A Sirene - Ed. 82 (Fevereiro/2023)

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ANOS PARA NÃO ESQUECER | Ano 8 - Edição nº 82 - Fevereiro de 2023 | Distribuição gratuita A SIRENE
ANOS
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NOTA DE PESAR

24 de janeiro

O Jornal A SIRENE manifesta pesar pela morte do morador atingido de Ponte do Gama, Jadir José Arantes, de 63 anos, no dia 24 de janeiro. Seu Jadir é mais uma pessoa atingida que parte sem ter seus direitos integrais reparados pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP. Que Deus conforte a família e toda a comunidade.

NOTA DE PESAR

21 de janeiro

No dia 21 de janeiro faleceu Marcelo Gomes, morador atingido de Gesteira, aos 61 anos. Conhecido como Marcelo Macaco, era um homem alegre, de ar juvenil e companheiro. Parte de sua breve existência deixando saudades.

O Jornal A SIRENE deixa sua manifestação de pesar a toda a família e a quem mais o amou nesta estrada.

MAIS DE MIL ASSESSORAMENTOS

Em janeiro, a Cáritas MG, Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, registrou o milésimo assessoramento realizado às pessoas atingidas desde a implementação do novo sistema de registro de atividades, em outubro de 2022. Os dados englobam desde pré-assessoramentos, atendimento junto à Renova, pós-assessoramentos, dentre outras atividades, tanto individuais quanto coletivas.

ATENÇÃO!

Não assine nada

Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista.

Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

EXPEDIENTE

Newsletter do Jornal A SIRENE

Todos os meses, o Jornal A SIRENE faz uma curadoria de informações relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão e à mineração. Se quiser receber nossa newsletter mensal, A SIRENE INFORMA, inscreva-se:

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CULTIVAR O FUTURO Até 16 de fevereiro

Começou no dia 30 de janeiro e segue até 16 de fevereiro a série de oficinas que a Cáritas MG, em parceria com a Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas (AMEFA), promove com as pessoas atingidas pela barragem de Fundão, em Mariana. O objetivo é levantar as principais frentes de lutas das comunidades em relação à produção e comercialização de produtos agrossilvopastoris. Há atividades em Águas Claras, Bento Rodrigues, Borba, Camargos, Campinas, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Pedras e Ponte do Gama.

Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Bruno Milanez, Camila, Daniel Rondinelli, Elke Beatriz Felix Pena, Geraldo Martins, Jussara Jéssica Pereira, Valeria Amorim do Carmo, Virgínia Buarque.

Para ajudar a manter o jornal, acesse: https://evoe.cc/jornalasirene

Realização: Atingidos e atingidas pela Barragem de Fundão, UFOP | Conselho Editorial: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Karina Gomes Barbosa | Diagramação: Laura Lanna e Eduardo Salles Filho | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Crislen Machado, Ellen Barros, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Maria Eduarda Alves Valgas, Stephanie Locker, Tatiane Análio, Wilson da Costa | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Eduardo Salles Filho, Mateus Paiva Chagas Carneiro | Apoio: Cáritas MG, Programa de extensão Sujeitos de suas histórias (UFOP), Curso de Jornalismo da UFOP, Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UFOP, Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Foto de capa: André Luís Carvalho | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A Sirene. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. CABF.

Mariana - MG
2 PARA NÃO ESQUECER Fevereiro de 2023
A SIRENE
AGRADECIMENTO ESPECIAL

Papo de Cumadres: 7 anos do jornal A SIRENE

Consebida e Clemilda estão agradecidas com o sétimo aniversário do jornal A SIRENE, pois é uma grande provação fazer um jornal, quase sem dinheiro, neste mundo onde o normal, e quem manda, é o capital.

– Cumadre Clemilda minha fia, ocê tá se alembrenu queu jorná A Sirene dia 5 de fevereiro tá completanu sete ano?

– Claru que alembru, a cumadre não me estranha, eu tenho contadu nus dedu us dia que farta pra completá essa façanha.

