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Cultivar Grandes Culturas • Ano XXI • Nº 261 • Fevereiro 2021 • ISSN - 1516-358X

Destaques

Expediente Fundadores Milton Sousa Guerra, Newton Peter e Schubert Peter Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ: 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300

Entenda a ferrugem

Diretor Newton Peter www.grupocultivar.com contato@grupocultivar.com Assinatura anual (11 edições*): R$ 269,90 (*10 edições mensais + 1 edição conjunta em Dez/Jan) Números atrasados: R$ 22,00 Assinatura Internacional: US$ 150,00 Euros 130,00

REDAÇÃO • Editor Gilvan Dutra Quevedo

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O que as duas décadas de trabalho e de investimento intenso na busca por controlar P. pachyrhizi no Brasil têm a ensinar

• Redação Rocheli Wachholz Cassiane Fonseca • Design Gráfico e Diagramação Cristiano Ceia • Revisão Aline Partzsch de Almeida COMERCIAL • Coordenação Charles Ricardo Echer • Vendas Sedeli Feijó José Geraldo Caetano CIRCULAÇÃO • Coordenação Simone Lopes • Assinaturas Natália Rodrigues

Solo adentro

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Biotecnologia dinâmica

Como o bom manejo da

Novas cultivares

estrutura do solo é vital

e tendências

para a construção de altas

dos aspectos

produtividades em soja

biotecnológicos

• Expedição Edson Krause

Índice

GRÁFICA: Kunde Indústrias Gráficas Ltda.

Diretas

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Nova molécula herbicida para cana

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Influência do clima em café

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Nutrição contra doenças de final de ciclo

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Manejo da estrutura do solo

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Capa - Entenda a ferrugem-asiática

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O que esperar da safra de soja

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Controle biológico da mancha de ramulária

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Biotecnologia em soja e milho

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Coluna Agronegócios

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Coluna Mercado Agrícola

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Coluna ANPII

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Por falta de espaço não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.

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Nossa Capa

Crédito: Marcelo Madalosso


Diretas

Parceria A FMC Corporation firmou uma colaboração estratégica com a Novozymes para pesquisar, desenvolver e comercializar soluções biológicas de proteção de cultivos à base de enzimas para agricultores no mundo todo. A colaboração entre as duas empresas será voltada para a tecnologia de biocontrole à base de enzimas para os mercados globais de fungicidas e inseticidas, conforme o acordo global multianual. A parceria será voltada para o desenvolvimento de soluções para o controle das principais doenças fúngicas da soja, como a ferrugem-asiática, além de produtos em combinação com a tecnologia de inseticidas diamidas da FMC para o controle dos principais insetos-praga. As empresas irão reunir suas capacidades de P&D, com a FMC atuando como parceiro comercial e a Novozymes

Malu Nachreiner

Estratégia Mark Douglas como parceiro de fabricação. "Aguardamos com ansiedade a parceria com a Novozymes para trazermos a tecnologia enzimática para o mercado de proteção de cultivos”, disse o presidente e CEO da FMC, Mark Douglas. "Vemos a FMC como um grande parceiro, com fortes capacidades científicas e comerciais e, mais importante ainda, com um claro compromisso com as soluções biológicas”, avaliou a presidente e CEO da Novozymes, Ester Baiget Arnau.

Algodão A Basf realizou em fevereiro o maior lançamento da marca FiberMax para a cultura do algodão. Foram apresentadas cinco novas variedades, denominadas FM 976TLP, FM 942TLP, FM 978GLTP RM, FM 970GLTP RM e FM 912GLTP RM. O evento on-line de apresentação contou com a presença de Mario Sergio Cortella, do presidente da Anea, Henrique Snitcovski, do presidente da Abrapa Júlio Cézar Busato, além do gerente de Desenvolvimento Agronômico da Basf, Rogério Ferreira e do gerente de Produto FiberMax, Marcus Lawder.

Prestes a completar 125 anos no Brasil, a Bayer reuniu pela primeira vez as principais lideranças de suas áreas de negócio no país em evento virtual. A presidente da Divisão Agrícola da Bayer, Malu Nachreiner, comentou a estratégia da companhia e listou algumas das prioridades de negócio para 2021 ao lado de Eduardo Bastos, diretor de Sustentabilidade para a América Latina, Mateus Barros, diretor de Digital e Novos Modelos de Negócio para a América Latina, e Natália Carvalho, líder de lançamento da plataforma Intacta 2 Xtend. Além dos lançamentos em biotecnologia para as três principais culturas cultivadas no Brasil – soja, milho e algodão –, um dos principais temas ligados à inovação abordados no encontro virtual foi a recente aprovação da soja com tecnologia Intacta 2 Xtend pela União Europeia, fato que concluiu a última etapa antes do lançamento comercial da Plataforma Intacta 2 Xtend, na safra 2021/2022.

Ricardo Hendges

Arroz Reconhecimento O ex-ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz 2021. A nomeação foi protocolada no Conselho Norueguês do Nobel (The Norwegian Nobel Committee), pelo diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq), Durval Dourado Neto. A decisão sobre o ganhador deve ser anunciada em meados de setembro. Paolinelli é mineiro, de Bambuí, nascido em 1936. Tornou-se agrônomo em 1959. Em 1971, assumiu a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, onde ajudou a criar incentivos e inovações tecnológicas que tornaram o estado o maior produtor de café do Brasil. Em 1974, tornou-se ministro da Agricultura, tendo participa04

ção decisiva na modernização da Embrapa e na promoção da ocupação econômica do cerrado brasileiro. Foi presidente do Banco do Estado de Minas Gerais, deputado constituinte e presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Atualmente é presidente do Conselho Consultivo do Fórum do Futuro.

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Alysson Paolinelli

A Ihara apresentou durante a Abertura da Colheita do Arroz, no município de Capão do Leão, no Rio Grande do Sul, lançamentos como o Esquadrão Fungicidas Gold, o herbicida Kyojin, os inseticidas Zeus e Bold e o fungicidas Certeza N. O gerente de Marketing Regional da Ihara, Ricardo Hendges, explica que 2021 poderá ser um ano com desafios, mas a empresa estará ao lado do agricultor, oferecendo uma solução completa para a proteção da cultura de arroz e grãos. "Este evento se destaca pela oportunidade de apresentar as inovações para a orizucultura que atendem de fato às necessidades da lavoura, além de levar informações corretas e detalhadas sobre nossos produtos aos agricultores", comentou.


Cana

Seletivo e eficaz Nova molécula herbicida pyroxasulfone apresenta bons resultados na cultura da cana-de-açúcar. Em associação com flumioxazin, pode ser utilizada em plantio ou soqueiras, preferencialmente em período de umidade no solo (chuvas)

P

yroxasulfone internacionalmente é uma molécula seletiva para as culturas de milho, soja e trigo, enquanto no Brasil também demonstrou seletividade às culturas de café, eucalipto e mais recentemente cana-de-açúcar. Sua indicação é para controle de plantas daninhas de folhas largas e estreitas em condições de pré-emergência, seja no período de umidade ou restrição hídrica. No período de umidade (chu-

vas), por ser pouco móvel (solubilidade de 3,49ppm) e moderadamente retido aos coloides do solo (koc 223), o herbicida permanece posicionado nas camadas superficiais após sua aplicação. Por não ser fotodegradado (<10%) e volatilizado, tolera períodos de restrição hídrica. Para ambas as condições de clima, seu potencial de lixiviação (perda para camadas mais profundas do solo) é moderado porque apresenta 2,2 como índice GUS.

Ainda no período de umidade (setembro a março), o pyroxasulfone é comercializado em associação com flumioxazin, que também possui baixa solubilidade (1,79ppm) e moderada retenção no solo (koc 557), o que permite sua permanência nas camadas superficiais. No período de déficit hídrico (abril a agosto), o pyroxasulfone é comercializado em associação com amicarbazone e de uso exclusivo à cultura da cana-de-açúcar. Nesse caso, o pyroxasulfone permanece na superfície da camada arável (aproximadamente 3cm a 5cm) e o amicarbazone mais profundo (até 15cm). A mobilidade maior do amicarbazone se deve à sua alta solubilidade (4.600ppm) e à sua baixa retenção ao solo (koc 30).

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MECANISMO DE AÇÃO

Cultivar IACSP93-3046

Cultivar IACSP94-4039

Nas células, na região do retículo endoplasmático há a formação dos ácidos graxos de cadeias longas (VLCFAs), que é o principal constituinte dos polímeros hidrofóbicos utilizados na formação de ceras e cutina nas plantas. Por sua vez, as ceras e a cutina formam a região da cutícula que reveste particularmente as folhas das plantas. A cutícula protege os tecidos da planta da desidratação causada pelo sol e temperatura. No retículo endoplasmático, a formação dos VLCFAs somente é possível devido à presença das enzimas elongases, sem a qual interrompe-se a formação dos VLCFAs. O pyroxasulfone inibe justamente a produção de algumas enzimas do complexo elongases e, com isso, ocorre a interrupção em sua produção. Por consequência, a planta suscetível ao pyroxasulfone não produz os VLCFAs e a produção de ceras e cutina é interrompida. As plantas, particularmente no estágio de plântulas (sementeira), desprovidas de cutícula, ficam expostas ao sol e à temperatura, são desidratadas e morrem. Assim, o pyroxasulfone é tido como herbicida inibidor de ácidos graxos de cadeias longas (VLCFAs). No grupo de inibidores de ácidos graxos de cadeias longas, o pyroxasulfone é o único herbicida com registro no Brasil.

PRODUTOS DISPONÍVEIS

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o pyroxasulfone é registrado como Yamato e essa família cresceu com suas associações entre flumioxazin e amicarbazone.

USO EM CANA-DE-AÇÚCAR

Cultivar IACSP5094

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Na cana-de-açúcar, o uso de pyroxasulfone associado a flumioxazin (primavera e verão) ou a amicarbazone (outono e inverno) permite o controle em pré-emergência de plantas daninhas, seja no plantio ou nas soqueiras da cultura. O controle sobre as plantas daninhas foi observado para espécies como capim-colonião (Pani-


cum maximum), capim-colchão (Digitaria horizontalis e Digitaria nuda), capim-braquiária (Urochloa decumbens), capim-marmelada (Urochloa plantaginea) e cordas-de-viola (Ipomoea spp. e Merremia spp.). Ressalta-se que todas as espécies descritas causam impactos negativos ao desenvolvimento da cultura, que pode ter a produtividade reduzida em até 85%. Tais espécies, se não controladas, infestam a cana-de-açúcar até o fechamento do canavial (aproximadamente 120 dias), período que são beneficiadas pela luz solar incidente nas entre linhas do cultivo. Após o fechamento do canavial, as espécies de Ipomoea spp e Merremia spp. ainda conseguem se estabelecer no canavial e causar impactos no seu desenvolvimento. Como a cultura é cultivada durante todo o ano, haverá condições de plantio e soqueira em todos os meses. Com isso, há necessidade de herbicidas seletivos e capazes de tolerar a umidade nos períodos de chuva, bem como tolerar o déficit hídrico na estação seca do ano. Tal fato justifica o uso de pyroxasulfone associado a flumioxazin (primavera/verão) e amicarbazone (outono/ inverno).

CONTROLE

Na estação de primavera/verão, o uso de pyroxasulfone (200g/ha) e flumioxazin (200g/ha) na marca comercial Falcon controlou 100% da infestação de capim-braquiária (Urochloa decumbens), capim-colonião (Panicum maximum), corda-de-viola (Ipomoea grandifolia) e cipó-cabeludo (Merremia aegyptia) até aos 60 dias após o tratamento e em condição de cana-planta ciclo de 18 meses (Figura 1).

Os efeitos sobre o controle podem ser observados por até mais de 60 dias, porém, em condição de cana-planta há necessidade de fazer o nivelamento do solo entre o centro da linha e a entre linha da cultura. Como a cana-de-açúcar é plantada em sulcos com 35cm de profundidade, as entre linhas permanecem em aclive em relação às linhas. Com isso, entre 60 e 90 dias após o plantio, quando a cultura está com os perfilhos emitidos, se faz o nivelamento do solo, na prática conhecida como operação “quebra-lombo”. Por revolver o solo da entre linha para dentro das linhas, os herbicidas aplicados são revolvidos e há necessidade de nova aplicação de herbicidas. Tal modalidade de cultivo permitiu a avaliação da associação piroxasulfone + flumioxazin apenas até aos 60 dias após o plantio. No mesmo período, o herbicida

também controlou 99% da infestação de capim-braquiária (Urochloa decumbens), capim-colonião (Panicum maximum) e capim-colchão (Digitaria horizontalis) em soqueira da cana-de-açúcar até 120 dias após a aplicação. Com isso, mesmo as moléculas sendo de baixa solubilidade, sua movimentação na palha depositada sobre o solo foi possível dados aos controles observados (Figura 2). No período seco do ano (outono e inverno), a associação pyroxasulfone (243g/ha) + amicarbazone (1.257g/ ha), marca comercial Ritmo, controlou infestações de mucuna-preta (Mucuna aterrima) e cipó-cabeludo (Merremia aegyptia), além de capim-colonião, braquiária e colchão. Como o amicarbazone possui maior solubilidade (4.600ppm), sua movimentação no solo (~15cm) abrange maior quantidade de sementes de mucuna

Tabela 1 - Bioprodutos e biofertilizante avaliados isoladamente ou em associação com fungicida, princípio ativo e dose utilizada Marca comercial Yamato SC Yamato Kyojin Falcon Ritmo

Ingrediente ativo pyroxasulfone pyroxasulfone pyroxasulfone flumioxazin pyroxasulfone flumioxazin pyroxasulfone amicarbazone

Concentração (%) 50 85 30 20 20 20 8,1 41,9

Cultura indicada amendoim, batata, café, cana-de-açúcar, cevada, citrus, eucalipto, fumo girassol, milho, pinus, soja e trigo café, cana-de-açúcar, eucalipto, milho, pinus e soja milho e soja café, cana-de-açúcar, citrus, eucalipto, mandioca e pinus cana-de-açúcar

Fonte: http://extranet.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons

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Figura 1 - Eficácia de controle de pyroxasulfone (200 g/ha) + flumioxazin (200 g/ha) sobre capim-braquiária, capim-colchão e capim-colonião. Instituto Agronômico

e cipó-cabeludo. Tais espécies possuem sementes grandes e com material de reserva suficiente para manter o desenvolvimento inicial do embrião até a emergência do solo. No campo, é comum observar emergência de mucuna-preta de até 20cm e cipó-cabeludo até de 8cm de profundidade. Entretanto, à medida que as sementes entram no processo de germinação, absorvem a água e os herbicida da solução do solo. Com isso, o herbicida pré-emergente precisa estar próximo das sementes no momento que se inicia o processo de germinação. É nesse momento que o herbicida é absorvido e tem facilidade de atingir o local de ação de acordo com seu mecanismo de ação.

