Revista Engenharia 63

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ESTARÁ O FUTURO NAS MÃOS DA ENGENHARIA?

REVISTA OFICIAL DA FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO JANEIRO 2023
63 ENGENHARIA

FEUP

TALENT FOR THE WORLD

Candidaturas abertas 2023/24

1ª Fase: 16 janeiro - 23 fevereiro

2ª Fase: 24 fevereiro - 27 abril

3ª Fase: 28 abril - 8 agosto

+ info: fe.up.pt/estudar
LICENCIATURAS MESTRADOS PROGRAMAS DOUTORAIS

. Um novo futuro para a FEUP

A ABRIR

. Plano de Recuperação e Resiliência - infografia

FEUP NO MUNDO

. Acontecimentos com ADN FEUP

INOVAÇÃO E FUTURO

. FEUP integra maior consórcio de AI do mundo Recuperar ouro do lixo eletrónico? Investigação FEUP explica.

“Safe Cities” lança ecossistema inteligente de “internet das coisas” para cidades seguras

. 1,5M€ para mitigar os efeitos dos antibióticos no ambiente

NOVOS TALENTOS

Catarina Borges: a mais jovem doutorada da Faculdade de Engenharia

Entrevista a Tiago Fazeres Ferradosa: “Não sei viver longe do mar”

AS NOSSAS PARCERIAS

ARMIS Group anuncia laboratório de inovação na FEUP

Entrevista a Jorge Moreira da Silva: “Estamos a viver a crédito do Planeta e das próximas gerações”

FEUP À CONQUISTA

FEUP no pódio das energias renováveis

. Investigadores da FEUP rumo aos EUA

ADN FEUP

. Opinião José Silva Matos: Engenharia e Políticas Públicas - um relacionamento virtuoso

AS NOSSAS PESSOAS

. Entrevista a Paulo Pinho: “A FEUP vai progressivamente fazendo cidade”

Opinião Joana Bailão: ”Missão: ESTAR onde é mais preciso”

MUITO + QUE ENGENHARIA

. Plantz: uma revolução na comida pronta-a-comer?

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EDITORIAL
A FECHAR . A não perder 4 5 6 8 9 10 11 17 18 21 22 25 26 28 30 34 36 38 22 12 Estará o futuro nas mãos da Engenharia? 8 Diretor Rui Artur Bártolo Calçada Conselho Editorial Carlos Oliveira e Raquel Pires Equipa Redatorial Raquel Pires e Mafalda Leite noticias@fe.up.pt Design e Produção César Sanches design@fe.up.pt Colaboram nesta Edição: Egídio Santos, Eunice Sousa, Ricardo Santos e Rita França Publicidade publicidade@fe.up.pt Propriedade Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto Sede FEUP, Rua Dr. Roberto Frias 4200-465 Porto Tel: 22 508 1400 e-mail: noticias@fe.up.pt url: www.fe.up.pt Impressão Empresa Diário do Porto, Lda Porto 02 – 2023 Periodicidade Semestral Tiragem 3000 exemplares Depósito legal 360125-13 REVISTA OFICIAL DA FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO JANEIRO 2023 63 ENGENHARIA 30

UM NOVO FUTURO PARA A FEUP

Épara mim uma grande honra e também uma grande responsabilidade ter tomado posse como Diretor da FEUP. No programa de ação assumi a visão estratégica de contribuir para afirmar a Universidade do Porto como “Uma Universidade de excelência internacional na formação académica e cívica, na investigação e na inovação, aspirando a ser permanentemente reconhecida como uma instituição sustentável e com impacto na ciência e cultura, na sociedade e na economia”.

No que concerne ao Ensino e Formação, a FEUP irá promover iniciativas que incentivem o ingresso num mestrado dos estudantes que terminem as licenciaturas, dando continuidade a uma formação completa de cinco anos em engenharia. A FEUP irá ainda reforçar a oferta de formações pós-graduadas de âmbito profissional, desenvolvidas em parceria com empregadores públicos e privados, dirigidas a adultos já inseridos no mercado de trabalho.

Em termos de Investigação e Desenvolvimento, a FEUP irá contribuir para a afirmação da U.Porto como uma Universidade de Investigação, capaz de promover o desenvolvimento do conhecimento nas suas áreas de atuação a um nível global, e de integrar o estado da arte do conhecimento nas suas ofertas de Ensino e Formação. Para o efeito deverá intensificar a colaboração e a articulação entre unidades de I&D, explorar sinergias e desenvolver a investigação interdisciplinar.

No que diz respeito à Valorização Económica e Social do Conhecimento, a necessidade atual das empresas produzirem cada vez mais conhecimento, aumentando o seu know-how especializado, capacidade tecnológica instalada e portefólio de Produtos, Processos e Serviços inovadores, cria condições para a FEUP beneficiar mais intensamente da colaboração com as empresas numa lógica de Inovação Aberta.

Para acelerar o processo de afirmação e notoriedade ambicionadas para a instituição, a FEUP deverá promover ações nos temas estratégicos da Cooperação, da Internacionalização, da Transformação Digital e da Comunicação.

No que concerne à Cooperação, a FEUP deverá reforçar as parcerias com outras Unidades Orgânicas da U.Porto, tendo em vista a busca de uma maior abrangência de competências interdisciplinares, bem como a obtenção de ganhos de escala. É importante reforçar a cooperação externa, integrando nos planos estratégicos e nos planos de ação as diferentes visões da comunidade académica e da sociedade.

No tema estratégico da Internacionalização é necessário atrair mais e melhores estudantes internacionais e contribuir para reter este talento no nosso país, promovendo desta forma o desenvolvimento socioeconómico da região e do país.

No contexto de profunda e acelerada transformação digital que se verifica em toda a sociedade, é necessário garantir a melhoria dos sistemas de informação e a modernização dos sistemas de gestão, promovendo a desmaterialização, a uniformização e simplificação dos processos.

No tema estratégico da comunicação a FEUP deverá colaborar de forma ativa no desenvolvimento dos novos portais comunicacionais da U.Porto e das Unidades Orgânicas e desenvolver um plano estratégico de comunicação junto dos seus públicos alvo.

O progresso da FEUP irá depender da capacidade de valorização dos pilares da organização. No que concerne às Pessoas, é necessário valorizar o trabalho das pessoas que constituem a comunidade, motivando-as e trazendo-as para o centro das decisões estratégicas relacionadas com as suas atividades, procurando implementar ações que proporcionem as melhores condições para a realização profissional, em conciliação com sua a vida pessoal e familiar. As Infraestruturas são um pilar fundamental para proporcionar à comunidade, no seu dia a dia, as melhores condições para a realização das atividades, sendo fundamental construir três novos edifícios no campus da FEUP. Estes vão permitir dar resposta às necessidades urgentes de espaços resultantes da expansão das atividades centrais da missão.

A afirmação e notoriedade da FEUP passará também pelo reforço dos compromissos com os valores da Cultura, do Desporto, da Responsabilidade Social e da Sustentabilidade, e do papel dos seus Comissariados.

Reafirmo com determinação a missão de liderar a FEUP num contexto exigente, com diversas ameaças que se perfilam no horizonte, que é necessário enfrentar e vencer, mas também com várias oportunidades que é necessário saber aproveitar, num mundo instável e cada vez mais competitivo, procurando dignificar a instituição e contribuir para o desenvolvimento e afirmação da FEUP a nível nacional e internacional.

EDITORIAL
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* Diretor da FEUP Rui Artur Bártolo Calçada* Ricardo Santos

PLANO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) é um programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, que visa implementar um conjunto de reformas e investimentos destinados a repor o crescimento económico sustentado, após a pandemia, reforçando o objetivo de convergência com a Europa, ao longo da próxima década.

Para isso, o Conselho Europeu criou o Next Generation EU, um instrumento de mitigação do impacto económico e social da crise, contribuindo para assegurar o crescimento sustentável de longo prazo e responder aos desafios da dupla transição climática e digital. Este instrumento inclui o Mecanismo de Recuperação e Resiliência onde se enquadra o PRR, um plano de investimentos, assente em três dimensões estruturantes: Resiliência; Transição Climática; Transição Digital.

A Faculdade de Engenharia viu serem aprovados 21 projetos, num total previsto de 34,6 milhões de euros de investimento elegível, divididos pelas seguintes áreas:

TÊXTIL E CALÇADO 1 395 922,59€ MATÉRIAS-PRIMAS E MATERIAIS 884 773,48€ ECONOMIA AZUL 1 500 000,00€ HIDROGÉNIO 8 030 192,04€ BATERIAS 5 403 582,47€ FERROVIA 5 903 774,40€ CONSTRUÇÃO MODULAR 1 638 814,75€ TRANSIÇÃO ENERGÉTICA 2 914 339,39€ INDÚSTRIA AUTOMÓVEL 3 532 698,12€ INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL 609 812,81€ BIOCOMBUSTÍVEIS 604 205,34€ MANUFATURA AVANÇADA 816 950,71€ TRANSPORTES E LOGÍSTICA 400 888,43€ AERONÁUTICA 447 750,00€ ESPAÇO 537 530,21€ 34
621 234,74€

FEUP NO MUNDO

Estudantes da LEIC alcançam 2º lugar na Bsides Lisbon’22, uma competição na área da segurança informática novembro 2022

iUP25k premeia recuperar ouro maio 2022

Investigadores do INEGI e FEUP premiados por sociedade americana de engenharia mecânica novembro 2022

Miguel Gaitán (doutoramento) brilha em conferência norte-americana outubro 2022

João Barros nomeado Fellow da maior sociedade mundial de Engenharia novembro 2022

Alumni da FEUP Primus Inter junho 2022

Hugo Campos sagra-se campeão universitário de voleibol de praia setembro 2022

FEUP de junho

premeia ideia inovadora para ouro do lixo eletrónico

Estudantes da FEUP vencem World Summit Awards 2021 fevereiro 2022

FEUP domina o Festival Nacional de Robótica 2022 junho 2022

Estudantes da FEUP brilham em competição europeia de Engenharia Civil agosto 2022

Estudantes da FEUP vencem concurso internacional de inteligência artificial janeiro 2022

Professor João Manuel Tavares vence prémio internacional por inovação na área do pé diabético setembro 2022

Estudante Telma Moreira brilha em iniciativa de liderança feminina da Huawei novembro 2022

FEUP dominam Prémio Inter Pares 2022

Portugal vence a maior competição de Robótica do Mundo – RoboCup 2022 julho 2022

campeão mundial praia

FEUP NO MUNDO
ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 07

FEUP integra maior consórcio de AI do mundo

O anúncio foi feito no decorrer da edição da Web Summit 2022 que decorreu em novembro, em Lisboa, por Paulo Dimas, um dos responsáveis de inovação e produto da Unbabel, empresa que vai liderar este projeto de “inteligência artificial responsável”.

São 78 milhões de euros para aplicar num grande consórcio “de inteligência artificial responsável”. A Unbabel, plataforma portuguesa baseada em inteligência artificial de “Language Operations” assume a liderança “provavelmente do maior consórcio à escala mundial nesta área” que integra ainda 10 startups – Feedzai, Sword Health, Apres, Automaise, Emotai, NeuralShift, Priberam, Visor.ai, Ydata, Yoonik – oito centros de investigação espalhados por Lisboa, Porto e Coimbra – Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), Fundação Champalimaud, CISUC, Fraunhoffer Portugal AICOS, INESC-ID, Instituto Superior Técnico e Instituto de Telecomunicações – e ainda parceiros da área da saúde (Bial, Centro Hospitalar São João, Luz Saúde), do Turismo (Grupo Pestana) e Retalho (Sonae).

É uma grande oportunidade, que irá permitir criar mais de 210 novos postos de trabalho altamente qualificados e que se reveste de enorme importância estratégica face aos riscos apresentados pela área de inteligência artificial, atualmente. E que riscos são estes?

Carlos Soares, professor do Departamento de Engenharia

Informática da FEUP, explica-nos que “com a popularização das tecnologias de Inteligência Artificial e Machine Learning, rapidamente nos apercebemos de que, como com qualquer tecnologia, a par com o valor que a sua utilização correta cria, a sua utilização indevida pode promover o preconceito, em termos de género, raça e outras dimensões”. Por “utilização indevida” não se depreende apenas o uso mal-intencionado de determinada ferramenta, como explica o especialista da FEUP em Data Science, até porque muitas vezes é “consequência de uso bem-intencionado mas erra-

do, por falta das competências adequadas”. E deixa uma analogia interessante: “Da mesma forma que todos os medicamentos têm uma bula com informação sobre a sua composição, utilização correta e riscos associados, nós acreditamos que os modelos e algoritmos de IA terão que ser acompanhados de uma ficha técnica (um “model card” ou “algorithm card”) com toda a informação relevante para a sua utilização correta”.

