Enfoque São Leopoldo Especial Economia Solidária

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Rede Solidária mobiliza ocupações e distribui alimentos

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Nova Secretária de Habitação fala de sua trajetória

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Ensaios fotográficos mostram mobilização e bastidores

Economia solidária gera união, trabalho e renda nas ocupações

ESPECIAL ECONOMIA SOLIDÁRIA
LEOPOLDO SÃO LEOPOLDO / RS JUNHO DE 2023
ENFOQUE SÃO
MICHELE ALVES
Páginas 10 e 11

Partilhando experiências

Nesta edição do jornal Enfoque, os alunos da disciplina de Jornalismo Comunitário e Cidadão da Unisinos entrevistaram as lideranças de várias ocupações que têm projetos ou estão desenvolvendo programas de economia solidária, pois além da luta pela moradia, buscam gerar trabalho e renda para os moradores. A visita foi na comunidade Steigleder onde estava ocorrendo uma reunião da Rede Solidária e do Movimento Nacional de Luta Pela Moradia (MNLM). Neste encontro, além de tratarem da distribuição de dezenas de cestas básicas, foi organizada a Jornada Nacional de Luta por Moradia Digna e Contra o Despejo. Os jornalistas em formação realizaram a cobertura dos dois eventos.

QUEM FAZ O JORNAL

O Enfoque São Leopoldo é um jornal-laboratório dirigido aos moradores das ocupações localizadas em São Leopoldo, no Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campus São Leopoldo).

Recepcionados de forma acolhedora - com direito a cafezinho – por líderes comunitários como João, da Ocupação Vila Verde, e Michele, da Padre Orestes, os alunos encontraram um ambiente colaborativo, onde impera a prática do dito popular “quem tem mais ajuda quem tem menos”. A montagem e a organização da distribuição das cestas básicas, que incluíam leite longa vida, feijão, arroz, ovos, pães e itens de hortifrúti – este último produzido na Ocupação Justo – foi pauta de reportagem. Nesse momento, os futuros jornalistas foram acolhidos por pessoas que queriam compartilhar uma parte das suas histórias, entrelaçadas pelo objetivo de manter acesa uma chama de esperança de viver com dignidade.

| REDAÇÃO | REPORTAGENS E IMAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário e Cidadão. Orientação: Sabrina Franzoni (franzoni@unisinos.br). Repórteres: Amanda Wolff, Ana Paula de Oliveira, Arthur Mombach Schneider, Karolina Bley, Nathalia Jung e Torriê Aliê. Colaboração: Lucas Kominkiewicz e Michele Alves (fotografia). Monitoria: José Guilherme Hameyer.

| ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS.

É importante salientar o trabalho desempenhado pelos alunos da disciplina Profissão Jornalista neste Enfoque. Convidados a participar da saída de campo, acompanharam a cobertura das pautas estabelecidas, dialogaram com os moradores presentes e, posteriormente, cobriram in loco o ato do MNLM realizado na capital. Nosso agradecimento aos colegas: Anelize Mattos, Bernardo de Almeida, Gabriela Frohlich, João Pinheiro, Laura Driemeier, Lia Kirch, Lucas Goularte e Taiana Souza Luiz da Silva. Acompanhando a proposta do jornal Enfoque, esperamos proporcionar aos leitores uma visão humanizada de uma realidade posta à margem da ordem social estabelecida. n

LUCAS KOMINKIEWICZ

Universidade do Vale do Rio dos Sinos –Unisinos. Campus de São Leopoldo (RS): Av. Unisinos, 950, Cristo Rei (CEP 93022 750).

Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@ unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-reitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Micael Vier Behs.

2. Editorial ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023
enfoquesaoleopoldo@gmail.com
JOSÉ GUILHERME HAMEYER

Pautas sociais: muito além da luta por moradia

com o debate de acesso à renda.”

OMovimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) tem como foco principal - assim como está em seu nome - buscar e garantir o direito à moradia para todos os brasileiros. Mas, após ter acesso a um lar, qual o próximo passo para uma pessoa viver com dignidade?

“O debate em busca do direito à moradia precisa andar junto com o debate de acesso à renda”. É o que coloca Cristiano Schumacher, de 48 anos, que atualmente integra a direção nacional do MNLM. O ativista era apenas um dos diversos representantes do Movimento e de lideranças de ocupações presentes na Ocupação Steigleder, no dia 13 de maio de 2023, para reunião quinzenal de debates sobre a organização e para a definição da distribuição de cestas básicas.

Enquanto Cristiano falava sobre sua trajetória de quase 30 anos em movimentos sociais, integrantes da Ocupação Justo chegavam ao galpão da Steigleder com verduras colhidas de sua própria horta comunitária. Os alfaces e temperinhos verdes recém colhidos integraram as 100 cestas de alimentos enfileiradas em duas mesas do local.

Ovos, pães, sabões e verduras eram apenas alguns dos produtos produzidos e coletados pelos projetos de economia solidária das ocupações, que faziam parte das cestas daquele dia. Como explica o líder da Steigleder e integrante da diretoria municipal do MNLM, Aldair José da Silva, de 50 anos, as cestas são provenientes de doações recebidas pelas redes sociais da Rede Solidária São Léo, vinculada à Unisinos. Quando há saldo suficiente, a Rede informa as lideranças das ocupações de que o valor será repassado para a elaboração das cestas de alimentos.

“Dessa vez foram R$ 3 mil. Usamos todo esse dinheiro transformando ele em sacolas econômicas. Algumas são compradas já prontas e outras gostamos nós mesmos de montar com produtos de ocupações e do pessoal da agricultura familiar” ressalta Aldair.

