CO PRO MO
HABITAÇÃO SOCIAL E MUTIRÃO AUTOGESTIONÁRIO:
O CASO DA COOPERATIVA PRÓ MORADIA DE OSASCO/SP JULIA MELLO SOUSA VIDAL FRANCO
Fonte: acervo pessoal da autora
Trabalho Final de Graduação apresentado ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” como exigência parcial para obtenção do título de bacharel em Arquitetura e Urbanismo. Orientação: Prof. Dr. Jefferson Oliveira Goulart Bauru, 2019
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a minha mãe, Silvia Helena e meu pai João, por nunca duvidarem da minha capacidade, sempre me incentivarem, e me proporcionarem apoio e amor incondicional, elementos que foram fundamentais para que eu conseguisse seguir em frente, mesmo nos momentos mais difíceis. Sem eles, este trabalho não seria possível. Agradeço também a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão de bolsa de IC que deu origem ao TFG; ao Prof. Dr. Jefferson Oliveira Goulart pela orientação e suporte dado em toda a trajetória de desenvolvimento desse material; ao Prof. Dr. Vladimir Benincasa, pela orientação e conversas a respeito de sua experiência junto ao COPROMO. A todos os moradores que se dispuseram a prestar seus depoimentos, agradecimentos pela paciência e disposição. Agradeço especialmente ao seu Neto, que se tornou a figura mais próxima a mim dentro do conjunto COPROMO; agradeço por sempre abrir sua casa para me receber, me contar suas histórias e compartilhar esta parte de sua vida comigo.
Retrato de Manoel. 12/10/2019 Fonte: acervo pessoal da autora
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ÍNDICE DE IMAGENS
[p. 28] Figura 1: Canteiro de obras da COPROMO. Fonte: Disponível em: <http://www.usina-ctah.org.br/copromo.html>. Acesso em: 31 jan. 2019. [p.33] Figura 2: Conjunto habitacional da COPROMO finalizado Fonte: Disponível em: <http://www.usina-ctah.org.br/copromo.html>. Acesso em 06 de fev. de 2019.
[p. 73] Figuras 13 e 14: Escada metálica Fontes: primeira imagem – arquivo pessoal da autora; segunda imagem disponível em <http://www.usina-ctah.org.br/copromo.html>. Acesso em: 19 ago. 2019. [p.74] Figuras 15 e 16: Varandas do conjunto COPROMO Fonte: acervo pessoal da autora.
[p.44] Figura 3 e 4: Mutirão União da Juta, em São Mateus (São Paulo/SP) Fonte: disponível em <http://www.usina-ctah.org.br/uniaodajuta.html>. Acesso em: 14 ago. 2019.
[p.76] Figura 17: Implantação do conjunto Fonte: disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/767128/usina-25anos-copromo>.Acesso em: 19 ago. 2019.
[p.45] Figura 5: Vista aérea da implantação do conjunto COPROMO Fonte: Disponível em Google Earth. Acesso em: 01 set. 2019.
[p.77] Figuras 18 e 19: Contrastes do conjunto em relação a seu entorno mais próximo. Fonte: acervo pessoal da autora
[p.68] Figura 6: Diagrama de concepção da unidade habitacional Fonte: Usina: entre o projeto e o canteiro / organização Ícaro Villaça e Paula Constante; prefácio Sérgio Ferro. São Paulo: Edições Aurora, 2015. [p.69] Figura 7: Planta conjunto COPROMO Fonte: Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/767128/usina-25anos-copromo>. Acesso em: 19 ago. 2019.
[p.77] Figuras 20 e 21: Grades de entrada de um dos blocos do conjunto COPROMO em 2019 Fonte: acervo pessoal da autora.
[p.69] Figura 8: ‘Pavimento tipo’ de uma das tipologias disponibilizadas pela CDHU em 1999 [Cada uma das unidades possui área útil de 40 m²]. Fonte: Tipologia fornecida pela Ouvidoria CDHU em 09 de agosto de 2019. [p.70] Figuras 9 e 10: Janelas originais do conjunto COPROMO em 2019 Fonte: acervo pessoal da autora. [p.72] Figuras 11 e 12: Imagens do acabamento interno de uma das unidades habitacionais do conjunto em 2019 Fonte: acervo pessoal da autora.
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As demais imagens não listadas pertencem ao acervo pessoal da autora
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ÍNDICE DE TABELAS
[p.42] Tabela 1: Empreendimentos Contratados com Recomendação de Continuidade “Programa Mutirão – UMM” Fonte: SÃO PAULO (Estado), Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. Programa Mutirão-UMM – Avaliação Preliminar. São Paulo: CDHU, fev. 1995, v.II. [p.53] Tabela 2: Distribuição de renda por salários mínimos (SM) no conjunto Fonte: USINA, apud CERQUEIRA, 2016, p. 90. [p.65] Tabela 3: Empreendimento COPROMO Fonte: SÃO PAULO (Estado), Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. Programa Mutirão-UMM – Avaliação Preliminar. São Paulo: CDHU, fev. 1995, v.II. [p.81] Tabela 4: Oferta Habitacional da CDHU por Programa de 1986 a 2000 Fonte: CDHU. A oferta habitacional da CDHU: evolução e distribuição 1986-2000. São Paulo: CDHU, fev. 2001, apud ROYER, 2002, p. 119. [p.82] Tabela 5: Produção habitacional vinculada a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo no município de Osasco a partir de 1996 Fonte: Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo.
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ANEXOS [p.103]
Tabela I: Empreendimento COPROMO – Estratificação de profissionais com experiência na construção civil ou em atividades de apoio ao canteiro de obras Fonte: USINA, apud CERQUEIRA, 2016, p. 88.
[p.104]
Tabela II: Entrevistados Fonte: acervo autora
SUMÁRIO Resumo Introdução
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PARTE I 1. Revisitando a literatura 2. Arquitetura Nova e o mutirão em debate 3. Caracterização do município de Osasco 4. O mutirão autogestionário e a COPROMO
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PARTE II 5. O panorama da década de 1990 5.1 O mutirão como política habitacional no estado de São Paulo 6. A COPROMO 6.1 A assessoria técnica 6.2 A Associação Pró Moradia de Osasco: Mutirão e Autonomia 6.3 A dimensão política 6.4 Canteiro de obras 6.4.1 O canteiro do Jd. Piratininga 7. Análise arquitetônica dos imóveis 7.1 Conjunto de barreiras 8. A política do mutirão pós-Copromo 9. A dialética do mutirão e da autogestão na experiência COPROMO
35 39 45 46 49 54 56 58 67 75 79 86
Considerações finais Referências bibliográficas Anexos
95 98 103
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RESUMO
O presente caderno apresenta os resultados conclusivos da investigação inicialmente originária da pesquisa de iniciação científica (processo FAPESP 2018/09843-4) que tomou como objetivo a análise do modelo institucional, a dinâmica de funcionamento, a estruturação e a implantação do projeto de mutirão autogestionário da COPROMO, no município de Osasco (SP), como alternativa de provisão habitacional cooperada. Ao confrontar a experiência empírica com a literatura sobre a temática do mutirão autogestionário, foi traçado um panorama crítico que distanciou o experimento da COPROMO – um dos exemplos mais conhecidos da prática de mutirão no Brasil – de sua idealização e mesmo do caráter mitológico atribuído a essa modalidade. Os depoimentos de personagens que participaram diretamente da construção do conjunto – arquitetos, mutirantes e lideranças do movimento – foram determinantes para caracterizar essa experiência. Conclui-se que o êxito da experiência da COPROMO foi resultado de razões complementares, a saber: de uma elaborada trama organizacional, mediante o engajamento da assessoria técnica; da sólida estrutura interna da Associação Pró Moradia de Osasco; e do apoio de lideranças políticas fortes, que impulsionaram a realização do conjunto. Contudo, seu êxito deve ser relativizado e entendido de forma localizada, uma vez que ocorre em um campo de contradições que envolvem a prática do mutirão, as instabilidades e fragilidades desse sistema e seus resultados de longo prazo, os quais se distanciam dos ideais preconizados por aqueles que acreditavam no caráter libertário e contestatório do mutirão autogestionário. Palavras-chave: mutirão; Osasco; Copromo; habitação social.
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INTRODUÇÃO
Este trabalho final de graduação originou-se da pesquisa de iniciação científica intitulada “A experiência da Cooperativa Pró Moradia de Osasco (COPROMO) – o debate sobre o mutirão autogestionário e seu legado”. Assim como o relatório de iniciação científica, este caderno se detém a investigar os aspectos institucionais da experiência COPROMO, além de indagar a respeito de sua dinâmica de funcionamento e sua estruturação interna (como movimento e como modalidade alternativa de produção habitacional cooperada). Para melhor entendimento do conteúdo aqui presente, optouse pela estruturação do caderno em dois segmentos. A Parte I (já apresentada na forma de caderno de dados e aqui incorporada) é dedicada à caracterização histórica do contexto, do objeto de estudo e do debate conceitual sobre autogestão e mutirões, e tem quatro seções. Na seção 1 (“Revisitando a literatura”) faz-se uma retrospectiva geral sobre a bibliografia que aborda a evolução urbanística e o debate sobre a habitação social no Brasil, identificando-se nessas contribuições as principais referências teórico-metodológicas que pautaram conceitualmente a pesquisa. A seção 2 (“Arquitetura Nova e o mutirão em debate”) recupera o debate normativo sobre o mutirão como alternativa de provisão de moradia com ênfase na formulação conceitual deste grupo originário da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A seção 3 (“Caracterização do município de Osasco”) descreve e analisa o objeto de estudo em termos históricos,
socioeconômicos, territoriais e urbanísticos no período compreendido entre as décadas de 1980-1990. A seção 4 (“O mutirão autogestionário e a Copromo”) é dedicada à análise específica da forma de produção habitacional do mutirão autogestionário com enfoque na atuação da COPROMO. A Parte II apresenta resultados originais obtidos a partir da pesquisa realizada em campo, confrontados com a literatura, e tem seis seções. A seção 5 (“Panorama da década de 1990”) reconstitui o ambiente político-institucional e o contexto socioeconômico do período. A seção 6 (“A COPROMO”) discorre a respeito da dinâmica de funcionamento interno do movimento, abrangendo o caráter da relação estabelecida entre a Associação e a assessoria técnica Usina Ctah, a estruturação interna da Associação Pró Moradia de Osasco, a dimensão política do movimento – com ênfase em figuras de liderança – e a organização do canteiro de obras. A seção 7 (“Análise arquitetônica dos imóveis”) é dedicada aos aspectos arquitetônicos do conjunto e trata da qualidade dos espaços projetados. A seção 8 (“A política do mutirão pós-Copromo”) reconstitui a trajetória da prática do mutirão autogestionário em território nacional, após a consolidação da experiência COPROMO. A seção 9 (“A dialética do mutirão e da autogestão na experiência COPROMO”) contrapõe os enunciados conceituais da autogestão ao caso específico da COPROMO - partindo de um balanço crítico sobre a experiência, aborda tanto o contexto no
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qual ela se insere quanto seus principais interlocutores: os mutirantes, a assessoria técnica e as instituições estatais. Já a seção derradeira, “Considerações finais”, sintetiza as principais conclusões do trabalho, com base nas percepções da autora. Para recuperar a perspectiva da equipe técnica da assessoria Usina Ctah no período de realização do conjunto COPROMO, foram entrevistados três arquitetos atuantes do processo de construção: João Marcos de Almeida Lopes, Wagner Germano e Vladimir Benincasa, os quais relataram suas experiências profissionais e pessoais junto à assessoria. Ademais, se tornou imprescindível a pesquisa de campo com visitas ao conjunto, onde se registraram os depoimentos de Manoel Alves do Nascimento, conhecido por seus vizinhos como “Neto”, e Francisco Antônio Moreira Rocha, conhecido como “Chico” e ex-presidente da Associação Pró Moradia de Osasco; também foram ouvidos outros personagens: Solange Souza do Nascimento, Raimunda Tenório, Deusa, Laurentino (Paiacã)¹ , e outros moradores do conjunto COPROMO.
Muitos dos moradores que se dispuseram a prestar depoimentos ou relatar suas memórias se apresentaram somente pelo apelido. Segundo Manoel Alves 1 do Nascimento, essa é a forma pela qual muitos dos companheiros/vizinhos da COPROMO se identificam. Por essa razão os registros mantiveram a auto identificação desses personagens.
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CO PROPARTE I
1. Revisitando a literatura
Há largo consenso na literatura especializada de que o processo de desenvolvimento urbano brasileiro se caracterizou pela segregação socioespacial, a clivagem centro-periferia como foi nomeado este modelo. Na raiz desse padrão está a adoção do modelo de desenvolvimento orientado pelo desenvolvimentismo e pela substituição de importações que promoveram a industrialização do país no centro-sul a partir da ascensão do varguismo. Não por acaso, a acelerada urbanização do século XX também foi acompanhada de expressivos fluxos migratórios internos na direção do Sudeste e por políticas habitacionais erráticas e insuficientes, as quais não atenderam a população de baixa renda dos centros urbanos. O que esse cenário evidencia, por sua vez, é o acirramento da pobreza paralelamente ao processo de desenvolvimento técnico-industrial brasileiro ao longo do século XX. Segundo Valladares (1994) pode-se dividir o processo de acirramento da pobreza no Brasil em três períodos principais, sendo eles; a virada dos séculos XIX-XX, as décadas de 1950-60, e as décadas de 1970-80. Tais períodos, por sua vez, pautam não só a forma como a pobreza é tratada em nível social e econômico, como também simbolizam a transição espacial marcada pelas alternativas habitacionais encontradas pela população marginalizada, nos quais se pode assimilar a passagem do cortiço na virada do século para a favela nas décadas
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de 50-60, seguidos pela formação das periferias nas décadas de 197080. A diferenciação terminológica e a divisão em recortes temporais, por sua vez, têm como finalidade ressaltar a situação de constante conflito dentro dos territórios urbanos brasileiros ao longo do século XX, situação essa marcada fortemente pelo discurso ideológico e pela segregação socioespacial. Sendo assim, diante do apelo ideológico das classes dominantes, da noção modernizadora e higienista e quando tratada como classe perigosa no “processo de transição da sociedade brasileira para uma ordem capitalista, com a gradual passagem das relações sociais de tipo senhoril-escravista para as relações sociais de tipo burguês-capitalista” (VALLADARES, 1994, p.83), os estratos populares foram reduzidos a espaços marginalizados do território urbano brasileiro, sendo o cortiço a primeira delas. Tal clivagem, por sua vez, se acirrou ao longo do século XX, pautando nas décadas de 1950-60 a organização socioespacial conhecida como “favela”, a qual passaria a se impor cada vez mais nas cidades em expansão. Esse fenômeno marcou o modelo de desenvolvimento econômico desigual evidenciado pela acelerada urbanização e industrialização que prevaleceram no período pós-30. Ainda segundo Valladares (1994), assim como o cortiço, a favela seria marcada como
o local de residência dos estratos marginalizados e estigmatizados da sociedade, agora conhecidos como “bandidos”, o que supostamente daria a esse lugar um caráter marcado pela violência. A consolidação da periferia urbana a partir da década de 1970 não representa a substituição da configuração da favela, mas se soma a ela como outra solução habitacional popular frente ao cenário de crescente miséria assistido nas décadas de 1970-80. Dessa forma, ambas as configurações espaciais (favela e periferia) passam a existir simultaneamente no território urbano, muitas vezes se mesclando. Assim se chegou ao ponto de se medir a importância quantitativa das favelas nas áreas urbanas no Brasil com o crescente índice de casas próprias construídas por meio da força de trabalho das classes populares (MARICATO, 1987). A esse processo relacionam-se elementos ideológicos que reproduzem a propagação da mesma ideologia conservadora ligada à casa própria encontrada nos países centrais e transposta para os países periféricos do capitalismo (HARVEY, 1982 apud MARICATO, 1987). Dessa maneira, a consolidação da periferia urbana localizada nas franjas das cidades brasileiras adiciona ao cenário de segregação socioespacial a inserção de um novo agente dentro do contexto urbano: o do proprietário de baixa renda. Dessa perspectiva, a noção de propriedade privada da casa acaba por ter um papel central frente ao controle social das classes mais pobres. Não só os estratos populares são mais uma vez marginalizados na dinâmica urbana como se encontram diante de uma lógica que combina as condições de exploração da mão de obra com a justificativa e a defesa da propriedade privada não só quanto à moradia, como também
em outras esferas, inclusive dos meios de produção (MARICATO, 1987). Para tanto, tem-se a propagação da noção de segurança e de progresso pessoal pela conquista da casa própria pelo trabalhador, ao mesmo tempo em que se constitui um elemento de fragmentação da classe trabalhadora (MARICATO, op.cit.). Nesse sentido, deve-se atentar para os motivos que tornam a casa própria a principal saída para a população trabalhadora que, por sua vez, deseja evitar a favela (que se torna associada a estigmas e preconceitos) e a insegurança do despejo (MARICATO, op.cit.). Dentre esses motivos, atribui-se o papel da manutenção de um amplo exército industrial de reserva (BONDUKI, ROLNIK, 1978) à estagnação dos salários a um nível baixo, tendo como resultado a impossibilidade de pagamento de aluguéis (MARICATO, 1987) e o impedimento da aquisição da casa própria dentro do preço convencional de mercado. Ademais, segundo Valladares (1994), a crescente desigualdade encontrada no cenário urbano brasileiro desse período pode ser ilustrada pelos dados que indicam que, em 1970, 53% das famílias residentes das áreas urbanas já possuíam renda per capita inferior a meio salário-mínimo. Na década de 1980, 60% dessa mesma população residente nos centros urbanos só recebia até um salário mínimo (ABRANCHES, 1985 apud VALLADARES, 1994). Somado a tais dados, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 1981, na Região Metropolitana de São Paulo, a obtenção da casa própria entre as famílias de baixa renda já compreendia 48% do total da população (BONDUKI, 2004). Nesse sentido, pode-se concluir que a casa própria surge como “um elemento de segurança objetiva contra a rotatividade no emprego
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(ou desemprego aberto) e contra o baixo poder aquisitivo, já que os salários mal chegam a cobrir as despesas de alimentação, saúde, transporte, etc.” (MARICATO, 1987, p.26). Dessa maneira, afirma-se a conjuntura em que o modo de produção capitalista passa a exercer sua dominação não somente no local de trabalho, mas também no local de moradia, sendo que, para tanto, se mantém necessária a determinação (por meio da lógica acumulativa) do modo de vida da força de trabalho nos termos habitacionais, construtivos e nos meios coletivos de consumo (MARICATO, 1987). Nesse sentido, “convém mencionar que o sistema capitalista pressupõe a destruição dos meios autônomos de vida, basicamente, na expropriação da terra e dos instrumentos produtivos” (KOWARICK, 1979, p.55), gerando condições de consumo alimentadas pela venda da força de trabalho das camadas populares. Sendo assim, “a casa, a habitação, é uma mercadoria como não importa qual outra, que é produzida tendo por objetivo a finalidade geral da produção capitalista, isto é, o lucro. ” (SINGER, 1962, p. 29 apud FERRO, p. 105). Por conseguinte – frente ao cenário de “aburguesamento da economia pré-capitalista brasileira” (IMPÉRIO apud FERRO, p. 37) e diante da propagação da noção de propriedade (noção burguesa) pelo fomento da ideia de segurança vinculada à propriedade individual (a casa própria) –, o proprietário urbano de baixa renda acaba por tornar sua habitação, antes essencialmente valor de uso (FERRO, 1969 apud MARICATO, 1987), em um elemento de extração de renda, por meio da possibilidade de extração de alugueis ou da valorização pelo efeito das obras públicas em seu entorno. Disso resulta a diminuição do poder de contestação da parcela da classe trabalhadora que é
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proprietária, fomentando-se dessa forma a disputa pelos espaços onde se encontram os investimentos públicos em obras e equipamentos urbanos (MARICATO, 1987). Frente a esse cenário, a cidade se torna palco de um processo conflituoso constante, marcado pelo antagonismo entre o capital e o trabalho, que, por sua vez, serve de pano de fundo para a luta em torno do ambiente construído (HARVEY, 1982 apud MARICATO, 1987). Desse modo, a aquisição da casa própria pelo morador de periferia diante do chamado “problema” habitacional se relaciona a dois processos interligados: o primeiro, referente às condições de exploração do trabalho propriamente ditas; e o segundo, decorrente do processo anterior, a espoliação urbana, caracterizada pela somatória de “extorsões que se operam através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações de trabalho” (KOWARICK, 1979, p.59). Nesse sentido, a busca pela casa própria do trabalhador de baixa renda encontra na prática da autoconstrução uma solução para sua carência, não em termos de economia de gastos, mas sim em termos de subsistência. A partir dessa perspectiva, consolida-se o “autoempreendimento da casa própria” (BONDUKI, 2004, p.276), condição essa vinculada à custa de um enorme esforço familiar, que diz respeito à ocupação de áreas, levantamento de barracos e autoconstrução em terrenos clandestinos (GOHN, 1991). Por conseguinte, a conformação espacial das regiões periféricas (onde se incluiu o município de Osasco) organiza-se pela lógica da
“reprodução da força de trabalho na etapa recente de expansão do capitalismo no Brasil” (BONDUKI, ROLNIK, 1978, p.118). Isto ocorre por meio da dupla exploração da mão de obra de baixa renda, presente tanto nas altas taxas de acumulação quanto no esforço despendido para construção de suas moradias no “tempo livre” do trabalhador, caracterizado por Kowarick (1988) como “sobretrabalho”, e detalhado na obra de Oliveira (1975). Esse fenômeno resulta em um intenso crescimento espacial medido pela construção de pelo menos um milhão de casas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) nos últimos cinquenta anos, simbolizando grande quantidade de recursos monetários, materializados na forma de mão de obra vinculada ao processo de produção habitacional (BONDUKI, 2004). A esse processo somam-se os interesses específicos do capital imobiliário e dos proprietários de terra (HARVEY, 1982 apud MARICATO, 1987), que, na posição de realizadores de loteamentos das localidades periféricas, acabam por viabilizar a venda de terrenos por preços reduzidos frente à inexistência de investimentos em infraestrutura em tais localidades. Bonduki (2004) descreve esse processo a partir da venda de pequenos terrenos de zona rural na forma de lotes localizados em áreas urbanas, resultando dessa maneira em vazios entre a zona já urbanizada e os novos loteamentos. Logo, segundo Maricato (1976), observa-se a relação direta entre a prática da autoconstrução e à especulação imobiliária. Dentro desse cenário, portanto, a figura do loteador se aproxima do empreendedor capitalista frente ao seu objetivo de lucro tendente à taxa de lucro média (BONDUKI, ROLNIK, 1978) o que implica a
adoção de medidas que contornem o cumprimento de exigências legais no processo de loteamento, visando dessa forma à redução do preço final do lote e evitando a diminuição da demanda solvente. Sendo assim, em função da “diminuição da demanda solvente, condicionada, em última instância, pelos baixos rendimentos percebidos pelos trabalhadores, são numerosos os empreendedores que não submetem seus loteamentos à aprovação, causando o que genericamente se costuma chamar de ‘loteamentos clandestinos’” (BONDUKI, ROLNIK, 1978, p.126). Nesses termos, “as periferias urbanas de São Paulo se desenvolveram, assim como a maior parte do Brasil, (...) como uma arena de conflitos por terra na qual as distinções entre ocupação legal ou ilegal são temporárias e as relações entre elas, perigosamente instáveis” (HOLSTON, 2013 apud ROLNIK, 2015). Por fim, consolida-se dentro dessa perspectiva o processo denominado como periferização, no qual se observa: Crescimento rápido e desordenado das franjas metropolitanas a partir de processos de parcelamento do solo levados a cabo por pequenos e médios agentes imobiliários que se especializaram em “driblar” a legislação urbanística, criando loteamentos irregulares, muitas vezes clandestinos (VALLADARES, 1994, p.102).
A viabilidade desse modelo só se tornou possível frente à grande quantidade de terra disponível destinada ao assentamento popular nas regiões periféricas nos grandes centros urbanos. Pois foi graças à disponibilidade de terra que o “lucrativo processo de expansão periférica pôde se alastrar sem limites, pelo menos até a década de
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1970, garantindo novas áreas de loteamentos nos quais a população de baixa renda conseguia adquirir um lote popular e construir suas casas” (BONDUKI, 2004, p.313). Com relação às políticas públicas destinadas a provisão habitacional, a década de 1970 assistiu à orientação dos recursos oriundos do Banco Nacional de Habitação (BNH) rumo ao “financiamento de governos estaduais e municipais na produção de obras de infraestrutura urbana, tais como implantação ou melhoria do sistema de abastecimento de água e esgoto sanitário, do sistema viário, da rede de distribuição de energia elétrica, de transporte e outras” (MARICATO, 1987, p.33). A atuação centralizadora do BNH a partir do modelo desenvolvimentista teve como resultado a difusão de um modelo de intervenção que seria aplicado em quase todo o território do país, sem levar em consideração as peculiaridades urbanas, sociais e culturais de cada lugar. Ademais, foi na década de 1970 que o BNH passaria a funcionar como um banco de segunda linha (MARICATO, 1987). Logo, a operacionalidade do BNH acabaria por caracterizar um modelo autoritário em suas concepções políticas; centralizador em sua gestão e que acabaria por negar qualquer tipo de participação popular em qualquer nível, caracterizando dessa maneira o modus operandi do próprio órgão. Dessa forma, percebe-se o papel fundamental do Estado frente à sua consolidação como figura responsável pela estabilidade do modelo de acumulação vigente, ao mesmo tempo em que se buscava garantir o controle e a contenção de movimentos reivindicativos para a efetivação do mesmo modelo em questão. (KOWARICK, 1979). Paralelamente, políticas públicas voltadas à habitação (materializadas na atuação do BNH) visando atender às camadas
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populacionais mais pobres, optaram por “rebaixar a qualidade da construção e tamanho da unidade, financiando moradias cada vez menores, mais precárias e distantes” (BONDUKI, 2004, p.320). Em nível federal, houveram programas de financiamento como “Profilurb (Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados, 1975), Promorar (Programa de Erradicação de Sub-Habitação, 1979) e João de Barro (Programa de Autoconstrução assistida, 1984) ” (TATAGIBA, 2015, p.92); e estes acabaram por fomentar a autoconstrução como solução para o problema da habitação popular (BARAVELLI, 2007 apud TATAGIBA, 2015, p.92). Entretanto, os resultados de tais programas se tornariam quantitativamente inexpressivos frente às poucas unidades construídas por todo o país. Sendo assim, se evidencia a insuficiência e a incapacidade de garantir o acesso à habitação da camada popular de baixa renda, que, “sem alternativas, continuou a auto empreender a construção da casa, de modo cada vez mais improvisado, em loteamentos precários ou em favelas” (BONDUKI, 2004, p. 320). Dessa forma, no final da década de 1970 e no início da década de 1980 constata-se não só a ineficácia da atuação estatal nas políticas públicas de provisão habitacional destinada à população de baixa renda, como também a retração de sua capacidade produtiva em um cenário de “esgotamento do modelo técnico-industrial gerado pelo processo substitutivo de importações” (KOWARICK, 1994, p.57). As consequências dessa crise tiveram impacto direto nas camadas populares: ao longo da “década de 80, coube à classe trabalhadora o ônus do ajuste estrutural, tendo como cenário privilegiado a Metrópole Paulista” (KOWARICK, 1994, p. 59). Tome-se como exemplos a
contenção salarial, a extensão da jornada de trabalho ou simplesmente o número crescente de desempregados sem qualquer tipo de assistência estatal. Dessa maneira, cristaliza-se no início da década de 1980 a retração de políticas sociais relacionadas à provisão habitacional, ao mesmo tempo em que se dá a consolidação da autoconstrução como prática comum das camadas de baixa renda. Por conseguinte, somado ao processo de expansão da autoconstrução, segundo Maricato (1976), tem-se o processo de abstenção do poder público frente ao déficit habitacional. A renúncia estatal se evidencia como ato consciente, uma vez que “as condições habitacionais resultantes desse modo de produção, de casa e espaço urbano, são bastante conhecidas e fartamente reconhecidas pelos relatórios técnicos oficiais (isto é, dos órgãos do governo)” (MARICATO, 1976, p.91). Os levantamentos da época indicam que 50% das casas do município de São Paulo, onde a renda média é mais baixa, foram realizadas pela autoconstrução (EMPLASA apud MARICATO, 1976). A conjuntura do final da década de 1970 – refletida na atuação do Estado frente à crise do regime militar e na retração de políticas públicas – resultou na formação de um cenário extremamente combativo, com a emergência de vários movimentos sociais. A repressão policial e o modus operandi da política de Estado revelou a dificuldade de se buscar alternativas que prezariam pelo reconhecimento da legitimidade dos atores individuas e coletivos presentes nesses cenários periféricos e ambientes de vulnerabilidade social (FELTRAN, 2005).
