3. O herói mitificado, o santo martirizado
Parece ser impossível aprofundar uma leitura sobre Artaud sem identificar um forte teor de mitificação sobre ele. “‘Profeta’, ‘mago’, ‘visionário’, ‘xamã’, ‘herói trágico’: estes são termos recorrentes para descrevê-lo.” (Innes, 1992, p. 71). Até mesmo autores que indicam a existência dessa tendência, como Alain Virmaux (2000), incorrem em uma idolatria ao homem Artaud (o que se pode perceber no tom da argumentação), o qual, não se pode realmente negar, passou por pesarosos sofrimentos físicos, psicológicos, afetivos, sociais e econômicos. Artaud, ainda em vida, foi exaltado, atribuindo-se a sua vida e seus escritos uma sacralização: ou se o adora, ou se blasfema contra ele. Para Martin Esslin (1978), “Antonin Artaud foi um ator e um profeta, imagem na tela tremeluzente e santo martirizado” (p. 14, grifo do autor). O pesquisador ainda acrescenta: “qualquer tentativa de apresentar ou compreender Artaud deve ter como ponto de partida a sua vida. Ele é o verdadeiro herói existencial: o que fez, o que lhe aconteceu, o que sofreu e o que foi são infinitamente mais importantes do que tudo quanto tenha dito ou escrito.” (Esslin, 1978, p. 14, grifo do autor). Aqui, ao que me parece, não se trata de reconhecer o valor de uma vida humana, considerando-a mais importante do que sua produção, mas de sobressaltar a existência de Artaud a um patamar superior, maior do que seria concedido a uma pessoa comum. Para Esslin (1978), “Artaud, encarnação de uma multidão de ideias e experiências, é um dos heróis, arquétipos, míticos – ou vítimas sacrificiais – de nossa época.” (p. 16). Alain Virmaux (2000) aponta alguns aspectos que contribuíram para esse processo de mitificação: “Logo após a morte de 27