Para além da luta pela moradia, o foco das lideranças também é a busca pela dignidade dos moradores de ocupações. “O direito à moradia é o primeiro direito que pode abrir portas para outros. Sem esse direito, a pessoa não se organiza em um território, não acessa a saúde, a educação, não consegue se desenvolver e planejar seu futuro. A moradia é a porta de entrada para outros direitos” aponta Cristiano Schumacher. O militante ainda segue: “outro desafio que temos é de buscar segurança alimentar e alternativas de geração de trabalho e renda, esse é o grande desafio da discussão em torno da reforma urbana. O debate em busca do direito à moradia precisa andar junto

Lideranças

A solidariedade de todos os moradores das ocupações levam a garantia de, ao menos, cinco a sete dias de comida no prato dos mais necessitados. Tanto na aquisição de produtos, quanto na montagem das cestas básicas, todos estão ali com o propósito de lutar diariamente por respeito e pelo bem do próximo. Schumacher aponta que “uma cesta tem, em média, o valor de 60 reais, que é pouco, mas que garante o essencial para uma família se garantir por pelo menos uma semana”. Quanto mais recente uma ocupação, mais precária pode ser a situação dela, visto que os moradores ainda não se firmaram no território. As pessoas mais necessitadas, que receberão as cestas, são definidas pelas próprias lideranças de cada ocupação, que convivem e conhecem os que mais precisam.

E para além da busca pela segurança alimentar, o Movimento, juntamente à Rede Solidária, busca gerar renda para os pequenos produtores. “As cozinhas comunitárias sempre têm dois viés: um é garantir alimentação para a comunidade e outro é servir de alguma forma como instrumento de geração de trabalho e renda para as pessoas que se envolvem com as cozinhas e projetos em torno delas”, conta Schumacher.

Os envolvidos nas montagens das cestas de alimentos conseguem comprar quase todos os produtos da agricultura familiar. “Leite, feijão e arroz orgânico do Movimento Sem Terra (MST), molho de tomate feito por cooperativa, verduras dos agricultores da Lomba Grande. Esta é a ideia da Rede Solidária, ela vai apoiando iniciativas”, comemora Cristiano.

Após a organização das cestas ser finalizada, as lideranças de diferentes ocupações reuniram-se para debater as demandas e os próximos passos de suas lutas. Ficou definido que os moradores iriam participar da Jornada Nacional de Luta por Moradia Digna e Contra os Despejos em frente ao Tribunal de Justiça, Piratini e Caixa Econômica Federal em Porto Alegre, no dia 16 de maio, para cobrar das autoridades competentes o direito à moradia, mas também o despejo zero e aumento dos recursos do Minha Casa Minha Vida. E assim foi feito, em mais um dia de luta na busca por direitos básicos e essenciais a todo cidadão e cidadã. n

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023 Economia solidária .3
Ocupações leopoldenses são exemplo de solidariedade na elaboração e distribuição de cestas de alimentos
KAROLINA BLEY
LUCAS KOMINKIEWICZ
“A moradia é a porta de entrada para outros direitos”
Cristiano Schumacher Diretor nacional do MNLM
Aldair José da Silva: "Nós dividimos as cestas entre as ocupações presentes, repassando mais para quem necessita" Cristiano Schumacher: "Alternativas de geração de trabalho e renda é o grande desafio do debate da reforma urbana" das ocupações de São Leopoldo se reúnem quinzenalmente com a Rede Solidária e com o MNLM MICHELE ALVES MICHELE ALVES LUCAS KOMINKIEWICZ LUCAS KOMINKIEWICZ LUCAS KOMINKIEWICZ

4. Cootrahab

Comunidade Cootrahab: luta, força e generosidade

Moradores comemoram a conquista do galpão, espaço que serve para desenvolver cada vez mais suas atividades

Os olhos brilhando, vontade de contar suas histórias e seus sonhos, são algumas das memórias que eu tenho do encontro rápido, mas farto em assuntos compartilhados, com algumas das lideranças da Comunidade Cootrahab – Cooperativa de Trabalho, Habitação e Consumo Construindo Cidadania, localizada na Vila Brás, em São Leopoldo.

Durante o encontro entre várias comunidades e suas lideranças realizado no sábado, 13 de maio, na ocupação Steigleder, pude conhecer um pouco da história da Cootra-hab, que tem apenas 9 anos de existência, e conta com 222 casas e 550 moradores, segundo as líderes: Simone da Rosa, Sandra Regina Machado Fontes e Elizabeth Lombardi da Silva, três mulheres que por onde passam buscam enfatizar a importância da ocupação, seus valores e tudo o que almejam para cada vez mais melhorar a vida de quem vive por lá.

A história da Cootrahab é caracterizada por muita luta,

A conquista do galpão permite a realização de eventos, oficinas e firmar parcerias com o poder público. Sandra, Elizabeth e Simone compartilham o sonho de gerar renda na comunidade

principalmente pelo período em que demorou para conseguir o terreno no qual a ocupação está instalada, foram 6 anos para que houvesse a conquista do tão esperado espaço, que além de abrigar casas, também acolhe desejos e a vontade de fazer a diferença na vida das pessoas.

Ocupação Mauá

Solidariedade e trabalho geram renda

A conquista do galpão e a luta pela moradia são as ações motivadoras das lideranças que coordenam a comunidade Mauá, Shauane Bianca Antunes de Sá e Vanusa Patrícia Antunes de Sá. Mulheres que são exemplo de trabalho e solidariedade na Ocupação.

