriores, sempre que o solicitador emita documentos particulares autenticados que titulem atos sujeitos a registo predial, é feito um depósito do documento junto do IRN. Como viu, não é exagero: os solicitadores elaboram documentos dotados de garantias únicas de segurança. : :

Exemplo da nossa amiga vinheta.

Este código leva a uma página que se ainda não gostou, vai gostar.

1 Crf. artigo 38.º do DL nº 76-A/2006. 2 Crf. artigos 1.º e 4.º da Portaria 657-B/2006.

Sollicitare 61


Teses SUGESTÕES

/Resumos

A resolução de negócios em benefício da massa insolvente

E

m virtude das dificuldades económicas que Portugal enfrentou no início desta década, o Direito da Insolvência tornou-se cada vez mais importante no paradigma jurídico português, com o aumento do número de processos de insolvência, tanto de pessoas singulares como de pessoas coletivas. Com um elevado número de processos, também as resoluções em benefício da massa insolvente proliferaram. O objetivo primordial do processo de insolvência é o ressarcimento igualitário dos direitos dos credores, na medida da sua graduação de créditos, pelo que seria injusto que o devedor, anteriormente ao processo de insolvência, praticasse algum ato que consubstanciasse uma diminuição do seu acervo patrimonial, beneficiando em específico um credor ou terceiro. Numa primeira fase no Código de Processo Civil, posteriormente no

CPEREF e atualmente no CIRE, o legislador tem previsto a resolução de negócios em benefício da massa insolvente que, jurisprudencialmente, pode ser definida como o mecanismo que visa o reingresso na massa insolvente de bens ou direitos dissipados pelo devedor no intuito de furtar à garantia da satisfação dos credores. Nesta dissertação procuramos efetuar uma análise doutrinária e jurisprudencial à figura da resolução em benefício da massa insolvente, com especial incidência na sua forma e formalidades, a qual, poderemos afirmar, tem o mesmo objetivo que o próprio processo de insolvência – o ressarcimento, na maior medida possível, dos credores. : : Cláudio Alfaiate Mestrado em Solicitadoria de Empresa | ESTG/Politécnico de Leiria © Samuel Sousa

62


ORDENS

ENGENHARIA: UMA PROFISSÃO PARA RESPONDER A DESAFIOS Por Carlos Mineiro Aires, Bastonário da Ordem dos Engenheiros

A

história e o desenvolvimento do nosso país estão intrinsecamente ligados ao papel dos engenheiros e da engenharia. Sobretudo a partir século XIX, alavancado pela Revolução Industrial, Portugal iniciou, quer no território continental, quer nas suas colónias, uma série de investimentos focados nas infraestruturas básicas e na indústria, onde a engenharia militar assumiu o primeiro papel de relevo. Este movimento originou também o surgimento de alguns grupos industriais, cujo sucesso se estendeu por um período relativamente longo, nos quais os engenheiros fizeram a diferença. Mais tarde, por oposição à engenharia militar, surgiram os engenheiros civis, que durante muito tempo desempenharam tarefas em diferentes áreas e, graças à sua sólida e diversificada formação superior, cobriram que existiam. Em 1936, curiosamente no mesmo ano em que foi inaugurado o prestigiado Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, é criada a Ordem dos Engenheiros. Esta veio substituir a Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, fundada em 1869, numa altura em que já existiam profissionais de outras especialidades para além dos civis. Esta época foi marcada por reformas no ensino superior de engenharia, pois dez anos antes do IST, em 1926, já havia sido criada a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e também, em 1936, o Instituto Superior de Agronomia adquiriu a sua atual denominação, sucedendo ao Instituto de Agronomia e Veterinária, criado em 1886. Estavam, assim, lançadas as bases para o contínuo crescimento da oferta diversificada na formação superior em engenharia, complementada com o ensino politécnico. Hoje, a Ordem dos Engenheiros tem doze colégios de especialidade, a que correspondem as engenharias civil,

eletrotécnica, mecânica, geológica e de minas, química e biológica, naval, geográfica, agronómica, florestal, materiais, informática e ambiente. Nestes colégios são admitidos licenciados pré e pós Bolonha. Na verdade, a constante evolução tecnológica obrigará à constituição de novos colégios, como é o caso da engenharia aeroespacial e da emergente área das bioengenharias, onde a engenharia biomédica assume particular relevância. Desde sempre, o foco da atividade dos engenheiros foi, desde sempre, o de encontrar a solução para os mais diversos problemas que se colocam à Humanidade e às sociedades e, nesse sentido, criar soluções para uma melhor qualidade de vida. Embora sejam atores cruciais que passam, muitas vezes, despercebidos, os engenheiros asseguram o funcionamento das estruturas básicas do país e são os atores principais da economia, pois a sua atividade cria valor acrescentado. Nesta transição de época, são os engenheiros que estão melhor posicionados para perceber e perspetivar o futuro. Um futuro digital e tecnológico, que exige qualificação adequada e capacidade de responder às alterações climáticas, preocupação prioritária das Nações Unidas, e de afirmar a importância da economia circular, pondo fim à linearidade finita dos recursos naturais e impondo medidas concretas na área das eficiências material, hídrica e energética. No essencial, será um virar de página na forma tradicional de fazer engenharia. : :

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico

Sollicitare 63


64


CULTURA

PEDRO FERNANDES

“Quem sonhar em fazer da comunicação a sua vida não pode sonhar com a fama imediata, porque estas coisas constroem-se com o tempo e com trabalho.”

E N T R E V I S TA A

QUIS SER JOGADOR DE FUTEBOL, PASSOU PELO TEATRO UNIVERSITÁRIO E ATÉ GANHOU UM CONCURSO DE COMÉDIA DE IMPROVISO, MAS O DESTINO FÊ-LO BRILHAR NA ÁREA DA COMUNICAÇÃO. FALAMOS DE PEDRO FERNANDES, O LOCUTOR E APRESENTADOR CUJA BOA DISPOSIÇÃO, CRIATIVIDADE E HUMOR NÃO PASSAM DESPERCEBIDOS. COMEÇOU POR SER PAGINADOR E PUBLICITÁRIO, MAS O “BICHINHO” PELA TELEVISÃO E PELA RÁDIO ACABOU POR FALAR MAIS ALTO, FICANDO ESPECIALMENTE CONHECIDO PELOS PROGRAMAS “5 PARA A MEIA-NOITE”, DA RTP, E “CAFÉ DA MANHÔ, DA RFM. ADMITE QUE O SUCESSO VEIO ALIADO À SORTE DE ESTAR NO SÍTIO CERTO À HORA CERTA E, APESAR DE SE SENTIR REALIZADO, AMBICIONA CONTINUAR A CRESCER NA PROFISSÃO. Entrevista Dina Teixeira / Fotografia Rui Santos Jorge assista ao vídeo em www.osae.pt