OBSERVAÇÕES FINAIS

No manejo de plantas daninhas na cultura da cana-de-açúcar, a aplicação de pyroxasulfone + flumioxazin pode ser utilizada em plantio ou soqueiras de cana-de-açúcar, preferencialmente em período de umidade no solo (chuvas). Quando utilizado em plantio, o controle sobre as plantas daninhas ocorre até ao nivelamento do solo (quebra-lombo) e quando utilizado em soqueiras o efeito sobre o controle é observado até próximo dos 120 dias após a aplicação. A associação pyroxasulfone + amicarbazone é indicada para uso em soqueiras e preferencialmente nos períodos semisseco e seco do ano (outono e inverno). Obedecido o período de aplicação, os herbicidas são seletivos e eficazes no controle das principais plantas daninhas da cultura, sendo mais uma opção de C uso para o produtor. 08

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Figura 2 - Eficácia de controle de pyroxasulfone (200 g/ha) + flumioxazin (200 g/ ha) sobre capim-braquiária, capim-colchão e capim-colonião. Instituto Agronômico

Carlos Alberto Mathias Azania e Lucas Carvalho Cirilo, Instituto Agronômico (IAC) Andréa Azania, Procultivare

Azania, Cirilo e Andréa



Café

Clima extremo O que mostram os números das precipitações no Espírito Santo ao longo dos últimos anos em relação à produção de café Conilon, o que se pode extrair de lições e que práticas podem auxiliar a minimizar os efeitos desses eventos climáticos adversos

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Wenderson Araujo CNA

O

estado do Espírito Santo (ES) é responsável por 13% da produção mundial e 70% da produção brasileira de café Conilon. Em 2019, o estado produziu mais de dez milhões de sacas (60kg), com produtividade média de 43 sacas por hectare (sc/ha). Em comparação, os estados de Minas Gerais e Rondônia obtiveram produtividade de 33 sc/ha e 35 sc/ha, respectivamente. A obtenção de maiores níveis de produtividade no Espírito Santo é possível devido à busca crescente por melhorias dos níveis tecnológicos e de manejo das lavouras. No estado, aproximadamente 70% das lavouras de café Conilon são irrigadas e, em associação com outras tecnologias e práticas de manejo, têm possibilitado a alguns produtores atingir níveis de produtividade superiores a 100 sc/ha. O Norte do Espírito Santo produz 80% do café Conilon capixaba (destacado em vermelho na Figura 2c). Nesta região, o café é a principal fonte de renda em 80% das propriedades rurais. A cultura é reponsável por 35% do PIB agrícola do estado, e gera 250 mil empregos diretos e indiretos. Contudo, os crescentes custos de produção e a variabilidade climática têm gerado instabilidades na produção de café Conilon do estado. O custo de produção de café Conilon em algumas regiões, como no município de Pinheiros, Espírito San-

to, passou de R$ 10 mil/ha em 2010, para R$ 20 mil/ha em 2019 (Figura 1c), ou seja, em nove anos o custo de produção dobrou de preço. No mesmo período, o preço de venda médio anual da saca de 60kg do produto aumentou de R$ 310,00 para R$ 420,00 (Figura 1d), significando um aumento de 36%. Com isso, há a necessidade de se obter maiores produtividades para que a atividade cafeeira seja lucrativa. Em 2010, por exemplo, a produtividade média necessária para compensar os custos foi de 30 sc/ha, enquanto em 2019, foi superior a 40 sc/ha. Estas condições deixam os produtores rurais mais vulneráveis a eventos climáticos adversos, como os ocorridos durante as safras de 2015 e 2016. A média histórica do acumulado mensal de chuva em novembro no Norte do Espírito Santo é, aproximadamente, 200mm. Em novembro de 2014, a chuva média acumulada nessa região foi de 83mm. Acumulados de chuva abaixo da média também foram registrados para dezembro de 2014 e janeiro de 2015. Os baixos volumes de chuva, associados às altas temperaturas no mesmo período, fizeram com que a produção de café Conilon em 2015 diminuísse 22% em relação a 2014. Além disso, devido às condições climáticas adversas, 9% das áreas em produção de café Conilon foram destruídas, prejudicando a safra de 2016 (Figura 1b).

Figura 1 - Os desafios da produção de café Conilon no Espírito Santo. (a) Variação espacial da área em produção de café Conilon nos munícipios do ES entre 2010-2019 (IBGE, 2020). (b) Variação da área em produção de café Conilon, entre 2010-2019, no ES (Conab, 2020). (c) Variação do Custo de produção de Conilon, entre 2010-2019, em Pinheiros-ES (Conab, 2020). (d) Variação do preço de venda de café Conilon, entre 20102019, no ES (Pecege, 2020). Variação do número de sacas de café (60 kg) necessárias para cobrir o custo de produção, entre 2010-2019, no ES

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Figura 2 - A produção de café Conilon no Espírito Santo. (a) Variação espacial da produção de café Conilon no ES e Brasil entre 2010-2020 (Conab, 2020). (b) Variação espacial da produtividade de café Conilon no ES e Brasil entre 2010-2020. (c) Variação espacial da produtividade do Conilon em 2016 em relação à média do período de 10 anos (2010-2020), adaptado de IBGE (2020). Boxplots (d) da média da temperatura média mensal, (e) do número de dias com chuva nos meses do ano e (f) da chuva acumulada mensal. Os valores referentes as médias mensais da safra 2016 estão destacadas com o asterísco vermelho em (d), (e) e (f)

Figura 3 - As variáveis climáticas e a produtividade do Conilon. (a) Correlação de Pearson entre a produtividade de café Conilon e a média mensal da temperatura média (Tmed) e precipitação mensal acumulada (Chuva). Os “x” se referem à correlação não estatisticamente significante a um nível de significância de 0,05. Relação entre produtividade média de café Conilon no ES e (b) Chuva acumulada e (c) temperaura média durante a formação dos grãos de café Conilon. (d) e (e) Efeitos dos eventos climáticos extremos durante a safra 2016 no cafeeiro Conilon em Marilândia-ES

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A safra de café Conilon de 2016 foi desastrosa no Norte do Espírito Santo. A precipitação acumulada dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2015 foi a menor dos últimos dez anos (Figura 2e). O número médio de dias com chuva no mês de outubro é de 12 dias. Em outubro de 2015, a chuva ocorreu em somente dois dias (Figura 1d). O acumulado mensal de chuva em novembro foi de 30mm, o que corresponde a 15% do esperado para o mês. Além disso, as temperaturas médias mensais para novembro e dezembro também foram as maiores registradas neste século. A temperatura média em dezembro, por exemplo, foi de 27,5°C, i.e., 2°C superior à média histórica para o mês na região. As chuvas retornaram em janeiro de 2016, contudo um segundo período de seca começou em fevereiro e prevaleceu até maio do mesmo ano. Durante este período (2015/2016), também houve a proibição da irrigação em alguns locais, devido à contaminação das águas do Rio Doce pelos rejeitos de mineração provenientes do rompimento da barragem de Mariana, Minas Gerais. Essas condições adversas destruíram, pela segunda safra consecutiva, 10% das áreas em produção de café Conilon do Espírito Santo. Nesta década, alguns munícipios do Norte do estado perderam mais de 20% das áreas em produção (Figura 1a). A produtividade média em 2016 foi 37% inferior à média histórica do Espírito Santo (Figura 2b). Alguns munícipios tiveram produtividade reduzida em mais de 60% (Figura 2c). Em 2016, a produção brasileira de café Conilon diminuiu 29% em relação à média histórica, o que correspondeu a 417 mil sacas (Figura 2a). Vale ressaltar que a variação positiva da produtividade do Conilon na região Sul do estado pouco impactou na produção nacional, uma vez que 80% da produção de Conilon é proveniente do Norte do Espírito Santo (Figura 2c). Condições climáticas extremas, como as ocorridas durante as safras de 2015 e 2016, já podem ser consequências das mudanças climáticas. Portanto, essas condições podem se tornar ainda mais frequentes em um futuro próximo, uma vez que há tendência de mudança nos padrões de distribuição e quantidade de chuva e de temperatura.


Questiona-se, portanto, como minimizar os impactos desses eventos climáticos extremos? É importante conhecer quais são as variáveis climáticas que afetam a produtividade do café Conilon. Para isso, correlacionou-se a produtividade média dos munícipios do Norte do Espírito Santo nos últimos dez anos, com a chuva acumulada e a temperatura média mensal do mesmo período. Os resultados indicam que o estresse hídrico e as altas temperaturas durante a formação dos grãos (Nov-Dez) podem afetar drasticamente a produtividade do cafeeiro (Figura 3a, 3b e 3c). Além disso, as altas temperaturas durante o florescimento (Set-Out) e enchimento de grãos (Jan-Mar) também prejudicam a C produção da cultura (Figura 3a).

Nóia Júnior, Christo e Verdin Filho

Rogério de Souza Nóia Júnior, Universidade da Flórida Tafarel Victor Colodetti, Universidade Federal do Espírito Santo Bruno Fardim Christo, Agroconsult Abraão Carlos Verdin Filho, Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural

Práticas para minimizar os efeitos climáticos adversos Irrigação

do mesmo, diminui a ocorrência de erosões, entre outros. No cafeeiro Conilon, o adensamento da lavoura pode se dar tanto no número de plantas por área, quanto pelo número de ramos ortotrópicos mantidos na planta.

Se não for possível irrigar durante todo o ciclo da cultura, é importante manter a irrigação pelo menos entre os meses de novembro e fevereiro (momento de maior demanda hídrica do Conilon). Além disso, é importante o uso de sistemas de irrigação eficientes (e.g. irrigação localizada) e a realização do manejo da irrigação, para fornecer água em quantidade e momento adequados.

Cultivos consorciados

Os efeitos dos eventos climáticos extremos podem ser minimizados através de cultivos consorciados. Por exemplo, o cultivo em consórcio do cafeeiro Conilon com o coqueiro-anão favorece a conservação da umidade do solo, a diminuição de danos causados pelos ventos, a menor incidência de plantas espontâneas, o maior aproveitamento da mão de obra e a possibilidade de maior retorno financeiro.

Um sistema radicular mais profundo e bem desenvolvido possibilita acessar maiores volumes de água no solo. Esse tipo de estratégia pode ser atingido através de mudas com sistema radicular pivotante (e.g. propagação seminífera) e/ou por meio de técnicas de manejo nutricional, como, por exemplo, através da aplicação de gesso agrícola para estimular o desenvolvimento das raízes em camadas mais profundas do solo.

Divulgação

Favorecer o desenvolvimento das raízes

Escolha de cultivares mais resistentes às altas temperaturas e ao déficit hídrico

A escolha adequada do material genético a ser utilizado é uma das prerrogativas no planejamento da atividade cafeeira. No contexto da resistência à seca, o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) lançou, recentemente, a cultivar clonal “Marilândia ES8143” e a cultivar de propagação seminífera “Conquista ES8152”. Estas cultivares apresentam características de tolerância ao déficit hídrico. A cultivar “Marilândia ES8143” pode atingir produtividade de 63 sc/ha em condições de restrição hídrica.

Adensamento

Cultivos adensados possibilitam menor incidência de radiação solar sobre o solo, diminuição da temperatura no inteiro do dossel e da perda de água por evaporação, proporciona maior aproveitamento da área e dos insumos aplicados, favorece a manutenção da umidade do solo devido à maior cobertura www.revistacultivar.com.br • Fevereiro 2021

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Informe

Mais produtividade Fertilizante associado a fungicidas convencionais apresenta alta sinergia, ajuda a induzir a defesa natural das plantas de soja contra Doenças de Final de Ciclo (DFCs) e resulta em grãos mais pesados. Diminuição da severidade de DFCs chega a 48,4%, enquanto o incremento produtivo alcança até seis sacas por hectare

O

Ultra K Max, associado a fungicidas convencionais, reduziu em 48,4% a severidade das doenças de final de ciclo e incrementou a produtividade da soja em seis sacas por hectare, em relação ao tratamento padrão. Após o aparecimento da ferrugem-asiática em 2001, várias doenças, entre elas as Doenças de Final de Ciclo (DFCs), deixaram de ser a principal preocupação dos agricultores.

Porém, nas últimas safras, doenças como mancha alvo, antracnose, cercóspora e oídio, voltaram a aparecer com grande intensidade na maioria das lavouras. As DFCs têm causado perdas na produtividade de até 45%. O controle do complexo formado por essas doenças é dificultado pela capacidade desses patógenos sobreviverem em restos culturais e pela perda de eficiência dos principais defensivos utilizados

Andreia Quixabeira Machado

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no manejo. Como todos os métodos de controle apresentam limitações, é necessária a investigação de outras alternativas. Diante desse cenário, a Spraytec desenvolveu o Ultra K Max, que, em baixas doses, oferece nutrientes de alta solubilidade, absorção e translocação, além de apresentar excelente sinergia e compatibilidade físico-química com defensivos, sendo totalmente biodegradável. Os componentes essenciais contidos no produto exercem funções específicas na fisiologia da planta, como a máxima translocação de fotoassimilados das estruturas vegetativas para as reprodutivas por um período mais longo. Ultra K Max aplicado no final do ciclo interfere na rota da síntese de etileno, evitando a senescência precoce das folhas, mantendo a relação fonte-dreno ativa por mais tempo, garantindo uma melhor formação e enchimento de grãos. Além disso, aumenta a resistência natural das plantas ao ataque de patógenos, por ativar a síntese de metabólicos secundários. Outro aspecto de grande relevância agronômica para a utilização do Ultra K Max é sua atuação como mediador químico dos mecanismos de defesa da planta. A partir do momento em que houve ativação desses mecanismos, outros componentes do produto entram em cena, fazendo parte da composição de enzimas e proteínas que atuarão na defesa contra o agente causador da injúria. Os componentes presentes no Ultra K Max têm a função de aumentar a velocidade da reação de defesa e, ao mesmo tempo, torna o processo


Figura 1 - Eficácia de Ultra K Max na redução da severidade de DFC’s em soja

mais eficiente e com menos gastos energéticos, sendo um importante ativador enzimático. A utilização de cultivares de alto potencial genético, associada ao desenvolvimento sustentável, exige produtos inovadores como Ultra K Max.

OBJETIVO

Avaliar a eficiência do complexo nutricional bioativador Ultra K Max em associação com fungicidas convencionais no manejo de Doenças de Final de Ciclo em soja.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido na estação experimental da Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa), localizada no distrito de Entre-Rios, Colônia Vitória, município de Guarapuava, Paraná. No ensaio, foi utilizada a cultivar de soja BMX Apolo RR. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos ao acaso, com quatro repetições. Os tratamentos consistiram em Testemunha (sem aplicação), Padrão Fapa (quatro aplicações de fungicidas: Nativo + Bravonil + Áureo, Elatus + Bravonil + Nimbus, Fox + Unizeb Gold + Áureo e Priori Xtra + Cypress + Nimbus) e Padrão Fapa + Spraytec (quatro aplicações de fungicidas associados ao Ultra K Max 0,20L/ha). As aplicações foram realizadas quando a cultura estava nos estádios R1, R3, R4 e R5.1, respectivamente. O volume de calda utilizado foi de 200L/ha. Foram realizadas avaliações da severidade das Doenças de Final de Ciclo e a produtividade da

Figura 2 - Efeito de Ultra K Max sobre a produtividade da soja

cultura. Os dados foram submetidos à análise de variância e ao teste de Tukey (p < 0,05), através do software SASM Agri (Canteri et al., 2001).

