Ano 10 • Número 16
Revista do Curso de Jornalismo do IESB - Brasília, junho de 2019
Transexuais nas Forças Armadas A inclusão de travestis, homens e mulheres trans ainda é vista com desconfiança
Da dor à arte Histórias de quem encontrou na expressão artística um refúgio para problemas
Hora de vencer o tabu Os caminhos do prazer feminino
EDITORIAL Em tempos de comunicação instantânea, global e de muitas notícias falsas, apurar e produzir informações de qualidade impõem um desafio ainda maior. O jornalismo requer atualização. Requer empenho e comprometimento com você, leitor! É com essa proposta que entregamos a décima sexta edição dessa revista, produzida pelo 5o semestre de Jornalismo do Iesb. A Redemoinho, vale lembrar, é um palco de fala plural. Assim, trazemos a realidade dos transexuais, que após a mudança de sexo e registro civil são obrigados a se alistar até os 45 anos. Mostramos também que, em pleno século 21, o prazer feminino e o orgasmo ainda são considerados tabu. Mas a dificuldade de fala sobre alguns assuntos está presente de múltiplas formas. O isolamento das pessoas com transtorno do espectro autista pode levar à depressão, enquanto as redes sociais em excesso, garantidas pelo uso de smartphones, provocam efeitos como dificuldades de relacionamento, problemas visuais e auditivos. Quando a questão são os direitos, ainda há muito a se conquistar. Um dos mais básicos, o direito à alimentação adequada, enfrenta constante perigo. A indústria dos agrotóxicos ganha espaço e a segurança alimentar está em xeque. Por outro lado, a garantia de ter o nome do pai na certidão de nascimento não é realidade para milhões de brasileiros. Mas esses são apenas alguns dos temas que trazemos, ao lado de vários outros, como a arte inclusiva, o futebol brasiliense e também o americano, os problemas causados pela obesidade e o movimento Body Positive, que visa combater a vergonha e o preconceito. A aposta é no jornalismo de qualidade, imparcial e com uma cosmovisão sensível. Ao longo desses quatro meses de produção, nossa essência não mudou muito. Aprimoramos a técnica e o olhar, mas o desejo de sermos jornalistas e apresentar o melhor permaneceram os mesmos. Que o conteúdo que trazemos agora possa ampliar horizontes e agregar valor ao cotidiano de cada um dos nossos leitores. Boa leitura! RE D E M O IN H O | 3
Coordenação editorial e edição: Candida Mariz, Leila Herédia e Marcio Peixoto. Projeto gráfico: Gabriel Cordova, Maycon Cardoso e Thaynara Martins, sob a supervisão de Amaro Júnior, Cecília Bona e Noel F. Martínez. Direção de arte: Mônica Carvalho. Conselho editorial: Candida Mariz, Carlos Siqueira, Daniella Goulart, José Marcelo Santos, Guilherme Lobão, Leila Herédia, Luísa Guimarães e Marcio Peixoto. Coordenação do curso de jornalismo: Daniella Goulart. Direção geral do Iesb: Eda Coutinho Machado. Tiragem: 1.000 exemplares. Redação: (61) 3445-4577. Repórteres e fotógrafos do 5º semestre de Jornalismo: Ana Maria da Silva, Bruna Fernandes, Carol Honorato, Felipe Medeiros, Gabriela Gonçalves, Gabriela Visconti, Giovana Ribeiro, Joana Prates, Ketlyn Victoria, Luciane Improta, Marco Delgado, Maria Carolina Figueira, Matheus Ferraz , Nicole Angel, Weslei Almeida. Foto da capa: Ana Maria da Silva.
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Após alteração de sexo e nome no registro civil, transexuais são obrigados a se apresentar ao Exército até os 45 anos Direito humano garantido, alimentação ainda é desafio frente ao crescente uso de agrotóxicos Elas lutam para subir degraus em uma carreira de difícil ascensão e dominada por homens Guarda compartilhada é modalidade prioritária para minimizar prejuízo aos filhos Milhões de brasileiros não têm o nome do pai no registro de nascimento Orgasmo feminino ainda é visto como tabu e 50% das mulheres não passaram pela experiência Cerca de 10 milhões de brasileiros são obesos e quase 3 milhões são diabéticos Considerados atípicos, pessoas do TEA podem desenvolver problemas de saúde mental Movimento que prega a aceitação do corpo, o Body Positive visa combater preconceitos Inovações garantem rotina de maior praticidade, mas também atingem saúde física e mental Profissão e realizações pessoais fazem com que mulheres desistam de ser mães Traumas são enfrentados por meio da dança, do teatro, da poesia e do rap Programa Bolsa Excelência garante troca de experiências para além da sala de aula Futebol local luta para voltar a ser destaque depois de anos de decadência Considerado por muitos esporte violento, futebol americano ganha espaço entre as mulheres
Foto: Ketlyn Victoria
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por: Ana Maria da Silva 6 | REDEMOI NHO
D I R E I TO S
Transexuais no Exército Obrigatoriedade de homens trans se alistarem após mudança no registro civil e transição de gênero ainda é controversa, mas pode implicar em sanções no caso de ser descumprida
por: Ana Maria da Silva
A reação do estudante Lucca de Oliveira Alencar, 21 anos, frente à descoberta de que precisaria se alistar após ter conquistado a alteração de nome e sexo no registro civil foi de medo. “Foi a parte mais complicada de toda a minha transição: passar por esse processo e não saber o que poderia ocorrer”, afirma ele, que fez a transição de gênero aos 19 anos. Desde março do ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu a mudança para pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, eles passaram a ser obrigados a se apresentar à Justiça Militar sob pena de multa e de ficarem impedidos de tirar passaporte, assumir função pública, receber prêmios tais como mega-sena e retirar carteira profissional de trabalho. Temor de preconceito, de ficar nu na frente de outras pessoas, de precisar “explicar o corpo” são comuns não só a Lucca, mas a todos os que passam pela situação. Na fase da seleção, critérios como a combinação de vigor físico e
capacidade analítica são determinantes. Mas o jovem só fica sabendo pelo que irá passar quando sai o resultado do alistamento. Entre uma e outra fase, Lucca enfrentou três meses de angústia. “Eu verificava o site quase todo dia”, conta. A ansiedade relatada por ele é um dos sintomas comuns neste tipo de situação, como explica a psicóloga Meg Gomes Martins de Ávila, o que pode até evoluir para a depressão. “O ambiente militar ainda é pouco acolhedor e pode trazer consequências, principalmente em indivíduos que não gostariam de se alistar, mas são obrigados a ir para este espaço”. Muitos omitem a condição de transexual ou preferem receber as sanções a enfrentar o processo. Lucca, por exemplo, lembra que o medo o levou a não contar os motivos de se alistar fora da idade usual. ”Em nenhum momento me perguntaram e eu também não falei. Só entreguei minha certidão”, lembra. Atualmente, segundo o Ministério da Defesa, não há nenhum transexual RE D E M O IN H O | 7
Lucca está em tratamento hormonal desde 2017
“Foi a parte mais complicada de toda a minha transição: passar por esse processo e não saber o que poderia ocorrer” Lucca Alencar, transexual
servindo às Forças Armadas. Em nota, a entidade lembra que o alistamento é obrigatório para o jovem do sexo masculino e que, “caso uma mulher geneticamente se transforme em homem socialmente, ele, a partir de então, terá que regularizar sua situação militar”. Apesar de obrigatória, a recusa em se apresentar à Justiça Militar pode ser uma escolha, garante o advogado Maximiliano Telesca, especialista em direito homoafetivo. “Existe um histórico de conservadorismo nas Forças Armadas, que pode inferir um juiz a dar uma liminar de não alistamento obrigatório em virtude dos constrangimentos que uma pessoa transexual possa sofrer”. Apesar de ainda não haver legislação específica para crimes de homofobia, o cidadão pode alegar constrangimento e recorrer aos direitos fundamentais, que garantem respeito à dignidade humana. O caminho, contudo, não é dos mais fáceis. Telesca observa que pode ser até mesmo necessário um mandado de segurança.
Exigência
Gustavo conta que sempre teve interesse no serviço militar 8 | REDEMOI NHO
No Brasil, o serviço militar obrigatório se divide em três etapas: o alistamento militar, no qual o jovem se apresenta ao completar 18 anos de idade; a seleção geral, que além de critérios físicos e cognitivos leva em consideração a representação de todas as classes sociais e regiões do país, aspectos culturais, psicológicos e morais. Por fim, é feita a incorporação ou matrícula, que é a inclusão em uma Organização Militar das Ativas Forças Armadas e fica à disposição por um ano. A ideia de que a lei é igual para todos é um dos argumentos para que a
pessoa que fez transição para o gênero masculino tenha o serviço militar entre suas obrigações. Mas, no caso das pessoas que nascem no sexo masculino, a isenção só ocorre se a mudança de nome e sexo para o feminino acontecer antes dos 18 anos. Em 2015, o caso da estudante Marianna Lively ficou conhecido em todo o Brasil depois de ela se alistar. Na época, apesar da transição de gênero, a mudança no registro civil ainda não tinha ocorrido. A jovem foi fotografada dentro do quartel e teve a imagem espalhada em redes sociais com dados como ficha de inscrição e documento, no qual ainda constava o nome anterior. “A violência que a população LGBTQ+ sofre na família, nas escolas e a segregação nas oportunidades de emprego são evidentes e escancaradas, mas não são mensuráveis”, comenta a psicóloga. No entanto, a tão falada igualdade ainda é sonho de muitos. O policial civil Gustavo Henrique Moita, 21, sempre quis atuar no serviço militar. “Um dos maiores sonhos da minha vida era servir no Exército”. Em tratamento hormonal há quatro anos, ele conquistou a alteração dos documentos há dois meses. “Eu sempre soube que após mudar meus documentos teria que me alistar, mas não tive medo. Sempre gostei do Exército, então quero servir”, comenta. Ele já se apresentou à Justiça Militar e agora aguarda o resultado da primeira fase.
Preconceito
A inclusão dos transexuais no meio militar ainda é vista com desconfiança. O ex-aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR), Bruno Fontanive, afirma que a sociedade ainda não está preparada para esse tipo de situação.
VOCÊ SABIA? A retirada do transexualismo como doença mental da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), que classificava a transexualidade como “transtorno de identidade de gênero”, ocorreu em 17 de maio.
Lucca conta que enfrentou três meses de angústia na espera do resultado do alistamento
“Os alojamentos são divididos entre masculino e feminino e, dessa forma, o transexual habitaria no que ele se identificasse. Mas se um homem se identifica como mulher e vai para o alojamento feminino, poderia causar constrangimentos”, exemplifica. O conservadorismo é considerado uma prática recorrente no meio. “É esse histórico que pode inferir um juiz
a dar uma liminar de não alistamento obrigatório em função do constrangimento que um transexual pode sofrer”, diz Bruno. A preocupação com a situação levou a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos a lançar o Guia de Orientação sobre o Alistamento Militar. No documento, consta um resumo do que essas pessoas precisam
A data se transformou no Dia Internacional contra Homofobia e Transfobia, e teve fundamental importância na quebra de paradigmas do mundo trans.
fazer em função da orientação sexual e identidade de gênero. Prazos, sanções e possíveis dúvidas como o que fazer no caso de mulheres trans ou de alteração no registro civil após os 45 anos fazem parte do material. Enquanto para Bruno a sociedade ainda não oferece espaço para este tipo de diversidade, o tenente Otávio Maia destaca que todos são igual perante a
Fonte: Relatório do Grupo Gay da Bahia 2018
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Eu entendo a legislação O QUE DIZ A LEI?
PERÍODO
Todo cidadão brasileiro é obrigado a prestar serviço militar conforme artigo 143 da Constituição
Inicia-se em 1º de janeiro do ano em que completar 18 anos e vai até o dia 31 de dezembro em que completar 45 anos
EXCEÇÕES
COMO ME ALISTAR?
Crença religiosa, convicção filosófica ou política, pessoas do sexo feminino
Preencher o formulário de alistamento e se apresentr a uma junta de serviço militar com documentos
lei, independentemente da orientação ou condição sexual. Ele afirma que o movimento LGBTQ+ alcançou representatividade e a isonomia nas mais diferentes situações já é uma realidade. “No quartel onde presto serviço militar, vivencio igualdade de tratamento. É possível ver um jovem cujo pai tem lojas nos Estados Unidos (EUA) recebendo as mesmas ordens que um originário do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro (RJ). Mulheres e homens recebem as mesmas missões”, declara. A presença dos transexuais no serviço militar, segundo a psicóloga Meg Gomes Martins de Ávila, pode causar reflexões da sociedade sobre a capacidade do transexual abarcar todas as áreas profissionais, mesmo as militares. “Traz reflexões sobre o papel enquanto pessoa e humano, além de ajudar a ressignificar papéis dados aos gêneros que não precisam mais serem reproduzidos. Estamos falando de pessoas que estão defendendo a nação, tendo treinamento para tal. Esse não deveria ser o maior foco?”, questiona.
“O ambiente militar ainda é pouco acolhedor” Meg Gomes Martins de Ávila, psicóloga
Pelo mundo
MULHERES TRANS
HOMENS TRANS
Se a alteração do documento ocorrer antes dos 18 anos, não precisará se apresentar. Após se alistar ou servir, o documento tornase dispensável
Entre 19 e 45 anos deverá se apresentar em até 30 dias após a mudança e fica de reservista. Após 45 anos não é obrigatório o alistamento e nem será chamado em caso de guerra
Fonte: Guia de Orientações sobre Alistamento Militar da ABGLT
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As políticas relacionadas à orientação sexual e serviço militar variam ao redor do mundo. Enquanto alguns países permitem que gays, transexuais e lésbicas sirvam abertamente, outros não apoiam que a comunidade LGBTQ+ seja inserida no meio. Dos 26 países que participam da Organização do Tratado do Alântico Norte (Otan), mais de 20 permitem que pessoas abertamente gays, lésbicas e bissexuais prestem serviço militar. Já a Rússia, exclui todos os gays e lésbicas em tempo de paz, mas permite a apresentação em tempo de guerra. A velha polêmica do ingresso da comunidade LGBTQ+ nas forças armadas americanas já existe há algum tempo, e, recentemente, o Pentágono anunciou uma nova política que impede o alistamento de pessoas transgêneros no serviço militar, com exceção daquelas que já se apresentaram, desde que aceitem “servir de acordo com seu sexo biológico”. Segundo a psicóloga, não há o que ser julgado, apenas analisado objetivamente: “Não é uma questão de bom ou mau,
GLOSSÁRIO: ENTENDA OS TERMOS DO MUNDO LGBTQ+ Homofobia: medo, aversão ou ódio irracional aos homossexuais e, também, aos que manifestem orientação sexual ou identidade de gênero diferente dos padrões ditos normais; Lesbofobia: inclui várias formas de negatividade em relação às mulheres lésbicas, como indivíduos, casal ou grupo social. Além da violência e hostilidade, é considerada também como medo que as mulheres têm de amar outras mulheres; Transfobia: refere-se à aversão ou discriminação contra pessoas trans (transexuais, transgêneros ou travestis), baseada na expressão de sua identidade de gênero; Homolesbotransfobia: unificação das três fobias (homofobia, lesbofobia e transfobia);
Ao completar 18 anos, jovem deve ser apresentar à Junta Militar mais próxima
politicamente correto ou não. Somos um somatório de 500 anos de violência e de misoginia, de sexismo e de preconceito retratados nas sociedades latinas”.