A União Europeia tem estado atenta a estes riscos e tem-se mostrado interessada na regulação do setor. Prova disso são os 51 milhões de incentivo provenientes do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) no consórcio. A previsão aponta para um impacto na economia portuguesa na ordem dos 250 milhões de euros em exportações até 2030, resultado do desenvolvimento de 21 novos produtos de inteligência artificial.

A IMPORTÂNCIA DAS TECNOLOGIAS DE MACHINE LEARNING

A participação da FEUP vai acontecer a partir do Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores (LIACC). No topo das prioridades está o desenvolvimento de técnicas de metalearning (meta-aprendizagem, ou seja, a utilização de técnicas de machine learning para analisarem o comportamento de outras técnicas de machine learning) para suportar o desenvolvimento semiautomático de “model cards” e “algorithm cards”. Para isso, está prevista a criação de uma equipa composta por doutorados e mestres, que “permita manter a FEUP e o LIACC na vanguarda da inteligência artificial responsável, assim como empresas parceiras que contratam na FEUP os recursos humanos avançados nestas áreas”, esclarece Carlos Soares.

INOVAÇÃO E FUTURO ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 08
Raquel Pires D.R.

Recuperar ouro do lixo eletrónico? Investigação FEUP explica.

Ideia inovadora de duas investigadoras da Faculdade de Engenharia

Ideias de Negócio da U.Porto.

Em cada tonelada de resíduos de placas de circuito impresso utilizadas em produtos eletrónicos comuns existem centenas de quilos de metais com valor acrescentado, tais como cobre, ouro, estanho, ferro e outros metais preciosos raros. Foi precisamente para os recuperar que Helena Soares e Liliana Martelo, investigadoras do Departamento de Engenharia Química da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e do REQUIMTE (Laboratório Associado para a Química Verde-Tecnologias e Processos Limpos), lançaram o projeto E-RecyOuro.

Premiado recentemente pelo iUP25k (Concurso de Ideias de Negócio da Universidade do Porto), propõe um método económico e amigo do ambiente para reciclar metais presentes nos Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos (REEE). “O nosso projeto consiste em recuperar metais com elevado valor acrescentado, nomeadamente ouro, cobre e também a fibra de vidro, que existem no lixo eletrónico que todos nós produzimos e que temos de tentar recuperar para sermos ambientalmente responsáveis”, clarifica Liliana Martelo.

Computadores, telemóveis, eletrodomésticos e televisões em fim de vida são alguns dos equipamentos que se incluem na variedade de REEE’s.

“Esta é uma ideia de negócio que tem muita viabilidade económica, visto que o que nós recuperamos tem um valor acrescentado muito grande”, elucida a investigadora.

O arranque dos trabalhos aconteceu em 2017, com apresentação do projeto à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para obtenção de financiamento. Em colaboração com António Torres Marques e Margarida Bastos, professores da FEUP, e de Ana Claúdia Dias e Luís Arroja da Universidade de Aveiro, foi possível desenvolver um método para recuperar os metais através de um “processo que é economicamente viável e sustentável”, como explica Helena Soares.

Já validado à escala laboratorial, o projeto procura agora financiamento junto de agências de inovação, fundos europeus ou investidores privados que lhes permita avançar para a escala piloto e, depois, a fase industrial. A ideia inovadora, que valeu à dupla um prémio monetário no valor de 5.000 euros, já deu origem a um pedido de patente a nível europeu.

Sabia que...

Na sua investigação, Helena Soares aborda ainda outra área de estudo, igualmente impactante no que toca ao desenvolvimento sustentável europeu: o desenvolvimento de novos produtos de base biológica para fins agrícolas. Com o expectável crescimento da população mundial nos próximos 30 anos, “é urgente encontrar novas alternativas sustentáveis aos produtos químicos tradicionalmente usados na agricultura”, explica.

venceu a 8.ª edição do Concurso de
Leite D.R. ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 09 INOVAÇÃO E FUTURO
Mafalda

“SAFE CITIES” LANÇA ECOSSISTEMA

INTELIGENTE DE “INTERNET DAS COISAS” PARA CIDADES SEGURAS

Com um financiamento superior a 16 milhões de euros, a parceria estratégica da U.Porto - através da Faculdade de Engenharia (FEUP) e Faculdade de Ciências (FCUP) - com a Bosch Security Systems (Ovar) permitiu o desenvolvimento inovador de produtos e soluções computacionais inteligentes.

Acriação de um ecossistema IoT (Internet of Things) que permita aproximar o mundo digital do mundo físico das coisas fazendo-os interagir, é o principal objetivo do projeto “Safe Cities”. Estruturados em cinco subprojetos de cariz técnico e tecnológicos em áreas que vão do Data Mining e Big Data, Sensorização Urbana Inteligente, passando pelas Comunicações Multimédia, até às Aplicações de Software e Ciber-Segurança e Privacidade, foram desenvolvidos produtos inovadores e de elevado potencial para solucionar desafios que enfrentam as sociedades urbanas modernas baseadas no paradigma da internet das coisas (IoT).

Que soluções são estas? Protocolos avançados de distribuição de áudio e controlo dos sistemas que permitem disseminar mensagens de áudio por diferentes subsistemas do ecossistema de ioT; uma nova geração de amplificadores de áudio que podem ser usados em grandes espaços de concentração e pessoas de forma a maximizar a eficiência da transmissão de mensagens como mensagens de avisos. Podemos ainda elencar o desenvolvimento de soluções computacionais avançadas de inteligência artificial para sistemas de deteção de incêndio de forma a prever e a analisar inteligentemente o seu comportamento, maximizando a sua eficiência e robustez a falhas e, assim, garantir a seguranças dos cidadãos e das infraestruturas.

Também as potencialidades dos sensores de vídeo como sensores de qualidade do ar podem ser exploradas, o que permitirá que câmaras de vigilância tipicamente usadas em cidades possam também contribuir para monitorizar a qualidade do ar destes centros urbanos.

Ao longo dos quatro anos de duração do projeto, 85 investigadores ligados à U.Porto tiveram ainda oportunidade de desenvolver

um novo dispositivo com sensores de imagem e de rangefinder que permitem uma melhor caraterização visual de cenas urbanas, ao possibilitar imagens de cor sincronizadas com mapas de distância 3D. Foram também criadas soluções computacionais avançadas de inteligência artificial para interpretação de cenas urbanas usando análise de vídeo e áudio, como por exemplo a deteção e a caracterização de ajuntamentos de pessoas, a deteção de situações anómalas como as resultantes de explosões, a análise e a estimativa do movimento de peões e de veículos, a deteção de quedas de idosos e de objetos, a análise estrutural de infraestruturas urbanas, o reconhecimento automático de sons de eventos perigosos baseado em sensorização avançada. A ferramenta permitiu ainda gerar rotas seguras para a evacuação de infraestruturas; soluções para proteção de privacidade em ambientes big data e para comunicações edge-cloud resilientes a falhas.

“Acredito que num futuro muito próximo sejam disponibilizados novos produtos para ecossistemas de internet das coisas para cidades seguras com base no que aqui foi largamente explorado”, acredita João Manuel Tavares, professor catedrático da FEUP e coordenador do projeto na U.Porto, sem deixar de referir que alguns destes desenvolvimentos se encontram já integrados em produtos previamente existentes, contribuindo assim para a sua atualização e melhoramento.

Esta parceria da U.Porto com a Bosch Ovar integrou um novo ciclo de investimento na inovação em Portugal pela empresa alemã e teve como foco o desenvolvimento de soluções nas áreas da mobilidade, cidades inteligentes e seguras e indústria conectada.

INOVAÇÃO E FUTURO
ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 10 Raquel Pires D.R.

1,5M€ para mitigar os efeitos dos antibióticos no ambiente

Investigadora do LSRE-LCM da Faculdadede Engenharia da U.Porto (FEUP), garantiu um financiamento de 1,5 milhões de euros do European Research Council (ERC) que será aplicado no desenvolvimento do projeto ERA_ARE que permitirá avaliar o risco ambiental com base na quiralidade como uma ferramenta para promover fármacos ambientalmente seguros.

É o reconhecimento máximo do meu mérito científico. Com a bolsa ERC, pretendo estabelecer e liderar um grupo de investigação reconhecido internacionalmente, sendo esta fundamental na progressão da minha carreira na área da química ambiental”, admitiu a investigadora Ana Rita Lado.

A sua linha de investigação tem por finalidade contribuir para a compreensão do papel dos processos ambientais enantioseletivos no comportamento e destino dos antibióticos quirais presentes no ambiente em quantidades residuais. Os resultados serão úteis para prevenir o desenvolvimento de resistência a antibióticos, por um lado criando diretrizes inovadoras de avaliação de risco ambiental dos antibióticos quirais e por outro, despertando o interesse da indústria farmacêutica na pesquisa de medicamentos mais seguros para o meio ambiente.

A quiralidade é uma propriedade geométrica presente em moléculas tridimensionais e assimétricas. Estruturalmente, estas moléculas apresentam duas configurações distintas, como um objeto e a respetiva imagem no espelho (análogo às nossas mãos, esquerda e direita), que não são sobreponíveis, chamados enantiómeros. Estes enantiómeros interagem de forma seletiva com estruturas biológicas (macromoléculas) que também são quirais (enantiosseletividade). Sendo os sistemas biológicos intrinsecamente quirais, as interações com pequenas moléculas quirais, como é o caso de muitos fármacos, são enantiosseletivas.

Com este financiamento passam a estar reunidas “as condições necessárias para implementar e gerir uma equipa multidisciplinar nas áreas da química analítica, química orgânica, microbiologia, ecotoxicologia e simulação, contribuindo para a investigação da relação entre a quiralidade de antibióticos e a resistência bacteriana em cenários ambientais”, perspetiva Ana Rita Lado, consciente da importância que o projeto pode vir a ter no despertar da consciência para a sustentabilidade e proteção ambiental de diferentes players da indústria farmacêutica.

Além da FEUP este projeto envolve o Instituto Federal de Hidrologia da Alemanha - Bundesanstalt fuer Gewaesserkunde.

NOTA BIOGRÁFICA

É investigadora do Laboratório de Processos de Separação e Reação – Laboratório de Catálise e Materiais (LSRE-LCM) do Departamento Engenharia Química da Faculdade de Engenharia (FEUP), estrutura que integra, juntamente com o LEPABE e com o CEFT, o novo Laboratório Associado ALiCE.

Doutorada em Biotecnologia e especialista em Química Analítica e Ciências e Engenharia do Ambiente, Ana Rita Lado chegou à FEUP e ao LSRE-LCM em 2014, no âmbito de um pós-doutoramento que conduziu até 2018. O mesmo que a levou à Loughborough University (Reino Unido) para viver uma experiência enriquecedora na qualidade de investigadora visitante. Regressaria para desenvolver a linha de investigação em Ferramentas Analíticas para Monitorização Ambiental no LSRE-LCM, enquadrada no grupo de investigação que se dedica à Catálise e Materiais de Carbono.

Mas esta é só uma parte de um percurso que se traduz, até à data, em mais de 85 publicações em revistas científicas e livros revistos por pares internacionais nas áreas da Química Analítica e Ciência Ambiental, na colaboração em cerca de 20 projetos de investigação, além do cargo de editora associada do Chemical Engineering Journal Advances, publicado pela prestigiada Elsevier. Ana Rita Lado integrou igualmente as duas últimas edições do “World’s Top 2% Scientists” na área de Ciências do Ambiente, elaborado pela Universidade de Stanford (EUA), iniciativa que reconhece, anualmente, os cientistas mais influentes a nível mundial, com base no número de citações das respetivas publicações pelos seus pares; assim como a lista de Highly Cited Researchers (Clarivate) reconhecidos pela produção de múltiplas publicações altamente citadas (top 1%).

Raquel Pires
ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 11 INOVAÇÃO E FUTURO
Rita França

PODERÁ O FUTURO DA HUMANIDADE ESTAR NAS MÃOS DA ENGENHARIA?

Não sei se alguém se terá lembrado deste título para uma série com streaming na Netflix, mas não posso negar que os anos que levo a acompanhar o dia a dia da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) são mais do que suficientes para acreditar que pode muito bem ser verdade. E com uma bónus track incluída: nestes laboratórios e corredores as descobertas são diárias, num espetro que abarca quase tudo aquilo que faz o nosso mundo funcionar.