RESULTADOS

A associação de Ultra K Max aos fungicidas reduziu a severidade das Doenças de Final de Ciclo em 48,4%, em relação ao tratamento padrão. A severidade foi de 21,7%, 19,4% e 10% para a testemunha, tratamento padrão e tratamento padrão + Spraytec, respectivamente (Figura 1). A redução da severidade das DFCs é de extrema importância para que não haja perda do potencial produtivo da cultura. Nesse contexto, com relação à produtividade, a colheita na testemunha foi de 32,3, no padrão de 78,4 e no padrão mais Ultra K Max, de 84,4 sacas por hectare. A associação de Ultra K Max aos fungicidas promoveu um incremento médio de produtividade de seis sacas por hectare em relação ao tratamento padrão (Figura 2). Ultra K Max atua na fisiologia das plantas, melhorando sua defesa, promovendo maior síntese de lignina e fitoalexina, importantes compostos que atuam como barreiras físicas e

químicas, respectivamente, contra a entrada de fungos nos tecidos vegetais, contribuindo para o manejo das DFCs. O aumento de produtividade pode ser explicado pela diminuição dos problemas com a desfolha causada por essas doenças e também pelo efeito do Ultra K Max no aumento do transporte de fotoassimilados das folhas para os grãos, aumentando o seu peso. Assim, observamos que a maioria dos fungicidas apresenta limitações, e a associação deles com Ultra K Max demonstrou ser uma ferramenta eficaz para garantir melhor manejo das Doenças de Final de Ciclo e promover maior produtividade da cultura da soja.

CONCLUSÃO

O Ultra K Max, além de nutrir as plantas para a máxima expressão de seu potencial produtivo, é uma alternativa promissora no manejo das Doenças de Final de Ciclo em soja por induzir os mecanismos de defesa das plantas, apresentando alto sinergismo com os fungicidas C convencionais. Heraldo R. Feksa, Fundação Agrária de Pesq. Agropecuária (Fapa) Solange Bonaldo

Sintoma de antracnose em pecíolo de soja

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Soja

Solo adentro

Como o manejo da estrutura do solo e os cuidados amplos, da superfície para baixo, nem sempre observados com a devida atenção, são vitais para a construção de altas produtividades na cultura da soja

I

mpulsionados pela elevação no valor da saca no mercado internacional, os produtores brasileiros estão apostando alto na cultura da soja na safra 2020-2021. As primeiras estimativas do setor apontam para um crescimento em área variando de 1,5% a 3%, algo próximo de 38,4 milhões de hectares, o que projetaria, no melhor dos cenários climáticos, uma produção de cerca de 132 milhões de toneladas. Para quem está de “passageiro” nesta viagem é só sucesso e alegria, especialmente para aproximadamente 85% dos brasileiros (população que reside nas cidades de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio -

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Pnad). O cenário é o que parte da mídia televisionada apresenta: “se produz em média 58 sc/ha e com preço atual na casa de R$ 140,00/sc, há um saldo de R$ 8.120,00/ha”. Assim, um produtor que cultiva em média 250 hectares de área, tem a bagatela de pouco mais de R$ 2 milhões de faturamento em seis meses. Que sonho! É preciso acordar o “passageiro” e trazê-lo à realidade. Para se produzir qualquer bem há custos, e no caso do campo esses custos são ainda mais desafiadores, uma vez que há uma “indústria” a céu aberto, sendo submetida a riscos e incertezas. Os riscos são mensuráveis, já as incertezas não. Estimativas preliminares de diferentes órgãos de pesquisa e extensão

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e de levantamentos junto a produtores que têm do campo sua profissão, vivendo no campo e do campo, apontam que o custo de se produzir soja neste cenário “maravilhoso” vai variar de R$ 3.700,00/ ha a R$ 4.170,00/ha nesta safra. E na realidade o custo é esse mesmo. Assim, dos R$ 8.120,00 de saldo é preciso descontar um montante de 51%. Há, mas restam 49%. Este cenário é o sonho de todo produtor. Na prática, a teoria é outra. A maior parte da produção já foi comercializada em contratos futuros a valores de R$ 85,00/sc a 110,00/sc (e não a R$ 140,00/sc) ou negociada em insumos que podem ou não ter composto o custo de produção supracitado. Assim, a renda bruta sai dos R$ 8.120,00/ha para, na melhor das hipóteses, R$ 6.380,00/ha, o que gera uma possibilidade de renda líquida variável entre R$ 760,00/ha e 2.200,00/ha. Entretanto, a expectativa de produtividade e de preço pode mudar dramaticamente em menos de um mês, para baixo ou para cima. Como isso é possível? Parte desta oscilação depende de um complexo de fatores inter-relacionados ligados ao mercado internacional (problemas climáticos interferindo no plantio norte-americano e na política interna de países que estão no ranking dos maiores produtores mundiais do grão – caso da vizinha Argentina; do maior mercado consumidor de soja in natura, leia-se aqui a China; elevação no consumo de proteína vegetal para produção de proteína animal, entre outros pontos) e a oferta de água durante o desenvolvimento da cultura. É neste ponto que queremos chegar. Internamente, sob o ponto de vista da produtividade, basta não chover (ou se ter chuvas muito abaixo da média esperada no mês) no período vegetativo e/ ou reprodutivo que a realidade vira uma mera expectativa, e a incerteza passa a atuar. Por outro lado, chuva em excesso (especialmente no período de maturação e colheita) tem o mesmo efeito. Estudos desenvolvidos por centros de pesquisa como Embrapa e universidades apontam que, para uma lavoura ter plenas condições de desenvolvimento sem comprometer seu potencial produtivo, são necessários entre 450mm e 800mm de chuva regularmente distribuídos durante seu ciclo (semeadura até matura-


fertilidade foi e ainda é, em grande parte, trabalhada por muitos sob a questão puramente químico-mineralista, baseada na Lei do Mínimo de Liebig. Entretanto, 27 anos antes (1855), Carl Sprengel compôs toda a base teórica, e nessa a expressão máxima da produtividade de uma cultura é limitada pelo “nutriente” que se apresenta em menor quantidade para a planta. Um destes elementos vitais apontados por Sprengel é a estrutura do solo, que está diretamente relacionado com a oferta de água para o sistema radicular. Sua escassez (deficiência hídrica) ou excesso (deficiência de oxigênio) interferem negativamente no desenvolvimento da planta. Entretanto, sendo um elemento importante, ela quase não aparece como parâmetro de projeção de estimativas de potencial de rendimento dos diferentes sistemas de recomendação de fertilização, tampouco é representada na Lei do Mínimo. Antes mesmo de iniciar a semeadura de determinada cultura, há uma definição do provável teto produtivo, baseado em fatores como sementes por metro quadrado que potencialmente tornar-se-ão plantas, teores de nutrientes do solo e ou aportados a este e tratos culturais aplicados no desenvolvimento da cultura. Com o advento do sistema plantio direto (SPD) e sua intensificação (em área e tempo de cultivo na mesma área), adaptações foram sendo incorporadas a estes fatores, especialmente no quesito

fertilidade. Ajustes realizados e sumarizados em materiais como o Manual de Calagem e Adubação do Solo para os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, às respostas esperadas das culturas estavam (e ainda estão) muito abaixo do teto produtivo. Os primeiros ruídos de que algo não está correto no entendimento de como funciona o SPD surgiram após estiagens médias a severas ocorridas entre 2002 e 2005 (Figura 1). Ou seja, dentre os argumentos para conversão do sistema de preparo convencional em SPD estavam a redução de perdas de solo, o aumento na infiltração de água, a melhoria na fertilidade e o aumento na produtividade. O primeiro e o segundo argumentos foram parcialmente atendidos. O terceiro, em andamento e quando associado aos primeiros, não estava (e não está) sendo capaz de entregar melhores e maiores produtividades, nosso quarto argumento, como teorizado nas bases do SPD. Para melhorar o entendimento dos motivos desta pouca resposta produtiva até então observada frente ao aporte de nutrientes e demais tecnologias nas lavouras, dados do consumo de fertilizante no Brasil no período 1970-2015 foram correlacionados com a evolução do SPD, apontando que o uso desses acompanhou o ritmo da adoção em área do SPD (Figura 2). Trazendo a discussão para o cenário do Rio Grande do Sul e analisando-o em paralelo com estados

Fotos Michael Mazurana

ção fisiológica). Ou seja, se tomarmos por base uma cultivar de soja com um ciclo médio de 125 dias, uma necessidade média de 625mm de chuva e uma expectativa de rendimento de 3.480kg/ ha (os 58 sacos supracitados), temos que para se produzir 1kg de soja são necessários, em média, 1.868L de água. Os desavisados vão dizer: que ineficiência do “Agro”! Então, pergunto a você se, para atender a todas as suas necessidades, no maior período de demanda de água (primavera-verão), você se viraria com apenas 208ml de água por dia? Sim, pois é essa a quantidade de água que uma planta demanda, em média, por dia (consideramos uma densidade de 12 plantas/m linear, espaçamento de 50cm entre linhas). Por que de toda essa conversa? Porque essa água precisa estar disponível na “caixa d’água da casa”, caixa essa que para o produtor é o solo. Aí, vêm algumas perguntas importantes: como está a “caixa d’água” da tua propriedade? Tens limpado com frequência ou está em parte entupida/ preenchida de sujeira? Tens conservado a mesma sem furos? Consertaste os que existiam? Tens planejado ampliar o reservatório para casos de emergências ou confias na “companhia de distribuição” – leia-se tempo? Como estão as tubulações que abastecem a caixa solo – leia-se macroporos? E as que levam água até os as demais partes das estruturas da lavoura – Leia-se micro e mesoporos? Pois bem, estamos tentando mostrar com esta analogia a importância da porosidade (infiltração, aeração, retenção e redistribuição de água), da estrutura do solo (responsável por armazenar a água infiltrada), da manutenção da cobertura vegetal e redução na mobilização de solo em superfície no momento da semeadura (responsáveis por reduzir perdas por evaporação direta e por fazer a constante manutenção de poros), e do tráfego intensivo e, por vezes, mal planejado de máquinas ou animais em pastejo (responsáveis por reduzir a capacidade de infiltração, aeração e armazenamento de água no solo). Durante muito tempo os produtores brasileiros tiveram sua visão direcionada exclusivamente para um ponto do sistema produtivo: a fertilidade. Ela é importante? Obviamente que sim, e sobre isso não se discute. Entretanto, essa

Na esquerda, plantas se desenvolvendo em condições de “normalidade de distribuição de chuvas”. As duas primeiras plantas (esquerda para direita) se desenvolvendo em solo sem restrições físicas. As da direita, com restrições físicas. A imagem da direita representando o crescimento radicular da soja em condições de solo extremamente compactado

Formação de palhada em sistema plantio direto e uso de práticas mecânicas associadas para reduzir problemas de compactação adicional imposta por intensificação de cultivo do solo

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Figura 1 - Evolução da área de SPD no Brasil e produtividade da soja e em algumas regiões tradicionalmente produtoras da cultura. Adaptado de FEBRAPDP e Irrigação e Conab (2020) pelo GPRSM/UFRGS

tradicionalmente “gigantes” no cenário produtivo da cultura da soja (Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso), observa-se algo, no mínimo, interessante: o Rio Grande do Sul difere dos estados do Paraná e Mato Grosso por ter tido um consumo bem maior de fertilizante, especialmente no intervalo de 2010 a 2017 (Figura 2), não está convertendo isso em grãos, pelo contrário, a produtividade no Rio Grande do Sul é a menor dentre os estados em análise (Figura 1). Tal observação é preocupante e torna-se ainda mais preocupante em anos de estiagem ou de chuvas abaixo da média. De acordo com os registros da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a partir da safra de 1976/77 até a safra 2019/20, o estado do Rio Grande do Sul registrou 17 frustações nas 44 safras do período, enquanto o Paraná dez e o Mato Grosso, seis. Destes dados se depreende que são muito maiores as variações climáticas a que são submetidas as lavouras de grãos do Rio Grande do Sul, em relação às demais regiões produtoras tradicionais do País. No mesmo período de tempo, o que avançamos em termos de manejo de solo para além do SPD? Quando se fala em manejo, nos referimos a tecnologias que saíram de pesquisas, trabalhos de teses e dissertações e que estão difundidas no campo. Vivenciamos uma frenética corrida por tecnologias do solo para cima (tratores, semeadoras, sistemas de posicionamento com erro na ordem de milímetros, NDVI etc.), mas e da superfície do solo para baixo? Alguns vão pontuar os sistemas integrados de 18

Figura 2 - Evolução da área de SPD e demanda por fertilizante no Brasil (esquerda) no período de 2010 a 2017 (direita). Elaborado pelo GPRSM/UFRGS com ba

produção agropecuária, sistema de rotação de culturas, etc. Vamos chegar lá na discussão sobre seu uso. Neste cenário desafiador frente ao uso de tecnologias convergentes ao SPD, mas que não estão entregando produtividade dentro dos níveis esperados, questionamentos como os realizados anteriormente têm surgido diretamente de produtores e técnicos de campo. Neste sentido, revisando os relatórios do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), no período de 2014 a 2019, e analisando dados de trabalhos obtidos de experimentos de longa duração desenvolvidos em estações experimentais como a da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Eldorado do Sul-RS, a da Embrapa Soja, em Londrina-PR, da Embrapa Trigo, em Passo Fundo-RS, entre outras, um fator em comum aparece em todos os trabalhos: manejo da água dentro das áreas de lavoura. O termo “manejo da água dentro da lavoura”, aqui colocado, refere-se a manejar a estrutura do solo, a fim de que a água que é precipitada na forma de chuva natural ou irrigação infiltre no solo, seja armazenada e redistribuída para as culturas ao longo do seu ciclo, ou seja, a tal da “caixa d’água”. A estrutura do solo é a “menor barra” do barril de Liebig. Segundo dados do Cesb, todas as lavouras que apresentaram dados significativamente positivos em termos de produtividade e muito superiores à média nacional, operam com sistema de diversificação de culturas. Diversificação e não rotação. Dependendo da