– Ocê se alembre também da nossa agunia, pois em junho de 2019 tava acabanu u financiamentu e aquele grande turmentu, nois num aceitava a idéia de que u jorná acabava.

– Foi com muita luta esta grande batalha, que não é uma luta só nossa, mas de toda companheirada, fazer um jorná quase sem salário é um ato revolucionário.

– Num podemus esquecer nessa caminhada de quem nus deu as mão, ajudandu nois atingidu a fazer u jorná sem ganhar nenhum tustão e até muitas vezes metenu a mão na gibeira pra fazer contribuição.

– Lá em junhu de 2019 cê falô que nossas vida parecia uma coucha de retalho, que todu dia um pedaçu de panu nois tava ementanu, pois agora presta atenção nu que eu tô te falanu, u Jorná A Sirene é essa coucha de gente, foi muitas pessoa e suas histórias que nois imendamus, e ainda estamus a imendá, pamode u jorná A Sirene nois num pará de custurá.

– Cumadre esse jorná é mesmu de emocioná, ele é uma voz que nunca há de calá, mesmo nois quaze pedindo esmola pra ele funciona, ele corajoso grita aos quatro cantos do mundo as veldades que ninguém há de abafá , viva u jorná A Sirene, sete anos de mãos dada com u povo, que a Renova todo dia atinge de novo.

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Opinião
Foto: Sérgio Papagaio

Espaço de socialização se torna passagem para esgoto

Espaço de socialização se torna passagem para esgoto

Mesmo com muita luta para melhorar as condições dos espaços danificados pelo crime da barragem de Fundão, cometido em novembro de 2015 por Samarco, Vale e BHP, agora os moradores e as moradoras de Gesteira, distrito de Barra Longa, ficam impossibilitados(as) de usar a quadra da comunidade, único espaço coletivo disponível e que estava servindo como igreja, local de velórios, espaço de reunião

e de socialização dos jovens, por conta de um vazamento na rede de esgoto feita pela Renova. Isso sem contar a quantidade de mosquitos que se acumulam nas poças paradas. Moradores e moradoras já organizaram até um abaixoassinado que foi entregue em 12 de janeiro para reivindicar seus direitos.

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O vazamento do esgoto representa risco para idosos e crianças de Gesteira. Fotos: André Carvalho Por Cristina das Mercês e Maria das Graças Santos Costa Com o apoio de Maria Eduarda Alves Valgas

Fevereiro de 2023

"Meu relato sobre nossa quadra é que ela se encontra cheia de esgoto e faz tempo que a gente vem lutando com ela desta forma, a gente tá gritando por socorro mesmo. É lá que é nosso ponto de apoio, é pra tudo. Lá é igreja, lá é velório, lá é reunião, lá é onde os jovens jogam bola, onde as crianças têm acesso para brincar, lá é nosso ponto de apoio para tudo. E, além do esgoto da quadra, em frente à minha casa mesmo tem um esgoto aberto, fica cheio de pernilongo picando a gente. Vem gente arrumar, mas é na má vontade, não acham jeito de resolver o problema mesmo, e é coisa que tinham que olhar com mais carinho."

"Na passagem da lama da barragem em 2015, a escola da comunidade foi destruída, e as empresas construíram um novo espaço na parte de cima, que chamamos de Gesteira Nova, mas parece que o serviço não ficou bem-feito. A parte do esgoto mesmo, que foi construído do lado da quadra, vai entupindo e vaza para dentro da quadra. A escola que eles fizeram fica isolada, as crianças daqui são levadas para outra comunidade, porque também ficou malfeita. Quando chove, molha tudo lá dentro, fica com catinga de mofo, ficou tudo malfeito o que fizeram.”