Sollicitare 65


ENTREVISTA COM PEDRO FERNANDES

Com uma personalidade carismática e voz inconfundível, já todos nos habituámos a vê-lo como apresentador e locutor. Como se descreve enquanto profissional? A melhor forma de me descrever é utilizando a expressão portuguesa: “Sou pau para toda a obra”. Tenho facilidade em adaptar-me a vários formatos e a vários meios e, felizmente, tenho tido a sorte de ter projetos que me vão desafiando e dando a oportunidade de fazer coisas diferentes. Tenho feito vários trabalhos e acho que me tenho saído relativamente bem naquilo que faço. Se calhar nunca fiz nada assim excecionalmente bem, mas talvez mereça um “Bom +” ou, em algumas coisas, um “Muito Bom”. Consigo desenrascar-me em quase tudo e acho que esta é uma característica muito portuguesa. Como é o Pedro Fernandes off the record? O Pedro Fernandes é sempre a mesma pessoa. Aliás, se a televisão deixa algumas dúvidas nos espectadores sobre se aquela pessoa é a mesma quando está à frente ou atrás das câmaras, no caso da rádio não há margem para incertezas. Na rádio damos tanto de nós e estamos de tal forma descontraídos que era impossível mantermos uma personagem durante tanto tempo. Todos os dias, durante três horas, estamos ali num estúdio – local onde não vemos os milhões de portugueses que nos estão a ouvir – e estamos a ter uma conversa de amigos, partilhando o nosso dia a dia. Portanto, se estivéssemos a fazer alguma personagem, facilmente nos esqueceríamos disso e a máscara cairia. Não há forma de manter essa máscara durante tanto tempo, tantas horas, tantos dias, tantos anos. Já vou quase no meu quarto ano

66

de “Café da Manhã” e posso dizer que o Pedro Fernandes é “what you see is what you get” [o que vês é o que tens]. Começou por ter o sonho de ser jogador de futebol. Acha que se não tivesse ficado lesionado poderia ter sido um segundo CR7? No máximo uma irmã do Cristiano Ronaldo, o CR7 acho que não. Eu tinha algum talento, é verdade, mas o meu avô ia ver os treinos e costumava dizer que só me faltava uma cadeira para me sentar no meio do campo à espera de que a bola viesse ter comigo. Pelos vistos eu não me esforçava assim tanto a correr atrás da bola [risos]. No entanto, quando a bola me vinha parar aos pés, eu era um perigo para as defesas adversárias. A verdade é que tinha algum talento no pé esquerdo, mas nada que se comparasse com o Cristiano Ronaldo, até porque o Cristiano trabalha imenso e eu era mais preguiçoso. Ficou o sonho e, de vez em quando, jogo com amigos e normalmente brilho nesses jogos. Mas lá está, também são amigos que têm muito pouco jeito para o futebol. Gosto de escolher bem os adversários só para conseguir brilhar, como é óbvio [risos]. Formou-se em “Publicidade e Marketing” na Escola Superior de Comunicação Social, onde fez parte do teatro universitário. Foi aí que surgiu a vontade de estar à frente das câmaras? Sim, foi o despertar daquele “bichinho” de que tanta gente fala. Subires a um palco e, de repente, perceberes que crias uma reação nas outras pessoas, vê-las rir, tudo isso te dá vontade de repetir. É uma boa droga. Eu era uma pessoa


O meu primeiro emprego foi como paginador, numa editora de revistas (…). Depois arranjei outro numa agência de publicidade, onde estive 10 anos. muito envergonhada e ainda sou bastante. As pessoas não acreditam, mas é verdade. Acho que extravaso muito para tentar disfarçar essa minha timidez. Então, entrar para o teatro universitário foi um processo difícil, porque sabia que ia ter de me expor e de dar muito de mim e eu se calhar até era o mais envergonhado do grupo. Aí fui obrigado a soltar-me e foi uma escola realmente incrível. Ainda estive nesse grupo dois ou três anos e lembro-me que nós fazíamos coisas mesmo muito estapafúrdias, que nem a própria faculdade gostava. Por exemplo, durante uma aula, nós aparecíamos do lado de fora das janelas a limpar os vidros. Também fazíamos noites de poesia e de improviso e exercícios de confiança. Do género: de repente tínhamos de nos atirar de um muro de costas, sem saber se nos iam agarrar. Normalmente agarrávamos toda a gente, a não ser alguns que não gostávamos tanto e deixávamos cair [risos]. Tive ainda a grande experiência de subir ao palco do Teatro da Trindade, passados poucos meses, o que foi um grande desafio. Acabámos por, na altura,

mexer ali um bocado com a faculdade e isso mexeu comigo também. Sem dúvida que me ajudou a ser quem sou hoje e a ter este maior à-vontade. Trabalhou na área de Publicidade durante 10 anos. Como é que se desenhou o percurso até à dita “caixinha mágica”? Foi um percurso feito de forma muito lenta, sem pressas, dando passos muito seguros. Às vezes até fui empurrado a dar passos maiores, porque eu próprio estava sempre muito reticente em arriscar. Não sou uma pessoa que goste de arriscar sem saber o que vou pisar a seguir. O meu primeiro emprego foi como paginador, numa editora de revistas, e esse emprego durou seis meses. Depois, arranjei outro numa agência de publicidade, onde estive 10 anos. Mas durante esse período foram surgindo outras oportunidades como “A Revolta dos Pastéis de Nata” e o “5 Para a Meia-Noite” da RTP, ou o “Caia Quem Caia” da TVI. Portanto, eu fazia isto tudo enquanto estava na agência de publicidade porque, como não tinha muito rendimento da televisão, não queria largar aquele meu emprego e ordenado fixo ao final do mês. Os meus pais e os meus avós sempre me ensinaram que o emprego era para a vida, então não queria correr o risco de perder aquele trabalho para depois ter de dar a razão à minha família. Por isso, só deixei a agência de publicidade quando o meu chefe gentilmente me convidou a sair, pois

Sollicitare 67


eu já passava mais tempo fora da agência do que lá. Sempre que tinha de gravar um sketch ou uma locução, o meu chefe dava-me essa liberdade e permitiu que eu fosse crescendo na outra área, mesmo sabendo que me ia perder. E se não fosse assim, provavelmente hoje não estaria a fazer o que faço e que tanto gosto. A rádio surge mais tarde na sua carreira. Foi um passo planeado? Foi um passo planeado pelo meu atual diretor, não por mim. Eu gosto imenso de fazer rádio, tive essa experiência na faculdade e adorei. Aliás, eu já fazia rádio quando era muito miúdo, em casa, ainda andava na escola preparatória. Era a “Rádio Júnior”, criada por mim e por uns amigos e gravada num gravador normal de cassetes. Tínhamos talk shows, publicidade, radionovelas e era uma coisa que eu gostava muito de fazer na minha infância. Mais tarde, tive a oportunidade de fazer uma espécie de prolongamento do “5 Para a Meia-Noite”, na Antena 3, mas nunca pensei fazer disto carreira. Até que um dia o António Mendes, diretor da RFM, através do Nilton, convidou-me para fazer parte da equipa que produz o programa da manhã e eu fiquei a pensar nisso. Ainda por cima, na altura, não estava preparado para esta vida das manhãs. Tinha vindo do “5 Para a Meia-Noite”, o que me obrigou a organizar a minha vida toda em volta daquele horário. Apresentava o programa à noite, o meu processo criativo e de escrita também era à noite e deitava-me às 4 ou 5h da manhã. Realmente esta era uma grande proposta, porque a manhã é o prime time [horário nobre] da rádio, o horário que toda a gente quer fazer e, por isso, eu lá disse que sim. No entanto, só na semana seguinte, é que me disseram que queriam que eu fosse o apresentador do “Café da Manhã”. Sinceramente, eu nunca tinha pensado nessa hipótese, até porque nem sabia mexer na máquina da rádio.

68

É realmente incrível poder fazer rádio e falar para um milhão de pessoas todas as manhãs, percebendo o impacto que isso tem nas suas vidas.