Dentre as iniciativas realizadas na ocupação Mauá, vale destacar as obras de construção do galpão comunitário.

Este espaço irá permitir a realização de diversas atividades, sejam educacionais, recreativas e, até mesmo, de geração de trabalho e renda para os moradores. Recentemente, por intermédio de uma articulação da Rede Solidária São Léo com a ONG Cidadania e Moradia foi possível viabilizar o valor para as obras do galpão, que assim que estiver finalizado será palco para desenvolver ainda mais a ocupação

“Eu amo morar na comunidade, me sinto realizada estando aqui e depois que consegui meu espaço, isso me fez querer ajudar cada vez mais as pessoas, porque eu também fui ajudada, por isso quero sempre ajudar a conquistarem seus sonhos.” Enfatiza Sandra Regina. Uma das principais metas dos moradores da comunidade era a conquista de um galpão para que pudessem realizar almoços comunitários, brechós, oficinas de corte e costura, entre outras atividades, visando o desenvolvimento do seu espaço. Recentemente, há um ano, a parte mais importante

foi obtida: a estrutura. O lugar para habitar todas essas oficinas foi conseguido graças a uma doação da prefeitura de São Leopoldo, que concedeu um ambiente localizado no Bairro Santos Dumont, e que hoje recebe doações de roupas e eletrodomésticos, além de ser palco para a produção de sopas que são entregues aos moradores, em dois dias da semana.

Referente a conquista do galpão, ainda falta a parte burocrática, a liberação de papéis importantes para que o local possa funcionar efetivamente. Dessa forma auxiliar a Cootrahab a realizar os planos para se

desenvolver e crescer cada vez mais. Mas o que realmente não falta é a força de vontade e o empenho em ajudar o próximo, isso porque, enquanto o espaço não está em completo funcionamento, as lideranças dessa comunidade estão sempre auxiliando em outras ocupações. As lideranças são parceiras da Rede de Solidariedade Unisinos em tudo o que é necessário, podem contar com essas mulheres de fibra que estão sempre dispostas a fazer a diferença na vida de outras pessoas. “Muito contentes de receber as pessoas no nosso Galpão, de poder auxiliar a nossa comunidade, mas também de poder estar em outros locais e revezar em ajudar.” Destaca, Elizabeth Lombardi da Silva.

A Cootrahab pode ser uma ocupação ainda jovem, mas pela força de vontade de seus moradores pode-se perceber que muitas conquistas virão pela frente, afinal tudo o que foi conquistado foi a partir de muita garra, insistência e persistência, para que hoje possam compartilhar através de seus feitos uma história de passos certeiros que com certeza inspiram muitas pessoas. n

Mauá, na esperança que mais projetos sejam estabelecidos. O novo espaço deve abrigar, também, a cozinha comunitária e servir para o armaze-

namento de alimentos.

A ação da cozinha comunitária tem diminuído os efeitos da insegurança alimentar. Através do pro-

jeto Mais Comida no Prato, implementado em parceria com a prefeitura de São Leopoldo, a cozinha da Mauá tem alimentado 80 pessoas, que recebem uma refeição toda quarta e sexta-feira. Porém, vale lembrar que, antes mesmo do programa municipal ser lançado, em 2022, a cozinha comunitária, criada pelas irmãs Shauane e Vanusa já existia e fornecia refeições aos moradores da comunidade desde 2020, quando a ocupação surgiu. E esse ato de cuidado, em alimentar o próximo está ganhando uma nova etapa com o galpão, um novo espaço para seguir crescendo. n

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023
TORRIÊ ALIÊ NATHALIA JUNG Lideranças recebem exemplares da primeira edição do Enfoque Mauá TORRIÊ ALIÊ MICHELE ALVES
ARQUIVO PESSOAL / DIENIFER ULRICH

Pequenas ocupações lutam para existir no mapa

As ocupações vivem realidades difíceis e muitas vezes precárias. As comunidades Vila Verde e Container são exemplos de comunidades pequenas e com poucas oportunidades de melhora na qualidade de vida de seus moradores. Localizadas em São Leopoldo, as duas ocupações são compostas por 60 e 30 famílias, respectivamente, pessoas que vivem à margem da sociedade e que não têm seus direitos como cidadãos garantidos.

Maicon Silva dos Santos, de 30 anos, faz parte da liderança na ocupação Container. Com o apoio do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), ele e mais três representantes buscam melhorias para a pequena comunidade. Uma das principais reivindicações deles, é que os moradores possam transitar com dignidade por uma rua com calçamento e a construção de uma rede de esgoto que seja capaz de atender às necessidades das 30 famílias que residem lá.

Além disso, a comunidade já recebeu ordens de despejo desde seu início em 2019, Maicon relata que, "se não fosse eles (MNLM), a gente estaria na rua, eles impediram também dois desligamentos de postes". Segundo ele, contar com a participação do Movimento Nacional de Luta pela Moradia é fundamental para saber como agir para o bem da comunidade e exigir seus direitos junto ao poder público.

A Ocupação Vila Verde é liderada por uma dupla, João Alair Passos, de 47 anos, e Jeremias Pinto Rodrigues, de 29, filiados ao MNLM e moradores desde 2016 e 2021, respectivamente. Motivados pela falta de uma liderança local que organizasse os moradores, eles decidiram, através de um conselho que receberam, assumir a tarefa à frente da ocupação, para que o local que existe desde 2004, sem lideranças, pudesse enfim se inserir na vida em sociedade.