Sendo assim, com o “fim do BNH em 1986 e a desestruturação posterior da política habitacional em nível nacional, novas perspectivas puderam se abrir para repensar a habitação social, apesar de sensível redução de recursos ” (BONDUKI, 2004, p.319). Dessa forma, a partir do crescente desgaste dos programas habitacionais tradicionais destinados à habitação popular, “surgem as propostas alternativas onde se articulam o povo – lideranças populares, técnicos assessores dos movimentos, técnicos estatais, políticos e administradores públicos” (GOHN, 1991, p.165). Em suma, o fim do regime autoritário também assinala o colapso daquela forma centralizadora e ineficaz de se implantar políticas de desenvolvimento urbano e de habitação social, cujo principal ícone institucional havia sido o BNH em seus 26 anos de existência (19641986). A escassez de moradia, a crise econômica com grandes impactos sociais, a periferização, a segregação socioespacial, o ambiente político da redemocratização e a emergência de movimentos sociais (com destaque para o Movimento Nacional pela Reforma Urbana) pressionavam ainda mais o Estado a oferecer soluções para as crises urbana e habitacional.
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2. Arquitetura Nova e o mutirão em debate
No final da década de 1970 e ao longo da década de 1980, o Brasil transitou pelo processo de redemocratização política, que coincide com a crise da dívida externa e a consequente redução de gastos públicos (USINA, 2008). Paralelamente ao processo de abertura democrática, o país conviveu com a crise terminal do modelo desenvolvimentista, o que determinou uma repactuação econômica com órgãos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, cujos acordos de modo geral acentuaram o arrocho fiscal do Estado. Nesse cenário de escassez de investimentos públicos em políticas sociais, a autoconstrução de moradia se revelou a forma de “solucionar o grave déficit habitacional pelos próprios usuários, ou seja, as camadas populares” (MIAGUSKO, 2010, p.171). Por conseguinte, segundo Tatagiba (2015), diante da pressão exercida sobre os governos nacionais para tratarem de maneira imediata o crescente déficit habitacional em um cenário econômico desfavorável, tem-se pela primeira vez a institucionalização da autoconstrução como política pública em território nacional. Assim, o governo do estado de São Paulo se aproximaria da adoção da autoconstrução nos programas habitacionais como política pública a partir da eleição de Franco Montoro em 1982. Essa mudança simbolizaria um novo período da gestão estadual, recheado de inovações em diversas áreas e marcado pelo estabelecimento de diálogo do poder
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público com os movimentos populares (TATAGIBA, 2015). Contudo, mesmo apresentando casos bem-sucedidos, as políticas habitacionais alternativas continuariam a simbolizar momentos isolados, residuais e altamente sujeitos “às descontinuidades decorrentes das mudanças das coalizões políticas à frente dos executivos” (TATAGIBA op.cit. p. 93). Apesar dessa inflexão no poder público, a presença de movimentos sociais que tinham como pauta a reinvindicação pela habitação social se mostraria constante, mesmo com atuações distintas conforme o período. Em um panorama em que a ocupação e a autoconstrução se mostram como modalidades de ação coletiva dos grupos pauperizados, na ausência de um Estado de bem-estar social que lhes garantisse o direito à moradia (TATAGIBA, 2015), consolidase a pauta habitacional como demanda constante da agenda de reivindicações dos movimentos sociais. A essa característica se soma o questionamento às políticas habitacionais aplicadas no ciclo anterior (SACHS, 1999 apud MIAGUSKO, 2010), a partir do fomento da participação comunitária, da defesa de medidas de descentralização das políticas habitacional e urbana, e da revisão da legislação urbanística (BONDUKI, 2004). A partir dessa perspectiva, vale ressaltar a destacada atuação de Luiza Erundina como prefeita de São Paulo. É a partir de sua ascensão à Prefeitura da capital paulista em 1989, e da atuação combinada dos
fundos públicos com as assessorias técnicas, que o desenvolvimento de novas formas de gestão dos empreendimentos habitacionais (presentes na forma da autogestão e da cogestão) entrariam em pauta. Esse momento reconheceu pela “primeira vez que o mutirão autogestionário se convertia de fato em programa habitacional e que os movimentos eram reconhecidos como atores do processo de implementação da política” (TATAGIBA, 2015, p.94). Além de contar com uma maior proximidade com os movimentos sociais, a gestão de Erundina seria marcada pela presença de um corpo técnico repleto de intelectuais e militantes vinculados e comprometidos com as teses que marcaram a agenda da reforma urbana2. Entre 1989 e 1992, portanto, o mutirão encontrou um campo fértil para seu desenvolvimento teórico e prático: “quando organizado de modo autogerido, com o apoio de arquitetos e engenheiros independentes e tendo acesso aos fundos públicos, foi capaz de introduzir mais inovações técnicas e assegurar mais segurança ao trabalhador do que as obras de empreiteiras” (ARANTES, 2002, p.220). Segundo Carvalho (2007), a gestão de Erundina na Prefeitura de São Paulo se classificaria como fase “heroica” da experiência do mutirão, quando foi criada uma “estrutura de funcionamento com fonte de financiamento (o Funaps – Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal), gestão compartilhada através do tripé formado por prefeitura/organização popular/assessoria técnica,
fluxo de recursos e regras para sua utilização... Isto é, deixou de ser um ‘programa alternativo’, pontual, para se incorporar oficialmente na política habitacional de São Paulo” (CARVALHO, 2007, p.218). Dessa forma, percebe-se a importância dada ao contexto no qual se fortalece o mutirão, ao qual se associa a retração das políticas sociais em curso ao longo da década de 1990 (SCHWARZ, 1993 apud MIAGUSKO, 2011, p.172), com a ampliação das políticas neoliberais de desresponsabilização do Estado, introduzidas na gestão de Fernando Collor e intensificadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente da presidência da República, por meio da criação de um ambiente favorável aos fluxos financeiros internacionais e reformas econômicas (CAMARGO, 2017). Simultaneamente ao cenário de privatizações e da liberalização econômica, o país assistia ao crescimento da participação popular e de políticas sociais postas em prática pelo campo progressista (MIAGUSKO, 2011), reafirmados na gestão de Luiza Erundina em São Paulo e reverberados na RMSP: Esse caráter mítico da noção de autogestão e participação dos futuros usuários é tão mais significativo quanto mais a produção de habitação por mutirões autogeridos ganhava o estatuto de uma proposta que deveria se transformar em política, ou mais precisamente, em “quase” política habitacional. Esse “quase” diz respeito ao truncamento do financiamento de políticas públicas e
2 Alguns nomes de destaque ocuparam cargos nessa gestão: Ermínia Maricato foi titular da Secretaria de Habitação; Raquel Rolnik, diretora de Planejamento; Nabil Bonduki, Superintendente de Habitação Popular. Na gestão Erundina o projeto de Mutirões envolveu parceria com 108 entidades comunitárias e outras 24 de assessoria técnica, tendo beneficiado 60 mil pessoas com recursos do Fundo Municipal de Habitação. Além destes, Paul Singer ocupou a Secretaria de Planejamento e Lúcio Gregori, a Secretaria de Transportes, quando foram gestadas as propostas “Tarifa Zero” e “Projeto de Municipalização do Transporte Público”.
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sociais de habitação que, ao final da década de 1990, apontaram para outros rumos, tais como a tentativa de reinserção de habitação social nos centros metropolitanos vistos como degradados ou mesmo os esforços de regularização fundiária dos territórios periféricos, o que parece ter sido um dos eixos da política habitacional da última gestão do PT em São Paulo (RIZEK, BARROS, 2006, p.377-378).
Dessa perspectiva, a prática do mutirão autogestionário não estaria isenta de críticas. Sendo assim, a temática encontraria no seio da discussão teórica brasileira um cenário atrelado a diversas ambiguidades e paradoxos, evidenciando os meandros de um tópico recheado de grande multiplicidade de interesses de análise (MIAGUSKO, 2011). Dentre as ambiguidades vinculadas à reflexão sobre o mutirão autogestionário, tem-se a sua condição simultânea de dependência dos fundos públicos destinados à habitação e a sua recusa da intervenção oriunda do aparelho estatal como agente implementador, negando dessa forma uma dinâmica impositiva de cima para baixo (USINA, 2008). Dessa maneira, a aplicação da autogestão no cenário brasileiro a partir da segunda metade da década de 1970 apareceria atrelada a um campo de semi-autonomia (USINA, op.cit.). Ademais, o caráter paradoxal do mutirão vincula-se ao que Oliveira (1972) coloca como a capacidade de expansão do capitalismo pela introdução de novas relações dentro de antigos moldes, denominadas como “arcaicas”, e, portanto, pela reprodução desse arcaísmo sob novas conformações. Segundo Kowarick (1979), esse fenômeno se destaca pela permanência de unidades produtivas arcaicas de tipo manufatureiro em quase todos os ramos da economia, ao mesmo tempo em que se
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assiste à substituição da confecção de bens para a autossubsistência nas cidades brasileiras. Essa dinâmica “é inerente à mercantilização da economia, em que o consumo decorre da produção realizada através da extração de mais-valia, forma que consubstancia o processo de valor de troca a partir do qual a mercadoria assume a sua plena dimensão” (KOWARICK, 1979, p.56). Por conseguinte, às características arcaicas presentes na dinâmica do mutirão – oriundas do passado rural e relacionadas, portanto, ao meio folclórico (MARICATO, 1978) – somaram-se no campo urbano as técnicas encontradas pelos estratos mais pobres para solucionar o crescente déficit habitacional oriundo dos fortes fluxos migratórios a partir das décadas de 1970-80 e da formação de sedes do novo ciclo de expansão urbana a partir do crescimento econômico brasileiro. Sendo assim, pode-se tratar da prática do mutirão como um processo no qual se evidencia uma “simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários, em que o chamado “moderno” cresce e se alimenta da existência do “atrasado” (OLIVEIRA, 1972, p.9). Ademais dessas colocações, deve-se atentar para a noção de “sobretrabalho” discorrida ao longo da obra de Oliveira (1972). Segundo o autor: A habitação, bem resultante dessa operação, se produz por trabalho não pago, isto é, supertrabalho. Embora aparentemente esse bem não seja desapropriado pelo setor privado da produção, ele contribui para aumentar a taxa de exploração da força de trabalho, pois o seu resultado – a casa – reflete-se numa baixa aparente do custo de reprodução da força de trabalho – de que os gastos com habitação são um componente importante – e para deprimir os salários reais pagos pelas empresas. Assim, uma operação que é,
na aparência, uma sobrevivência de práticas de ‘economia natural’ dentro das cidades, casa-se admiravelmente bem com um processo de expansão capitalista, que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho (OLIVEIRA, 1972, p.28).
Logo, a dinâmica descrita por Oliveira (1972) acabaria por simbolizar um fenômeno no qual se observa a sobrevivência de práticas de “economia natural” nas cidades, onde se tem a convivência simultânea desse fenômeno juntamente ao processo de expansão capitalista, “que tem uma de suas bases e seu dinamismo na intensa exploração da força de trabalho” (OLIVEIRA, op.cit. p.28). A essa exploração, Kowarick (1979) ressalta a economia de gastos para se tornar possível a construção da casa própria em detrimento da qualidade de vida da família empreendedora. Nesse cenário, a prática do mutirão acabaria por “reproduzir a força de trabalho a baixos custos para o capital”, além de constituir um elemento que “acirra ainda mais a dilapidação daqueles que só tem energia física para oferecer a um sistema econômico que de per si já apresenta características marcadamente selvagens” (KOWARICK, 1979, p.62). Dessa forma, a autoconstrução evidenciaria a condição de desgaste completo das parcelas sociais que se proporiam a construir a casa própria. Em contrapartida, intelectuais da corrente de pensamento relacionada à “Arquitetura Nova” apresentaram seus argumentos acerca do processo de autoconstrução e da prática do mutirão de perspectiva diversa. Entre eles, Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império se destacaram como porta-vozes de uma corrente teórica que tinha
como ponto central a valorização da produção artística e arquitetônica democrática. Sendo assim, a nova arquitetura a ser formulada deveria conter um “caráter programático e militante”, servindo também como uma arquitetura de laboratório, ensaiando dessa forma “inúmeras possibilidades técnicas e espaciais, numa atitude de espera e estímulo de transformações sociais profundas” (FERRO, 2006, p.39). Logo, a partir do processo de redemocratização brasileira, o campo da arquitetura passaria a abarcar a prática da autoconstrução, e mais especificamente o mutirão como ato social dentro da profissão, evidenciando a formação de um novo tipo de vínculo entre arquitetos e assistentes sociais e os movimentos sociais. Essa relação seria manifestada na forma de uma militância prática-cotidiana (USINA, 2008). Para Lefèvre (1981), o mutirão se configuraria praticável como modelo utópico aplicável em uma fase transitória entre a dinâmica produtiva capitalista e um momento posterior, reafirmando a noção de canteiro como escola e espaço experimental. Sendo assim, a corrente de pensamento por trás da “Arquitetura Nova” passaria a ilustrar a noção de esgotamento do modo de produção arquitetônico presente até então, uma vez reconhecido os limites do desenvolvimento desse modo produtivo (FERRO, 2006). Dessa forma, frente a tal cenário de suposto esgotamento dos moldes produtivos até então vigentes, caberia ao arquiteto, consciente de seu papel social em sua atuação profissional, o trabalho de criação de um novo conjunto de condições físicas, que, segundo Lefèvre (1981), teriam como resultado modificações nos cenários abordados. Por conseguinte, a atuação do profissional juntamente com os movimentos
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sociais e indivíduos diretamente afetados pelo déficit habitacional serviria como amálgama para a produção de novos cenários urbanos no contexto brasileiro. O mutirão autogestionário, segundo Arantes (2002), passaria a simbolizar um espaço diferenciado dentro da dinâmica produtiva convencional, indicando um pequeno vislumbre do que poderá vir a ser outra forma de produção. Logo, seu caráter experimental no canteiro de obras passaria a iluminar as “contradições das relações sociais capitalistas, cuja violência e alienação impostas ao trabalho passam a ser questionadas por outra prática” (ARANTES, op.cit.). Dessa forma, seria evidenciada a prática do mutirão autogestionário como fonte inovadora frente aos exercícios arquitetônicos anteriores, pois agora passaria a se basear nos princípios da ajuda mútua, diferenciando-se, dessa forma, das relações capitalistas de compra e venda da força de trabalho (MARICATO, 1976). É, portanto, a partir da construção da crítica contra o desenvolvimentismo a partir dos anos 1970, e de sua repercussão no campo da produção intelectual, que a imagem do mutirão passa a receber seu caráter mitológico: “vinculando áreas diversas entre si, tais como a discussão da arquitetura, de seu lugar social, de suas possibilidades de democratização e a compreensão dos movimentos e lutas sociais urbanas” (RIZEK, BARROS, 2006, p.380). Ademais, para o praticante dessa dinâmica, enquanto morador/produtor, vislumbra-se a possibilidade de estabelecimento de maior contato com a habitação produto, permitindo-lhe, “uma visão integrada do processo produtivo e, portanto, um contato desalienante com o produto, já que o morador acompanha, decide e executa os mínimos detalhes da própria habitação”
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(MARICATO, 1976, p.72). Em contraposição, Miagusko (2011) ressalta a crítica feita ao próprio processo participativo no qual se relativiza a possibilidade de democratização da relação do morador com a casa, uma vez que “as condicionantes técnicas e o repertório dos mutirantes determinam o campo restrito de possibilidades e tipologias” (MIAGUSKO, 2011, p.172). Dessa forma se estabelece uma relação de dependência da capacidade profissional das entidades de assessorias técnicas. Deve-se atentar ainda para a diferenciação presente na literatura desenvolvida sobre o tema a partir da década de 1970, em relação às noções de custo e valor que permeiam a produção habitacional realizada por meio da prática do mutirão. Segundo Arantes (2002), a aplicação de técnicas racionalizadas vinculadas à prática da arquitetura moderna, somada à gestão democrática da obra, seriam responsáveis por grande economia de gastos da edificação, mesmo depois de acrescentado o valor das horas trabalhadas pelos mutirantes, o que representa uma vantagem para o morador/produtor. Contudo, mesmo apresentada a tática arquitetônica como elemento indispensável para o barateamento da obra, ressalta-se que “a produtividade do trabalho na autoconstrução da casa não é significativamente menor do que aquela apresentada pela indústria da construção civil residencial” (BONDUKI, ROLNIK, 1978, p.128), contudo, a produção da habitação se apresenta como valor de uso, e, portanto, se torna vantajosa para o trabalhador. Observa-se que a diferenciação das noções de “valor de uso” e de “valor de troca” – assim como discussão sobre a dimensão da força de trabalho no processo do mutirão – faz uso de uma fundamentação crítica que se aproxima da teoria marxista. Integram este debate autores
como Oliveira (1972), Lefèvre (1981), Maricato (1987), Carvalho (2004), Miagusko (2011), entre outros. Segundo Lefèvre (1981), as horas excedentes que o trabalhador gastaria para construir sua própria casa não seriam destinadas à produção de mercadorias para o capitalista que emprega esse trabalhador, e dessa forma o proletário só produz valor de uso para si. Ademais, Carvalho (2004) ressalta que, mesmo transformada em valor de troca, tal valor será transformado com base na troca a serviço dos próprios trabalhadores envolvidos no processo, e não em função do capital. Contudo, os mutirões não escapam do debate sobre a noção de sobretrabalho: “a despeito dos contra-argumentos de que no mutirão o trabalhador se encontra com o produto do seu trabalho, ou de que a produção individual não é voltada para o mercado, dá à casa um valor de uso” (CARVALHO, 2004, p.169). Ademais, Miagusko (2011) ressalta como o trabalho realizado pelo mutirante se tornaria invisível, uma vez que seu trabalho não poderia ser mensurado ou contabilizado, assim como não conta com estatutos de regulação política ou jurídica. Dessa forma, para efeito dos custos finais da produção de moradia, o custo do trabalho não seria contabilizado; ou seja, não se torna possível um controle do tempo gasto pelo mutirante para a realização da obra enquanto o mesmo não se apresenta como dono de seu próprio tempo. Trata-se, enfim, de um “processo contraditório”, tendo em vista a articulação da lógica da racionalidade presente no que os grupos de mutirão buscam à relação custo-benefício e à solidariedade encontrada dentro dos grupos populares (GOHN, 1991). Sendo assim, mesmo consolidando processos que garantem aos participantes um
aprendizado político, mobilização, organização e consciência da realidade, os mutirantes se encontram em uma situação de grande extração de suas reservas monetárias, sem contar com o desgaste da própria força de trabalho. Ao mesmo tempo, a “visão mistificadora” antes indicadora da natureza do mutirão “como eloquente exemplo de solidariedade de classe” (BONDUKI, ROLNIK, 1978, p.132) acaba por não ser mais corrente frente à caracterização desse processo como “uma contraprestação de serviços, onde um morador ajuda o outro na expectativa de ser auxiliado quando necessitar” (BONDUKI, ROLNIK, op.cit.). Dessa forma, a discussão sobre a “mitologia emancipatória” se aproxima do cenário ambíguo no qual o mutirão autogestionário se insere (MIAGUSKO, 2011).
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3. Caracterização do município de Osasco
Em termos territoriais, Osasco esteve vinculado ao processo de crescimento econômico do estado de São Paulo do século XX, a partir do estabelecimento de sedes do novo ciclo de expansão (OLIVEIRA, 1973), materializados na instalação de parques industriais que abrangiam empresas de caráter tanto nacional quanto multinacional vinculadas aos mais diversos ramos de atividade (OLIVEIRA, 2011). A escolha pelo município de Osasco para a instalação de um parque industrial em ascensão residia nas vantagens encontradas pelos investidores na localidade. Entre os aspectos vantajosos, Osasco se destacava das demais localidades da RMSP pela sua localização estratégica, a poucos quilômetros do centro de São Paulo, além de contar com a Estada de Ferro Sorocabana, o que facilitava seu acesso da capital (OLIVEIRA, 2011). Contudo, a nova dinâmica de expansão industrial trazia consigo não só a exigência de infraestrutura e de serviços para os quais essa territorialidade não estava previamente dotada (OLIVEIRA, 1973, p. 26), como também atraía um contingente de mão de obra popular que passaria a residir no município. Sendo assim, observa-se o crescimento dos fluxos migratórios internos impulsionados pelo surto industrial que atingiu tanto a capital paulista quanto sua região metropolitana a partir da primeira metade do século XX.
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Territorialmente, o contingente de trabalhadores migrantes se estabeleceria em bairros operários localizados às margens do triângulo central de Osasco, consolidando-se nas cercanias do parque industrial formado no município. Ademais, enquanto era caracterizado como distrito de São Paulo, Osasco não era contemplado por serviços de transportes públicos, o que dificultava o deslocamento dos trabalhadores residentes dos bairros operários, assim como se mantinha à margem dos investimentos urbanos aplicados na capital, marcadamente expressos a partir da gestão de Prestes Maia ao final da década de 1930 (OLIVEIRA, 2011). Dessa forma, o acelerado crescimento industrial da região de Osasco convivia com a precária urbanização do distrito, onde faltava água encanada, escolas, hospitais e problemas relacionados à segurança pública (OLIVEIRA, op.cit.). Como resultado, Osasco passou a contar com regiões precariamente urbanizadas e periféricas, reproduzindo o fenômeno citado por Langenbuch (1971) de “suburbanização residencial” (LANGENBUCH, 1971 apud BONDUKI, ROLNIK, 1979). Ademais, a região passou a abranger uma formação espacial resultante do fenômeno de “proletarização do espaço” (MARICATO, 1976), compreendendo vastas áreas residenciais construídas por meio da autoconstrução, com poucos ou sem qualquer tipo de serviço público, à exceção do transporte precário e pequenos comércios.
Ao fim da década de 1940, Osasco passava por alterações espaciais. Enquanto a RMSP se expandia a partir do surgimento de novas cidades, passa a imperar no distrito uma forte organização social a partir da formação de sociedades de moradores, que visavam à emancipação do distrito e melhorias na região (OLIVEIRA, 2011). Dessa forma “a periferia, como locus de moradia por excelência dos trabalhadores, tornou-se o espaço de articulação de núcleos de organização popular” (BONDUKI, KOWARICK, 1988, p.157). Como resultado da mobilização popular, ao final da década de 1950, Osasco passa a ser elevado à categoria de município pela Lei Estadual nº 5.285, de 18-02-19593 , desmembrando-se do município de São Paulo, onde era classificado anteriormente como sub-distrito4. Após o estabelecimento do município de Osasco, davase continuidade ao processo de desenvolvimento econômico da região pela expansão do parque industrial. Segundo dados do Censo Demográfico de 1980, a taxa de crescimento anual de Osasco era de 5.25%, enquanto no mesmo período a capital paulista contava com uma taxa de crescimento anual de 3.67%5. Além de sua alta taxa de 3 4 5 6
crescimento anual, o município, que contava com 114.828 habitantes entre 1940-1950, passaria a contabilizar 586.846 habitantes em 1976, período em que se observa 101.702 famílias com renda média de até 5 salários mínimos e 71.886 famílias moradoras em habitações precárias6 (EMPLASA, 1976). Logo, o crescimento econômico da região convivia com o aumento demográfico e a elevação do déficit habitacional do município: em 1980 Osasco contabiliza 108.796 habitações, das quais 55.473 são próprias; 41.646 alugadas; 10.190 cedidas e 1.454 são classificadas como “outra”7. Nas décadas seguintes o problema habitacional desdobra-se: “Na Grande São Paulo, a taxa de crescimento domiciliar das unidades faveladas entre 1980 e 1991 alcançou 7,96% anuais, bem superiores à taxa metropolitana, de 2,11% ao ano (...)” (PASTERNAK, 2003, p.88). Segundo pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Movimentos Sociais (NEMOS)8 , assim como ocorrera no município de São Paulo, o número de favelas em Osasco e sua respectiva população deram um enorme salto a partir dos anos 1980.
Dados disponíveis em <https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=32681&view=detalhes>. Acesso em: 29 de jan. 2019. Dados extraídos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados extraídos de “Censo demográfico de 1980 – resultados preliminares”. IX Recenseamento geral do Brasil. IBGE, Rio de Janeiro, 1980.
Dados extraídos de “Sistema de informações do mercado habitacional para faixas de população de baixa renda. Volume I: Diretrizes e Programação”. Governo do Estado de São Paulo: Secretaria dos Negócios Metropolitanos. São Paulo, 1976.
7 Dados extraídos de “Censo demográfico São Paulo – famílias e domicílios. Volume I – tomo 6 – número 19. IV Recenseamento geral do Brasil. IBGE, Rio de Janeiro, 1983.
8 Órgão vinculado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social e a Coordenadoria de Estudos e Desenvolvimento de Projetos Especiais (CEDEPE) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP.
