01- INTRODUÇÃO Esta monografia, em formato de dossiê, busca mobilizar a discussão sobre as áreas centrais, tendo como estudo de caso a sétima etapa do Programa de Recuperação do Centro Histórico de Salvador (PRCHS). O recorte de análise propõe lançar luz aos processos de intervenção urbana, habitação social e fragilidades que recaem sobre os movimentos populares destas áreas, os quais se interseccionam no campo patrimonial, dotado de disputas. Assim, parte-se da tese de que os agentes envolvidos nesta vasta trama utilizam-se do patrimônio, à sua maneira, para defender seus interesses. Enquanto o Estado, no início do PRCHS, materializava os binômios turismo e patrimônio, por meio da lógica do planejamento urbano estratégico de caráter empresarial, os movimentos populares de moradia lutavam para garantir sua permanência no território, com o qual possuem laços afetivos, redes de sociabilidade, de trabalho e de memória que justamente se projetam enquanto parte constituinte do patrimônio da área. O Estado, portanto, ao fazer uso do patrimônio para promover uma “transformação urbana” e “renovação social”, afasta e até mesmo apaga parte constituinte deste bem. Nesse sentido, a sétima etapa do PRCHS representa uma mudança de postura, apesar de todas suas fragilidades e desafios. Ao não mais adotar a rede de mercado e consumo como protagonista da intervenção, como se viu nas etapas antecessoras, mas sim o direito à centralidade as camadas populares, é vista como certo progresso na luta por habitação social em áreas centrais. Contudo, é importante enfatizar que os interesses que gravitam pelo campo do movimento de moradia, dos movimentos sociais, identitários e culturais, ou pela rede de consumo do mercado segmentado, bem como os consequentes saldos de avanço e retrocesso ao longo deste jogo de disputa, no que tange o direito à centralidade e permanência das classes populares nas áreas centrais, podem se sobrepor e se contradizer mutuamente. Em síntese, o estudo sobre a sétima etapa do PRCHS justifica-se por si só, ao não só evidenciar de forma latente tal rede de disputas, mas também pelo fato de que “(...) pode-se dizer que apenas em Salvador [tratando-se de territórios brasileiros] a habitação social tornou-se o elemento estruturador da reabilitação de um trecho do núcleo histórico, resultado que foi consequência de um forte processo de disputa entre os diferentes atores locais” (Bonduki, 2010, p.319). Assim, em um aspecto geral, com exceção de Salvador, “a questão da habitação social nunca foi, no Brasil, objeto central de projetos de reabilitação de centros históricos. Tradicionalmente, as intervenções têm desconsiderado esse tema, sendo predominante a visão de que o lugar dos pobres é nas periferias e que a recuperação dos núcleos históricos deveria estar voltada prioritariamente para o turismo e as atividades culturais” (ibidem, p. 316-317).
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