Cristina das Mercês, moradora de Gesteira

Mariana - MG A SIRENE 5 PARA NÃO ESQUECER
Maria das Graças Santos Costa, moradora de Gesteira A escola funcionou por cerca de três anos e foi interditada por problemas da construção Toda a vizinhança sente o mau cheiro da quadra, único espaço público comunitário e ponto de encontro em caso de novo rompimento Fotos: André Carvalho Pedro, Gracinha, Chica, Tuquinha e Joice entre a quadra, o esgoto, suas casas e o posto de saúde. A igreja de Gesteira resistiu aos dia do crime, mas não ao descaso dos orgão responsáveis e da Fundação Renova

Há sete anos, por muitas mãos

Há sete anos, por muitas mãos

No dia 5 de novembro de 2015, houve uma grande transformação, rebentou uma barragem, credo em cruz, que levou 19 vidas acesas, impediu uma de vir à luz. Pra contar estas verdades, de gente, peixe, rio, bicho e mato sem esconder nenhum fato, criou-se o Jornal A SIRENE, pra lembrar que a barragem estourou sem o menor pudor, e a sirene não tocou.

O jornal A SIRENE, criado pela população, foi feito a muitas mãos, Um Minuto de Sirene, junto da Nitro, com apoio da Arquidiocese de Mariana e da UFOP, juntou os atingidos numa grande constelação, pra contar a história triste que começou seu conto verídico desde a ocasião, que já dura sete anos de dor e insatisfação.

Uma história diferente de muitas outras, pois é escrita e contada pela população afetada, que, de tanto ser sofrida, não aceita esta denominação, e se autodenomina comunidade atingida. É tanta dor no coração, pois esperam há mais de sete anos pela tal reparação, que contempla uma meia dúzia, deixando insatisfeita pra mais de um milhão, pois o crime se repete a cada dia que passa, sempre adicionando um aumento nesta massa.

Descobrindo através dos dias que vêm, nova gente atingida neste trem, fazendo um jornal quase sem recurso, com apenas alguns vinténs. Inverso do jornal da Renova que, além da plagiação, conta com uma grande quantidade de milhão sem o menor compromisso com a verdade e nem com a reparação.

E o Jornal A SIRENE, que é a voz que o povo tem, nos fala que por essas beiras de rios que trouxeram a lama, meu bem, num ficou ninguém sem ser atingido e nem atingida também. E afirma, sem fazer consternação, que, se ficar apenas uma pessoa atingida sem passar pela reparação, o ato não terá dado certo, pois a grande nação de atingidos e atingidas tá tudo no mesmo balaio e, por essa igualdade, qualquer um ou uma que ficar de fora será, pra nós, uma grande maldade. E a reparação, pra ser certa, não terá a menor possibilidade.

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Arquivo A Sirene, fev.2021, Foto: Larissa Helena Arquivo A Sirene, ago.2021, Foto: Carol Coelho Reunião de pauta

Um jornal que volta a circular, volta às origens

Nos últimos anos, devido à perda de verbas e ao avanço da pandemia de COVID, a impressão e a circulação física do Jornal A SIRENE precisaram ser pausadas. Diante das crises, houve a necessidade de avaliarmos nossas ações e repensarmos os conteúdos para continuar realizando um trabalho respeitoso e comprometido com as pessoas e comunidades atingidas.

Concentramos nossos conteúdos em plataformas digitais como o site e os perfis em redes sociais, mas brigar pelo retorno do impresso sempre foi uma de nossas prioridades. Em agosto de 2022, retornamos, graças à parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Além da universidade, uma série de instituições e muitas pessoas contribuem mensalmente para a produção e circulação do jornal.

Neste mês de fevereiro, A SIRENE completa sete anos e uma das formas de comemorarmos a nossa resistência é valorizarmos conquistas como o retorno do impresso e as pessoas que contribuem e contribuíram com esse avanço.

Por Expedito Lucas da Silva (Caé), Andreia Sales e Silmara Filgueiras Com o apoio de Crislen Machado e Tatiane Análio

“Eu sou um grande defensor das coisas palpáveis, daquilo que a gente pega pra ler e reler, por causa da facilidade. Por telefone é mais difícil, porque depende de internet, depende de saber mexer exatamente no telefone, então, no meu ponto de vista, para uma faixa etária mais jovem, talvez o celular seja melhor, mas, pra gente que tá numa meia idade, o impresso é melhor. E eu sou um grande defensor de ter ele impresso. Apesar de todas as dificuldades, eu defendo, mesmo que diminua a quantidade de páginas, mas é muito mais viável. Hoje, a tecnologia avançou muito e quem é mais velho tá se adequando, enquanto os jovens preferem online, mas eu, como não gosto muito do digital, prefiro o material físico.”