Homofobia
O alistamento é apenas um dos direitos no longo caminho da cidadania das pessoas trans. Algumas propostas que são antigas bandeiras da comunidade LGBTQ+ ainda estão longe de serem conquistadas, como é o caso da criminalização da homofobia e transfobia, que hoje não tem respaldo na legislação penal brasileira. A própria mudança no registro civil foi fruto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 4.275) sobre o direito à alteração de nome, gênero, ou ambos,
sem a necessidade de qualquer autorização judicial. A busca pela criminalização do preconceito não é em vão. Segundo o relatório “Mortes Violentas de LGBTQ+ no Brasil” de 2018, produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 420 brasileiros que integravam a comunidade morreram naquele ano, vítimas de homelesbotransfobia, que engloba homofobia, lesbofobia e transfobia (vide box). Deste quantitativo, as pessoas trans representam a categoria mais vulnerável a mortes violentas. A mudança na sociedade é lenta, como observa Meg Martins de Ávila. “Cabe às instituições proverem espaços para o gozo dos direitos”, conclui.
Trânsgeneros: são todos os indivíduos cuja identidade de gênero não corresponde ao seu sexo biológico; Transexual: segunda a OMS, o transexualismo é o desejo de viver e se aceito enquanto pessoa do sexo oposto, acompanhado pelo desejo de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado; Travesti: o conceito ainda causa divergência, mas para grande parte da comunidade LGBTQ+, a travesti, ainda que invista em roupas e hormônios femininos, tal qual as mulheres transexuais, não sentem desconforto com sua genitália, e de maneira geral, não tem a necessidade de fazer cirurgia de redesignação sexual. Fonte: Silvestre, Carolina. Sexo, identidade e orientação sexual RE D E M O IN H O | 1 1
D IREITOS
Comida em alerta
por: Joana Prates 12 | REDEMOI NHO
Ter acesso à alimentação adequada, segura e sem veneno é um direito humano que está em jogo no conflito da indústria de agrotóxicos
O direito humano à alimentação adequada é garantido a todos. Estar livre da fome e ter acesso a produtos seguros são dois preceitos básicos. No entanto, o processo que começa na produção e termina na mesa do consumidor está longe de ser simples. Conflitos de intereresses, questões econômicas, de saúde e de meio ambiente fazem parte de todas as etapas que têm no Estado o principal mediador. No centro de tudo isso estão os agrotóxicos e o seu uso na agricultura. Sinônimo de vilão para uns e herói para outros, coloca em xeque os limites da segurança alimentar. “Existe uma falsa questão levantada pelo agronegócio que pergunta: a agroecologia pode alimentar o mundo? Claro que pode, e se não puder sozinha, o governo pode ajudar, assim como ajuda hoje o agronegócio. Ninguém perguntou se o veneno podia alimentar o mundo”, opina a nutricionista Anelise Rizzolo, professora de nutrição da Universidade de Brasília (UnB). A ideia de que é possível produzir alimentos em quantidade sem utilizar os agrotóxicos é controversa. “É absolutamente seguro afirmar que é possível alimentar a população brasileira sem o uso de agrotóxicos”, afirma taxativamente a engenheira agrônoma Marina Lacorte, especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), no entanto, diverge, inclusive em termos de nomenclatura. Para eles, não há agrotóxico, mas defensivos agrícolas. A entidade argumenta, por meio de nota, que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) estima que a produção agrícola mundial tenha perdas anuais entre 20% e 40% devido às pragas. Nesse sentido, o defensivo colabora para que o
alimento seja abundante e acessível financeiramente à população. Segundo maior produtor de alimentos do mundo, o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos em números absolutos. Quando se correlaciona quantidade de alimentos produzidos e área plantada, porém, fica em quarto lugar, atrás do Japão, União Europeia e Estados Unidos. A liberação dessas substâncias químicas, utilizadas nas plantações para o controle de pragas, desde bactérias e fungos, a insetos e ervas daninhas, tem crescido. Até maio, 169 produtos foram registrados no país, número superior ao verificado durante todo o ano de 2015.
“Agrotóxico é assim: ou todo mundo para, ou todo mundo come” Anelise Rizzolo, pesquisadora
Várias pesquisas alertam para o perigo dessa crescente liberação: a ameaça para a saúde humana, ligada ao surgimento de problemas neurológicos, motores e mentais, má-formação fetal, câncer de diversos tipos, entre outros. “Quem morre mais por causa dos agrotóxicos são os trabalhadores, que morrem, que têm cânceres sérios. Muitas pessoas adoecem ao longo da vida e nem sabem que foi por causa do agrotóxico”, destaca Anelise Rizzolo. A Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) garante que os casos de intoxicação pela substância representa apenas 3% dos casos reportados. “São em sua maioria tentativas
de suicídio, ou seja, exposição intencional e não quando do uso em atividade ocupacional”, diz o diretor executivo da entidade, Mário Von Zuben. A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida tem defendido a total proibição. Para eles, não existe uso seguro. A intoxicação é crônica, cujos efeitos aparecem após um longo período de exposição, ou aguda, perceptível nas 48 horas seguintes. Com base nos dados da Pesticide Action Network (PAN), organização mundial de ação contra os agrotóxicos, alerta que o acefato, terceiro mais consumido no Brasil, já foi banido em cerca de 30 países. Da mesma forma, a atrazina, que também está no topo do ranking brasileiro, está vetada em 37 paises. O glifosato é um dos mais criticados e o mais vendido no mundo. Mais de cem produtos são comercializados no Brasil com esse princípio ativo, usado como dessecante, para combater ervas daninhas, já que bloqueia a capacidade da planta de absorver alguns nutrientes, ou para antecipar a colheita. Alguns estudos associam o uso do produto ao câncer e outras doenças e algumas empresas já chegaram a ser multadas com esse argumento. A Anvisa manteve a venda com obrigatoriedade de rodízio de trabalhadores na aplicação do produto e restrição à jardinagem. Além do glifosato, o 2,4-D, o mancozebe, e o acefato estão entre os mais vendidos e também considerados mais tóxicos. Além da possibilidade de contaminação direta, um outro problema apontado é ambiental, refletido pela poluição da água, mortalidade de insetos e impacto no ar e no solo. “A gente ocupa a maior parte das nossa terras agricultáveis para envenenar e fazer o plantio de uma coisa que a gente não vai comer, RE D E M O IN H O | 1 3
vai mandar para fora do Brasil e deixar o resíduo tóxico para gente”, completa Anelise. Em 2012, o “Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” foi lançado para divulgar os resultados de estudos sobre os efeitos do agrotóxico exatamente na saúde e no meio ambiente. O grupo de pesquisadores reuniu estudos e casos reais, apresentando evidências científicas sobre os males que essas substâncias químicas trazem. Anelise foi uma das pesquisadoras que contribuíram com a elaboração do Dossiê. “A academia tinha uma visão muito controversa, muitos pesquisadores diziam que era necessário plantar com veneno, e alguns diziam que não. A grande tensão era que não tínhamos evidências científicas para comprovar os males. Então a gente falou espera aí, a gente vai mostrar que tem”, conta a professora.
Integrante do GT de Alimentação e Nutrição da Abrasco, Anelise explica que pessoas adoecem e nem sabem que foi por causa do agrotóxico 14 | REDEMOI NHO
Para serem vendidos, orgânicos precisam obter declaração do Ministério da Agricultura
Linha de frente
Quando se fala em segurança alimentar, tudo começa na produção. Os trabalhadores rurais que aplicam essas substâncias químicas estão na linha de frente, mais expostos aos problemas. Muitos, por desinformação ou falta de acesso, nem sequer fazem uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), como luvas e máscara, durante a aplicação dos produtos. Um estudo da Universidade Federal do Paraná, publicado em 2017, apontou o crescimento nas taxas de má-formação congênita nos municípios com maior exposição aos agrotóxicos no estado. Entre eles, Francisco Beltrão e Cascavel. Entre 2000 e 2014, a área plantada para a produção de grãos no estado do Paraná aumentou em 39%, enquanto o consumo de agrotóxicos cresceu 111%. A exposição foi indicada como “sinalização expressiva nos problemas de saúde pública”. Os agricultores estão mais expostos, mas o uso desses químicos afeta toda a sociedade. “Agrotóxico é assim: ou todo
mundo para, ou todo mundo come. Claro, você tem medidas diferentes, mas a segurança alimentar e nutricional não é uma escolha. Você pode pegar a pessoa mais rica do Brasil, ela vai estar insegura igual, claro, em níveis diferentes. Mas todo mundo está sofrendo algum risco”, explica a professora Anelise. Para o pesquisador de Dinâmica de Pesticidas da Embrapa Meio Ambiente Robson Barizon, quando usados de forma correta e com respeito aos intervalos de aplicação e colheita, apresentam risco baixo para a saúde humana. “Isso se deve porque assim é possível estimar com grande segurança as concentrações do agrotóxico no momento da colheita e estabelecer se podem apresentar efeitos adversos para a população”.
Questão de nome
Mas por que existem tantos nomes para os produtos químicos utilizados na agricultura? Para os simpatizantes, defensivos agrícolas ou fitossanitários. Para os opositores, agrotóxicos ou venenos. A disputa pelo nome desses produtos acontece
porque, para os defensores desses produtos agrícolas, o termo “agrotóxico” traz uma imagem negativa. Veneno ou não, o que se sabe é que o governo Bolsonaro já havia concedido 152 novos registros de agrotóxicos antes dos seus 100 primeiros dias de governo. Para especialistas, essas liberações de novos registros mostram que a situação do Brasil em relação aos agrotóxicos está se agravando. “Somos um país bastante permissivo em termos de limites estabelecidos para resíduos e de quantidade de substâncias aprovadas, porém, o ritmo de aprovação nunca esteve tão acelerado”, afirma Marina Lacorte, especialista em Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) afirmou em nota que as últimas concessões de registros ocorridas não foram feitas de maneira desenfreada, pois “todas as etapas estabelecidas na legislação vigente continuam sendo devidamente respeitadas”. Entre os registros liberados está o do “clorotalonil”, um fungicida muito utilizado no mundo e que está prestes a ser banido na União Europeia. Isso porque uma revisão da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) não conseguiu excluir a possibilidade de que os produtos de decomposição do clorotalonil causem danos ao DNA, além dos riscos para anfíbios e peixes. Há também uma preocupação em relação à contaminação das águas subterrâneas pela substância. Além da liberação para o uso dessas substâncias, há também a definição do Limite Máximo de Resíduos (LMR). Esse limite determina a quantidade máxima de resíduos de agrotóxicos que podem ser encontradas no nosso alimento, expresso em miligramas do agrotóxico por quilo do alimento (mg/Kg). No Brasil, os limites são maiores e mais permissivos, se comparados aos de outros lugares do mundo. Entidades que representam os produtores dos agrotóxicos também defendem que a modernização dos produtos estão deixando as substâncias mais seguras nos últimos anos. “A ciência é a base da evolução da agricultura. Entender um pouco mais sobre o uso, necessidade e resultados relacionados aos defensivos agrícolas nos dá subsídios para diferenciar o certo e o errado”, afirma Mário Von Zuben.
Uso indiscriminado
Os efeitos dos agrotóxicos se transformaram em uma das questões mais tratadas na agenda socioambiental. “O uso, especialmente o indiscriminado, a pulverização aérea, com RE D E M O IN H O | 1 5
aviões, contamina o ar, o solo, a água. Então você tem danos bastante graves ao meio ambiente e à sociedade como um todo a partir do uso de agrotóxicos da forma como vem sendo feita atualmente”, afirma Bruno Taitson, analista de políticas públicas da WWF Brasil (World Wide Fund for Nature). De acordo com dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), obtidos e investigados pela Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye, uma mistura de diferentes agrotóxicos foi encontrada na água de uma em cada quatro cidades do Brasil. A investigação revelou ainda que a contaminação está aumentando. Se em em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos, em 2017 esse número subiu para 92%.
“Entender mais sobre uso e resultados relacionados aos defensivos nos permite diferenciar certo e errado” Von Zuben, da Andef
Alternativa
Do outro lado dos alimentos convencionais, estão os produtos orgânicos, que são produzidos sem adubos químicos ou agrotóxicos, de forma a preservar o solo, não contaminar a água e nem agredir o ser humano. “Produzir segundo os preceitos do sistema de produção 16 | REDEMOI NHO
orgânica tem diversas vantagens para o meio ambiente e a sociedade, uma vez que não é, apenas, abster-se do uso de agrotóxicos, mas, também, com responsabilidade social”, diz Éber Diniz, presidente do Sindicato dos Produtores Orgânicos do DF (Sindiorgânicos). Popularmente conhecidos, esses alimentos ainda não são amplamente acessíveis e estão disponíveis em menor número nas feiras, em relação aos produtos convencionais. Para os agricultores orgânicos, isso se deve à falta de investimentos nesse tipo de cultura. “As dificuldades na produção de alimentos já são enormes e ainda maiores quando falamos daquelas enfrentadas pelo produtor de alimentos orgânicos. Isto porque, inexistem pesquisa, incentivos e investimentos”, diz Diniz. O sindicato, que foi efetivado em 2003, soma hoje mais de 250 produtores sindicalizados e certificados. Para se obter o selo de orgânico é necessário passar por várias etapas nas quais ficam comprovados o respeito aos bens renováveis e não renováveis, a diversificação de culturas para evitar esgotamento do solo, o manejo do solo como organismo vivo, uso de adubos não nocivos, entre outros. A cultura orgânica não é só mais respeitosa com o meio ambiente, mas também com o produtor rural, que fica livre do manuseio de agrotóxicos. “Ao consumir o orgânico, você tem a certeza de que o trabalhador da terra também não foi prejudicado pelo defensivo. Quando uma pessoa come algo que não é orgânico, ele além de estar fazendo mal para a saúde dele, está colaborando com uma cadeia de malefícios que ocorre quando esse alimento é produzido dessa forma”, pontua Hado San, coordenador da Feira do Mercado Orgânico.
Para Bruno Taitson, a aprovação do Pnara seria avanço para redução do uso de agrotóxicos
Abastecimento
Mesmo no meio de tantas controvérsias e problemas no uso dos agrotóxicos, seus produtores alegam que o uso é essencial para manter o equilíbrio econômico do Brasil e a produção de alimentos necessários para o mundo. “Sem eles [os agrotóxicos], não haveria condição da agricultura alimentar toda a população mundial, pois as pragas poderiam causar perdas que vão de 9,5% a 40% da produção. De acordo com um estudo da USP, tudo isso teria um impacto financeiro muito grande no agronegócio, setor que é um importante gerador de postos de trabalhos no País”, afirma o diretor
executivo da Andef. “O uso do defensivo promove a geração de alimento acessível, emprego e renda”. Na visão de outros especialistas, os orgânicos são uma alternativa viável e que pode abastecer a população. “Com o incentivo que a agricultura e a monocultura de larga escala têm, estariam super acessíveis para a população. É uma questão de escolher onde alocar o dinheiro do Estado”, explica Bruno Taitson. “A gente quer que as escolhas sejam diferentes das que estão sendo feitas atualmente”. Para mudar a forma de produção dos alimentos seria necessário passar por uma transição para um modelo de produção e consumo de alimentos sustentável que se distancia do modelo de agricultura intensiva. O caminho, apontam os especialistas, inclui a capacitação dos trabalhadores e o incentivo a outras formas naturais de controle biológico. “Com uma transição adequada e responsável – que leve em consideração fatores importantes como modelos de distribuição e comercialização mais justos e eficientes e especialmente padrões de consumo em diversos níveis – a produção agroecológica é capaz de alimentar todo o planeta”, defende Marina Lacorte.