INOVAÇÃO E FUTURO
Raquel Pires D.R.

Baterias de nova geração, combustíveis menos poluentes, sistemas de monitorização inteligente, novos materiais em fibra de carbono, mitigação dos efeitos dos antibióticos no ambiente, interoperabilidade entre veículos autónomos, manufatura avançada, planeamento e mobilidade urbanas, hidrogénio verde… podíamos continuar, porque tudo implica intervenção da engenharia, numa espécie de resposta aos desafios que vão surgindo. É inquestionável o contributo da ciência para a sociedade, na medida em que possibilita avanços nos campos da saúde, da alimentação, do ambiente, da tecnologia, da energia. A ciência cria conhecimento, melhora a educação e a qualidade de vida das pessoas, reduzindo desigualdades e construindo pontes.

No último ano, uma das áreas que esteve em evidência na FEUP tem a ver com os biofilmes, comunidades de microrganismos – como bactérias e fungos – que se encontram incorporados numa matriz que eles próprios produzem. Embora sejam ainda pouco reconhecidos, os biofilmes afetam várias áreas relevantes para a sociedade como a saúde, a indústria e o ambiente.

“Na saúde, são reconhecidos como uma das principais causas de infeções crónicas e do desenvolvimento de resistência a agentes antimicrobianos

por parte dos microrganismos”, avança Nuno F. Azevedo, investigador do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) da FEUP. Dedica-se aos biofilmes desde 2001, altura em que iniciou o doutoramento sobre a possibilidade da H. pylori ser transmitida pela água e “uma das possibilidades para que o microrganismo sobrevivesse na água era a sua incorporação em biofilmes”, recorda.

Foi o início de uma carreira científica que passou pela Universidade do Minho e depois pela Universidade de Southampton, no Reino Unido, numa ligação que se prolongou por quatro anos. Ingressou depois no LEPABE, já como Investigador Auxiliar. Em julho passado, foi distinguido com uma ERA Chair, no valor de 2,5 milhões de euros. É a primeira ERA Chair liderada pela Faculdade de Engenharia e permitirá criar um grupo de excelência em engenharia de biofilmes.

É uma enorme oportunidade que vai potenciar uma colaboração interdisciplinar entre vários grupos de investigação da Faculdade de Engenharia com outras instituições europeias e internacionais. Embora seja um projeto sobre biofilmes, as áreas de conhecimento envolvidas no projeto incluem a química orgânica, a análise de imagem, a estatística e a informática.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 13 INOVAÇÃO E FUTURO

DARLA GOERES: UMA REFERÊNCIA INTERNACIONAL NO PORTO

Com mais de 20 anos de experiência na investigação de biofilmes bactetrianos em sistemas industriais, Darla Goeres lidera a equipa do Laboratório de Métodos Padrão de Biofilmes (SBML) no Centro de Engenharia de Biofilmes, da Universidade de Montana (EUA), cuja missão passa pelo desenvolvimento e validação de métodos padrão quantitativos para o cultivo, tratamento, amostragem e análise de biofilmes bacterianos.

Em março de 2020, foi nomeada Professora de Investigação de Ciência Reguladora, sendo da sua

inteira responsabilidade a criação de um programa de ciência reguladora no Centro de Engenharia de Biofilme com o objetivo de envolver os decisores regulamentares e industriais no desenvolvimento de ferramentas que permitam a inovação em ciência e tecnologia no setor.

É membro da Sociedade Americana de Testes e Materiais (ASTM) e facilitou a aceitação dos primeiros métodos padrão aprovados para biofilmes bacterianos.

Ainda no âmbito desta ERA Chair está prevista a contratação de oito investigadores, desde estudantes de doutoramento até investigadores auxiliares. Certa é a vinda de Darla Goeres, do Centro de Engenharia em Biofilmes da Universidade de Montana nos EUA, considerada uma referência mundial na área dos biofilmes, para uma colaboração que se estenderá por um período total de 24 meses para colaborar os trabalhos da equipa liderada por Nuno F. Azevedo na FEUP (ver Caixa).

De resto, esta é uma área em clara expansão dentro do Laboratório Associado ALiCE, onde se inclui o LEPABE. Há uma nova geração de investigadores a apostar fortemente no estudo desta comunidade microbiana, como Laura Cerqueira, premiada no último Montana BioFilm Science & Technology Meeting 2022, que decorreu nos EUA, em finais de julho. Na origem do prémio de Young Investigator esteve um modelo preliminar para a utilização do mRNA-PNA-FISH com o intuito de estudar os mecanismos de regulação de Legionella pneumophila. A partir deste modelo será possível esclarecer a organização e o desenvolvimento funcional de biofilmes e o papel na virulência de L. pneumophila em sistemas hídricos sob diferentes condições físico-químicas, tratamentos de desinfeção e na presença de diversos consórcios microbianos.

Laura Cerqueira utiliza esta técnica para localizar células individuais em biofilmes, permitindo assim o estudo da sua distribuição espacial tridimensional. Ao adaptar o PNA-FISH a sequências de mRNA específicas e combiná-lo com técnicas de imagem de alta resolução o modelo permite estudar a expressão de genes em células individuais em biofilmes, combinando informações espaciais e funcionais das células no seu ambiente original.

ÁCIDO HIALURÓNICO: O NOVO BÁLSAMO

PARA AS FERIDAS?

Mas nem sempre os caminhos que levam a enveredar por um determinado projeto de investigação estão tão definidos à partida. Que o diga João Transmontano, responsável pela empresa Portus Pharma, que durante uma viagem a São Paulo no âmbito da rede BIN@ em 2016, acaba por se cruzar com a comitiva da Faculdade de Engenharia. De uma conversa de circunstância sobre um novo método de esterilização da castanha 100% eficaz utilizado pelo professor Adriano Carvalho num projeto familiar, acabaria por surgir a intenção de colaborarem em breve.

O motivo já estaria identificado. João Transmontano queria dedicar-se ao desenvolvimento de matérias-primas de origem natural para uso

INOVAÇÃO E FUTURO ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 14

clínico no tratamento de feridas (escaras, úlceras de pressão, queimados, pé diabético, cicatrização pós-cirúrgica). Acabou por desafiar o investigador Adriano Carvalho para a criação de um processo de esterilização do mel para fins clínicos – surgia aqui o H2Cure, projeto que envolve a UMinho, o ICBAS e a FEUP, além da empresa Portus Pharma cujo conceito nasceu desta viagem e que acabaria por instalar-se em Portalegre.

“O trabalho da FEUP neste consórcio passa pelo desenvolvimento de um equipamento baseado em aplicação de campo elétrico de alta frequência, baseado em tecnologia GaN e/ou aplicação de ultrassons de potência capaz de realizar a esterilização completa do mel”, reconhece Pedro Coelho, responsável pelo gabinete de Inovação da Faculdade de Engenharia, que assistiu ainda no Brasil às primeiras conversas exploratórias relacionadas com esta investigação. “É fundamental garantir que neste processo de esterilização se consiga garantir a ausência de organismos com viabilidade biológica, até porque tudo o que envolve a prática hospitalar é tremendamente escrutinada”, reforça Pedro Coelho.

Além de Adriano Carvalho, o projeto conta com a colaboração do professor Armando Araújo e Agostinho Rocha como investigador ligado ao H2Cure. Os investigadores pretendem lançar um protótipo de penso à base de mel e de ácido hialurónico, produtos popularmente conhecidos e utilizados em Portugal, para a prevenção e tratamento de feridas crónicas. Às propriedades terapêuticas do mel isolado serão adicionados outros compostos como o ácido hialurónico, contribuindo para uma cicatrização mais rápida e eficaz da ferida, originando formulações diferen-

ciadoras no mercado dos dispositivos médicos, com um desempenho superior às existentes e a um custo unitário e global mais reduzido.

“A NOSSA EVOLUÇÃO PODERÁ SER MAIS RÁPIDA”

E como é ser jovem cientista em Portugal? Que investimento tem sido feito no futuro da ciência? Fomos tentar saber pela boca dos próprios, a começar por Nuno F. Azevedo que defende ter havido “certamente uma evolução”, embora pudesse e devesse ser “mais rápida”. O investigador lembra que há 20 anos o acesso “quer a equipamentos, quer a artigos científicos de outros autores era limitado”. Sobre a fuga de talentos para o estrangeiro, diz que “é desejável a mobilidade sobretudo dos mais jovens” e que a tónica não é tanto por aí mas antes no garantir que “Portugal se torne atrativo para todos os investigadores, independentemente da sua proveniência, e de fornecer condições para que os nossos investigadores portugueses com sucesso internacional queiram voltar”.

Na opinião do investigador do AliCE “tem que ser claro para os investigadores que queremos captar que serão bem integrados e que podem vir a desenvolver a investigação que pretendem nas instituições portuguesas com todas as condições”.

E reforça esta ideia, com um episódio que conhece bem: “Quando obtive a minha primeira posição de investigador auxiliar na FEUP tive também a possibilidade de ficar na Universidade de Southampton como Professor Auxiliar. Para me tentarem convencer a rumar a Southampton, a Universidade ia providenciar uma bolsa de instalação que me permitia a contratação de dois estudantes de

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 15 INOVAÇÃO E FUTURO
Estima-se que 80% das infeções microbianas resultem da resistência dos biofilmes bacterianos, o que representa cerca de 100 mil mortes anuais só nos EUA, afetando diferentes atividades humanas e que vão desde o processamento de alimentos, transportes e infraestruturas públicas.

doutoramento, a compra de reagentes para eles poderem desenvolver o seu trabalho e ainda um espaço laboratorial autónomo totalmente equipado”. Apesar de “este tipo de apoios não fazer parte da nossa realidade”, se quisermos realmente competir com os países mais avançados ao nível científico, “temos que estudar e implementar as estratégias que eles utilizam para captar os investigadores”, defende o investigador.

Os dados estão lançados e a verdade é que nunca como agora se falou tanto da necessidade de investimento na ciência. Prova disso é o Plano de Recuperação e Resiliência lançado pela Comissão Europeia como resposta aos efeitos da pandemia pós-Covid e que será uma oportunidade única de investir em projetos mobilizadores e áreas com impacto económico. E a FEUP está nessa corrida (ver Infografia pág. 5).

AS GRANDES TENDÊNCIAS PARA 2023

Todos os anos se renovam as previsões sobre as grandes linhas que vão orientar as principais descobertas nos próximos tempos. Uma das mais aguardadas é sempre a da ciência: o que podemos afinal esperar? A Fundação Francisco Manuel dos Santos disponibiliza um conjunto de estudos prospetivos ancorados em artigos da autoria de várias personalidades muito interessantes. Carlos Fiolhais, com base na “Nature”, aponta para alguns setores em constante ebulição: as alterações climáticas e a energia vão continuar na agenda política e mediática, com a necessidade de encontrar cada vez mais alternativas aos combustíveis fósseis, com o hidrogénio a ganhar terreno em várias frentes, assim como as baterias de nova geração.

No campo da medicina, neste período pós-pandemia, decorrem testes de vacinas genéticas que protegem quer da Covid-19, quer da gripe. Em resultado

da inovação provocada pela pandemia, vão ser testadas novas vacinas para malária, tuberculose e herpes genital. É provável, garante Carlos Fiolhais, que o futuro nos traga “vacinas por spray”. Ainda na área da saúde, prevê-se as primeiras aplicações de terapia genética e que continuem os avanços em medicamentos contra a Alzheimer.

2023 marca a afirmação da ciência dos dados à escala global: as gigantes tecnológicas continuam a investir fortemente na gestão e disponibilização dos dados, sobretudo em bancos baseados em nuvem. As empresas têm investido cada vez mais na incorporação de machine learning de maneira a simplificar processos e tornar-se mais competitivas. A par com a inteligência artificial, o futuro passa pelo desenvolvimento tecnológico ancorado em big data e pelas preocupações com a cibersegurança, a que se somam as questões éticas que podem ter implicações na vida de cada um de nós.

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Fotografia: Egídio Santos

CATARINA BORGES: A MAIS JOVEM DOUTORADA DA FACULDADE DE ENGENHARIA

24 anos depois, Catarina é a estudante mais jovem a obter um doutoramento na FEUP, com uma tese relacionada com componentes eletrónicos produzidos pela Bosch.

