Macau nas Memórias de Joaquim Paço d’Arcos António Aresta Professor e Investigador
Joaquim Belford Correia da Silva (1908-1979), que assinava como Joaquim Paço d’Arcos, romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta, viveu em Macau entre Agosto de 1919 e Junho de 1922, período em que o seu Pai, o Comandante Henrique Correia da Silva [que também usava o nome de Henrique Paço d’Arcos] desempenhou as funções de Governador dessa Província Ultramarina situada na zona meridional da China. Joaquim Paço d’Arcos tinha apenas onze anos de idade, mas os curtos anos em que viveu em Macau revelaram-se culturalmente muito intensos e existencialmente marcantes, de tal forma que a sua futura obra irá reflectir intermitentemente essas vivências, sobretudo nos “Amores e Viagens de Pedro Manuel” (1935), no “O Navio dos Mortos e Outros Contos” (1952), nos “Encontros da Vida e da Literatura” (1955) e nas “Pedras à Beira da Estrada” (1962). Talvez aí se encontrem umas das melhores e mais singulares marcas da estética orientalista da fase imperial da nossa história literária contemporânea. Sem esquecer, naturalmente, as “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo”, em três volumes, 1973/1979. Um dos últimos actos do então governador cessante, Artur Tamagnini Barbosa, em 23 de Abril de 1919, foi o de mandar reforçar alguns orçamentos sectoriais, nomeadamente a “dotação do Museu Luís de Camões com 129,000” e a “alimenta-
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ção dos cavalos do Palácio com 200,000”. Uma questão de prioridades, como bem se nota. Em Agosto de 1919, um tufão ameaçava paralisar Hongkong, Macau e toda a zona a sul de Cantão. O Governador de Hongkong, Sir Reginald Stubbs oferece a Government House, mas o Comandante Henrique Correia da Silva tinha pressa para chegar a Macau. A canhoneira “Pátria”, comandada por Mariano de Carvalho, transportará o novo Governador, a Família e a sua comitiva, de Hongkong para Macau, debaixo de uma intensa tempestade tropical, “novidade não houve além do balanço ininterrupto durante nove horas, mais do dobro do tempo normal da travessia”. Chegam a Macau com a cidade totalmente às escuras, porque houve uma falha geral de energia. O tufão trouxe muitos prejuízos, mas também um novo Governador. Era o prenúncio de uma atribulada governação. Em Macau reencontraram familiares, como Carlos d’Assumpção, filho do barão d’Assumpção, que usualmente residia em Kowloon, e o médico José Caetano Soares. De assinalar a curiosidade de o Comandante Henrique Correia da Silva ter nascido em Macau, no ano de 1878, quando o seu Pai, Carlos Eugénio Correia da Silva, o Conde de Paço d’Arcos, era Governador do Território, entre 1876 e 1879.
No seu afectuoso e vibrante livro de memórias, “Memórias da Minha Vida e do Meu Tempo”, que se estende por três volumes, publicados entre 1973 e 1979 [reeditados num só volume em 2014], encontramos uma soberba descrição de Macau e de alguns meandros diplomáticos e políticos da sua difícil governabilidade. Joaquim Paço d’Arcos recorda que se defrontavam “nesse tempo em Macau, dois tipos de civilização opostos, conciliados só pelo poder de adaptação e arte de convívio dos portugueses. Muitas das casas em que habitavam as famílias lusíadas, nativas ou idas da Metrópole, fossem antigos palacetes ou modestas habitações, tinham a traça das nossas construções provincianas. Havia calçadas do burgo que nos lembrariam artérias de Leiria ou de Vila Real. A mentalidade reinante era também a duma cidade portuguesa de província. O calor que se prolongava por grande parte do ano convidava à indolência. Mas paralelamente ao burgo um pouco amadorrado, debatia-se no espaço acanhado da península e transbordava para o mar em centenas de embarcações uma outra cidade, verdadeiro formigueiro humano onde não se escutava uma palavra de português. Em prodígio da arte da governação, mantínhamos porém ali, naquele tempo, toda a nossa autoridade e o prestígio intactos. Por ordem interna velava, com a mestria