A comunidade foi criada no terreno de uma antiga olaria, devido à atividade que é realizada neste tipo de estabelecimento, com a retirada da matéria prima de tijolos, há uma espécie de cratera nos fundos da Vila Verde. Este local, que é o destino de todos os dejetos da ocupação, tornou-se um esgoto a céu aberto, situação que reforça a necessidade de assistência em saneamento básico, são 60 famílias que estão expostas ao mau cheiro e ao risco de infecção.

João e Jeremias reivindicam a legalização da ocupação. Uma das queixas

das lideranças é que os que moram na Vila Verde não possuem endereço, “a gente quer existir, não conseguimos abrir uma conta no banco, porque não temos comprovante de residência”, relata João. Jeremias também é atingido por esse problema, “na escola das minhas filhas tive que dar o endereço da minha mãe, mas ela mora a 15 quadras de distância”, relata.

A Ocupação Container e a Vila Verde não possuem iniciativas de empreendedorismo social, apenas moradores que trabalham com a produção de alguns alimentos e artesanatos para complementar sua própria renda. Criar uma fonte de renda para a comunidade pode ser um fator relevante para adquirir algumas melhorias de qualidade de vida, mas em áreas pequenas ou nas quais os moradores conseguem apenas pensar em como vão comer no jantar, é essencial que haja intervenção do poder público promovendo acesso aos projetos sociais.

A IMPORTÂNCIA DAS LIDERANÇAS

Cristiano Schumacher, que faz parte da direção nacional do MNLM representando o Rio Grande do Sul, foi quem aconselhou João e Jeremias a se tornarem lideranças na Ocupação Vila Verde. Ele alertou a liderança da comunidade do risco que estavam correndo de perderem suas moradias, ele acredita que quando uma comunidade não possui representantes engajados, todos os moradores podem ser obrigados a desocupar o local. Cristiano conta como trabalha para que as ocupações se aproximem do Movimento e a força que os membros de uma comunidade têm para influenciar as outras, “a Container veio pro Movimento porque conhecia os meninos aqui da Steigleder e viram resultado e descobriram que tinha uma ordem de despejo contra eles”, relata o ativista que luta por direitos desde os anos 90.

É de extrema importância que comunidades independentes e a sociedade em geral conheçam o propósito de movimentos como o MNLM e de Redes de Solidariedade, pois é através de iniciativas de organização que milhares de famílias em todo o Brasil vislumbram a possibilidade de viver com o mínimo de dignidade e com comida na mesa. Além disso, quando há uma liderança na ocupação, os moradores daquele local passam a compreender seus direitos e a saber exigir que sejam cumpridos. n

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023 Vila Verde e Container .5
ANA
MICHELE
LUCAS
Vila Verde e Container relatam a dificuldade de serem reconhecidas na sociedade
PAULA DE OLIVEIRA
ALVES
KOMINKIEWICZ
Maicon, atualmente, é liderança da Container com mais três pessoas Jeremias e João lideram para garantir direitos contra a exclusão social Cristiano atuou na Habitação estadual e na Segurança Alimentar de Santa Maria
“Não conseguimos abrir uma conta no banco, porque não temos comprovante de residência”
MICHELE
MICHELE
LUCAS KOMINKIEWICZ
João Alair Passos Liderança na Vila Verde
ALVES
ALVES

Economia solidária se destaca

Projetos da horta, bolachas e sabão, geram renda e comida para a comunidade

AOcupação Justo, localizada perto da Vila Tereza, na Cohab Duque, é uma das comunidades da cidade de São Leopoldo que tem ganhado destaque em seus projetos sociais. Os que são voltados à economia solidária também têm uma grande importância dentro da ocupação, sendo três: a Horta do Encontro, a produção de bolachas e a criação de sabão, por meio de mulheres que vivem na ocupação e participam da cooperativa Mundo+Limpo.

A Horta do Encontro é um espaço que fica dentro da área da Tenda do Encontro, ela foi criada no ano de 2020, durante a pandemia de Covid-19, com o intuito de acabar com a fome da comunidade, principalmente das crianças e de gerar renda. “Na horta a gente produz alface, couve, tempero, abóboras, moranga, aquilo que der para poder contribuir nos almoços que a gente oferece para a ocupação. Uma outra parte dos alimentos a gente vende, para poder ter um retorno para a própria horta e para a comunidade”, comenta a coordenadora da Horta do Encontro, da Cooperativa Mundo+Limpo e Missionária de Cristo Ressuscitado, Carolina Molina.

Os alimentos também são usados na cesta básica que é produzida pelas ocupações de São Leopoldo, por meio da Rede Solidária São Léo, formada por lideranças, apoiadores, extensão Unisinos e o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Na cesta são colocados todos os alimentos que estiverem disponíveis na horta, naquele momento da colheita.

Carolina explica que a horta auxilia a cesta desde o início, pois a Rede Solidária São Léo surgiu junto dela, durante a pandemia. Antes da Rede, já existia um projeto onde vinha fazendo um mapeamento das ocupações em parceria com as Missionárias, a Unisinos e o Movimento de Luta pela Moradia.

Além das hortaliças, a ocupação Justo fornece bolachas para a cesta básica. Essas são

produzidas por um projeto de mulheres que se reúnem para fazer os biscoitos, dentro da Tenda do Encontro. O empreendimento social surgiu em 2020, durante a pandemia e tem o objetivo de gerar renda para as mulheres chefes de família que vivem na ocupação. O projeto ainda não possui um nome definido, pois inicialmente elas produziam massa e agora que começaram a fazer bolachas, pelo motivo de que é mais simples de se fazer e tem uma saída melhor em comparação com a massa.