São muitos botões, com muitas cores e aquilo baralha um bocadinho. Ainda hoje, com quatro anos de “Café da Manhã”, não sei para que servem os botões todos, nem quero saber [risos]. Quero saber daqueles que são essenciais para o meu trabalho. Depois, volta e meia, lá vou aprendendo para o que serve mais um e realmente aquilo tem possibilidades infinitas, ou quase infinitas, e é muito bom ir descobrindo as coisas pouco a pouco. Então lá aceitei o desafio de ser apresentador do “Café da Manhã”. É realmente incrível poder fazer rádio e falar para um milhão de pessoas todas as manhãs, percebendo o impacto que isso tem nas suas vidas. É também muito bom ter uma equipa em quem confio. Na rádio não


ENTREVISTA COM PEDRO FERNANDES

pode haver silêncios e, se de repente eu hesitar, sei que tenho alguém a socorrer-me. Ninguém deixa cair o amigo. Repara que eu disse amigo, não disse colega. Acho que o segredo de se ter uma boa equipa num programa da manhã como este é que as pessoas não são só colegas, são também amigos. A amizade aqui é muito importante. Portanto, a carreira na rádio não foi um passo planeado, mas ainda bem que alguém planeou isto por mim. Venceu o concurso de comédia de improviso, promovido pelos Commedia a la Carte. Foi nessa altura que começou a perceber que o humor poderia ser mais do que uma brincadeira? Eu sempre gostei de fazer as pessoas rir. Houve vários concursos de comédia e improvisação, eu só ganhei um deles e foi em equipa, nós éramos três. Acho que também tive muita sorte, porque os meus dois colegas de equipa eram ótimos. Mas o fazer rir já vinha muito mais de trás: do teatro, da própria vivência com a minha família e da escola. Há sempre o palhaço da turma e essa pessoa era eu. Estava sempre lá para destabilizar o resto da turma, porque eu sempre gostei de provocar a gargalhada nas outras pessoas. Este concurso foi só uma confirmação disso. E, naquela altura, pensei: “Queres ver que ainda vai dar para viver disto?”. Hoje não me considero um humorista, nem de perto nem de longe. Sou um apresentador bem-humorado, uma pessoa naturalmente bem-disposta e gosto de passar essa boa disposição para as outras pessoas, fazendo-as rir. Costuma fazer humor com vários temas. Acha que é importante rirmo-nos da nossa própria desgraça? A sabedoria popular diz isso mesmo: “Rir é o melhor remédio” e acho que é mesmo. Nós estamos a atravessar um dos períodos mais difíceis das nossas vidas. Esta pandemia da COVID-19 veio mudar completamente os nossos hábitos, afastar-nos da nossa família e das pessoas que mais gostamos e, apesar de tudo, nós fazemos humor com isso. É claro que as pessoas que terão sofrido mais na pele, ao perder amigos e familiares, se calhar têm mais dificuldade em rir-se de tudo o que tem acontecido. Mas eu acho que nos cabe a nós, pessoas da comunicação, da apresentação ou do humor, tentar desdramatizar a situação para que as coisas consigam, de certa forma, ficar mais leves. Se fôssemos todos a puxar para baixo, isto ia ser muito mais difícil para todos. Portanto, acho que não há nenhum assunto que não possa ser abordado pelo humor. Em que projetos está a trabalhar no momento? Estou no “Café da Manhã” da RFM, onde continuarei até ser desejado, como é óbvio, ou até eu achar que faz sentido e, para já, faz muito sentido, ainda para mais com esta equipa renovada que nos trouxe nova energia. Continuo também ligado à TVI à espera de novos projetos. Mas, para além disso, tenho coisas que estou a desenvolver a nível individual e que

passam por voltar aos palcos, ao teatro e ter de decorar um texto enorme, que na verdade já devia ter decorado [risos]. Também estou a acabar de escrever um livro infantil, que foi uma história que inventei para um dos meus filhos, numa daquelas noites em que eles me pediram uma história para adormecer. Tenho ainda um projeto no digital, que acho que pode resultar muito bem, porque ninguém está a fazer nada parecido cá em Portugal e espero poder avançar com ele nos próximos meses. Qual foi, até hoje, o trabalho que mais gostou de fazer? Tenho de escolher o “5 Para a Meia-Noite” porque realmente é um projeto que me deixa muita saudade. Foram seis anos e meio a fazer um programa que era todo da minha responsabilidade, pelo menos no que toca a decisões, como

ESCOLHAS… Um livro: O Gigante com pés de princesa (Pedro Fernandes) – a ser lançado brevemente. Um filme: Regresso ao Futuro Um programa de TV: Mental Samurai (TVI) Uma música: A Gente Vai Continuar (Jorge Palma) Um sítio: Açores, são nove ilhas com encantos incríveis.

a escolha dos convidados e a escrita dos sketches. Mas isto só foi possível com a ajuda da minha equipa, como é óbvio. Era muita coisa para fazer, mas deu-me imenso gozo conduzir aquele programa, pelas pessoas que conheci, pelos amigos que fiz e pelo espírito de família que se vivia. Ainda hoje, quando nos encontramos, nota-se que ficou ali um laço que nos une com uma força tremenda e que nos vai unir para o resto da vida. E isso só se consegue porque era um trabalho que exigia muito de nós e tínhamos de partilhar mesmo muitas tarefas. Além disso, construíamos o programa com tão poucos meios que era necessário tornarmo-nos ainda mais

Sollicitare 69


ENTREVISTA COM PEDRO FERNANDES

inventivos e criativos. Era muito importante o enorme espírito de sacrifício e de interajuda para conseguirmos levar as coisas avante. Se calhar, por isso é que esse programa me marcou tanto e me vai marcar para sempre. Espero no futuro ainda fazer outro talk show, mas com mais meios para conseguir incluir tudo aquilo que planeei para aquele programa e que não consegui concretizar. Enquanto comunicador, sente-se realizado nestas profissões? Já me sinto bastante realizado naquilo que faço e fiz, mas há sempre mais a fazer. Este meio obriga-nos a provar todos os dias que somos capazes e que merecemos estar onde estamos, porque há milhares de pessoas que sonham ter as oportunidades que eu tenho e que tive. Como se sabe, o mercado é pequeno e não há espaço para todos, se bem que eu acredito que há sempre espaço para quem tem talento e vontade de trabalhar. Lá está, apesar de eu ser uma pessoa preguiçosa, não levo essa preguiça ao extremo, porque eu realmente trabalho imenso. Amanhã, se calhar, se ganhasse o Euromilhões deixava de fazer tudo e ficava em casa só a contar notas [risos]. Mas eu também gosto de trabalhar, isto dá-me imenso gozo. Estou muito grato por ter tido a sorte de estar, várias vezes, no sítio certo à hora certa e por ter conseguido chegar até aqui e estar a fazer rádio e televisão e tantas outras coisas. Onde se vê daqui a 10 anos? Gostava de estar a apresentar o meu talk show e de continuar a fazer rádio e televisão. Espero, no futuro, ter a agilidade mental que ainda tenho e a vontade de fazer o que ainda faço. Também gostava de continuar a correr, que é uma das coisas que mais gozo me dá fazer e que só descobri há cerca de cinco anos. Basicamente, espero que o meu corpo e mente me deixem continuar a fazer tudo o que eu quero fazer.

70

Como é que a sua família reage ao facto de ser famoso? Tem sido fácil conciliar a vida pessoal com a profissional? A família vai reagindo bem. Os miúdos foram se habituando, porque também já cresceram com a evolução do pai no que toca a ser figura pública. Já a esposa foi um bocadinho mais difícil, porque ela ao princípio nem sequer queria que eu fizesse teatro. Acho que tinha medo de que eu beijasse outras miúdas e o beijo não fosse assim tão técnico. Felizmente, deixei o teatro e estou só na televisão e na rádio a apresentar programas onde não tenho desculpa para beijar ninguém na boca [risos]. Conciliar a vida pessoal com a profissional no início não é fácil, mas vamo-nos habituando, apesar de eu achar que as pessoas até respeitam bastante o meu espaço. É claro que, de vez em quando, é esquisito sentirmo-nos observados. Temos de lutar para que isso não nos limite, mas o que é certo é que às vezes limita. Por exemplo, se chamo o Uber Eats lá para casa prefiro que seja a minha mulher a ir à porta, porque senão depois já sabemos que há sempre comentários e toda a agente vai saber onde é que eu moro. Portanto, tento evitar esse tipo de coisas.