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Enquanto, em 1970, Osasco contava com duas favelas e 378 moradores, em 1980 passam a existir 36 favelas no município, que abrigavam 3.936 habitações e 18.922 moradores; em 1985 o número de moradores de favelas já tinha crescido 80% em relação aos números de 1980, somando 6.554 casas e 35.000 habitantes, alcançando 64.365 habitantes em 1991. Paralelamente ao espraiamento das favelas no município, a partir de 1991 ocorre a diminuição dos empregos formais do setor secundário, além do crescimento da oferta de emprego do setor terciário. Segundo dados do Plano Municipal de Mobilidade Urbana de Osasco, em 1991 o município contava com 3,36% de participação no setor da construção; 33,64% no setor industrial; 13,24% no setor de comércio atacadista e varejista e 44,42% de participação no setor de serviços (PLANO MUNICIPAL DE MOBILIDADE URBANA DE OSASCOSP, 2016, p.29). O perfil socioeconômico do município também pode ser observado a partir da consideração de indicadores como o Índice de Gini9 e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, em 1991, a região de Osasco apresentava IDHM de 0,572, valor baixo em comparação ao município em períodos posteriores10. Sua renda per
capita média no mesmo ano era de R$ 679,13, enquanto a proporção de pessoas pobres (com renda domiciliar per capita inferior a R$ 140,00) chegava a 1,56% e sua porcentagem de pobres alcançava 7,68%. O Índice de Gini ficava em 0,46%. (PLANO MUNICIPAL DE MOBILIDADE URBANA DE OSASCO-SP, 2016, p. 31). Em suma, Osasco sedimentou-se como município fortemente industrial e depois, a partir da crise da “década perdida” (1980), conviveu com a expansão do setor terciário da economia. Esse movimento acentuou o perfil concentrador de população de baixa renda e os gargalos de infraestrutura urbana permaneceram, destacando-se o grande déficit habitacional e a favelização no município.
9 O Índice de Gini serve como indicador de concentração de renda e tem escala de 0 a 1 (PLANO DE MOBILIDADE URBANA DE OSASCO-SP, 2016, p.
31). Se hipoteticamente atingir o ponto máximo (1), isso significaria que uma só pessoa concentraria toda a renda; inversamente, se atingisse “0”, esse cenário também hipotético representaria um acesso à renda rigorosamente igualitário. Ou seja, quanto mais o indicador se aproxima de “0” mais igualitária será a distribuição de renda.
10 “Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da ONU, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda” (PLANO DE MOBILIDADE URBANA DE OSASCO, 2016, p. 31).
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4. O mutirão autogestionário e a COPROMO
A experiência de mutirão autogestionário que surgiu em 1990 no município de Osasco e recebeu o nome de COPROMO (Cooperativa Pró Moradia de Osasco) serviu de objeto de estudo no meio acadêmico e arquitetônico/urbanístico desde o momento de elaboração de seu projeto. A experiência atingiu o meio profissional de arquitetura e urbanismo primeiramente em 1997, momento no qual o projeto é publicado junto com outras soluções arquitetônicas relacionadas à área da habitação de interesse social, em uma edição da Revista Arquitetura & Urbanismo (CERQUEIRA, 2016). O real interesse frente à COPROMO começa a surgir em 1998, momento em que sua construção se conclui. No meio acadêmico, a experiência é citada primeiramente no livro de Pedro Fiori Arantes em 2002, seguida pela obra de Édison Martiniano de Oliveira Júnior em 2004. Além desses trabalhos, a temática seria escolhida como objeto de estudo de vários estudos de iniciação científica em momentos posteriores. Segundo Cerqueira (2016), a experiência COPROMO voltaria a ser discutida na dissertação de mestrado de Vladimir Navazinas, em 2007, no qual se destaca o caráter do espaço comum projetado no conjunto, assim como outros quatro empreendimentos de habitação social por mutirão. Posteriormente, o COPROMO apareceria na discussão feita por Petrella (2012) em seu trabalho intitulado “Das
fronteiras do conjunto ao conjunto das fronteiras: experiências comparadas de conjuntos habitacionais na região metropolitana de São Paulo”. Mais uma vez o conjunto da COPRMO entraria em uma análise comparativa entre outros seis conjuntos de provisão habitacional tanto sociais quanto de caráter “empresarial”, como CDHU, COHAB e Cingapura. Por fim, em 2016, Ícaro Cerqueira em sua dissertação de mestrado, recupera a trajetória do conjunto, dando enfoque à dimensão arquitetônica da experiência a partir da perspectiva do canteiro de obras da COPROMO. Importante notar dentre os múltiplos trabalhos acadêmicos que se dispuseram a discorrer sobre a experiência a partir de diversas abordagens e diferentes recortes temáticos, o crescente interesse pela originalidade da experiência COPROMO em suas múltiplas facetas. Como justificativa para esse fenômeno, deve-se procurar no caráter da experiência COPROMO os elementos que acabariam por distingui-la dos demais mutirões autogestionários realizados na RMSP. Entre eles, pode-se destacar seu marcante avanço em termos projetuais e em relação às soluções arquitetônicas encontradas, que permitiram a construção de um conjunto caracterizado pelo grande volume de habitações projetadas, frente às 1000uh divididas em 50 blocos com cinco pavimentos (NAVAZINAS, 2007). Sendo assim, o projeto realizado acabaria por contrariar aqueles que consideravam o mutirão uma
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forma atrasada de produção, e, portanto, descartavam a possibilidade de construção de edifícios a partir dessa lógica (ARANTES, 2002). Ou seja, a modalidade mutirão também provou ser capaz de produzir habitação social em escala numérica e qualitativamente significativa. Ademais, sua solução construtiva emblemática residia na adoção de um sistema construtivo baseado em blocos estruturais de alta resistência, o que dispensava andaimes e fôrmas para concretagem, configurando-se como uma solução extremamente simples baseada na noção de construção de uma casa térrea sobre a outra, com uma cinta de amarração sustentando a laje pré-moldada de cada andar superior (Figura 1). Dentre os materiais utilizados destaca-se o uso do bloco cerâmico, empregado a partir de módulos, além de inovações espaciais como “torres de escada em aço instaladas logo que ficavam prontas as fundações” (ARANTES, 2002, p.218). Dessa forma, a partir da escolha de materiais e de seu método construtivo, o COPROMO se contraporia “aos ‘grandes conjuntos’ produzidos por empreiteiras, de precária qualidade ambiental” (PETRELLA, 2012, p.19).
Figura 1: Canteiro de obras da COPROMO
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Contudo, as soluções arquitetônicas encontradas para a realização do conjunto dividem a atenção com a dinâmica organizacional da COPROMO, relacionadas à trajetória dos movimentos sociais envolvidos no processo e à capacidade de mobilização dos mesmos. Para tanto, a análise da trajetória do movimento se debruça sobre o que Tatagiba (2015) destaca como as dimensões relevantes que interferem no resultado dos movimentos sociais, apresentados na forma de: infraestrutura de mobilização dos movimentos (organização e repertório) e contexto (a estrutura de oportunidade política) (TATAGIBA, 2015). Dessa forma, a conjuntura nacional e a trajetória da COPROMO constituem elementos importantes para consolidação do mutirão autogestionário em Osasco e para a formação de seu balanço histórico, frente ao cenário de “avanço qualitativo nos movimentos populares” (KOWARICK, 1988, p.162). A tais variáveis se soma a escassez de projetos habitacionais populares na segunda metade da década de 1980 e em 1990, pois, além da crise fiscal, a extinção do BNH, em 1986, criou um vácuo institucional para as políticas públicas de habitação social. Dessa perspectiva, a multiplicidade de experiências autogestionárias ao longo da década de 1990 na RMSP, serviria como pano de fundo para a consolidação do movimento COPROMO. Ressalta-se na trajetória da COPROMO um ambiente no qual se encontram agentes do Estado, figuras políticas, movimentos sociais e o setor privado organizados a partir do conflito de interesses relacionados a uma gleba localizada na Avenida Getúlio Vargas no bairro Jardim Piratininga, no município de Osasco. Destaca-se também nesse processo a atuação do movimento “Terra é Nossa”, formado em 1986 e caracterizado pela adoção da
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prática da ocupação como estratégia de atuação e pressão política. A partir da ocupação da gleba localizada na Avenida Getúlio Vargas, com a participação de 520 famílias em 1987, o movimento “Terra é Nossa” passa a confirmar sua força e capacidade de mobilização. É também nesse momento que se observa a construção de um barracão de madeira que serviria como uma sede improvisada da Associação por Moradia de Osasco, que acabaria por gerar conflitos entre o movimento e o setor privado, interessado naquele terreno. Somada à pressão exercida pelo movimento a partir das ocupações, tem-se no campo político a atuação de Reginaldo Oliveira de Almeida, ou Didi, vereador eleito em 1988 pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e reconhecido como importante liderança na região, além de possuir um papel fundamental durante o desenvolvimento da COPROMO (CERQUEIRA, 2016). A atuação do vereador Didi conforma não somente uma aliança com o movimento, como também mantém com a COPROMO, selando uma identidade de projetos (TATAGIBA, 2015), a partir do diálogo constante que estabelece com o movimento. Por conseguinte, o fortalecimento do movimento se materializa a partir da substituição do antigo barracão, para uma nova sede em alvenaria, em agosto de 1991, ocupando as atividades da coordenação e da secretaria da Associação. Além de poder abrigar as atividades administrativas da Associação com mais conforto, a construção da nova sede atua como demonstração de força por parte do movimento,
“sinalizando para o poder público a determinação dos sem-teto na conquista daquele terreno” (CERQUEIRA, 2016, p.69). É também nesse momento que se tem o início da parceria estabelecida entre o movimento e a USINA CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado)11. No que diz respeito ao estabelecimento dos ambientes decisórios dos movimentos sociais voltados à reivindicação habitacional, destacamse enfaticamente aqueles localizados na RMSP, a organização coletiva por meio de cooperativas populares para a construção de moradia, que tiveram como resultante a geração de uma nova categoria de organização popular: as associações de construção. Dessa forma, essa nova categoria de associação popular teria como elemento básico “os sócios moradores que adquiriram o direito de morar na casa construída em mutirão” (GOHN, 1991, p.116), que encontrariam no espaço deliberativo das associações um espaço para a expressão individual e grupal sobre as decisões em questão (ALBERT, 2004). A experiência COPROMO não fugiu a essa dinâmica coletiva. Assim, concomitantemente à consolidação da Associação, seguiam os processos de negociação da aquisição do terreno junto ao poder público, frente à intenção da Associação de adquiri-lo, uma vez que o terreno “embora fosse propriedade da COHAB, estava hipotecado pela Caixa Econômica Federal” (CERQUEIRA, 2016, p.70). A solução, portanto, residiria no estabelecimento de um acordo que possibilitasse à Associação o pagamento da hipoteca junto à Caixa. Para tanto,
11 Trata-se de grupo formado em “1990 por profissionais de diversos campos de atuação como uma assessoria técnica a movimentos populares” (USINA). Disponível em: <http://www.usina-ctah.org.br/sobre.html>. Acesso em: 05 fev. 2019.
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cada família cadastrada deveria depositar uma quantia, em dinheiro, numa conta corrente aberta por ela. Contudo, a partir do momento de arrecadação das quantias, muitos integrantes deixaram a associação, permanecendo 3714 famílias (OLIVEIRA JR., 2004). A partir desse momento, algumas famílias depositaram uma pequena quantia, apenas para assegurar a sua vaga, enquanto outras depositaram uma quantia maior: “Para evitar esta diferença, a Associação decidiu, em assembleia, que as primeiras 1800 famílias (número de moradias que a área de 111.000m² comportava) que depositassem Cr$ 30.000,00 [trinta mil cruzeiros] concorreriam às moradias e as demais ficariam como suplentes das vagas” (OLIVEIRA JR., 2004, p.4). Ademais dos entraves organizacionais internos, a Associação contava com um ambiente marcado por “disputas intensas entre diferentes esferas dos governos Federal e Municipal pelo terreno” (FELTRAN, 2005, p.119). Nesse cenário, um dos conflitos de interesse que marcam a disputa pelo terreno se evidencia pelo decreto-lei (nº 6843) no dia 1º de agosto de 1992, pelo então Prefeito de Osasco, Francisco Rossi (OLIVEIRA JR., 2004). O decreto, de caráter de desapropriação, era direcionado para uma área de 111.000 m² pertencente à COHAB – SP, que seria destinada a ampliação do Projeto Canaã, de moradias populares, localizado ao lado do terreno desapropriado (OLIVEIRA JR. op.cit.). A partir do estabelecimento desse decreto, o processo de negociação da Associação junto à COHAB se tornou nulo, e o processo decisório sobre o terreno ficou a cargo da Prefeitura de Osasco (CERQUEIRA, 2016). Como reação, a Associação decidiu agir por meio de intensa mobilização, materializada na forma de manifestações
e atos frente à Prefeitura de Osasco para exigir que o terreno fosse destinado à implantação do conjunto, já em andamento. A resposta do prefeito mostrou-se através das manifestações e do esforço do movimento em continuar com o trabalho de terraplenagem e a partir da construção de alojamentos para os associados que não podiam continuar pagando aluguel (OLIVEIRA JR., 2004). Para evitar conflitos com os invasores, o prefeito estabeleceu um acordo com a Associação, a partir do comprometimento de se doar metade da área (aproximadamente 54mil m²) à entidade. Contudo, devido à diminuição da área, o projeto inicial teve que ser alterado, reduzindo para 1.000 o número de apartamentos a serem construídos. Frente à diminuição, a Associação foi obrigada a remanejar as famílias que não poderiam ser contempladas pelo projeto. Dessa forma, aquelas que estavam em dia com os depósitos e com a documentação em ordem junto à Associação foram escolhidas para fazer parte do novo projeto, enquanto as demais foram encaminhadas para um terreno comprado pela Associação no Jardim Baronesa, também em Osasco, para que estes pudessem construir suas moradias. Nesse sentido, o breve histórico dessa conquista do terreno por parte da Associação evidencia o que Gupta (2009) denomina como “resultados incrementais” (GUPTA, 2009 apud TATAGIBA, 2015, p.89). Segundo Tatagiba (2015) esse raciocínio vai ao encontro da noção de que as perdas e ganhos dos movimentos ao longo de suas trajetórias se apresentam como pequenas batalhas de uma guerra, assim como “a relação entre os que fazem a política e os que a recebem são constantes e interativas, também aceitamos que os resultados de um round prévio afetam as etapas subsequentes” (TATAGIBA, 2015, p.
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89). Dessa forma, “a luta pela moradia digna em um país no qual o mercado da construção civil detém tamanha influência no jogo político é uma luta profundamente desigual e os resultados do movimento não podem ser lidos na chave de “vitória” ou “derrota” definitivas” (TATAGIBA, op.cit. p.89). Com relação ao financiamento junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano12, a Associação teve que dar como garantia o terreno comprado no Jardim Baronesa, além de acatar as exigências estabelecidas pela CDHU para aqueles que estivessem pleiteando uma unidade do conjunto. Dentre essas condições, merecem destaque: a impossibilidade de se possuir outros imóveis; estar na faixa salarial de 1 a 10 salários mínimos; ter residência estabelecida há mais de um ano no município de Osasco ou trabalho fixo há dois anos; e constituir família, ou seja, pessoas sozinhas não seriam abarcadas pelo programa. Contudo, frente à demora das negociações com a CDHU, no segundo semestre de 1992 a Associação resolveu dar início às obras de oito edifícios com recursos próprios, ainda que não houvesse dinheiro suficiente para terminar essa primeira etapa da obra. A assessoria técnica apoiou a decisão e começou a se dedicar à realização de um processo de formação com os trabalhadores (CERQUEIRA, 2016). Uma vez dentro do canteiro de obras, a COPROMO funcionaria a partir de uma dinâmica na qual os trabalhadores deveriam se dedicar ao mutirão pelo menos 16 horas de trabalhos semanais, cumpridas nos finais de semana. Caso o trabalhador não pudesse cumprir tais horas,
poderia optar pela participação no canteiro durante a semana ou indicar algum membro familiar com idade superior a 16 anos para substituílo, de modo que “esta intensa dedicação por parte dos mutirantes teve papel fundamental nos primeiros meses de canteiro do COPROMO – marcados por enormes restrições financeiras” (CERQUEIRA, 2016, p.91). Ao fim, apenas em 1994, momento em que os primeiros edifícios construídos por meio da prática do mutirão já estavam quase prontos, que a primeira parcela do financiamento da CDHU foi liberada, referente a outros 160 apartamentos. Segundo o grupo USINA CTAH, a segunda parcela do financiamento (referente aos 540 apartamentos restantes) seria liberada somente em 1996, sendo que a construção do conjunto seria concluída somente em 1998, totalizando 50 edifícios, que juntos somam 1.000 unidades habitacionais (Figura 2). No que diz respeito ao seu caráter organizacional, a prática autogestionária aplicada ao caso COPROMO passaria a ser refirmada a partir dos pressupostos da “gestão autônoma dos recursos provenientes dos fundos públicos para o financiamento da produção habitacional, a autogestão do trabalho de produção em canteiro e a autogestão do projeto de moradias a ser discutido com os movimentos por habitação e futuros trabalhadores/usuários” (RIZEK, BARROS, 2006, p.381). Nesse aspecto percebe-se como a prática autogestionária, uma vez transformada em programa oficial de habitação, passa a abarcar tanto sua relação de proximidade com os programas estatais, ao mesmo tempo em que busca preservar um ideário de autonomia frente ao
12 CDHU, órgão vinculado à Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo ao qual era atribuída a responsabilidade pela construção de moradias populares.
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Estado, assinalado pelas prรกticas dos movimentos de moradia.
Figura 2: Conjunto habitacional da COPROMO finalizado
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CO PROPARTE II
5. O panorama da década de 1990
Assiste-se, na década de 1990, a um novo realinhamento político ideológico em nível internacional, marcado pela agenda neoliberal e pelos impactos sociais e econômicos da década anterior (1980), a “década perdida”. Essa crise resultou no crescimento do setor informal (PEREIRA, 1994 apud GOHN, 2012, p.297), constituindo-se como uma alternativa sustentada por políticas econômicas conservadoras que observaram nessa mão-de-obra um grande potencial antes inexplorado, e que se sustentando nesse setor, traçaram a estratégia para o reestabelecimento do crescimento econômico (GOHN, 2012, p.297). Esse setor se consolidou como uma condição de subsistência: os trabalhadores pertencentes a esse segmento não só contavam com uma remuneração mais baixa, como também se encontravam desarticulados enquanto classe trabalhadora, não se filiando a sindicatos e com direitos sociais restritos, incluindo-se nesse cenário a ausência do direito à habitação. Ademais, a condição de informalidade penalizava os trabalhadores pois os mesmos não eram cobertos pela rede de proteção institucional (previdência, diretos trabalhistas etc.). Em território nacional, se observava um cenário de extrema pobreza e de violência crescente, que passou a alimentar essa dinâmica, uma vez que obrigava o trabalhador brasileiro à submissão a condições de trabalho cada vez piores (GOHN, 2012, p.300) e, portanto, forçava a subordinação do trabalhador à precarização de trabalho. Nesse
sentido, a promoção do setor informal se configurou como mecanismo de desresponsabilização do Estado frente à proteção social, ao passo que o Estado, ao normatizar o setor informal, redefinia a condição de informalidade tanto no trabalho quanto na habitação, de modo a se tornar imperceptível o caráter excludente dessa condição (GOHN, 2012, p.297-298). Os grandes centros urbanos e as principais regiões metropolitanas se tornaram, por excelência, palcos dessas transformações e desses embates. Sendo assim, o avanço de políticas econômicas ortodoxas e a prioridade absoluta dada à estabilização e ao controle inflacionário, o caráter autoritário, centralizado e burocrático da estrutura estatal brasileira, marcado como locus de circuitos viciosos (CAMARGO, 2013, p.79) e o processo de desresponsabilização desse mesmo Estado contrastaram com o avanço de discursos progressistas e em focos de resistência de movimentos sociais. Para Gohn (2012), a pressão popular, ainda presente em organizações e movimentos remanescentes, acabaria por alimentar o processo de desresponsabilização desse mesmo Estado, a partir da transferência de responsabilidades para a iniciativa privada, uma vez que o cenário de agravamento dos problemas sociais e a crise assistida do setor público brasileiro fomentariam o questionamento do caráter centralizador e excludente do Estado frente os beneficiários de suas
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políticas públicas, e sua capacidade de responder às demandas sociais (TATAGIBA, 2002, p. 47). Dessa forma, os chamados Movimentos Populares Reivindicatórios Urbanos que caracterizaram as lutas populares por melhores condições de vida nos centros urbanos na década de 1980 (ROYER, 2002, p. 105) observariam uma inflexão da conjuntura nacional na década seguinte, a partir de uma nova concepção de sociedade civil, e de uma nova relação entre a sociedade e o Estado, tida como reflexo dos ajustes estruturais oriundos das políticas neoliberais implantadas, o que promoveu o agravamento das desigualdades sociais e econômicas e mesmo consequências sobre a capacidade de mobilização e organização políticas da sociedade civil (DAGNINO, 2002, p. 11). Por conseguinte, observa-se na década de 1990 um intenso movimento de “atores e forças sociais envolvidos com a invenção partilhada de novos formatos e desenhos de políticas” (TATAGIBA, 2002, p. 47), simultaneamente às novas delimitações nas relações Estado-sociedade. Assim, admitia-se como legítima a existência de instituições situadas em um novo espaço, situado entre o mercado e o Estado, que tinham como finalidade exercer a mediação entre coletivos de indivíduos organizados e as instituições do sistema governamental. Segundo Gohn (2012), em território nacional, esse novo espaço seria preenchido pelas Organizações Não Governamentais (ONGs), pertencentes ao chamado terceiro setor, e por alguns movimentos de caráter cidadão, que passaram a se revelar como estruturas capazes de “desempenhar papéis que as estruturas formais, substantivas, não têm conseguido exercer enquanto estruturas estatais, oficiais, criadas com o
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objetivo e o fim de atender a área social” (GOHN, 2012, p.305). Simultaneamente a esse processo, assiste-se à passagem da década de 1980/1990 à reformulação de pautas oriundas de movimentos sociais de caráter heterogêneo, entre elas as comunidades de base, os movimentos de moradia, as ocupações de parcelas de terra de periferias, os movimentos de igrejas e correntes religiosas e as experiências de autogestão e assessorias técnicas politizadas (CAMARGO, 2013, p.79). Surgem também novos núcleos associativos e o fomento de novas práticas de gestão, nos quais se enquadram as assessorias técnicas e os movimentos sociais por moradia (CAMARGO, op.cit. p.80). Nesse aspecto, destaca-se no campo habitacional a trajetória a União dos Movimentos de Moradia (UMM), fundada em 1987 e que reuniria “(...) diversos grupos de moradia – sobretudo na Zona Leste de São Paulo – que se articulavam em torno de lideranças ligadas às Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica. ” (CERQUEIRA, 2016, p. 35). Segundo Tatagiba (2015), a UMM se transformaria no embrião da União Nacional por Moradia (UNMP) – criada posteriormente à UMM, em 1989 – e que seria responsável pela articulação de movimentos por moradia em diversas regiões do país (CAMARGO, 2013, p. 83). Assim como a UNMP, passariam a atuar no plano nacional outras quatro organizações articuladoras voltadas ao campo habitacional: a Central de Movimentos Populares (CMP), a Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM), o Movimento Nacional de Luta Por Moradia (MNLM) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) (TATAGIBA, 2015, p. 86). A fragilidade da máquina estatal na década de 1990, por sua vez, se comprova dentro do campo habitacional frente ao longo período de
crise dos programas federais até então vigentes, decorrentes da extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1986, e da crise estrutural do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Após o desmonte do BNH, o campo habitacional não só se encontrava em um cenário de ausência de políticas públicas, como também sofria reestruturações profundas; em suma, assistia-se à retração das políticas promovidas diretamente pela estrutura estatal e a incorporação das antigas atribuições do BNH à Caixa Econômica Federal (CEF), evidenciando a ausência de uma proposta concisa para o setor (SHIMBO, 2010, p. 64-65). Na esfera federal, enquanto a administração de Fernando Collor (1990-1992) pouco inovou “em relação à administração anterior no referente a mudanças no Sistema Financeiro da Habitação” (AZEVEDO, 2007, p. 19), a administração seguinte, de Itamar Franco (1992-1995), atuaria de forma a apostar em novos desenhos políticos e gestionários, além de acrescentar uma tímida, porém presente, possibilidade de atuação conjunta entre o Estado e a sociedade civil. Mesmo não alterando o quadro de crise do SFH, a gestão de Itamar Franco introduziu programas que atuariam em duas frentes: as linhas de financiamento tradicionais, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e recursos oriundos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), e a valorização dos órgãos municipais, a partir da elaboração de programas como o Habitar e o Morar Município. (AZEVEDO, 2007, p. 21). Tais programas, por sua vez, eram capitaneados pelo Ministério do Bem-Estar Social e necessitavam de duas estruturas: (i) um Conselho Estadual ou Municipal de Bem-Estar Social, composto por membros indicados pelo governo, e representantes da sociedade civil; e (ii) um Fundo Estadual ou Municipal responsável
por canalizar os recursos e permitir um fluxo de verbas constante para a produção habitacional do programa (AZEVEDO, op.cit. p.21-22). No que diz respeito à construção de moradias ou melhorias habitacionais, o programa especificava que o regime de trabalho a ser adotado deveria ser o de “ajuda mútua ou ‘auto-ajuda’, enquanto caberia ao governo estadual ou municipal a obrigação de prestar assistência técnica, através de equipe interdisciplinar (...). No caso de obras de infra-estrutura e equipamentos comunitários, além das modalidades citadas, eram permitidos administração direta ou contrato de empreitada a firmas particulares” (AZEVEDO, op.cit. p. 21). Tais programas, mesmo apresentando avanços e incentivando uma política descentralizadora, encontrariam dificuldades, em razão da inexistência de um fundo federal único, o que forçava a dependência de verbas orçamentárias ou de recursos provisórios (IPMF), situação que acabaria por fragilizá-los institucionalmente. (AZEVEDO, op.cit. p. 22). Já a partir da primeira administração de Fernando Henrique Cardoso, a máquina estatal continuava a transferir aos municípios parte das responsabilidades e dos encargos relativos à provisão habitacional de baixa renda, de forma a “reforçar o papel dos governos municipais como agentes promotores da habitação popular, incentivando-os inclusive a adotar linhas de ação diversificadas, voltadas para urbanização de favelas e recuperação de áreas degradadas” (AZEVEDO, op.cit. p.23). Contudo, a administração de FHC trouxe consigo um novo paradigma para a política habitacional, a partir da introdução de princípios de mercado na provisão habitacional (ARRETCHE, 2002 apud SHIMBO, 2010, p. 66).
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Segundo Santos (1999), os documentos “Política Nacional de Habitação (1996)” e “Política de Habitação: Ações do Governo Federal” de Jan./95 a Jun./98, da Secretaria de Política Urbana do Ministério do Planejamento e Orçamento do Brasil, explicitam a condição do modelo de provisão habitacional anterior, caracterizado como: esgotado, regressivo e insuficiente. (SANTOS, 1999, p.22). Frente a esse cenário, a reformulação de programas da Política Nacional de Habitação no governo FHC direcionou a atuação dos programas federais em três frentes, sendo elas: (i) atuação no financiamento (a fundo perdido ou subsidiado) a estados e municípios para a reurbanização de áreas habitacionais muito degradadas com melhoria das habitações existentes/ construção de novas habitações e instalação/ampliação da infraestrutura dessas áreas, ocupadas principalmente pelas camadas populacionais de renda inferior a três salários-mínimos mensais; (ii) atuação na provisão de financiamentos de longo prazo para a construção/melhoria de habitações destinadas principalmente à população de renda mensal até doze salários-mínimos mensais; e (iii) políticas voltadas para a melhoria da performance do mercado habitacional (ou enabling market policies), tanto na reformulação da legislação quanto no desenvolvimento institucional e tecnológico do setor (SANTOS, 1999, p.22).