Expedito Lucas da Silva (Caé), moradorde Bento Rodrigues

“Eu acho a volta do impresso uma coisa muito importante, principalmente para as pessoas que não têm acesso à internet, seja por não saber mexer ou por não ter disponível. Antes, na casa da minha família, sempre recebíamos, mas, infelizmente, quando parou a impressão, o único material que chegava era o produzido pela Renova.”

Andreia Sales, moradora de Bento Rodrigues

“Antes, A SIRENE era um projeto; agora, tá caminhando para outros lugares de maior importância, o profissionalismo e tudo mais. Temos essa inserção e parceria com a UFOP, acho que é fundamental para o crescimento. O jornal serve de fonte para pesquisadores, para outros estudantes, não só de Jornalismo, mas também para outras áreas que já buscaram nele informação sobre todo esse processo, desde o rompimento da barragem, mas também para conhecimento das comunidades. É fonte de pesquisa, informação, registro da história das pessoas atingidas pela barragem de Fundão. Eu estive desde o início, desde a edição 0, quando a gente fez a primeira reunião com um grupo multidisciplinar, tinha gente da Arquitetura, jornalistas, estudantes, as pessoas atingidas. No começo, eu não tinha dimensão do que o jornal seria. Isso foi gradual, a partir de investimento e de a gen-

te entender e dizer da importância do direito à comunicação de um jornal independente. Não podemos nunca esquecer do que aconteceu em Mariana.

Vejo que, desde o início, a gente passou por esse momento de construção, tanto de nome, quanto de projeto gráfico, de projeto editorial, de política. Inclusive o meu tema de TCC foi a construção de um manual e o projeto gráfico do jornal, foi ali que entendi que era importante deixar registrado para a continuidade. Essa construção da comunicação veio junto com as pessoas atingidas, da forma como elas queriam. Tudo no jornal é feito voltado para a comunicação popular, porque é o espaço feito pelas pessoas atingidas e para elas.”

Mariana - MG A SIRENE 7 PARA NÃO ESQUECER Fevereiro de 2023
Foto: André Carvalho Arquivo A Sirene, jun.2021, Foto: Lucas Godoy Silmara Filgueiras, jornalista

Há quatro anos, Brumadinho clama por justiça

Nos atos em torno dos quatro anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro, foi demandado, do novo governo federal, engajamento na luta das pessoas atingidas. A promessa é se comprometer com a justiça e a garantia de reparação. Como sinais disso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, esteve nos eventos, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enviou uma carta pública. Na ocasião, as famílias atingidas também pressionaram a Vale pela reparação do crime que cometeu.

Enquanto isso, Samara e Lindaura, conhecida como Buia, tiveram uma conversa sobre as durezas da vida: Samara, há mais de sete anos, convive com os danos do crime da Samarco, Vale e BHP; Buia lembrava, naquele dia (como em todos os outros), o crime da Vale em Brumadinho. Apesar das diferenças e singularidades entre as duas catástrofes socioambientais, lá como cá, as dores se parecem, as violações são similares, a injustiça se repete.

Com o apoio de Ellen

“Mariana e Brumadinho não poderão ficar esquecidos. Temos uma diretriz clara do presidente Lula, que é valorizar a atividade minerária com a proteção da vida humana, com segurança da atividade e sustentabilidade. Com relação ao acordo [judicial], queremos conhecer com profundidade o trabalho feito pelos governos e pelo Ministério Público, para que possamos, com o olhar da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais, participar ativamente, para que aconteça, o mais rápido possível, o que eu chamo de minimização dos impactos dessas duas tragédias. Que possa ser reparado. A grande prioridade da política minerária é ouvir as pessoas, as comunidades, os movimentos sociais. A boa política, que é a política do diálo-

go, preservar a geração de emprego e renda, o crescimento nacional, preservando os maiores valores, que são a vida humana e a sustentabilidade.”

Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia

“A maior violação de todas é a Vale não admitir que cometeu um crime, toda essa tragédia que aconteceu nas nossas vidas, e que nós estamos parados na lama do dia 25 de janeiro de 2019. Essa maquiagem, manobra pra tentar postergar a justiça em vez de aceitar e entender que foi crime, que é crime, e que as ações dela fazem com que o crime permaneça, que nós continuamos presos na lama. Essa é uma das violações que estão dentro de nós, algo que a gente precisa, a todo momento, dizer: não é acidente, é crime. Também a questão da mudança, dessa postergação dos prazos, de todas as manobras jurídicas que são feitas. Acho que é essa a maior de todas as violações pra nós, familiares.”

Andresa Aparecida Rocha Rodrigues, integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum)

"Após um tempo que a barragem [de Fundão] rompeu, houve o rompimento de Brumadinho. Pra gente, foi um baque muito grande, porque aquilo que a gente viveu tava sendo repassado na nossa mente. Foi uma tristeza muito grande. Eu, como atingida de Bento Rodrigues, não tenho casa mais, minha casa foi toda embora, só sobrou o piso. Lá em Bento Rodrigues, a gente perdeu pessoas, pessoas queridas, mas, em Brumadinho, foram muitas vidas que foram tiradas. Então, quando houve a tragédia de Brumadinho, logo depois de Bento Rodrigues, a comunidade ficou muito chocada devido ao trauma que a gente já tinha tido.

E estamos aqui hoje na luta, participando de reuniões, na luta pela reparação justa. A gente não tá buscando o que a gente quer: é um direito. A gente só está atrás do direito da gente. A gente quer nossa casa de volta, nossa vida de volta, e não tá sendo entregue. Sete anos de rompimento da barragem e, até hoje, as casas não foram entregues. Tão querendo entregar parcialmente, sendo que todo mundo saiu junto, temos que voltar juntos. É juntos pela causa.”

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Samara Maria Quintão, moradora de Bento Rodrigues 4 anos Brumadinho Fotos: Wlison da Costa

Fevereiro de 2023

“O rompimento da barragem de Brumadinho nos atingiu demais, porque nós moramos a 200 metros do rio, e esse rompimento trouxe muito impacto. Eu nem posso falar que é impacto. Foi crime, porque o que a gente tinha, a lama que veio acabou com a vida da gente. No nosso território, a gente convive com pessoas com depressão, gente que já tentou suicídio, nós tamos convivendo com muitos problemas de saúde. Além do rompimento, veio a enchente que trouxe uma avalanche de rejeito para dentro dos quintais das pessoas, os terrenos que as pessoas plantavam e tinham renda, de onde a gente tirava todo o sustento, tinha o lazer, o turismo na beira do rio, as pessoas vendiam produtos da beira do rio, pescadores. Hoje a gente não tem mais pescadores na beira do rio, a gente não pode plantar mais porque os rejeitos do rompimento vieram em peso para os terrenos.

Nossa água de beber era de cisterna, hoje está interditada. Bebemos uma água que eles entregam pra nós, que não tem qualidade, não temos segurança de tomar. E não é suficiente para as famílias que têm muitas pessoas, que acabam tendo que tomar água da cisterna contaminada. A Vale não deu assistência, os insumos que era pra dar pros nossos bichos, mandam os insumos que não dá pra manter nem 15 dias os nossos bichos.

Ontem, no ato [em Brumadinho], eu chorei. Ouvi testemunhos de pessoas que perderam todo o cabelo, pessoas com depressão, com a pele machucada, por causa da contaminação, gente que teve o terreno invadido, que chora. Nós estamos vivendo tudo isso no território, e estamos pedindo socorro. Nós temos vivenciado muitas coisas que eles poderiam ter evitado que a gente vivesse.”