A9 de dezembro de 1997, na antiga freguesia da Vitória, no Porto, nasce Catarina Borges. 24 anos depois, é a estudante mais jovem a obter um doutoramento na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), depois de já ter completado o Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica na mesma instituição.

Realizada em parceria com a Bosch, a tese final de Catarina Borges aborda problemáticas associadas ao projeto e à durabilidade das ligações adesivas utilizadas nos componentes eletrónicos produzidos pela multinacional alemã.

A orientação do trabalho ficou a cargo de Lucas da Silva e Eduardo Marques, ambos professores do Departamento de Engenharia Mecânica: “A Catarina demonstrou uma excecional capacidade de resolução de problemas complexos e gerou conhecimento muito valioso, traduzido na elaboração de uma patente e de diversos artigos científicos”, refere Eduardo Marques.

Catarina Borges começa agora a sua viagem como investigadora no mesmo departamento que a viu crescer, pessoal e profissionalmente, exercendo ainda a componente letiva na Secção de Materiais e Processos Tecnológicos.

À

LUPA passear, ler, fotografia, passar tempo com amigos e família

Ornatos Violeta e Jacob Collier

Sushi

A Vida é Bela (1997)

Islândia e Japão

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 17 NOVOS TALENTOS
Mafalda Leite Egídio Santos

“NÃO SEI VIVER LONGE DO MAR”

O investigador Tiago Fazeres Ferradosa divide o seu tempo entre a Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente do Departamento de Engenharia Civil da FEUP e o grupo de investigação Marine Energy do CIIMAR. Dedica-se à investigação das erosões em estruturas colocadas em ambiente marinho.

Uma experiência ERASMUS na University College London na parte final do percurso em Engenharia Civil foi determinante na escolha da hidráulica marítima como área de investigação no futuro que não tardaria. A tese relacionada com o transporte de sedimentos e erosões localizadas em estruturas offshore - como as que vemos serem aplicadas às turbinas eólicas – abriu-lhe as portas para o doutoramento e um contacto muito próximo com empresas e parceiros neste setor. No meio de tanta água, a do mar era a que mais o atraía e a partir daí a ideia de futuro tornou-se fácil. “Não sei viver longe do mar, e há nele um quê de desconhecido e de desafiador que me agrada”, confessa Tiago Ferradosa. Entrevista na primeira pessoa ao investigador que define a Engenharia Civil e em particular a Hidráulica Marítima como “elegantes expressões de superação do Homem”.

Porque optou por Engenharia Civil?

Confesso que, quando era mais novo, não sabia bem que carreira gostaria de seguir. Sempre gostei de lidar com pessoas acima de tudo e cheguei a ponderar áreas mais ligadas às ciências sociais, no entanto sempre soube muito bem o que não queria. Quando fui para a Universidade, sempre olhei para os profissionais da Engenharia Civil como agentes de mudança cuja atividade, além de muito transversal, resultava em património físico, intelectual e outras dimensões que podiam moldar o Mundo. O meu gosto em lidar com pessoas e a minha vontade de contribuir para o rumo do que me rodeava foi o que me fez escolher esta área. A partir daí, tomei-lhe o gosto e agora já não é uma profissão, é um vício.

Fez rapidamente a interligação à Hidráulica Marítima? O que o fascina nesta área?

Ocorreu de forma natural. Quando me comecei a aproximar do final do curso, tinha presente a importância de experimentar outras realidades académicas e profissionais e graças ao programa ERASMUS acabei por realizar a dissertação na University College London em parceria com a Secção de Hidráulica e Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia Civil (DEC) da FEUP. Antes de iniciar essa “aventura” já tinha um gosto especial pela Hidráulica, com particular destaque para os domínios da Hidráulica Marítima.

À data, fiz uma tese relacionada com o transporte de sedimentos e erosões localizadas em estruturas offshore (como as que vemos serem aplicadas às turbinas eólicas). Depois do mestrado seguiu-se o doutoramento que dava continuidade a esta investigação e que me permitiu contactar de perto com empresas do setor da Hidráulica Marítima, participar em projetos de R&D&I que me desafiaram… e o meu percurso foi-se adensando. A ideia de o Homem, na sua pequenez e fragilidade, querer colocar infraestruturas no mar e vergá-lo às sua vontade pode ser uma ideia romântica, mas é também o que mais me fascina.

Como surgiu a oportunidade de fazer investigação na Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente do DEC/FEUP?

E no CIIMAR?

Com o decorrer da dissertação de mestrado em Londres e na FEUP as oportunidades foram surgindo, sobretudo após a atribuição da bolsa de doutoramento. Foram quatro anos na FEUP, com muitas horas dedicadas ao Laboratório de Hidráulica e outras tantas em diversas instituições com as quais a SHRHA e o DEC mantinham colaboração. Tive passagens pela Universidade Aalborg, pela Universidade de Stavanger, pela HR Wallingford, sempre em projetos de R&D em que a FEUP participava ou liderava.

Mafalda Leite Eunice Sousa

É preciso lutar por uma Economia do Mar que vá além da pesca e do turismo

Nota Biográfica

Apaixonado por Hidráulica Marítima, Tiago Ferradosa concluiu com sucesso o Mestrado Integrado em Engenharia Civil (2012) e o Programa Doutoral em Engenharia Civil (2018) na FEUP. Atualmente, está ligado ao DEC/FEUP e ao CIIMAR onde concentra a sua investigação na área das erosões em estruturas em ambiente marinho. Foi investigador na University College London (UCL) e Presidente da Rede de Jovens Profissionais da IAHR Portugal. Atua ainda como Presidente da Comissão Especializada em Água e Energia da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos.

É editor da International Association for Hydro-Environment Engineering and Research Newsflash Europe e co-Editor in Chief da revista científica Maritime Engineering.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 19 NOVOS TALENTOS

Quando me aproximava do final do doutoramento, a minha equipa liderada pelo professor Francisco Taveira Pinto tinha obtido financiamento da FCT para um projeto que se focava na análise de risco de fundações de eólicas offshore (projeto ORACLE). Acabei por ingressar nesse projeto, já como Pós-Doc. Posteriormente, tive a sorte de ser um dos investigadores abrangidos pelo Estímulo ao Emprego Científico da FCT e passei para os quadros do CIIMAR, embora mantivesse as minhas atividades diárias pela FEUP e pelo Laboratório de Hidráulica. Atualmente, vou desenvolvendo projetos onde a FEUP e o CIIMAR atuam de mãos dadas. Isto é algo que me dá bastante alegria, porque são casas cheias de valor e de pessoas dedicadas, cujo trabalho profissional eu admiro.

Quais as principais áreas da sua investigação?

Em virtude da multidisciplinaridade do Marine Energy Group (CIIMAR) e da SHRHA, tenho vindo a desenvolver investigação em diversas áreas, mas em geral todas elas se enquadram no domínio das Estruturas Offshore (por outras palavras, aquelas que colocamos em alto mar ou longe da costa). Dedico-me essencialmente ao estudo da estabilidade de fundações de eólicas, à previsão de fenómenos extremos e ao dimensionamento de sistemas de proteção para fundações. Vou tentando que a subunidade “Offshore Structures and Foundations” do Marine Energy Group se dedique também a outros domínios que são de relevo para o futuro, como a aquacultura offshore, a co-localização de aproveitamentos de energia do mar ou o desenvolvimento de ferramentas para a resolução de problemas da Engenharia Civil e da Hidráulica Marítima. Os nossos investigadores, a par com as equipas de coordenação do CIIMAR e do DEC, têm feito um esforço grande para que as nossas atividades não se executem de forma isolada, mas sempre em parceria porque isso permite-nos ter outro tipo de resultados.

Como vê a aposta no estudo da Ciência e da Hidráulica Marítima?

Existe mais consciência em relação à importância dos recursos que nos rodeiam e sustentam?

No que diz respeito à minha área de investigação, que é de resto transversal a outras linhas de pesquisa na Engenharia Civil, há ainda muito a ser feito. No caso das energias renováveis marinhas, e por inerência das eólicas offshore, a consciência do público português tem vindo a aumentar no que toca a reconhecer a importância do setor. A FEUP é um bom exemplo do ótimo trabalho que permite esse reconhecimento, ainda que o atual contexto internacional também chame a atenção para a necessidade de se investir neste setor, desenvolvendo mais e melhor know-how. Talvez as pessoas não tenham essa perceção, mas nesta matéria temos dos grupos mais produtivos do mundo, não só em termos de publicações científicas produzidas por investigador, mas também no contacto com empresas internacionais desta área. Neste momento, a nossa equipa já realizou projetos de consultoria avançada para países como a Bélgica, a França ou Dinamarca e está agora a entrar em realidades muito competiti-

vas como a dos Estados Unidos e Austrália, só para referir alguns exemplos. Do ponto de vista académico, temos vindo a destacar-nos com a atribuição de prémios. Acho que as diferentes classes da sociedade percebem a importância da investigação aplicada ao estudo das ciências do mar e da hidráulica marítima, principalmente à luz dos eventos geopolíticos mais recentes, na Europa e noutros palcos geográficos. No entanto, os nossos recursos são limitados, e por isso lidamos com dificuldades que são habituais em muitas áreas da investigação, como a falta de recursos humanos, de verbas, o excesso de burocracia associado às mais variadas vertentes do nosso trabalho. Estas lacunas não são novidade. Acho que o importante é focarmo-nos em tomar as melhores decisões possíveis para o futuro e lutar por condições que nos permitam aproveitar estes recursos naturais. Há que saber aproveitar as oportunidades já anunciadas para as energias marinhas, na aquacultura, na sustentabilidade de infraestruturas portuárias e noutras componentes da Economia do Mar. Só assim se cria a imagem de setores com vitalidade que atraem os mais jovens, as empresas e contribuem gerando riqueza efetiva. Temos equipas de investigação e empresas a prestar serviços e a trazer valor acrescentado para o estrangeiro, nomeadamente, para o norte da Europa. Se o fazem lá, certamente o podem fazer cá. É preciso lutar por uma Economia do Mar que vá além da pesca e do turismo, pese embora a importância destes.

Recentemente, tornou-se Professor Auxiliar no DEC. Como se pode fixar talento académico nesta área?

A Engenharia Civil tem vindo a enfrentar alguns “rótulos” que são um pouco injustos e que por vezes afastam os talentos desta área. Basta olhar para qualquer grande infraestrutura, obra ou empreendimento e rapidamente nos apercebemos que surge um coro de vozes a propósito dos impactos ambientais e da sustentabilidade. Nos domínios da Hidráulica, temas como as barragens, a energia hídrica e as estruturas de proteção costeira são sistematicamente conotados com alguma carga negativa. No entanto, acho que estes estigmas não poderiam estar mais desajustados da realidade. Repare-se que hoje não damos um passo na Engenharia Civil em que não tenhamos presente a necessidade de preservar o ambiente, as espécies e a necessidade de executar as coisas com responsabilidade. Temos vindo a fazer um caminho de desmistificação destes rótulos. É um processo difícil e demorado, mas penso que a sociedade está a perceber, a seu ritmo, que os Engenheiros Civis e a investigação neste domínio é crucial para a criação de um futuro que se pretende sustentável. Já a fixação de talentos académicos, em qualquer área, acontece quando se valorizam as pessoas. Isso passa por lhes dar condições de trabalho, em temáticas científicas de relevo e com impacto na malha social e empresarial, assim como procurar mais e melhor financiamento para investigação, proveniente das empresas e não apenas da FCT ou outras entidades semelhantes. Esse esforço tem vindo a ser feito na FEUP, mas claro que ainda há margem para evoluir e nós estamos cá para isso.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 20 NOVOS TALENTOS

ARMIS GROUP ANUNCIA LABORATÓRIO DE INOVAÇÃO NA FEUP

Depois de aderir ao Programa PRIME, o ARMIS Group anunciou a criação de um laboratório que pretende incentivar a cocriação, a investigação e o desenvolvimento de novas soluções e tecnologias na área da engenharia informática.

Éo mais recente laboratório do campus da FEUP e resulta de uma parceria do Departamento de Engenharia Informática (DEI) da FEUP com o ARMIS Group. Contribuir para a inovação baseada em resultados de investigação, através da promoção da inovação e competitividade das empresas no setor e fomentar a formação e o emprego científico qualificado está entre as prioridades enunciadas.

“Com esta parceria, pretendemos incentivar a cocriação de conhecimento e o desenvolvimento de tecnologias na área da engenharia informática, com especial foco nas áreas de inteligência artificial e cibersegurança”, esclarece Nuno Antunes, CEO do ARMIS Group.