A cooperativa Mundo+Limpo, surgiu no ano de 2007, tendo 15 anos de existência. Nela se produzem sabão ecológico, velas aromáticas e produtos de limpeza, feitos por mulheres que vivem na ocupação Justo. Os produtos são feitos com óleo de cozinha que elas arrecadam em estabelecimentos domiciliares e empresariais. A cooperativa possui uma sede própria localizada ao lado do Santuário Padre Reus. Os sabões produzidos pela cooperativa também fazem parte da cesta básica fornecida pela Rede Solidária São Léo. Ela foi criada com a finalidade de gerar renda para mulheres chefes de família, ser um espaço de empoderamento e protagonismo feminino e cuidar do meio ambiente.

A cooperativa se caracteriza por seguir os princípios da economia solidária e um deles é de que não existe um chefe que dá as ordens. “A cooperativa Mundo+Limpo segue os passos da economia solidária, nela todos possuem voz e voto, não tem alguém que mande no outro, todos têm a sua importância, as questões são decididas coletivamente e com bom senso”, explica Carol.

Em todos os três projetos da ocupação Justo a maior dificuldade enfrentada é a falta de documentação para regulamentar os espaços físicos. Atualmente a cooperativa já conseguiu resolver essa questão, pois é o projeto mais estruturado e que existe há mais tempo, já tendo sua sede própria. “Todos sofrem com a falta de recursos econômicos, não tem nenhuma legislação que ampare, um empreendimento que surge numa realidade de ocupação,

Carolina Molina mostra alfaces vindas da Ocupação Justo que, junto de outras hortaliças, alimentam a comunidade. Alimentos colhidos e os sabões produzidos pela Mundo+Limpo são utilizados na produção de cestas básicas da Rede Solidária. A Horta do Encontro ajudou a enfrentar a fome durante a pandemia de Covid-19

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO 6. Justo
“Os projetos surgem muito por amor, pela vontade e pela necessidade, com condições precárias e sem ter dinheiro”
Carolina Molina Coordenadora da Horta do Encontro e do Mundo+Limpo

destaca na Ocupação Justo

tu parte da realidade que tu não tem documentação, tu não tem um papel que diga que esse espaço aqui é meu, então tu não tem comprovação nenhuma”, comenta a missionária.

“Os projetos surgem muito por amor, pela vontade e pela necessidade, pois é contra tudo e todos, com condições precárias, sem ter dinheiro. As pessoas precisam se sustentar também, então você precisa dedicar tempo para que o projeto vá para frente”, ressalta.

Como objetivo futuro da comunidade, Carol destaca o reconhecimento dos galpões das ocupações, como a Tenda do Encontro, para que eles sejam utilizados como centro de fortalecimento de vínculo e que tenham, portanto, um apoio remunerado mensal da prefeitura. “O que a gente quer é conseguir fazer de forma legal com que a legislação e as políticas públicas atinjam a realidade e não que a realidade se adeque a elas", explica.

TENDA DO ENCONTRO ACOLHE PROJETOS

A Tenda do Encontro é um galpão, um espaço comunitário onde surgiram dois dos projetos de economia solidária da ocupação Justo, o empreendimento das bolachas e a Horta do Encontro. Ela surgiu em 2013, sendo a continuação de outro projeto, chamado de “Voluntariado em Ação", que era realizado na escola Amadeo Rossi.

“A tenda surgiu como um novo espaço desse projeto anterior. Quando completa 10 anos, já estando amadurecido, a gente se desloca para a Justo, dentro da ocupação, a gente decide junto com os moradores construir esse galpão e começar a fazer algumas atividades que respondam às necessidades da ocupação”, comenta Carolina.

A tenda é coordenada por uma equipe organizada, formada de moradores da comunidade e algumas missionárias, que se denominam como “Os Guardiões”,

sendo adotado o mesmo sistema da economia solidária.

“Eu acredito que o impacto nas crianças é tremendo, porque a gente atende cerca de 70 crianças por semana, dando alimentação, apoio escolar, fazendo oficinas para estimular a criatividade”, ressalta Carol.

Além dos dois projetos, a tenda realiza diversas atividades para a comunidade todos os dias, das 9h às 17h30. Almoços comunitários, oficinas de esporte, de arte, de sustentabilidade, de reforço para a escola, além de um trabalho de acompanhamento nas famílias, fazem parte das ações realizadas pela tenda. Para as atividades escolares eles têm o auxílio da Secretaria Municipal de Educação de São Leopoldo, que disponibiliza monitores para dar aulas para as crianças e adolescentes da ocupação. n

EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023 .7
ARTHUR MOMBACH SCHNEIDER MICHELE ALVES ARQUIVO PESSOAL / CAROLINA MOLINA LUCAS KOMINKIEWICZ MICHELE ALVES LUCAS KOMINKIEWICZ

Sonhos e Sabores: grupo gera trabalho e renda

Na junção da mistura de ingredientes e na força de um coletivo de mulheres da Ocupação Steigleder, no bairro Santos Dumont, em São Leopoldo, foi criado o grupo Sonhos e Sabores. As atividades são desenvolvidas num ambiente de aprendizado e com o objetivo de gerar renda para as famílias da comunidade. As organizadoras atuais do projeto, Janaina Silveira e Dantara Macedo, que moram na Ocupação, identificaram um grande número de mulheres que ficaram desempregadas durante a pandemia de Covid-19.