Nesse aspecto, as reformulações propostas por FHC mantinham uma lógica de funcionamento baseada em investimentos habitacionais provenientes de recursos onerosos, como o FGTS e Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), enquanto que os recursos a fundo perdido do Orçamento Geral da União (OGU), necessários para a formação de programas habitacionais que abrangem a população
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de baixa renda por meio da promoção pública, eram diminuídos (MARICATO, 1998, p.6). Dessa forma, tornou-se possível observar na gestão de Fernando Henrique Cardoso, elementos que ressaltavam a priorização dada pela “regulação dos recursos financeiros onerosos visando melhor desempenho do mercado” (MARICATO, op.cit. p. 2). Sendo assim, evidencia-se no campo federal a confluência entre o Estado e o mercado dentro das políticas habitacionais ao longo da década de 1990, ao passo que em um segundo momento, o capital financeiro seria acrescentado a essa relação (PAULANI, 2008 apud CAMARGO, 2013, p.81). Obviamente, essa reorientação das políticas públicas do governo federal para a habitação, no período de FHC, condicionariam e impactariam tanto a moldura institucional quanto os investimentos efetivos em habitação social.
5.1 O mutirão como política habitacional no estado de São Paulo
Na esfera estadual, a prática do mutirão autogestionário na agenda habitacional teve, na década de 1990, dois momentos correlacionados: (i) a formulação do Programa Mutirão com a União de Movimentos por Moradia (UMM), realizado junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), que tem como data-marco de início, o compromisso do Governador Luiz Antônio Fleury Filho em agosto de 199113 ; e (ii) a gestão de Mário Covas (1995-2001), na qual ocorre a continuação do Programa Paulista de Mutirão vinculado à CDHU. No primeiro momento, em 1991, a elaboração do Programa Mutirão UMM simbolizou o alinhamento com a agenda da capital paulista, a partir da gestão de Luiza Erundina, na qual “auto-gestão assumia um papel central na política habitacional adotada, implicando em grande apoio e suporte institucional” (CDHU, 1995, p.4). Ademais, nesse momento, a capital paulista vivia um cenário de intensa discussão intelectual e de políticas públicas, fruto de experimentos realizados no ambiente acadêmico das escolas de arquitetura a partir da década de 1980, destacando-se o Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura de Belas Artes; o surgimento do Laboratório Habitat,
vinculado à Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC); e o Laboratório de Habitação da Universidade Estadual de Campinas (RONCONI, 1995, p.87). Nesses espaços de experimentação acadêmica e profissional, as experiências autônomas de produção habitacional ganharam força a partir da rediscussão da problemática levantada pelo grupo “Arquitetura Nova”, assim destacam Cerqueira (2016) e Arantes (2002). Contudo, a influência do grupo “Arquitetura Nova” não apareceu como única vertente de referência, mas se somava a outros referenciais teóricos, relativos a culturas tidas como associativas, em boa medida eurocêntricas, aos quais vinculavam-se “a vertente discursiva ligada à tradição libertária e anarquista e as referências oriundas das corporações livres preconizadas pelos utopistas do XIX, as comunidades produtivas socialistas, as comunas de moradores que geriam o local imediato da moradia etc.” (LOPES, 2018, p. 243). Além destas, somam-se as experiências latino-americanas, como o caso das Cooperativas Uruguaias de produção de moradia por ajuda-mútua e autogestão.
13 SÃO PAULO (Estado), Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. Programa Mutirão-UMM – Avaliação Preliminar. São Paulo: CDHU, fev. 1995, v. I e II.
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No caso uruguaio, “as primeiras experiências de produção de habitação por meio de cooperativas surgiram em 1966” e em 1968 “essas experiências passaram a ser reguladas pela Lei Nacional de Vivienda, que estabeleceu a obrigatoriedade de acompanhamento técnico por meio de uma assessoria técnica interdisciplinar (com arquitetos e técnicos sociais) sem fins lucrativos. Além de estarem baseadas na autogestão e ajuda mútua, muitas experiências adotaram a propriedade coletiva, onde cada família possui o direito de uso de uma unidade habitacional cooperativa” (CERQUEIRA, 2016, p. 30). Neste caso, mesmo servindo de referencial teórico, as experiências uruguaias não eram consideradas como modelos passíveis de replicação, vista a diferenciação entre a longa tradição cooperativista do Uruguai e o contexto nacional da época (LOPES, 2018, p. 243). Também se somam a essas referências, experiências isoladas, caso da investigação realizada pelo engenheiro Guilherme Coelho, responsável por reunir em uma viagem ao Uruguai em 1981, registros audiovisuais da experiência uruguaia de cooperativas habitacionais e exibi-las ao retornar ao Brasil, no formato de um filme em Super-8 nas periferias de São Paulo (CERQUEIRA, 2016, p.29-30). Para o arquiteto João Lopes, que participou diretamente da experiência da CORPOMO14 , a investigação e divulgação de Coelho representou um momento fundamental dentro da trajetória do mutirão em São Paulo, chamando atenção de intelectuais e de movimentos sociais para o caso uruguaio, jogando luz sobre as possibilidades dessa prática. Nesse sentido, essa experimentação atuou como inspiração
para a articulação de movimentos que posteriormente se estruturariam ao redor da prática do mutirão, como observado na experiência pioneira do Mutirão Vila Nova Cachoeirinha na Zona Norte de São Paulo (CERQUEIRA, 2016, p.30). Nesse cenário, as experiências autogestionárias de mutirão se identificavam como inovadoras frente às demais práticas já consolidadas de produção habitacional popular. Suas inovações destacavam-se em 3 eixos: (i) perpetuação de novos processos de gestão popular de fundos públicos, (ii) incentivo de novos procedimentos tecnológicos, e (iii) o incentivo de novas formas de prática política e social (LOPES; RIZEK, 2005, p. 4). Em termos de custos, a adoção da prática do mutirão pela CDHU ganhou folego a partir dos estudos de viabilidade realizados pela própria Companhia, que, segundo Royer (2002), faziam a comparação da prática do mutirão em relação ao padrão construtivo convencional. Tais levantamentos enfatizavam que, enquanto o padrão da unidade produzida pela CDHU atingia 51m², a adoção da prática do mutirão proporcionaria atingir 54m² de área útil produzida das unidades habitacionais, contando com menores custos de produção: R$ 216,00/ m² no Mutirão em comparação aos R$ 334,00/m² na Empreitada Global (ROYER, 2002, p.103). Vale ressaltar que, no que diz respeito à fase inicial do “Programa Mutirão UMM”, a roupagem autogestionária não se mostrava presente, o que reduzia, em um primeiro momento, o poder dos movimentos sobre a gestão dos empreendimentos em questão (TATAGIBA, 2015,
14 Entrevista com João Marcos de Almeida Lopes, depoimento à autora em 15/04/2019.
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p. 96). A pressão exercida pela União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo, visando à expansão desse controle sobre a gestão dos empreendimentos em questão, garantiu que os “mutirões contratados com o governo estadual tivessem recursos para a elaboração dos projetos e para a contratação de assessoria técnica própria” (TATAGIBA, op.cit.). Em 1991, além do compromisso firmado pelo governador Fleury, movimentos de moradia, juntamente com assessorias técnicas, entidades profissionais e organizações do campo da reforma urbana, formularam no mesmo ano “a proposta do Fundo Nacional de Moradia Popular (FNMP), visando garantir investimentos para a moradia popular e viabilizar, no plano nacional, recursos permanentes para a autogestão na habitação social” (CAMARGO, 2013, p. 81). Já na administração de Mario Covas (1995-2001) e a partir do “Programa Paulista de Mutirões”, o governo do estado de São Paulo viabilizou a construção de 21 mil moradias pelo sistema de mutirão (BARBOSA, 2008 apud TATAGIBA, 2015, p.96). Nesse momento, o “Programa Mutirão UMM” contava com pressupostos que remetiam ao conceito de auto-gestão, sendo eles: a seleção das famílias a serem beneficiadas pelo programa com base em critérios próprios dos movimentos; livre escolha pela contratação de Assessorias Técnicas responsáveis pelas obras; livre escolha pela população alvo do projeto arquitetônico (abrangendo tipologias padrão CDHU ou projetos desenvolvidos pelas próprias Assessorias); e possibilidade de construção de unidades habitacionais com áreas e/ou padrões de acabamento superiores ao padrão convencional (CDHU, 1995, p.5).
Com relação ao financiamento das unidades, incidiam dentro desses valores “todos os recursos disponibilizados pela CDHU, além de seus custos indiretos, ou seja, recursos repassados para edificação, projetos e administração de obras; custos de terrenos e obras de infraestrutura realizadas pela CDHU; atividades técnicas e de fiscalização da Companhia, calculadas como 10% do total de custos diretos do empreendimento para despesas operacionais, mais 3% relativos ao CAFO – Coeficiente de Administração e Fiscalização de Obras” (ROYER, 2002, p. 103). Já em relação a seleção de terrenos, o Programa referia-se à utilização glebas (i) doadas por agentes terceiros, (ii) de propriedade das associações, (iii) negociadas junto às Prefeituras Municipais, e (iv) terrenos de patrimônio da própria CDHU, modalidade que se configurava como a mais usual (CDHU, 1995, p. 7). Em fevereiro de 1995, segundo dados retirados da “Avaliação Preliminar do Programa Mutirão – UMM, volume II”, existiam 11 empreendimentos “Contratados com recomendação de continuidade” (Tabela 1), 3 empreendimentos para “Rescisão e Assinatura de Novo Contrato”, 5 empreendimentos para “Repactuação”, 3 empreendimentos com “Recomendação de Desistência” e 1 empreendimentos com “Recomendação de Revisão do Número de Unidades”.
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Tabela 1 – Empreendimentos Contratados com Recomendação de Continuidade “Programa Mutirão – UMM”
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Situação
Movimento/Região
Empreendimento
Nº U.H.
Saldo Contratual (R$)
Em Obras (2ª OIS)
Leste 1
Itaquera (Fazenda da Juta) 1ª etapa
160
719. 144,17
Em Obras (2ª OIS)
Leste 2
Cangaíba (Vila Silvia) 1ª etapa
160
878.216,21
Em Obras (2ª OIS)
Leste 2
Cangaíba (Vila Silvia) 2ª etapa
384
2.293.139,30
Em Obras (2ª OIS)
Leste 2
S. Miguel Paulista 2ª etapa
128
696.974,21
Em Obras (2ª OIS)
Oeste
Vila Brasilândia 1ª etapa
160
580.261,13
Em Obras (2ª OIS)
Caieiras
Caieiras 1ª etapa
160
975.106,81
Em Obras (2ª OIS)
Osasco
Copromo (Jd. Piratininga) 1ª etapa
160
555.593,72
Em Obras (2ª OIS)
Sul
Campo Limpo(Jd. São Luiz)1ª etapa
160
915.906,49
Com projeto executivo pago (1ªOIS)
Oeste
Jaraguá (Voith) 2ª etapa
256
1.608.712,54
Com projeto executivo pago (1ªOIS)
Norte
Brasilândia 2ª etapa
160
1.005.445,34
Com projeto executivo pago (1ªOIS)
Leste 3
Itaquaquecetuba (Jd. Odete) 1ª etapa
192
1.576.692,95
Contratados sem recursos liberados
Leste 1
Vila Prudente (Jd. Colorado)
128
804.256,27 (valor contratual)
Contratados sem recursos liberados
Leste 1
Itaquera (Fazenda da Juta) 2ª etapa
512
3.227.790,20
Contratados sem recursos liberados
Oeste
V. Brasilândia 2ª etapa
128
807.716,89
Contratados sem recursos liberados
Oeste
V. Brasilândia 2ª etapa
64
403.858,49
Contratados sem recursos liberados
Norte
V. Brasilândia 2ª etapa
64
409.406,84
Contudo, o Programa apresentou dificuldades: em um primeiro momento, decorrentes da necessidade de adaptação das partes integrantes do programa relativamente às associações envolvidas (que não conseguiam atender as exigências técnicas estabelecidas) e à própria CDHU, que compreendia a necessidade do estabelecimento de novas rotinas em suas áreas operacionais (CDHU, 1995, p. 5). Posteriormente, as dificuldades encontradas se relacionavam à não viabilização dos terrenos das prefeituras municipais para realização das obras (ROYER, 2002, p. 104), o que forçava à destinação de mais terrenos de propriedade da Companhia ao programa, impactando na “ocupação dos últimos remanescentes do patrimônio da Companhia na Região Metropolitana de São Paulo, de alto custo e sujeitos a fortes pressões de demanda organizada e não organizada” (CDHU, 1995, p. 7). Ademais, diante da multiplicidade de movimentos e devido à grande demanda por habitação na Região Metropolitana de São Paulo, o programa realizou os repasses financeiros em etapas, o que atrasou consideravelmente o andamento das obras. Em muitos dos projetos, o repasse inicial foi destinado à construção de 160 unidades habitacionais15 , sendo firmado que após o primeiro repasse a Companhia renegociaria com as associações envolvidas o número de habitações a serem financiadas.
Decorrentes das contrariedades de adaptação das partes envolvidas, os primeiros contratos seriam firmados somente em junho de 1992, quase um ano após a assinatura do compromisso do governo estadual (CDHU, 1995, p.5). O primeiro projeto a ser aprovado viria a ser o conjunto União da Juta (Figuras 3 e 4), projeto de autoria da Assessoria Técnica Usina Ctah16 , que se transformaria em permanente referência para os movimentos de moradia diante do caráter inovador do projeto; seria o primeiro a realizar prédios com quatro pavimentos através da prática de mutirão na região da Fazenda da Juta, em São Mateus, “local que concentra o maior número de mutirões de São Paulo” (ARANTES, 2002, p. 211). O empreendimento COPROMO, por sua vez, se assemelharia ao da União da Juta, pois, assim como ela, compartilharia a mesma assessoria técnica e também proporia a construção de prédios, no caso, de cinco pavimentos. Dessa forma, mesmo apresentando experiências emblemáticas de conjuntos que seriam largamente estudados pelo campo da arquitetura, o “Programa Mutirão-UMM” tinha necessidades de adaptação operacional da CDHU, ao mesmo tempo em que sofria as consequências da falta de assessorias técnicas qualificadas (ROYER, 2002, p. 103-104), e dependia do “nível de organização prévia da população em Associações Comunitárias efetivamente representativas”.
15 Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019. 16 Ctah - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado.
43
Ademais, em razão da “não existência de vínculo contratual entre a CDHU e as assessorias técnicas” – o que dificultava os procedimentos de acompanhamento e cobrança (CDHU, 1995, p. 8) –, o programa se viu rodeado de impasses. Diante desse cenário, a própria CDHU deixaria de lado o programa de mutirões, “em benefício das obras realizadas por empreiteiras sob uma nova modalidade: conjugava-se a construção de habitações com a intermediação das construtoras na compra e venda de terras”, representando um escândalo que resultaria na queda do até então presidente da Companhia (ARANTES, 2002, p. 189). Ao fim, os obstáculos acumulados pelo programa e a valorização das obras realizadas por empreiteiras em detrimento da prática de mutirão desenharam um quadro de inexpressividade de produção autogestionária em termos numéricos (ROYER, 2002, p. 103), sendo que em 2000 o programa foi completamente extinto. Nesse momento, apesar da permanência do PSDB no governo do estado, nenhum outro programa para mutirões em nível estadual foi criado (TATAGIBA, 2015, p. 96).
Figura 3 e 4: Mutirão União da Juta, em São Mateus (São Paulo/SP)
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6. A COPROMO
Figura 5: Vista aérea da implantação do conjunto COPROMO
Em relação ao breve histórico do conjunto, torna-se importante apontar primeiramente seus aspectos técnicos. Localizado em Osasco no Jardim Piratininga, entre as avenidas Graciela de Flores de Piteri, Getúlio Vargas e Bandeirantes, o conjunto COPROMO conta com
um total de 1000 unidades habitacionais construídas, divididas em 50 edifícios de 5 andares com 4 apartamentos por andar (Figura 5). Seu projeto, por sua vez, é de autoria da Assessoria Técnica Usina Ctah.
45
Os recursos destinados à construção do conjunto vieram inicialmente da própria Associação (USINA, 2015, p.244), sendo acompanhados posteriormente por um repasse financeiro da CDHU referente à construção de 160 unidades habitacionais. Na sequência, houve um segundo financiamento para outras 540 unidades, alcançando o total de 700 apartamentos financiados pela Companhia. O saldo contratual da primeira etapa de 160 unidades financiadas pela CDHU era da ordem de R$ 555.593,72, enquanto o valor previsto para o contrato de repasse das 840 habitações restantes, no ano de 1995, era da ordem de R$ 6.235.513,2017 (CDHU, 1995, p. 6 e 16). Contudo, em vista da demora do processo, e diante de divergências entre a Associação e a Companhia, 300 famílias optaram pelo autofinanciamento, constituindo o grupo que seria conhecido como “dos por conta”, completando o montante de 1000 unidades habitacionais construídas (USINA, 2015, p.244). Ademais, seu terreno, de propriedade da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP) foi desapropriado pela Prefeitura de Osasco e partilhado com a mesma para realização do conjunto, o que resultou em um longo embate entre a Prefeitura de Osasco e a Associação. Diante da multiplicidade de aspectos relativos ao processo de mutirão autogestionário e frente à necessidade de realização de um balanço teórico sobre o alcance da experiência COPROMO, esta seção será dividida em tópicos que irão abordar: (i) dimensão profissional do arquiteto militante, representado pela atuação da assessoria técnica
Usina Ctah; (ii) a estrutura de organização da Associação Pró Moradia de Osasco; (iii) a representação/interlocução política do movimento; e (iv) a dinâmica dentro do canteiro de obras.
6.1 A assessoria técnica A origem da prática de assessorias técnicas, no caso paulistano, se reporta à década de 1970, momento em que se deram as primeiras experiências realizadas entre técnicos e acadêmicos obstinados à prestação de “(...) serviços de caráter comunitário nas periferias da metrópole como funcionários públicos, apoiadores de iniciativas de organizações da Igreja Católica, ‘assessores’ diretos de associações de moradores de favelas e loteamentos de um movimento social ainda incipiente no ocaso do regime autoritário” (CARVALHO, 2016, p. 3). Tais experiências pontuais abriram espaço para ações mais institucionalizadas, como a realização do “Primeiro Encontro das Assessorias Técnicas” em 1987, pelo Sindicato dos Arquitetos, que reuniu pela primeira vez os profissionais voltados a essa área de atuação (RONCONI, 1995, p. 87). A partir desse momento, estruturaram-se diversos grupos de assessorias técnicas que se apresentavam como organizações sem fins lucrativos e sem vínculos com os governos – enquadrando-se na categoria de Organizações Não Governamentais
17 Este e outros valores monetários que serão mencionados doravante são cifras da época, sem correção monetária ou atualização.
46
(ONGs) – e que passaram a se multiplicar ao longo da década de 1990, destacando-se nesse processo a formação de alguns grupos: Gamha (Grupo de Assessoria a Movimentos por Habitação) em 1988; o Teto (Assessoria a Movimentos Populares) em 1989; o Oficina de Habitação em 1990, o PEABIRU em 1993; e o grupo Usina – Centro de Trabalho para o Ambiente Habitado (Ctah) em 1990 (RONCONI, 1995, p. 8889), assessoria atuante na COPROMO e na qual o trabalho focaliza sua atenção. Em tais organizações observava-se um quadro organizacional comum: grupos formados majoritariamente por arquitetos que passaram a compor equipes técnicas autônomas, e que, juntamente com a contribuição de engenheiros, advogados e profissionais do serviço social, realizavam um trabalho de caráter multidisciplinar (RONCONI, 1995, p. 89) a partir da prestação de serviços voltados à população de baixa renda na questão habitacional. A participação de profissionais de diversos campos de atuação – sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, advogados, economistas, engenheiros – nas equipes de assessoria técnica não se limitava à incorporação de suas contribuições profissionais (restritas, por exemplo, às competências do arquiteto e urbanista): na prática, se dava pela compreensão, no interior de cada uma dessas profissões e dentro de cada uma dessas perspectivas de atuação, da complexidade do problema habitacional, e da complexidade de se lidar com pessoas em situações de vulnerabilidade (CARVALHO, 2016, p. 8). Sendo assim, a compreensão do caráter multidimensional do chamado “problema da moradia” tornava-se imprescindível para a superação das demandas habitacionais, sendo a interdisciplinaridade a condição preliminar para
a formulação de soluções para essa carência (CARVALHO, 2016, p. 8). Nesse contexto, o cuidado e atenção dados ao trabalho realizado junto aos mutirantes se redobrava. Prezava-se tanto o conhecimento técnico do profissional envolvido na obra quanto sua consciência social resultante de sua militância prática-cotidiana (USINA, 2008). Nesse aspecto, Lopes (2018) ressalta, que como arquiteto participante do grupo Usina Ctah, ele e seus colegas não se identificavam somente com a pauta reivindicatória dos movimentos nos quais trabalhavam, mas também alimentavam com essa relação de proximidade, um imaginário de possibilidades: “potencialidades transformadoras das práticas autonomistas atreladas àqueles processos de produção da moradia. Como a polia na correia de transmissão, tais práticas fariam construir a ‘consciência da autonomia’, estendendo os pressupostos de uma ‘gestão autônoma da vida’ para outros âmbitos da produção e reprodução da existência” (LOPES, 2018, p. 241). Nesse aspecto, Arantes (2002), com base na obra de Paulo Freire, acrescenta que a atuação do arquiteto não se resumia em estar ao lado do povo, como se compreendia inicialmente: o profissional como instrumento técnico nas mãos da classe operária, que trilharia o caminho rumo às transformações sociais e compreenderia que os movimentos sociais se posicionariam de “maneira ambígua diante das possibilidades de mudanças mais profundas, satisfazendo-se muitas vezes com o atendimento das reinvindicações isoladas.” Ademais, dentre os movimentos de moradia que reivindicam um bem privado (casa própria), a moderação política se tornava maior frente à expectativa de aquisição da pequena propriedade e a partir dessa condição, se tornava necessária a presença de sujeitos que colaborassem “para restituir a
47
política, a consciência de classe, ajudem a problematizar a vontade de integração e reprodução ideológica, e que não sejam apenas tradicionais lideranças, mas também, a seu modo, os arquitetos que assessoram os movimentos. O papel do pedagogo e, no nosso caso, do arquiteto, não é, segundo Paulo Freire, repetir o que o povo diz, mas atuar como uma ‘contradição não antagônica’, questionando ideias preconcebidas, instaurando dúvidas e abrindo possibilidades sem, entretanto, se opor, antagonizar, uma vez que também é ‘participante’ na luta pela mesma causa – guardadas, obviamente, as diferenças entre a alfabetização e a produção de casas” (ARANTES, 2002, p. 185-186). Portanto, diferentemente da posição do pedagogo ou do líder, “o arquiteto relaciona-se com o movimento através da dimensão técnica, mais do que estética ou pedagógica, envolvida no seu trabalho” (ARANTES, op.cit.). Assim, o controle sobre a dimensão técnica – motivo que justificava a presença do arquiteto dentro desses espaços – representava também um perigo, diante da possibilidade de dominação do seu trabalho intelectual sobre o manual. Essa tendência, por sua vez, pode ser observada na maioria dos arquitetos que acreditavam que a solução frente a questão habitacional residia na dimensão técnica, materializada tanto na industrialização quanto nas ‘tecnologias alternativas’ desenvolvidas. Além das discussões teóricas, a assessoria técnica Usina Ctah trilha sua trajetória partindo de sua herança acadêmica, a partir da experiência adquirida pelos seus fundadores no Laboratório de Habitação da Unicamp, em 1989, e a partir da experiência de Mário
Braga e João Marcos de Almeida Lopes no LabHab da Escola de Belas Artes em São Paulo (CERQUEIRA, 2016, p.37). A partir da experiência acumulada nesses dois ambientes experimentais e da possibilidade de construção de uma estrutura independente do campo universitário, o grupo que posteriormente daria origem à Usina passou a prestar serviços de assessoria técnica, em 1989, para o movimento associativo “Terra é Nossa”, em Osasco, a partir da elaboração de um projeto de moradias destinado a atender 520 famílias (CERQUEIRA, op.cit.). Face à carência habitacional do município, as lideranças do movimento “Terra é Nossa” promoveram um cadastramento de famílias para a constituição de um novo grupo e consequentemente um novo projeto (CERQUEIRA, op.cit.), que viria a se originar posteriormente no conjunto COPROMO. Assim, após os primeiros contatos da assessoria Usina Ctah com a Associação Pró Moradia de Osasco, firmava-se o contrato entre as duas organizações; o projeto solicitado pelo movimento seria pago por meio do rateio entre as famílias (USINA, 2015, p. 238, 2015). Desse modo, a formação do grupo Usina Ctah amadurece juntamente com a formação da Associação Pró-Moradia de Osasco, configurando-se como uma organização civil sem fins lucrativos, reconhecida, portanto, como uma ONG18 , oficialmente em 1990, mesmo ano em que se constrói a primeira sede da Associação. No que diz respeito à equipe técnica da assessoria Usina Ctah, a tomada de decisões era guiada pelos arquitetos Sérgio Mancini, Mário Luís Braga, João Marcos de A. Lopes e Wagner Germano,
18 Entrevista com João Marcos de Almeida Lopes, depoimento à autora em 15/04/2019.
48
sendo João Marcos e Wagner Germano os responsáveis pela obra da COPROMO, enquanto Sérgio Mancini era encarregado da finalização do projeto no meio digital19. A parte estrutural, por sua vez, ficava a cargo do engenheiro Yopanan Rebello, enquanto Vladimir Benicasa, incorporado ao grupo em 1992, se tornaria o arquiteto encarregado do projeto executivo, da caixilharia e do telhado do conjunto COPROMO, além de participar de decisões projetuais da obra. Além da presença de arquitetos e engenheiros, o grupo Usina Ctah trabalhava juntamente com uma equipe de profissionais do serviço social, composta por Sandra Sawaia e Priscila Bocchi, que participavam das principais reuniões da assessoria técnica junto aos mutirantes do COPROMO, uma vez ao mês. Já em relação ao canteiro de obras, o grupo Usina daria início à construção de 160 unidades dentro do COPROMO – chegando a construir até a cobertura do primeiro prédio –, se afastando posteriormente da obra20, repassando o projeto arquitetônico para a assessoria seguinte (o grupo Teto), que concluiria a construção. Os aspectos relativos à saída da assessoria técnica Usina Ctah serão discorridos ao longo das próximas seções.
6.2
A Associação Pró Moradia de Osasco: Mutirão e Autonomia
A partir da formação de uma nova frente de luta dos movimentos por moradia, vinculada à reivindicação sobre a participação e o controle na construção de unidades habitacionais, tem-se a formação de novas formas de organização popular, materializadas na formação de Associações de Construção (GOHN, 1991, p. 116). Tais espaços, por sua vez, passaram a perpetrar novos processos de gestão popular de fundos públicos a partir da “concepção e instalação de procedimentos autônomos de gestão de recursos públicos investidos na produção da moradia, implicando na articulação de mecanismos autogestionários de administração de obras e no estímulo à organização da sociedade civil”, além de promoção de “uma espécie de auditoria ‘não-oficial’ da produção estatal que contribuía para um maior controle popular e autônomo do investimento público” (LOPES; RIZEK, 2005, p.4). Ademais, o COPROMO ao se encontrar dentro do “Programa Mutirão UMM”, respondia aos pressupostos do programa, que remetiam aos conceitos de auto-gestão, cabendo ao movimento a seleção das famílias a partir de critérios próprios, a livre escolha pela tipologia a ser adotada, a contratação de assessoria técnica responsável pela obra e a possibilidade de construção de unidades habitacionais com padrões
19 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 20 Idem.
