o que está fechado tem de ser desobstruído para a passagem, nesse caso, do cordão “Rosa de Ouro”. De igual forma, os versos “Eu sou da Lira/ Não posso negar” expressam uma afirmação de identidade, muitas vezes, inscrita nos sambas-enredos. Lira, como sabemos, é um instrumento musical que surgiu em tempos imemoriais e foi utilizado especialmente na Antiguidade. No sentido figurado, esse substantivo significa inspiração poética. A confirmação de ser da Lira (destaquemos que o substantivo comum é grafado em maiúsculas, intencionalmente, dado o seu valor) define o pertencimento do sujeito que canta, a identidade que ele tem com aquele instrumento musical de longas eras e com o gênio da inspiração. Recordemos que o poeta Orfeu, uma das personalidades da mitologia, comumente homenageadas no carnaval, tocava a sua lira e, pela música, dela produzida, foi capaz de realizar vários feitos heroicos e acalmar os corações mais violentos. Portanto, há de se reconhecer a riqueza sugerida nessa única palavra – Lira – que reúne elementos do passado, da tradição clássica, e daquela ocasião presente, o Carnaval de 1899. Os versos “Rosa de Ouro/É que vai ganhar” antecipam também todo o orgulho, toda a autoestima, todo o pensamento positivo que os compositores, carnavalescos e foliões têm sobre o desempenho de suas escolas nos desfiles. É uma maneira de acentuar a força coletiva da comunidade. Se o sujeito que enuncia é o da Lira, o seu cordão, o seu conjunto que canta, dança e desfila é que haverá de ser reconhecido, de ser o consagrado.
1.3.8 – TIA CIATA Nos estudos sobre o desenvolvimento do Carnaval no Brasil, é essencial considerar o imprescindível papel desempenhado pelas famosas tias baianas que exerciam várias funções; quituteiras, mães de santo, rezadeiras, sambistas. Dentre aquelas que fizeram parte da história inicial do Carnaval, destaca-se, de forma inequívoca, a personalidade de Hilária Batista de Almeida – a Tia Ciata, que tivera vários outros codinomes: Siata, Asseata, Assiata, Aceata e Aciata. Segundo Muniz Sodré, Tia Ciata era casada com o médico negro João Batista da Silva (para outros teóricos, ele não havia concluído o curso de Medicina) que se tornara chefe de gabinete do chefe de polícia no governo Wenceslau Brás – informação relevante neste estudo por sugerir possíveis formas de interação dos sambistas com o sistema 52