A biotecnologia aplicada na cana-de-açúcar - OpAA17

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Visão Estratégica

Opiniões jul-set 08

João Carlos Bespalhok Filho

João Carlos Bespalhok

Coordenador de Biotecnologia da Ridesa Quando teremos uma variedade transgênica de cana-de-açúcar? Uma das perguntas que mais ouço das pessoas do setor sucroalcooleiro é sobre quando teremos uma cana transgênica, disponível para ser plantada. Gostaria de falar sobre o porquê esse lançamento tem demorado tanto e quais expectativas podemos ter com uma variedade de cana-deaçúcar transgênica. Na minha avaliação, um dos principais motivos para que ainda não haja variedades de cana transgênicas sendo plantadas foi o pouco interesse demonstrado pelas multinacionais de biotecnologia por essa cultura, até há pouco tempo atrás. Essas multinacionais tinham priorizado trabalhar com commodities como soja, milho e algodão. Isso tem mudado de um tempo para cá, principalmente depois que os Estados Unidos introduziram o etanol em sua matriz energética. Como exemplo, podemos citar o fato da Monsanto e da CanaVialis terem anunciado, recentemente, uma parceria na qual a Monsanto cedeu vários genes para que a CanaVialis introduzisse e testasse em cana. Outro exemplo é o fato da Syngenta ter criado um grupo que trabalha exclusivamente com biotecnologia de cana na Austrália. Outra dificuldade é técnica. Existem dois modos de se fazer um transgênico: através do uso da bactéria Agrobacterium tumefaciens ou através da biobalística. O mais indicado seria utilizar o Agrobacterium, porque, nesse caso, o número de inserções do transgene no genoma é menor e mais limpo, o que facilita o trabalho de desregulamentação da planta transgênica, que iremos comentar a seguir. Entretanto, no caso da cana, os protocolos para transformação por Agrobacterium ainda não são eficientes e precisam ser melhorados. Outro problema está no fato da cana ser uma espécie de propagação vegetativa. Isto é uma dificuldade, pois não podemos fazer retrocruzamento, como é o caso da soja ou do próprio milho. Por isso, teremos que transformar geneticamente cada variedade de cana, que quisermos introduzir um transgene. Esse fato significa que cada variedade vai ter que passar por todo o longo e caro processo de desregulamentação, o que vai levar um grande tempo. Além disso, para se obter transgênicos de diferentes variedades de cana, teremos que desen-

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volver protocolos de cultura de tecidos específicos para cada variedade. No Brasil, um grande empecilho tem sido a área de desregulamentação. O órgão responsável pela desregulamentação de transgênicos no Brasil é a CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Por muito tempo, ele não analisou nenhum processo que envolvia organismos geneticamente modificados (ou transgênicos), o que atrasou o teste e a comercialização de vários OGMs. Atualmente, a CTNBio tem tentado agilizar a análise dos processos, mas ainda tem sido muito demorado para se conseguir uma permissão para testes de plantas transgênicas a campo. Não podemos esquecer que somos o maior exportador de açúcar do mundo e que devemos estar atentos à vontade dos consumidores. Apesar de não haver diferença entre o açúcar obtido de plantas transgênicas e convencionais, alguns consumidores, principalmente na Europa, são contra a utilização de plantas transgênicas de qualquer espécie. Poderemos observar a reação do mercado consumidor ao açúcar transgênico, já que a beterraba transgênica está sendo cultivada em escala comercial, a partir desse ano, nos EUA. Vejamos os pontos positivos. A transgenia possibilita a introdução de genes que não estão no germoplasma da espécie, neste caso, da cana. Podemos esperar, em um primeiro momento, variedades com resistência a herbicidas, resistência a insetos (principalmente broca da cana), resistência a doenças (destaque para viroses, como o mosaico da cana e o vírus do amarelecimento), maior teor de sacarose, menor florescimento e maior resistência/tolerância a estresses ambientais (seca, frio ou salinidade). Num momento posterior, vamos poder ver transgênicos de cana como biofábricas, produzindo plásticos biodegradáveis ou moléculas farmacêuticas. A Ridesa, uma rede formada por

nove Universidades Federais, que é responsável pelo desenvolvimento das variedades RB, também tem investido nessa área. Em uma parceria entre o Instituto Agronômico do Paraná - IAPAR e a UFPR foram obtidas plantas de cana da variedade RB855156, com um transgene que aumenta o acúmulo do aminoácido prolina. Essas plantas transgênicas mostraram-se mais resistentes ao estresse hídrico, sob condições de casa de vegetação. Estamos enviando um processo para a CTNBio, a fim de conseguir permissão para testar esse material no campo. Finalmente, o desenvolvimento de variedades transgênicas de cana não pode ficar desvinculado do melhoramento de plantas. Se fizermos uma comparação simplificada, a característica transgênica é como um acessório de um automóvel e a variedade de cana o carro em que vamos colocar esse acessório. Se tivermos um bom carro (variedade), o acessório (transgene) vai valorizá-lo ainda mais. Por isso, a característica transgênica inserida deve vir embutida em uma variedade muito produtiva, adaptada aos ambientes de produção do Brasil e com resistência às doenças que atacam a cultura. Por todas as dificuldades que discutimos nesse artigo, fica claro que ainda temos um longo caminho a percorrer até o lançamento comercial de cana transgênica no Brasil. Hoje, qualquer sugestão de data para esse lançamento parece-me mera futurologia.


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