49
de acabamento superiores ao padrão convencional (CDHU, 1995, p.5). Nesse caso, a possibilidade de contratação de assessorias técnicas pelos próprios movimentos sociais se mostrava como um importante aspecto de articulação e autonomia dos mesmos, somando-se à noção de autogestão dentro do universo do mutirão por meio do controle financeiro e da autonomia frente às decisões relativas ao canteiro de obras (ROYER, 2002, p. 106). Em relação à caracterização de uma organização associativa, Gohn (1991), destaca entre suas competências as seguintes atribuições: a) construir moradias em alvenaria e outros materiais, através de mutirão, para seus associados; b) comprar, em comum, materiais de construção e distribuí-los; c) nas favelas, organizar urbanização, saneamento, infraestrutura, planejamento urbanístico, divisão justa de lotes etc.; d) viabilizar serviços comunitários para seus associados; e) adquirir e distribuir terrenos e imóveis; f) assinar convênios com o poder público e outras instituições para adquirir financiamento e/ou prestar colaboração e auxílio a outras entidades que visem o bem da comunidade, assim como atuar como agente promotor em programas oficias (GOHN, 1991, p. 116).
No caso da COPROMO, a Associação Pró Moradia de Osasco consolida um arranjo organizacional bem demarcado com relação ao padrão observado na estruturação interna das associações de construção: coordenadas por uma diretoria eleita entre os próprios membros mutirantes e firmada como instância máxima das deliberações
e encaminhamentos gerais (RONCONI, 1995), à qual se reportavam os demais setores administrativos e as Assessorias Técnicas envolvidas. Sendo assim, configura-se um cenário no qual não só o agente promotor – no caso, a CDHU – participa diretamente da gestão da obra, a qual passa a ser administrada também a partir das instâncias deliberativas do movimento (constituídas pelas assembleias de mutirantes e coordenações), com participação dos técnicos contratados que se reportam diretamente as instâncias deliberativas desses movimentos (FELIPE, 1997, apud ROYER, 2002, p. 107). À frente da presidência da Associação Pró Moradia de Osasco estava Francisco Antônio Moreira Rocha, no período compreendido entre 1991 e 1995. Durante esse intervalo de tempo, Rocha ocupou inicialmente o cargo de vice-presidente – eleito por meio de uma assembleia geral –, assumindo o cargo de presidente da Associação em 199221. Dentre suas obrigações como presidente, Francisco Rocha era responsável por responder juridicamente pela entidade, participando de reuniões junto à COHAB e à CDHU, e participando de viagens a Brasília, destinadas à busca de fontes de financiamento alternativas para a construção do conjunto (momento anterior à liberação do financiamento da CDHU). Assim como as viagens realizadas para Brasília, o movimento se organizou de forma a enviar representantes da Associação Pró Moradia para o Rio de Janeiro na “A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento” (Eco92), e para o Rio Grande do Sul, para conhecer os sistemas construtivos
21 Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019.
50
estabelecidos pelas Cooperativas construtivas do estado22. Para Rocha, a representação do movimento COPROMO em diferentes frentes constituía um aspecto importante da Associação: acreditava-se que quanto mais visibilidade se obtinha, mais possibilidades de sucesso haveriam23. Além disso, a parceria estabelecida com a Assessoria Técnica Usina motivava os participantes da Associação a exercerem o pensamento crítico não somente como movimento de moradia (viés político) mas também em relação ao tipo de arquitetura que seria desenvolvido; nas palavras de Rocha, pensar no “tipo de moradia que a gente queria” e dessa forma, quanto mais modelos e exemplos eram de conhecimento do movimento, mais se enriquecia a discussão para se encontrar um projeto que fosse comum a todos os interesses. A função de presidente da Associação requeria de Rocha uma habilidade frente à comunicação com o movimento. Como professor da rede pública estadual, se interessava pela formação de um canal de comunicação com o movimento, e cabia a ele e à diretoria a realização dos repasses informativos e a condução de reuniões setoriais e assembleias.
Entre os demais setores administrativos da COPROMO destaca-se o setor de Recursos Humanos, responsável pela organização das escalas de trabalhadores, pelo controle de faltas e por sorteios para organização dos grupos de atuação no canteiro de obras. Segundo Manoel Alves do Nascimento24, morador do conjunto e carinhosamente chamado de “Neto” pelos vizinhos, “as pessoas trabalhavam, tinha cartão para marcar os pontos, trabalhava final de semana, trabalhava sábado e domingo aqui no mutirão e nas folgas trabalhava aqui”, sendo todas essas presenças controladas por esse setor. Além do setor de recursos humanos, a Associação contava com um setor de compras, que atuava juntamente com o setor financeiro, responsável pelo planejamento financeiro e pelas negociações para aquisição de insumos, além responsável pela prestação de contas ao órgão financiador (USINA, apud CERQUEIRA, 2016, p.81). Assim: Tinha uma equipe que organizava e fazia as negociações com a CDHU, fazia as negociações, já que aqui tinha o financiamento; a gente trabalhava aqui... e vinha financiamento para fazer prédio, aí tinha que fazer o prédio e tinha que prestar conta tudo direitinho. Se faltasse ou sobrasse centavos, aí eles bloqueavam o próximo financiamento. Então tinha que ser tudo bem organizadinho.25
22 23 24 25
Idem. Idem. Entrevista com Manoel Alves do Nascimento, depoimento à autora em 04/05/ 2019. Idem.
51
Em 1996, segundo informações retiradas do documentário “Aos Olhos do Mestre”26, o setor administrativo da Associação Pró Moradia de Osasco contava com a presença de muitas mulheres, entre elas Nilda Mendonça (tesoureira do movimento) e Fátima Passos (auxiliar administrativa), responsável também por fazer parte das relações públicas da diretoria da Associação. No quadro “Administração” do citado documentário, Nilda ressalta que sua atuação como tesoureira do grupo se relacionava à realização de compras, preenchimento de cheques para pagamento de contas, prestação de contas e representação da Associação em instituições bancárias. Dessa forma, toda quantia oriunda da CDHU era administrada diretamente pela Associação e seu setor financeiro, responsável pelos repasses monetários; aqueles destinados à assessoria técnica, o pagamento de profissionais da construção civil para auxílio em obra, compra de maquinário, ferramentas e materiais etc. Assim, o gerenciamento dos recursos financeiros e da parte administrativa no cenário de autogestão ressalta a responsabilização do mutirante enquanto co-autor das despesas, ao mesmo tempo em que o faz coresponsável pelo manuseio correto dos materiais, pela administração das contas e pela construção do ambiente no qual ele irá viver, de forma
geral (USINA apud CERQUEIRA, 2016, p.81). A Associação contava também com uma estrutura de cozinha e refeitório, onde eram vendidas refeições para os mutirantes, diariamente, pelo valor de R$ 3 reais27. Assim como as instalações de restaurante e refeitório, a Associação contava ainda com um vestiário e com uma creche. Nessas instalações, reconhecidas como “atividades complementares ao canteiro de obras”, a mão-de-obra utilizada continuava sendo de mutirantes, organizados a partir de turnos. A creche, por sua vez, destacava-se das demais instalações: conquistada a partir da parceria estabelecida com a entidade “Visão Mundial” – que contribuía financeiramente para o seu funcionamento28 – a creche proporcionaria maior conforto e segurança às mães mutirantes, pois teriam um espaço designado para o cuidado de seus filhos. Além da presença de mães solteiras, a composição socioeconômica da Associação era diversa: haviam professores, médicos, desempregados, trabalhadores do setor informal, pedreiros, eletricistas etc. De forma geral, o grupo era formado por pessoas com diferentes graus de poder aquisitivo. Segundo dados levantados pela própria Usina Ctah, e divulgados por Cerqueira (2016), a renda mensal das famílias – sistematizada a partir de faixas salarias baseadas no valor
26 Produção audiovisual de 26/04/96 da “Jota Eme Prod. De Vídeo” com apoio técnico da Coordenação Técnica Pedagógica GDOS/CDHU, realizado pela Secretaria de Habitação do governo do estado de São Paulo. O documentário explora a dinâmica do canteiro de obras do conjunto COPROMO a partir de imagens recolhidas no local, juntamente com depoimentos de participantes do processo. Esses depoimentos são organizados em quadros, nomeados respectivamente como: “Mestre”, “O Começo”, “Vantagens Do Mutirão”, “Administração”, “Apontamento”, “Assessoria Técnica”, “Instalações do Canteiro”, “Creche”, “Canteiro de Obras”, “Almoxarifado”, “Um Dia de Trabalho”, “Segurança”, “Etapas da Obra”, “Acabamentos” e “Conselhos”. O material pertence ao acervo pessoal do arquiteto Vladimir Benincasa e foi disponibilizado pelo mesmo em março de 2019. 27 Informação retirada do documentário “Aos Olhos do Mestre”. 28 Idem.
52
do salário mínimo que correspondia a 230 mil cruzeiros29 – variava entre as faixas de 0 a mais de 10 salários mínimos (Tabela 2). A presença de faixas de renda distintas fez com que futuramente, se estabelecessem assimetrias em relação à contribuição financeira das famílias em à Associação (CERQUEIRA, 2016, p. 98). Tais diferenças se pronunciariam de maneira mais evidente ao longo do processo de construção do conjunto, como será observado na sequência.
Tabela 2: Distribuição de renda por salários mínimos (SM) no conjunto
Faixa de renda por SM
Número de famílias
% em relação ao total pesquisado
0 a ½ SM
161
17.39%
½ a 1 SM
66
7.13%
1a2
162
17.49%
2a3
168
18.14%
3a4
163
17.60%
4a5
72
7.78%
5a6
58
6.26%
6a7
39
4.21%
7a8
13
1.40%
8a9
10
1.08%
9 a 10
5
0.54%
Mais de 10 SM
9
0.97%
Total pesquisado
926
100%
29 Atualmente, esse valor corresponderia a R$ 400,45.
53
6.3 A dimensão política
Os resultados da mobilização do movimento COPROMO podem ser comparados ao que Tatagiba (2015) observa como ‘modelo dos efeitos combinados’ ou joint-effect model. O pressuposto desse modelo é a combinação da capacidade de mobilização do movimento social, seja ele qual for, com fatores contextuais, no caso, a presença de aliados políticos e/ou a opinião pública favorável. Na abordagem desse modelo, o resultado da ação dos movimentos depende tanto de variáveis internas quanto de variáveis externas, sustentando, dessa forma, duas hipóteses de análise: a primeira, refere-se ao condicionamento do impacto do movimento pela presença de aliados poderosos na arena institucional e/ou frente à opinião pública; e a segunda se refere à variação dos resultados obtidos (conquistas) em relação à natureza das reivindicações, isto é, “quanto mais conflitivas as reivindicações e mais centrais as áreas de política em jogo menor a probabilidade do movimento obter sucesso” (TATAGIBA, 2015, p. 88). No caso da COPROMO, em um primeiro momento, as variáveis externas ao movimento diziam respeito a uma relação nada amigável com a administração municipal de Osasco, marcada pela gestão do prefeito Francisco Rossi (1989-1993), vinculado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Nesse contexto, constituía-se um campo de embates entre os interesses do movimento e a postura da administração
municipal, tendo início nas negociações iniciais de titularidade do terreno destinado à construção futura do conjunto. Após a conquista do terreno e consequente partilha da área com a prefeitura de Osasco, a relação não se tornou menos conflituosa. Segundo depoimento de moradores do conjunto, Rossi adotou uma postura extremamente parcial e violenta com o movimento; além de não estabelecer um bom canal de comunicação entre a Associação e a Prefeitura, fez-se uso da força policial para reprimir o movimento em determinados momentos. Nesse cenário conflitivo, a mudança de gestão municipal se tornou mostrou fundamental para o avanço do movimento. Após a saída de Rossi da prefeitura, a gestão de Celso Giglio (1993-1996), também vinculado ao PTB, apresentou um novo posicionamento: Giglio não só apoiava o movimento, como se mostrava aberto ao diálogo30. Foi precisamente a partir da gestão de Giglio, em 1994, que a Associação se tornou proprietária do terreno do Jd. Piratininga, após firmado o acordo com a Prefeitura de São Paulo – uma vez que o terreno pertencia à COHAB-SP – e a partir do de um “decreto que estabelecia a doação definitiva da área ao COPROMO” (CERQUEIRA, 2016, p. 72). Além de Giglio, a COPROMO contava com importantes aliados em nível local, como o vereador Reginaldo Oliveira de Almeida, conhecido como “Didi”, do Partido dos Trabalhadores (PT), que atuou como o catalizador da mobilização da Associação Pró Moradia de Osasco, por meio de sua atuação em duas frentes: (i) como uma forte figura de liderança para o movimento, e (ii) como elo necessário para a obtenção do apoio de outras figuras políticas no plano institucional.
30 Entrevista com Manoel Alves do Nascimento, depoimento à autora em 04/05/ 2019.
54
O vereador, conhecido pela sua trajetória vinculada à moradia, destacava-se como importante figura mobilizadora não só da Associação Pró Moradia de Osasco, como do movimento “Terra É Nossa”, na qual participou anteriormente. Face à sua larga experiência com a pauta habitacional, Didi tinha informações importantes que se tornaram fundamentais para a aquisição do terreno antes pertencente à COHAB pela Associação Pró Moradia de Osasco. Tais informações se referiam aos impostos que a COHAB devia para a prefeitura de Osasco e que facilitariam a aquisição por parte da Associação31, sendo que após um longo período de negociação, o terreno seria conquistado pela Associação por meio de desapropriação: cedido pela Prefeitura Municipal de Osasco. Ademais, Didi não só se interessava pela pauta habitacional como se inseria pessoalmente nela. Morador de favela próxima ao terreno da COPROMO, após ingressar na política, continuaria morando na favela, mudando posteriormente para o conjunto construído com o auxílio da Assessoria Técnica Usina Ctah32. Segundo depoimento de Wagner Germano, a COPROMO não só nasceria do olhar e da ousadia de Didi – que compreendia a carência habitacional do município de Osasco –, como encontraria no vereador uma importante figura de liderança: 31 32 33 34 35
Aí eu lembro que a gente [Usina Ctah] ia naquelas assembleias olhar e o Didi era uma liderança... subia lá na assembleia e falava e todo mundo em silêncio; “é o seguinte, a gente vai fazer uma manifestação lá... É igual atravessar rua, aqui todo mundo sabe atravessar rua? Quem não sabe atravessar rua aqui? Todo mundo sabe!” E aí inflamava o povo. E aí veio o Copromo. O Didi tinha uma visão política; “bom, agora eu tenho que pisar ali, aí subia, pegava no microfone e falava: a gente tem que pisar ali, e aí botava 5 mil lá com ele”. Então ele tinha uma liderança que era muito forte.33
Nesse aspecto, Nascimento acrescenta: Se ele [Didi] tivesse saído fora, ninguém teria continuado, todo mundo saía também. E ele não desistiu e levou força para todo mundo, assim, animando. Fazia reunião, fazia assembleia, animava o pessoal, e falava; nós vamos conseguir. E aí, conseguimos. Aqui a meta toda foi o Didi, e o resto foi nós que fizemos, mas o Didi foi o mais importante do começo. Esse Didi foi o pivô de tudo.34
Além de conferir força ao movimento, como interlocutor privilegiado com autoridades em arenas institucionais, Didi também foi o responsável por trazer apoio de outras figuras políticas, como do vereador de Osasco Marcos Martins35 e do deputado João Paulo Cunha,
Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019. Idem. Entrevista com Manoel Alves do Nascimento, depoimento à autora em 04/05/ 2019. Idem.
55
ambos do PT. Assim, diante do conjunto de personagens políticos envolvidos com a COPROMO, observa-se o fenômeno explorado por Tatagiba (2015) de ‘compartilhamento de projetos’. Dentro dessa lógica, figuras políticas, partidos, ou até mesmo governos não se configuram somente como aliados dos movimentos sociais, mas podem colaborar e atuar como partes da rede desses movimentos, assim como podem estabelecer uma identidade de projetos com os mesmos (TATAGIBA, 2015, p. 88).
6.4 Canteiro de obras Ferro (2006) aponta que, no que concerne à produção convencional da construção civil em território nacional, destacamse os aspectos da: (i) divisão acentuada do trabalho; (ii) emprego de instrumentos simples manipuláveis por um só indivíduo; (iii) poucas máquinas utilizadas em tarefas auxiliares e que exigem muita energia concentrada; e (iv) organização da mão-de-obra em equipes hierarquizadas. (FERRO, 2006, p. 204). Em síntese, um campo produtivo marcado pela intensa exploração da mão de obra trabalhadora e pautado pela necessidade de rentabilidade máxima, configurando-se como um dos setores mais atrasados da economia nacional (ARANTES, 2002, p. 219-220). Nesse sistema produtivo, a técnica que o arquiteto conhece, e que hipoteticamente permite a formulação de soluções projetuais ideais,
56
não encontra respaldo na produção dessa arquitetura. Isso ocorre porque a “pressão onipresente da rentabilidade imediata e maximizada dá à técnica atrasada uma configuração de ineficácia e de baixa qualidade” (FERRO, 2006, p. 205), sendo que, através da produção manufatureira dessa mesma arquitetura e por trás de seu caráter conflituoso, se dá a exploração violenta da força de trabalho. Nesse aspecto, dentro da perspectiva de Lefèvre (1981) de “canteiro experimental”, Arantes (2002) ressalta que práticas antagônicas à prática convencional de construção e de elaboração projetual existem em espaços residuais, reconhecidos sob a ótica dos mutirões autogeridos, nos quais se pode observar uma “produção sem dominação”. Nestes casos, tais experimentações exigem que a equipe técnica envolvida encontre soluções que aumentem a produtividade, não por meio da ampliação da exploração da mão de obra ou pela redução da qualidade do ambiente construído (como ocorre no canteiro tradicional), mas pela racionalização das técnicas populares na acepção de Sérgio Ferro (ARANTES, 2002, p. 213). Além disso, tais práticas produtivas alternativas se baseiam em princípios que vão além da mera racionalização, buscando invenções construtivas que permitem “a mudança qualitativa da obra, tanto no que diz respeito ao resultado estético quanto ao processo de trabalho” (ARANTES, 2002, p. 214). Nesse sentido, tais ambientes buscam também a remodelação das relações de produção, nas quais os projetos não só são debatidos pelas partes interessadas (assessoria técnica e movimentos) como também constituem novas interações entre as equipes de trabalho. Dessa perspectiva, diluem-se as estruturas hierárquicas e atenuam-se as divisões entre trabalho intelectual e
manual (FERRO, 2004). Não obstante, não se torna surpresa no campo acadêmico a compreensão do caráter residual dessas experiências. Assim como se tem amplo conhecimento sobre os dados oficiais referentes aos programas de mutirões e seus valores numéricos pouco expressivos, se reconhece a ausência de uma qualidade espacial e arquitetônica superior àquela encontrada na autoconstrução racionalizada e nos conjuntos promovidos pelo governo em muitos dos projetos de mutirão, da mesma forma que não se torna possível a mensuração do quanto da prática construtiva adotada se constitui de fato como democrática em casos em que se observa uma qualidade arquitetônica elevada (ARANTES, 2002, p. 213). Ademais, torna-se importante destacar a dependência do aprofundamento da elaboração projetual em tais casos: “o caráter de urgência ou a necessidade de dedicar mais atenção às negociações com o governo tem levado à redução do tempo destinado ao debate da arquitetura. Contudo, se os mutirões não constituírem uma qualidade arquitetônica própria, na qual se encontre engenho e criação, continuarão presos ao reino das necessidades, com trabalhadores empilhando blocos sem produzir algo gratificante. A autogestão será assim amarga: apenas uma forma barata de fazer habitações” (ARANTES, 2002, p.213). De todo modo, evita-se a romantização sobre essa temática: compreende-se os fundamentos teóricos e perspectivas da prática do mutirão autogestionário sem se construir uma narrativa de caráter mitológico, como apontado por Miagusko (2011). A partir do reconhecimento da pluralidade de experiências, de canteiros e de desenhos resultantes da atuação de diversas
assessorias técnicas ao longo dos últimos 30 anos, é possível observar a multiplicidade de resultados. Dentro desse cenário, alguns casos passaram a ser reconhecidos por sua inovação técnica e organizativa, enquanto outros caíram no esquecimento ou se desvirtuaram. Diante da renitência do problema habitacional em nível nacional, torna-se importante destacar o porquê do sucesso de algumas das experiências autogestionárias de mutirão. Enfim, o que separa uma trajetória “triunfante” de canteiro autogestionário das demais? O caso COPROMO é uma das experiências que se destacam, face à sua qualidade arquitetônica elevada (que será explorada mais adiante) somada à expressiva produção de unidades (número até então inédito dentro do contexto de mutirão). Nesse caso, torna-se fundamental a construção de uma análise investigativa, referente à experiência do canteiro de obras, de forma a recuperar a trajetória da relação estabelecida entre a Associação Pró Moradia de Osasco e a Assessoria Técnica Usina Ctah. Com base nesse percurso, retoma-se os aspectos que envolvem, de um lado, o processo de criação do projeto e, de outro, a estruturação da dinâmica dentro do canteiro de obras.
57
6.4.1
O canteiro do Jd. Piratininga
O desenho e a concepção arquitetônica do conjunto COPROMO foram estabelecidos a partir da assessoria Usina Ctah. Nesse momento, a participação direta dos “futuros moradores no processo de concepção não foi alvo de maiores preocupações” (CERQUEIRA, 2016, p. 75), e assim o diálogo projetual inicial se manteve restrito à coordenação da Associação e a um pequeno grupo de representantes, composto por cerca de 50 pessoas (CERQUEIRA, op.cit.). Tal característica pode ser explicada pela necessidade de se elaborar rapidamente uma solução projetual, que não só responderia a demanda imediata por habitação do grupo, como também proporcionaria aos arquitetos a elaboração de soluções arquitetônicas rápidas e facilmente executáveis por indivíduos sem nenhuma experiência na construção civil (mutirantes). Benincasa36 ressalta que, na etapa inicial de elaboração projetual, todas as etapas relativas à concepção das plantas baixas, das áreas comuns e do conjunto como um todo eram apresentadas para o grupo inicial de 50 pessoas; uma das estratégias utilizadas constava na montagem, com folhas de papel sulfite dispostas no chão, dos cômodos de uma unidade habitacional. Tal estratégia se tornava não só interativa, como fazia com que os mutirantes tivessem uma ideia inicial da dimensão da unidade habitacional, criando dessa forma um espaço
de improvisação e de experimentação entre os técnicos e os usuários. Após decididos os parâmetros principais do projeto, a assessoria técnica via-se diante do desafio de apresentar as propostas projetuais para o restante dos mutirantes. Sendo assim, a comunicação a ser estabelecida entre os mutirantes e a Usina Ctah requeria um nível de organização elevado frente à complexidade de se estabelecer um diálogo com mil famílias. A alternativa encontrada pelos membros da Usina foi de discutir o programa e as fases da obra em grupos de 50 famílias: Existia já um estudo preliminar, do que seria o conjunto, e o que seria o apartamento que a gente tinha discutido com a coordenação das famílias, que era uma coordenação de 50 pessoas (...), e aí esse estudo preliminar a gente montou um vídeo na época (...) e a gente montou grupos de 50 em 50 famílias e esses grupos eram reunidos sistematicamente com esse vídeo; a gente apresentava o vídeo para as famílias e discutia com elas como era a ideia geral do empreendimento, e ainda vinham uma série de questões, de considerações, e foram 20 reuniões (...) e a partir dessas reuniões a gente foi fechando...37
Dessa forma, tornava-se possível o estabelecimento de um canal de comunicação entre os mutirantes e a assessoria técnica, por meio do qual os futuros moradores do conjunto poderiam transmitir para a equipe técnica seus desejos e anseios relacionados ao projeto elaborado. A partir desse diálogo, a se tornava possível para a assessoria
36 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 37 Entrevista com João Marcos de Almeida Lopes, depoimento à autora em 15/04/2019.
58
a compreensão das necessidades de cada uma das famílias e, portanto, do grupo como um todo. Trata-se de experiência participativa principalmente no que se confere à dimensão do canteiro de obras, e não tanto em relação a elaboração projetual. No que diz respeito às discussões dentro do canteiro de obras, João Marcos de Almeida Lopes38 e Vladimir Benincasa39 ressaltam que os participantes da Associação Pró Moradia de Osasco destacavam-se tanto pelo seu nível de independência quanto pela vontade de trabalhar conjuntamente com a assessoria. Para Lopes, a pró atividade do grupo era o que mais chamava atenção: “esse grupo era assim, se você ficasse parado eles andavam na sua frente. Ou você vai junto ou vai junto”, enquanto Benincasa ressalta que “administração era feita toda por eles (COPROMO). Eles eram muito independentes”. Dentro desse espaço, os mutirantes apresentavam à equipe técnica soluções projetuais e sugestões muito criativas, que muitas vezes eram adotadas pela assessoria40. Dessa maneira, evidencia-se dentro do COPROMO uma espécie de mobilização que, acaba por “identificar o processo de produção do espaço ao processo de produção de relações sociais, mediados pelo controle de parcela dos fundos públicos e de projetos arquitetônicos próprios, discutidos entre a associação de moradores e as assessorias técnicas” (PETRELLA, 2012, p.19). Após traçado o aspecto projetual, a demanda do movimento exigia, da assessoria técnica e do órgão financiador, agilidade para
início das obras do conjunto. Contudo, diante do atraso da liberação do financiamento pela CDHU, a Associação optou pelo autofinanciamento, e assim 160 unidades iniciais da COPROMO foram construídas a partir do financiamento de mutirantes que possuíam melhores condições financeiras. Mesmo assim, o montante destinado à construção inicial não se mostraria suficiente para concluir a primeira etapa (CERQUEIRA, 2016, p. 85). Nesse momento do processo de construção, o poder público estava praticamente ausente em sua totalidade: o protagonismo residia na assessoria técnica Usina, que contava com a “experiência necessária para a organização do trabalho e do canteiro” (CERQUEIRA, 2016, p. 106). Ademais, uma vez que a assessoria Usina Ctah acompanhava a obra somente na construção de suas 160 unidades habitacionais iniciais, a dinâmica estabelecida no canteiro de obras em sua fase inicial não seria mantida na totalidade da obra, apresentando alterações que serão analisadas mais a diante. De todo modo, o canteiro de obras COPROMO em sua primeira etapa constituía uma nova designação de tarefas: fez-se uma estrutura inicial básica, conhecida como ‘acampamento’, que abrigava famílias em maiores condições de vulnerabilidade e que não estivessem conseguindo pagar seus alugueis ou estivessem morando em cortiços e/ou favelas (CERQUEIRA, 2016, p. 98). Tais pessoas, por sua vez, atuavam como os ‘vigias’ da obra, garantindo que os materiais construtivos
38 Idem. 39 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 40 Idem.
59
adquiridos pela Associação não fossem roubados41. Ademais, essa estratégia se constituía como movimento político, pois, a partir do estabelecimento dessas famílias no terreno, a Associação marcava sua presença na área, reivindicando-a pela formação de uma nova linha de frente42. Em tais etapas iniciais, não foram estabelecidas distinções de tarefas, sendo todos os mutirantes designados para a limpeza do terreno e para a realização da terraplanagem – momentos fundamentais para desenvolvimento posterior da obra. Nesse momento, os mutirantes recorriam a técnicas rústicas para a movimentação da terra: “como não haviam recursos para a contratação de tratores, toda a movimentação de terra necessária para a terraplanagem e a escavação das valetas das vigas baldrame foram realizadas pelos próprios mutirantes, com pás e carrinhos de mão” (CERQUEIRA, 2016, p. 91). Em um segundo momento, foram estabelecidas as categorias de atuação dentro do canteiro de obras, denominadas como “grupos de tarefas”, que abordavam os setores de (i) alvenaria, (ii) ferragens, (iii) concretagem, (iv) elétrica, (v) hidráulica, (vi) carpintaria e (vii) fundações. Dentre essas categorias formavam-se várias equipes de trabalhadores que respeitavam o esquema já adotado pela Usina em se identificar às equipes pela diferenciação de cores dos capacetes. Tais grupos, por sua vez, eram comandadas por aqueles que já estavam familiarizados com o canteiro de obras por meio de experiência profissional, sendo que aqueles que nunca haviam tido contato com o
canteiro recebiam aulas que explicavam como era a construção civil, conformando um verdadeiro espaço de aprendizado43. Sendo assim, a assessoria técnica garantia que o mutirante não só compreenderia o projeto como também acesso ao ensino mais pragmático dentro do canteiro de obras. Por conseguinte, a contribuição dos chefes de equipe dentro do canteiro de obra tornava-se muitas vezes decisiva para a formação das equipes e andamento da obra representando espaços de grande responsabilidade executiva (RONCONI, 1995, p. 96). Nesse aspecto, a escolha dos chefes de cada grupo e a escolha do mestre de obras ficava a cargo da Assessoria Técnica Usina, que, por meio de um questionário básico, procurava saber quem, entre os muitos mutirantes do COPROMO, já possuía algum nível de experiência com a construção civil. Os mutirantes que ocupassem os cargos de chefes de grupo, se responsabilizavam pela organização das faltas, ou “apontamentos”, com base no controle dos cartões de pontos que eram repassados para a secretaria da Associação no final do dia. Com a obrigatoriedade de 16 horas de trabalho por semana, os mutirantes que não compareciam para a realização do trabalho deveriam pagar multa de $R15 por dia, valor este repassado para a contratação de profissionais da construção civil para cobrir a diária dos mutirantes. Assim, a mão de obra não era totalmente de mutirantes, contando com o auxílio de profissionais da
41 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 42 Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019. 43 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019.