O programa existe desde de 2020, e auxiliou muitas famílias que durante a pandemia não tinham onde trabalhar e necessitavam de renda para o sustento, principalmente no caso das mulheres que precisavam cuidar dos filhos em casa. Além do projeto ser uma fonte de renda, ele contribuiu na educação e no cuidado com as crianças, que neste período estavam sem aulas. Nesta época as professoras da escola Chico Xavier iam até a ocupação para auxiliar e orientar os pequenos.

Janaina comentou sobre como foi importante esse auxílio no cuidado com as crianças. “Ficamos, primeiramente, apreensivos de como cuidaríamos dos pequenos, mas graças a criação do nosso grupo, conseguimos psicóloga, assistente social e as professoras. Na época, não tínhamos o programa Mais Educa. Hoje trabalhamos com ele e também com a Cozinha Comunitária que nos ajuda e muito”.

De acordo com Dantara, o grupo Sonhos e Sabores, foi e é um serviço muito importante para a Steigleder. "Muitos dos nossos moradores ficaram desempregados, e a maioria deles têm crianças, então aproveita-

mos a função da geração de renda para criar algo onde os filhos poderiam acompanhar os pais e ainda se divertirem”.

A primeira ideia do grupo foi de fabricar pães e, posteriormente, bolos. Meses depois, por volta de agosto de 2020, surgiu a primeira venda, que foi para a Rede Solidária, que possui apoio da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e da Prefeitura de São Leopoldo. Todo o dinheiro que foi recebido na primeira comercialização foi resgatado e utilizado para investir em materiais novos e mais eficientes.

As meninas, orgulhosas, comentam as mudanças positivas que o projeto trouxe para os que vivem na Ocupação, isso porque com o grupo já instaurado era possível fazer reivindicações como os projetos sobre a luz e a água, algo que o local não tinha. Ou seja, em certo ponto, Sonhos e Sabores conseguiu articular várias questões em setores diferentes.

Dantara conta que o preconceito talvez tenha sido a

maior dificuldade que enfrentaram, no início, para manter as vendas. “Muitas pessoas só veem a nossa comunidade como um lugar pobre, assim ocorre com que muitos não queiram comprar o nosso produto. Porque, de repente, devem achar que tudo é mal conduzido, por isso que pra nós é importante a divulgação dentre os nossos compradores”.

Janaina comentou que não imaginava que o grupo cresceria tanto. “Quando começamos na fabricação dos pães, não imaginávamos nem vendê-los, claro que esse era o nosso objetivo. Hoje, fazemos encomendas de bolos e outros doces. O mais emocionante é que não é só para a Rede, mas também para pessoas que descobrem sobre nós e vêm até a ocupação buscar nossos produtos de carro”.

Os pães produzidos também compõe as sacolas montadas para a Rede Solidária, que compram do grupo em torno de 50 unidades. Toda a compra de materiais é feita através do dinheiro que a venda arrecada. A última arrecadação na compra dos produtos foi de R$ 200 e a Rede doou mais R$700. O total foi de R$900, que parece muito, mas Janaína falou que não é bem assim.

“Para quem vê de fora parece que isso é muito, mas temos que

dividir entre todas as meninas e ainda guardar dinheiro para comprar o gás, a farinha, todos os ingredientes e, dependendo da semana, não conseguimos produzir o que queremos e acabamos não conseguindo realizar todos os nossos pedidos”, relatou tristemente Janaina.

No início, eram mais pessoas trabalhando no projeto devido a pandemia, nos dias de hoje são nove no total. O grupo cresceu em questão de vendas devido a divulgação, aquelas das mais simples, uma pessoa falando para outra, e atualmente já possuem uma página no Facebook.

Projeto Sonhos e Sabores produz pães e bolos. Organizado por Janaina e Dantara, ajudou a articular questões como instalação de água e luz para a comunidade

Todas as sextas-feiras o grupo se reúne na sede da Ocupação para a produção das encomendas, aceitas até às quintas-feiras. E para quem deseja provar essas delícias, é bem fácil, a pessoa só precisa ligar para 98452-1820. A retirada acontece no Galpão Comunitário da Ocupação Steigleder sempre às sextas-feiras. Encomendas de mais de 10 pães tem entrega gratuita em São Leopoldo. n

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023 8. Steigleder
Atividade de venda de pães e bolos iniciou na pandemia e vem se fortalecendo como projeto de economia solidária
AMANDA WOLFF MICHELE ALVES
“Muitas pessoas só veem a nossa comunidade como um lugar pobre, assim ocorre com que muitos não queiram comprar o nosso produto”
Dantara Macedo Organizadora do Sonhos e Sabores
MICHELE ALVES
NATHALIA JUNG NATHALIA JUNG

Secretária de Habitação: Karina Camillo

Em mais uma manhã de sábado, prática corriqueira de quem não tem descanso nos finais de semana, a Secretária de Habitação Karina Camillo, recém nomeada para o cargo pelo Prefeito Ary Vanazzi (PT), chega à ocupação Steigleder para participar de uma reunião de lideranças da Rede Solidária. Vestindo uma blusa de vermelho vivo, indicativo de uma personalidade forte, respondeu algumas perguntas para a construção deste perfil, e logo após participar de seu compromisso comunitário.