Estou muito grato por ter tido a sorte de estar, várias vezes, no sítio certo à hora certa e por ter conseguido chegar até aqui e estar a fazer rádio e televisão e tantas outras coisas. Já passou por alguma situação caricata com algum fã? Por exemplo, agora são 11h00 e o programa acabou às 10h00. Eu já tenho saído daqui às 12h00 e há sempre pessoas à porta, à espera para me dizer adeus, o que acaba por ser um bocadinho estranho. Tirando isso, é caricato quando me pedem autógrafos em locais menos próprios [risos]. Que conselhos daria a quem está agora a dar os primeiros passos na área da comunicação? Quem sonhar em fazer disto a sua vida não pode sonhar com a fama imediata, porque estas coisas constroem-se com o tempo e com trabalho. Não é por apareceres num reality show que de repente vais ter uma carreira na comunicação ou onde quer que seja. As coisas têm de ter alguma base de sustentação. Mas acredito piamente que as pessoas que têm talento acabam por arranjar o seu espaço e fazer aquilo que sonham fazer. Às vezes pode demorar algum tempo, mas eu acho que acaba por acontecer, o que é preciso é que continuem a acreditar e que também tenham alguma pontinha de sorte. Eu acho que tive essa sorte. Para além de estar no sítio certo à hora certa, também tive a pessoa certa a ver-me do outro lado. Mas lá está, só estás no sítio certo à hora certa se estiveres muitas vezes em vários sítios à espera de que aquela seja a tua hora da sorte. : :


PROFISSÃO

DAS RESOLUÇÕES ALTERNATIVAS DE LITÍGIOS

Por Keriny Baixo, Coordenadora do Departamento de Informática da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

N

um meio social complexo, os conflitos de diversas naturezas são recorrentes no nosso quotidiano. Quando num determinado conflito não se consegue alcançar uma resolução satisfatória, pelo menos para uma das partes envolventes, é “normal” que os cidadãos recorreram à Justiça, transportando aos tribunais judiciais os seus litígios como forma de verem garantida a sua tutela jurídica. Como resultado desta prática, verificou-se, ao longo dos anos, um acréscimo de pendências nos tribunais. Foram, portanto, necessárias medidas para descongestionar os meios judiciais, medidas essas que continuassem a garantir o direito ao acesso à Justiça de uma forma célere e eficaz. Emergiu, assim, no ordenamento jurídico português, o incentivo à adoção de outros meios de resolução alternativa de litígios, conhecido no direito anglo-saxónico e na doutrina como Alternative Dispute Resolution (ADR). Estes meios baseiam-se em mecanismos simplificados que evitam os meios judiciais tradicionais, não significando, porém, a inexistência de formalidades a cumprir. Estas passam é a ser menos formais e burocráticas. A ADR surgiu nos Estados Unidos da América, na segunda metade do século XX, tendo em vista a diminuição do grande número de processos pendentes no poder judiciário, país onde é, hoje, uma referência como meio de resolução de litígio.

Estas medidas visam um acesso simples à Justiça e abrangem vários campos de atuação, como litígios de consumo, familiar, laboral, administrativo e penal, bem como diferentes formas de resolução, sendo elas a mediação, a conciliação e a arbitragem. Decorrem através de um terceiro independente e imparcial, designado por Juiz de Paz, Árbitro ou Mediador, consoante a forma adotada, concretizando uma Justiça mais próxima do cidadão, e compreendendo duas categorias de processos: “processo adjudicatório ou meio decisório” e “processo consensual ou meio não decisório”. No âmbito de um “processo adjudicatório ou meio decisório”, as decisões são vinculativas. Isto significa que o terceiro imparcial e independente tem competência para impor às partes a decisão. É, portanto, um sistema “ganha – perde”, em que pelo menos uma das partes fica satisfeita e é imposta à outra parte o cumprimento da decisão. Quanto ao “processo consensual ou meio não decisório”, o terceiro independente e imparcial tem como função auxiliar as partes na busca de uma solução através da conciliação de interesses e da construção de acordos. É mencionado como um sistema “ganha - ganha”, no qual ninguém perde, todos ganham. Não podemos deixar de referir um dos princípios basilares dos meios de resolução alternativa – o princípio da voluntariedade. Admitindo que, em regra, as partes geradoras do litígio possam livremente optar por estes institutos, recairá sobre as mesmas o consentimento para a realização destes meios, bem como a decisão dos termos da tramitação do processo. Excetuam-se os casos de imposição legal decorrente de arbitragem necessária, como por exemplo os serviços públicos essenciais (eletricidade, gás, águas, resíduos, comunicações eletrónicas e serviços postais). No que consiste à escolha do meio, esta incide essencialmente sobre alguns fatores, como são a relação entre os litigantes e o contexto do litígio. Na nossa sociedade atual verificamos uma crescente procura por estes meios, atendendo a que proporcionam aos cidadãos o direito à Justiça mediante mecanismos simplificados, céleres e pouco onerosos, com as mesmas garantias dos meios judiciais tradicionais. : :

Sollicitare 71


PROFISSÃO

DIREITO DE PREFERÊNCIA E O ARRENDAMENTO A Inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091º do Código Civil.

Por Filipa Manuela de Oliveira, Solicitadora

N

o pretérito dia 16 de Junho de 2020, declarou o Tribunal Constitucional (TC), com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091º do Código Civil (CC). Assim, o regime jurídico do direito de preferência no arrendamento para fins habitacionais, quanto aos locados sitos em prédios que não se encontrem em regime de propriedade horizontal, introduzido pela Lei n.º 64/2018, de 29 de Outubro, vê-se eliminado do nosso ordenamento jurídico. As alterações introduzidas pela dita Lei, pretenderam proteger a posição do inquilino e o seu direito [constitucional] à habitação. Porém, entendeu o TC, após uma análise extensa ao regime jurídico do Direito de Preferência previsto no disposto no número 8 do artigo 1091.º do CC, que a norma além de inconstitucional, comportava para ambos os sujeitos da relação locatícia, uma situação de fragilidade e desproporcionalidade. Prevê o número 8 do referido artigo, que ainda se encontra na redacção do actual CC, que no caso dos arrendamentos parciais de prédios que, não estando constituídos em propriedade horizontal, mas que por sua vez se encontram constituídos por unidades autónomas de utilização independente, caso o senhorio entenda vender o prédio urbano, o arrendatário tem o comummente designado direito de opção de compra, não quanto ao prédio na sua totalidade, mas apenas e só no que à parte locada diz respeito. Ora significa isto que