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região do País, as culturas utilizadas no sistema de diversificação foram a soja, o milho, a braquiária, o trigo, a aveia preta ou branca, o azevém, o nabo forrageiro, o algodão, o sorgo, a crotalária e o capim Mombaça. Ainda, 85% das áreas acompanhadas realizam alguma intervenção mecânica por meio de escarificação; 75% das áreas apresentam saturação de bases com valores acima de 65% e utilizam calagem e gessagem a cada cinco anos ou menos, e 65% utilizam o facão ou botinha como mecanismo sulcador de fertilizante na semeadora e operando a mesma na velocidade máxima de 5km/h. Tais observações de manejo de solo em SPD corroboram com dados de pesquisa obtidos em parcelas experimentais, apontando que nestas áreas o perfil efetivo de solo explorado pelas raízes passa por uma elevação dos teores de nutrientes, associado com fraturamento mecânico por meio de uso de mecanismos rompedores de solo como os utilizados em escarificadores e semeadoras. Associado a isso, há a ação radicular das culturas, que mantêm e organizam este espaço, aumentam a capacidade de infiltração, a retenção e a redistribuição de água. Dessa forma, esses processos atuam elevando a “menor barra” do barril. Paralelamente a estas observações, estudos voltados ao entendimento de como a estrutura do solo atua proativamente sobre a entrega de maior produtividade de diferentes culturas têm sido realizados. Dentre os indicadores inicialmente


utilizados estão a densidade do solo, a distribuição e o arranjo do espaço poroso, a resistência mecânica do solo à penetração, os fluxos de ar e água em nível radicular, entre outros. Na área de mecanização e relação solo-máquina, muitos estudos têm sido desenvolvidos para entendimento do processo de compactação ou de sua atenuação, como o tipo de pneus e sua pressão de inflação, desgaste das bandas de rodagem, patinagem, uso e distribuição de lastros etc. Somente a partir da última década, trabalhos voltados ao entendimento da estrutura do solo como organismo regulador de fluxos de energia e matéria e de como podemos aliar a mecanização em favor da manutenção da qualidade estrutural do solo têm surgido. Como exemplos destes esforços temos estudos da Análise Visual da Estrutura do Solo (Vess; Dress etc.), do intervalo hídrico ótimo (IHO), da modelagem matemática para prever dinâmica de crescimento radicular em solos com diferentes graus de compactação, da dinâmica na transmissão de pressões por pneumáticos, esteiras ou semiesteiras em máquinas agrícolas e por pisoteio animal. Todos esses indicadores isolados ou associados geram valores absolutos ou relativos, alguns de difícil entendimento, aplicabilidade e visualização prática em nível de campo. Resumidos, são abordados como indicadores de qualidade física do solo. Qual é a sua colaboração efetiva (dado absoluto ou relativo) com a parte química nutricional dada pela interpretação da análise de solo? Isso

ainda é um desafio que estamos galgando dentro dos centros de pesquisa. Um fato é que não teremos respostas únicas, aplicadas como “receita de bolo”, pois há diferentes níveis tecnológicos adotados nas lavouras. E quando se utiliza o termo “tecnológicos”, estamos falando não somente de disponibilidade de tecnologia, mas da capacidade de os produtores entenderem a importância de um processo no segmento produtivo e de como ou qual é seu enquadramento/necessidade neste processo. Aplicar o que já é consolidado na pesquisa na área de manejo de solo e está adaptado à extensão é de fundamental importância. Dentre estes aspectos estão o uso de calagem regularmente não buscando apenas corrigir pH do solo, mas também para elevar níveis de cálcio e magnésio e melhorar as relações Ca/K, Ca/Mg etc.; a diversificação de culturas em uma mesma área agrícola ao longo dos anos, buscando convergir também com os anseios do produtor, que são oferta de sementes, que seja possível de mecanizar e que tenha liquidez; o uso de mecanismos rompedores de solo como sulcadores de fertilizante do tipo facão (especialmente para quem opera com sistemas de integração lavoura-pecuária) ou discos de corte de resíduos que promovem uma baixa mobilização na linha de semeadura, para solos com textura média e arenosa; direcionar o tráfego de máquinas (ainda que em uma única safra) para os mesmos locais, reduzindo compactação do solo em macroescala; uso de práticas para disciplinar o escoa-

mento da água remanescente na lavoura, ou seja, integrar cobertura do solo, com práticas mecânicas como terraceamento (quando possível), escarificação em faixas ou somente nos talvegues, dando tempo para que a água infiltre na lavoura; e semeadura em condições de umidade do solo na faixa de friabilidade, o que permitirá redução no consumo de diesel, melhor contato solo-semente, germinação e emergência. Voltando à analogia do barril, o que seria um barril adequado? Seria um solo que apresentasse uma elevada resiliência ao suporte de carga por máquinas e tráfego animal (ILP), que suportasse pequenos períodos de estiagem sem comprometimento à produtividade. Para isso, precisamos dos canos (raízes) que se aprofundassem no solo até o máximo possível, levando água e reabastecendo a caixa d’água solo. O que o produtor necessita aparenta não ser o que uma parcela significativa das pesquisas tem realizado. Isso não significa que precisamos parar com pesquisas, pelo contrário. O que isso aponta, em nosso entendimento, é que os dados produzidos precisam ser convertidos em informação aplicável, replicável e adaptável. Precisamos sair das indicações e recomendações dos primeiros 10cm de solo e passar a entender o perfil de solo que temos (ou o que queremos ter). Para manejar um solo para altas produtividades, como está na moda atualmente, precisamos entender de fisiologia, de mecanização, de fertilidade, de variações climáticas, de solo e de genética, ou seja, precisamos profissionais especialistas C generalistas, o que é algo raro. Michael Mazurana e Renato Levien, UFRGS Michael Mazurana

) e consumo de fertilizante nos Estados do RS, PR e MT ase em dados de CONAB (2019) e IPNI (2015)

Acima, suplementação de água via sistema de irrigação por aspersão. Abaixo, lavoura de soja com problemas de estabelecimento de estande por conta de chuvas mal distribuídas durante o ciclo

Diferença na estrutura do solo causada pelo manejo intensivo com desatenção à atividade de máquinas e trânsito de animais

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Capa

Entenda a ferrugem Após duas décadas de trabalho e investimento intenso na busca por controlar Phakopsora pachyrhizi no Brasil, é possível conhecer melhor a dinâmica e o comportamento dessa doença, que se perpetua como ameaça concreta às lavouras de soja. Mas vitórias importantes foram conquistadas ao longo destes 20 anos e se o trabalho embasado nos preceitos de manejo integrado continuar a ser realizado, a redefinição de sua importância será percebida nas safras que virão

A

ferrugem-asiática da soja, desde o seu surgimento nas lavouras da América do Sul, assumiu tamanha importância que obrigou uma completa revisão no sistema de produção. O ciclo das cultivares foi reduzido, a semeadura das lavouras antecipada, a capacidade operacional nas lavouras aumentou drasticamente, programas de manejo foram exaustivamente desenvolvidos, a redução na sensibilidade de Phakopsora pachyrhizi aos fungicidas deu início a investimentos importantes em estudos populacionais e levantamento de mutantes tolerantes aos fungicidas, adição de fungicidas protetores aos programas de controle, aspectos regulatórios como vazio sanitário e calendarização das semeaduras foram implantados. Indiscutivelmente, os últimos 20 anos foram de tamanha intensidade de trabalho e investimento, que não é encontrado similar em todos os tempos na agricultura moderna. O que parecia ser uma doença incontrolável, e que assolaria toda a América do Sul, começou a apresentar aptidões geográficas e climáticas particulares, resMarcelo Madalosso

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Figura 1 - Ilustração do ciclo vital de Phakopsora pachyrhizi. Elevagro (2018)

tringindo sua maior agressividade principalmente à faixa compreendida entre os paralelos 5º e 30º Sul. Determinadas peculiaridades geográfico-climáticas têm reduzido o desenvolvimento da ferrugem-asiática da soja mesmo se localizadas nesta região preferencial. São exemplos disso as regiões da Campanha no Rio Grande do Sul, Beira Lago no Paraná, Vale do Araguaia no Mato Grosso, entre outras. Conforme o ciclo vital de Phakopsora pachyrhizi (Figura 1), o período de latência média varia entre seis dias e 11 dias, em função das condições microclimáticas, genética e estádio da planta, fatores do manejo agronômico. Considerando que a chegada de inóculo pode ocorrer já nos estádios vegetativos, a doença frequentemente se torna evidente apenas a partir do estádio de floração. Em função disso, a primeira aplicação de fungicidas ainda é largamente posicionada a partir deste estágio de desenvolvimento, e sempre condicionada à visualização de sintomas. Deste modo, têm sido dadas condições plenas para o desenvolvimento de vários ciclos de infecção do patógeno, resultando em abundante produção de esporos até que a primeira aplicação de fungicidas fosse realizada. Se forem consideradas as lavouras na Bolívia na safra de inverno, cujas condições climáticas favorecem apenas infecções tardias, as pulverizadas acabam não sendo realizadas, oportunizando a liberação de quantidade importante de inóculo ao ar, principalmente a partir de outubro, quando da colheita daquela safra. A importância da dispersão aérea, confirmada em diversos estudos, mostra que determinadas características dos uredósporos de Phakopsora pachyrhizi favorecem a ação da energia do vento, que é capaz de carregá-los, mantê-los viáveis e em suspensão no ar por

Figura 2 - Períodos de vazio sanitário estabelecido no Brasil e Paraguai. (https://www.embrapa.br/soja/ferrugem)

muitos dias e sob condições de temperatura e umidade favoráveis na baixa atmosfera. A pigmentação dos uredósporos pode proteger contra os efeitos da radiação ultravioleta, que é letal aos esporos despigmentados. A deposição de esporos, após o transporte

aéreo a longa distância é dependente da ocorrência de chuvas, que podem carregá-los eficientemente a partir das camadas de ar, depositando-os sobre o hospedeiro. A ocorrência de chuvas, aliada à altitude e à amplitude térmica, influencia o molhamento foliar,

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Figura 3 - Dispersão regional de uredosporos de Phakopsora pachyrhizi. (Elevagro, 2017)

Figura 4 - Períodos de semeadura de soja estabelecidos no Brasil. (https://www.embrapa.br/soja/ferrugem)

resultando em temperaturas moderadas ao nível de dossel das plantas, e cujas condições são essenciais ao sucesso das infecções na planta hospedeira. O vazio sanitário é uma estratégia de controle essencial, principalmente se adotada regionalmente, ou seja, em toda a América do Sul. Atualmente, 12 estados 22

no Brasil e o Paraguai já adotaram esta medida (Figura 2). Seu principal benefício é o atraso no início da epidemia devido à menor pressão de inóculo. Na maioria dos estados no Brasil e Paraguai, o período de vazio sanitário termina entre 1º e 15 de setembro. Por outro lado, o início da ferrugem-asiática da soja tem sido relatado

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em lavouras comerciais somente após novembro. A quantidade de inóculo no ar de Phakopsora pachyrhizi será sempre consequência das condições favoráveis ao seu desenvolvimento aliadas ao nível de controle adotado. Neste caso, a eficiência da dispersão aérea possibilita facilmente a infecção das lavouras no Brasil. Observações pessoais sugerem que o deslocamento dos uredósporos de Phakopsora pachyrhizi pode atingir distâncias aproximadas de 500km/semana, sempre relacionado à direção e à intensidade das correntes aéreas (Figura 3). Estudos epidemiológicos mostraram que a direção preferencial de deslocamento dos uredósporos é de NO para S, podendo haver movimentações na direção O para L, sempre dependendo das correntes aéreas. Apesar da forte contribuição do vazio sanitário, a ampla janela de semeadura se constitui em outra dificuldade ao controle sustentável da ferrugem-asiática da soja, devido ao aumento na oferta de inóculo na medida do avanço da safra. Nestes casos, o aumento no período de semeadura pode originar, gradativamente, a antecipação da ferrugem-asiática da soja em relação aos estádios de crescimento da soja. As consequências diretas desta movimentação são o aumento no número de aplicações de fungicidas e a provavel redução nos intervalos entre elas. Este cenário, claramente, implica aumento dos problemas relacionados à diminuição na sensibilidade do patógeno aos diferentes ingredientes ativos. A semeadura da soja abrange maior percentual entre os meses de outubro e dezembro. Existe a possibilidade de uma segunda safra da cultura (safrinha) em algumas regiões do Brasil, o que proporciona a sobreposição de gerações do patógeno duplamente expostos aos mesmos ingredientes ativos. Como no momento


Figura 5 - Uredosporos coletados em caça-esporos. Instituto Phytus, 2020

da segunda safra a quantidade de uredósporos de Phakopsora pachyrhizi é muito elevada, existe claro favorecimento ao aumento na população de isolados adaptados aos fungicidas. Para contornar esta dificuldade, a definição de um período permitido para a semeadura da soja torna-se uma medida obrigatória, sendo implementada já a partir de 2014 e definido 31 de dezembro como data limite para as semeaduras (Figura 4). O principal objetivo, além da redução da densidade de esporos no ar, é reduzir a pressão de seleção dos fungicidas sobre a população de Phakopsora pachyrhizi devido ao inevitável aumento no número de aplicações. Ambas as estratégias têm condições de diminuir a oferta do inóculo inicial, implicando redução na taxa de progresso da epidemia. Historicamente, a quantidade de uredósporos presentes no ar aumenta a partir de dezembro, apresentando picos entre janeiro e março, dependendo da conjuntura climática na América do Sul (Figura 5). No período compreendido entre janeiro e abril, a ferrugem-asiática da soja atinge sua maior severidade. Assim posto, as estratégias mais eficientes para mitigação dos riscos para epidemias altamente severas são uma combinação entre a antecipação de semeadura de cultivares mais precoces, a redução regional de inóculo e a implantação de programas de manejo locais. Esta combinação reduz a possibilidade do rápido desenvolvimento da doença devido à menor exposição a níveis elevados de inóculo nos períodos fisiologicamente críticos da soja. Assim posto, o manejo da doença no Brasil será dependente do manejo realizado nos países vizinhos, aliado às condições climáticas relacionadas ao transporte de esporos, sua inoculação, adoção de práticas culturais e, finalmente, a implantação de um programa local de proteção. Anos mais chuvosos podem favorecer as infecções e o início antecipado da doença, enquanto períodos chuvosos intensos podem limitar o transporte do patógeno pelas correntes de ar, reduzindo a quantidade de inóculo transportado de um campo para outro. Em anos mais secos, temperaturas elevadas e baixa umidade do ar, associadas à alta radiação ultravioleta, podem propiciar aumento na

Figura 6a - Momento de aplicações visando controle de ferrugem-asiática da soja, em duas cultivares de soja. Instituto Phytus, 2020

Figura 6b - Momento de aplicações visando controle de ferrugem-asiática da soja, em três épocas de semeadura. Instituto Phytus, 2020

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Marcelo Madalosso

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mortalidade de esporos, reduzindo sua viabilidade e resultando na diminuição da severidade da doença. Recentemente, a conjugação de aplicações realizadas nos estádios vegetativos, antecipação da época de semeadura e encurtamento no ciclo das cultivares têm sugerido redução e atraso na produção de inóculo, resultando em menor taxa de progresso e severidade da ferrugem-asiática da soja. A experiência adquirida desde o surgimento da ferrugem-asiática da soja indicou sempre grande dependência do nível de severidade da doença às condições de clima que impactam diretamente nas condições de infecção e na taxa de progresso da doença. Se as condições de clima forem favoráveis e a oferta de inóculo no ar for elevada, é possível esperar um início antecipado da doença, rápida evolução, taxa de progresso elevada e proporcional dificuldade no controle. Entretanto, mesmo se todas estas condições climáticas forem favoráveis, o estabelecimento da epidemia ainda dependerá da disponibilidade de inóculo. Sempre que o inóculo inicial for eliminado ainda nas fases iniciais da patogênese, a necessidade de reinfecção implica retardamento dos níveis severos da doença. No caso da ferrugem-asiática da soja, é fundamental considerar tanto o inóculo que migra desde fontes distantes como aquele cuja dinâmica espacial local acarreta infecção entre plantas vizinhas. Diversos estudos de campo, realizados no Instituto Phytus, demonstram que a antecipação do controle implica diretamente aumento na produtividade da cultura da soja (Figura 6a, 6b), principalmente sob condições climáticas favoráveis a uma evolução rápida das doenças. No caso específico da ferrugem-asiáti-