“A inauguração deste laboratório vai permitir construir uma comunidade de conhecimento conjunto na área de engenharia informática de forma a promover o impacto prático da inovação no mercado”, perspetiva Carlos Costa, Chairman do grupo.

O grupo passa assim a ser “FEUP Prime Affiliate”, um programa que liga a faculdade a empresas e parceiros nacionais e internacionais para “valorizar o talento e o conhecimento”, e a estar ativamente envolvido no âmbito dos Lab@FEUP do DEI.

LABS@FEUP.DEI

“O ARMIS.Lab@FEUP reforçará as parcerias do DEI com o ARMIS Group e contribuirá simultaneamente para o avanço científico e tecnológico e para a formação de novas gerações de mestres e de doutorados em engenharia informática”, enfatiza João Cardoso, Diretor do DEI. Os Laboratórios Lab@FEUP são uma iniciativa do DEI, focada em investigação e inovação no contexto de desafios científicos e tecnológicos propostos por

empresas. São especialmente vocacionados para projetos de doutoramento e de mestrado, mas podem envolver outro tipo de projetos de I&D.

O 1º Lab@FEUP surgiu em 2019 com a SONAEIM e já permitiu colocar no mercado avanços tecnológicos e científicos em telecomunicações, retalho e cibersegurança no âmbito de desafios lançados por empresas como a InovRetail, a Bright Pixel, S21sec e WeDo.

FEUP PRIME: UMA PARCERIA DE INOVAÇÃO ESTRATÉGICA

Lançado em outubro 2018, o programa FEUP PRIMECorporate Membership Programme” pretende criar valor e vantagens competitivas para as empresas, estabelecendo uma conexão direta com as fontes de talento e de produção de conhecimento da faculdade. Contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de inovação aberta envolvendo empresas exportadoras, startups de base tecnológica e universidades, fonte de desenvolvimento económico e social da região e do país.

As empresas “PRIME Partners” investem num relacionamento estratégico e de longo prazo com a FEUP: passam a poder recrutar os melhores talentos, envolver os melhores estudantes em problemas concretos, trabalhar com os melhores investigadores em desafios societais e inovação de ponta, e envolver-se na vida da comunidade académica.

Até ao momento, o programa reuniu 15 empresas FEUP PRIME e 97 Affiliates, tendo recrutado mais de 300 graduados da FEUP. Participaram em mais de 50 consórcios de investigação e entregaram 22 prémios de mérito e bolsas de estudo, em 135 experiências de estágio proporcionadas.

Mais informações em www.fe.up.pt/prime

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 21 AS NOSSAS PARCERIAS
Raquel Pires D.R.

a viver a crédito do Planeta e das próximas gerações”

O caminho para a sustentabilidade pode ser sinuoso, mas as cartas já estão lançadas. A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) lançou no início do ano um projeto inédito de educação para o desenvolvimento sustentável - o EDS@FEUP.

Sensibilizar para a necessidade de adotar ferramentas e comportamentos que possam contribuir para um futuro comunitário assente em estratégias de sustentabilidade é o principal objetivo do EDS@FEUP.

A aposta na formação de docentes, a integração da Educação para o Desenvolvimento Sustentável em unidades curriculares selecionadas e a promoção de ações de caráter transversal são alguns dos diferentes eixos que vão nortear o projeto.

Jorge Moreira da Silva, antigo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, foi convidado a integrar este projeto que representa uma viragem na forma como se pretende educar os jovens estudantes da FEUP para as questões relacionadas com a sustentabilidade.

Na sua opinião, pode a sustentabilidade ser a chave para a resolução de desafios à escala global? De que forma?

O nosso modelo de desenvolvimento não é viável, nem é sustentável. A falta de ambição na resposta a desafios globais demonstra que estamos a viver a crédito do Planeta e das próximas gerações e que é urgente reabilitar o direito ao futuro.

O conceito de desenvolvimento sustentável – assente no tripé económico, social e ambiental e nos princípios de solidariedade intergeracional e de cooperação internacional – é aquele que mais se adequa à resolução dos grandes desafios globais e aos constrangimentos estruturais nacionais. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, assente em 17 objetivos - universais, interdependentes e ambiciosos -, traduz uma matriz que deve

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 22 AS NOSSAS PARCERIAS
“Estamos
D.R.
Mafalda Leite

orientar todas as políticas internacionais e nacionais, assim como as opções empresariais e as escolhas individuais. E se isso já era verdade no momento da sua aprovação em 2015, hoje revela-se verdadeiramente incontornável. No atual contexto de policrises – alterações climáticas, perda de biodiversidade, pandemia, inflação e guerra na Ucrânia – tornou-se ainda mais notória a natureza multidimensional dos desafios e ainda mais visível a interdependência entre todos os países.

Associa-se o desenvolvimento sustentável à dimensão ambiental, mas vai além disso. O que fazer para mudar este paradigma, sobretudo nas camadas jovens?

É um erro associar a sustentabilidade apenas às questões ambientais. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que concilie os objetivos económicos, ambientais e sociais. Precisamos de modelos de desenvolvimento económico e opções empresariais que evoluam da utilização intensiva de recursos naturais para a circularidade e para a eficiência; da produção e utilização de recursos fósseis para as energias renováveis e para a descarbonização; da mão de obra precária, com baixos rendimentos e pouco qualificada para a capacitação e valorização plena do capital humano; das desigualdades, entre homens e mulheres, no acesso ao trabalho e na remuneração salarial para uma verdadeira igualdade de oportunidades e para a conciliação entre trabalho e vida familiar; da poluição e destruição de biodiversidade para a remuneração dos serviços dos ecossistemas e valorização do capital natural. Hoje, os mais jovens estão fortemente alinhados com a agenda ambiental, mas existe ainda muito trabalho a fazer na mobilização para uma agenda mais abrangente de desenvolvimento sustentável, nomeadamente, no domínio social.

Falta proatividade à educação neste campo?

Os maiores desafios que hoje se colocam a nível nacional e internacional só podem ser ultrapassados com uma enorme aposta no conhecimento, na formação, na inovação e na tecnologia. O papel das instituições de ensino superior é, pois, crucial na promoção de um modelo de crescimento e de desenvolvimento sustentável.

Acredito, sinceramente, que a FEUP tem condições para assumir um papel internacional e nacional, ainda mais relevante nos temas do desenvolvimento sustentável, da revolução energética, da transição climática e da valorização do capital natural.

De que forma a política deve influenciar as tomadas de decisão relacionadas com a sustentabilidade?

São os cidadãos e as empresas que materializam a mudança dos padrões de consumo e produção na direção da sustentabilidade. Mas os governos têm um papel determinante na definição de políticas

que assegurem a salvaguarda dos direitos sociais e a internalização de todas as externalidades ambientais nos processos e produtos, na monitorização e avaliação das estratégias e políticas de desenvolvimento sustentável e nos mecanismos de financiamento.

Sendo impossível referir-me a todas estas dimensões das políticas públicas, permita-me que sublinhe o papel dos governos na criação de condições para que o investimento privado seja cada vez mais orientado para os desafios da sustentabilidade. Estamos perante uma enorme oportunidade de crescimento sustentável. As medidas de descarbonização na área da energia, exigindo 5 biliões de dólares por ano, podem gerar um adicional de 4% no PIB mundial até 2030 e quadruplicar o número de postos de trabalho na área das renováveis. Ora, à medida que o enquadramento regulatório avança (nomeadamente com a recente aprovação da taxonomia europeia para finanças sustentáveis e as normas da OCDE para blended finance e investimento de impacto), são crescentes os sinais de maior envolvimento do sistema financeiro na agenda do desenvolvimento sustentável. As tendências são muito positivas: em 2021, o volume de finanças sustentáveis (seguindo os padrões ESG) atingiu 35 biliões de dólares, o investimento de impacto atingiu 1.2 biliões de dólares e as obrigações verdes atingiram 600 mil milhões de dólares.

Portugal não se pode limitar a encarar as oportunidades do investimento sustentável na sua vertente pública ou comunitária (designadamente, via PRR); é crucial criar condições para atrair investimento privado associado ao ESG, investimento de impacto e obrigações verdes.

Se pudesse implementar uma ou duas medidas para salvar o planeta, quais seriam?

O nosso maior desafio ambiental, mas também social e económico, é o combate às alterações climáticas. O cumprimento e reforço do Acordo de Paris é a última oportunidade de que dispomos para enfrentar a mudança climática. Mas é também a nossa melhor oportunidade para relançar o crescimento e criar emprego.

Apesar dos progressos, estamos muito aquém do necessário. Em primeiro lugar, existe uma notória incoerência entre a ambição necessária para atingir o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5⁰C e os compromissos de redução das emissões apresentados pelos quase 200 países signatários do Acordo de Paris (o que na prática nos coloca numa trajetória de aumento da temperatura 2,6⁰C). Logo, é urgente rever as metas nacionais em 2023.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 23 AS NOSSAS PARCERIAS

Em segundo lugar, existe uma notória incoerência entre os anúncios de neutralidade carbónica para 2050, por parte de mais de uma centena de governos, e a ausência de políticas consistentes de redução das emissões nos próximos oito anos. Os países comprometeram-se em reduzir as emissões em 45% até 2030, mas o somatório das diversas metas nacionais aponta para uma redução de apenas 5%.

Exemplos de ações que considere um verdadeiro exemplo de compromisso para com as políticas de sustentabilidade?

Este é o momento de avançar para a concretização de um menu de políticas climáticas que é conhecido há muito tempo e que tarda, em muitos países, por falta de coragem: rever as metas de redução das emissões para níveis mais exigentes e compatíveis com o objetivo de limite do aumento da temperatura a 1,5⁰C; eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis (que recebem cinco vezes mais apoios do que as energias renováveis); avançar para novas medidas de fiscalidade verde (seja penalizando atividades e comportamentos insustentáveis através de taxas de carbono, seja atribuindo incentivos fiscais que remunerem a sustentabilidade).

Nota Biográfica

Jorge Moreira da Silva é Professor Catedrático Convidado da FEUP. Foi Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE; Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia; Gestor do Programa Global de Financiamento à Energia e às Alterações Climáticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP); Consultor do Presidente da República nas áreas da Ciência e Ambiente; Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território; Secretário de Estado da Ciência e do Ensino Superior; Deputado; Eurodeputado (e relator permanente do Parlamento Europeu para as Alterações Climáticas).

É licenciado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (área de Energia) pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com uma pós-graduação em Alta Direção de Empresas pela AESE/IESE Business School da Universidade de Navarra.

É essencial promover a interligação, à escala global, de vários sistemas de comércio de emissões (inspirados no sistema europeu que vigora desde 2005); reforçar as interligações energéticas na União Europeia; assegurar, já nesta década, 100% de eletricidade renovável, erradicando o uso de carvão, massificando a utilização das energias renováveis tecnologicamente maduras e avançando para uma nova geração de tecnologias renováveis.

O futuro passa por acelerar a transição para a mobilidade elétrica e interditando a venda de novos veículos a combustão a partir de 2025; por aumentar a eficiência energética e hídrica nos edifícios e promover a reabilitação urbana em detrimento da nova construção; introduzir mais restrições à entrada e circulação de automóveis nas cidades, atribuindo as receitas de eventuais portagens ao financiamento dos transportes públicos, cuja rede, qualidade e interoperabilidade tem de ser reforçada; utilizar plenamente o potencial da inteligência artificial e do big data, para impulsionar a inteligência e sustentabilidade das cidades; investir na resiliência dos territórios e em medidas de adaptação às alterações climáticas; remunerar os serviços dos ecossistemas e o valor da floresta enquanto sumidouro de carbono.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 24 AS NOSSAS PARCERIAS

FEUP no pódio das energias renováveis

Oenfoque são as energias renováveis, mas quem se destacou foi Mário Couto, João Pacheco e Rodrigo Afonso, três alumni da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), recentemente premiados na edição 2022 do Prémio APREN, promovido pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).

Motivo: o excelente nível das dissertações académicas apresentadas sobre a temática da eletricidade de origem renovável.

Mário Couto, alumnus do Doutoramento em Sistemas Sustentáveis de Energia, arrecadou o primeiro lugar na categoria “Doutoramento”. O trabalho premiado focou-se no desenvolvimento de funcionalidades de controlo com o propósito de melhorar a flexibilidade e a resiliência da rede elétrica. Contou com orientação de João Abel Peças Lopes, professor catedrático do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e de Carlos Moreira, também docente no DEEC.