A polêmica da legislação
O Projeto de Lei nº 6670/2016, conhecido como Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), pretende promover essa transição para as políticas públicas. “O debate principal do Pnara tem a ver com o modelo de agricultura que a gente tem hoje. Ele é um modelo de alta concentração de terra, do uso intensivo de agroquímicos, de fertilizantes, de insumos, de agrotóxicos, baseados nisso”, explica o relator do projeto na Câmara dos Deputados, deputado Nilto Tatto (PT-SP).
O Pnara repensa o modelo de agricultura intensivo, buscando fortalecer a agricultura familiar e possibilitando uma transição agroecológica para a produção de alimentos mais sadios e mais seguros, sem agredir ou contaminar o meio ambiente. Além disso, o PL prevê o direito da população à informação sobre o uso e os impactos dos agrotóxicos. Já foi aprovado em uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados, aguarda votação no plenário. Enquanto isso, o Projeto de Lei nº 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”, também foi aprovado em Comissão Especial. Ao contrário do Pnara, que visa reduzir o uso dos agrotóxicos no Brasil, pretende flexibilizar as normas para a legalização das substâncias químicas. Para alguns especialistas, o “Pacote do Veneno” não atende às necessidades da população. “A Pnara foi construída de forma participativa, com inúmeras audiências públicas, ouvindo vários setores da sociedade”, explica Bruno Taitson. Os dois projetos de lei são são antagônicos, mas estão no mesmo patamar na Câmara dos Deputados.
Participação civil
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) buscava mediar conflitos relacionados à segurança alimentar. Diretamente ligado à Presidência da República, contava com a participação da sociedade civil para discutir políticas públicas da área. Esse conselho foi extinto com a publicação da Medida Provisória 870/2019. No entanto, uma Comissão Mista aprovou uma reforma administrativa para recriá-lo. O texto precisa ser votado na Câmara, no Senado, e ainda ser sancionado pelo Palácio do Planalto para começar valer.
Para especialistas, o Consea era importante porque dialogava com a sociedade civil, abrindo espaço para a participação de todos. “Informação é sempre o melhor caminho, só entendendo um pouco melhor sobre o tema e ouvindo especialistas com uma visão mais abrangente e integrada é que as pessoas podem entender e se mobilizar”, explica Marina Lacorte.
COMO O SEU ALIMENTO PODE SER CULTIVADO? Agricultura orgânica É regulamentada no Brasil pela Lei nº 10.831/2003. Esse modo de produção busca ofertar produtos saudáveis isentos de agrotóxicos, preservando a diversidade biológica dos ecossistemas naturais e usando de forma sustentável o solo, a água e o ar, sem poluir e contaminar o meio ambiente. Agroecologia É um movimento sociopolítico e socioambiental, que recupera saberes tradicionais e empodera os produtores do campo em prol de uma agricultura saudável, sustentável e justa. Busca a produtividade, sustentabilidade e fertilidade do solo de maneira biológica, regula naturalmente as pragas e promove a diversidade. Agricultura Familiar É regulamentada pela Lei nº 11.326/2006. A gestão e a produção da propriedade rural é compartilhada pela família que mora na terra. A produção gerada ali é a principal fonte de renda da família. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), pouco mais de 90% das 570 milhões de propriedades agrícolas mundiais são geridas por famílias.
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D I R E I TO S
Mulheres ainda lutam por “lugar ao sol” na diplomacia O Itamaraty foi o primeiro órgão da administração pública federal a receber uma mulher em seu quadro. Mas apesar deste pioneirismo, as mulheres ainda têm pouco espaço na diplomacia brasileira
por: Carolina Vasconcelos
O Itamaraty foi o primeiro órgão público brasileiro a receber uma mulher através de concurso público. Ela se chama Maria José Rabelo e no ano de 2018 fez cem anos de sua inserção na carreira diplomática. Baiana, nascida no ano de 1891, Maria falava mais de quatro idiomas, e ficou sabendo do concurso através de um primo. Após estudo e dedicação, Maria José foi recusada na inscrição para o concurso da carreira diplomática pelo Ministério da Relações Exteriores (MRE). Não satisfeita com o resultado, foi atrás do polímata brasileiro Rui Barbosa, para que ele examinasse juridicamente a recusa. Após muita pressão o ministro Nilo Peçanha concedeu a ela o direito de participar do concurso, e deu a seguinte declaração: “Não sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, vide tantos atributos de discrição e competência que são exigidos, o que não posso é
restringir ou negar o seu direito… Melhor seria, certamente, para o seu prestígio que continuassem a direção do lar, tais são os desenganos da vida pública, mas não há como recusar sua aspiração, desde que fiquem provadas suas aptidões”. No ano de 1918, Maria José passou em primeiro lugar no concurso de admissão à carreira diplomática. Em 1922, a diplomata se casou com outro diplomata que participou de sua banca de avaliação. Mas sua carreira não durou muito. Em 1934 ela se aposentou devido ao seu marido ter sido nomeado para o cargo de conselheiro na Bélgica. O Ministério que foi revolucionário ao receber a primeira mulher como um de seus funcionários não continuou seu progresso em causas femininas. Atualmente, apenas 23% dos funcionários do quadro do Itamaraty são mulheres e, dentre elas, poucas se destacam e alcançam postos RE D E M O IN H O | 1 9
de liderança no meio de tantos homens que comandam a política externa brasileira.
O ingresso na carreira
Guiada por querer ser representante da nossa nação perante os outros países, por ser um agente político responsável por implementar as diretrizes da política externa e acompanhar o dinamismo do mundo, a millennial Maria Clara Villasboas, 22 anos, estudante de Direito, decidiu se dedicar para passar no concurso do Instituto Rio Branco (IRBr), que promove a seleção dos novos integrantes da carreira diplomática. As autoridades brasileiras recebem o presidente da Argentina. Nenhuma mulher participa da ocasião
A oficial de chancelaria Vidya Moreira afirma que mulheres precisam trabalhar duas vezes mais que homens, além de se preocupar com aparência
A rotina desgastante de uma mulher no Itamaraty 20 | REDEMOI NHO
Segundo pesquisa da American Sociological Review, os millennials acreditam que ambos os sexos tendem a acreditar em responsabilidades equivalentes para homens ou mulheres, a despeito de papeis de gênero, independentemente de nível educacional ou de renda. Maria defende que ao entrar no Itamaraty mudará a realidade feminina por lá: “Minha expectativa é representar a carreira da mulher na diplomacia brasileira, assim como aumentar gradualmente a presença feminina em papéis de liderança na representação do país no exterior, mediante a promoção do Brasil para o mundo e a atuação em diversos campos profissionais.” Para chegar no seu objetivo, Maria terá que passar por um dos concursos mais difíceis do Brasil. O CACD, Concurso de Admissão à Carreira Diplomática, é composto por três fases onde são testados conhecimentos sobre História do Brasil, História Mundial, Política Internacional, Geografia, Noções de Economia e Noções de Direito e Direito Internacional Público, Língua Portuguesa, Língua Espanhola e Língua Francesa.
A primeira fase é objetiva. Na segunda, o candidato fará provas escritas, uma redação e dois exercícios de interpretação. E a última fase é composta por uma prova escrita. Além da avaliação, os inscritos à vaga têm que lidar com a concorrência. No ano 2017 foram 5.939 inscritos para 22 vagas. A primeira secretária do Itamaraty Ana Paula Kobe, que já tem 15 anos na carreira diplomática, afirma que a profissão é extremamente desafiadora. Ela relata que a falta de representatividade feminina é vista desde o momento em que se começa a ter aulas no Rio Branco. “Cerca de um terço da minha turma era composta por mulheres”. Mas relata ter memórias muito positivas de suas colegas: “Eu via mulheres extremamente competentes, inteligentes, com o espírito de aventura bastante presente”. Segundo o conselheiro Heitor Granafei, as mulheres de nada se diferenciam dos homens na hora de ingressar na carreira: “Há menos mulheres do que homens no MRE, e as turmas do IRBr são majoritariamente masculinas. Mas
Foto de Divulgação/ Instagram Itamaraty
Turma de 26 alunos do IRBr 2019 conta com apenas 4 mulheres
deve-se lembrar que há um concurso público aberto a homens e mulheres, com provas escritas e não identificadas”. Maybi Mota, terceira secretária da turma de 2018 do IRBr, que é comandado por uma mulher, a Ministra de Primeira Classe Gisela Padovan, conta que fez parte da turma com uma representatividade feminina muito grande, com 40% de mulheres. O oposto da turma de 2019, que contou com apenas 4 mulheres dentre os 26 novos terceiros secretários. Além da falta de representatividade feminina, as dificuldades de convivência nessa carreira podem ser sentidas pelos egos inflamados e posições hierárquicas.
“No Ministério você vê uma briga de egos muito grande. Você vê que não só a sua capacidade e o seu trabalho são suficientes para você ocupar um lugar no Itamaraty”, afirma a cientista política que fez estágio no Ministério das Relações Exteriores por cerca de dois anos, Liliane Santos.
A autoridade feminina
Maybi Mota decidiu entrar na carreira pelo seu interesse em buscar o melhor para seu povo e seu país. Sentia que estaria realizada fazendo isso no âmbito internacional. O desejo dela para o futuro na profissão é progredir na carreira e servir em postos em diversos continentes.
Com esse desejo de servir ao Brasil, a diplomata Odete de Carvalho e Souza, no ano de 1956, se tornou a primeira embaixadora de carreira que se tem notícia no mundo. Porém, o papel das mulheres em cargos de chefia e liderança é algo escasso, já que apenas 8% das Embaixadas são geridas por mulheres, 26% das chefias de Missões junto a Organismos Internacionais e 29% das chefias de Consulados. Nenhuma das embaixadas nas Américas e na Oceania têm ou já tiveram o comando feminino. Nas 27 maiores representações diplomáticas do Brasil no exterior que contam com equipe de dez ou mais diplomatas somente uma RE D E M O IN H O | 2 1
é atualmente chefiada por mulher (em Genebra, na Suíça). A oficial de chancelaria Vidya Moreira afirma que um dos desafios para uma mulher se destacar é o fato dela ter que trabalhar duas vezes mais que um homem, além de se preocupar com a aparência, pois ela é julgada por isso. E lidar com o peso familiar que é muito grande pois não existem políticas adequadas para mulheres com filhos, em relação a flexibilidade de horário e meios de trabalho voltados à maternidade. Vidya afirma que o patriarcado é um dos piores rivais na luta feminina pela chefia: “Têm algumas que acabam se masculinizando muito, e tentam ficar cada vez mais agressivas para caber nesse mundo patriarcal. Mas existem outras que não, que têm uma visão diferente, que se destacam pelo seu lado humano, firme, cooperativo. Outro fator importante na chefia feminina são mulheres que se dispõem a ajudar outras mulheres”. A primeira secretária Ana Paula Kobe relata que, geralmente na primeira metade da carreira, o preconceito é velado. As dificuldades maiores são sentidas a partir do momento em que diplomatas começam a ser nomeados para cargos grandes. E é nessa hora que a maioria das portas são abertas exclusivamente para homens. “Nunca passei, até agora, por situações onde fui preterida por ser mulher. Isso não é aberto, e com isso quero dizer que podem, sim, ter existido diversas situações em que as dificuldades para as mulheres foram veladas, e tão veladas, que muitas vezes até nós não percebemos”. A cientista política Liliane revelou que no seu setor toda a chefia era masculina. “Já ouvi falar de cenas de preconceito que aconteceram dentro do Itamaraty, 22 | REDEMOI NHO
Em todos os ambientes do Itamaraty, as mulheres são minoria
onde mulheres não eram reconhecidas pela sua autoridade, não tinham seu trabalho valorizado pelos chefes e colegas”.
Família
Durante uma entrevista de emprego, a cientista política Lays Santos foi perguntada se possuía filhos. A partir desse questionamento ela passou a refletir sobre o papel da mulher na política em geral, e na diplomacia, que é a política exterior. “Cerca de 95% dos diplomatas que conheço são homens. Vejo a diplomacia como um lugar voraz e de sub-representação feminina”. A careira tem um agravante que é a instabilidade de moradia, já que muitos dos cargos ofertados são no exterior. “O complicador da diplomacia é o
deslocamento constante. A cada 3 ou 4 anos você está em um país diferente. Isso pode ser extremamente desafiador. Se você vai ter um companheiro que não é da carreira ele vai se deslocar com você. Mas, se você tem uma família que exige que seus filhos estejam perto, isso vai ser uma fonte de conflito”, afirma a secretaria, Ana Paula. Os problemas das mulheres diplomatas vão além de questões de cuidado direto com a família. Vidya relata que um dos problemas para sua carreira não ser alavancada é a falta de tempo extra disponível para o trabalho: “Eu trabalho apenas a minha carga horária, e isso me impede de ser promovida. Gasto o resto do meu tempo cuidando dos meus filhos.”
O Conselheiro Heitor Granafei, que almeja o cargo de Ministro de Segunda Classe, relata que sua carga horária é bastante elevada: “Em média, trabalho mais do que 8 horas por dia. Minha mulher, que também é diplomata, também trabalha mais do que as 8 horas regulamentares. Isso afeta um pouco nossa vida familiar”. Esse cuidado familiar e esse lado maternal são fatores que criam nas mulheres o estigma de que elas são designadas ao cuidado e não a cargos de política e negociação. Porém segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 14% das mulheres não têm planos de engravidar. O Itamaraty expõe que nas negociações relativas à paz, quando são feitas por mulheres, têm 35% de chances de o acordo ter êxito e durar mais de 15 anos.
Na França, a primeira diplomata assumiu o cargo em 1920. Lá, as mulheres trabalhavam com Relações Exteriores, mas sempre desempenhavam funções de secretaria, datilografa ou redatora, nunca estavam ligadas a tomada de decisões. Um dos fatores que alavancou a carreira feminina na diplomacia na Europa foi a Primeira Guerra Mundial. Após a criação do movimento feminista, das Organizações Internacionais, muitos homens estavam na guerra e elas ficaram com a função de fazer seus lares e países funcionarem, apesar de todo o conflito. No Brasil, o Itamaraty tem um projeto que incentiva mulheres a entrarem na carreira diplomática. A iniciativa se chama “Mais Mulheres Diplomatas”. Com esse projeto, o Ministério das
Relações Exteriores produziu uma série de conteúdos audiovisuais, contando a história de grandes mulheres que atualmente seguem essa carreira. Os vídeos podem ser acessados no Instagram e no YouTube do Itamaraty. O conteúdo apresenta mulheres de diferentes cargos, raças e divisões do Ministério. Desde terceiras secretárias, como a Graziela Streit, que conta um pouco da sua trajetória até sua entranha no Instituo Rio Branco a cargos de chefia, como o da Ministra de primeira classe Gisela Padovan. Em seu vídeo a diplomata relata um pouco de suas dificuldades como mãe na carreira. Mas a mensagem principal de todos os vídeos é a mesma: chamar mais mulheres para entrar na profissão.
CARREIRA DIPLOMÁTICA
Incentivos
366 mulheres formam o quadro de mulheres diplomatas no Itamaraty em 2019, 23% do quadro geral. No exterior, as mulheres têm suas dificuldades na profissão, mas alguns países implementaram a política de cota para mulheres, onde 50% do total de vagas da carreira diplomática são voltadas para o público feminino, dando a elas, voz e espaço na política exterior. “Tem diversos países como a Franca ou países escandinavos que têm cerca de 50% do ingresso de mulheres. A quantidade é importante? Por um lado, sim! E importante pois você tem mais pessoas pensando a condição de ser mulher na diplomacia e pensando criticamente o que isso pode representar e impactar na vida de todo mundo”, afirma a diplomata Ana Paula Kobe.