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ca da soja, mesmo que haja uma reposição constante de inóculo, o retardamento da epidemia devido ao controle antecipado auxilia fortemente na obtenção de altas produtividades. Deste modo, se as medidas de controle forem conjugadas ao cumprimento das práticas legislativas, a redução regional na liberação de esporos promoverá diminuição importante na severidade da ferrugem-asiática da soja, sendo possível antever benefícios importantes tanto em nível de produtividade da cultura da soja como de redução na pressão de seleção sobre os fungicidas atualmente utilizados. A ferrugem-asiática da soja sempre será uma ameaça concreta às lavouras de soja, exigindo redobrada atenção a cada safra. Entretanto, após 20 anos de trabalho de um grande número de profissionais, pode-se considerar que o manejo integrado da ferrugem-asiática, através da combinação entre estratégias legislativas, culturais, genéticas e químicas, conseguiu produzir resultados impressionantes. Se houver persistência e continuidade no trabalho orientado nos preceitos do manejo integrado, certamente a redefinição do grau de importância da ferrugem-asiática da soja será materializada nas safras seguintes, constituindo-se em um caso de sucesso na agricultura moderna. C

Ricardo Balardin, CEO Phytus Group

Ricardo Balardin



Soja

Dever de casa Que desafios podem ser aguardados para a safra que está sendo plantada e como o produtor precisa realizar bem o trabalho de base para enfrentar pragas, doenças, nematoides e outros problemas que rondam as lavouras

A

cada nova safra que se inicia, renovam-se as expectativas de sucesso e bons resultados, e o desejo comum entre os produtores é de um andamento tranquilo e sem problemas. Porém, o início desta safra já não se deu como o esperado, principalmente na Região Sul, onde a falta e a irregularidade de chuvas resultaram no atraso da semeadura das lavouras de soja. Por outro lado, nas regiões Centro-Oeste e Norte, a estabilidade na ocorrência das chuvas se deu mais cedo, de forma que a semeadura ocorreu em fluxo melhor e mais adiantado, em comparação com a Região Sul. Além de afetar a semeadura, o clima exerce influência sobre as pragas e doenças que estão sendo encontradas a campo, e que vão ser problema ao longo da safra. Por exemplo, nas lavouras de soja que receberam maiores precipitações e nas que, devido à cobertura do solo, a umidade se manteve, as primeiras pragas a marcarem presença foram as lagartas Agrotis ipsilon e Spodoptera frugiperda. Ambas as pragas que atuam no corte das plântulas, comprometendo o estande inicial e interferindo nos compo-

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Fotos Elevagro

Figura 1 - Primeiro instar de S. frugiperda

nentes de rendimento. Em contrapartida, nas regiões onde a estiagem prevaleceu, a primeira praga a causar danos foi a Elasmopalpus lignosellus, também provocando a redução do estande de plântulas. O dano dessas pragas é maior ou menor, principalmente em função da qualidade do tratamento de sementes realizado pelo sojicultor. Mais adiante no ciclo, os desafios serão as desfolhadoras, como a Chrysodexis includes, a S. frugiperda (Figura 1), a S. eridania e a S. cosmioides, as quais formam um complexo de lagartas de difícil controle, que exigirá monitoramento por parte do produtor. Outra praga de importância na cultura da soja nesta safra serão os percevejos, dando origem a outro complexo com alto potencial de dano e de controle complicado. Na região do Cerrado, em locais de alta temperatura, é a mosca-branca que pode também se mostrar uma praga causadora de problemas. A cada safra, observa-se que a dificuldade no controle das pragas advém do sistema de produção escolhido, pois esses insetos se adaptam cada vez mais a diversos hospedeiros de importância econômica, permanecendo na lavoura por muito mais tempo, de forma que é preciso manejar o sistema de produção de maneira integrada, considerando todas as culturas e

igualmente a entressafra, realizando o monitoramento frequente para se ter eficiência no controle e danos menores. Ainda há as pragas secundárias, que se mostram mais danosas a cada safra, causando surtos problemáticos, como tripes e ácaro-rajado. Também atrelado ao retardo na semeadura, há o nível de severidade das doenças a serem enfrentadas na safra. À medida que se atrasa a semeadura, se aumenta a

pressão de inóculo nas fases mais sensíveis da soja, ou seja, do florescimento até 20% a 30% da formação de grãos. Portanto, nesta safra será importante realizar o controle precoce, já no início da safra, e de qualidade, reduzindo também os intervalos de aplicação, para que se tenha segurança e efetividade na proteção da planta de soja. O quanto o controle destas doenças será facilitado ou dificultado, depende do quanto o sojicultor faz sua lição de casa. Tendo em vista os problemas já citados e que são esperados para a safra atual, percebe-se que é essencial que o produtor faça o trabalho de base. Para isso, é preciso que o produtor conheça intimamente sua lavoura, e antes mesmo de iniciar a semeadura, avalie quais são os problemas recorrentes e quais são as ações que impactam sobre esses problemas, que podem ser aplicadas tanto no início desta safra, ao decorrer dela e, do mesmo modo, na entressafra. Um exemplo consiste em conhecer qual a espécie de nematoide está causando prejuízos e quais são as principais pragas e

Figura 2 - É preciso conhecer o solo quando o objetivo é atingir altos patamares

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Elevagro

Larissa G. A. Tormen

Figura 3 - Sinais no sistema radicular da cultura da soja de compactação do solo

doenças que ocorrem em toda safra de soja. Manter um histórico das lavouras é outro ponto fundamental e que permite, por exemplo, relacionar o ano agrícola com tais características de clima, com a concorrência de determinada doença ou praga. Fazer a lição de casa também é a adequação da genética da cultivar ao ambiente produtivo e à utilização de sementes de qualidade; assim como dar atenção à nutrição e à condição do solo, buscando os melhores níveis de pH, de macro e micronutrientes, em vistas, sempre, do equilíbrio nutricional.

PERFIL DO SOLO

Quando se pensa em fazer a lição de casa, é preciso pensar também no solo, que é a base produtiva da agricultura (Figura 2). E em termos de solo, há dois gargalos significativos: o manejo do solo e a construção de um perfil adequado. Esses dois aspectos permitem que a cultivar escolhida tenha as condições necessárias para expressar seu potencial produtivo e gerar a produtividade que o sojicultor almeja a cada início de safra. Todavia, esses gargalos não são resolvidos rapidamente em uma safra ou pos-

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Figura 4 - Amarelecimento nas extremidades das folhas devido ao ataque do nematoide-das-galhas (Meloidogyne javanica) e formação das galhas em raízes de soja

suem uma solução pronta; é preciso conhecimento, planejamento e paciência. A construção do perfil do solo é um desafio por si só. Essa construção objetiva dar as condições para o crescimento da raiz da planta, que poderá explorar um volume de solo maior, e assim aproveitar tanto a fertilidade como a maior disponibilidade de água. Entretanto, nessa construção, é preciso considerar as partes física, química e biológica do solo. Ou seja, não somente adubar com fertilizantes NPK, mas conhecer os níveis de nutrientes em cada camada do solo, trabalhar a correção da acidez, avaliar a resistência à penetração das raízes e a existência de camadas compactadas (Figura 3), observar e manter a fauna do solo, entre muitos outros aspectos que juntos resultam no perfil de solo adequado.

NEMATOIDES

Investir em condições para o melhor desenvolvimento radicular auxilia ainda na mitigação dos danos causados pelos nematoides, problema esse que vem se intensificando ao longo dos anos (Figura 4). Atualmente, o que se observa

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é uma mudança no padrão das espécies mais comuns, de forma que conhecer a espécie que está presente na lavoura é fundamental para definir as estratégias de manejo a serem adotadas. Estratégias essas que devem ir muito além do ciclo da soja, projetando as medidas que serão tomadas na entressafra e em todo o planejamento da propriedade. Ou seja, evidencia-se, mais uma vez, a importância do trabalho de base. Por fim, fica claro que os desafios são muitos, alguns deles variáveis de região para região, outros são os mesmos para todo sojicultor. Porém, para enfrentar todos eles, é preciso aprender a enxergar o sistema como um todo e conhecer a lavoura, fazendo uso desse conhecimento para antever os problemas e evitá-los ou abordá-los em estágios iniciais, quando a taxa de sucesso é maior e a solução mais C simplificada. Caroline Maria Rabuscke, Ricardo Balardin, Tatiane Lobak, Paulo dos Santos e Larissa Tormen, Phytus Group


Algodão

Medidas adicionais

Os desafios e as oportunidades para o controle biológico se consolidar como aliado no manejo da mancha de ramulária do algodoeiro, doença agressiva e disseminada pelas principais regiões produtoras da cultura no Brasil

A

mancha de ramulária, também conhecida por ramulária, mancha branca, ramulariose, míldio cinza, míldio areolado ou falso míldio (Ehrlich e

Wolf, 1932), é a principal doença do algodoeiro no Brasil, disseminada nas principais regiões produtoras de algodão do Brasil. No passado, a doença era con-

siderada como causada pelo fungo Ramularia areola. Entretanto, recentemente, com o avanço dos métodos modernos de taxonomia, foi comprovado que a doença é provocada por duas espécies de fungos, Ramulariopsis gossypii e Ramulariopsis pseudoglycines - (Videria et al., 2016). Ambas as espécies já foram identificadas em áreas de produção de algodoeiro do Cerrado brasileiro em coletas de isolados realizadas em safras recentes pelo grupo de pesquisa da Embrapa Algodão, universidades, empresas de pesquisa e obtentoras de produtos registrados para a doença, como parte das ações do projeto da Rede Ramulária. O manejo dos agentes responsáveis por essa doença é imprescindível para assegurar uma produtividade rentável nas condições Phytus Club

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Fotos Fabiano Jose Perina

Figura 1 - Folha de algodoeiro com sintomas de mancha de ramulária: lesões pequenas na face abaxial, variando, delimitadas pelas nervuras, com formato angular (à esquerda). Detalhe das lesões com esporulação branca de aspecto pulverulento (à direita)

em que o cultivo do algodoeiro é realizado atualmente no País. Entre as medidas de controle que contribuem para a redução do progresso da mancha de ramulária no campo, destacam-se o uso de cultivares com alto grau de resistência; o emprego de maiores espaçamentos entre linhas; o uso de menores populações de plantas por hectare; o manejo adequado de reguladores de crescimento, de maneira a evitar o desenvolvimento vegetativo vigoroso, e que induza sombreamento excessivo nos terços médio e inferior das plantas; a adoção de cultivares precoces, que objetivam a redução do número de ciclos da doença no campo; a rotação e sucessão de culturas; a efetiva destruição de restos culturais e tigueras de algodoeiro na entressafra, e o controle químico, com a aplicação de fungicidas com modos de ação distintos e comprovada eficácia no controle dos agentes causais da doença. Apesar da recomendação das medidas de controle mencionadas anteriormente, e dos esforços dos produtores em adotá-las, principalmente aquelas relacionadas a aspectos culturais, controlar os agentes responsáveis pela mancha de ramulária tem sido uma tarefa árdua. O número escasso de cultivares de algodoeiro com estabilidade e 30

alto grau de resistência aos agentes etiológicos da doença atualmente disponíveis no mercado, e um programa, muitas vezes inadequado de controle químico, têm contribuído, muitas vezes, para o insucesso no controle da doença. Especificamente em relação ao uso de fungicidas, é necessário realizar um criterioso programa de controle químico, com produtos eficazes, incluindo fungicidas sítio-específicos e multissítios, e ênfase na alternância dos modos de ação desses produtos durante o ciclo da cultura. Esse tipo de estratégia evita o aparecimento de isolados resistentes, assegura a redução do progresso da doença e a diminuição do impacto na produtividade. Para mais informações a respeito da eficácia de fungicidas sítio-específicos e multissítios e seus diferentes modos de ação no controle da mancha de ramulária, sugere-se consultar os resultados de pesquisas realizadas anualmente, pela Embrapa em parceria com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), empresas obtentoras de produtos fungicidas e empresas de pesquisa atuantes nas principais regiões produtoras de algodão no Brasil, em: www.rederamularia. com.br. Esse tipo de informação também está disponível em publi-

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cações da série Embrapa (Araujo et al., 2018; Araujo et al., 2019). Apesar da oferta de fungicidas de comprovada eficácia no controle dos agentes da mancha de ramulária e dos esforços realizados pelos gestores de fazenda e produtores, no sentido de utilizar fungicidas com diferentes princípios ativos e distintos modos de ação, a pressão resultante do grande número de aplicações desses produtos empregados durante o longo ciclo do algodoeiro no campo tem aumentado os custos de produção e favorecido o risco de surgimento de isolados ou raças de fungos resistentes aos fungicidas utilizados. Além disso, considerando a recente constatação da existência de duas espécies de fungos como agentes causadores da doença (Videira et al., 2016) e os indícios de variabilidade desses fungos já evidenciados (Novaes et al., 2011; Girotto et al., 2013; Metha et al., 2016), somados às condições altamente favoráveis para esses patógenos nas regiões onde se cultiva o algodão no Cerrado brasileiro, faz-se necessária a busca por métodos adicionais que contribuam com o controle da doença e, ao mesmo tempo, desfavoreçam o aparecimento de isolados resistentes aos fungicidas químicos atualmente empregados. Nesse sentido, a Embrapa tem


Figura 2 - Gráfico da Área Abaixo da Curva de Progresso da Severidade da Ramulária (AACPSD) em função da dos tratamentos avaliados. Luís Eduardo Magalhães, BA

atuado em pesquisas para a melhoria do monitoramento e do manejo dessa doença no campo e buscado contribuir para que medidas adicionais possam ser incorporadas para aumentar o controle e a eficiência da utilização de recursos para garantir a sanidade da cultura e a rentabilidade da atividade em médio e longo prazo. O controle biológico de doenças de plantas, apesar de pouco estudado quando comparado ao controle biológico de insetos-praga, consiste em uma das medidas de grande potencial, desde que bem posicionada e aplicada com critérios técnicos e acompanhamento de especialistas. O controle biológico de doenças de plantas é definido como a redução da soma de inóculo ou das atividades determinantes da doença, provocada por um patógeno, podendo ser realizado por um ou mais organismos que não o homem (Cook e Baker, 1983). Assim, para os pesquisadores que atuam com controle biológico de doenças de plantas, as doenças de plantas são vistas além do tradicional triângulo da doença, resultante da íntima relação do patógeno com o hospedeiro influenciada pelo ambiente. No controle biológico, a doença é vista como a resultante da interação entre hospedeiro, ambiente e patógeno, influenciada por uma infinidade de organismos não patogênicos, também presentes no sítio de infecção, que apresentam potencial para limitar ou aumentar a atividade do patógeno ou a resistência do hospedeiro (Ghini et al., 2011; Cook e Baker, 1983; Cook, 1985). Pensando nisso e considerando a notável abertura do setor produtivo à utilização de bioprodutos em áreas de produção de algodão dos Cerrados brasileiros, notada nos últimos anos, foi realizado um trabalho exploratório pela Embrapa, em parceria com a Fundação BA, na região Oeste da Bahia, para avaliar a capacidade de bioprodutos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e

Figura 3 - Gráfico de produtividade de algodão em caroço (@/ha) em função da dos tratamentos avaliados. Luís Eduardo Magalhães, BA

já utilizados de alguma maneira nos cultivos do algodoeiro e da soja para o controle da mancha de ramulária no campo. Assim, em condições de campo comercial de produção de algodão, realizou-se a semeadura de algodoeiro, cultivar FM 975 WS, amplamente utilizada na região dos cerrados brasileiros com alto grau de suscetibilidade à mancha de ramulária. O algodoeiro foi semeado em espaçamento de 0,76m entre linhas, na densidade de nove sementes por metro linear. Foram avaliados dois bioprodu-

tos e um biofertilizante (Tabela 1) utilizados nos cultivos da soja e do algodoeiro nos Cerrados, os quais foram aplicados com ou sem associação a um fungicida químico. Essa associação foi realizada, com o propósito de comparar a capacidade de redução da severidade da ramulária, acumulada durante todo o ciclo do algodoeiro no campo, em relação ao fungicida e à capacidade de contribuir para o controle proporcionado pelo fungicida. Os produtos aplicados de forma isolada ou em associação com o fungicida estão especificados na Tabela 1.