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área da construção civil: Tinha muita gente, e sempre tinha uns profissionais ali; tinha pedreiro, tinha eletricista, tinha encanador, tinha sempre aquelas pessoas que ensinava outras pessoas a trabalhar. Aqui tinha mulher que era pedreira, aprendeu na obra trabalhar. E era assim: montava um grupinho para ensinar as pessoas a trabalhar, encanador e eletricista, pedreiro, e nós fomos indo. Aí foi contratado uma equipe de profissionais né, de engenharia e mestre de obras e a mão de obra era mutirão mesmo, só que no meio da mão de obra de mutirão tinha profissionais também. No lugar de muita gente sempre tinha alguém que sabe, que entende de obra. Inclusive o mestre de obra [Wilton Lima] morava com nós aqui.44
A delimitação entre a proporcionalidade de trabalho realizado pelos mutirantes e pelos profissionais da construção civil é uma questão pouco clara. No momento de construção das primeiras 160 habitações, não se sabia quem, dentre os mutirantes, ocupariam tais unidades. Dessa forma, todos os mutirantes participantes do movimento se envolveram na construção das primeiras 8 torres45. Ademais, dentro desse quadro, encontrava-se dentro do campo de atuação profissional desses mutirantes uma gama variada de profissões, dentre as quais se identificavam trabalhadores da construção civil como pedreiros e ajudantes46.
44 45 46 47
Diante da necessidade de controle dos grupos de trabalho, a Assessoria Técnica Usina realizou um levantamento quantitativo dos associados (titulares e cônjuges) que já possuíam familiaridade com o canteiro de obras (Anexo 1) (CERQUEIRA, 2016, p. 88). Esse levantamento mostrou que cerca de 77% das famílias participantes da Associação não possuía nenhuma experiência prévia na construção civil ou relativas ao canteiro de obra. Dentre as 233 pessoas que se declararam aptas a trabalhar no canteiro (já possuíam alguma experiência) foram selecionadas 98 pessoas para o cargo de coordenadores dos grupos de trabalho. Dessa forma, além do trabalho realizado pelos profissionais da construção civil contratados pelo movimento e os mutirantes já familiarizados com o canteiro de obras, os demais mutirantes eram encarregados do carregamento dos materiais, montagem de lajes, montagem de equipamentos elétricos, e em alguns casos, do assentamento de tijolos47. Vladimir Benincasa, em depoimento, sugere que a proporcionalidade entre as participações dos profissionais da construção civil e dos mutirantes na obra se deu na proporção de 60% e 40%, respectivamente.
Entrevista com Manoel Alves do Nascimento, depoimento à autora em 04/05/2019. Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019. Idem. Idem.
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No que se refere à escolha do mestre de obras, se mantinha a estratégia de aplicação dos questionários48, o que tornou possível a escolha de Wilton da Costa Lima para ocupar o cargo de mestre de obras do conjunto. Seu depoimento, obtido através do documentário “Mutirão Aos Olhos Do Mestre”, evidencia o nível de envolvimento e comprometimento de Wilton com o canteiro de obras da COPROMO: iniciado no movimento em 1991, momento no qual se estabelece a sede da Associação, Wilton foi contratado pela Usina para ocupar o cargo de mestre uma vez que já estava familiarizado com a experiência dentro do canteiro de obras. Na construção das primeiras 160 unidades produzidas a partir do financiamento da CDHU, firmou-se uma comissão na qual Wilton Lima foi representante e na qual atuou como interlocutor entre a comissão, os técnicos da CDHU e os engenheiros que acompanham a obra. Nessa etapa, todos os sábados se faziam reuniões para discutir o cronograma de obras no espaço da sede da Associação, de forma a se avaliar constantemente o progresso dentro do canteiro.49 A relação estabelecida entre Wilton e a assessoria técnica Usina rendeu resultados tão bons que resultaram na contratação de Wilton para a administração de obras em construção da própria assessoria em outras localidades50, fazendo com que esse personagem adquirisse grande importância ao longo da trajetória não só da Associação Pró 48 49 50 51
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Moradia de Osasco, como da própria assessoria. Assim como Wilton, o envolvimento dos demais mutirantes na obra era notável. Em mais de uma das entrevistas realizadas com os mutirantes e moradores do conjunto, foi destacado o grande número de mulheres que participavam da obra as quais, não só nunca haviam trabalhado no canteiro de obras, como em muito dos casos trabalhavam mais e melhor do que muitos dos homens mutirantes51. Contudo, segundo observado por Cerqueira (2016), “a racionalidade construtiva exaustivamente buscada pelos arquitetos na prancheta encontrou muitos obstáculos para se realizar na prática, sobretudo neste primeiro momento de canteiro, marcado pela utilização extensiva do trabalho mutirante – sem dispensar o uso de técnicas arcaicas como a movimentação e a escavação da terra com pás e carrinhos de mão” (CERQUEIRA, 2016, p. 107). Ademais, “a organização do mutirão através dos grupos de tarefas levou a uma certa especialização dos trabalhadores – impossibilitando um processo de formação que permitisse a elas uma compreensão da totalidade do processo” (CERQUEIRA, op.cit.). A especialização em grupos, contudo, trouxe aspectos positivos e vantagens para os mutirantes. Segundo depoimento de Lima no documentário “Aos Olhos do Mestre” dentro do quadro intitulado “As vantagens do mutirão”:
Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. Informação extraída do documentário “Aos Olhos do Mestre”. Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. Entrevista com Manoel Alves do Nascimento, depoimento à autora em 04/05/2019.
A vantagem é o seguinte; nós trabalhamos nele, nós sabemos tudo que existe nesse prédio, tudo que aconteceu nele, todo mundo que trabalha aqui na obra sabe o que aconteceu, se deu o problema pequeno que seja aqui no prédio a pessoa sabe o que foi, o que aconteceu, sabe onde passa o conduíte, sabe onde passa cano de água, sabe tudo. Se você pegar qualquer pessoa aqui e falar: o que é isso aqui? Ele te fala, isso aqui é um cano que desce aqui, esse aqui é o conduíte que vem da luz e tal a tomadinha aqui, todo mundo sabe disso, a vantagem é essa. Agora você faz a inscrição na CDHU por exemplo, e você vai pegar o apartamento pronto, você chega lá você não sabe nada, não sabe como que aconteceu aquilo ali, como foi feito, e aqui não, o pessoal sabe, sabe tudo.
Em contraposição às dificuldades encontradas no ambiente do canteiro autogestionário de mutirão, observa-se a adequação do partido técnico e da ideia construtiva às capacidades dos produtores, no caso, os mutirantes. Tais variações “são mudanças aparentemente menores – mas essenciais. O objetivo determinante não é mais a produtividade cega – mas a realização de um projeto coletivo atento às condições e relações dignas de produção, e isto tem um peso” (FERRO, 2004). Nesse aspecto, são adotados procedimentos tecnológicos que dizem respeito ao: “agenciamento de expedientes para desenvolvimento de projetos e realização de obras, pretendendo efetiva redução de custos, racionalidade produtiva e adequada apropriação do processo, sem detrimento de um padrão superior de qualidade da moradia” (LOPES; RIZEK, 2005, p.4), materializando-se tanto na escolha dos materiais
empregados quanto nas soluções projetuais. No caso COPROMO, a redução de custos tornou possível a compra de blocos estruturais cerâmicos, material de boa qualidade e pouco usual para a realização de projetos de habitação social. Essa escolha por sua vez, gerou desavenças entre a assessoria técnica e a CDHU52 e retardou os repasses financeiros iniciais oriundos da Companhia para a realização das obras (USINA, p. 243-244). Após a chegada do financiamento da CDHU destinado à construção de outro montante de 160 habitações, o vereador Reginaldo Oliveira de Almeida, juntamente com outras lideranças locais, propôs ao restante dos mutirantes a articulação do movimento em torno de cooperativas, solução encontrada para agilizar o início da construção das demais unidades. Contando com contribuições financeiras e mão de obra própria, tais grupos se estruturariam em torno de estruturas cooperativas, sendo boa parte da mão de obra empregada, regimentada. Além das cooperativas, outros núcleos dentro do conjunto optaram por outro caminho, utilizando unicamente o serviço terceirizado da construção civil53. Dessa forma, percebe-se nesse momento a descaracterização da prática do mutirão. As cooperativas existentes não só atuavam na construção do conjunto COPROMO como também ofereciam seus serviços a outros mutirões a preços mais baixos do que os de mercado, permitindo aos mutirantes de outras localidades a aquisição desse serviço. Ademais, muitos dos mutirantes tinham serviços paralelos
52 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 53 Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019.
63
de construção civil em detrimento da estrutura cooperativa. Diante da falta de administração das estruturas cooperativas e frente aos poucos repasses monetários existentes – representando altas despesas –, a idealização do modelo cooperativo cairia por terra54. O nome COPROMO, sigla para Cooperativa Pró Moradia Osasco, por sua vez, permaneceu. Além disso, os núcleos de mutirantes não pertencentes ao grupo inicial das 160 unidades habitacionais, diante de suas limitações financeiras, não conseguiam pagar os serviços da Assessoria Técnica Usina Ctah, que, em média, possuía um cálculo de remuneração em torno de 5% do valor total da obra55. Assim, parte do movimento argumentava que o valor exigido pela Assessoria se mantinha muito elevado, ao mesmo tempo em que a Assessoria tinha como obrigação o fornecimento de assessoria a todo o movimento e não só aos beneficiários do primeiro grupo. Paralelamente, a Assessoria Usina argumentaria que não era possível a diminuição do valor, se dispondo a ajudar o restante do grupo pontualmente, mas especificando que se tornaria inviável o acompanhamento constante da obra56. Ademais, nesse momento houveram embates relacionados à mudança da diretoria da Associação e à participação da assessoria técnica Usina. A partir da mudança de gestão – agora vinculada diretamente ao vereador Didi –, os desgastes passaram a alimentar 54 55 56 57
64
Idem. Idem. Idem. Idem.
um mal-estar crescente estabelecido entre a associação e a assessoria (CERQUEIRA, 2016, p. 98). Firmava-se assim uma divisão de opiniões dentro da Associação: enquanto alguns grupos defendiam a permanência da assessoria Usina no desenvolvimento do restante da obra, outros defendiam a troca de assessoria técnica. Frente às divergências, a Associação decidiu a favor da troca de assessoria técnica, e, a partir da indicação do vereador Didi, optou-se pela contratação de dois arquitetos independentes, que passariam a prestar assessoria para o grupo. Diante de mais divergências internas, a Associação, em um curto período de tempo, substitui os arquitetos pelo grupo de Assessoria Técnica Teto57. Após o afastamento definitivo da Assessoria Técnica Usina Ctah, a “Avaliação do Programa Mutirão – UMM, volume II” reuniu informações referentes ao conjunto COPROMO, relativas à sua situação técnica, abrangendo os aspectos do projeto, das obras, dos encaminhamentos sugeridos e do saldo contratual em reais do empreendimento (Tabela 3).
Tabela 3– Empreendimento COPROMO
Situação Técnica Projetos
Obras
Encaminhamento sugerido
- Início das obras em 03/93 sem - Projeto assessoria (USINA) pago em condições técnicas (principalmen03/93 - Definição de um prazo final para te quanto a aprovação dos projetos - A assessoria deve entregar projetos a Assessoria e CDHU concluírem o executivos). execu-tivos em revisão desde julho processo de elaboração e aprovação Obras paralisadas de 03 a 08/94 por dos projetos, respeitadas as normas da 94, compreendendo: apresentarem fissuras nos edifícios Arquitetura; Companhia, para o adequado prosseAguarda-se a entrega pela AssociaEstrutura; guimento das obras. ção de laudo técnico de estruturas e Hidráulica; - Definição de um prazo final para a conclusão do projeto executivo, para Gás; entrega do laudo técnico de estruturas, viabilizar o normal andamento das Incêndio; que dê diretrizes quanto ao problema obras (atualmente, em ritmo lento) Elétrica; das fissuras - Houve troca da assessoria responsáTelefonia; vel pelo acompanhamento das obras (TETO)
Saldo contratual (R$)
555.593,72
A troca de assessoria técnica, os percalços organizacionais do movimento e as dificuldades encontradas dentro do canteiro de obras levaram a um andamento construtivo lento. Ao fim, a construção do conjunto só seria concluída em 1998, enquanto a ocupação dos apartamentos seria “realizada a partir dos laços sociais estabelecidos ao longo do processo de construção. Para tanto, foram feitos sorteios em blocos, considerando grupos de vizinhança – as quatro famílias que ocupariam cada andar -, definidos pelos próprios moradores” (USINA, 2015, p. 244).
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Fonte: acervo pessoal da autora
7. Análise arquitetônica dos imóveis
Dentre as possibilidades de idealização de um projeto de mutirão financiado por órgãos públicos – como aqueles financiados pela CDHU –, existiam dois caminhos: o primeiro se distinguia pela adoção de tipologias pré-concebidas pelo órgão responsável, que concedia aos movimentos a escolha da tipologia de interesse, caso em que não havia possibilidade de alteração do projeto; o segundo percurso admitia a aquisição de projetos por meio de Assessorias Técnicas especializadas (NAKASHIGUE, 2008, p. 47), sendo este o caso observado no conjunto COPROMO. Sendo assim, ficou a cargo da equipe Usina Ctah o desenho arquitetônico do conjunto. O mesmo, pensado a partir da planta da unidade habitacional, além de servir as demandas das próprias famílias envolvidas no processo, foi influenciado em sua concepção pela escolha do sistema construtivo (alvenaria de blocos estruturais cerâmicos) e pela própria lógica de produção adotada, que exigia principalmente a simplificação e a padronização de elementos construtivos e soluções adotadas (USINA, 2015, p. 242).
Segundo Benincasa58, para o desenvolvimento do projeto se pensou inicialmente na planta tipo59. Os demais aspectos arquitetônicos se desdobrariam a partir dessa base, como a circulação e a cobertura. Sendo assim, evidencia-se, pela elaboração da planta da unidade habitacional do conjunto, a escolha da modularidade a partir da adoção de um bloco com 0,25m em sua maior dimensão, e pela composição projetual que estabeleceu um módulo baseado em um quadrado formado por um conjunto de 5 por 5 blocos cerâmicos, medindo 1,25m x 1,25m: “a partir dele, definiram uma planta formada por quatro grandes quadrados – compostos por nove módulos cada um – articulados em torno de um módulo central destinado à circulação”. (USINA, 2015, p. 242) (Figura 6). O quadrado de medida 3,75m por 3,75m corresponderia à sala; outros dois corresponderiam aos dormitórios, e o último corresponderia à área molhada, resultando em um apartamento com 54m² de área útil (USINA, 2015, p. 242).
58 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019. 59 Pavimento tipo (ou pavimento padrão), é um ou mais pavimentos que se repetem em planta em um edifício.
Definição disponível em: <https://www.ecivilnet.com/dicionario/o-que-e-pavimento-tipo.html>. Acesso em: 08 jul. 2019.
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Figura 6: Diagrama de concepção da unidade habitacional
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Segundo Wagner Germano60, a modulação aparentemente rígida permitiu a possibilidade de organização do desenho inicial, dando força para a ideia de projeto desenvolvido pela assessoria do Usina. Tal estratégia, além de facilitar a organização espacial das unidades, foi também capaz de proporcionar maior dinamismo à obra, por não requerer a quebra de tijolos e por incluir a utilização de lajes também modulares. Além disso, a adoção de um projeto verticalizado 60 Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019.
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permitia o atendimento de um número maior de famílias por metro quadrado – por meio do adensamento –, além de representar menor custo de infraestrutura por família – admitindo a diminuição dos custos percentuais por meio da verticalização –, assim como permitia o melhor aproveitamento da oferta de terra urbana (NAKASHIGUE, 2008, p. 76-77).
A planta do conjunto COPROMO (Figura 7) destaca-se das demais tipologias presentes dentro da categoria de conjuntos habitacionais produzidos por mutirão, uma vez que conta com uma das maiores áreas úteis construídas, contando com espaços internos generosos, uma cozinha ampla e maior que o modelo convencional (NAKASHIGUE, 2008, p. 51). Enquanto a área construída do conjunto COPROMO é de 72,69m² e cada unidade conta com uma área útil de 54m² (NAKASHIGUE, 2008, p. 53), a média das áreas encontradas a partir da análise de 16 tipologias distintas fornecidas pela CDHU no ano de 1999 era da ordem de 41m² de área útil (Figura 8).
Figura 7: Planta conjunto COPROMO
Figura 8: ‘Pavimento tipo’ de uma das tipologias disponibilizadas pela CDHU em 1999 [Cada uma das unidades possui área útil de 40 m²]
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Assim como as vantagens obtidas a partir do aumento de área útil de cada uma das unidades habitacionais, os materiais empregados na construção do conjunto COPROMO foram superiores em qualidade em relação aos materiais empregados nos modelos convencionais CDHU. Nesse aspecto, a caixilharia empregada no COPROMO – projetada pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo –, além de apresentar um aspecto estético interessante, tinha alta resistência e durabilidade e foi adquirida por preços que se enquadravam no orçamento estipulado para a obra, representando, dessa forma, uma boa condição de custo-benefício (Figuras 9 e 10). Até o ano de 2019, 21 anos após o encerramento das obras, não se fez necessário a troca dos caixilhos61.
Figuras 9 e 10: Janelas originais do conjunto COPROMO em 2019
61 Entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha, depoimento à autora em 15/08/2019.
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As unidades finalizadas contaram somente com o contrapiso e com a finalização das paredes, permitindo que os mutirantes escolhessem seus acabamentos internos62. Assim, cada um dos apartamentos do conjunto COPROMO mantém a personalidade de seus moradores (Figuras 11 e 12).
62 Entrevista com Vladimir Benincasa, depoimento à autora em 12/03/2019.
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Figuras 11 e 12: Imagens do acabamento interno de uma das unidades habitacionais do conjunto em 2019
Além da inovação por trás da concepção modular do conjunto COPROMO, o mesmo seria reconhecido por meio da adoção de uma “solução inovadora no contexto dos mutirões autogeridos: a utilização da escada em estrutura metálica independente, montada logo após a execução das fundações” (USINA, 2015, p. 242-243). Nesse aspecto, a adoção da escala metálica pré-fabricada foi o principal exemplo de técnica modificadora como resposta ao desafio da verticalização dentro do processo de mutirão (ARANTES, 2002, p. 214). Assim, a decisão sobre a utilização da escada metálica (Figuras 13 e 14) – feita no decorrer da obra –, além de se configurar como um elemento arquitetônico esteticamente agradável, conferiu “funcionalidade e segurança para os mutirantes durante a obra” (USINA, 2015, p. 242).
Figuras 13 e 14: Escada metálica
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Nesse sentido, a segurança que a escada metálica proporcionou aos mutirantes se mantém como o aspecto mais importante dessa escolha projetual; a partir da escada, os mutirantes poderiam se movimentar e transportar materiais sem correr o risco por trás do uso de andaimes improvisados: “ao mesmo tempo, as escadas serviam de prumo para as alvenarias erguidas à sua volta e de suporte para a elevação de materiais até os pavimentos superiores. Além disso, com a escada instalada antes da execução das alvenarias, evitavam-se os atrasos – frequentes nas obras do Cazuza63, por exemplo – causados pela demorada execução das escadas em concreto” (USINA, 2015, p. 242-243). A adoção da escada foi um importante elemento articulador, pois a partir dessa estrutura se deu a associação das unidades habitacionais de cada andar, transformando os acessos de cada um dos apartamentos em varandas coletivas (Figuras 15 e 16) (USINA, 2015, p. 242).
63 Cazuza foi uma experiência de mutirão autogerido com mão-de-obra assalariada complementar contando com a assessoria da Usina e coordenada pela Associação de Construção Comunitária de Diadema entre 1990 e 1993.
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Figuras 15 e 16: Varandas do conjunto COPROMO
7.1 Conjunto de barreiras
Petrella (2012) ressalta o distanciamento do conjunto em relação ao espaço público a partir de suas impressões ao percorrer a área pela primeira vez; descreve-o como “(...) uma forma particular e concreta, delimitada e específica ao seu campo de ação. Não se expande. Aparece, portanto, como uma negação determinada, não sucumbe ao espaço que é produto da abstração, o seu entorno. O COPROMO é uma ilha que se encerra em si mesma. Define as separações, restitui a propriedade” (PETRELLA, 2012, p.67). Ademais, o autor, a partir de sua análise, classifica o conjunto como uma formação espacial dada a partir de uma negação, da noção de não-entorno. A percepção de Petrella (2012) confirma-se diante de minha primeira visita ao conjunto: cercado de um lado pela Maternidade Amador Aguiar e pela Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) – grandes equipamentos públicos – e pela Av. dos Bandeirantes do lado oposto, o conjunto se mantém confinado. Assim, diante da imposição das limitações externas ao conjunto (barreiras externas), tornou-se fácil a tarefa de se fechar o conjunto por meio da instalação de portarias, instaladas após 1998 pelos moradores em dois pontos opostos do conjunto. Segundo Petrella (2012), a portaria se manifesta como a primeira interação do visitante com o conjunto:
Para se chegar nele [COPROMO] é preciso passar pela portaria. Entro! O lugar não se revela de imediato. É preciso percorrêlo. O seu espaço central é um ‘grande sertão’, uma praça viária, apenas asfalto e carros estacionados. O calor que incide neste dia proporciona a refração do ar como uma miragem num deserto. É árido. Os edifícios parecem lhe voltar suas costas convexas. É preciso atravessar esse deserto para chegar ao seu coração (PETRELLA, 2012, p. 66).
Contudo, segundo o arquiteto Wagner Germano, a intenção da assessoria Usina nunca foi a de se projetar um condomínio fechado e isolado do seu entorno. Segundo o arquiteto: O que a gente pode fazer como arquiteto, como pessoas que militam nessa área, é tentar fazer uma discussão, sem que esse projeto vire um condomínio fechado, vamos pensar em uma relação com a cidade que seja aberta (...) que a cidade entre no conjunto, o conjunto se abra para cidade (...). Isso é algo que a gente pode fazer projetando, usando o desenho como instrumento para tentar resolver e tentar mediar essas coisas. Mesmo assim é um risco.64
O “risco” citado por Germano se refere às intervenções feitas após a consolidação do conjunto, que não podem ser previstas pelos arquitetos na fase inicial de projeto e que estão sujeitas a acontecerem por meio da escolha daqueles que fazem uso do espaço cotidianamente. A introspecção do projeto por sua vez acaba trazendo aspectos positivos em termos de convivência para os moradores. Segundo Germano:
64 Entrevista com Wagner Germano, depoimento à autora em 26/04/2019.
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A vantagem, quer dizer, o que não deixa ficar uma coisa tão, um ‘conjuntão’ e tal, é que a própria conformação dos edifícios cria... eu brinco eu chamo isso de ‘quarteirão’ né, uma unidade de vizinhança aqui (...) então você cria lugares onde as relações entre os moradores podem se aproximar, e você divide esse grande grupo em grupos menores. E isso inclusive para o próprio cuidar do lugar é mais interessante.65
Dessa forma percebe-se como a própria implantação do conjunto (Figura 17) se dá pelas relações que os cinquenta edifícios, geminados de dois a dois, estabelecem entre si, ao se criar espaços coletivos com diferentes qualidades (USINA, 2015 p.242) e que atuam como uma extensão dos limites de cada uma das unidades habitacionais. Petrella (2012) ressalta essa característica do conjunto ao tratar da noção de comunhão observada ao se adentrar no espaço: “a noção de comunidade é mais efetiva, porém se dá em detrimento do mundo. É bastante acolhedor. Ao percorrê-lo percebemos suas sombras, suas árvores, os barulhos de panelas de pressão, as conversas entre as comadres, os passarinhos” (PETRELLA, 2012, p. 66). Dessa forma, a partir do isolamento do conjunto em relação a seu entorno, traça-se um interessante panorama; embora não fosse a intenção original do projeto idealizado pela assessoria técnica Usina Ctah, o conjunto COPROMO na prática – devido a sua histórica particular e por suas características arquitetônicas diferenciadas de qualquer similar de habitação social – acaba por se configurar como um “enclave”, isto é, uma distinção espacial (CALDEIRA, 1997).
65 Idem.
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Figuras 17: Implantação do conjunto
Por conseguinte, o processo de construção do conjunto se mostrou incapaz de conduzir novas formas de apropriação territorial urbana, assim como manteve intacta a precária a relação estabelecida entre o conjunto, os moradores e a cidade (Figuras 18 e 19), evidenciando dessa forma, a inexistência de uma nova dimensão da “(...) vida pública e de convívio urbano. ” (LOPES; RIZEK, 2005, p. 24) preconizada pelas intenções iniciais da assessoria técnica durante a elaboração do projeto.