72

o direito de preferir tem por objecto uma parte alíquota da propriedade do prédio, não adquirindo o arrendatário com a compra do locado a propriedade plena, mas apenas uma compropriedade. Compropriedade essa com terceiros ou com o próprio senhorio, caso este fruste a sua intenção de vender o restante prédio. Trata-se, assim, de uma compropriedade que goza de um regime especial, por comparação ao regime previsto nos artigos 1403.º a 1413.º da nossa lei civil, uma vez que no primeiro, em detrimento do segundo, os comproprietários não arrendatários não são qualitativa e quantitativamente iguais, não podendo por isso servir-se da coisa na sua totalidade. Ora, entendeu o TC que esta norma viola o princípio constitucionalmente consagrado do direito de propriedade, quer quanto às posições jurídicas já constituídas, quer quanto à propriedade futura do arrendatário e dos seus consortes. É que, por um lado, o senhorio vê o seu direito à livre transmissibilidade do prédio ser onerosamente sacrificado, uma vez que está impedido de alienar o seu prédio na totalidade e, se houver manifestação de vontade do arrendatário em preferir, tem de alienar uma quota ideal do mesmo, o que comportará seguramente dificuldades em vender o bem, em encontrar compradores interessados em adquirir compartes e uma desvalorização do bem a nível do mercado; por outro, o arrendatário preferente e demais consortes, tal como o próprio acórdão o refere, veem-se impedidos do uso da coisa comum no que à parte exclusiva diz respeito, enquanto não se proceder à divisão de coisa comum, sem que hajam garantias de que o prédio reúne as condições físicas para ser dividido ou de que numa acção de divisão de coisa comum, o local arrendado seja adjudicado ao arrendatário preferente. Mas é o direito da propriedade privada do senhorio que sofre maiores e mais desproporcionais limitações, o que configura a referida inconstitucionalidade do número 8 do artigo 1091.º do CC, nos termos do artigo 62.º/1 da Constituição da República Portuguesa. : : Este artigo está escrito com o Antigo Acordo Ortográfico.


SUGESTÕES

LEITURAS Como amante das palavras e da escrita, os livros sempre estiveram presentes nas estantes lá de casa. Os seus enredos umas vezes mais românticos, outras vezes mais dramáticos, fizeram-me, desde cedo, sonhar e dar asas à imaginação. Deixo, aqui, duas sugestões de livros com histórias marcantes.

SIDDHARTHA de Hermann Hesse

Por Dina Teixeira, Gabinete de Comunicação e Relações Externas da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

Este romance filosófico foi escrito por Hermann Hesse, vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 1946. O livro “Siddhartha” destaca a paixão do autor pela crença, religião, cultura e filosofia orientais, sendo inspirado na vida de Sidarta Gautama, fundador do budismo. A personagem principal, Siddhartha, é um fiel seguidor dos ensinamentos de Buda. Aspirando alcançar a sabedoria e a verdadeira felicidade, torna-se um asceta e segue, por caminhos vários, à procura do seu propósito de vida. O seu percurso é marcado por algumas oscilações, desde as tentações amorosas até aos momentos de autorreflexão. Todavia, Siddhartha consegue sempre erguer-se e escolher o caminho certo na busca da sua essência. E é esta capacidade de resiliência e de superação do ser humano, na procura de um sentido maior para a sua existência, que é absolutamente admirável neste enredo.

AMOR DE PERDIÇÃO de Camilo Castelo Branco Do grande escritor Camilo Castelo Branco nasce o “Amor de Perdição”, uma obra-prima que tem tanto de romântica, como de trágica. Nesta novela passional assistimos à troca de correspondência entre Simão e Teresa, numa linguagem romântica, que nos prende a cada página. Mas nem todas as histórias têm finais felizes. As personagens não tardam a perceber que o seu amor é proibido, uma fatalidade do destino que os conduzirá ao drama e à tragédia. Para além da amálgama de sentimentos, podemos ainda encontrar marcas de populismo, preconceito e ironia, que fazem desta uma narrativa equilibrada. O estilo de escrita pode parecer complexo, mas a verdade é que, pela sua história, este clássico da literatura portuguesa merece toda a nossa atenção. : :

Sollicitare 73


74


REPORTAGEM / PRODUTOS COM HISTÓRIA São muitos os produtos que fazem já parte da tradição portuguesa. São produtos que cruzam gerações e que se distinguem pela qualidade de excelência. Neste espaço, desvendamos todos os segredos dos produtos com história, desde as suas origens até ao seu processo de fabrico.

PASTILHAS GORILA: A ADOÇAR PORTUGAL DESDE 1975 Texto Dina Teixeira / Fotografia Rui Santos Jorge

C

assista ao vídeo em www.osae.pt

omeça mais um dia que promete ser cheio. Cheio de aventura, é certo. Pelas 10h30 iniciamos viagem. O GPS marca a Rua das Vagens, n.º 56, apartado 18, em Mem Martins, local da sede da Lusiteca, desde 15 de janeiro de 1968. Meia hora depois, um letreiro enorme dá sinal de que chegamos ao nosso destino. Da chaminé vê-se o fumo a sair incessantemente. Tudo indica que a produção está em andamento – a produção das pastilhas Gorila. Chegou o momento de conhecermos todos os segredos destas pastilhas que, desde 1975, nos fazem viver cada momento com ainda mais doçura. Caminhamos até à receção. Os símbolos da marca multiplicam-se pelas paredes. E, ali, bem à nossa frente, em jeito de exposição, estão os irresistíveis doces da Lusiteca, que há muito fazem as delícias de pequenos e graúdos. Há guloseimas para todos os gostos: caramelos, rebuçados, pastilhas. É o verdadeiro paraíso. Decidimos escolher a tradicional pastilha Gorila com açúcar. Uns optam pelas de menta, outros preferem as de banana. Saboreamos. De repente, faz-se silêncio na sala. É um sabor autêntico. Um sabor que nos faz viajar no tempo, até às memórias da nossa infância. O sorriso estampado no rosto espelha a felicidade da alma. É assumido. Somos fãs das pastilhas Gorila. Fãs daquela pequena monopeça que, secretamente, nos faz reviver, em segundos, momentos que marcam toda a nossa história.

Sollicitare 75


PASTILHAS GORILA: A ADOÇAR PORTUGAL DESDE 1975

Pouco depois, somos recebidos por Gonçalo Brandão, Diretor de Operações da Lusiteca. Começa por explicar que “as pastilhas Gorila já existem há 45 anos. A Lusiteca, em 1968, era uma empresa de embalamento de produtos alimentares. Contudo, a certa altura, os fundadores viram que havia este nicho de mercado nas pastilhas elásticas para crianças e, por isso, decidiram explorá-lo, criando as pastilhas Gorila, em 1975”. Mas não percamos mais tempo. É altura de visitarmos o espaço onde toda a história começou. A entrada na fábrica não se faz sem, antes, se cumprir uma regra essencial: o uso de fato de proteção. Devidamente equipados, seguimos à descoberta dos métodos de fabrico das icónicas pastilhas Gorila. Abre-se a porta. De imediato, sentimos o adocicado aroma das delícias aqui fabricadas. Uma fragrância frutal que se estende a todas as salas e que nos acompanha ao longo de toda a visita. Passo a passo, aumentam os olhares curiosos de quem não quer perder pitada do que por aqui se passa. Descemos a escadaria. Entre curvas e contracurvas, chegamos finalmente à tão esperada linha Gorila. É notório o ambiente de trabalho. Por todo o lado ecoa o forte som mecânico das imparáveis máquinas. O fabrico prossegue a um ritmo acelerado. No local presenciamos o olhar atento dos profissionais que, entre outras tarefas, são responsáveis pela colocação de bobines, pela reposição de materiais e pelo empacotamento. Diz-nos Gonçalo Brandão que são 97 os funcionários da Lusiteca: 10 na manutenção, 15 na área comercial, 50 na fábrica e os restantes integram os diversos departamentos da empresa. Porém, a pandemia da COVID-19 levou a toda uma nova organização empresarial. De 50, os funcionários dedicados à produção passaram a ser 30. Os horários são rotativos. E a máscara, essa, tornou-se o principal acessório de quem aqui trabalha. Em jeito de desabafo, admite: “Existem preocupações com os nossos funcionários e com as suas famílias, mas, felizmente, tudo tem corrido pelo melhor”. No entanto, é na faturação que mais se sentem os efeitos da pandemia. As quebras rondam os 40 por cento. Conforme indica o Diretor de Operações, “vendemos nas grandes superfícies e temos o chamado canal mais tradicional: os quiosques, as pastelarias e os cafés. E como toda a gente sabe, durante muitos meses, todas essas superfícies estiveram fechadas”. Todavia, apesar de o negócio ter sido afetado, “conseguimos manter a empresa relativamente estável, através da redução de custos e da utilização de apoios estatais”, afirma. Num tom que reflete alguma esperança, adianta: “Tradicionalmente, a última fase do ano é aquela em que se vende mais, por causa do inverno, do halloween e do natal. Então, estamos expectantes para ver o que vai acontecer, estamos preparados para o futuro”. Prosseguimos caminho pela linha Gorila, atentos a todos os pormenores do processo de fabrico. Num procedimento que parece orquestrado, prepara-se um contentor de Super Gorila de banana com destino à Tanzânia. É aqui que a magia