A carreira diplomática começa quando se entra no Instituto Rio Branco como Terceiro secretário. Após no mínimo três anos, torna-se segundo secretário automaticamente. O próximo passo é se tornar primeiro secretário, onde já se pode ocupar a função de chefe.
Após nove anos na função pode-se tornar conselheiro, onde já existe a possibilidade de chefiar uma divisão ou um posto D. Seguindo, tem o cargo de ministro de segunda classe, e em seguida embaixador, cargo que permite-se chegar a secretário-geral.
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D IREITOS
Divisão que funciona
por: Bruna Fernandes 24 | REDEMOI NHO
Há cinco anos, guarda compartilhada é a modalidade prioritária adotada na separação conjugal com o objetivo de minimizar prejuízos aos filhos
Apesar de estar em vigor há Muitas vezes, as difi“É gratificante e um direito da criança 11 anos, a guarda comparticuldades dos pais ocorrem ter um convívio com os dois lados” por questões práticas, como lhada no Brasil passou a ser obrigatória há apenas cinco locomoção ou roupas, por Andrea Zaban exemplo. O controle pode ficar anos. Com isso, se os pais não entrarem em acordo sobre a melhor situ- a quem conviveu por menos tempo. “Na difícil se alguma das partes não tiver uma ação a ser adotada, o juiz é quem definirá. guarda compartilhada as pessoas esta- organização mais rígida. Às vezes, por Antes, a previsão era que a guarda seria rão partilhando o dia a dia, mesmo que exemplo, um dos lados está sem um tênis aplicada “sempre que possível”. De lá para estejam em cidades diferentes, mesmo da criança e outro sem o uniforme da cá, no entanto, muita coisa mudou. É que seja pelo skype ou whatsapp, a parte escola. “É como se eles arrumassem as cada vez mais comum encontrar famílias estará ali dividindo o dia a dia desse filho,” malas para mudar de casa a cada 15 dias”, totalmente ajustadas à nova realidade e observa a advogada. avalia Carla. com menos interferências do Judiciário. A professora Carla Georgio, mãe Para Sergio, tudo é uma questão de “A gente tenta sempre que possível ajudar de três filhos, decidiu se separar após 15 tempo até que também os filhos assumam o outro”, afirma o dentista Sérgio Braga, anos casada. Ela lembra que no início determinadas responsabilidades. O espírito pai de Isadora, 6 anos. A ex-companheira tudo foi muito difícil, apesar do divórcio entre ele e a mãe da menina, no entanto, é dele, a funcionária pública Andrea Zaban, consensual. A maior resistência era dos 42, concorda. “A relação que a Isa tem filhos, então com 14, 13 e 10 anos. “Foram com o pai independe de mim. É uma dois anos de adaptação até eles realmente relação de amor”. aceitarem de fato que eu e o pai tínhamos Andrea e Sérgio se divorciaram há nos separado”, lembra. Apesar da opção três anos e a guarda se deu sem inter- pela guarda compartilhada, inicialmente venção judicial. No acordo entre os pais, a juíza sugeriu que os filhos ficassem com ficou decidido que cada um ficaria com a mãe e, depois, alternassem as semanas. a filha em dias alternados, para que assim Os filhos, no entanto, acharam tudo muito mantivessem uma rotina diária de cuidar corrido. Pediram que a guarda com cada da pequena. “A divisão da guarda no dia a um fosse quinzenal. Facilitou o fato de ela dia vai depender das rotinas em particular. e o ex-marido residirem próximos. Na O importante é tentar dividir de forma época, os dois moravam no Gama. equilibrada o tempo de convívio com o Em outros casos, a falta de adappai e com a mãe,” explica a advogada e tação dos filhos é pela necessidade de professora de direito de família e suces- estar com o pai e a mãe todos os dias. O sões, Gleyce Belarmino. químico Breno Cunha, pais de Maria, 8, Pode ser, por exemplo, no meio de e Miguel, 6, adotou esta modalidade. Ele e semana, um dia com o pai e outro com a ex-mulher alternam diariamente o local a mãe, alternando os finais de semana; em que as crianças dormem, assim como dois dias com cada um, variando a sexta, o transporte para a escola e atividades o sábado e o domingo... Cada família extracurriculares. “Quando é preciso, eu encontra a forma que melhor atende à e a mãe conversamos os assuntos relaciorealidade dela. A guarda compartilhada nados às crianças. Acredito que está cada pode ser aplicada também quando as dia melhor a questão de pai presente, que pessoas moram em cidades diferentes. é crucial. Falo com alguns colegas: é uma Nesse caso, em período de férias do filho, fita dupla de DNA, não é um favor, é uma há uma compensação maior em relação obrigação que o pai faz de estar junto.” Isa mostra árvore genealógica que fez da família RE D E M O IN H O | 2 5
de total colaboração. A premissa é que, se o dois estão felizes, a filha estará feliz. “A gente tenta resolver problemas e não criá-los.” A psicóloga infantil Mariana Malheiros Pontes acredita que a guarda compartilhada é uma ótima opção por buscar manter os vínculos parentais com os filhos menores de 18 anos após o rompimento conjugal. Em consultório, segundo ela, quando a separação é conflituosa, os sintomas aparecem nas crianças. Os relatos mais comuns, afirma, são de sintomas de depressão, agressividade em casa ou na escola, baixa acentuada no rendimento escolar, choros excessivos e enurese. “Hoje, também tenho recebido algumas famílias que têm procurado ajuda para preparar os filhos para o processo de separação e buscam encontrar a melhor maneira de sustentar um ambiente favorável para o seu desenvolvimento, apesar das mudanças que irão acontecer”, relata a especialista. A pedagoga especializada em orientação educacional Adriana Resende concorda que a modalidade não funciona quando o casal se separa e um dos lados desaparece. “A criança costuma ficar desestimulada, não consegue parar de pensar e leva isso para a sala de aula, atrapalhando no processo de aprendizagem.” Um outro problema que pode aparecer durante a separação é a alienação parental, na qual um dos genitores coloca o filho contra o outro, o que é muito comum. Na escola, o aluno transfere tudo o que vivencia. Às vezes, chega a ser reprovado pela dificuldade no processo de sofrimento. “Eu, como profissional no ambiente escolar, acolho essa criança ou adolescente e converso.” Antes de a legislação da guarda compartilhada existir, a tradição era de que os filhos automaticamente ficariam com a mãe, restando ao pai a necessidade de comprovar, em juízo, estar apto para o 26 | REDEMOI NHO
convívio e responsabilidades para com os filhos. Em geral, a definição só ocorria após extensa batalha judicial. No caso da autônoma Márcia, que pediu para não ter o sobrenome divulgado, a separação não foi litigiosa, mas toda a rotina e guarda dos filhos coube a ela. O pai fica com os filhos quinzenalmente aos finais de semana e paga pensão. “Não vejo a separação como um problema, as pessoas mudam, cada um segue o seu rumo e escolhe o que quer viver. É direito de cada um.” Atualmente, no entanto, a ideia é que a guarda compartilhada é uma solução que precisa ser abraçada com tranquilidade. Tem a ver com a ideia de que o desenvolvimento de uma criança precisa ser saudável mesmo após a separação dos pais e que ambos devem ter as mesmas responsabilidades. Segundo o IBGE, há um crescimento considerável nos pedidos de guarda compartilhada nos últimos anos no Brasil: de 7,5% em 2014 para 20,9 % em 2017, o que equivale a 20 mil pedidos a mais aceitos pelo Judiciário.
Tradição
A professora de direito de família e sucessões Gleyce Belarmino explica que a guarda compartilhada surgiu muito da questão das mudanças que ocorreram da família tradicional para a moderna. No primeiro caso, quem ficava responsável pelo cuidado dos filhos era unicamente a mãe, e o pai era o provedor financeiro. Com a entrada da mulher no mercado de trabalho, ela começou a contribuir financeiramente para o sustento do lar e o homem passou a atuar mais nas tarefas domésticas e ser mais participativo na criação dos filhos. Márcia lembra das dificuldades que passou. Entre elas, tirar o filho do colégio particular e fazer cortes no orçamento.
“Como estou desempregada, é difícil começar de novo, porque quando eu era casada, o pai dele não me deixava trabalhar. Mas nada que não se resolva. Uma separação amigável é bem mais tranquila”, diz.
Conflitos e acordos
A pensão alimentícia é quase sempre um ponto de conflito entre as partes. Gleyce esclarece que o fato de ter a guarda compartilhada não anula a necessidade do pagamento da pensão alimentícia. São coisas diferentes. Uma se refere à
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Crédito: Arquivo Senado Federal
convivência, à responsabilidade conjunta dos pais no que se refere às necessidades cotidianas dos filhos; a outra, decorre das necessidades materiais. Muitas vezes, um dos genitores tem uma renda menor e, para evitar que o filho tenha um padrão de vida alto em uma residência e, em outra, mais baixo, o equilíbrio é conquistado pelo pagamento de pensão. Até 2014, Analdino foi ao Senado defender aprovação da proposta que trata sobre a guarda compartilhada prevalecia a regra da guarda unilateral. Quando havia divergência entre o filho. Por exemplo: se o pai estiver morando Onde buscar ajuda? casal após a dissolução do casamento, a em um albergue ou a mãe de favor, sem A Associação de Pais e Mães Separados responsabilidade era atribuída àquele que qualquer estrutura; um deles cumprindo (Apsde) completou 21 anos este ano. A obtinha melhores condições em exercê-la. pena ou cometido crime de violência física ong foi a primeira entidade no Brasil a A partir da Lei 13.508/2014, o ou sexual contra o próprio filho. “Uma trabalhar com a problemática de filhos tempo de convívio dos filhos com cada temática muito delicada é a da violência de pais separados e chegou, inclusive, a responsável passou a ser dividido de doméstica, porque nem sempre o homem, propor a primeira lei da guarda compartiforma equilibrada. O objetivo desde que é o agressor contra a mulher, é um pai lhada em 2000. O então deputado federal então é que a guarda compartilhada seja ruim. Por outro lado, esse homem utiliza por Minas Gerais, Tilden Santiago, aprea regra, e não a exceção. Inclusive a prio- do contato com as crianças para agredir a sentou a proposta, sancionada em ridade é que seja aplicada ainda que os mulher”, aponta Gleyce. 2008 após seis anos de tramitação no pais estejam em litígio, ou seja, em Congresso. “A gente ficou surpreenconflito de interesses. Isso significa “O importante é tentar dividir dido com a dificuldade do Judiciário que não é necessário que os responsáde assimilar as novas legislações e veis estejam em perfeita harmonia. Na de forma equilibrada o tempo colocar em prática as leis que foram verdade, a ideia é justamente a oposta: de convívio com o pai e com criadas para proteção dos filhos de gerar entendimento de que a criança pais separados”, afirma o presidente a mãe” não pode ter seu desenvolvimento nacional da entidade, Analdino afetado em função das questões de Gleyce Belarmino Rodrigues, também especialista em relacionamento do casal. Por isso, o lei alienação parental. só não será aplicada nos casos em que se De acordo com a última modifiEle explica que o trabalho voluntáentender que a situação poderá ser preju- cação no Código Civil, se o juiz verificar rio visa dar suporte às famílias. Não são dicial para a própria criança. que um dos lados não aceita a guarda, disponibilizados profissionais para atuar Apesar da nomenclatura oficial, pode-se fazer um processo de revisão, de nos processos ou no atendimento, mas nem sempre os requisitos para a guarda forma unilateral e com revisão da pensão para fornecer orientações. Em média, são compartilhada são vistos na prática. De alimentícia. A ideia é que se a criança vai 12 profissionais na equipe. A partir dessa acordo com a advogada, em alguns acor- passar mais tempo com um dos genitores, orientação, a pessoa procura os direitos dos os juízes decidem pela modalidade, e não em períodos equilibrados, tem que dela, contratando advogados e, quem não mas na regulamentação do dia a dia não ter uma pensão alimentícia um pouco pode, recorre à defensoria pública. é o que se percebe. “De compartilhada maior. O outro genitor pode ajuizar uma O suporte, atualmente, é apenas não tem nada. É uma situação que têm ação de revisão da guarda. Se nenhum dos virtual, pelo telefone (11) 99629-8369, dois quiser ou não puder obter a guarda via ligação ou whatsApp, além dos perfis acontecido muito no Judiciário.” Há situações em que um dos geni- do filho, será deferida a um terceiro, o que no Instagram e Facebook, @ongapase, e tores não tem condições de ficar com o acontece em casos excepcionais. do e-mail ong.apase@gmail.com.
D IREITOS
E o nome do pai?
por: Weslei Almeida 28 | REDEMOI NHO
5,5 milhões de brasileiros não têm o nome do pai no registro de nascimento; conheça histórias, motivos e consequências do reconhecimento ou não de paternidade
Em grande parte das famílias brasileiras, a extremamente difícil tarefa de criar filhos não é compartilhada por mães e pais. Pelo menos é o que se vê nos registros de nascimento. Segundo pesquisa do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2015, o Brasil ganhou mais de 1 milhão de famílias compostas por mãe solo, em um período de dez anos. Só no Estado de São Paulo, há 750 mil pessoas, de 0 a 30 anos, sem o nome do pai no registro, de acordo com dados do governo estadual. Em todo o Brasil, 5,5 milhões de pessoas não têm a paternidade reconhecida em seus registros, segundo dados de pesquisa realizada pelo Data Popular, em 2018. Muitos podem ser os motivos que levam uma criança a não ser registrada pelo pai: pressão familiar, medo, falta de condições financeiras, inexperiência, entre outros. Mas o fato é que ter o nome do pai no registro não é garantia de receber apoio e sustento. São diversos os casos de crianças e jovens que não recebem nenhum auxílio ou amparo da parte do pai, o que é assegurado pelo artigo 22 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que afirma que é dever dos pais dar aos filhos “sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Segundo o advogado Vanderson Barros, a mãe que se sentir lesada pode entrar com um processo de execução, por meio de um advogado ou, caso não tenha condições, pela Defensoria Pública ou mesmo por algum núcleo de prática jurídica de faculdades. “Neste último caso, deve-se verificar se o referido núcleo atende no fórum em que será ajuizada a cobrança da pensão”, afirma.