O segundo prémio foi entregue a João Pacheco, que concluiu o Programa Doutoral em Engenharia Civil no ano letivo passado. O trabalho orientado por Filipe Magalhães, professor associado e Álvaro Cunha, professor catedrático do Departamento de Engenharia Civil da FEUP, foi desenvolvido no Instituto de I&D em Estruturas e Construção (CONSTRUCT). Enquadra-se na linha de investigação sobre monitorização e modelação estrutural de geradores eólicos onshore e flutuantes e tem por objetivo desenvolver estratégias de monitorização de parques eólicos otimizadas para avaliar performance estrutural e tempo de vida consumido. Esta monitorização dos vários aerogeradores teve o apoio da EDP Renováveis, da VESTAS e do INEGI.

O Prémio APREN 2022 distinguiu ainda Rodrigo Afonso, antigo estudante do Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores da FEUP, com o primeiro lugar na categoria “Mestrado”. O trabalho partiu da identificação de produtos balanço para a melhoria do comportamento dinâmico de sistemas elétricos com reduzida inércia e foi também orientado por João Abel Peças Lopes.

Três dissertações de antigos estudantes da Faculdade de Engenharia foram distinguidas pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis.
D.R. ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 25 FEUP À CONQUISTA
Mafalda Leite

Investigadores da FEUP rumo aos EUA

É a oportunidade de uma vida: três investigadores da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) foram distinguidos com Bolsas Fulbright que lhes garantem acesso a universidades e centros de investigação nos Estados Unidos da América. E a possibilidades de colaboração com equipas de topo nas suas áreas de investigação.

Entre catalisadores inovadores capazes de acelerar a degradação de poluentes no tratamento de águas, até ao desenvolvimento de tecnologia catalítica isenta de metais nobres que possam ser usados na produção de hidrogénio verde a baixo custo, passando pela aplicação de inteligência artificial na gestão de dados clínicos que possam apoiar à decisão médica, há uma certeza: os três investigadores da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) distinguidos com Bolsas Fulbright estão entusiasmados com o futuro. Ou não fosse esse um dos motivos pelos quais se dedicam à investigação científica, acreditar que cada passo poderá ser uma contribuição para algo maior, capaz de mudar a vida das pessoas.

Ana Sofia Gorito dos Santos é estudante de doutoramento em Engenharia Química e Biológica na FEUP. O seu trabalho de investigação, que decorre no Laboratório de Processos de Separação e Reação (LSRE) - Laboratório de Catálise e Materiais (LCM), centra-se no desenvolvimento de uma tecnologia catalítica inovadora para a eliminação simultânea de poluentes orgânicos e inorgânicos presentes na água. A atribuição da Bolsa Fulbright vai permitir aprofundar conhecimentos na Universidade do Texas, em Austin (EUA), por um período de seis meses, como investigadora visitante.

“Um catalisador tem como função promover e conduzir uma reação específica de forma a obter os produtos de reação desejados com a minimização dos subprodutos indesejados. No caso específico da aplicação de catalisadores no tratamento de águas procuramos que estes acelerem a degradação de poluentes que possam estar presentes ou convertam estas espécies indesejáveis em compostos ambientalmente mais compatíveis”, explica a investigadora.

De partida para o City College of New York está Rui Ribeiro, investigador pós-doc também no LSRE-LCM da FEUP, onde se dedica ao desenvolvimento de materiais à base de carbono para aplicações ambientais e conversão de energia eletroquímica. Os seis meses em Nova Iorque, com a equipa de investigação liderada pela professora Teresa Bandosz, vão dar-lhe

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 26 FEUP À CONQUISTA
Pires D.R.
Raquel

a oportunidade de desenvolver catalisadores com materiais sustentáveis à base de carbono com propriedades melhoradas para duas reações eletroquímicas que estão atualmente a dificultar a implementação de células de combustível regenerativas unitizadas. Isso permitirá aumentar a viabilidade da utilização generalizada do hidrogénio como vetor energético, contribuindo para a transição energética e a descarbonização.

“A médio-longo prazo, esta tecnologia poderá fazer de Portugal um País exportador de energia elétrica – com todas as vantagens económicas adjacentes - e a população poderá usufruir da melhoria da qualidade do ar inerente à menor utilização de combustíveis fósseis”, reconhece Rui Ribeiro.

Entusiasmado com esta viagem, o investigador da FEUP atribui-lhe grande importância quer no plano profissional, como pessoal realçando “a oportunidade de viver e ser um embaixador da cultura portuguesa na vibrante e cosmopolita cidade conhecida como capital (multicultural) do Mundo”.

Recorde-se que as Bolsas Fulbright para Investigação com o apoio da FCT destinam-se a bolseiros(as) de doutoramento diretamente financiados pela FCT que tenham previsto ou venham a prever, no âmbito do seu plano de formação, a realização de um período de investigação numa universidade ou centro de investigação norte-americano.

“I WANT YOU TO BE A SPONGE HERE”

João Matos também integra esta pool de bolseiros Fulbright para 2022/2023. É estudante de mestrado em Engenharia Biomédica na FEUP e vai desenvolver a sua tese de mestrado no Laboratório de Fisiologia Computacional, no Massachusetts Institute of Technology (MIT).

“Ser premiado com esta bolsa abriu portas para a realização de um sonho. Viver no campus do MIT e trabalhar com alguns dos melhores investigadores na área significa viver imerso num ambiente de networking e aprendizagem altamente dinâmico.

Com consciência disso mesmo, sigo, todos os dias, o conselho que o Leo Anthony Celi, meu orientador, me deu: I want you to be a sponge here”, admite João Matos. “Estou extremamente motivado para aprender tanto quanto possível, tirar o máximo partido desta oportunidade e criar contactos para alavancar futuros projetos”.

Durante este ano letivo no MIT, o estudante de engenharia biomédica vai dedicar-se ao desenvolvimento, modularidade e automatização das bases de dados de Informação médica disponíveis ao público em Cuidados Intensivos, “o que é da maior relevância no contexto da investigação reprodutível, diminuindo as barreiras ao acesso aos dados de saúde globais”, atesta. Impulsionado pela vontade de ter um impacto na saúde e qualidade de vida das pessoas, João Matos quer reunir a inteligência artificial e os dados clínicos, alimentando uma revolução universal de apoio à decisão médica.

Algures nesta estadia por terras de tio Sam, confessou-nos que quer ter tempo para poder dedicar-se ainda ao desenvolvimento de algoritmos de reinforcement learning para modelar os níveis de glicose em pacientes que receberam infusão de insulina na unidade de cuidados intensivos.

Esta não será a estreia de João Matos em missões internacionais. Participou no programa ERASMUS+ na Bélgica e viveu meio ano no Japão ao abrigo do programa Vulcanus, e sente-se “extremamente grato por agora ter uma experiência de intercâmbio nos Estados Unidos, com a perspetiva de concluir o mestrado com uma visão alargada – muito minha –de algumas das culturas mais distintas do mundo”.

A participação de João Matos no programa de Bolsas Fulbright insere-se numa modalidade apoiada pela FLAD - Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, destinada a estudantes de mestrado em universidades portuguesas que queiram realizar um período de investigação numa universidade ou centro de investigação norte-americano.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 27 FEUP À CONQUISTA

Engenharia e Políticas Públicas: um relacionamento virtuoso

Uma relação harmoniosa entre a Engenharia e os processos de decisão que dão forma às Políticas Públicas constitui um elemento essencial à plena realização de uma e de outros. De facto, uma Engenharia que não tem em vista a satisfação das necessidades societais tende a fechar-se sobre si mesma e a tornar-se pouco relevante ou, na melhor das hipóteses, relevante só para alguns. Também, processos de decisão que não se apoiem no melhor conhecimento científico e não façam uso da melhor capacidade técnica disponível, dificilmente conduzirão a políticas públicas capazes de servir as pessoas e de contribuir para melhorar as suas vidas.

Numa escola de engenharia como a FEUP, o reconhecimento da importância desse relacionamento virtuoso tem que ser levado a sério. Por esse motivo os seus Estatutos estabelecem que, além de se dedicar à criação, transmissão e difusão do conhecimento, da tecnologia e da cultura na área da Engenharia, a FEUP “prossegue atividades de extensão e de valorização de conhecimento numa contribuição ativa para o desenvolvimento económico e social da região em que se insere e do País”.

É sobre a forma de contribuir para esse desenvolvimento que procuramos refletir aqui. Entendemos que são, sem dúvida, muito valiosas as ações que as pessoas e as organizações da FEUP realizam de há muito, de ligação às empresas, de criação de valor, de participação em entidades de certificação e standardização, de intervenção nos média. Defendemos porém que é necessário incrementar e enquadrar essas ações num contexto mais ambicioso, passando para um patamar mais elevado, e mais alargado, de reconhecimento e de intervenção na opinião pública. Por isso, entendemos ser importante encontrar formas de reforçar o papel da FEUP, e da Engenharia em geral, na definição de políticas públicas e na intervenção nos processos de decisão de forma a contribuir mais efetivamente para esse desenvolvimento.

De entre as ações que têm vindo a ser lançadas na FEUP com esse objectivo geral em mente, destacamos aqui três: o arranque, em 2011, do Programa Doutoral em Engenharia e Políticas Públicas (PDEPP); a criação de um grupo de trabalho que, em 2016, produziu um relatório sobre o reforço da participação em Políticas Públicas e, finalmente, o lançamento de um ciclo de Seminários de EPP que vai ter a sua 3ª edição em 2023.

O PDEPP, Programa Doutoral em Engenharia e Políticas Públicas, teve a sua primeira edição no ano letivo de 2011/12, e resultou de uma colaboração muito próxima com a Universidade de Carnegie-Mellon (CMU), no âmbito do Programa CMU|Portugal. O plano de estudos foi desenhado de modo a permitir o alinhamento com requisitos de CMU, permitindo aos estudantes realizar trabalho curricular e de investigação nas duas universidades, e obter dupla titulação (dual degree), isto é, graus de Doutor atribuídos pelas universidade do Porto e de Carnegie-Mellon.

O desenho, estrutura e objetivos do programa foram fortemente influenciados pela forma como a área de EPP é abordada no Departamento de Engineering and Public Policy de CMU. Na altura o departamento era liderado pelo Prof. Granger Morgan, um pioneiro desta área científica, que connosco colaborou na lecionação de disciplinas e co-orientação de estudantes do PDEPP da FEUP. Interessou-nos particularmente a sua visão de que “technology matters” e de que a interação entre Tecnologia e Sociedade coloca problemas complexos, definidos de forma imprecisa ou incompleta, de natureza multidisciplinar, que requerem conhecimentos, abordagens e métodos próprios.

O Programa pode não ter atingido os patamares que ambicionávamos em termos de números de estudantes inscritos e de impacto da investigação produzida. Entendemos, no entanto, que se trata de uma aposta que tem que ser continuada e reforçada, por constituir um alicerce essencial na estruturação e fundamentação teórica de uma área científica com a abrangência e interdisciplinaridade de EPP.

José Silva Matos* D.R.

Um Grupo de Trabalho foi criado em 2016, coordenado pelo Prof. Artur Pimenta Alves, com o objetivo de “refletir sobre uma estratégia da FEUP para reforçar a sua notoriedade junto da Sociedade em Geral, através da maior participação na construção e debate das Políticas Públicas e na organização/participação de eventos que divulguem a Cultura da Engenharia nos aspetos científicos, sociais e humanos”.

No Relatório Final, é dado relevo à conclusão de um parecer da UNESCO sobre a importância de conferir ao Engenheiro e às Engenharias um papel primordial na conceção de Políticas Públicas, e é produzido um conjunto de recomendações sobre formas de atingir os objetivos procurados. Essas recomendações são consideradas em diferentes planos (organizacional, de selecção de áreas estratégicas, de tipologia de acções a desenvolver e de parcerias externa a procurar), e algumas mantêm hoje inegável actualidade. Poderão, por isso, constituir uma excelente base para um trabalho mais focado na identificação de estratégias a considerar e de ações a desenvolver.