No lugar das histórias pessoais, as primeiras palavras de Karina foram relatos sobre as lutas comunitárias nas quais está inserida e sobre o extenso trabalho que tem e que terá pela frente na nova função. Iniciou tratando do déficit habitacional no município e da preocupação e cuidado que tem com os mais vulneráveis, aqueles que moram nas áreas de ocupação. A Secretária deixa explícito seu compromisso com as causas sociais e as lutas por direitos coletivos, colocados acima de sua vida particular.

A consciência de classe e a luta pelo direito à moradia são pontos inegociáveis, construídos através de sua trajetória, ao longo de 20 anos, desde que Karina Camillo Rodrigues chegou a São Leopoldo.

Natural de Santo Augusto, interior do Rio Grande do Sul, saiu de sua cidade natal aos 19 anos, em busca de uma vida melhor. "Onde é hoje a Cooperativa Bonfim, a gente construiu uma casinha de 5,40m por 5,40m. Foi muito difícil, porque conviver dentro de uma ocupação não é fácil, a realidade é sempre muito dolorida. Porque à noite, no inverno, é muito frio. Como não existia rede elétrica, no meu caso, não dava para ligar uma geladeira, um aquecedor que funcionasse adequadamente, não tinha luz e nem água”, conta sobre o início da sua vida em São Leopoldo.

A vivência como moradora de uma área de ocupação, a solidariedade entre as mulheres e a indignação diante das dificuldades despertou o desejo de mudar a realidade e motivou sua atuação como liderança.

“Eu comecei a estudar e compreender mais sobre cooperativismo. Aproveitei todas as oportunidades que surgiram.

Fiz um curso sobre cooperativismo e comecei a atuar junto com a comunidade, trabalhando nessa cooperativa e organizando as pessoas para que compreendessem a força que cada uma delas tem”.

A partir das lutas na cooperativa, onde atuou como dirigente, e no movimento social, foi que Karina conheceu o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM). Através da organização, viajou pelo Brasil discutindo a realidade das ocupações, as dificuldades de infraestrutura, a precariedade alimentar e levou essas questões como pautas de reivindicação para cobrar ações do poder público. Formada em Assistência Social, há 3 anos, pela Anhan-

guera, transformou sua luta pela moradia digna em projeto de vida. “Eu me especializei nas questões urbanas. Compreendo hoje a luta contra o retrocesso das políticas que valorizam a especulação imobiliária”, afirma a secretária.

No cargo de Secretária de Habitação, seu trabalho segue comprometido com as garantias sociais, tornando ainda mais importante seu papel de articuladora junto às ocupações. “Minha experiência e articulação ajudam na conversa com os demais secretários sobre os problemas que afetam os moradores, é possível explicar a situação concretamente para os técnicos que trabalham no governo, ir costurando e buscando alternativas”.

Intercalados entre a vida pessoal e a vida pública, alguns eventos contribuíram para torná-la uma mulher ainda mais determinada. É com a irmã mais nova, Andreia Camilo Rodrigues, com quem Karina divide a paixão pelas lutas sociais. Andreia é arquiteta de formação e sua antecessora no cargo de Secretária Municipal de Habitação.

Karina concilia a atividade de ativismo político e de chefe de família, principalmente no

compromisso, como mãe solo, na criação de seus dois filhos, João Eduardo Rodrigues das Chagas, de 10 anos, e Daniel Nicolas Rodrigues dos Santos, de 22. “Meus filhos tiveram a mãe ausente no sentido dessa presença, porque eu sempre me dediquei muito aos outros, mas eu sempre fiz com que meus filhos compreendessem que eu estou fazendo uma luta e que ela é por mim, por eles, por nós e também pelos outros”.

Dona Rute, como ela mesma chama carinhosamente, é a fortaleza em meio a tantos desafios. A mãe enfrenta um câncer há mais de 10 anos, mas segue sendo seu amparo. “Ela é o meu porto seguro. É a minha guerreira, é aquela que me dá apoio todos os dias”, conta Karina.

Uma mulher de múltiplas identidades: assistente social, militante, filha, irmã, mãe, chefe de família, amiga e secretária de habitação. Sua luta é coletiva e agora assume um desafio diferente, no qual sua condição de gênero e de classe são características agregadoras. Para Karina Camilo, é “o desafio de estar num outro espaço de poder e, como mulher, de representar a classe dos vulneráveis, que é de onde eu venho,

que é onde eu vivo, que é com quem me relaciono. de eu poder chegar num espaço como esse e trazer o olhar da vida real e tentar construir aqui, na Secretaria e na Prefeitura, uma visão diferente sobre o tratamento de todas as questões sociais”, afirma.

De acordo com a Secretária, seu principal desafio é poder fazer com que o poder público seja mais humano, entenda que as questões sociais e de necessidade da população ocorrem no próprio território, “que a gente precisa, estando neste tipo de espaço, não ficar somente dentro de uma caixinha, poder transitar e poder compreender essas realidades para poder propor e construir políticas públicas que possam vir a dar retorno para a população”, complementa.

Karina reforça, ainda, que não foge de suas origens, “não vou deixar de ser militante, não vou deixar de estar nesta construção, porque eu tenho consciência que estou aqui de passagem e que eu vou aproveitar desse espaço para ver o que eu posso fazer para colaborar com a melhoria da vida das pessoas que mais precisam”. n

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A nova secretária de São Leopoldo é assistente social e integra a Rede Solidária
e o MNLM NATHALIA JUNG
“Quem mora aqui, não mora aqui porque quer, porque ninguém quer viver no escuro”

Ensaios fotográficos

Por trás da lente

Como fotojornalista do Enfoque e cursando a disciplina de Projeto Experimental em Jornalismo, estive na ocupação Steigleder, umas das diversas comunidades de São Leopoldo. No local, produzi fotografias para diversas pautas, além de cobrir os bastidores da atividade para registro do curso de Jornalismo da Unisinos. É uma oportunidade de retomar o contato com a prática jornalística pé no chão, ir a campo, falar com as pessoas, ir até comunidades, a princípio carentes, e perceber como é a realidade delas, que políticas públicas lhes são acessíveis de fato, o que ainda falta para que sejam realmente vistos como cidadãos pertencentes à comunidade e com direitos a serem garantidos socialmente.