Figuras 18 e 19: Contrastes do conjunto em relação a seu entorno mais próximo
Ademais, os ‘quarteirões’ descritos pelo arquiteto Wagner Germano constituem uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que figuram como espaços coletivos, tais nichos somam-se à divisão interna do conjunto, e dentro desse processo, passam a gerar maiores fragmentações. Nesse aspecto, cada bloco de apartamentos pode ser observado como uma ilha dentro da totalidade do conjunto uma vez que após concluídas as obras, muitos dos blocos optaram por instalar grades em suas entradas (Figura 20 e 21).
Figuras 20 e 21: Grades de entrada de um dos blocos do conjunto COPROMO em 2019
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Dessa percepção observa-se o caso das primeiras 160 unidades, concluídas em 1996: diante da insegurança dos primeiros moradores em habitar um pequeno núcleo de prédios dentro de área extensa em obras – e, portanto, vazia nos períodos noturnos –, decidiu-se pela construção de uma cerca que separaria os primeiros 8 prédios do restante do canteiro COPROMO (CERQUEIRA, 2016, p. 100), episódio que acabaria por prejudicar a noção de coletividade do conjunto. A partir da posse dos primeiros apartamentos e da separação física estabelecida entre os 8 edifícios e o canteiro de obras, a maioria das 160 famílias praticamente se retirou das obras “deixando de contribuir com a construção das demais unidades” (CERQUEIRA, op.cit.). Ao fim das obras de todo o conjunto, a CDHU exigiu a demolição da grade que cercava os primeiros edifícios. Relutantes à ideia, os moradores das primeiras 160 optaram por entrar com um processo na justiça, no qual perderiam, resultando na demolição da mesma (CERQUEIRA, op.cit.). Contudo, mesmo após a consolidação dos demais edifícios e a demolição das cercas que separavam as primeiras 160 unidades do resto do conjunto, observa-se que noção de comunidade existente entre as primeiras 160 famílias se mantém evidente. Ao ter contato direto com os moradores do bloco 1 (o primeiro bloco a ser construído dentro da leva de 160 unidades), observei que neste pequeno recorte espacial, a maioria dos habitantes se mantém a mesma dos tempos de mutirão. Em minha primeira visita, esses mesmos moradores espontaneamente se reuniram ao redor da praça central localizada entre os primeiros blocos, para contar a histórica do mutirão, dando um breve intervalo em suas obrigações diárias. Quando fiz perguntas relativas ao tempo de construção dos edifícios, relembram desse período;
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trouxeram com eles experiências de vida e aprendizados adquiridos ao longo do processo, a partir de históricas, vivências pessoas, e bom humor. Contudo, todos, sem exceção, lembram da luta, da dificuldade, e do sacrifício do processo de construção dos edifícios. Assim, como destacado por Miagusko (2011), os moradores não guardam consigo nenhum saudosismo desse período, mas relembram o momento onde a coletividade se sobrepunha a individualidade.
8. A política do mutirão pós-Copromo
Concluída a análise da experiência particular do conjunto COPROMO, cabe ampliar o estudo com o exame sucinto do contexto posterior à sua conclusão, tendo como base as políticas públicas de habitação social nas esferas local, estadual e federal especificamente quanto à agenda do mutirão autogestionário. No caso da capital paulista, as experimentações de mutirão realizadas a partir da gestão de Luiza Erundina (1989-1993) – reconhecida como fase “heroica” do mutirão (CARVALHO, 2007), a partir de programas como o FUNAPS66 comunitário – foram paralisadas a partir da administração de Paulo Salim Maluf (1993-1997) e de Celso Pitta (1997-2001). O posicionamento desses governos não se limitou a questionar os convênios firmados com os movimentos sociais realizados no período anterior, como também interrompeu as obras em andamento, e suspendeu o estabelecimento de novos convênios (MIAGUSKO, 2011, p. 171). A principal entidade de defesa do mutirão em São Paulo, à época, foi a União dos Movimentos de Moradia (UMM), que, diante de um cenário de reorientação das políticas públicas e de ausência de recursos, recorreu ao governo estadual durante as gestões de Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1994) e de Mário Covas (1995-
2001); para tanto, lançou mão de uma atuação combinada de pressão política e negociação (TATAGIBA, 2015, p.95). No caso particular da COPROMO, essa combinação trouxe bons resultados: face à relação conflituosa estabelecida com o prefeito de Osasco, Francisco Rossi, e sem conseguir recorrer a linhas de financiamento alternativas, a Associação Pró Moradia de Osasco, ao se filiar a UMM, passou a negociar o financiamento do conjunto com o governo Mário Covas, dentro de um programa de mutirões vinculado à CDHU-SP que receberia o nome da União dos Movimentos de Moradia: “Programa de Mutirão - UMM”. O programa de mutirões, por sua vez, se tornou responsável por financiar importantes experiências autogestionárias, tendo como pressuposto a parceria com Associações Comunitárias que teriam autonomia em relação à contratação de assessorias técnicas especializadas para desenvolvimento de suas obras, como observado na União da Juta, na Zona Leste de São Paulo, e no caso COPROMO, ambos assessorados pela Usina Ctah. No que coube às assessorias técnicas a partir da década de 1990, tais organizações não só foram reconhecidas diante do poder público, como também, se multiplicaram em polos urbanos, como observado em São Paulo. No caso da capital paulista, durante o funcionamento
66 “Fundo de Atendimento à População Moradora Em Habitação Subnormal”.
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do FUNAPS comunitário por meio da administração municipal, 20 assessorias técnicas passaram a atuar dentro da Região Metropolitana (RONCONI, 1995 p.88). Já no que se refere à competência dessas entidades, compreende-se que dentro do “Programa de Mutirão UMM”, havia a atuação de assessorias técnicas desqualificadas, o que prejudicou o andamento das obras e, portanto, os repasses financeiros da CDHU para as Associações de Moradia (CDHU, 1995). No que se refere às dificuldades operacionais encontradas pela CDHU durante a vigência do programa de mutirões, além da falta de assessorias técnicas qualificadas, destacam-se outras questões determinantes, como a ausência de vínculos contratuais com as assessorias técnicas envolvidas e a dependência do nível de organização prévia da organização das Associações Comunitárias (CDHU, 1995, p. 8). Nessas condições, a partir da experiência de modelo gerencial vinculada aos paradigmas da administração privada da década de 1990, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano do Estado de São Paulo passou a ter sua política “calcada na produção em massa de unidades habitacionais”, evidenciando, dessa forma, a herança remanescente do modelo SFH/BNH (ROYER, 2002, p. 118). Como elemento ilustrativo dessa inflexão, observa-se como, durante o período compreendido entre as décadas de 1980 e os anos 2000, as experiências de mutirão fomentadas pela CDHU, segundo Royer (2002), representaram uma participação marginal na política da Companhia; a posição central dentro da agenda de programas da CDHU foi ocupada pela produção em massa de habitações, inseridas nas modalidades de “empreitada global” e “chamamento empresarial” (Tabela 4).
80
Esse cenário ilustra a perspectiva apontada por Arantes (2002) referente ao panorama confinado e pouco expressivo das experiências de mutirão na Região Metropolitana de São Paulo. Assim, traçadas suas limitações, tais experiências se configuram como ‘ilhas de intervenção social’, não se expandindo para além de suas próprias fronteiras, se tornando incapazes de se constituir como referências para “futuras transformações no âmbito da cidade” (ARANTES, 2002, p. 222–223). O caso COPROMO reforça esse quadro. Com base no panorama estadual e referente ao recorte espacial analisado (Osasco), a Tabela 5 reúne todos os empreendimentos realizados no município, por meio da CDHU, desde a década de 1990 até os dias atuais. Ao analisar os dados, observa-se que as experiências de mutirão ou de autogestão no município se mantém escassas e excepcionais, totalizando apenas quatro exemplos em Osasco, realizados até o ano de 2015.
Tabela 4: Oferta Habitacional da CDHU por Programa de 1986 a 2000
Programas
Unidades Habitacionais
Porcentagens
Programa Municipal de Habitação
5.642
2,27
Empreitada Global / SH1
10.598
4,26
Empreitada Global / SH2
22.140
8,9
Empreitada Global / SH3
100.390
40,34
Empreitada Global / SH4
53.075
21,32
Chamamento empresarial/ Programa Empreitada Integral
31.152
12,32
Mutirão
13.392
5,38
Habiteto
11.036
4,43
EC (novo)
1.462
0,59
TOTAL
248.887
100,01
81
Tabela 5: Produção habitacional vinculada a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo no município de Osasco a partir de 1996
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Empreendimento
Situação
Programa
Modalidade
Total Uhs.
Data Comerc.
Tipo
Osasco – R. Vila Nova
Comercializada
Parceria Associações e Cooperativas
Crédito Associado
284
30-dez-08
Aptos
Osasco (Rodoanel – Jd. Conceição)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada
566
30-jan-03
Casa
Osasco (Rodoanel – Jd. Padroeira)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada
226
17-jul-04
Casa
Osasco D1 Jd. Piratininga
Comercializada
Mutirão
Mutirão
160
28-ago-96
Apto
Osasco D2 Jd. Piratininga
Comercializada
Mutirão
Mutirão
540
01-nov-97
Apto
Osasco F
Comercializada
Mutirão
Mutirão
120
14-dez-02
Apto
Osasco I01 (Sabesp)
Comercializada
Provisão de Moradias
Mutirão
480
22-dez-11
Apto
Osasco I02 (Sabesp)
Comercializada
Provisão de Moradias
Autogestão
18
23-nov-15
Apto
Osasco I02 (Sabesp)
Comercializada
Provisão de Moradias
Autogestão
368
28-dez-13
Apto
Osasco I02 (Sabesp)
Comercializada
Provisão de Moradias
Autogestão
94
20-out-15
Apto
Osasco L (VIAOESTE)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada
72
17-nov-04
Apto
Osasco O/P (RMOSA-01)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada Integral
160
01-out-05
Apto
Osasco O/P (RMOSA-01)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada Integral
160
28-abr-06
Apto
Osasco Q (RMOSA-02)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada Integral
160
19-dez-03
Apto
Osasco S (RMOSA-02)
Comercializada
Núcleo Habitacional por Empreitada
Empreitada Integral
250
19-dez-03
Apto
Osasco U1/U2 (RMOSA-10)
Comercializada
Atuação em Favelas e áreas de Risco
Empreitada Integral
160
01-jul-04
Apto
Osasco U1/U2 (RMOSA-10)
Comercializada
Atuação em Favelas e áreas de Risco
Empreitada Integral
140
30-set-04
Apto
Ademais, a crítica de Petrella (2012) sobre o isolamento do COPROMO em relação a seu entorno serve tanto como caracterização física das condições atuais do conjunto como também trabalha a favor de uma construção metafórica: a comparação da experiência em relação ao contexto de produção habitacional de baixa renda não só em nível nacional, quanto local. Assim, se consolida, como política da CDHU, a adoção da modalidade de “empreitada integral” e de “empreitada global”, constituindo o caminho institucional para a viabilização de obras (CARVALHO, 2016, p.11). Na modalidade “global” por sua vez, fomenta-se uma dinâmica pautada na oferta de terrenos afastados da malha urbana, e a partir de “chamamentos”, nos quais são selecionadas empresas da construção civil para implantação de empreendimentos em tais localidades; ao finalizarem a obra, realizam a entrega das unidades habitacionais com base na seleção de famílias por meio de “listas que atendem a critérios nacionais e locais ou priorizadas em virtude de deslocamentos motivados por risco ou obras de desenvolvimento urbano” (CARVALHO, op. cit.). A adoção de um modelo vinculado à lógica de mercado, contudo, não se tornou a solução final para a carência habitacional em nível estadual. Com o crescimento do segmento informal e da demanda por habitação, municípios como Osasco continuaram a conviver com o déficit habitacional. Nesse cenário, a formação de assentamentos precários incidiu fortemente na região ao final da década de 1990 e início dos anos 2000. Segundo dados referentes ao Plano Metropolitano da Grande São Paulo da EMPLASA, datado de 1994, Osasco passou de 36 favelas
em 1980 para 102 no ano de 1991, abrigando 64.365 habitantes. Já no ano de 2000, somente as cidades de São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema concentravam 938 favelas, representando cerca de ¼ de todas das favelas do país (PASTERNAK; D’OTTAVIANO, 2016, p. 88). Em nível nacional, a articulação da UMM representada pela UNMP, se uniu com assessorias técnicas, movimentos de moradia e demais organizações vinculadas ao campo da reforma urbana para formular a proposta do Fundo Nacional de Moradia Popular (FNMP). A criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), assim como de um Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) se tornou uma das principais reinvindicações da União Nacional de Moradia Popular (UNMP) e demais movimentos sociais vinculados à pauta habitacional durante os primeiros anos do século XXI (CAMARGO, 2013, p. 81). Além da criação do Sistema de Moradias e do Fundo Nacional, mantinha-se como bandeira principal da UNMP a autogestão, bandeira que geraria discordâncias entre a União Nacional e o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM) durante a elaboração do FNMP (MOREIRA, 2009, p. 81). Na perspectiva da MNLM, acreditava-se que essa prática se configurava como uma proposta conivente com as imposições do Estado e extremamente dependente das gestões municipais; como resultado dessa discordância, a UNMP passou por uma “derrota” em relação à inserção da autogestão como proposta dentro do FNMP (MOREIRA, op.cit.). Após o fim da década de 1990, e diante dos primeiros anos do novo século, a prática autogestionária foi implantada diante de uma nova roupagem a partir da primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007). Nesse momento, a vitória eleitoral de Lula trouxe
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novas possibilidades de atuação para os movimentos vinculados à pauta habitacional; foi a partir de sua gestão, que “toda a área da habitação foi remodelada com a criação do Ministério das Cidades, Conselho Nacional e Conferência das Cidades” (SERAFIM, 2013, apud TATAGIBA, 2015, p. 97). Assim, nesse momento, a UNMP fez uso dos espaços de participação, como o Conselho das Cidades e a Conferência das Cidades, para pautar e defender o tema da autogestão (TATAGIBA, 2015, p. 97). Ademais, após passadas as discordâncias iniciais, o MNLM mesmo não tendo o princípio de autogestão como principal bandeira – como no caso da UNMP – passa a contar com muitas lideranças regionais que defendem a prática autogestionária (MOREIRA, 2009, p. 81). Na tentativa de obter maior articulação com demais entidades nacionais em defesa dos princípios da autogestão, a UNMP optou por se filiar à Central dos Movimentos Populares (CMP), uma vez que a organização já possuía ampla representatividade em todos os estados da federação (MOREIRA, 2009, p.82). Dessa forma, coube à UNMP, a partir desse momento, o convencimento – frente às demais organizações nacionais – da prática autogestionária, uma vez que o conceito da autogestão era totalmente novo. Seria fundamental a partir de então, buscar formas de materializar a ideia que tanto defendiam. Assim, em 2001, foi organizada nacionalmente uma caravana ao Uruguai para mostrar de perto a legítima experiência cooperativa na produção habitacional por ajuda mútua (MOREIRA, 2009, p. 82). Como resposta à articulação e às reivindicações da UNMP e das demais entidades, também foram instituídos três novos programas de Habitação de Interesse Social voltados para a autogestão: o “Programa
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Crédito Solidário” (PCS) em 2004; o programa “Ação de Produção Social da Moradia” (APSM), em 2008; e o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, em 2009, “que hoje é o principal programa a incorporar a autogestão em seus processos produtivos” (CAMARGO, 2013, p. 82). O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), através da construção em massa de habitações, conquistou “níveis de subsídio habitacional e regras para inclusão das famílias de menor renda, que o progressista mais otimista dificilmente teria imaginado” (CARVALHO, 2016, p. 10-11). No caso paulista, a União dos Movimentos de Moradia (UMM) continuou a exercer papel importante como organização do campo habitacional. Caberia nesse novo momento à UMM – assim como a outras entidades vinculadas ao movimento nacional de luta por moradia (UNMP) – a aquisição do terreno, a contratação do projeto arquitetônico, a organização das famílias em torno da construção, a coordenação dos trabalhos de mutirão (quando se aplicada a modalidade) e o acompanhamento do processo de aprovação na Caixa Econômica Federal (CAMARGO, 2013, p. 83). Contudo, segundo Moreira (2009), não é possível afirmar que tenha existido na gestão Lula um espaço definido na política habitacional reservado unicamente para a autogestão (MOREIRA, 2009, p.173-174). Assim, mesmo a partir da gestão liderada por um partido progressista à frente da administração federal, a agenda do mutirão autogestionário se mostrou cada vez menos relevante; as novas assessorias técnicas que passaram a dialogar com os movimentos sociais, a partir do PMCMV-E, articularam novas formas de organização, a partir de um processo de “profissionalização” da mão de obra empregada, ou seja, optando pela
contratação de construtoras (administração indireta) em detrimento do uso do mutirão convencional (CAMARGO, 2013, p. 84). De todo modo, ao longo dos anos que se seguiram à administração Lula (2003-2010), a modalidade “Entidades” do Programa Minha Casa Minha Vida, se manteve como “a forma contemporânea de operação herdeira de uma longa tradição da produção habitacional autogestionária que ocorreu em São Paulo” (CARVALHO, 2017, p.11). Ademais, a autogestão permaneceu na pauta de movimentos, como observa-se a partir da realização do Encontro Nacional realizado pela UNMP em 2014, que tinha como tema central a autogestão (TATAGIBA, 2015, p. 98). Já no que se refere à categoria de atuação das assessorias técnicas, somam-se, após a gestão Lula, conquistas legislativas e institucionais, a partir da formulação de leis federais do Estatuto da Cidade e da Assistência Técnica que acabaram por instituir o direito as famílias de baixa renda a esses serviços (CARVALHO, 2017, p. 10). No cenário paulista, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do estado de São Paulo (CAU) realizou em 2017, um seminário que tinha como tema central a discussão sobre os limites de atuação das assessorias técnicas a partir da definição de suas atribuições (LOPES, 2018, p. 238), sinalizando que essas discussões se mantêm na pauta do campo dos profissionais da arquitetura e do urbanismo.
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9. A dialética do mutirão e da autogestão na experiência COPROMO
Historicamente – a partir da Revolução Industrial e da emergência do movimento operário –, a prática da autogestão se inspira e se vincula às correntes de pensamento e aos movimentos identificados com as ideias anarquistas e marxistas. Em comum, ambas as tradições elegeram como seu principal alvo o confronto com o Estado, mas precisamente o “Estado burguês”. Contemporaneamente, novas formas de experimentações sociais se associam a redutos de resistência aos modelos capitalistas convencionais, por meio de “grupos informais, associações e empresas de trabalhadores, organizadas em bases associativas e de autogestão” (GAIGER, 2003, apud LOCKS; VERONESE, 2012, p.268), além da formação de estruturas cooperativas. Na América Latina, destacam-se as experiências cooperativas uruguaias, que influenciaram e inspiraram a organização de experimentações cooperativas em São Paulo. O conceito de autogestão se mantém reconhecidamente polêmico, e permanece até os dias atuais no cerne do debate de diversos pensadores. Entre os teóricos que trataram desse tema, destacam-se Yvon Bourdet e Alain Guillerm, principais “propositores da corrente teórica autogestionária do final da década de 1970” (LOCKS; VERONESE, 2012, p.269). Ademais, a expressão “autogestão” aparece na linguagem acadêmica do ocidente a partir da década de 1950, mas em termos de experiência histórica se mostra bastante anterior (LOCKS; VERSONESE, op.cit.).
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Com base nesse quadro de referências, segundo Locks e Veronese (2012), a definição de autogestão aparece rapidamente conceituada no Dicionário do Pensamento Marxista vinculada à perspectiva econômica do termo, ou seja, no sentido de um modo de organização do sistema produtivo: A autogestão refere-se à participação direta dos trabalhadores na tomada de decisões básicas da empresa. Os meios de produção são socializados. Em sentido mais geral, a autogestão é uma forma democrática de organização de toda a economia, constituída de vários níveis de conselho e assembleias (MARKOVIC, 2001, p. 22 apud LOCKS; VERONESE, 2012, p.272).
Já a definição de Bourdet e Guillerm se afasta da perspectiva marxista: ao “justificar uma autogestão radical, Bourdet e Guillerm negam toda e qualquer tentativa de transformação a partir das instituições do próprio sistema” (LOCKS; VERONESE, 2012, p. 277). Assim, a definição do conceito de autogestão para Bourdet e Guillerm se mostra como uma “organização nacional que suprime o capitalismo e o estatismo em benefício de um conjunto autogestionário de cooperativas, igualitariamente associadas segundo um plano elaborado pela soma de necessidades e desejos” (GUILLERM; BOURDET, 1976, p. 30 apud LOCKS; VERONESE, 2012, p. 278).
Com uma abordagem mais contemporânea, Albert (2004), didaticamente constrói uma narrativa que ressalta o objetivo máximo da autogestão, a saber, a influência de cada agente envolvido nas decisões a serem tomadas “proporcionalmente ao quanto ele é afetado, sendo entendido como um problema, o fato de se dar a alguns agentes, participação em demasia e a outros, pouca participação” (ALBERT, 2004, p. 25). A isso, o autor acrescenta: Para chegarmos à autogestão e fazermos com que as decisões sejam satisfatórias, cada agente deve ter fácil acesso às avaliações relevantes dos resultados esperados, e deve ter conhecimento geral e segurança intelectual suficientes para entender as avaliações e desenvolver suas preferências sob sua luz (...). Portanto, para a autogestão, cada indivíduo ou grupo envolvido numa decisão deve possuir meios organizacionais para ter sucesso e tornar suas vontades conhecidas, assim como os meios para controlá-las de maneira sensata, com suas contribuições bem-informadas, tendo influência proporcional adequada (ALBERT, 2004, p. 25).
À luz das experiências de mutirão autogestionário postas em prática ao longo da década de 1990 em território nacional – e principalmente na RMSP – a dinâmica autogestionária se modifica, pois ocorre em um campo de contradições. Assim, “apesar do mutirão constituir prática corrente como cultura de ajuda mútua no Brasil, ele não guarda absolutamente nenhuma referência anterior ao que se compreende por autogestão: gestão autônoma de processos produtivos que implica na organização coletiva e participada dos mecanismos de
administração dos recursos – sejam eles quais forem” (LOPES; RIZEK, 2005, p.12). Tal afirmação vem ao encontro não só dos aspectos teóricos da terminologia autogestionária, mas também se dá a partir da contraposição do cenário brasileiro com demais experiências internacionais, como o caso uruguaio (LOPES; RIZEK, op.cit.). Assim, o contexto no qual surgem as primeiras experiências ditas autogestionárias em território nacional, e a conjuntura para os Movimentos Populares Reivindicatórios Urbanos reivindicarem tais procedimentos, durante a década de 1980 e os anos que se seguiram, não se mostram os mesmos das condições sociopolíticas que caracterizaram as formulações e experimentações clássicas de autogestão (LOPES; RIZEK, op.cit.). Nesse sentido, para a compreensão do processo autogestionário do mutirão brasileiro – e principalmente do caso paulista – torna-se fundamental a contextualização socioeconômica desse período: uma sociedade reconhecidamente conflituosa, marcada pela ausência dos dispositivos estatais de proteção social, em que os modos de circulação e distribuição de riqueza se mostravam cada vez mais desiguais, enquanto a crescente mão de obra trabalhadora excedente e a expansão da economia informal traçavam a nova realidade brasileira sob a ótica de um mundo globalizado (TELLES, 2007, p. 195). Nesse novo contexto, o território urbano passa a ser redesenhado dentro das “trilhas de redes de subcontratação que chegam aos pontos extremos das periferias pelas vias de uma meada inextricável de intermediários e intermediações que reativam o trabalho a domicílio e redefinem o chamado trabalho autônomo” (TELLES, op. cit. p.196). Assim, grande parte da mão de obra localizada nos grandes centros
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urbanos em expansão se manteve fora das estruturas convencionais de trabalho; não articulada enquanto classe, desamparada dos dispositivos legais que protegem o trabalhador comum, e refém de um processo de desresponsabilização do Estado (GOHN, 2012, p.297-298), o que conferiu aos centros urbanos um desenho precário e caótico, onde prevaleceu a informalidade tanto no trabalho quando na habitação. Como medidas paliativas, os programas sociais se multiplicaram nas periferias, e ao seu redor, proliferaram as associações “ditas comunitárias que tratam de se converter à lógica gestionária do chamado empreendedorismo social, se credenciar como ‘parcerias’ dos poderes públicos locais em interação com miríades de práticas associativas e ao lado dos movimentos de moradia e suas articulações políticas, partidos e seus agenciamentos locais e, claro, a quase onipresença de ONGs vinculadas a circuitos e redes de natureza diversa e extensão variada” (TELLES, 2007, p.197). Em relação ao que Francisco de Oliveira denomina por “Era de indeterminação”, Telles (2007) reafirma que, no que cabe a esse momento, a agenda política se manteve a partir de um ‘Estado de exceção’, onde se observa “(...) o esfacelamento da política agora transformada na administração das urgências” (TELLES, 2007, p.199). Em relação à formulação de Laymert Garcia dos Santos, a autora acrescenta; “a noção de ‘exceção permanente’ (...) aparece como categoria política para caracterizar uma situação em que a política foi implodida por todos os lados, deslizando para a gestão cotidiana combinada com uma coerção renovada” (TELLES, op.cit). No caso específico dos mutirões autogestionários, esta prática se mostra como uma “dialética negativa” (OLIVEIRA, 2006). Assim,
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diante da necessidade de se administrar a carência habitacional aguda incidente dos centros urbanos em expansão, o mutirão age de forma a não atacar o problema habitacional por meio do capital, mas a partir de uma solução que reside principalmente na mão de obra dos trabalhadores mutirantes. Dessa forma, ao invés de se elevar a contradição do sistema no qual ela se insere, a prática do mutirão autogestionário a rebaixa ao acatar a condição de “sobretrabalho” (OLIVEIRA, 2006, p.72). Aqui também se insere a problematização acerca da atuação das assessorias técnicas, principalmente no contexto específico da década de 1990, período em que COPROMO se consolida; nesse momento, se realça a dificuldade de delimitação entre a atuação das assessorias técnicas e o caráter assistencialista das demais organizações sem fins lucrativos pertencentes ao terceiro setor, que cresceram em número e em visibilidade nacional no contexto de ascensão da chama “cidadania empresarial” (LOPES, 2018, p.243). Em um processo denominado por Dagnino (2002) de “confluência perversa”, e destacado por Lopes (2018), frente à desresponsabilização do Estado e aumento do protagonismo da sociedade civil, o discurso de participação passa a ser utilizado como “enquadramento da ação heterônoma que interessa ao Estado manter e legitimar” (MIAGUSKO, 2011, p.168). Ademais, as experiências de grupos voltados à assistência técnica, materializados na forma de “práticas compensatórias” conduzidas pelos projetos realizados, se tornam úteis “à perspectiva neoliberal de enxugamento dos deveres do Estado” (LOPES, 2018, p.243), uma vez que esses projetos – ao fomentarem novas formas de sociabilidade e administração autônoma de serviços – passam a negar a intervenção Estatal, “anunciando que dele apenas esperam que
não atrase as parcelas dos financiamentos” (LOPES, op.cit.). Sendo assim, a multiplicação de gestão social a partir de novos dispositivos gestionários assinala o que Telles (2007) denomina como era “pós política” (TELLES, 2007, p. 202). Essa abordagem permite confrontar as problemáticas e contradições do caso específico do conjunto COPROMO. Assim, se torna possível a construção de um pensamento crítico sobre o tema, tendo como base uma das experiências mais emblemáticas dessa prática. Traçados os elementos que compuseram a argumentação conceitual, retomam-se as definições postas a respeito da experiência autogestionária. Dessa forma, também se destaca, nesse momento, a contraposição da definição de Albert (2004), frente às experiências brasileiras de autogestão. Segundo a definição deste autor, uma vez que a atuação de cada um dos participantes do processo autogestionário se mantém proporcional ao quanto ele é afetado pela questão abordada, entende-se que o mutirante – que necessita da habitação em primeira instância – deve ser definido como o principal ator dessa dinâmica. Ora, se não é o mutirante o mais afetado pela ausência de habitação, não seria ele a principal voz dentro da dinâmica autogestionária? Essa condição se confirma parcialmente: a carência habitacional dita os termos da relação autogestionária, mas o mutirante não é aquele que pauta as decisões. No caso específico do Programa de Mutirão UMM, coube ao movimento (e consequentemente ao mutirante, organizado por meio de associações comunitárias) a escolha das assessorias técnicas que se responsabilizariam pelo desenvolvimento do projeto. Contudo, diante
de um quadro de mutirantes formado por indivíduos que possuíam pouco ou nenhum conhecimento a respeito da construção civil, a dependência técnica dos arquitetos e urbanistas participantes das assessorias técnicas manteve a centralidade da tomada de decisões, o que acabou por relativizar a noção de “desenho participativo”. Assim, o trabalho por mutirão se deu a partir de uma estruturação hierárquica, extremamente dependente dos saberes técnicos das assessorias que determinavam a “estrutura, o modo, o ritmo, a divisão das tarefas a serem cumpridas no limite da escassez, elemento determinante do uso do trabalho dos futuros moradores que acabou por se constituir em elemento fundamental do cálculo do investimento nesse tipo de política de habitação” (RIZEK, 2002, p. 33 apud PAOLI, 2007, p.222). Nesse aspecto, se traça um panorama perigoso em relação à atuação das assessorias técnicas. Paoli (2007) ressalta que, nesse cenário, a prática do mutirão autogerido passa a ser dotada pela roupagem de “‘forma consentida, e vista como virtuosa, da gestão da precariedade’, induzida pelo governo da cidade e cada vez mais invadida por uma racionalidade técnica e administrativa que anula as formas autônomas de agir dos mutirantes, em todos os seus aspectos” (RIZEK, 2002 apud PAOLI, 2007, p. 222-223). Nesse sentido: Assessorias, escritórios técnicos de arquitetura e organizações não-governamentais (ONGs) comandam, em cada caso, desde a administração de recursos e finanças até a competência política da representação dos movimentos. É impossível não pensar que essa ingerência aponta para uma novidade que se anuncia politicamente em contato com o mais velho modo de destituir a capacidade política e social da população, determinando a invenção técnica como meio de substituir movimentos sociais pelas assessorias,
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quando não em roubo da fala dos movimentos e associações pelos técnicos que, reunidos em ONGs, se constituem em mediações de atores tanto nessa nova face da política de habitação quanto desses novos modos de gestão, produção e intervenção indireta do Estado no território da cidade (RIZEK, 2002 apud PAOLI, 2007, p.222223).