76

acontece. Uma magia que é feita com quatro ingredientes: o açúcar, a glucose, a goma e a essência. O processo de produção demora cerca de 50 minutos. Tudo começa na primeira sala, onde estão os depósitos com as matérias primas, ligados às misturadoras. Nestas máquinas fazem-se massas até 250 quilos, o que corresponde a 50 mil pastilhas. Após, mais ou menos, 20 minutos, o trabalho da misturadora está concluído. O aroma é indescritível. Deixa qualquer um encantado. Com cerca de 60 ºC, a massa, polvilhada de talco, é retirada para um carrinho e é transportada até às mesas de arrefecimento. Os 250 quilos de massa são agora divididos em pequenas proporções de 10 quilos, que ficam a arrefecer durante cerca de 20 minutos. De seguida, dirigimo-nos então para a segunda sala, onde está a extrusora. É esta a máquina que vai transformar a massa em forma de cordão e continuar

“As pastilhas Gorila já existem há 45 anos. A Lusiteca, em 1968, era uma empresa de embalamento de produtos alimentares. Contudo, a certa altura, os fundadores viram que havia este nicho de mercado nas pastilhas elásticas para crianças e, por isso, decidiram explorá-lo, criando as pastilhas Gorila, em 1975”

GONÇALO BRANDÃO

o seu processo de arrefecimento, através de um túnel de frio, onde os termómetros estão a 9.1 ºC. Já endurecida, a massa segue para a envolvedora para ser cortada na sua forma original. As pastilhas são depois embrulhadas com o cromo e o papel referente ao seu sabor. Neste caso, é o sabor a banana que assume os comandos da fábrica. Posteriormente, vão para a formadora de tabuleiros, cujo contador permite colocar, automaticamente, em cada caixa, 24 sticks de cinco unidades cada. Num próximo passo, é aplicado o carimbo com a indicação do lote e da validade que, por sinal, nunca é inferior a dois anos. Os pacotes são envolvidos em papel celofane e, à partida, estão prontos. Mas, na verdade, não. Lembra-nos o Diretor de Operações de que ainda há uma etapa muito importante: a passagem pelo detetor de metais, um parâmetro de segurança que é rigorosamente cumprido. Agora sim. Estão quase, quase prontas para ir para o mercado. Falta apenas o empacotamento et voilá! Assim se fazem as pastilhas Super Gorila! À conversa com Gonçalo Brandão percebemos que o processo de fabrico de uma Super Gorila


Gonçalo Brandão, Diretor de Operações

Sollicitare 77


“É essencial mantermo-nos fiéis a nós próprios, aos nossos produtos, porque não queremos imitar ninguém.”

78

GONÇALO BRANDÃO


PASTILHAS GORILA: A ADOÇAR PORTUGAL DESDE 1975

(6,4 gramas) não difere muito em relação ao da Gorila (5 gramas). Afirma ainda que, durante estes 45 anos, “não houve muitas alterações ao processo, até porque a maioria das máquinas têm cerca de 40 anos”. São máquinas que já fazem parte da história da fábrica. Maravilhados com as várias técnicas e procedimentos de fabrico, nada nos passa despercebido. Nem mesmo os fatores que contribuem para a autenticidade da marca Gorila. São quatro. Comecemos pelo seu formato monopeça. “A pastilha individual é cada vez menos comum no mercado e é isso o que a torna tão única”, diz o Diretor de Operações. O segundo fator relaciona-se com a pastilha açucarada. “Apesar de a tendência, na área da alimentar, passar, cada vez mais, por pastilhas sem açúcar e de a Lusiteca também trabalhar nesse segmento, nós mantemo-nos fiéis ao produto das pastilhas Gorila, porque não queremos deixar de oferecer o produto que sempre oferecemos e do qual as pessoas tanto gostam”, acrescenta. O terceiro fator prende-se com a sua fórmula, completamente diferente das restantes existentes no mercado. Desconfia-se que é o segredo mais bem guardado da fábrica. “Com o passar dos anos, houve a necessidade de alguns ajustes à fórmula, por vários motivos. Primeiro, porque as matérias-primas evoluem e nós temos a necessidade de evoluir também a pastilha. Depois, por requisitos específicos dos mercados, uma vez que a fórmula nem sempre é igual para todos os mercados, tendo em conta as exigências de determinados clientes. E estamos ainda num processo que consiste em continuar a aperfeiçoar”, admite. O último, e não menos importante, fator de identidade são os cromos. Estes pequenos bilhetes são “uma forma de a marca interagir com os consumidores”, assume. Uma coisa é certa: esta é uma tradição que a marca quer manter. E os fãs agradecem. Foram já muitas as coleções de cromos da marca, mas a que ficou mais famosa foi, sem dúvida, a de aeronáutica. “Hoje em dia, a coleção de cromos que temos é a dos Gorilojis, em que o Gorila aparece a fazer 60 expressões dos principais emojis, que são uma linguagem universal utilizada diariamente e que está muito relacionado com esta era digital em que estamos e com o target que queremos alcançar”, explica. Por tudo isto e muito mais, a pastilha Gorila tem, na fábrica, um cantinho muito especial. A missão é preservá-la. E ainda bem. Ou se partiriam, certamente, muitos corações. À medida que avançamos pelos corredores, multiplicam-se as caixas de cartão empilhadas. Gonçalo Brandão decide mostrar-nos algumas delas. Veem-se pastilhas Gorila a dobrar, a triplicar, a quadruplicar. Sinceramente, perdemos a conta. Ficamos totalmente derretidos com este autêntico festival de cores e sabores. Uns mais populares, outros nem tanto. Os mais tradicionais já todos conhecemos: a menta, o morango, a banana e o tutti-frutti. Sabores clássicos e únicos, que, há décadas, conquistam tudo e todos. “São as favoritas dos consumidores, tanto cá como noutros mercados”, confirma o Diretor de Operações. Por ali, espalhadas, estão ainda as pastilhas de maçã, laranja, melancia e cola-limão, não tão