Eliza Brito ao lado de sua filha Maria Eduarda, de 7 anos. A criança ainda não teve a oportunidade de conhecer o avô materno
O advogado explica, ainda, que Para Eliza, toda essa situação gerou a pensão geralmente é paga aos filhos ainda mais tristeza. “A partir do momento menores de 18 anos e a filhos maiores de que ele me registrou, me magoou ainda 18, se estes estiverem cursando ensino mais, eu fiquei frustrada. Seria bem técnico, pré-vestibular ou ensino superior melhor continuar sem o nome do pai, só e não possuírem condições financeiras de com o nome da mãe e, enfim, pai é quem arcar com os estudos até os 24 anos. cria”, analisou. Elizabeth Brito, de 27 anos, até chegou a receber uma ajuda do pai, mas Os dois lados da moeda por pouco tempo. Eliza, como gosta O pedreiro Liberato Milhomem, 46 anos, de ser chamada, foi criada pela mãe, e foi criado pelos avós maternos. Sua mãe, apenas recebia uma ajuda mensal, que que já tinha uma filha, alegou, à época, durou até os 14 anos não ter condições de de idade. Para ela, o criar mais um filho “Ele só registrou problema maior não e, por este motivo, no papel, mas pai era o dinheiro, mas entregou a responsao afeto. A jovem não aos pais. Na presente ele não é” bilidade tinha nenhum contato casa dos avós, Libecom o pai. Eliza só foi Elizabeth Brito, recepcionista rato cresceu em um procurada pelo pai ambiente amoroso e, para ser registrada aos 15 anos de idade. ao mesmo tempo, rígido. O jovem sempre alimentou o desejo A atitude surpreendeu a todos, mas não deu o que ela mais queria. “Eu queria ter de conhecer o pai. Até que, quando ele o contato do meu pai, tê-lo mais perto de menos esperava, a oportunidade aparemim, mas nada disso! Ele só registrou no ceu. “Meu pai me procurou quando estava papel, mas pai presente ele não é”, recla- no leito do hospital, e eu fui até lá e passamou Eliza. mos um certo tempo juntos. Depois de RE D E M O IN H O | 2 9
três meses, ele faleceu”, A atual situação, “Sempre pedi a Deus segundo ele, muito o relatou. Após o ocorrido, incomoda, pois sentepara que não me a mãe de Liberato -se como se estivesse decidiu colocar o deixasse fazer com seguindo o exemplo nome do verdadeiro pai. “Sempre pedi alguém o que o meu do pai no registro de a Deus para que não Liberato. Com boas pai fez comigo, mas me deixasse fazer com testemunhas e munialguém o que o meu eu vejo que estou dos do batistério pai fez comigo, mas eu (documento referente dando continuidade vejo que estou dando ao batismo na Igreja continuidade na históà história do meu Católica) em que ria do meu pai. Eu constava o nome do quero quebrar essa pai” pai, o juiz deu causa coisa na raiz, acabar ganha para Liberato, Liberato Milhomem com essa culpa de ter que teve o nome do uma filha que eu não pai inserido em seu reconheci”. registro. “Coincidência ou não, após o resultado, minha mãe É sempre culpa do pai? disse que já havia cumprido sua missão e Na maioria dos casos de paternidade não que já poderia morrer em paz. Três meses reconhecida, são os pais que se negam a depois, ela também faleceu”, disse. registrar os filhos, mas há também casos Muitos anos antes, quando estava como o relatado por Everton Santos, de solteiro, Liberato se envolveu com uma 30 anos, que durante um bom tempo mulher por uma noite apenas. Depois de não pôde registrar seu filho por impealguns dias, ele acabou voltando para a dimento da mãe da criança. Após alguns namorada. Passados seis meses, quando meses do término do namoro, Everton foi já estava noivo, o pedreiro teve uma procurado pela ex-namorada que estava surpresa: aquela moça com quem havia grávida. A primeira reação não foi nada se relacionado apareceu afirmando estar boa. “Perguntei se ela não queria tomar grávida dele. “Eu fiquei um pouco em remédios para tirar a criança. Até hoje dúvida, porque tinha sido só uma vez”. Depois de 10 anos, essa mulher voltou a procurá-lo, juntamente com criança e, desde então, Liberato não teve mais contato com a suposta filha. O AÇÕES DO GOVERNO desejo dele é realizar um exame de DNA Para tentar reduzir o altíssimo número de pessoas para que se tenha a comprovação, pois a que não têm o nome do pai no registro de nasciconvicção de que ela não é sua filha não mento, a Corregedoria Nacional de Justiça, por é mais tão grande. “Ela já é uma mulher, mãe de dois filhos, sendo que o mais velho meio do Provimento nº 16, de 17 de fevereiro de é muito parecido comigo”. 2012, busca, através de uma série de medidas,
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Liberato Milhomem foi criado e registrado pelos avós. Só conseguiu inserir os nomes de seus pais pouco antes do falecimento de ambos
me arrependo muito do que eu disse”. Como resultado, a mãe da criança ficou com muita raiva de Everton e, após voltar para o seu ex-marido, ela decidiu que não o deixaria registrar a criança, dando a responsabilidade ao marido e passou a alegar que Everton não era o pai. A saída para Everton foi ir à justiça para tentar cancelar o registro da criança. “Foi uma burocracia muito grande, foi muito difícil. Tivemos várias audiências com os advogados e com a juíza”, contou. Em uma dessas audiências, a mãe afirmou
facilitar o reconhecimento da paternidade. No ano de 2012, quando o provimento entrou em vigor, foram realizados 1.322 reconhecimentos de paternidade. Seis anos depois, o número subiu para 21.547 reconhecimentos, o que mostra a efetividade da medida.
que a criança era mesmo de Everton, mas, mesmo assim, não queria cancelar o registro. “Eu tive que fazer dois exames de DNA e ficou comprovado que o filho era meu. Enfim, a juíza me concedeu o direito de registrar o meu filho”. Mesmo após a decisão, como “punição” por falta de pagamento de pensão, a mãe tem impedido Everton de ter contato com o filho há 14 meses. Para a psicóloga Maria Dilma Reges da Silva, o problema em casos como este é a possível desconstrução da figura daquele que é o verdadeiro pai a partir da opinião da mãe, o que dificulta uma aproximação entre pai e filho. “Vemos muitas mães que desconstroem a figura do pai. Isso aumenta a curiosidade e a vontade de conhecer essa figura, para que o próprio filho possa fazer essa opção. Pois essa decisão de querer ou não o pai por perto deve ser do filho e não de outra pessoa”.
Everton Santos só pode incluir seu nome no registro do filho após uma longa batalha judicial
“Um filho que não conhece o pai ou não foi reconhecido não necessariamente terá problemas” Maria Dilma, psicóloga comportamental
Adaptando-se e vivendo de forma plena
Nem para todos a ausência paternal é um grande problema e há também quem se adapte e consiga absorver bem essa realidade. Nina Rosa, de 43 anos, é um bom exemplo. Criada pela mãe, Nina conta que a paternidade nunca foi assunto em sua casa até a idade adulta. Segundo ela, o “assunto era veladamente proibido”. Somente em 2015, em uma conversa franca e dolorosa com sua mãe, Nina procurou saber a história sobre aquele que ela chama de “meus 50% que ficaram no escuro”. A professora de formação diz que não sentiu necessidade de ter o pai em sua vida. “Sobrevivi a tudo isso e optei por não procurá-lo. Entendi que a questão era com minha mãe. Atualmente, sinto essa história bem resolvida porque a minha formação teve muito amor. De
“Nada disso pra mim foi ‘bandeira’ de revolta ou mágoa” Nina Rosa, professora
certa forma, minha mãe realizou bem os dois papéis e isso me trouxe até aqui como uma boa pessoa”. Apesar de lidar bem com a situação, Nina acredita que a experiência ajudou a construir a pessoa que é hoje. “Essa experiência me impactou, sim, mas nada pra mim foi ‘bandeira’ de revolta ou mágoa. Sou grata àquele espermatozoide descuidado. Penso que essas coisas se arredondam mais na maturidade. Já tem um tempo que me sinto plena...simples assim!”, exclamou. Para a psicóloga comportamental Maria Dilma Reges da Silva, o caso de Nina mostra como uma conversa franca pode ajudar consideravelmente no processo de aceitação. Para a doutora, isso pode ser feito desde cedo, de modo a evitar traumas que podem surgir ainda na infância. “Um filho que não conhece o pai ou não foi reconhecido não necessariamente terá problemas. Ele pode passar por isso de uma forma mais tranquila, desde que a situação não se transforme em algo ainda mais traumático. Cabe à mãe ou a quem o cria mostrar a realidade, com clareza”.
PAI LEGAL NAS ESCOLAS O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) criou, no ano de 2002, o Projeto Pai Legal nas Escolas, que atende alunos menores matriculados na Rede Pública de ensino. A ideia é garantir a crianças e adolescentes o direito de ter o nome do pai em seus registros, conforme estabelece a Lei nº 8.560/92. Como resultado, mais de 5 mil brasileiros residentes no DF agora têm o nome em suas certidões de nascimento. Saiba mais sobre na página do MPDFT na internet, no endereço www.mpdft.mp.br . RE D E M O IN H O | 3 1
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S EXUALIDADE
Pode gozar, sim! Orgasmo feminino: precisamos discutir e quebrar esse tabu
por: Nicole Angel
“Cinquenta porcento das mulheres não conhecem o orgasmo e eu faço parte dessa estatística, infelizmente, porque eu não sei o que eu gosto e nem sei como que eu faço pra saber disso”. A declaração é de uma jovem publicitária de 24 anos que mostra a realidade de muitas mulheres brasileiras. Sexo e prazer nem sempre andam de mãos dadas no mundo feminino, e é necessário falar sobre isso porque as mulheres também precisam ter a chance de “relaxar e gozar”. Que atire a primeira pedra a mulher que nunca sofreu com a frustrante experiência de depois do sexo deitar na cama ao lado do parceiro dorminhoco, satisfeito e pós-orgásmico, enquanto ela está totalmente ativa em um completo estado de excitação e sem esperanças de dormir porque não teve seu desejo saciado. É preciso arrancar o band-aid e colocar o dedo nessa ferida da sexualidade e do prazer feminino. A questão tem que ser
discutida sem medo por todas as pessoas, ou seja, homens e mulheres, porque mais que um processo biológico, o prazer é um direito de todos e de todas. Assim como comer, o sexo também é um impulso biológico que é necessário aprender e sofre muitas influências, sejam elas culturais, sociais, econômicas, em resumo, de toda a realidade em que se está inserido. E se aprende muito sobre sexo e pouco sobre sexualidade. Ainda assim, logo que aprendemos o que é sexo, entendemos que o orgasmo é o objetivo. No entanto, dependendo do seu gênero, você pode receber mensagens diferentes em relação a esse “objetivo”. Segundo a TV, os filmes e a indústria pornográfica, o orgasmo masculino é fácil. Ás vezes fácil até demais. Já o orgasmo feminino..., é complicado. Antes de qualquer coisa, é preciso entender que as mulheres são orgasmicamente diferente dos homens e RE D E M O IN H O | 3 3
compreender essa diferença é Muitas mulheres não “Eu gosto de pensar a fundamental, porque as normas conhecem sua própria geograsexuais são construídas baseadas autoestimulação como um grande fia e por isso não fazem ideia do que significa vulva. A terapeuta na anatomia e no prazer masculaboratório sensorial do corpo” e massagista tântrica Elenice lino. “Tinha aquela questão do homem, o falocentrismo, e que Mariana Stock, empresária Oliveira defende: “Sentir prazer só ele faz, só ele pode, e aí acaba é algo que é um direito. É o seu sendo bem complicado você querer buscar uma informação corpo e ele foi feito para o prazer”. Ela acrescenta que a mulher e ter as coisas sempre voltadas pro homem”, conta a assistente deve se explorar, se tocar e “se deixar ir por essa energia e não administrativa Laís Frizarini sobre sua busca por informação ter medo dela, porque ela é uma energia muito criativa, muito enquanto mais nova , por volta dos 14 anos. Quando se compre- poderosa”. Mas as mulheres não são incentivadas a conhecerem ende essa diferença se torna mais fácil discutir sobre o orgasmo o seu próprio órgão, estudarem, colocarem um espelho ali e feminino. Ele pode ser sentido de muitas formas e tem muito mais ficar cara a cara com a própria vulva, porque diferente do órgão possibilidades e potências que as do prazer masculino. Mesmo masculino não é possível ter uma vista plena da vulva apenas as mulheres tendo tantas possibilidades de prazer, uma pesquisa olhando de cima. (The Journal of Sex Research, feita em 2010) nos Estados Unidos Vale o parêntese para fazer uma breve explicação da vulva: descobriu que 50% das mulheres já fingiram ter um orgasmo. as mulheres têm funções separadas com o clitóris exclusivamente para o prazer, a uretra logo abaixo para a excreção, e o canal Diferentes vaginal abaixo para a entrada de espermatozoides e reprodução. Orgasmicamente diferentes = anatomicamente diferentes. Se Válido lembrar que vagina é apenas o canal vaginal e que o externo existe uma diferença aí, é preciso primeiro conhecê-la para que é vulva. Até mesmo o nome do órgão feminino é chamado de haja entendimento mais profundo sobre as possibilidades de forma errada. Fecha parêntese. Se as mulheres não são incentivadas a conhecerem seu prazer do órgão. “Tinha o costume de sentar sempre com algo entre as pernas, porque sentia um prazer, mas pela idade e pouco próprio genital, que dirá conhecer o corpo e entender sexualconhecimento, não sabia identificar o porquê desse prazer”, relata mente como funciona e como é bom para cada uma, tornando a publicitária Luana de Souza sobre o seu primeiro contato com isso ativo e não mais passivo, como é imposto ao longo da históo prazer e ser algo inexplicável. Mas como é possível conhecer e ria. As mulheres são treinadas a vida toda para dar prazer, e não entender se nunca foi incentivada a isso? “A mulher está condi- recebê-lo ou senti-lo. cionada a não olhar pra isso, porque isso ainda é visto como O primeiro passo é enfrentar os tabus da sexualidade femialgo pecaminoso, como algo ruim. Então, a mulher sofre uma nina que são resquícios da cultura patriarcal e machista que repressão sexual muito grande. E se ela fosse levada a entender vivemos, com mais força no passado, mas, ainda assim, presente isso como algo natural e saudável, como é, seria diferente”, explica nos dias de hoje. “É muito importante que as pessoas entendam a psicóloga e terapeuta sexual Bruna Scafuto. que não existe isso de ‘ah não, a pessoa tem um nível social
“A relação com minha sexualidade é maravilhosa. Busco ler e aprender sobre meu corpo, sobre minhas potências sexuais.” Luana de Souza, publicitária 34 | REDEMOI NHO
Prazer x orgasmo
Muitas vezes as mulheres sentem prazer sem o orgasmo. “A gente transava, eu sentia uma sensação boa, mas não era nada como ‘meu deus, acho que vou ter um orgasmo’, não, era mais como ‘hum, que sensação gostosinha’”, relata a jovem publicitária de 24 anos, a mesma do início da reportagem, que prefere não ser identificada. Prazer, substantivo masculino, pode ser definido, de acordo com o dicionário, como uma sensação agradável de contentamento ou alegria; divertimento, diversão. Todo mundo já sentiu algum prazer na vida, seja comendo, se divertindo ou até mesmo transando. Mas e o orgasmo? O orgasmo, para muitas mulheres, é como se fosse um mito ou um prêmio da loteria. “O meu primeiro orgasmo foi com 18 anos, isso porque perdi a virgindade com 14”, recorda a suporte em ferramentas digitais Luanna Aléxia. “Eu vivo uma vida sexual desde os 16 anos e eu já estou com 24, agora se
você me perguntar quantas vezes eu tive um orgasmo, eu vou fingir que você nem está falando comigo e vou embora”, relata, com humor, a jovem publicitária de 24 anos sobre sua vida e o tal do orgasmo que nunca nem sentiu. Mas a possível razão para que tantas mulheres demorem ou nunca tenham tido um orgasmo é que elas não são ensinadas a fazer isso, não são estimuladas a se tocar, a se conhecer. Porque quando chegamos naquela fase e ainda estamos na escola, aprendemos nas aulas de biologia ou educação sexual coisas como menstruação, cólicas, doenças, anticoncepcional, gravidez e, claro, pelos. Como se sentir estimulada a se conhecer, a se tocar se não se tem nenhuma associação de prazer com a própria vulva? Quem é que vai querer ficar mexendo e procurando o seu prazer numa “área desconhecida”?