Ao fim, a valorização exacerbada da técnica – e, portanto, do técnico – mostra uma lógica perversa, pois o perigo reside na produção figurativa – a partir do controle social e da violência –, ou seja: da “incompetência política da população, especialmente quando esta se organiza, se movimenta, aparece autonomamente. Por seu lado, as técnicas sociais de administração e controle apoiam-se necessariamente na degradação dos espaços públicos, produzida pelo predomínio das regras de mercado sobre os valores e direitos de cidadania e pelo fechado e parcial sistema de decisões políticas e econômicas adotado desde a década de 1990, que destituiu a capacidade de questionamento e de ação organizada” (PAOLI, 2007, p.224-225). No caso da COPROMO, esta foi capaz de manter um alto grau de independência; o trabalho conjunto da administração da diretoria da Associação e da assessoria técnica responsável tornou possível a organização dos grupos de trabalho, das atividades complementares ao canteiro de obras, da experimentação construtiva – por meio de um processo participativo – e o fomento da discussão sobre o protagonismo dos mutirantes. A conquista de melhorias qualitativas no processo de trabalho do conjunto se deu por meio da definição coletiva das relações de produção entre os agentes participantes desse processo (PETRELLA, 2012). Contudo, o poder de decisão da assessoria técnica Usina Ctah
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ainda assim se manteve central: atuando como um serviço contratado pela associação, se depositou na assessoria técnica a responsabilidade de elaboração do desenho projetual e mesmo de gestão da obra. Contribuições posteriores à formulação do projeto, vindas dos mutirantes, foram bem-vindas e muitas vezes acatadas pela assessoria, mas ao fim, o projeto se manteve sob o controle da assessoria Usina e de seus autores. Ao todo, essa dinâmica não se mostrou de forma negativa, pois, sem o estudo prévio da Usina, a elaboração do projeto se tornaria muito demorada, o que poderia até inviabilizar a obra. O resultado dessa dinâmica apareceu na inovação presente na elaboração de seu projeto. As 1000 U.H. construídas significaram um marco arquitetônico, com alta qualidade arquitetônica e urbanística, que caracterizou o primeiro conjunto entregue pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) no munícipio de Osasco e que se opôs “aos ‘grandes conjuntos’ produzidos por empreiteiras, de precária qualidade ambiental” (PETRELLA, 2012, p.19). Contudo, ainda é fundamental ressaltar como sua qualidade arquitetônica superior se deu às custas de enorme esforço coletivo – pelo menos em um primeiro momento – uma vez que, diante da inexistência de uma rede organizativa à nível local ou nacional que fornecesse suporte a esse processo, “o êxito restringe-se aos que participam, relegando àqueles que não conseguem se inserir nos processos de mutirão – e são muitos – os velhos mecanismos de provisão habitacional: filas, produtos de péssima qualidade, inacessibilidade em virtude dos altos custos acessórios etc.” (LOPES; RIZEK, 2005, p.1920).
Dessa forma, traçadas as questões estruturais, se torna possível constituir uma análise mais crítica voltada ao agente principal dessa relação, o mutirante, partindo da constituição do seu perfil socioeconômico. Assim, no que se refere ao mutirante do processo da COPROMO, não se confirma a descrição de Oliveira (2006) de que a maior parte dos mutuários se encontra abaixo da linha da pobreza, ganhando menos de R$ 2 por dia, quando empregados. (OLIVEIRA, 2006, p.72). Mesmo contando com um quadro de trabalhadores mutirantes desempregados, dados oriundos da própria assessoria técnica Usina Ctah indicam que o número de famílias situadas na faixa de 0 a 3 salários mínimos (condição de vulnerabilidade social) se mostrou inferior a 60% do total de famílias analisadas67. Ademais, muitos dos participantes da Associação possuíam condições financeiras que lhes permitiam o autofinanciamento para agilizar as obras. Aqui não se entra no mérito da economia de gastos familiares estabelecidos para se viabilizar o autofinanciamento, mas entende-se que em uma situação formada por mutirantes abaixo da linha da pobreza, essa possibilidade não existiria. Fato é que a posição socioeconômica das famílias envolvidas não era homogênea, e as diferenças de renda certamente tiveram impacto nas formas de financiamento e aquisição dos imóveis. Cabe também tratar da confrontação da disponibilidade de tempo por meio do mutirante para contribuição na obra. Com relação a esse aspecto, o trabalho realizado pelo mutirante se mostra como
invisível, uma vez que esse trabalho não é passível de ser mensurado ou contabilizado (MIAGUSKO, 2011) o que pressupõe, para Oliveira (2006), que “a maior parte da força de trabalho esteja desempregada e possa, portanto, utilizar as horas de folga para construir a própria habitação” (OLIVEIRA, 2006, p. 72). Nas palavras de dona Raimunda, moradora do primeiro conjunto de prédios construídos: “a gente trabalhava a semana todinha e no sábado e no domingo a gente estava aqui, então a mocidade da gente foi embora e a gente não via. Trabalhava de dia e de tarde eram as palestras, e no outro dia trabalho, e assim foi”. Além desse aspecto, outras configurações do canteiro autogerido mostraram controvérsias. Nesse cenário, questões como a vigilância, a punição e a dominação – dimensões observadas no modo de produção capitalista convencional – passaram a ser reproduzidas mesmo dentro do espaço do canteiro autogerido. Sobre esse fenômeno: Não há dúvida que a transformação mais profunda das relações de produção acarreta problemas enormes. Nós carregamos, nas costas de cada um, séculos de exploração, dor, violência. Nós não nos desembaraçamos desta carga que no formou e teceu a rede completa de nossos hábitos. Em qualquer transformação há crises, disputas, divisões. Que no seio dos movimentos autogeridos possam aparecer problemas, é evidente – e mesmo talvez desejável, porque estes problemas provocam interrogações, mudanças talvez até positivas, etc. E não há que generalizar depressa demais. Há casos urgentes, outros que podem ser mais bem planejados, mutirões simples, combinados, autogeridos, etc. Não simplifiquemos a questão. (...) há que considerar que a autogestão hoje está cercada por
67 Segundo levantamento de dados realizado pela Usina Ctah e divulgado por Cerqueira (2016), o espectro de famílias analisadas pela pesquisa se mantinha na ordem de 926 famílias, e não 1000 (total de famílias residentes no conjunto).
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seu inverso. E, como em toda oposição, os polos se contaminam um pelo outro (...) não há como culpar somente as experiências autogeridas por algumas eventuais deformações: sem justifica-las completamente, é preciso considerar que promovem em parte do entorno hostil (FERRO, 2010, p.51-52).
Ademais, para o estabelecimento de um espaço de produção “virtuoso” no mutirão autogestionário, é necessário um alto grau de coerção dentro do movimento envolvido, materializado por uma ‘ilusão necessária’ (OLIVEIRA, 2006, p.73). Para que se configure um elo entre os mutirantes, se constitui a ideia de comunidade, composta por todos os indivíduos que se encontram na mesma situação, isto é, indivíduos que necessitam de habitação. Nesse cenário, a presença contínua de figuras políticas dotadas de uma forte liderança se tornou fundamental – em um primeiro momento – para a noção de coletividade do conjunto. A isso, se atribui principalmente a atuação de Reginaldo Oliveira de Almeida, “Didi”; a presença do vereador agregou ao movimento a capacidade de interposição de dificuldades impostas pela administração municipal de Osasco, que demandava da Associação grande mobilização, que acabaria por consumir “até mais que o necessário para se investir no próprio processo” (LOPES; RIZEK, 2005, p.21). A fragilidade por trás da noção de comunidade, por sua vez, se dá uma vez que, quando concluídas as casas, nota-se o esvaecimento desta coletividade, presente anteriormente nas mobilizações iniciais do movimento (OLIVEIRA, 2006). Sobre nesse ponto, Arantes (2002) desenvolve pensamento similar ao traçar as limitações internas aos mutirantes, diante do desafio de se prolongar a organização popular posteriormente à conquista da terra, financiamento e construção dos
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conjuntos. Nesse momento, se observa a regressão da organização popular, e os mutirantes, após escolherem suas casas, se recolhem e deixam de participar dos espaços de discussão coletivos, permanecendo nos espaços de discussão e nos movimentos uma ínfima minoria dos que participaram dos mutirões (ARANTES, 2002). Ademais, constituise a necessidade de um alto nível de organização dos movimentos sociais envolvidos (TATAGIBA, 2015), os quais, muitas vezes, ficam exauridos no momento em que a obra é finalizada. Quando confrontado com a experiência COPROMO, o quadro de “comunidade ilusória” se confirma: depois de finalizadas as 160 unidades habitacionais do conjunto, e após as primeiras rupturas do quadro político interno do movimento (composto pela diretoria e parceiros externos), se dão as primeiras divergências de posicionamento que resultaram no afastamento da Assessoria Técnica Usina Ctah e substituição por outra assessoria técnica (Teto). Assim, a dinâmica de mutirão observada na primeira etapa da COPROMO foi alterada ao longo do demais anos de construção dos edifícios. A idealização da estrutura cooperativa se tornou insustentável, assim como o mutirão não foi mais a única modalidade construtiva posta em prática dentro dos limites do conjunto, uma vez que os mutirantes optaram pela contratação direta de mão de obra qualificada para agilizar a construção. Dessa forma, segundo Lopes (2018) o imaginário inicial incidente em experiências como aquelas orquestradas pela Usina Ctah não se confirmou em sua totalidade quando confrontado com a realidade. Tal ideal se traduz em vários aspectos: construção de uma “consciência de autonomia” e de um “desejo autodeterminado de autodeterminação” dentre os mutirantes, negando “a submissão a
um poder que lhes é externo, que não emana de si mesmos”; adoção da “construção livre e autônoma de sua própria existência” uma vez finalizadas às obras e “abrigados os corpos e instalados os desejos particulares sob o teto produzido coletivamente e a partir do esforço próprio” (LOPES, 2018, p.241). Nesse sentido, destaca-se o exercício da autocrítica: arquitetos como João Marcos Lopes, que participaram diretamente da obra COPROMO, assim como outras experiências de mutirão, dedicaram seu tempo em discorrer sobre esse tema, de forma a rever princípios e modelos, quando confrontados com a realidade das periferias brasileiras. Ao fim, as críticas se transpõem para o produto dessa relação: a habitação por mutirão. Nesse contexto, Oliveira (2016) aponta que, diante da mercadoria “casa”, o valor de troca se mostra inexistente, uma vez que esse produto se resume a seu valor de uso, que nada mais é do que a finalidade de ser habitada (OLIVEIRA, 2006, p.72). Com base nesse entendimento, a habitação popular não conta com valor de troca porque é impedida pelo rebaixamento dos custos, uma vez que ela se constitui unicamente sobre a força de trabalho do mutirante, e esse aspecto permite a instauração do paradoxo de que a habitação não constitui uma mercadoria no sentido autenticamente capitalista, ou seja, não cria valor (OLIVEIRA, op. cit.). Arantes (2002), por sua vez, reafirma que justamente por se apresentar como uma mercadoria “diferente”, baseada na produção de valor de uso para a própria família do construtor dessa habitação, evidencia seus aspectos positivos. Nesses termos, uma vez que a habitação passa a ser feita com base no consumo próprio e não é destinada ao mercado, o tempo despendido pelo mutirante é unicamente
gasto para seu proveito e não atrelado à venda de sua força de trabalho, como em uma condição convencional de produção (ARANTES, 2002, p.190). Contudo, no caso COPROMO, observa-se um caminho inverso. Segundo Cerqueira (2016), após a finalização do conjunto, e a partir da ocupação dos edifícios, observa-se a transformação gradativa do perfil socioeconômico do conjunto. Sendo os apartamentos disponibilizados para venda e/ou aluguel, inicia-se um processo “de substituição dos mutirantes por uma população com renda superior – capaz de arcar com o custo de compra ou locação dos imóveis depois de terem sido valorizados” (CERQUEIRA, 2016, p.109), sendo os apartamentos vendidos por valores estimados entre R$ 150 mil e R$ 200 mil. Assim, as perspectivas traçadas originalmente para o processo do conjunto COPROMO – de um projeto cooperativo e solidário, destituído de objetivos mercadológicos – são modificadas a partir da comercialização das unidades. Conclui-se, então, que a experiência COPROMO deve seu êxito a uma somatória de fatores que incluem tanto o nível de engajamento da assessoria técnica, uma sólida estrutura interna da Associação Pró Moradia de Osasco e o apoio de lideranças políticas fortes, que impulsionaram a realização do conjunto. Assim, por mais que o mutirão autogestionário tenha a capacidade de conferir um padrão habitacional melhor do que o convencional disponibilizado pelo setor de provisão habitacional vinculado às empreiteiras, “não parece existir qualquer determinismo entre modelo e resultado: tudo depende da instrução e condução do processo, capacidade organizacional do grupo, existência de entidades qualificadas para assessoramento técnico, disposição
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e infra-estrutura institucional instalada para a gestão partilhada dos recursos” (LOPES; RIZEK, 2005, p.24). Tais elementos se relacionam em um cenário complexo, contraditório e repleto de imposições e conflitos.
Fonte: acervo pessoal da autora
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ponto de partida da presente pesquisa surgiu de um sentimento pessoal, vinculado ao vislumbre das potencialidades transformadoras da experiência de mutirão autogestionário. Assim como Rodrigo Lefèvre, Sérgio Ferro e Pedro Fiori Arantes, compartilhei as convicções de que o mutirão – prática solidificada nos alicerces da comunidade e no sentimento de solidariedade – teria o poder de constituir uma nova dinâmica dentro da produção da arquitetura. Seria essa modalidade a responsável por contestar (e redefinir) os antigos moldes produtivos, marcados pela exploração intensa da mão-de-obra da construção civil calcada em práticas extremamente arcaicas. O contexto no qual me cativei pelas possibilidades que o mutirão proporcionaria em termos sociais também se tornou fundamental para a consolidação do meu interesse por tal temática. Diante do cenário no qual as camadas populares se veem cada vez mais ameaçadas por políticas retrógradas e violentas, a possibilidade de um universo diferente no canteiro de obras – que confrontasse o sistema vigente e que apresentasse aos usuários/produtores certo grau de autonomia – se mostrou como algo inovador. Partindo dessas convicções iniciais, trilhei meu caminho entre os meandros da prática do mutirão autogestionário tendo como base uma das experiências mais emblemáticas desse tema, o caso COPROMO.
Para constituir essa narrativa, e, portanto, tecer uma análise crítica que permeasse todos os aspectos relativos a essa experiência (organização do movimento, estruturação política, balanço contextual etc.), fiz largo uso da bibliografia tanto clássica quanto atual sobre a temática do mutirão autogestionário, e mais especificamente do objeto de minha pesquisa. Ademais, a investigação de campo (entrevistas e visitas in loco) serviu como um elemento enriquecedor de dados e percepções, que funcionou como amálgama para a construção de minhas conclusões e críticas finais. No plano teórico, ao longo de minha jornada, observei que o mutirão autogestionário, tal qual analisado no plano conceitual, foi alimentado muitas vezes por uma corrente de pensamento que repousava sua atenção não só nas novas formas de produção arquitetônica propostas dentro dessa dinâmica, como também nas suas potencialidades de longo prazo. Por outro lado, outras correntes de pensamento gravitavam em torno de perspectivas socioeconômicas que destacavam outros aspectos dessa experiência, como a exploração contínua da mão de obra sobre a égide do “sobretrabalho”, ou até mesmo refutando o caráter mitológico da experiência como um todo. Diante desse cenário, aqueles que se propõem a aprofundar seus estudos a respeito dessa temática são quase que induzidos a acatar um dos lados: adotar o mutirão como prática louvável dentro do canteiro
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de obras, suscitando a insurreição popular por meio de novas formas organizativas ou, diversamente, refutar veementemente uma prática que explora mais uma vez as camadas populares ao depositar nos mutirantes a responsabilidade de constituir suas próprias moradias. Minha jornada me fez analisar essa dicotomia de forma crítica. Ressalto primeiramente que tal diferenciação teórica pouco importa para aqueles que se põem como protagonistas da problemática habitacional; os mutirantes ou não-mutirantes. Para esses personagens, o objetivo final foi e será a obtenção da casa própria e, em muitos dos casos, a adoção das ferramentas mais simples para se atingir esse objetivo final se mostram mais interessantes, sejam elas quais forem. Esse entendimento confirma-se na medida em que muitos movimentos que anteriormente adotavam as premissas do mutirão atualmente passam a adotar modalidades vinculadas ao processo construtivo convencional, uma vez que as modalidades de “empreitada” apresentam menores períodos de construção e menores necessidades de articulação por parte do movimento. Assim, embora alguns movimentos ainda mantenham a bandeira do mutirão autogestionário, se torna claro de que essa prática atualmente deixou de ser reivindicada com tanto afinco. Em segundo lugar, ao longo de minha pesquisa, percebi que se tornaria impossível tomar partido de uma ou outra posição, adotar uma corrente de pensamento ou outra, uma vez que, ao analisar um objeto de estudo concreto da COPROMO, confrontando seus aspectos conceituais com a dimensão prática da experiência, as perspectivas de análise se mostrariam muito mais amplas do que a rigidez teórica poderia indicar.
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Assim como Lopes (2018), compartilho a noção de que a idealização do mutirão em termos conceituais, ao se contrapor às experiências práticas, acaba por refutar qualquer traço idílico da prática, O mutirão, tanto para a assessoria técnica envolvida quanto para o próprio mutirante, é um processo árduo, complexo e demorado. Na direção dessa argumentação, aponto novamente o mérito da análise crítica de Francisco de Oliveira referente à noção de “sobretrabalho”. Contudo, diante da investigação do presente estudo e partindo de minhas percepções pessoais quanto aos depoimentos e visitas ao conjunto, ainda considero valiosa a possiblidade de aprendizado e mobilização que essa prática proporciona ao indivíduo que dela se dispõe a participar. Nesse sentido, não se deve tomar como menos importante o potencial pedagógico do mutirão. Tal argumentação, próxima à abordagem de Sérgio Ferro, vai em direção aos depoimentos de mutirantes do COPROMO, os quais apontaram que, em suas vivências tanto pessoais quanto coletivas, muito se aprendeu, tanto no processo de luta quanto na construção efetiva do conjunto. Tal ponto ganha força uma vez que se compreende que a grande maioria de mutirantes participantes do processo de formação da COPROMO não tinha experiências prévias com formas associativas de organização Ainda sim, buscaram referências organizativas tanto nacionais quanto internacionais, traçaram uma estrutura interna elaborada a partir da formação de uma diretoria mobilizada, orquestraram a viagem de representantes para conferências nacionais e para reuniões orçamentárias em Brasília, e buscaram garantir que o mutirante estivesse a par do que ocorria em canteiro de obras – pelo menos em um momento inicial – com o auxílio do treinamento
oferecido pela assessoria Usina Ctah. Dessa forma, sou levada a crer que o saldo positivo da experiência do mutirão autogestionário da COPROMO consistiu em proporcionar ao mutirante a possibilidade de organização autogerida, principalmente quando foram oferecidas as ferramentas necessárias para a instrumentalização do movimento. Dessa maneira, a partir da atuação conjunta de parceiros políticos e de uma assessoria técnica que respeitou a autonomia do movimento, tornou-se possível reconhecer a voz ativa da Associação na tomada de decisões. Contudo, enquanto análise crítica da mão de obra mutirante na construção civil, acredito que sua configuração não só representa grandes sacrifícios pessoais para esses cidadãos, como também acarreta processos longos, árduos e desgastantes. Em síntese, tomando o caso específico da Associação Pró Moradia de Osasco e como ponto central a capacidade de instrumentalização e a consequente autonomia do movimento, torna-se possível compreender que o objetivo máximo de tal articulação – a construção de mil unidades habitacionais, diante de um cenário político e econômico adverso – foi atingido. Esse processo e suas conquistas, para mim, se configuram como o maior mérito dessa experiência.
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ANEXOS
Tabela I: Empreendimento COPROMO – Estratificação de profissionais com experiência na construção civil ou em atividades de apoio ao canteiro de obras
Profissão
Titulares
Cônjuge
Total
% em relação ao total de famílias
Pedreiro
44
7
51
5.10%
Marceneiro
0
1
1
0.10%
Carpinteiro
6
0
6
0.60%
Pintor
3
0
3
0.30%
Armador
9
0
9
0.90%
Serralheiro
1
0
1
0.10%
Eletricista
3
0
3
0.30%
Apontador
0
0
0
0.00%
Almoxarife
0
0
0
0.00%
Encanador
2
0
2
0.20%
Vidraceiro
0
0
0
0.00%
Topógrafo
0
0
0
0.00%
Mestre-de-obras
0
0
0
0.00%
Jardineiro
0
0
0
0.00%
Servente de Pedreiro
5
1
6
0.60%
Contador
0
0
0
0.00%
Comprador
0
0
0
0.00%
Cozinheiro
22
0
22
2.20%
Enfermeira
3
0
3
0.30%
Professora
6
0
6
0.60%
Outras funções
109
11
120
10.20%
233
23.30%
Total
Nomes
Ocupação
Data da entrevista
Vladimir Benincasa
Arquiteto participante da assessoria técnica Usina Ctah
12/03/2019
João Marcos de Almeida Lopes
Arquiteto participante da assessoria técnica Usina Ctah
15/04/2019
Wagner Germano
Arquiteto participante da assessoria técnica Usina Ctah
26/04/2019
Manoel Alves do Nascimento “Neto”
Morador e mutirante do conjunto COPROMO
04/05/2019
Francisco Antônio Moreira Rocha “Chico”
Morador, mutirante e ex presidente da Associação Pró Moradia de Osasco (COPROMO)
15/08/2019
Tabela II: Entrevistados
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Roteiro de entrevistas com arquitetos da Usina Ctah
6.A Associação Pró Moradia ainda existe? 7.Como se davam as relações do movimento com o prefeito de Osasco
1. Quanto tempo ficou na USINA? 2.Qual era a relação institucional da Usina com a Copromo? 3.Participou da concepção dos projetos arquitetônicos? Quem participava dessas decisões? 4.Pensou-se em tipologias diferentes dos projetos? 5.Como era a dinâmica no canteiro de obras? 6.Como foi o seu contato com os moradores/movimentos sociais/setor público? 7.A liderança da Copromo tinha voz ativa nas decisões principais? 8.Como se chegou à alternativa do mutirão/autoconstrução? Foi escolha do movimento ou resultado das circunstâncias? 9.Entre a equipe técnica discutia-se as ideias dos idealizadores da “Arquitetura Nova”? Algum arquiteto em especial foi mais influente? 10.Você mantém contato com os arquitetos do USINA, figura pública e/ou morador que participou do processo?
e demais figuras políticas da época?
Roteiro de entrevista com Manoel Alves do Nascimento (morador e mutirante da COPROMO)
Roteiro de entrevista com Francisco Antônio Moreira Rocha (morador, mutirante e ex-presidente da Associação Pró Moradia de Osasco) 1. Qual era o papel que você desempenhava à frente da presidência da Associação? 2.Por quanto tempo você esteve à frente da presidência? 3.Como era a dinâmica do canteiro de obras? 4.Qual a porcentagem de mão de obra era composta unicamente por mutirantes? E a porcentagem de mão de obra especializada? 5.Como era a relação com a Usina Ctah? A troca de assessoria se deu por qual motivo? 6.Qual era a relação estabelecida com a nova associação (Teto)? 7.Você, ao comparar a COPROMO com outros mutirões, chega em quais conclusões? 8.Como se dava a relação com a CDHU?
1. Esteve presente desde o começo do processo de construção? 2.Quando foram finalizadas as obras? 3.Como era a dinâmica do canteiro de obras? 4.Qual é o seu sentimento frente à realização do conjunto? 5.Como funcionava a organização interna da Associação?
105
Fonte: acervo pessoal da autora