Lindaura

(Buia),

— Então não é muito diferente de Mariana, não. Animais morrendo, perdemos mais de 80 pessoas das comunidades. A gente vai na casa das pessoas e tem que segurar a emoção, porque, na hora que o moço fala que está de idade e não vai ver a casa, é dolorido.

— Perdi pé de lichia, pé de graviola, pé de limão. Muitas coisas nossas se foram, e todo dia perdemos coisa. As plantas não dão mais como davam.

— A Renova faz propaganda que o reassentamento tá lindo, maravilhoso, vai ser entregue, você entra nas casas, as lajes molhando, telhado. Casa nova, que ninguém tá morando. Água bruta, que tinha em abundância, vamos ter que pagar. Não tem espaço pra plantar, pras criações.

— Antes tínhamos nossas ruas simples, que as crianças brincavam, andavam de carrinho de rolimã. Hoje não dá mais, porque as ruas estão

cheias de caminhão, entregando coisa, quando consertam as ruas que os caminhões estragam, as casas ficam todas rachadas.

— É complicado, e muito sofrimento, e muitas coisas são parecidas.

— Por isso, precisamos unir forças, porque tá todo mundo no barro, mas um barro diferente. Mas os problemas são os mesmos. Nossa luta é árdua, mas vamos seguir.

— E acreditar na justica de Deus também, porque a dos homens pode até falhar, mas a d’Ele não falha, não. Tenho certeza.

Mariana - MG A SIRENE 9 PARA NÃO ESQUECER
Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fala em ato Foto: Wilson da Costa Foto: André Carvalho Andresa Rodrigues, da Avabrum, cobra que a Vale assuma responsabilidade sobre o crime Foto: André Carvalho Os balões relembram as 272 vítimas, três ainda não foram encontradas Foto: André Carvalho

Cruzeiro das Mercês periga cair

A Capela de Nossa Senhora das Mercês, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues e cuja construção ocorreu, estimadamente, entre os anos de 1750 a 1815, é um símbolo da história, mas também de resiliência. Com o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, o templo foi uma das poucas edificações não afetadas completamente pelo crime da Samarco/Vale/BHP. Após o desastre socioambiental, ela passou de capela secundária à principal edificação de uso comunitário, onde acontecem reuniões não só religiosas, mas também festividades e outros encontros. Por conta do descaso com o qual as mineradoras e a Renova lidam com as pessoas atingidas e suas demandas, a capela vem sofrendo com precarizações, como já mostramos na edição 77.

“A gente vem cobrando já faz um tempo a restauração da igreja. Cobramos os funcionários da Renova. Já saiu verba da empresa para reformar outras construções e a nossa, que está tão pertinho, ainda não saiu. Eles prometem, mas nada sai. Eles só estão fazendo levantamentos e pesquisas. Precisamos que eles façam alguma coisa. Se o patrimônio não for preservado, vai chegar a um ponto em que vai acabar, vai cair. Tem situações que já começam a indicar isso: goteiras, risco de desabamento de peças, infiltrações, telhas furadas. A estrutura da igreja já está comprometida. A igreja é tombada, então a comunidade fica limitada e só pode fazer alguns poucos reparos. A igreja tem sofrido também com os abalos que vêm da Mina de Fábrica Nova, propriedade da Vale. A Renova fez uma visita técnica e disseram que iriam restaurar o cruzeiro das Mercês, mas, até agora, nada também. As coisas estão só na promessa.”

Manoel Marcos Muniz (Marquinhos), morador de Bento Rodrigues

“A Renova está com um projeto de fazer envelopamento do cruzeiro de Bento Rodrigues, que está quase caindo. Pelo que eu vejo, não vai adiantar se eles não forem rápidos no processo. O cruzeiro já está com uma parte do braço no lado direito dependurado. É muito triste ver uma obra de muito tempo, construída pelos meu antepassados, sendo tratada dessa forma. Pelo que eu vejo e pelo meu conhecimento sobre a Renova, o cruzeiro vai cair. É muito triste ver o desrespeito com que essa ‘fundação’ trata as nossas memórias.”