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Tabela 1 - Bioprodutos e biofertilizante avaliados isoladamente ou em associação com fungicida, princípio ativo e dose utilizada Tratamento Testemunha (TE) T. h + T. a + B. amyloliquefaciens B.subtilis

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Biofertilizante + C. Org.

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Fungicida (FG) (T.h + T.a + B.amyloliquefaciens) + (FG)

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(B.subtilis ) + ( FG)

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(Biofertilizante + C.Org) + (FG)

Princípio ativo --Trichoderma harzianum 5 .10 8 UFC/g + Trichoderma asperellum 5 .10 8 UFC/g + Bacillus amyloliquefaciens 5 .10 8 UFC/g Bacillus subtilis 3.109 UFC/mL [2,75% enxofre (46,1 g/L); 2,00% Cobre (24,6 g/L); 2,0% zinco (24,6 g/L)] + [3.75% enxofre (33,8 g/L); 3,0% Cobre (36,9 g/L); 1,6% ferro (19.7 g/L) manganês 0.8% (9.8 g/L); 3.2% zinco (39,4 g/L); 2.13% + Carbono orgânico] Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L) [Trichoderma harzianum 5 .10 8 UFC/g + Trichoderma asperellum 5 .10 8 UFC/g + Bacillus amyloliquefaciens 5 .10 8 UFC/g] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)] [Bacillus subtilis 3.109 UFC/mL] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)] [2,75% enxofre (46,1 g/L); 2,00% Cobre (24,6 g/L); 2,0% zinco (24,6 g/L)] + [3.75% enxofre (33,8 g/L); 3,0% Cobre (36,9 g/L); 1,6% ferro (19.7 g/L) manganês 0.8% (9.8 g/L); 3.2% zinco (39,4 g/L); 2.13% + Carbono orgânico] + [Trifloxistrobina (150g/L) + Protioconazol (175g/L)]

O experimento foi realizado em delineamento experimental de blocos casualizados, com oito tratamentos e quatro repetições, com parcelas constituídas por quatro linhas de seis metros de comprimento, utilizando como parcela útil, as duas linhas centrais da parcela experimental. Para efeito de comparação e adaptação da metodologia de aplicação dos bioprodutos e biofertilizantes, com a metodologia tradicionalmente utilizada na aplicação de fungicidas na cultura do algodoeiro, adotou-se a metodologia de aplicação semelhante à usada para avaliação de fungicidas. Assim, foram realizadas oito aplicações de cada produto na cultura do algodoeiro, sendo a primeira realizada aos 30 dias após a emergência, a segunda aos 14 dias após a primeira, e assim seguiram as demais aplicações sucessivas, que foram realizadas sempre entre às 7h e às 8h30min ou entre as 17h30min e as 19h, de acordo com a ocorrência de condições de temperatura, umidade relativa do ar e vento, favoráveis à aplicação. As aplicações foram realizadas por meio de um pulverizador costal pressurizado (pressão constante de 30 PSI) acoplado a uma barra contendo seis bicos Teejet (11002VK) tipo leque, distanciados de 0,76m entre si, com volumes de calda equivalentes a 150L/ha. 32

Foram realizadas dez avaliações da severidade da mancha de ramulária, por meio da estratificação da planta em metade inferior e metade superior, com avaliação de cinco folhas de cada terço, utilizando a escala de severidade da ramulária em algodoeiro proposta por Aquino et al. (2008). A primeira avaliação (pré-spray 1) foi realizada antes da aplicação dos tratamentos, assim como as sete avaliações subsequentes: pré-spray 2 a pré-spray 8, enquanto as duas últimas avaliações foram realizadas aos sete e 14 dias após a última aplicação dos tratamentos. Ao final do experimento, realizou-se a avaliação da produtividade em cada tratamento, por meio da colhei-

Dose (L ou Kg /ha) --0,2 1,0 0,5 + 0,5

0,4 0,2 + 0,4 1,0 + 0,4

(0,5 + 0,5) + (0,4)

ta das duas linhas centrais de cada parcela experimental, desprezando-se 0,5 metro em cada extremidade. O peso de algodão em caroço obtido em cada parcela foi convertido para arrobas por hectare, os quais foram submetidos à análise de variância. Com base nos dados de severidade da ramulária, foram calculadas as áreas abaixo da curva de progresso da severidade da doença (AACPSD), conforme Shaner & Finney (1977), os quais foram submetidos à análise de variância. As comparações dos agrupamentos das médias de AACPSD e produtividade média de algodão em caroço por hectare foram realizadas pelo teste de Scott-Knott (p<0,05).

Fabiano José Perina

N° 1 2 3

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Doença também é conhecida por ramulária, mancha branca, ramulariose, míldio cinza, míldio areolado ou falso míldio


Nas condições em que o trabalho foi realizado, observou-se que os dois bioprodutos aplicados sem associação ao fungicida (T.h + T.a + B.amyloliquefaciens e B. subtilis) reduziram o progresso da mancha de ramulária, superando a testemunha e o tratamento que recebeu aplicações do biofertilizante (Figura 2). Nota-se que quando associados ao fungicida FG, os dois bioprodutos avaliados superaram novamente o tratamento composto pelo biofertilizante + FG e o próprio fungicida FG aplicado isoladamente. Esse resultado evidenciou um ganho na redução da severidade acumulada ao longo da safra (AACPSD), tanto por parte do bioproduto à base de T.h + T.a + B. amyloliquefaciens, como por parte do bioproduto à base de B. subtilis quando aplicados associados ao fungicida FG, caracterizando uma oportunidade de melhoria da performance em termos de redução da AACPSD para ambos, fungicida e bioprodutos quando aplicados em associação. Nessas condições, esses resultados evidenciam uma opção de utilização do controle biológico em associação a fungicidas químicos no sentido de maximizar a eficiência de controle da doença no campo, contribuindo tanto para a redução da severidade, como para diminuir a pressão de seleção exercida pelo limitado número de moléculas de fungicidas utilizadas no controle dos agentes causadores da mancha de ramulária atualmente. Assim, possibilita-se menor probabilidade de surgimento de isolados ou raças do patógeno, resistentes aos princípios ativos de fungicidas. Ressalta-se, no entanto, que para a melhoria da eficiência de uso do controle biológico de forma ampla e integrada aos demais métodos e práticas culturais aplicadas à cultura do algodoeiro e, ainda, para o melhor entendimento dos processos envolvidos no controle por parte de biofungicidas como os utilizados nesse trabalho, há necessidade de intensificação de pesquisas básicas e aplicadas, no que se refere principalmente a posicionamento, intervalo

Phytus Club

Trata-se da principal doença do algodoeiro no Brasil

de aplicação, associação com demais grupos de fungicidas, compatibilidade com fungicidas e demais produtos fitossanitários utilizados na cultura, de forma a permitir a inserção mais assertiva e eficiente de bioprodutos para o controle de doenças ao sistema de produção utilizado atualmente nas principais regiões produtoras de algodão do País. No que se refere à produtividade de algodão em caroço, conforme pode ser observado na Figura 3, o fungicida biológico T.h + T.a + B. amyloliquefaciens, juntamente com o fungicida químico aplicado isoladamente ou em associação com bioprodutos ou biofertilizantes, superou o biofertilizante e o biofungicida à base de B. subtilis que não diferiram da testemunha sem aplicação. Tal fato demonstra que a associação dos biofungicidas avaliados com fungicidas químicos não interferiu negativamente na produtividade. Contudo, ressalta-se novamente a

necessidade de realização de estudos aprofundados para a melhoria do conhecimento acerca da utilização de biofungicidas, no que se refere à eficiência de controle da doença e ao aumento da produtividade do algodoeiro. Tais estudos podem gerar ganhos, desde que sejam priorizados o melhor juízo acerca do posicionamento, os intervalos entre aplicações, as combinações e a compatibilidade entre produtos, de forma a possibilitar novas ferramentas que contribuam para o manejo da ramulária no campo. Este trabalho contou com o apoio da Fundação BA e do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão C (Fundeagro).

Fabiano Jose Perina, Wirton Macedo Coutinho e Alderi Emídio de Araujo, Embrapa Algodão

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Soja e Milho

Biotecnologia dinâ A busca por novas cultivares de soja e de milho e as tendências para os novos aspectos biotecnológicos

A

s culturas geneticamente modificadas (GMO) surgiram há mais de duas décadas, sendo inseridas lentamente nos sistemas e práticas agrícolas, em países que evidenciam condições agricultáveis de pequena a larga escala. Devido às constantes modificações climáticas, ao incremento do potencial produtivo e ao avanço da agricultura para as novas fronteiras, tornou-se crescente a necessidade de plasticidade, aclimatação e adaptação das novas cultivares obtidas através do melhoramento genético. Os métodos tradicionais de melhoramento, combinados às mais avançadas técnicas de biotecnologia molecular, foram e são vitais na manutenção e no incremento da produção de alimentos suficientes para satisfazer a crescente demanda mundial. As formas de inserção dos novos genes nas plantas podem ocorrer de diversas maneiras, como através do melhoramento genético convencio34

nal, sendo as hibridações dirigidas, populações e famílias segregantes fundamentais, bem como por meio das seleções que possibilitarão que um determinado gene desejado seja implementado na cultivar-alvo. Claro que estes procedimentos decorrem de vários anos de planejamento e de atividades do melhorista. Outra maneira é a utilização de técnicas biotecnológicas baseadas no bombardeamento de micropartículas de ouro ou tungstênio, sendo estas recobertas por DNA, aceleradas suficientemente e bombardeadas até penetrar no interior das células vegetais que posteriormente serão regeneradas a uma nova planta com o gene de interesse inserido no genoma. Baseia-se, então, em uma técnica denominada de inserção gênica direta. Entretanto, tem-se as técnicas de inserções gênicas indiretas que utilizam um plasmídeo comumente conhecido como Agrobacterium tumefaciens. Esta bactéria expressa

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ação patogênica desarmada que tem capacidade de englobar o novo transgene em seu genoma circular, e então, ao ser inoculada no tecido vegetal, promove ações de hiperplasia e/ou hipertrofia através de galhas, que farão a transferência do fragmento de DNA para o tecido vegetal que será posteriormente regenerado através da cultura de tecidos. Outras ferramentas atuais que têm auxiliado na inserção de genes desejáveis e no silenciamento de genes indesejáveis no germoplasma servirão como base para o desenvolvimento de novas cultivares, sendo estas baseadas na edição gênica por Trascription activator-like effector nucleasse (Talens) que permite a quebra da dupla fita de DNA, modificando sítios específicos no genoma. Pode ser utilizada junto a mutações, inserções e substituições de bases nitrogenadas nos cromossomos da espécie de interesse (Vasconcelos et al., 2015). Uma técnica mundialmente conhecida denomina-se de Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats (CRISPR/Cas9), que possui diversas aplicações tanto para a inserção ou deleção de bases nitrogenadas no DNA, bem como para a troca de


âmica sequências no genoma, tem sido implementada em milho, cevada, arroz e no trigo (Vasconcelos et al., 2015). Outra alternativa denomina-se de Zinc Finger Nucleases (ZNF), que permite reconhecer e clivar uma sequência de DNA em sítios específicos do genoma, auxilia na correção de erros em genes vitais para o funcionamento molecular e metabólico, atua na inserção de genes e construção de sequências diferenciadas de DNA na célula (Vasconcelos et al., 2016). Dentre os vários benefícios de compilar o melhoramento genético e a biotecnologia no desenvolvimento de novas cultivares ressalta-se que o advento dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) foram determinantes para a melhoria dos sistemas agrícolas, incremento das coberturas vegetais sobre solos destinados à agricultura, crescente potencial na produtividade de alimentos por unidade de área, bem como os benefícios diretos para o ambiente rural mais sustentável. Atualmente, o setor agropecuário tem à disposição uma série de culturas com eventos biotecnológicos, tais como alfafa (Medicago sativa), maçã (Malus x Domestica), canola (Brassica napus var oleifera),

Fotos Wenderson Araujo/CNA

feijão (Phaseolus vulgaris), cravo (Dianthus caryophyllus), chicória (Cichorium intybus), algodão (Gossypium hirsutum), feijão frade (Vigna unguiculata), berinjela (Solanum melongena), eucalipto (Eucalyptus sp.), linho (Linum usitatissimum), melão (Cucumis melo), mamão (Carica papaya), petúnia (Petunia hybrida), abacaxi (Ananas comosus), ameixa (Prunus domestica), álamo

(Populus sp.), batata (Solanum tuberosum), arroz (Oryza sativa), rosa (Rosa hybrida), cártamo (Carthamun tinctorius), abóbora (Cucurbita pepo), beterraba sacarina (Beta vulgaris), cana-de-açúcar (Saccharum sp.), pimenta doce (Capsicum annuum), tabaco (Nicotiana tabacum), tomate (Lycopersicon esculentum), trigo (Triticum aestivum) e as principais culturas do cenário agrícola brasileiro:

Figura 1 - Modelo preditor das relações de exportação da soja com o lançamento de novas cultivares da soja

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a soja (Glycine max) e o milho (Zea mays) (ISAAA, 2020). A área mundial implantada com transgênicos passou de 1,7 milhão de hectares em 1996 para mais de 191 milhões de hectares em 2020, sendo estabelecida como o ramo tecnológico que mais rápido ascendeu nas últimas décadas no âmbito agrícola. O Brasil, é responsável por mais de 51 milhões de hectares com áreas destinadas aos cultivos com espécies transgênicas, com destaque especial para a soja, o milho e o algodão, sendo 35 milhões de hectares destinados à soja, 15 milhões de hectares com a cultura do milho e um milhão de hectares com algodão (ISAAA, 2018).