Vaginal ou clitoriano
Esses são os dois tipos de orgasmo que, atualmente, são conhecidos. A história ganhou corpo quando Sigmund Freud escreveu em seu livro Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, de 1905, que durante a puberdade, o centro de prazer feminino deixaria de ser o clitóris e passaria a ser a vagina. Freud também defendia que certos distúrbios
PRAZER, CLITÓRIS “Isso é só a ponta do iceberg” é o que define basicamente como as mulheres veem o seu clitóris. Apesar de parecer ser “apenas” uma ervilha enrustida na vulva, esse órgão é voltado apenas para o bel prazer da mulher e é muito mais complexo do que se pode ver e imaginar. Crédito: Priscila Barbosa
econômico melhor, então ela entende o que é a sexualidade’, não, isso é um tabu globalizado”, defende a psicóloga e terapeuta sexual Luísa Gama. E esse tabu é algo tão presente na vida das mulheres que acham que não ter um orgasmo é “normal”. Mas não é. É algo desesperador.
A anatomia exata do clitóris só foi descoberta em 1998, pela médica Hellen O’Connell
Oito mil e 500 terminações nervosas é a quantidade concentrada apenas nessa “ponta do iceberg” e ainda há ligação com mais 15 mil. O homem possui em seu pênis de 4 a 6 mil terminações nele inteiro. Fora as inúmeras terminações nervosas, o órgão também possui uma extensão de até 8 centímetros que abraça todo o canal vaginal. E o conhecimento sobre o tamanho do clitóris só veio em 1998, quando Hellen O’Connell, uma urologista australiana, resolveu fazer uma tomografia de um clitóris inchado e acabou conseguindo desvendar a estrutura desse pequeno iceberg. Se o clitóris envolve todo o canal vaginal, então, todo orgasmo é clitoriano? A resposta é: não. RE D E M O IN H O | 3 5
“Quase toda mulher passa pelo sentimento de culpa, e associa o prazer e gozar a algo errado e que deve ser contido”, diz Luanna Aléxia
psicológicos das mulheres, como a neurose e histeria, tinham como causa a preferência pelo clitóris na idade adulta. “É que a visão do feminino, da sexualidade, é em relação ao masculino ver a sexualidade feminina como algo que ele possui, que é dele, que ele tem direito a isso e ele que deve dizer de como e quando”, detalha a massagista tântrica Elenice Oliveira. Aqui, é importante ressaltar que o formato e o funcionamento da complexa anatomia do prazer feminino variam de mulher para mulher. Não tem um botão mágico que funciona para todas. O orgasmo da mulher é um mistério que não acaba, porque mesmo com a descoberta do clitóris e sua ligação direta com o prazer feminino, ainda há relatos de mulheres sentindo prazer apenas tocando os seios, como afirma Laís Frizarini: “Fui tomar banho, passei a mão no peito e senti um tesão. Oi? Pera aí, como assim? Como eu tô sentindo isso?” A terapeuta sexual Bruna Scafuto explica: “O nosso corpo é sexual, desde o nascimento as sensações geram prazer e esse prazer com desejo é psíquico, e o nosso corpo todo é. Mas a gente não é levado a entender isso e aí a gente fica preso só as zonas erógenas, estratégicas”. Como a ciência ainda sabe tão pouco sobre as experiências femininas e o orgasmo, muitas mulheres e homens aprendem na TV, nos filmes e na pornografia, mesmo que aquilo não retrate exatamente o que elas gostassem. “Todo aquele conteúdo pornográfico não trazia prazer e eu não me enxergava naquilo ali”, relata Luanna Aléxia. Mas aprender o que é esperado durante o sexo e o que é tabu é o que os sociólogos chamam de “roteiro sociossexual”, que nem sempre é positivo para a mulher.
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“Tem as preliminares, um beijinho aqui e ali, ele penetra, goza e acabou, e eu fico ali no limbo da excitação e da frustração porque não gozei também”, relata a jovem publicitária de 24 anos sobre uma das suas experiências sexuais. “Quando a gente fala de um prazer sexual dentro da sexualidade global, a gente fala de um relacionamento sexual. E no geral não existe relacionamento, existe coito”, exemplifica Bruna Scafuto. Esses roteiros são comuns, mas eles não são nada bons para o orgasmo feminino. Algo que parece bem eficaz e aumenta a frequência de orgasmos femininos, independente de idade ou orientação sexual, é a masturbação, que, assim como a sexualidade feminina, é tabu.
Sabe se dar prazer sozinha?
“Tinha coisas que eu tinha vontade de fazer, mas tinha medo, não sabia como, não sabia como buscar informação pra fazer do jeito certo, por exemplo, a masturbação” relata Laís Frizarini sobre a falta de informação e a proibição em relação ao assunto. A masturbação feminina só é tabu porque vivemos em uma sociedade machista. Se tiramos o fator cultural machista, a masturbação vira algo natural, porque estamos falando em tocar e descobrir o próprio corpo. Mas nesse percurso de descobrir o próprio corpo, existem muitos entraves que dificultam o processo, como explica Luísa Miranda sobre seu trabalho como terapeuta sexual: “Quando uma pessoa me procura, eu trabalho com ela, basicamente, três pilares: o cultural, para mostrar o quanto nós somos influenciados pela sociedade, em relação aos nossos papeis, aos nossos valores, religião, como nós internalizamos as questões familiares, como nós carregamos pesos que não são nossos e que interferem nas nossas relações sexuais, por exemplo, para tentar minimizar aquele sentimento de culpa que muitas mulheres têm”. No entanto, é possível ver a masturbação de outra forma, como defende a fundadora da Casa Prazerela, Mariana Stock. “Eu enxergo a masturbação, e eu gosto de chamar de autoestimulação, basicamente porque a masturbação é uma palavra que já tá muito ruidosa, contaminada, no sentido pejorativo da masturbação
“Se trata de conquistas, realizações pessoais, se pertencer, se libertar de regras e tabus” Luana de Souza, publicitária
masculina, eu gosto de pensar a autoestimulação como um grande laboratório sensorial do corpo” explica Mariana. O trabalho de descoberta desse grande laboratório sensorial do corpo necessita de auxílio, como relata Elenice Oliveira. “Quando a mulher está buscando ajuda pra conseguir atingir o orgasmo, por exemplo, eu sempre começo e indico o mapeamento vulvo-vaginal, que é feito sempre com ela respirando profundamente para relaxar, e aí eu toco a área interna do canal vagina dela, faz uma verdadeira aula de anatomia pra ela entender e identificar os pontos que são sensíveis”, finaliza Elenice, sobre sua terapia tântrica. Além da massagem tântrica, que pode ser uma das formas de trabalhar com o prazer corporal sem perseguir alguma coisa ou alguém, terapias orgásticas
A Casa Prazerela, em São Paulo, se transformou em uma das principais referências em prazer e potência feminina no país
“A mulher está condicionada a não olhar pra isso, porque isso ainda é visto como algo pecaminoso, como algo ruim” Bruna Scafuto, terapeuta sexual
também podem ajudar a mulher a trilhar o caminho do autoconhecimento e podem ser algo até difícil de explicar. Laís Frizarini destaca sua experiência: “Quando eu vivi isso de fato eu fiquei: caralho, isso é real mesmo, desculpa até o palavrão, mas é louco. E só vivendo pra entender, porque eu posso explicar de várias formas, tentar mostrar vários jeitos de como é sentir aquilo, só que você só vai ver, de fato, essa empolgação quando você passar por isso”. A terapia orgástica é um dos trabalhos feitos pela Casa Prazerela, espaço de sexualidade positiva e bem-estar da mulher que se propõe a abordar o empoderamento do prazer como potência para nutrir a qualidade das relações, impactar o mundo de forma positiva, desconstruir paradigmas nocivos e redescobrir a própria natureza. A Casa, em São Paulo (SP), é um ambiente seguro em que as mulheres, apenas, compartilham experiências e informações sobre o tema. Além dos cursos e eventos que são oferecidos pela Casa, a experiência mais procurada pelas “musas”, como Mariana Stock, fundadora da Casa, chamam as mulheres, é a terapia orgástica. “A terapia orgástica é um caminho de transformação da sexualidade da mulher, tornando-a
mais liberta, autônoma e autoconfiante. Muito mais que uma massagem, é uma experiência individual de ampliação de consciência num espaço seguro. Não é massagem tântrica. A terapia orgástica não tem cunho religioso, nem espiritual, é um desenvolvimento terapêutico agnóstico que foca na potência do corpo feminino, independente de crenças ou dogmas”, detalha.
Não é só sobre gozar
Com certeza não. Para a publicitária Luana de Souza, “se trata de conquistas, realizações pessoais, se pertencer, se libertar de regras e tabus.” E para a Luanna Aléxia, é “sobre uma eterna troca e o auto amor, que é uma chave muito importante para nos entender, transformar sentimentos, descobrir prazeres.” A assistente da Casa Prazerela Laís Frizarini ainda aconselha todas as mulheres: “Não tenha vergonha de ser o que você é, de se conhecer, de se tocar sem ter nenhum medo, porque é um momento de você com você mesma, não tem nenhum olhar pra te julgar e falar que você tá errada ou que não pode mexer ali porque é feio ou é sujo, porque na verdade é lindo, maravilhoso, é um lugar que te dá prazer sim, é um lugar que um dia pode sair uma criança e trazer uma nova vida aí pro mundo, e é isso: se conheça”. E como forma de cura, a massagista tântrica Elenice Oliveira afirma que o tantrismo é um ótimo caminho, porque “é uma excelente maneira de curar os nossos traumas, de nos libertarmos e nos abrirmos pra viver melhor e nos aceitarmos, nos amarmos e vivem melhor com o mundo a nossa volta”. A sexóloga Luísa Gama ainda pondera: “A nossa evolução sexual é constante”.
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S AÚ D E
Há 40 anos o Brasil enfrentava a desnutrição, hoje a obesidade Escolhas alimentares estão ligadas diretamente a problemas sociais, culturais e de saúde pública. Mudanças na renda, trabalho e estilo de vida tornaram a obesidade um dos maiores problemas de saúde do mundo
por: Gabriela Visconti 38 | REDEMOI NHO
Há 40 anos, o grande desafio do Brasil ligado à alimentação era a desnutrição. Hoje, é o combate a obesidade, principalmente nas crianças. Existem dois tipos de doenças relacionadas à alimentação: doenças da falta e doenças do excesso. Da falta são ligadas à dificuldade de acesso aos serviços públicos - como educação e saúde -, marginalização social, enfraquecimento da noção de cidadania, miséria e pobreza. As do excesso são relacionadas às mudanças de estilo de vida, a falta de atividade física e má alimentação. Quando se fala em crianças, a estimativa é pessimista. Segundo dados da Federação Mundial de Obesidade, o número de crianças entre 5 e 17 anos que estão acima do peso deve pular de 220 para 268 milhões em menos de uma década. Sobre o consumo alimentar, estudos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelam que 56% dos bebês tomam refrigerante frequentemente antes do primeiro ano de vida. A Pesquisa Nacional de Saúde (2013) também apontou que 60,8% das crianças menores de 2 anos comem biscoitos ou bolachas recheadas. Para a nutricionista da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, Luciana Lancha, a alimentação em casa influencia muito para a criança. “Tem um estudo que mostra, por exemplo, que uma criança, para experimentar um alimento que não conhece, ela vai dizer que ela não gosta e na verdade ela está dizendo “não conheço”. E que para uma criança experimentar algo, o alimento deve ser oferecido pelo menos dez vezes para que ela tenha coragem de experimentar”. A psicanalista Clarissa Silbiger Ollitta defende que atualmente quando uma criança leva uma fruta como lanche para a escola, ela se sente diferente. “Tem sempre
Um sanduíche Big Mac é responsável por 25% das calorias diárias que uma pessoa precisa
O número de crianças entre 5 e 17 anos que estão acima do peso deve pular de 220 para 268 milhões em menos de uma década implícito uma hierarquia de valores. O suco de caixinha é uma moeda que vale mais do que uma fruta e ninguém quer se sentir menos. O que circula implicitamente é um código de poder aquisitivo onde a criança que não tem não compartilha esse poder aquisitivo. Ela se sente humilhada. ” Segundo ela, muitos pais se sentem orgulhosos em poder propiciar bens de consumo que eles não tiveram na infância. “Eles têm a possibilidade de oferecer alguma coisa que eles não tiveram e não deixam seus filhos serem discriminados. E, de fato, o seu filho que leva fruta é visto como diferente. E você pode ampliar isso para roupa, para as férias, para as viagens, para a marca do tênis e para a marca da canetinha”.
Para mudar a alimentação e ser mais saudável, especialistas defendem que é necessário evitar alimentos industrializados, processados e embutidos. Substituir sucos de caixa e refrigerantes por água e sucos naturais e manter o prato diverso e colorido também são orientações dos profissionais. A jornalista Ana Júlia Tolentino, que mudou totalmente sua alimentação por problemas de saúde, defende que a mudança começa por cada um. “Esses problemas [de saúde] são criados por nós, pela sociedade como um todo que envolve grandes cabeças, grandes empresas, grandes mídias e por aí vai. Então, é importante que, à princípio, tudo isso comece do indivíduo e parta para o geral, mesmo que seja um grupo pequeno de pessoas que aí acontece o efeito corrente”. Atualmente, o excesso de peso acomete um a cada dois adultos e uma a cada três crianças brasileiras, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Mudanças no estilo de vida da população são as principais causas dos números alarmantes divulgados por órgãos e associações ligados à saúde. RE D E M O IN H O | 3 9
O avanço da tecnologia junto à mão-de-obra mais mecanizada faz com que as pessoas se exercitem menos. A locomoção também foi reduzida, pois a preferência é usar carros, motos ou transporte público. Juntando a falta de tempo, as alongas jornadas de trabalho e a falta de conhecimento sobre o assunto, a forma de se alimentar mudou na vida moderna. Segundo dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico 2017 (Vigitel), do Ministério da Saúde, em dez anos, a obesidade aumentou 60%. O peso excessivo também cresceu de 42,6% para 53,8%. “O que os dados da Vigitel apontam é que aumentou não só em quase 10 milhões os indivíduos obesos nas capitais brasileiras, como também aumentou em quase 3 milhões o número de diabéticos”, afirma a professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Constante Jaime. É o caso do jornalista Marcelo Souza, 51, que por causa da má alimentação e do sedentarismo, tinha obesidade e desenvolveu diabetes tipo 2. “Logo após a primeira crise, quando soube que tinha diabetes, tive que mudar todo o meu padrão de vida.” De acordo com especialistas da área da nutrição, a principal causa do aumento é a substituição de alimentos considerados “comida de verdade” por industrializados e ultraprocessados, como por exemplo, lasanhas, sanduíches e massas congeladas. Os maiores índices de excesso de peso entre homens estão em: Cuiabá (MT) com 66%, em Campo Grande (MS) com 65% e em Macapá (AP) com 64%. Entre mulheres: 56% no Rio de Janeiro (RJ), 55% em Maceió (AL) e 55% em Campo Grande. As capitais brasileiras com o maior índice de obesidade entre homens são: Macapá com 28%, Campo Grande com 28% e Porto Velho (RO) com 25%. Já entre as mulheres: Manaus (AM) com 24%, Recife (PE) com 21% e Cuiabá com 21%. O Distrito Federal é a unidade da federação onde a população consome regularmente frutas e hortaliças e se exercita mais. Em ambas categorias ficou em primeiro lugar com o melhor desempenho. Entretanto, também é o local onde o consumo de álcool entre homens e mulheres é o mais alto do país. As informações apontadas na pesquisa trazem uma questão: Macapá, no Amapá, pertencente à região Norte, que é conhecida pela tradicional e saudável culinária, possui o maior número de obesos do país e está em terceiro lugar no ranking de excesso de peso. 40 | REDEMOI NHO
O mundo inteiro come o que 10 empresas bilionárias querem que o mundo coma
Historicamente, os ingredientes do Norte compõem uma mesa ideal, do ponto de vista nutricional dos brasileiros. Os mais conhecidos são: peixes de água doce, frutos do mar, mandioca, milho, mel, cacau, tapioca, pimentas, feijões, castanhas, tucupi, tacacá. Todos são heranças dos povos originários, os índios. Mas aos poucos a cozinha tradicional que traz diversidade e que é um marco da cultura brasileira vem sendo substituída por produtos industrializados com excesso de calorias, baixo valor nutricional e com sabores inexistentes em alimentos comuns. Um sanduíche Big Mac, por exemplo, é responsável por 25% das calorias diárias que uma pessoa precisa, segundo a média recomendada por nutricionistas. Se juntar à batata-frita, refrigerante e sobremesa, essa média é facilmente ultrapassada apenas no almoço ou no jantar.