A organização de um ciclo de seminários de EPP na FEUP foi uma das recomendações acima referidas, mas é uma intenção tão antiga quanto a de criar um Programa Doutoral de EPP. O convite dirigido pelo então Diretor da FEUP, Prof. João Falcão e Cunha, em 2021, para a sua organização foi prontamente aceite. A sua implementação foi norteada pelo objetivo de promover o papel da Engenharia nos processos de decisão política, atribuindo-lhe um papel mais central no desenho de políticas públicas.  Foi no entanto, e intencionalmente, temperada em termos de ambição: sessões abertas ao público mas tendo como alvo principal uma audiência da FEUP. As sessões tiveram a coordenação de pessoas da FEUP e convidados externos, especialistas numa determinada área, a quem foi pedido para falar para especialistas de outras áreas, numa linguagem que um pú-

blico informado pudesse compreender. Todas as sessões dos dois primeiros ciclos (2021 e 2022) foram gravadas em vídeo, e estão disponíveis em  www.fe.up.pt/engenhariapoliticaspublicas

O 3º ciclo destes Seminários está agora em preparação, para lançamento no princípio de 2023. Os objectivos são os mesmos, mas a ambição é maior. Queremos manter alguma informalidade, que nos permita trocar ideias de forma despreocupada, mas também conseguir maior impacto e maior visibilidade que leve outros a quererem saber mais sobre as análises e as propostas da FEUP. Para tal, continuará a contar-se com o envolvimento de docentes, investigadores, técnicos e estudantes de doutoramento da FEUP na identificação, apresentação e discussão de temas interdisciplinares, em sessões que contarão com convidados que nos ajudarão a perceber melhor esses temas e até a encontrar áreas em que o saber de cada um de nós possa aumentar e somar-se a outros saberes para produzir algo de maior.

Em resumo, e em jeito de conclusão, Engenharia e Politicas Públicas (EPP) constitui uma área científica bem identificada, interdisciplinar por natureza, caracterizada por uma metodologia própria, que aborda questões complexas, com interações com as ciências sociais, e em que um profundo conhecimento das questões de natureza tecnológica constitui uma exigência fundamental. Daí a relevância que damos ao “E” de EPP. Daí, também, defendermos que o reforço do papel da Engenharia no seu relacionamento com as Políticas Públicas deve nortear a estratégia da FEUP nesta área, e deve continuar a ser um objetivo importante das suas atividades.

* Professor Catedrático Jubilado da FEUP * Ex-Diretor do Programa Doutoral em Engenharia e Políticas Públicas
ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 29 ADN FEUP
* Ex-Diretor do Programa Doutoral em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores
...entendemos ser importante encontrar formas de reforçar o papel da FEUP na definição de políticas públicas e na intervenção nos processos de decisão, de forma a contribuir mais efetivamente para o desenvolvimento do País.

“A FEUP vai progressivamente fazendo cidade”

Paulo Pinho é um dos principais especialistas portugueses em mobilidade urbana e há 20 anos foi o responsável pela coordenação do Plano de Expansão do Metro do Porto, “projeto de investigação aplicada” que veio revolucionar para sempre a área metropolitana do Porto. A seu cargo teve ainda os Planos Regionais de Ordenamento do Território dos Açores e da Madeira, vários Planos Diretores Municipais e o Plano de Mobilidade e Transportes de Matosinhos. É o fundador do CITTA - Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente - que coordenou até 2022.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 30 AS NOSSAS PESSOAS
Mafalda Leite D.R.
Fotografia: Egídio Santos

Há 23 anos a FEUP mudou-se para o campus da Asprela, à época o maior edifício público construído em Portugal. O que representou em termos urbanísticos e da mobilidade esta obra?

Devo dizer que, em contraste com o entusiasmo da maioria dos meus colegas, acompanhei o desenvolvimento do projeto da nova Faculdade com alguma preocupação inicial. Esta preocupação não tinha a ver com a solução arquitetónica que os arquitetos Pedro Ramalho e Luís Ramalho desenvolveram, e que deram origem a um notável conjunto edificado que, 20 anos passados, mantém a sua qualidade, funcionalidade e intemporalidade. Se, por um lado, enquanto docente da casa, sentia que as condições de trabalho iriam melhorar bastante, como se veio a verificar com o agrado de todos, por outro, sabia que iria deixar o centro da cidade para trás, centro esse que, já então, dava sinais de algum declínio, que veio a agravar-se nos anos seguintes. Vivi em Glasgow entre 1981 e 1985, para prosseguir a especialização e o doutoramento na área do Planeamento Urbano, e tive a oportunidade de vivenciar os profundos efeitos do declínio central das cidades que se seguiram aos anos 60 de prosperidade e expansão, de que Glasgow, na Europa, era um dos exemplos mais paradigmáticos.

Só que as cidades são entidades vivas, sempre em transformação, e aos tempos de declínio sucederam-se, numa primeira fase, e em reação, um tempo de forte investimento público na reabilitação urbana e, logo a seguir, um período de enorme efervescência imobiliária na reabilitação dos edifícios degradados e vazios da cidade, em grande medida associado, e como resposta, ao êxito do Porto como destino turístico. E com o sucesso turístico se resolveram velhos problemas, e se criaram, (in)evitavelmente, outros novos.

A esta distância, devo relativizar as minhas preocupações iniciais, e reconhecer, com satisfação, que a passagem da FEUP para a Asprela, sob a liderança competente e empenhada do Prof. Marques dos Santos, então Diretor da FEUP, trouxe uma nova vida à Faculdade e contribuiu decisivamente para o seu desenvolvimento, prestígio e afirmação nacional e internacional. Até a cidade veio a perdoar a deslocalização da FEUP e se tem vindo a aproximar. Em sinal de retribuição, a FEUP vai progressivamente fazendo cidade, à medida que à sua volta o Campus se vai desenvolvendo e consolidando.

Esteve desde o início ligado à criação de ciclos de estudo nas áreas de planeamento do território e projeto urbano. O que o motivou a colocar estas áreas “no mapa” da educação em engenharia?

Creio que está a referir-se aos cursos de Mestrado e

Doutoramento na área do Planeamento, uma vez que a especialização em Planeamento Territorial, fundada pelo Prof. Valente de Oliveira no âmbito do curso de Engenharia Civil, já vem dos anos 70 (o ano de 2022 assinala 50 anos).

Começando pelo curso de Mestrado, inicialmente designado de Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano (corresponde ao atual Mestrado em Planeamento e Projeto Urbano), tratou-se de uma iniciativa conjunta da FEUP e da FAUP, sendo do lado desta, impulsionada pelos Profs. Nuno Portas e Fernandes de Sá, e do nosso lado, por mim e pela Profª. Isabel Vazquez. O curso dirigia-se maioritariamente aos nossos estudantes de licenciatura em engenharia e arquitetura, recebendo também estudantes com outras formações. Em meados dos anos 90, começaram-se a formar os primeiros mestres em Planeamento Urbano. O sucesso foi imediato. O curso ia abrindo portas no mercado de trabalho, ou permitindo a progressão no emprego, nomeadamente nas autarquias locais.

Todos os anos o curso tinha (e ainda tem, agora sob a direção do Prof. Brandão Alves) muito mais candidatos que lugares a oferecer. Ao longo da última década, o número de estudantes estrangeiros aumentou rapidamente, estando atualmente, em larga maioria, gerando um ambiente de ensino e aprendizagem particularmente estimulante e desafiador. E apraz-me registar, que embora a FEUP e a FAUP tenham culturas e formas de estar e de ensinar/aprender muito distintas, a parceria entre estas escolas se tem mantido ao longo dos anos em moldes muito semelhantes aos inicialmente acordados.

A criação do Programa Doutoral em Planeamento do Território (PDPT) culmina a formação nesta área científica na FEUP, que assim se reparte pelos três ciclos dos estudos universitários. Há muito que se vinha a sentir a necessidade de criação de um programa doutoral exclusivamente dedicado ao Planeamento Territorial e a iniciativa da sua criação em 2012/13 foi e continua a ser inédita no panorama do ensino superior universitário em Portugal. Os trabalhos preparatórios de conceção e organização contaram com a colaboração da Prof.ª Isabel Vazquez, e do Prof. Paulo Conceição, a que veio juntar-se depois a FCTUC pela mão do Prof. António Pais Antunes, com quem vínhamos a negociar o alargamento do CITTA aos investigadores da área dos Transportes e do Planeamento da Universidade de Coimbra.

O que impulsionou a criação do CITTA e que conhecimento multidisciplinar é que veio trazer?

Devo confessar que das diversas iniciativas que tenho liderado ou participado na FEUP, a criação do CITTA foi, talvez, a mais desafiante e apaixonante para mim. A ideia começa a tomar forma logo a seguir à nossa passagem para a Asprela. Não eram só as maiores e melhores condições de trabalho que passamos a ter que suscitavam o abraço de novos desafios, era também a perceção que a FEUP estava a mudar e, na verdade, todo o sistema de investigação em Portugal com o impulso decisivo do então Ministro Mariano Gago.

Tornava-se claro, pelo menos para alguns de nós, que o futuro da universidade portuguesa dependia do modo como progredissem e se afirmassem internacionalmente as suas atividades de investigação, uma vez que, na maioria dos casos e certamente na FEUP, o desafio do ensino de qualidade há muito que estava ganho, como era aliás amplamente reconhecido, quer no plano nacional quer no internacional.

No início da década de 2000, a investigação no DEC era organizada em torno de um único centro de investigação, o CEDEC, que congregava todas as áreas de especialização da engenharia civil; estruturas, construções, materiais, geotecnia, hidráulica, vias de comunicação e planeamento. No processo de avaliação da FCT que se seguiu, salvo erro em 2002 ou 2003, o painel de avaliadores externos criticou a excessiva heterogeneidade das áreas científicas e recomendou a sua subdivisão de forma a salvaguardar uma maior coerência interna, em termos das áreas de investigação nucleares. Surgiu assim o CITTA, na altura com apenas cinco investigadores doutorados, agregando as áreas do Planeamento do Território e das Vias de Comunicação. Os primeiros anos não foram fáceis para o novo Centro e tivemos que rapidamente virar-nos para as candidaturas aos fundos europeus que iam dando os seus frutos, ao ponto de sermos contactados por colegas da FCTUC que nos propuseram a sua integração no CITTA. A reorgani-

zação que se sucedeu, representou uma verdadeira refundação do CITTA, agora com dois polos, no Porto e em Coimbra, a reforçar os seus laços internacionais e a sua investigação de cariz multidisciplinar. Neste processo de desenvolvimento, ultrapassamos os 100 investigadores integrados, 50% dos quais com doutoramento, atingindo a classificação de Excelente na última avaliação da FCT.

O que espera da FEUP daqui a 20 anos?

Em Planeamento costumamos dizer que o futuro não se prevê, prepara-se! E para preparar o futuro da FEUP, os seus diversos corpos têm sabido escolher as sucessivas lideranças, de que a recente eleição do Prof. Rui Calçada é mais um bom exemplo. Se há coisa que muito prezo na FEUP é o espírito critico, aberto e frontal, mas igualmente de profundo respeito pelas diferenças de opinião. Tal característica alimenta um ambiente saudável e intelectualmente estimulante que impregna a forma de ser e de estar da FEUP, num aparente desprendimento à casa que somos. Certamente que iremos continuar a saber ensinar, investigar e influenciar as políticas públicas, mas cada vez mais se exige saber “ensinar para aprender”, “ensinar para investigar” e para exercer os direitos e deveres de cidadania ativa.

Com a aceleração da história, das ideias e do conhecimento científico, este tem vindo a banalizar-se, à medida que as formas de acesso se multiplicam, se facilitam e se generalizam. Como é bem sabido, o grande desafio que se coloca no futuro ao processo de ensino/aprendizagem é dotar os estudantes de capacidades e competências, profissionais e (inter) pessoais, mas também intemporais e interritoriais. Por outras palavras, capazes de formar engenheiros, com a capacidade de se adaptarem aos mais diversos contextos, formas e estilos de trabalho, garantindo, em simultâneo, que onde quer que estejam, sejam capazes de coordenar e liderar equipas multidisciplinares e multiculturais, sem perder de vista a dimensão social e ambiental da atividade que exercem.

Na FEUP, o desafio do ensino de qualidade há muito que estava ganho

Tal como o CITTA, os projetos de grandes dimensões, como o desafio de planear a expansão do Metro do Porto, são trabalhos de equipa, em que o rigor do diagnóstico, a fundamentação técnica e científica da estratégia de atuação, e a pertinência das propostas finais, espelha a qualidade da equipa de trabalho que está por trás. Embora se tratasse de uma encomenda à FEUP de natureza profissional, encarámos este trabalho como um verdadeiro projeto de investigação aplicada. Tínhamos consciência da sua importância para a cidade e para toda a Área Metropolitana do Porto (AMP), e estávamos seguros de que possuíamos o know-how nas várias valências e áreas de competência que deveriam concorrer para que a obra viesse a ter efetivas consequências e deixasse uma marca nos investimentos subsequentes na expansão da rede.