A SOJA

O Brasil caracteriza-se como um dos maiores produtores de soja, principal commoditie destinada à exportação, que apresenta importância econômica e ampla utilização na alimentação humana e animal. De acordo como o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da

América (USDA), os maiores players da soja são Brasil, Estados Unidos e Argentina. Dentre estes aspectos, os principais importadores da oleaginosa baseiam-se em China, União Europeia e México. Sendo responsável por exportar mais de 85 milhões de toneladas de grãos majoritariamente oriundos de organismos geneticamente modificados. Para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em 2020 a área semeada com a soja totalizou 36 milhões de hectares e produção de 120 milhões de toneladas de grãos. Atualmente, o Brasil revela mais de duas mil cultivares disponíveis para a comercialização em todo o território nacional. Baseados em estudos preditivos, definiu-se que os lançamentos de cultivares são ponderados e determinados por incrementos e modificações nas dinâmicas da exportação de grãos (Figura 1). Em 2020, estima-se o registro de 138 novas cultivares e se estabelece que em 2030 serão lançadas 185 cultivares ao ano, sendo esta demanda crescente em função Wenderson Araujo/CNA

O Brasil caracteriza-se como um dos maiores produtores da soja, principal commoditie destinada à exportação

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da importância da cultura. Este incremento viabiliza a ascensão em 7,4% de novas cultivares da soja por ano. O registro nacional de cultivares foi implementado a partir de 1998 (Figura 2). Para isso, novas cultivares foram lançadas gradualmente nas últimas duas décadas. Evidencia-se que concomitantemente houve o incremento da área semeada e produtividade de grãos por hectare. Isto certamente consolida-se pelo ganho genético, seleção e posicionamento estratégico de novas cultivares específicas a determinados nichos da agricultura, bem como ambientes de cultivo.

O MILHO

O milho consolidou-se como um importante produto para a exportação, alimentação animal, produção de etanol e derivados. Segundo a Conab, em 2020 semeou-se mais de 18 milhões de hectares com este cereal (Conab, 2020). De acordo com o USDA, estima-se que em 2020 e 2021 haverá incrementos na produção, revelando magnitudes de 1,18 bilhão de toneladas de grãos, sendo os Estados Unidos, a China, o Brasil, a União Europeia e a Argentina os maiores players para esta cultura em todo o mundo. Perante os eventos biotecnológicos para a cultura do milho, diferencia-se no âmbito de cultivares algumas relações quanto à base genética e à inserção de transgenes no genoma. Desta forma, alguns cuidados devem ser expressos na implantação de organismos transgênicos e não transgênicos, devido ao mecanismo reprodutivo, sendo essa uma espécie alógama, o que pode tangenciar o fluxo gênico entre germoplasmas, genótipos, variedades de polinização aberta, híbridos simples, simples modificados, triplos, duplos, compostos ou sintéticos, ou intervarietais. As inserções de transgenes em milho são preconizadas em híbridos com bases genéticas estreitas a mediamente ampla, tais como os híbridos simples, simples modificados


e híbridos triplos. Devido a serem mais aceitos pelo mercado agrícola, expressam maior vigor híbrido, valor em suas sementes e respostas aos ambientes tecnificados disponíveis na atual agricultura brasileira (Embrapa, 2014).

Figura 2 - Desempenho da área semeada, produtividade por hectare e lançamento de novas cultivares frente aos anos agrícolas de 1998 a 2020

BIOTECNOLOGIAS DISPONÍVEIS PARA A CULTURA DA SOJA

Dos genótipos disponíveis comercialmente, 47,6% são denominados tolerantes a herbicidas e 29,5% expressam tolerância a insetos-praga. A partir de 1998 popularizou-se o registro nacional de cultivares e os transgênicos (Figura 3). Neste contexto, verifica-se o declínio do lançamento de novas cultivares não geneticamente modificadas, ao longo das últimas décadas, com advento das liberações pela CTNBio. A partir de 2001 houve o aumento abrupto de cultivares disponíveis, sendo estas tolerantes a herbicidas (RR). Este nicho biotecnológico foi maximizado em 2010 e neste mesmo ano as cultivares com tolerância a lepidópteros (IPRO) tiveram sua oferta regulamentada e seus registros tornaram-se frequentes. Atualmente, as tendências no desenvolvimento de cultivares são amparadas por combinar tecnologias de tolerâncias a herbicidas e insetos-praga, para então evidenciar maior escape às condições de ambiente. Outros eventos que se manifestaram nas últimas décadas foram cultivares inseridas no sistema Liberty Link (LL) e Cultivance, que ainda representam uma pequena fração das cultivares disponíveis.

Figura 3 - Frequência de lançamento de cultivares da soja com eventos biotecnológicos inseridos e ponderados pelos anos de lançamento

EVENTOS DISPONÍVEIS ESPECÍFICOS PARA A CULTURA DA SOJA

cillus thuringiensis var. aizawai. Esta tecnologia tem a finalidade de proporcionar tolerância a insetos lepidópteros. No mercado agrícola são denominados de Enlist E3.

TOLERÂNCIA A INSETO-PRAGA Este evento biotecnológico foi obtido através da inserção do gene cry1Ac oriundo da bactéria Bacillus thuringiensis subsp. Kurstaki estirpe HD73, bem como pela inserção do gene cry1F oriundo da bactéria Ba-

TOLERÂNCIA AO HERBICIDA GLIFOSATO Evento biotecnológico obtido por meio da inserção do gene cp4-epsps extraído da bactéria Agrobacterium tumefaciens cepa CP4, combinado à inserção do gene 2mepsps obtido do milho. Esta tecnologia tem a fina-

lidade de proporcionar a tolerância da soja ao herbicida glifosato, com inúmeras formas comerciais, entre elas RR e RR2. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA GLUFOSINATO Obtido através da inserção do gene pat oriundo da bactéria Streptomyces viridochromogenes. Expressa finalidade de tolerar herbicidas inseridos em sistemas tecnológicos denominados de Libert Link, Libert Link G27 e Enlist.

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Wenderson Araujo CNA

QUALIDADE DO PRODUTO Obtido pela inserção do gene gm-fad2-1 oriundo da espécie Glycine max. Bloqueia a formação de ácido linoleico (silenciando o gene fad2-1), o que permite o maior acúmulo de ácido oleico nos grãos, sendo este sistema denominado de Plensh.

BIOTECNOLOGIAS PARA A CULTURA DO MILHO

No Brasil, o milho apresenta-se como a cultura que mais recebeu investimento em diferentes eventos biotecnológicos disponíveis.

O milho consolidou-se como um importante produto para a exportação, alimentação animal, produção de etanol e derivados

TOLERÂNCIA AO HERBICIDA ISOXAFLUTOLE Biotecnologia obtida pela inserção do gene hppdPF W336 extraído da bactéria Pseudomonas fluorescens estirpe A32. Tem o objetivo de proporcionar a tolerância da planta aos herbicidas inibidores da enzima HPPD (isoxaflutol), no cenário agrícola o sistema denomina-se Liberty Link G27. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA 2,4D Ações obtidas devido à inserção do gene add-12 oriundo da bactéria Delftia acidovorans. Este evento tem a finalidade de catalisar a degradação da cadeia lateral do herbicida 2,4D, as cultivares disponíveis pertencem ao sistema Enlist. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA DO GRUPO DAS SULFONILUREIAS Inseriram-se o gene csr1-2 38

oriundo da espécie Arabidopsis thaliana e o gene gm-hra extraído da espécie Glycine max. Por expressar tolerância a herbicidas específicos, enquadra-se no sistema Cultivance. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA DICAMBA Evento obtido através da inserção do gene dmo extraído da bactéria Stenotrophomonas maltophilia estirpe DI-6. Tem a finalidade de tolerar especificamente o herbicida dicamba, enquadrando-se na tecnologia agrícola Xtend. TOLERÂNCIA AO ESTRESSE HÍDRICO Baseado na inserção do gene Hahb-4 oriundo do girassol, proporciona maior eficiência do uso da água nos seus processos fisiológicos, evidencia-se como um evento promissor no cenário agrícola e denomina-se de Verdega.

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TOLERÂNCIA AO ESTRESSE HÍDRICO Evento biotecnológico obtido através da inserção do gene cspB intrínseco à bactéria Bacillus subtilis. Tem a finalidade de maximizar o desempenho das plantas em condições edafoclimáticas adversas, denominado no mercado agrícola como Genuity DroughtGard. TOLERÂNCIA A LEPIDÓPTEROS Obtido pela inserção dos genes ecry3.1Ab, Cry3A e Cry1Ab extraídos da bactéria Bacillus thuringiensis, inserção do gene cry1Ab oriundo da bactéria Bacillus thuringiensis subsp. kurstaki, inserção dos genes cry1Fa2 e cry1F extraídos da bactéria Bacillus thuringiensis var. aizawai, inserção do gene vip3Aa20 oriundo da bactéria Bacillus thuringiensis cepa AB88, inserção cry2Ab2, cry1A.105, e cry1F oriundos da bactéria Bacillus thuringiensis var. aizawai. Estes eventos têm a finalidade de proporcionar a tolerância a lepidópteros. No mercado agrícola com estas tecnologias evidenciam-se Agrisure Duracade 5222, Agrisure CB / LL, Agrisure GT / CB / LL, Agrisure Viptera 2100, Agrisure Viptera 3110, Agrisure Viptera 3100, Agrisure Viptera 3111, Agrisure Viptera 4, Agrisure CB / LL / RW, SmartStax Pro x Enlist, Genuity VT Triple Pro, Genuity VT Double Pro, Genuity SmartStax, Power Core, Power Core


x MIR162 x Enlist, YieldGard CB + RR; Herculex I, Herculex CB, Herculex XTRA, Optimum Intrasect, Herculex I RR. TOLERÂNCIA A COLEÓPTEROS Obtido pela inserção dos genes mcry3A, cry3A, cry34Ab1, cry35Ab1, cry3Bb1 e dvsnf7, extraídos da bactéria Bacillus thuringiensis subsp. kumamotoensis, conferem tolerância a Diabrotica virgifera virgifera, tecnologia disponível comercialmente por meio dos sistemas Agrisure Duracade 5222, Agrisure Viptera 3100, Agrisure Viptera 3111, Agrisure Viptera 4, Agrisure CB / LL / RW, SmartStax Pro x Enlist, YieldGard VT Rootworm RR2, Genuity VT Triple Pro, Genuity SmartStax, Herculex XTRA. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA GLUFOSINATO A introdução do gene pat e pat (syn) originário da bactéria Streptomyces viridochromogenes Tu 494. Apresentam no mercado agrícola sistemas como Agrisure Duracade 5222, Agrisure CB / LL, Agrisure GT / CB / LL, Agrisure Viptera 2100, Agrisure Viptera 3110, Agrisure Viptera 3100, Agrisure Viptera 3111, Agrisure Viptera 4, Agrisure CB / LL / RW, SmartStax Pro x Enlist, Genuity SmartStax, Power Core, Power Core x MIR162 x Enlist, Milho Roundup Ready Liberty Link, Liberty Link Maize, Herculex I, Herculex CB, Herculex XTRA, Optimum Intrasect, Herculex I RR. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA GLIFOSATO Evento biotecnológico obtido pelos genes mepsps e goxv247, extraídos da bactéria Agrobacterium tumefacien. No cenário agrícola têm-se Agrisure Duracade 5222, Agrisure GT / CB / LL, Agrisure Viptera 3110, Agrisure Viptera 3111, Agrisure Viptera 4, Milho Roundup Ready, Agrisure GT, Milho Roundup Ready, SmartStax Pro x Enlist, YieldGard VT Rootworm RR2,

Genuity VT Triple Pro, Genuity VT Double Pro, Gen uity, SmartStax, Power Core, Power Core x MIR162 x Enlist, Milho Roundup Ready 2, YieldGard CB + RR, Roundup Ready Liberty Link, Optimum Intrasect e Herculex I RR. ALTERAÇÃO NO METABOLISMO DA MANOSE Adquirido através do gene pmi oriundo da bactéria Escherichia coli. Metaboliza a manose e permite a seleção positiva para recuperação de plantas transformadas, expressa-se nos sistemas Agrisure Duracade 5222, Agrisure Viptera 2100, Agrisure Viptera 3110, Agrisure Viptera 3100, Agrisure Viptera 3111, Agrisure Viptera 4, Agrisure CB / LL / RW, Power Core x MIR162 x Enlist e Enogen. TOLERÂNCIA AO HERBICIDA 2,4D Evento biotecnológico obtido pela inserção através do gene aad-1 oriundo da bactéria Sphingobium herbicidovorans. No cenário agrícola evidencia-se nas tecnologias SmartStax Pro x Enlist, Power Core x MIR162 x Enlist. ALFA AMILASE MODIFICADA Inseriu-se o gene amy797E oriundo de micróbios Thermococcales spp. O que proporcionou o incremento da produção de etanol e termoestabilidade da enzima amilase utilizada para degradar o amido dos grãos, tecnologia disponível no sistema Enogen.

PERSPECTIVAS PARA OS NOVOS EVENTOS BIOTECNOLÓGICOS

Para a soja evidencia-se a oferta futura de cultivares com tolerância aos herbicidas glifosato, glufosinato, 2-4D, sulfonilureias, isoxaflutol e dicamba, sendo estes eventos combinados, bem como o lançamento de tecnologias com tolerância a lepidópteros combinados com a tolerância a herbicidas baseados na ação do glufosinato, glifosato e dicamba. Existe grande probabilidade do lançamento de cultivares com tolerância aos herbicidas do grupo das sulfonilureias, conjuntamente a tecnologias que modificam a qualidade dos grãos e tolerância a estresses abióticos. Para a cultura do milho, esperam-se novas cultivares que combinam tecnologias de tolerância aos herbicidas glufosinato, glifosato e 2,4D, tolerância a insetos-praga tanto lepidópteros quanto coleópteros. Para o sucesso do agronegócio brasileiro, torna-se primordial o desenvolvimento de novas cultivares alicerçadas a altos padrões genéticos combinados a tecnologias e sistemas que envolvem eventos biotecnológicos eficazes no âmbito agrícola, que proporcionam elevadas produtividades, sustentabilidade das cadeias produtivas, produção de alimentos com qualidade e C baixos impactos ambientais. Ivan Ricardo Carvalho, Natã Balssan Moura e Danieli Jacoboski Hutra, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Carvalho, Moura e Danieli

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Coluna Agronegócios

Carne “vegetal”, a próxima polêmica

E

m primeiro lugar – e acima de tudo –, nada tenho contra hábitos vegetarianos, veganos ou similares, é uma decisão de foro íntimo de cada cidadão, que deve ser respeitada. O fulcro deste artigo é cotejar questões nutricionais e de segurança alimentar, de preparados com vegetais que pretendem substituir a carne. Duas empresas, a Impossible Foods e a Beyond Meat, se destacam nesse mercado. Em parte, essas questões técnicas vão auxiliar a definir o espaço de mercado da carne que será substituído por vegetais. Obviamente que os números abaixo podem variar, vez que representam valores médios encontrados nos textos sobre o assunto. Comparando um hambúrguer típico (carne animal) com os hambúrgueres à base de vegetais, a principal diferença que ressalta é a quantidade de fibras, que é moderadamente superior. Os valores por porção, para calorias (250 kcal - 300 kcal), proteínas (20g) e ferro biodisponível (16%- 25%) são equivalentes. Os valores para outros micronutrientes são variáveis e, normalmente, equivalentes. E o sódio? Falou em sódio, lembrou de hipertensão, por issto a preocupação com o consumo diário. Hambúrgueres à base de vegetais têm sido criticados por seu teor mais elevado de sódio. Um hambúrguer de carne típico contém cerca de 80 mg de sódio, enquanto hambúrgueres de vegetais podem atingir 370 mg. Esse teor de sódio ocorre naturalmente nos vegetais, não é adicionado para conferir sabor ou estabilidade ao produto. A pergunta essencial é: esse valor é alto? A ingestão diária admitida pela OMS é de 1.500 mg a 2.000 mg por dia. O problema maior pode ser os condimentos (mostarda, maionese, ketchup ou outros), que contêém sódio, ou o pão, posto que um lanche de hambúrguer vegetal – pronto para consumo - pode conter 1.000 mg de sódio, porém apenas cerca de 1/3 vem do hambúrguer.