Esse tipo de refeição contínua, junto à falta de exercício físico, causa diversos dos problemas mais recorrentes da atualidade, que são as doenças crônicas não transmissíveis: obesidade, colesterol elevado, diabetes, doenças cardiovasculares, doenças pulmonares, hipertensão arterial, desnutrição, doenças degenerativas e anemia nutricional. Todos esses fatores, somados à falta de conhecimento e à falta de ética das empresas, fazem com que a população continue se alimentando de forma inadequada e passe os maus costumes para os filhos, netos, bisnetos. Para se ter uma ideia, na tabela nutricional de um restaurante fast food não consta a palavra açúcar. Ela é substituída pela palavra carboidrato. De acordo com dados do Journal Nature, o consumo de açúcar contribui para a morte de 35 milhões de pessoas por ano no mundo, o equivalente à população do Canadá.
As batatas fritas de saquinho possuem cerca de 42% de batata realmente em sua receita
A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo poderia chegar a 75 milhões, caso nada seja feito. RE D E M O IN H O | 4 1
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S AÚDE
Depressão e autismo Devido às pressões sociais e ao sentimento de inadequação ao mundo, autistas desenvolvem maior propensão à depressão
por: Marco Delgado
Desde pequenos eles são taxados como ovelhas negras, desconexos a realidade e sem autonomia. São indivíduos que fogem do padrão de normalidade estipulado pela sociedade. Os autistas são vistos pela grande maioria como seres sem potencialidades e que não contribuem para a evolução da humanidade no aspecto intelectual. Em decorrência desses julgamentos, o autista se sente pressionado a se encaixar no comportamento padrão o que desenvolve neles quadros depressivos e até tendências suicidas. Segundo uma nova pesquisa divulgada pelo Journal of Abnormal Child Psychology, uma publicação oficial da Comunidade Internacional de Pesquisa em Psicopatologia da Criança e do Adolescente, quase metade dos autistas sofre com depressão ao longo da vida. A pesquisa reuniu uma grande quantidade de estudos que avaliaram a prevalência atual de depressão em crianças, adolescentes e adultos que façam parte do transtorno do espectro autista (TEA).
Os resultados indicaram que a prevalência ao longo da vida foi de 48,6% quando utilizada uma entrevista padronizada para avaliar transtornos depressivos e que exigiam que os participantes relatassem por conta própria sintomas depressivos. As taxas também foram maiores em estudos que incluíram participantes com maior inteligência (QI). A pesquisa concluiu que as taxas de transtornos depressivos são altas entre os indivíduos com TEA. A depressão em autistas pode ser extremamente prejudicial quando o assunto é conduta social, agravando assim até as práticas de autoextermínio e isolamento. É o caso de Juliano Trindade, de 29 anos, jornalista de Charqueadas - Rio Grande do Sul, diagnosticado dentro do Transtorno do Espectro Autista no ano de 2017 após algumas constatações sobre alguns de seus comportamentos avaliados desde a infância. Ele afirma que sempre foi diferente das demais crianças, apresentando gosto RE D E M O IN H O | 4 3
por assuntos peculiares. O prejuízo de adequação que a sociedade impõe sobre o autista é tão grande que eles se sentem praticamente como estranhos no ninho vivendo em um ambiente desfavorável. “Vivi sempre preso a um sistema completamente desfavorável, tendo que me adequar ao estilo de vida dos outros, sem buscar minha própria identidade. A depressão é porque não tive uma vida favorável durante minha adolescência. Vivi sempre preso e forçado dentro de um sistema religioso, onde se impõe regras e mais regras. Foi aí que se agravou uma depressão profunda e até mesmo parei de acreditar na vida e em mim”, afirma o jornalista.
Fatores que contribuem para a depressão
se agrava quando ela compara o seu comportamento com as demais pessoas. Érica foi diagnosticada com autismo aos 35 anos de idade. “A vida toda me senti uma pessoa extremamente burra, lerda e lenta. Eu nunca compreendi muito as outras pessoas e os comportamentos que elas tinham”, diz. Comungando da corrente de pensamento da psicanálise, Maria Izabel Tafuri, psicanalista, ex-professora de psicologia clínica da Universidade de Brasília e pós-doutora pela USP (Universidade de São Paulo) afirma que, sozinho, o autismo não é causa e nem tendência para apresentar quadro depressivo, tudo depende do meio onde o autista está inserido e do tipo de vivência desenvolvida. Além disso, a depressão em pessoas que se enquadram dentro do TEA pode ser classificada como uma condição comórbida (existência de duas ou mais doença em simultâneo na mesma pessoa). “Tudo depende da qualidade de vida que o autista teve ao longo de sua vida. Pessoas que tiveram qualidade de vida inferior ou com um desenvolvimento psicológico por causa de determinado sofrimento não satisfatório com relação às necessidades básicas podem desenvolver a depressão. Assim funciona também com
Diagnosticada tardiamente dentro do TEA, Érica Matos diz que se sente fora de adequação em relação à sociedade
altamente sintomáticas. Esse tipo de paciente vai desenvolver, necessariamente, depressão na adolescência”. Os índices de depressão em autistas são maiores quando analisados casos em adultos e adolescentes que possuem a neurodiversidade de forma branda ou leve, também conhecida como a Síndrome de Asperger. É importante estar atento, desde o princípio, aos sentimentos de infelicidade ou inadequação das pessoas com TEA, por causa da tendência dessas pessoas de apresentarem pensamentos obsessivos.
Autistas podem ter maior propensão a apresentarem quadros depressivos dependendo do meio no qual estão inseridos, e além disso, a depressão em autistas pode ser vista e analisada como uma comorbidade. Uma série de fatores pode servir de combustível para o agravamento do quadro, como o sentimento de inadequação ao mundo, às regras sociais. Outro aspecto importante é a dificuldade de demonstrar emoções, fazendo o autista esconder o Sozinho, o autismo não é causa que sente de verdade. Além Avaliação e diagnóstico disso, pessoas que possuem a Dada a alta carga de depressão e nem tendência para apresentar neurodiversidade atípica em entre os indivíduos com TEA, quadro depressivo, tudo depende do sua maioria apresentam difium foco maior na identificaculdade de socialização, outro e tratamento oportunos meio onde o autista está inserido e ção fator que pode desenvolver o da depressão é importante, isolamento social e assim considerando que é uma do tipo de vivência desenvolvida causa potencialmente tratável Maria Izabel Tafuri, psicanalista contribuir para um quadro depressivo. de sofrimento, incapacidade e Érica Matos de 36 anos, diag- os pacientes autistas que não possuem que pode, em muitos casos, gerar compornosticada com depressão desde os 18 famílias organizadas, que sofrem de tamentos suicidas. Publicado em 2016, anos, conta que seu quadro depressivo abusos familiares ou que possuem famílias um estudo feito pela Universidade de 44 | REDEMOI NHO
Swenden mostra que pessoas caracterizadas no Transtorno do Espectro Autista morrem, em média, 16 anos mais cedo que a população geral. A avaliação e o diagnóstico de depressão relacionados aos indivíduos que se enquadram dentro do espectro é definida pelos mesmos critérios, mas diagnosticar e detectar a manifestação da doença é um trabalho árduo. Os próprios autistas têm problemas em identificar e externar esses sintomas. O profissional que acompanha a pessoa autista deve se atentar às mudanças de comportamento ou comparar o quadro com outro indivíduo com o nível de autismo semelhante. Outro problema que os profissionais encontram é confundir os sintomas de depressão com o autismo porque algumas manifestações são parecidas, por exemplo, dificuldades nas interações sociais. Joanicele Brito é psicóloga formada pela Universidade Paulista (Unip) especialista em autismo em várias idades, dá palestras e cursos sobre autismo e é coordenadora do MOAB (Movimento Orgulho Autista Brasil) e do projeto Autismo e Família. A profissional afirma que casos de depressão em autistas são mais comuns em adultos ou jovens, sendo mais comuns nos casos de autismo brando ou leve. “Nós temos que entender primeiro que essa questão de depressão e autismo é mais comum em autistas de alto funcionamento, os mais leves, geralmente abrindo para os Síndrome de Asperger. Isso acontece porque eles são extremamente inteligentes, têm um entendimento de que são diferentes. À medida em que eles vão crescendo, o que acontece? O bullying. Então, as pessoas não os respeitam, não os entendem, os taxam como doidos e pregam que os autistas têm que se encaixar. Absorvendo tudo isso, não
conseguindo lidar, sabendo que são diferentes, entram em depressão.” Fernanda Queiroz tem 20 anos e atualmente estuda Arquitetura e Urbanismo em Portugal. Foi diagnosticada dentro do espectro autista aos 16 anos, após muitas dúvidas e contestações por parte de seu psiquiatra. Ela conta que a depressão surgiu devido a problemas relacionados à falta de habilidades sociais (característica comum do autismo) criados no início da adolescência e que se agravaram por diversos motivos.
Joanicele Brito é psicóloga especialista em autismo e coordenadora da organização MOAB
Casos de depressão em autistas são mais comuns em adultos ou jovens, sendo mais comuns nos casos de autismo brando ou leve Joanicele Brito, psicóloga
“Devido ao sentimento de inadequação ao mundo, às regras sociais, nos sentimos como estranhos no ninho, como
“patinhos feios”. Sem diagnóstico, então, a tendência é achar que temos algum defeito, por não suprir as exigências sociais que nos são impostas. Outro aspecto importante é o cansaço psicológico que nossas tentativas de esconder nossas dificuldades trazem. O mascaramento de minhas dificuldades passou a ser algo inevitável com a chegada da adolescência, e com ela, a necessidade de fazer amigos. O que não levei em consideração é que, ao fazer isso, estava colocando os julgamentos das pessoas à frente de minha própria saúde mental, pois o esforço que me é requerido para “atuar” gera cansaço mental extremo e baixa autoestima. Com o tempo percebi que a matriz de minhas tristezas era sempre a mesma: o sentimento de inadequação perante os meus pares”, afirma a jovem. Em alguns casos, a depressão em neuroatípicos pode acarretar outros tipos de transtornos, como é o caso de Nígela Quintana dos Santos, de 32 anos, moradora de Charqueadas - Rio Grande do Sul, diagnosticada com depressão desde os 14 anos e consciente do diagnóstico de TEA desde o início de 2019. Nígela se tornou compulsiva por comida em decorrência do bullying constante exercido pelos colegas no período de escola e também pelas pressões de enquadramento social. “Isso tudo me despertou vícios alimentares que momentaneamente aliviam a ansiedade que tenho por não saber prever o que as pessoas pensam sobre mim. Isso piorou bastante meu psicológico porque me tornei uma criança/adolescente obesa, o que me fez conviver com bullyings terríveis, pois eu nunca me percebi diferente dos outros, entretanto, sempre havia alguém pra me lembrar o quão horrenda eu parecia sendo obesa. Era como se eu fosse um animal”, afirma. RE D E M O IN H O | 4 5
Autistas na internet
Marcos Petry, de 26 anos, é formado em Comunicação Institucional e pós-graduado em Design Gráfico pela Unidavi (Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí). Marcos é escritor, músico, youtuber e palestrante, tendo já publicado dois livros: o primeiro, em 2016, pela editora Chiado, “Contos de Meninos e Meninas, Contos de Homens e Mulheres”; e o segundo, publicado em 2018, pela Editora 3 de Maio, “Memórias de um autista por ele mesmo”. Além de escritor e músico, é produtor de conteúdo do canal “Diário de um Autista”, que recentemente alcançou a marca de 100 mil inscritos. Diariamente, Marcos abastece o canal com vídeos sobre vivências do autismo. Marcos Petry dá palestras sobre o tema no Brasil inteiro. Aos 7 anos de idade, descobriu o TEA de forma tardia, e desde então, se presta a vencer desafios e passar informações sobre o transtorno. Em meio a complicações de parto Marcos passou por problemas graves. O primeiro foi uma ruptura de uma membrana do coração que ocasionou uma Comunicação Interventricular (CIV). Atrelado a isso, foi necessária uma cirurgia de emergência, pois o sangue vazava do coração para o pulmão, ocasionando uma complicação pulmonar. O outro problema identificado aos três meses de idade foi a lesão de três pontos do cérebro. Neurologistas constataram que Marcos não viria a falar, nem caminhar, e que iria praticamente vegetar. A expectativa era de que ele falecesse com 1 ano de idade em decorrência de morte cerebral. Tendo passado por esse processo, os pais de Marcos conhecem um método de estimulação, desenvolvido pela escola 46 | REDEMOI NHO
Jovens enquadrados dentro do espectro autista levam inclusão por meio da música
Charlotte, na cidade de Brusque, em Santa Catarina, que se chama Véras. Marcos conta que foi a partir desse momento que a sua fala e as habilidades de caminhar foram finalmente desenvolvidas. “Minha mãe conta que foi como se tivessem ligado um rádio. Porque eu não falava absolutamente nada e depois eu comecei, não passei pela fase de ‘babutia’ dos bebês e desenvolvi uma comunicação efetiva”, afirma.
foi explicada, quando aos meus 7 anos e meio, uma psicopedagoga que estava fazendo uma especialização sobre autismo veio até nós e comparou o meu comportamento a todas as características e traços de autista. Até então, nós atribuímos que o meu comportamento era fruto da lesão cerebral.” Aos 13 anos, Marcos começou a refletir sobre o que era autismo. Com isso, ele se dedicou a pesquisar sobre o tema para se informar e conhecer melhor a “Eu definiria assim o própria essência pessoal. Somente aos 17 anos ele resolveu autismo: é um grupo de entrar de fato na internet como produtor desordens complexas de conteúdo do Youtube. No primeiro momento, Marcos criou um canal que afetam três para postar vídeos cantando e tocando processos no cérebro violão, mas em decorrência de algumas necessidades, ele acabou encerrando as - de comunicação, de atividades da antiga conta. Em 2015, ele reciprocidade e caráter passou a produzir conteúdo para um novo canal chamado Diário de Autista. gestual” Marcos define o autismo como Marcos Petry, 26, autista, palestrante e uma outra maneira de vivenciar e sentir criador de conteúdo do canal Diário de um o mundo. “É uma outra forma de procesAutista sar as informações que estão no teu meio. Os estímulos, como cheiros, cores, toque A partir dos 7 anos de idade, foi ou até mesmo a fala dos outros. Tudo é constatada a neurodiversidade atípica que processado de uma forma diferente e é Marcos Petry possuía. “Toda a falta de processado muito aos poucos. Eu definiria contato visual e a sensibilidade ao barulho assim o autismo: basicamente é um grupo
de desordens complexas que afetam três processos no cérebro -- de comunicação, de reciprocidade e caráter gestual. O autista geralmente não lê sutilezas e acaba sendo literal”.