As expectativas da Direção da Metro e da Junta Metropolitana apontavam para a extensão das linhas existentes sobre novos territórios mais periféricos e, dessa forma, os municípios da AMP ainda não servidos. Em 2006, à medida que o trabalho ia avançando, tornava-se claro que a expansão da rede teria de inverter a estratégia seguida na primeira fase de investimentos e que resultou numa rede radial composta por dois eixos, um Norte-Sul, que servia a Asprela, e o outro Este-Oeste, concentrando várias linhas cujas

pontas se abriam em várias direções. Com efeito, toda a evidência científica mostrava que o sucesso de uma rede de metro está profundamente ligado ao modo como ela se insere no território, privilegiando as áreas de maior densidade de pessoas, empregos e serviços, e os trajetos que correspondem às efetivas necessidades de deslocação das pessoas. Por outro lado, era preciso atender à natureza genuinamente policêntrica da Área Metropolitana do Porto e à constituição de uma verdadeira estrutura reticular que permitisse introduzir a flexibilidade de movimentos que a rede inicial não permitia.

Fácil será concluir que entre a visão técnica, alicerçada na evidência científica, e a visão política, influenciada pelas estruturas de decisão da Metro do Porto e da Junta Metropolitana, se desenhava um espaço de divergência que importava encurtar num processo de diálogo e convergência que veio a acontecer e a ser transposto para um Memorandum de Entendimento assinado com o governo. Infelizmente estávamos então perto da profunda crise económica que o país atravessou entre 2011 e 2015, e que resultou no adiamento dos investimentos na expansão do Metro do Porto. Mais recentemente, e em boa hora, os investimentos vieram a ser retomados, e com um novo impulso, pese embora todos os transtornos que têm causado e que irão ainda causar nas frentes de obra espalhadas pela cidade.

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 33 AS NOSSAS PESSOAS
A COORDENAÇÃO DO PLANO DE EXPANSÃO DO METRO DO PORTO: DOS DESAFIOS À MARCA NA CIDADE

MISSÃO: ESTAR ONDE É MAIS PRECISO

abrir os olhos e ver a rede mosquiteira a abraçar-me a cama, que vou abrir a porta e ver alguém a varrer

Regressei de Moçambique da missão do GASPORTO (Grupo de Ação Social do Porto) há pouco mais de três meses, e é ainda muito difícil traduzir em palavras uma experiência tão transformadora e que tem ainda uma carga emocional tão poderosa.

Sempre quis fazer voluntariado, mas encontrar a Casa certa para o poder concretizar foi um processo demorado. De cada vez que me cruzava com o GASPORTO, nos corredores da FEUP, tinha sempre a desculpa perfeita e que, invariavelmente, tinha que ver com falta de tempo. Na verdade, ao longo dos últimos quatro anos a servir neste grupo, percebi que, na realidade, não temos falta de tempo: temos apenas hierarquias de valores que nos levam a adiar decisões.

O GASPORTO não é apenas uma ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, é uma Escola de Vida, que nos ensina a olhar o mundo com mais amor, a perceber a importância

das pessoas, a criar relações com respeito e igualdade e, fundamentalmente, a estar onde é mais preciso.

Ir em missão internacional sempre foi um sonho, mas as responsabilidades nunca o permitiam. E assim, fui aprendendo a estar onde era mais preciso... Nas atividades do meu voluntariado semanal, em fins de semana de trabalho, missões nacionais, angariações de fundos, etc. Este ano, finalmente, tive a sorte de tudo se conjugar para que tivesse oportunidade de ir.

“São seis da manhã e acordei a pensar que ainda estou na Macia. Ainda consigo ouvir o imenso barulho das ruas e dos mercados. Penso que vou
o pátio, como que a pentear a terra... a apagar as pegadas de ontem... a preparar o novo dia.

Macia foi a vila moçambicana onde estive em agosto e setembro com mais quatro voluntários, e onde pudemos Estar realmente na comunidade, testemunhando e contribuindo para o impacto que o GASPORTO tem em Moçambique.

Durante os dois meses de missão, tivemos oportunidade de conhecer in loco os três Programas de Cooperação para o Desenvolvimento do GASPORTO: Crescer de Mãos Dadas, é um programa de apadrinhamento de crianças órfãs ou vulneráveis, que apoia cerca de 100 crianças e as suas famílias, garantindo o acesso à educação, à saúde e a bens primários, com acompanhamento contínuo do seu percurso escolar e familiar. Kukula é um centro de educação e de desenvolvimento infantil que integra quatro centros de explicações onde se pretende reforçar o ensino do Português e da Matemática, facilitando a aprendizagem das crianças. Pfuka U Famba (que significa Levanta-te e Anda, em changana) foi o primeiro programa a ser desenvolvido pelo GASPORTO em Moçambique.  É um centro de reabilitação nutricional para crianças com subnutrição, sinalizadas pelos serviços de saúde locais, que providencia leite e papas enriquecidas e promove, junto das mamãs, formações regulares para a sua capacitação e autonomia.

Sempre em colaboração com os profissionais locais que trabalham ao longo do ano em cada um dos projetos, desenvolvemos formações e atividades para as mamãs e bebés do Pfuka, ajudamos na reabilitação e manutenção de alguns dos espaços e planeamos e desenvolvemos atividades e dias diferentes para as crianças do Kukula e para os afilhados do Crescer de Mãos Dadas.  Desta forma, pudemos perceber o impacto que o GASPORTO tem na Macia e testemunhar em primeira mão a diferença que faz na vida das centenas destes bebés, crianças e jovens. Algo que não temos noção, verdadeiramente, por mais que ouçamos os relatos.

Servir numa realidade tão diferente da nossa é perspetivar tudo o que somos e temos, através de uma oportunidade de crescimento inacreditável, com ensinamentos marcantes para a vida.  Marcou-me, sem dúvida, a simplicidade da vida. Aperceber-me o quão em excesso vivemos. Aprendi que precisamos de tão pouco. Marcaram-me as mulheres. As mamãs guerreiras, cheias de matimba (força). As mamãs cuidadoras, que não têm filhos e, nem por isso, deixam de ser mães.

As chefes de família, as trabalhadoras, as provedoras dos lares. Todas as que trabalham de sol a sol e que, mesmo assim, têm tempo para parar. E saudar. E cantar. E dançar. E confiar. E fazer-nos sentir parte da família.

Marcaram-me as pegadas no chão. Os sorrisos. Mesmo aqueles que escondem um olhar triste, sofrido.

Marcou-me o calor da terra nos pés. O caminhar sem óculos de sol e sem música, sem ruído a distrair-me do que se passa à minha volta. As cores das capulanas.

Marcaram-me as maravilhosas particularidades desta comunidade… a maneira de falar e de comunicar, o tempo que reservam para saudar. As conversas inesperadas com desconhecidos. O ritmo moçambicano. O tempo.

Regressei com a certeza de que deixei lá muito de mim, naquela que foi e será agora, para sempre, a minha (nossa) casa. Trouxe comigo muitas aprendizagens, muito amor, muita partilha. Muita saudade. Mas acima de tudo, muita gratidão pela oportunidade de servir e de crescer… com o GASPORTO.”

ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 35 AS NOSSAS PESSOAS
* Gestora de Ciência do CITTA - Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente do DEC

UMA REVOLUÇÃO NA COMIDA PRONTA-A-COMER?

A história da Plantz teve início no Mestrado em Inovação e Empreendedorismo

Tecnológico. Empresa entrega refeições

100% feitas de plantas, práticas e nutritivas em todo o país.

Saborosas, nutritivas e totalmente feitas à base de plantas. É assim que a Plantz, empresa fundada por estudantes da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), assume a sua lista de refeições prontas-a-comer. “Diminuir o consumo de proteína animal é um dos grandes desafios a enfrentar nos próximos anos. A nossa missão é facilitar a alimentação plant-based, com refeições deliciosas, nutritivas e incrivelmente práticas”, avança Jorge Boabaid, cofundador da startup criada no âmbito do Mestrado em Inovação e Empreendedorismo Tecnológico (MIETE) da FEUP.

Entre férias e aulas, o projeto arrancou com Jorge e Felipe Souza, também alumnus do MIETE e com ligações à indústria alimentar, ao comando, apostando numa candidatura ao programa de empreendedorismo StartUP Voucher. O resultado foi positivo, “com nota máxima em todos os pontos de avaliação do programa”, refere Jorge Boabaid.

ADN FEUP

A formação na FEUP foi essencial na aquisição de competências e estratégias de marketing, vendas, produção e logística. “Aplicámos todas as ferramentas de Ideation da disciplina de Introdução ao Empreendedorismo. Demos bom uso às noções de Business Construction Project e Investimentos para construção e validação do plano de negócios. Numa fase final, os conhecimentos adquiridos conduziram a um estudo exploratório do mercado de foodtech em Portugal, dando uma perspetiva sobre as dificuldades enfrentadas pelos empreendedores”, desvenda o alumnus da FEUP.

Da teoria à prática, a Plantz, que também integra o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), faz atualmente entregas em todo o país, com espaço físico com cozinha e escritórios na Avenida Fernão de Magalhães, no Porto.

MUITO + QUE ENGENHARIA
Leite D.R. ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 36
Mafalda

22 mil euros depois, a partir do StartUP Voucher, aos quais se adicionam 60 mil euros de capital próprio, juntam-se à equipa Matheus Martins, também alumnus do MIETE ligado à área de Deep Tech e programação, e Lucas Oliveira, estudante da licenciatura em Ciências da Nutrição da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da U.Porto (FCNAUP).

O financiamento inicial foi aplicado numa cozinha comercial e em equipamentos específicos de confeção de alimentos, como é o caso do ultracongelador. “As nossas refeições possuem uma tecnologia fresh freeze que permite uma ultracongelação, ajudando a reduzir o desperdício alimentar e a prolongar o prazo de validade sem necessidade de conservantes”, esclarece a equipa.

Esta técnica ajuda ainda a preservar os nutrientes da refeição e a torná-la mais acessível. “90% da população mundial não recebe a dose diária recomendada de frutas e vegetais porque comer bem simplesmente não é conveniente. Alimentos congelados ricos em nutrientes podem ajudar neste processo”, destaca Jorge Boabaid.

SABIA QUE…

Comer alimentos feitos com microalgas e insetos pode reduzir emissões de C02 em cerca de 80%? A conclusão é da equipa de Rachel Mazac da Universidade de Helsínquia, que publicou um estudo recente na revista Nature Food que modelou quais seriam os impactos de transformar a dieta europeia (rica em carne) com o de uma alimentação vegan ou que use alimentos novos ou de futuro, como insetos e carne de laboratório.

De acordo com os investigadores, substituir alimentos de origem animal na dieta dos europeus por alimentos inovadores pode reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, o uso de água e de terrenos agrícolas na ordem dos 80%, se compararmos com a dieta europeia atual.

MUITO + QUE ENGENHARIA
ENGENHARIA 63 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 37
Fotografia: D.R.

A fechar

Os irmãos Ana e Pedro Walgode, ambos estudantes da FEUP, viveram um ano de ouro em 2022. Tornaram-se campeões três vezes nas provas de Pares de Dança: nos Jogos Mundiais, em Birmingham (EUA), no Campeonato da Europa de Patinagem Artística, em Andorra, e nos World Skate Games, em Buenos Aires. Parabéns aos nossos FEUPinhos!

Days to Remember

696

feup_porto Francisco Sousa Fernandes e José Carlos Bessa destacaram-se na 27ª edição do Prémio #REN, alcançando o 3º lugar e uma Menção Honrosa, respetivamente. Propostas refletem trajetória que já está a ser implementada da #eletrificação suportada pelas energias renováveis.

João Peças Lopes, presidente do Júri do Prémio REN e Professor Catedrático da FEUP, não tem dúvida quanto à qualidade das propostas apresentadas que são “reflexo da trajetória que estamos a seguir da eletrificação suportada pelas energias renováveis”.

Top 5 nacionalidades

Num campus onde a diversidade reina, a nossa comunidade já soma muitas culturas vindas de todo o globo. O top 5 de nacionalidades na FEUP começa com o Brasil, seguindo-se Moçambique, Irão, Angola e Itália.

Brasil 659 134 71 56 34 Moçambique Irão Angola Itália

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