MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO

Page 83

193

O PROTESTO NEGRO CONTINUA NAS RUAS palcos históricos (1988-2018)

Para elucidar melhor tais diferenças entre processo e ato, vale o debate sobre a noção de genocídio. O entendimento comum sobre o que seria genocídio está muito associado a eventos tópicos, intervenções últimas, meios extremos e terminativos que resultam na eliminação – ou tentativa de – exterminar um povo. Assim o é a chamada Decisão final do III Reich Alemão, por exemplo, fato que hegemoniza a memória do que seria um genocídio. Contudo, para a denúncia do Movimento Negro no Brasil nos últimos quarenta anos, a ideia de genocídio sempre esteve associada à de processo, como estabelece o subtítulo do livro de Abdias Nascimento O genocídio do negro brasileiro – processo de um racismo mascarado. Desde lá a ideia de genocídio vem desassociada de eventos cirúrgicos como viveram os judeus na Alemanha já nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial. Para Abdias, o processo que vivenciou o negro no Brasil é de longo termo e estaria espraiado em diversas esferas da vida social, mas principalmente na cultura. Ao longo dos anos nos protestos negros, o que vimos foi, por um lado, a manutenção da ideia de genocídio como processo, mas por outro, a aproximação desse processo a temas mais afins com a eliminação direta de vidas. É esse o fundamento que o chamado genocídio

Livro MNU revisão final1_v4.indd 193

da juventude negra expõe. A essa ideia são associados outros problemas sociais que não estavam presentes no livro de Abdias, como os homicídios, a letalidade policial, o hiperencarceramento, além, é claro, da discriminação e da desigualdade racial. A estruturação desse processo, que envolveria desde as mortes de autoria de agentes do Estado até as desigualdades de renda, de educação, de oportunidades, dar-se-ia por vias das dinâmicas raciais da sociedade brasileira. É nosso intento reconstruir o sentido histórico dessa denúncia para criar o sentido sociológico do fenômeno das lutas por reconhecimento em torno do chamado genocídio da juventude negra. Baseamo-nos nos panfletos manifestos e outros documentos de autoria coletiva de organizações do Movimento Negro que registram esse tema. Em que pese a contradição da expressão “genocídio da juventude negra” – “geno” é povo, e não faixa etária –, vale retomar sólidas interpretações sobre o mais notável caso de genocídio, o nazismo, como a de Michel Foucault (em especial, no livro Em defesa da sociedade) e, mais recentemente, a de Aquile Mbembe (no livro Necropolítica), no intento de ponderarmos a extensão da aplicabilidade de suas formulações. Além da interpretação sobre o genocídio, tais autores foram fundamentais

05/03/2020 15:14


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO by Edições Sesc São Paulo - Issuu