Algo que merece destaque é que os moradores das ocupações querem falar e ver sua história sendo contada. Na Steigleder, nos deparamos com a organização Rede Solidária São Léo, da qual a Unisinos é integrante, iniciativa criada com lideranças e ativistas das comunidades para auxiliar as pessoas em situação de vulnerabilidade social. Também presenciamos a reunião do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), que está permanentemente agindo junto ao poder público como força garantidora de um dos direitos mais básicos do cidadão: o direito a ter um teto sobre a cabeça, um lugar para viver e para onde voltar. Fomos muito bem recebidos. n

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LUCAS KOMINKIEWICZ

Fotojornalista de um grande sonho

Amaneira como a comunidade se organiza é de encher os olhos. A vontade de atender cada um em sua necessidade, assim como, procurar melhorias para o coletivo e a alegria no olhar de cada voluntário e de cada liderança foi perceptível em todas as oportunidades que tive de estar no solo da Ocupação Steigleder.

Como fotojornalista do Enfoque e cursando a disciplina de Projeto Experimental em Jornalismo, posso dizer que é um prazer estar presente para vivenciar momentos de conquistas, reuniões, lutas, práticas de solidariedade na ocupação. Com a objetiva, a máquina fotográfica, foi possível fazer os registros que servirão como material

de apoio para contar a história desse movimento tão importante para as gerações futuras.

Somos sempre muito bem recebidos e acolhidos pela comunidade. Isto nos traz a sensação de pertencer a algo maior, algo que impacta e faz a diferença na vida de centenas de pessoas. Sabemos que ainda há muito a ser feito e alcançado. Todavia, acompanhar o progresso e a garantia de direitos básicos como o da moradia, alimentação, educação, saneamento, entre outros, que já estão em marcha, mantém a chama da esperança acesa. “Acreditar, reunir, planejar, organizar e executar, tem feito toda a diferença!” n

ENFOQUE SÃO LEOPOLDO | EDIÇÃO ESPECIAL | JUNHO DE 2023 .11
MICHELE ALVES

Ocupações participam de jornada de lutas

Em torno de 150 mil famílias estão ameaçadas de despejo imediato no Rio Grande do Sul após o fim da pandemia. Os moradores das Ocupações de São Leopoldo participaram da jornada nacional de luta por moradia digna e contra os despejos, no mês de maio, em frente ao prédio do Tribunal de Justiça do Estado. Na pauta estava também a cobrança da criação da Comissão de Solução de Conflitos Fundiários. As alunas de Profissão Jornalista Laura Driemeier, Lia Kirch e Maria dos Anjos produziram as fotos da manifestação; e o aluno Bernardo Maria de Almeida entrevistou Andréia Camillo Rodrigues, dirigente municipal do MNLM (Movimento Nacional de Luta por Moradia) de São Leopoldo.

Enfoque: Quais as reivindicações do movimento nesta mobilização?

Andréia: A principal reivindicação é a criação da Câmara de conciliação de conflito que foi definida pelo Supremo e que no Rio Grande do Sul ainda não foi criada. Dentro dessa câmara queremos a participação do movimento social, pois se criarem uma câmara apenas com representantes do judiciário, ministério público e defensoria, o povo não estará representado. É o movimento que entende a realidade

em que as famílias de ocupação vivem podendo sofrer despejo a qualquer momento, por isso é urgente a criação desta câmara. Isso daria garantia de moradia para as pessoas que moram em condições muito precárias.

Enfoque: Além do tribunal de justiça, quais outras instituições serão alvo de manifestações e por quê?

Andréia: Depois daqui do tribunal de justiça, queremos ir até o palácio do governador reivindicar

uma solução quanto ao apoio à habitação, pois há áreas de propriedade do Estado que estão ocupadas. Vamos cobrar o apoio do Estado para o programa Minha Casa Minha Vida para viabilizar mais construções de unidades habitacionais. O governo federal destinou um valor que é insuficiente dado o valor da terra aqui no Rio Grande do Sul. Por isso, o estado precisa de participação financeira para viabilizar essas moradias. O estado criou a secretaria de habitação, mas até agora não sabemos quais

são as políticas que essa secretaria vai tocar. E depois finalizamos essa manifestação na Caixa Econômica Federal, para dizer que é necessário a criação de um programa urgente para compra e a urbanização dessas áreas ocupadas, pois no Minha Casa Minha Vida se aplica a criação de novas casas, porém queremos soluções para as áreas onde já existem moradores. Assim, vamos pressionar o Governo Federal, o Governo Estadual e o TJ para que essas reivindicações sejam atendidas. n

JUNHO DE 2023 ENFOQUE SÃO LEOPOLDO
MARIA DOS ANJOS LAURA DRIEMEIER LAURA
DRIEMEIER
LIA KIRCH LIA KIRCH ESPECIAL ECONOMIA SOLIDÁRIA
MARIA DOS ANJOS

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