BENEFÍCIOS

Examinando a literatura e a opinião de especialistas, encontramos quatro benefícios mais referidos. O primeiro aponta para os lipídios. Um hambúrguer típico médio contém 20 g de 40

gordura, sendo 50% de gorduras saturadas. Logo, um hambúrguer fornece quase metade da ingestão máxima de gordura saturada recomendada para adultos (5% - 10% das calorias). Os hambúrgueres vegetais contêm a mesma ou ligeiramente menos gordura total, mas a mistura é mais favorável- menos gordura saturada (5 g- 8 g) e mais gorduras insaturadas. Reduzir as gorduras saturadas é bom para o coração, se substituídas por gorduras insaturadas. A maioria dos hambúrgueres vegetais usa óleo de coco como fonte de gordura saturada, considerada menos prejudicial do que as gorduras saturadas encontradas na carne bovina. O segundo é a redução de gordura trans. Um hambúrguer de carne contém 1 g - 2 g de gorduras trans. Embora de ocorrência natural, são semelhantes às gorduras trans industriais. A OMS limita o total de gorduras trans a menos de 2 g/ dia, o que significa que um hambúrguer de carne pode fornecer o limite diário de gordura trans. O terceiro se refere ao menor risco de doenças transmitidas por alimentos. Hambúrgueres vegetais são mais seguros de serem manuseados crus, do que carne moída, devido ao risco (embora reduzido) de contaminação com bactérias patogênicas como Salmonella spp. e Escherichia coli. O quarto benefício seria uma redução do risco de câncer. Lembremo-nos que, em 2015, a OMS rotulou a carne vermelha como um “provável carcinógeno”, na Classe 2A, devido a uma forte correlação com o câncer colorretal. Embora faltem dados de ensaios controlados, há uma forte base mecanicista, especialmente quando ocorre cozimento em alta temperatura, que gera carcinógenos bem conhecidos (como aminas heterocíclicas e hidrocarbonetos policíclicos). Essa ligação está bem estabelecida em modelos animais, mas não está claro quanta carne vermelha necessitaria ser consumida, e em que condições, para se constituir em um risco efetivo, na vida real. Como sempre, a dose faz o veneno!

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OS CONTRAS

O primeiro ponto levantado contra

hambúrgueres vegetais é o elevado processamento industrial. Mas esta é uma polêmica que apresenta evidências que depõem contra ou a favor do processamento de alimentos, e está longe de terminar. O segundo são os aditivos químicos, porém nada consistente é encontrado na literatura, pouco indo além de suspeitas e alertas genéricos. O terceiro aspecto é o número de ingredientes adicionados, normalmente para melhorar o aspecto nutricional, como adição de vitaminas e minerais, para se aproximar dos teores verificados na carne. A crítica se refere aos aditivos como “não-naturais”, o que é controverso, porque alguns são extraídos de plantas, outros são sintéticos. O único ingrediente efetivamente novo – o heme – está presente em grandes quantidades no nosso organismo, sendo parte da hemoglobina. As plantas também contêm heme, mas em quantidades muito menores do que a carne. Por exemplo, seria necessária uma grande quantidade de soja para produzir leg-hemoglobina, a fim de fornecer heme no mesmo teor da carne. O processo utilizado é a adição de heme produzido por fermentação com micróbios especializados. Finalmente, sempre existe o questionamento de resíduos de pesticidas. Valendo-se dos levantamentos oficiais realizados em diversos países, esse não deve ser motivo de preocupação no consumo de hambúrgueres vegetais, pois os teores encontrados têm sido muito abaixo da dose diária aceitável das substâncias. Em suma, o uso de blends vegetais, para substituir carnes no preparo de alguns alimentos, significa apenas deslocar a produção agrícola de um para outro setor. Continuaremos nos alimentando na mesma proporção de antes, há vantagens e desvantagens que devem ser consideradas, em ambas as vertentes. A decisão de consumo será individual, por razões próprias de cada cidadão. Do ponto de vista das cadeias do agronegócio, a questão maior é verificar onde estarão as melhores oportuC nidades de mercado. Decio Luiz Gazzoni O autor é Engenheiro Agrônomo, pesq. da Embrapa Soja


Coluna Mercado Agrícola

O

Mais um grande ano começa para o agro brasileiro

s produtores brasileiros estão com a safra nos campos e a colheita já começa a ocorrer. Os indicativos apontam para uma grande safra e recorde histórico de produção. Em soja, são aguardados perto de 130 milhões de toneladas e se o clima seguir o ritmo de janeiro, a safra pode bater a marca de 135 milhões de toneladas. Há mais de 70 milhões de toneladas negociadas antecipadamente. O milho se aproxima da colheita da primeira safra, que deve resultar entre 23 milhões e 25 milhões de toneladas. A safrinha em plantio deve resultar em recorde histórico de área e passar dos 14 milhões de hectares. Começa com potencial de colher mais de 90 milhões de toneladas se o clima for regular e houver chuvas em bons volumes. A safra, que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou em pouco mais de 102 milhões de toneladas, pode passar de 110 milhões de toneladas se

MILHO

A safra do milho está em colheita neste começo de 2021. Houve perdas que se aproximam de cinco milhões de toneladas do potencial desta primeira colheita. Para o segundo semestre haverá dependência da safrinha, que começa com expectativa de recorde histórico de área a ser plantada. Neste começo de ano observam-se forte demanda e pouca oferta e indicativos firmes, mostrando patamares acima dos R$ 80,00 a saca, junto às indústrias de ração, que seguirão compradoras. O milho que chega ao Sul do País, importado do Paraguai, também está liquidando acima de R$ 80,00 a saca. Há expectativas de um mercado um pouco mais calmo em

o clima for favorável. A primeira safra do milho foi fortemente prejudicada pelo clima no Sul. As perdas acumuladas no Brasil chegam a cinco milhões de toneladas do potencial produtivo. Desta forma, ainda há muito para acontecer com o milho e assim a safra segue aberta. Haverá grandes volumes de milho novamente neste ano. O arroz, já em colheita, mostra potencial de 10,5 milhões de toneladas a 11 milhões de toneladas, também com fôlego positivo para as cotações, que devem ser os melhores níveis médios históricos para os produtores. O feijão, com a segunda safra em andamento, traz indicativos de crescimento da área e correria pelos grãos colhidos na primeira safra. O Brasil caminha para uma grande safra de grãos, com potencial para colher mais de 250 milhões de toneladas neste novo ano. Será um grande ano para o agro brasileiro, que seguirá como suporte para o País sair da crise do coronavírus.

fevereiro, com a colheita da primeira safra a todo vapor.

SOJA

O Brasil observa a safra da soja no início da colheita, devendo avançar nas próximas semanas porque neste ano houve atraso médio de duas a três semanas no plantio. Desta forma, o pico de colheita dos grãos deve ocorrer no começo de março. Há expectativas de recorde de colheita e de exportação para este ano de 2021. As cotações começaram o ano nos maiores níveis desde julho de 2013 em Chicago e assim abrindo excelentes oportunidades de fechamentos para os produtores, que devem ter um excelente ano para os negócios.

ARROZ

O mercado do arroz começa o ano com estabilidade nos indicativos e negócios pontuais no Sul. A colheita ainda anda lenta e deve ganhar forças a partir de fevereiro, atendendo às indústrias que devem seguir comprando e apostando em boa demanda no ano e produto com níveis médios muito acima do que estavam sendo trabalhados nos anos anteriores. Boa parte dos ganhos conseguidos no segundo semestre do ano passado deve ficar para o arroz neste ano. Com boas expectativas para os produtores. O setor industrial aposta em forte demanda de arroz em 2021, e com o fim do auxílio emergencial, a tendência é de crescimento de demanda de alimentos básicos, principalmente arroz e feijão.

Curtas e boas TRIGO - O mercado do trigo segue forte, e como avançou em Chicago, mostra que o grão importado acaba liquidando acima de R$ 1.500,00 por tonelada nas importações novas. Dessa forma, segue a dar fôlego positivo às cotações internas para 2021 e apelo para manter os indicativos acima de R$ 1.300,00 a tonelada para o grão atual, favorecendo o novo plantio, que tende a mostrar crescimento da safra. EUA - O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) mostrou os números finais da safra, com a soja em forte queda, no patamar de 112,5 milhões de toneladas, com perdas de 12,5 milhões de toneladas frente ao potencial inicial. Para o milho, foram 360,3 milhões de toneladas e também grandes perdas frente ao potencial, em torno de 50 milhões de toneladas perdidas para o clima. Desta forma, a safra foi muito abaixo das projeções, e como a demanda mundial foi forte, Chicago chegou aos maiores níveis desde julho de 2013.

CHINA - A China continuou comprando forte e levou mais de 100 milhões de toneladas de soja em 2020. Deve embarcar entre 105 milhões e 110 milhões de toneladas em 2021, liderando a demanda mundial. Marca forte presença a partir de agora na compra do milho, que deve ultrapassar 20 milhões de toneladas neste ano. ARGENTINA - Os argentinos estão com a safra nos campos e algumas perdas já confirmadas, em ano que o plantio se deu com atraso. Assim, ainda há riscos crescentes em fevereiro e março, quando dependem de boas chuvas para que as perdas não aumentem. Segue com projeção de menos de 48 milhões C de toneladas de soja e nível ainda menor para o milho.

Vlamir Brandalizze Twitter@brandalizzecons www.brandalizzeconsulting.com.br Instagram BrandalizzeConsulting ou Vlamir Brandalizze www.revistacultivar.com.br • Fevereiro 2021

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Coluna ANPII

Em crescimento Com a alta do dólar e o aumento dos custos de importações de insumos agrícolas, a Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) mostra de modo ainda mais evidente sua importância como produto nacional, de baixo investimento e que potencializa a produtividade sustentável e a competitividade da agricultura brasileira

R

ecém entramos em mais um ano que se prenuncia de grandes atribulações em todas as atividades profissionais e sociais. A pandemia, em níveis crescentes quando se pensava que iria regredir, vem trazendo dores a muitas famílias e desorganizando grande número de atividades econômicas. Felizmente para toda a sociedade, os itens para suprir a necessidade básica dos seres vivos, que é a alimentação, continuam nas prateleiras dos supermercados e na mesa dos brasileiros. O setor do agronegócio conseguiu manter sua produção e sua produtividade nos níveis crescentes dos últimos anos. Houve uma oscilação de preços que é muito mais de política de abastecimento, uma vez que não houve escassez na produção de alimentos. Muitos dos fatores de produção na agricultura são importados, o que, com a alta do dólar, impacta nos preços dos produtos agrícolas. O nitrogênio, por ser quase que totalmente importado e utilizado em grandes quantidades na agricultura, poderia influir decisivamente no custo de produção na cultura da soja, cujas plantas, pelo alto teor de proteína de seus grãos, necessitam de um provimento significativo do nutriente, na ordem de 80kg para cada tonelada de grão produzida. Se pensarmos na produtividade média da soja no Brasil, de 3.300kg/há, e na área de leguminosa plantada no país, 37 milhões de hectares, teremos a dimensão do volume de material a ser transportado e no peso financeiro que isto teria no custo de produção. Aí, nesta situação é que aparece mais destacadamente o papel da Fixação Biológica do Nitrogênio. Um produto nacional, que requer baixo investimento e que potencializa a produtividade e a compatibilidade 42

com uma agricultura sustentável, aparecendo cada vez mais como uma das ferramentas fundamentais para o cultivo da soja e de outras leguminosas. As pesquisas feitas pela empresa Spark, por encomenda da ANPII, têm mostrado uma adesão de 80% dos agricultores brasileiros à técnica da inoculação, indicando que o plantador de soja reconhece no inoculante um produto altamente rentável em sua atividade, bem como totalmente compatível com uma agricultura sustentável, em consonância com o desejo da sociedade de utilizar produtos que propiciem ganhos em produtividade, rentabilidade para o agricultor e, ao mesmo tempo, sejam amigáveis com o ambiente. Avançando ainda mais no uso do nitrogênio via biológica, vemos que novos tipos de inoculantes, mesclados com o tradicional, à base de Bradyrhizobium, proporciona uma maior produtividade na soja e no feijão. A prática da coinoculação com a bactéria específica para cada uma destas culturas e com a bactéria Azospirillum tem mostrado, através de ensaios de pesquisa e de utilização em lavouras, incrementos expressivos na produção das duas leguminosas. O

Avançando ainda mais no uso do nitrogênio via biológica, vemos que novos tipos de inoculantes, mesclados com o tradicional, à base de Bradyrhizobium, proporciona uma maior produtividade na soja e no feijão

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agricultor, reconhecendo a validade desta prática relativamente nova, a tem adotado em níveis crescentes, conforme mostra a pesquisa da ANPII/Spark mencionada anteriormente. Em 2019, 15% dos agricultores utilizaram a coinoculação e em 2020 o número já atingiu 25%. Temos certeza de que, em 2021, este número crescerá sensivelmente. As empresas associadas da ANPII se aparelham, qualitativa e quantitativamente, para atender à demanda do mercado, oferecendo os dois inoculantes dentro de elevados padrões de qualidade, à altura do nível tecnológico do agricultor brasileiro.

A MORTE DE UM PIONEIRO

Paulo Garcia Leite No final de dezembro recebemos a notícia da morte do pesquisador Paulo Garcia Leite, vítima de Covid-19. Foi o pioneiro na produção comercial de inoculante no Brasil, tendo iniciado a produção em 1956, no Laboratório Leivas Leite, de Pelotas, Rio Grande do Sul. Foi também um dos fundadores da ANPII, tendo sido seu presidente, sempre com uma participação muito ativa na associação. Fica aqui nosso pesar por tão grande perda. C Solon Araujo Consultor da ANPII




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