Competências e Qualificação
“O FUTURO DO TRABALHO”: QUE TRABALHO PARA QUE FUTURO?
p o r In ê s d o s S a n t o s Co st a , Se cre tár i a d e E s t a d o d o Am b i e nt e
Inês dos Santos Costa
Unir com ouro. Assim se traduz a palavra kintsugi, a arte japonesa de reparar cerâmica partida unindo os vários pedaços com “costuras” de verniz e metais preciosos. Esta arte reflete princípios da economia circular que são tipicamente preteridos face à reciclagem ou à eficiência, apesar de mais transformadores e impactantes na descarbonização. O kintsugi adiciona valor ao objeto através da reparação, tornando-a explicita. O facto de o objeto se ter partido e o ato de ser reparado e reutilizado, traduz o valor imaterial (o uso) em valor material (o metal precioso). Por isso, ao invés de reparar para “tão bom como novo”, a reparação torna-o “melhor que novo”. Este conceito como resposta a um desperdício ou um resíduo continua a não encaixar no modelo atual de produção/ /consumo ou de custo-benefício. A massificação e escoamento de produtos continua a ser o motor económico, intrinseca-
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mente linear, e qualquer tentativa de o transformar para além da reciclagem (cujo desempenho não tem vindo a melhorar), é acolhida como ameaça. É possível essa ser a razão da resistência em internalizar custos ambientais e sociais ligados a este sistema, por estes poderem já superar CAPEX/OPEX e benefícios diretos (p.ex. emprego). Veja-se a continuidade da extração de petróleo e a sua conversão (ex. combustíveis, plásticos) que contrasta com os custos humanos e materiais associados aos efeitos da poluição e emissões. Mas as leis biológicas e da termodinâmica tornam esta mudança inevitável. Resta saber se queremos que ela ocorra de maneira firme e minimamente controlada, ou se deixamo-la correr ao ritmo da volatilidade das crises económicas, ambientais e de saúde pública. O último aviso do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) é claro: já não basta esperar pela tecnologia que ainda não existe ou que não é viável, do Carbon Capture & Storage à reciclagem química. O foco na energia, edifícios, mobilidade e sistema alimentar é essencial, mas não suficientes, se a arquitetura económica e social não mudar; em outras palavras, se não valorizarmos o que parte para transformar em melhor que novo. Se assim não for, podemos ter uma economia descarbonizada e em que o PIB cresce, mas que continua tão ou mais exigente no consumo de recursos, e insustentável do ponto de vista ambiental e social. Mas está o tecido público e empresarial preparado? O desempenho no digital e na descarbonização colocam Portugal em boa posição. E isso nota-se: no ambiente de desenvolvimento de soluções, nos apoios que têm vindo a ser disponibilizados (p.ex. Portugal Ventures, Fundo Ambiental, SIFIDE, Vales
Julho . Agosto . 2021