populares, mas nem por isso menos saborosas. Contudo, é na tropicalidade da manga e do maracujá que encontramos os sabores mais exóticos. A variedade é muita, mas o fabrico de novos sabores continua a ser uma das preocupações da empresa. “No início deste ano, previa-se o lançamento de novos sabores, mas, devido à quebra verificada no consumo, provocada pela pandemia, atrasámos o lançamento. Daremos seguimento assim que o mercado o permitir”, esclarece ainda. Manter a tradição revela-se importante: “É essencial mantermo-nos fiéis a nós próprios, aos nossos produtos, porque não queremos imitar ninguém. Somos a Lusiteca, temos a nossa marca Gorila e queremos melhorá-la, mas mantendo sempre a sua personalidade”, indica Gonçalo Brandão. Porém, investir no progresso faz parte do negócio. E isso acontece não só com o lançamento de novos sabores, mas também com o lançamento de novos produtos: “Temos um departamento de desenvolvimento de produto, especializado nessa tarefa. É uma equipa relativamente jovem, que se foca naquilo que são os processos e na evolução ao nível fabril, para que nos possamos tornar mais eficientes e, assim, vir a desenvolver novos e melhores produtos”, desvenda. Conhecer o mercado e as necessidades dos consumidores é, assim, fundamental. Mas isso não basta. Outra importante estratégia é manter o contacto com os consumidores. E a empresa tem vindo a empenhar-se nesse sentido: “Temos muitas ações com escolas e atuamos nos mais diversos campos, sejam estes sociais, desportivos, entre outros”. Além disso, a utilização das redes sociais, Facebook e Instagram, tem permitido manter a interação entre a marca e os clientes. Percebemos que são muitos os desafios inerentes à conquista do público-alvo, designadamente num mercado em que a oferta de pastilhas elásticas é enorme e em que o consumo das mesmas não tem aumentado. Terminado o processo de fabrico, as caixas são transportadas para o armazém e daí rumam aos seus destinos, seja em Portugal, seja no estrangeiro. Ficamos a saber que os principais mercados de exportação são Angola, Cabo Verde, Emirados Árabes Unidos e Tanzânia, embora se exporte também um pouco para toda a Europa, para os Estados Unidos da América e para o continente asiático. Revela-nos o Diretor de Operações que “a exportação ocorreu primeiro para os países de língua oficial portuguesa”, sendo que “Angola tem um significado muito especial e representa uma fatia interessante da faturação. Ainda hoje continua a ser o nosso principal mercado exportador”, acrescenta. Prestes a findar a nossa passagem pela fábrica, Gonçalo Brandão lembra-se de nos contar uma curiosidade. E de curiosidades gostamos nós. “Diz-se que, durante muito, muito tempo, em Angola, chamavam Gorila às pastilhas de todas as marcas”. Conhecida a história do saboroso mundo das pastilhas Gorila, resta-nos torcer para que se continue a fabricar, por muitas mais décadas, os sabores que nos fazem crescer água na boca. Os sabores únicos que fazem parte do nosso imaginário, desde sempre. : :

Sollicitare 79


ROTEIRO GASTRONÓMICO

Su ges tõ es

Por Carla Matos Pinto, Solicitadora e Agente de Execução

NAPOLEÃO TABERNA

Porque Torres Vedras não é só carnaval

“Morro-me de amores” pela minha cidade e pelos lugares encantados que nela se encontram. Torres Vedras, uma cidade rica em história, muito conhecida pela importância da construção das “Linhas de Torres”, um conjunto de fortificações militares em redor de Lisboa que detiveram as forças inimigas, é também conhecida pelos vinhos aí produzidos e pelo carnaval mais português de Portugal. Quando passar por cá não deixe de ir ao Napoleão Taberna, um restaurante de charme instalado num edifício antigo, recuperado, no coração da cidade, com uma decoração ao pormenor repleta de referências históricas e tradição. Aqui pode deliciar-se com sabores NAPOLEÃO tradicionais, sempre confecionados com amor, produtos frescos e de época. Aconselho reTABERNA serva. Com uma lista deliciosa, poderá degustar uma tábua de queijos, presunto ou de enRua Paiva de Andrada, nº 9A, R/C 2560-357 Torres Vedras chidos, ovos verdes, bolinhas de atum, choco frito, pataniscas de bacalhau com salada de Telefone 261 312 062 tomate, lulinhas em manteiga, rosbife com salada fria de batata, cogumelos recheados, Encerra ao domingo cabrito no forno, bifes de lombo com molho pimenta, bacalhau com molho verde, hame à segunda-feira. búrguer de bacalhau, peixe assado no forno, folhados de bacalhau com tomate, ceviche de salmão ou atum, entre outras tantas opções imperdíveis. Acompanhe com um bom vinho e para sobremesa não perca o bolo de chocolate. Depois de se ter deliciado com a maravilhosa refeição, aproveite para passear a pé pela cidade e visite o Castelo, a Igreja da Graça, o Aqueduto de Torres Vedras, o Chafariz dos Canos e o Castro do Zambujal, entre outros, e no regresso aproveite a proximidade das praias de Santa Cruz e assista a um esplêndido pôr do sol. : :

80


Por Nuno Almeida Ribeiro, Agente de Execução

CERVEJARIA NORTE

Ode à Harmonia Ao sair do escritório para a habitual pausa de almoço, tenho em mim uma bússola que aponta, invariavelmente, para o restaurante “Cervejaria Norte”. Localiza-se no centro histórico de Santa Maria da Feira, mesmo em frente à preclara Igreja da Misericórdia, ex libris da arquitetura monumental da cidade. Não bastasse a vista privilegiada, este local de repasto está a pequenos passeios higiénicos do Castelo da Feira, um dos mais bem preservados do país, ou do Convento dos Lóios, edificado no séc. XVI por iniciativa do 3.º Conde da Feira, D. Manuel. Não é, no entanto, apenas, por se situar neste recanto de acesso fácil à história da região e, já agora, às mais reconhecidas casas de fabrico de fogaça (cujo consumo recomendo vivamente, principalmente quando acompanhado por um doce cálice de vinho do Porto ou pelo contrastante sabor salgado e leitoso de um bom queijo da Serra – ou, quiçá, de ambos), que esta cervejaria é um lugar de destaque gastronómico. Ao entrar naquele espaço, somos, desde logo, aconchegados por um ambiente acolhedor, pautado por uma envolvente música de fundo, num volume perfeito e relaxante, de um bom gosto que poucos ousarão contestar. Da Cervejaria Norte poderão esperar o que normalmente procuramos numa cervejaria, mas com um acréscimo de qualidade e distinção que não passa despercebido a ninguém e a que não é alheio o facto de ter a dirigir a cozinha uma promissora Chefe. Delicie-se com os excelentes bifes, produzidos CERVEJARIA com carne de primeira qualidade, provinda de animais que calcorreiam a Serra da Freita, NORTE em Arouca, com os pregos, as francesinhas e os hambúrgueres, radicalmente diferentes, mas confecionados com os sabores portugueses tão familiares, e não esqueça os petiscos Rua Dr. António Carlos Ferreira que acompanham a boa carta de vinhos. Destaque, também, para o fantástico sortido de Soares, 116 4520-213 Santa Maria da Feira cervejas, no qual poderá encontrar, para além das reputadíssimas cervejas internacionais Telefone 256 303 302 (que me escuso a enumerar por serem tantas e tão afamadas), cervejas artesanais nacionais e locais que espantam quem as prova pelo seu sabor apurado e bem trabalhado. Destaco a “Vadia”, de Ossela (Oliveira de Azeméis), e a “Beata”, de Santa Maria de Lamas (Santa Maria da Feira), por serem excelentes produções locais e por acompanharem um sem número de comidas nas suas mais variadas versões. Este é um excelente sítio tanto para um almoço tranquilo, como para um jantar de amigos ou mesmo para um petisco que aqueça nos frios invernos ou arrefeça nos abrasadores verões. Apesar de um certo estilo hipster, com que, confesso, me identifico, não deixa de agradar a um vasto leque de interesses. Por entender que é um sítio onde tudo resulta harmoniosamente bem, desde a comida à decoração, à simpatia do acolhimento, ao ambiente e ao enquadramento geográfico, entendo que é um excelente cartão de visita da cidade onde trabalho e me sinto bem: Santa Maria da Feira. Por isso, convido os Ilustres Colegas, sozinhos, acompanhados pela família, amigos/as, namorados/as, ou dando-me o privilégio de os acompanhar como anfitrião, a visitarem este agradável espaço gastronómico. : :