Cristiano Sales , morador de Bento Rodrigues

Agora, a situação piorou: seu cruzeiro está dependurado e com sérios riscos de queda. A Renova faz promessas de ajustes que não se transformaram em ações até agora. A comunidade segue sem respostas e vendo seu patrimônio ser degradado.

Por Manoel Marcos Muniz e Cristiano Sales Com o apoio de Tatiane Análio

Mariana - MG A SIRENE 10 PARA NÃO ESQUECER Fevereiro de 2023
O cruzeiro sustentado sete anos do crime, de descaso e imobilidade dos responsáveis Detalhe do teto a um triz de desabar Estacas colocadas pelos moradores para evitar mais danos. Fotos: André Carvalho O altar pende cada vez mais à direita

Sua casa está PRONTA?

“Nós saímos todos juntos, no mesmo dia, fugidos da lama de rejeitos da Samarco. Vamos voltar todos juntos.” Essa é uma fala recorrente de José do Nascimento de Jesus (seu Zezinho), sempre que o assunto é reassentamento. O desejo dele é o mesmo de muitas outras pessoas atingidas pelo desastre-crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP, mas os sucessivos e injustificáveis atrasos nas obras não permitiram que assim acontecesse. Há dois anos, venceu o último prazo para entrega dos reassentamentos estabelecido pela Justiça: 27 de fevereiro de 2021, sob pena de multa de R$1 milhão por dia de atraso. A multa, até o momento, não foi aplicada e a finalização das obras segue sem prazo para efetivamente acontecer. Em janeiro, algumas famílias foram chamadas pela Fundação Renova para se mudarem para o reassentamento do distrito de Bento Rodrigues, mesmo inacabado.

Há muita publicidade e pouca informação acerca da finalização das obras dos reassentamentos. Um caso emblemático foi a coletiva de imprensa realizada pela Renova no dia 19 de outubro de 2022. A ocasião celebrava um Termo de Compromisso em que bens públicos do reassentamento de Bento Rodrigues foram passados para a responsabilidade da Prefeitura de Mariana. No entanto, a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) e parte significativa da comunidade sequer foram avisadas sobre o evento. Por acaso, a CABF soube da coletiva, então mobilizou alguns membros da comunidade para irem juntos até lá. A Renova chegou a tentar impedir a entrada dessas pessoas, mas não conseguiu. As pessoas atingidas conversaram com jornalistas e evidenciaram os desmandos da fundação, os atrasos e diversos outros problemas enfrentados pelas famílias para terem de volta o direito à moradia. Indignada, Sandra Quintão questionou: “cadê o Bar da Sandra? Cadê o meu trabalho? Eu quero a minha casa de volta, eu quero a minha dignidade de volta”. Os repórteres então deixaram de lado o show de visibilidade seletiva promovido pela Renova para ouvir o que as pessoas atingidas ali presentes tinham para dizer. Nesse momento, o presidente e os demais funcionários da Renova se retiraram do ambiente sem dar explicações.

A falta de transparência é fator de angústia para as comunidades atingidas. Em 22 de julho de 2022, a CABF enviou um ofício à Fundação Renova com cópia ao Ministério Público em que solicitava acesso ao plano de ocupação e esclarecimentos sobre a ida parcial das famílias para o reassentamento de Bento Rodrigues, um grande canteiro de obras e ainda não obteve retorno.

Diversos problemas são relatados pelas famílias e observados pela Assessoria Técnica Independente (ATI) nas visitas às casas consideradas “prontas” pela Renova, que promete ajustes para depois de assinada a concordância com a finalização dos últimos marcos de obra, usando o direito à garantia como justificativa. No entanto, pessoas que já receberam os imóveis no reassentamento familiar enfrentam problemas no atendimento às solicitações e, embora seja prevista por lei a garantia dos imóveis, a Renova não

apresentou informações claras sobre qual a abrangência e as condições para acioná-la. Nesse sentido, a ATI recomenda que as famílias solicitem esses esclarecimentos durante as visitas às obras.

