Limites da Correria - Mainline

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Redução de Danos e Raça — descolonizando autonomias A Redução de Danos completa 30 anos no Brasil, e essa estratégia de cuidado que surge no contexto da disseminação do vírus da aids no país, diretamente ligado ao consumo de drogas injetáveis especialmente no sudeste brasileiro. Sendo assim, é fundamental refletir em que contextos sociais e políticos a redução de danos precisou ser difundida como uma estratégia não apenas de cuidado, mas de sobrevivência diante das invisibilidades das questões de raça e gênero nessa discussão. A disseminação da aids no Brasil se conecta com um contexto global de ampliação de sistemas neoliberais, especialmente nos continentes empobrecidos com as guerras e processos escravizadores; 95% das novas infecções por HIV estão localizadas no Oriente Médio e Norte da África. A realidade de nossa região também assusta, a América Latina representa 65% das novas infecções por HIV, de acordo com dados da UNAIDS. Essa realidade denuncia a criação de uma epidemia globalizada organizada pelo sistema neoliberal e racista, concentrando a contaminação entre os grupos tornados vulneráveis pela opressões estruturantes de raça, gênero e classe. Essa realidade é fruto da globalização do HIV e dos sistemas de opressão. Apesar da Redução de Danos enquanto estratégia de cuidado ter registros de nascimento na europa na década de 80, o fato é que os fundamentos dessa estratégia são registrados antes disso, com o processo de colonização da região de África e disseminação de doenças que são fruto da

exploração capitalista. A redução de danos se conceitua do encontro de pares, quando usuários de drogas na década de 80 em Amsterdã começaram a morrer pela contaminação do compartilhamento de seringas no uso de substâncias injetáveis. O uso dessas drogas chega ao Brasil ainda na década de 80, na mesma época são as populações LGBTs, profissionais do sexo, moradores de rua, que são alvo da contaminação, grupos sociais com trajetórias de negação de direitos e cidadania. Dentre os grupos citados, as mulheres negras estão no topo da mortalidade por HIV, representando três vezes mais mortes que as mulheres brancas. O risco de uma pessoa negra contaminada pelo HIV morrer é 2,4 vezes maior do que o de uma pessoa branca. Além das estatística de que mulheres brancas têm mais acesso e adesão ao tratamento do que as mulheres negras. Essa realidade é velada pelo racismo institucional, que dificulta o acesso ao tratamento do HIV e às políticas de prevenção e cuidado promovidas pelos serviços de saúde a esses grupos. O fato é que começar a se cuidar e reduzir os danos das exposições sociais causadas pela falta de prevenção com os grupos vulnerabilizadas não era uma opção, mas uma estratégia para sobreviver aos apagamentos físicos e sociais vivenciados diariamente por esses grupos. Os atuais modelos de políticas institucionais de controle, proibição e punição reproduzem uma lógica que se retroalimenta por macro e microfascismos, e pela necropolítica.

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