Sollicitare 81


Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro

Alena Zharava

82


VIAGENS

Por Susana Pinto, Solicitadora e Vogal do Conselho Superior da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução

FELGUEIRAS

O

município de Felgueiras localiza-se na região do Tâmega e Sousa, no Norte de Portugal. Aqui vivem 58 mil habitantes, uma das populações mais jovens em Portugal e na Europa. É um concelho dinâmico, fortemente industrializado e com grande riqueza cultural e natural. As rotas são, por isso, diversificadas…! Felgueiras integra a Rota do Românico com cinco monumentos: igrejas de Airães, Unhão, Sousa, S. Mamede de Vila Verde e o Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro – o maior convento Beneditino do Norte de Portugal. Aqui existe um extraordinário reduto de arte românica. Durante os séculos XI e XII foram erguidos por todo o concelho uma série de belos templos românicos. Visivelmente semelhantes, cada um deles tem caraterísticas únicas que os diferenciam e singularizam. O que mais impressiona nestes monumentos, independentemente da dimensão, é a sua estrutura maciça: muros sólidos em granito, paredes cheias e com pequenas aberturas.1 Em Felgueiras encontrará um precioso património arqueológico, designadamente a Villa Romana de Sendim (séculos I – VI), Imóvel de Interesse Público desde 1997. O espólio é muito variado, sendo constituído por milhares de fragmentos de cerâmicas, de utilização comum na cozinha e na mesa, e por cerâmicas de luxo, vidro, metais, moedas e bronze. No centro interpretativo da Villa irá conhecer um outro tesouro: o espólio da Cimalha, da Idade do Bronze (II.º Milénio a.C). No Monte de Santa Quitéria, poderá passear, meditar e admirar o Santuário dedicado à Santa, e do miradouro avistar grande parte do concelho. Felgueiras tem um grande património natural, destacando-se as Barrias de Jugueiros, onde o rio bugio cai em cascata para depois repousar em represas naturais, num cenário verde e intenso. Aproveite para caminhar pelos percursos pedestres de Jugueiros, Sendim, Vila Fria e Pombeiro. Felgueiras é Caminho de Santiago, o de Torres. Entre a Lixa e a Ponte do Arco, em Vila Fria, terá a oportunidade de conhecer interessantes patrimónios. Para que conheça o trabalho, a inovação e as boas práticas de economia circular das indústrias de Felgueiras, dispõe de um Roteiro de Turismo Empresarial. Em Felgueiras poderá ficar alojado em hotéis, como são exemplo o Monverde, FH Hotel, 4615 Hotel e B&B Felgueiras, nos alojamentos TER (Turismo Espaço Rural) e locais ou no Parque de Campismo Rural de Vila Fria. A gastronomia e vinhos são irresistíveis. Sugere-se o Bacalhau à Felgueiras, um prato criado em 2019 pelo talento felgueirense; o Pão de Ló de Margaride, um doce maravilhoso com cerca de 300 anos e que foi servido à mesa da Casa Real desde o século XIX, e os vinhos verdes. Felgueiras é um concelho muito acessível, ficando a apenas a 50 km da cidade do Porto, com ligações por autoestrada ao país e à Europa e situado a 30 minutos do Aeroporto Internacional Francisco Sá Carneiro, no Porto. Felgueiras é um excelente destino para fugir da rotina, aproveitando para viver interessantes experiências! : :

UM CONCELHO PARA DESCOBRIR

1 http://www.cm-felgueiras.pt/pt/rota-romanico

Sollicitare 83


Por Marcelino Costa Santos, Solicitador

84

G

ranada, verdadeira pérola da região da Andaluzia, está situada no sul de Espanha, é banhada pelo rio Genil e berço da conhecida Serra Nevada. Esta cidade é um lugar mítico, histórico e inolvidável. É lugar de sonho e destino obrigatório para os amantes de viagens, para casais, namorados, grupos de amigos, amores de universidade e até mesmo para lua de mel! Há, por isso, um sem número de ocasiões perfeitas para visitar e vivenciar este lugar maravilhoso, destino que, para além de ser muito procurado por turistas de todo o mundo, é local de eleição para alunos em programa Erasmus. A origem do nome Granada remonta do século XI, quando os Ziridas mudaram a capital do seu reino de Medina Elvira para Medina Garnata. O significado desta nova denominação pode ter tido origem no latim malum granatum, fazendo referência à fruta romã (Granada, em espanhol), ou no árabe gar-anat, que significa “cidade de peregrinos”. Em termos históricos, foi em 1238 que Granada alcançou o seu esplendor, quando Mohamed Ben Nasar fundou a dinastia Nazarí, a qual detinha o reino de Granada. Possuidora de um vasto território, esta mesma dinastia caiu perante os monarcas Católicos – o rei Fernando e a rainha Isabel – em 1492.


VIAGENS

Todavia, durante a sua ocupação, os mouros deixaram na cidade de Granada maravilhas arquitectónicas, tais como a Alhambra, o Palácio de Generalife e o Bairro de Albaicín, declarados Património da Humanidade pela UNESCO. Granada é uma cidade riquíssima e repleta de monumentos históricos, miradouros, gastronomia, vida nocturna e actividades radicais. A Alhambra é, como referido, ponto obrigatório de visita e um dos locais mais visitados de Espanha. Está situada em frente ao bairro de Albaicín, outro dos ex-libris a visitar devido ao seu estilo arquitectónico inconfundível, às suas casas brancas e à vista para a Serra Nevada, local onde poderá aproveitar a estância de ski. No centro da cidade, perca-se por todas as calles y gran vias (ruas e avenidas), cada uma com a sua marca e riqueza histórica. Não deixe, também, de visitar a Catedral de Granada, a estátua dos Reyes Catolicos, o Mercado da Plaza Nueva, o Paseo de los Tristes, o Mirador de San Nicolás (vista de cortar a respiração para a Alhambra) e o parque/ jardim Federico García Lorca.

Se é amante da boa comida, está no sítio certo. Tal como nós, portugueses, os nossos amigos espanhóis também gostam de comer bem. Por último, não poderia deixar de recomendar um pouco da vida nocturna desta cidade. Poderá fazer um roteiro de bares pelo centro, a começar na calle Pedro Antonio e na Plaza Nueva, terminando na Discoteca Mae West, estabelecimento de diversão incrível. Quando se está em Granada é fácil pensar-se nas lindas palavras que Francisco de Icaza, poeta mexicano, dedicou à cidade: “Dá-lhe Esmola, mulher, porque não há nada mais triste na vida do que ser cego em Granada”. Esta frase é o expoente máximo do que significa a grandeza e beleza desta cidade do sul de Espanha, sendo que faltam adjectivos para descrever este verdadeiro paraíso em pleno planeta Terra. É, indubitavelmente, um destino para ir e repetir e repetir novamente. : : “El más terrible de todos los sentimientos es el sentimiento de tener la esperanza muerta” Federico Garcia Lorca

GRANADA

A PÉROLA DA ANDALUZIA

Shchipkova Elena

“No sé si llamé cielo a esta tierra que piso, si esto de abajo es el paraíso? Que será la Allambra, cielo?” Lope de Vega

Sollicitare 85



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.