A ATI recomenda também que:

1) Em todas as visitas às obras, a família atingida exija que tudo seja registrado em ata e que as demandas sejam encaminhadas pela Fundação Renova, ainda que a família escolha não assinar o documento;

2) Confiram se os encaminhamentos de visitas e reuniões anteriores foram efetivamente realizados pela Renova;

3) Identifiquem, nas visitas de marcos de obras, se existem problemas ou divergências com relação ao que está no projeto da moradia e, caso identifiquem, exijam que a Renova apresente soluções;

4) Solicitem informações sobre Habite-se tanto da Renova quanto da Prefeitura na Secretaria de Obras;

5) Solicitem à Renova visitas não programadas sempre que julgarem necessário;

6) Sugerimos que seja realizada uma visita em período chuvoso para averiguar se há infiltrações, goteiras, mofo, lodo, instabilidade de barrancos, escoamento inadequado de água de chuva para imóveis vizinhos, e/ou formação de poças d’água no imóvel;

7) Não assinem a validação do marco de obra enquanto existirem problemas a serem resolvidos;

8) Caso vocês se sintam desconfortáveis durante o atendimento, fiquem à vontade para interrompê-lo;

9) Recebam as chaves do imóvel apenas quando TODOS os problemas forem solucionados.

A Cáritas reitera a disponibilidade para acompanhá-los nos atendimentos. Em caso de dúvidas e/ ou denúncias sobre o processo de reparação, entrem em contato com a ATI. O telefone é (31)992180264.

É direito das famílias atingidas ter acesso às informações necessárias para as tomadas de decisão. Portanto, é essencial que tanto a Renova quanto o poder público informem as condições em que o reassentamento estará no momento da mudança, em especial sobre: segurança, escola, posto de saúde, saneamento básico, transporte público, contingente de trabalhadores, trânsito de máquinas pesadas, poeira, barulho, disponibilidade de água, além dos possíveis impactos das obras em curso nas estruturas das casas concluídas.

Mariana - MG A SIRENE 11 PARA NÃO ESQUECER Fevereiro de 2023
1 Moradora atingida de Bento Rodrigues e integrante da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão.

EDITORIAL

Em sete anos, romperam-se duas barragens em Minas Gerais. Há sete anos, centenas de vidas se foram com a lama que a mineração despejou em solo mineiro. Em sete anos, outras centenas partiram sem a chance de ver a justiça ser feita. Em sete anos, sete homens comandaram o Ministério de Minas e Energia, de quatro diferentes presidentes. Muitos homens e mulheres passaram por governos, pelo Judiciário, por instâncias e mais instâncias de poder. Nenhum deles, nenhuma delas, garantiu reparação. Em sete anos, crianças nasceram, outras tantas deram adeus à infância, teve gente que se casou, se separou. Formaturas, festas, orações, velórios, almoços com a família. Uma pandemia. A vida.

N’A SIRENE, muita coisa aconteceu também, nesses sete anos: gente nova, gente que fundou o jornal, histórias de tantas pessoas. A passagem do tempo é sinal de transformação e mudança, mas, depois de 82 edições, diz também daquilo que permanece: há sete anos, estamos aqui. Insistimos em estar aqui, lutando contra a precariedade, o cansaço, as adversidades.

O Jornal A SIRENE não arredou pé da defesa inabalável das pessoas atingidas, de suas lutas, demandas, memórias e afetos. Ao longo de sete anos, escutamos as vozes que não se calam apesar das tantas tentativas da máquina minerária, poderosa, ameaçadora. Não apenas escutamos essas vozes: as colocamos no centro de um jornalismo produzido com, pelas e para as pessoas atingidas.

A SIRENE também manteve as raízes fincadas no território de um crime socioambiental que ainda ecoa pela bacia do Rio Doce. E, ao completarmos sete anos, fortalecemos nosso compromisso de permanecermos ao lado e a serviço da justiça, da reparação e dos direitos das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Há sete anos, ajudamos a impedir o apagamento de tantos crimes, tantas culpas. Há sete anos, para não esquecer.

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