Tratamento alternativo
De músicas autorais a covers de grandes clássicos, do punk rock ao heavy metal, de sucessos nacionais a internacionais. A banda Timeout Rock Band é composta pelos vocalistas Ivan Madeira (15), João Daniel Simões (13) e João Gabriel Mello (13), o baterista João Henrique Lopes (18), o baixista Marcelo Guimarães (18), o tecladista Matheus Winkler (14) e o guitarrista Thiago Carneiro (22), jovens e adultos que se enquadram dentro do espectro autista. O projeto nasceu através da parceria de três psicólogos, em 2017. Paolo Rietveld, João Guilherme Videira e Carolina Passos pretendiam criar uma alternativa complementar às terapias habituais em que pudessem trabalhar com os integrantes do projeto as relações interpessoais. O surgimento do projeto musical remete muito ao nome dado à banda. O nome “timeout” vem de uma interjeição do inglês que significa intervalo, interrupção ou pausa de alguma atividade. De acordo com um dos psicólogos e orientador da banda, João Guilherme, a
origem do nome veio de uma técnica da psicologia comportamental, assim como o grupo, chamada de “Timeout” (Tempo Fora, em português), que consiste em tirar o paciente de algum ambiente que estimule o comportamento disfuncional. Em decorrência da rotina desgastante de terapias a que os integrantes da banda são expostos, a Timeout surge como um ponto de equilíbrio e desconexão com a realidade, a fim de encontrar novas possibilidades e potencialidades nos meninos, que primassem pela espontaneidade e integração social. “É o tempo que você tem pra fazer as coisas que você gosta no seu tempo livre, fora da rotina ou da vida cotidiana”, afirma João Henrique Lopes, baterista da banda. Segundo João Guilherme, o foco da Timeout nunca foi o sucesso que estão alcançando e, sim, o projeto que os coordenadores mantêm com os garotos, em que trabalham as potencialidades dos integrantes, que recentemente estrelaram o terceiro episódio de “Os Originais”, uma série de mini documentários produzida pela Netflix e exibida pelo YouTube. “É um espaço lúdico, para eles serem o que são sem muita restrição. A ideia principal da banda é essa”, afirma o psicólogo.
Políticas públicas
O Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB) é uma Organização Não-Governamental sem finalidades lucrativas que trabalha pela melhoria da qualidade de vida das pessoas autistas e de suas famílias. A iniciativa possui organizações em todas as capitais do Brasil. Em Ceilândia, a coordenação é feita por Andréia Barros e a presidência é de Fernando Cotta. Além de coordenadora do movimento, Andréia é psicopedagoga especialista em ensino especial e mãe do
Gabriel Barros de 18 anos. Presente na organização desde 2015, o MOAB foi ponto chave na sua vida para obter informações sobre o diagnóstico tardio (13 anos) de seu filho. Ela diz que a iniciativa serve como amparo às famílias que tiveram seus filhos recém enquadrados no espectro autista, além de ser uma organização que mantém a solidariedade em primeiro plano. “O MOAB serve como apoio à família. Nosso foco maior é na família, pois quem vive, observa o autista integralmente são eles. Através desse trabalho, nós unimos o conhecimento e a experiência em favor da luta”. A organização desenvolve políticas públicas relacionadas ao autismo, como
Andréia Barros e seu filho Gabriel, que é autista
a proposta da Lei 12.764/12 que assegura aos autistas os benefícios legais de todos os portadores de deficiência, que incluem desde a reserva de vagas em empresas com mais de cem funcionários, até o atendimento preferencial em bancos e repartições públicas. A lei está em vigor desde 2013. Um dos programas atrelados ao Movimento Orgulho Autista Brasil é o Desabafo Autista Asperger. O programa funciona como grupo de ajuda para autistas e famílias e tem como objetivo ouvir e ceder fala aos neuroatípicos. RE D E M O IN H O | 4 7
Beleza alĂŠm das curvas
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CO M P O R TA M E N TO
Movimento Body Positive visa combater vergonha e preconceito e promover a aceitação das pessoas gordas
por: Carolina Honorato
Movimento que prega a aceitação do corpo, o Body Positive foi fundado em 1996 pela americana Connie Sobczac. A ideia é quebrar usuais padrões de beleza, incentivar o amor-próprio e combater a vergonha e o preconceito. “O gordo também é uma pessoa normal”, afirma a estudante de moda Iasmin Novais, 21 anos, militante do movimento. Iasmin lembra que levou algum tempo para aceitar seu corpo. Hoje, sente orgulho do que é. “O Body Positive é a forma de normalizar o corpo gordo, o corpo que não é considerado padrão, é a forma de combater preconceito, o bullying”, declara. O trabalho, segundo ela, é ajudar as pessoas a se descobrirem e, por outro lado, fazer a sociedade entender que a obesidade não é doença. A estudante de administração na Universidade de Brasília (UnB) Maria Luísa de Oliveira, 20, concorda. Ela observa que o olhar preconceituoso de uns, para o que consideram defeitos, está longe do que consegue perceber. “Muitas vezes o que para mim é defeito ou imperfeição no meu corpo, para outra pessoa pode ser uma qualidade, fazendo com que se sinta bonita e empoderada’’, conta. Para a empresaria Daphne Constantino, 31, o próprio termo “acima do peso” é equivocado. “Presume que há um peso máximo certo”, pondera. O Índice de Massa Corporal (IMC), que envolve uma equação entre altura e peso, é a forma mais usual de classificar se uma pessoa está fora dos padrão considerado ideal pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A faixa de IMC vai de menor que 15, que é extremamente abaixo do peso, até acima de 40, considerado obesidade mórbida.
< Para Maria Luisa, o que é imperfeição para uns, é qualidade para outros
A nutricionista Ana Paula Jansen alerta para os riscos que uma pessoa acima do peso pode ter, mas reconhece que há diversas formas para se avaliar as condições físicas. “A obesidade crônica aumenta ainda mais a possibilidade de o indivíduo ter alguma doença associada. O excesso de gordura corporal sempre acarreta maiores riscos de desenvolver doenças”, explica. Entre as possíveis doenças associadas à obesidade estão diabetes, hipertensão, síndrome metabólica, resistência à insulina, entre outras. Os adeptos do movimento Body Positive, no entanto, ponderam que tudo passa pelo autocuidado. “Existe algo chamado biotipo, que infelizmente não dá para ficar se matando para caber em um corpo que não é seu”, diz. Nas muitas vezes que tentou se adequar aos padrões da sociedade, Iasmin acabou por tomar remédios e chegou a desenvolver compulsão alimentar. Para Daphne, cuidar da saúde é uma questão que independe do IMC. “O peso é algo relacionado a características genéticas que em nada se relacionam com uma vida saudável”, completa.
“É a forma de normalizar o corpo gordo, o corpo que não é considerado padrão, é a forma de combater preconceito, o bullying” Iasmin Novais, militante do movimento
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“De certa maneira, a publicidade, a produção de moda vai tentar entender esses tipos de corpos” Cláudio Bull, antropólogo
Militante Iasmin mostra o amor pelo seu corpo 50 | REDEMOI NHO
Os adeptos do movimento argumentam que a sociedade sempre fez o papel de submeter padrões de como os outros devem se vestir, quanto cada um deve pesar, como as mulheres devem se comportar. Muitas vezes, alertam, isso faz com que a pessoa que está sendo submetida a essas pressões tenha sentimento de que não se encaixa no padrão sociológico, ou que está destoando do que é o padrão de um determinado grupo. “A nossa sociedade acredita que ser gordo é ser descuidado com a saúde” comenta Iasmin. O antropólogo Cláudio Bull explica que existe a ideia de um corpo publicitário. Muitas vezes a aceitação ocorre por meio da mídia. “De certa maneira a publicidade, a produção de moda vai tentar entender esses tipos de corpos”, aponta Bull. A partir do momento que há uma padronização do que a ciência aponta como saudável, a pessoas passam a temer retaliações por estarem fora da padronização. “A questão não é de ele ser gordo, voce tem hoje em dia uma questão de vários procedimentos da sociedade que não vai se dar bem com qualquer tipo de coisa que seja diferente”, explica o antropólogo. O olhar de aprovação do outro acaba sendo uma busca constante. “Por mais que as pessoas possam assumir seus próprios corpos você precisa da validação do outro”, comenta. Iasmin observa que quando a pessoa se sente bem com o próprio corpo, busca se cuidar. “Quando a gente se ama, quer cuidar da saúde, não é por ter um corpo gordo que necessariamente está com alguma doença.” No Body Positive há algumas dicas para ajudar as pessoas a se amarem da forma como são. Uma delas é não se
comparar com ninguém, para evitar a busca de aceitação por um padrão de beleza comum à sociedade e rejeitar o seu corpo tal como ele é.
Ser diferente é interessante
A verdade é que ninguém é igual. Todos têm diferenças, o que para o Body Positive faz com que a pessoa se torne mais interessante. O mister plus Pernambuco Felipe Miranda conta que sempre foi diferente dos seus amigos da escola. Criança obesa, na adolescência enfrentou ainda mais dificuldades. Não era chamado pelo nome, mas por apelidos pejorativos. “Só me chamavam de gordo, baleia e saco de areia. Negro e gordo, nunca se acostumou com o preconceito. Aos 24 anos, participou do primeiro concurso para se tornar mister. “Estava em casa quando vi em minhas redes sociais inscrições para o concurso. Fiz a inscrição, morrendo de vergonha. Quando vi já estava entre os finalistas”, fala Felipe, todo orgulhoso. O julgamento alheio e o preconceito, no entanto, ainda são frequentes. Felipe tenta mudar essa realidade não só para si, mas também para todos que enfrentam esse tipo de situação. Por meio das redes sociais, busca motivar que as pessoas se amem mais e encontrem sua identidade.
Rótulo
A rejeição ao rótulo constante é algo comum entre os adeptos do movimento. A engenheira de produtos Gabriella Silva diz que nunca teve problemas de auto estima. Como se adjetiva, é uma mulher mega confiante. “Como não tinha meu corpo para me apoiar, eu tentava procurar em outros ramos da minha vida, assim
não deixava nada me abater, minha mãe sempre me fala que sou muito linda”, afirma Gabriella. A psicóloga Laianne Santana explica que há vários estudos científicos afirmando que a aceitação é o primeiro passo para a mudança. “No meu ponto de vista, não se refere somente a uma mudança física ou estética, mas a mais importante que é mudar a maneira de pensar, principalmente quando se trata de algo que diz respeito a não aceitação própria”. Aceitar significa tomar consentimento sobre como seu corpo está, mas não se entregar ou deixar de se importar. Para Laianne, as pessoas que fazem parte do movimento Body Positive têm que ter visão própria e da vida. “Todos sabemos que a obesidade traz inúmeras complicações para a nossa saúde, logo, quando aceitamos que estamos acima do peso recomendado por um médico, de acordo com nossa altura, podemos usar a favor de uma melhor qualidade de vida”. A falta de aceitação própria e da sociedade pode trazer tanto a ansiedade quanto a depressão, ressalta a
Gabriella diz que família teve papel fundamental para elevada autoestima
psicóloga. O efeito pode ser uma bola de neve. “Uma crise de ansiedade ou depressão pode provoca compulsão alimentar”. Neste caso, segundo ela, o profissional busca a psicoeducação de todas as queixas envolvidas e a reestruturação cognitiva, em busca da mudança comportamental. Percebe-se que para mudar um sentimento ou comportamento, precisa-se trabalhar primeiramente o pensamento por trás de tudo.
Body Positive Reveja com quem você anda
“Diga-me com quem andas e direi quem és”
Pare de se comparar
A comparação não é boa no processo de aceitação
Comece a ter referências de corpos reais
Crie um feed inspirador
Tenha paciência com você e os outros
Quem está passando pelo processo é você
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Hábitos modernos: heróis ou vilões? Consequências geradas pelos meios eletrônicos podem atingir da fala à saúde mental. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 90% dos casos de miopia são resultado dos hábitos modernos
por: Gabriela Gonçalves
Carregados de inovação e compactos para caber no seu bolso, os eletrônicos são resultado do grande avanço da tecnologia. Eles podem te ajudar a pagar uma conta sem enfrentar filas, assistir a um lançamento sem precisar ir ao cinema e até mesmo estar ao lado de alguém que, na verdade, está a quilômetros de distância. Fazer uma ligação até a década de 1980, por exemplo, exigia, primeiramente, ter acesso às centrais telefônicas que direcionavam a ligação para um ramal específico. Hoje, com simples toques na tela do celular, em menos de 5 segundos a ligação já está sendo feita. Com os avanços, modernidades vêm e vão muito rápido. O computador, que chegou no Brasil por volta de 1980, já vem perdendo espaço no dia a dia da população. Segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016, o celular estava presente em pouco mais de 93% dos domicílios brasileiros, enquanto o computador ocupava 43%.
Mas apesar de benéficos, a internet e os eletrônicos também podem e causam grandes consequências a quem os utiliza de forma inadequada. Não é novidade que muitos jovens, adultos e idosos possuem problemas oculares. O que mudou foi a forma como esses problemas são originados. Segundo a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o uso excessivo de eletrônicos sobrepõe o número de casos de miopia, se comparado com a própria genética. De cada dez casos diagnosticados de miopia, nove são resultado dos hábitos do dia a dia. Larissa de Oliveira Campos, hoje com 18 anos, conta que começou a ter contato com a internet com seis anos. O uso era monitorado e regulado pela mãe, que permitia que a atividade fosse realizada durante uma hora por dia. Porém, anos mais tarde, Larissa começou a ter fortes dores na cabeça e nos olhos. “Eu sempre tive muita dor de cabeça, fui ao oftalmologista e descobri que tinha miopia. Comecei a usar óculos, mas a minha dor de cabeça não passava”, conta a estudante. RE D E M O IN H O | 5 3
Segundo o oftalmologista Elísio Bueno Machado Filho, a luz azul violeta emitida por celulares, tablets e computadores é responsável pelo desenvolvimento de problemas na visão. “Ela acaba estimulando a miopia nas crianças, principalmente, e o olho seco, porque quando você está muito concentrado, o ato de piscar reduz”, afirma o oftalmologista. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2050 metade da população de todo o mundo vai sofrer de miopia causada pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos. Apenas depois de anos, por meio de um diagnóstico oftalmológico, Larissa descobriu que tinha pressão alta nos olhos, complicação que não tem cura, mas possui tratamento contínuo. “Eu uso um colírio diariamente que controla a pressão do olho. É uma coisa com a qual vou conviver para o resto da minha vida. O tratamento é para sempre”, afirma. A miopia desenvolvida pelo uso excessivo de eletrônicos é mais comum em crianças e adolescentes de até 15 anos, mas adultos e idosos não estão imunes aos malefícios, é o que explica Elísio: “A miopia ocorre na primeira fase da vida, porque uma pessoa já adulta possui
Segundo a Sociedade Brasileira de Oftalmologia, o uso excessivo de eletrônicos sobrepõe o número de casos de miopia, se comparado com a própria genética 54 | REDEMOI NHO
A luz da tela de celulares e computadores afeta o sono porque corta a secreção de melatonina, hormônio ligado ao ciclo biológico do corpo
mais resistência. O olho já não tem tanta possibilidade de mudar. Mas as outras complicações podem e se desenvolvem em adultos e idosos. Dependendo do malefício, pode ser até mais prejudicial a eles.”
Desenvolvimento tardio
Não só entre os adolescentes e adultos, os recursos audiovisuais disponíveis na internet também viraram febre entre as crianças. Sucessos como Galinha Pintadinha, Mundo Bita e Peppa Pig somam, juntos, mais de 13 bilhões de visualizações, sendo o primeiro o mais assistido no Brasil. Apesar de na maioria das vezes esses programas serem educativos, o uso exacerbado pode causar inúmeros malefícios para as crianças, principalmente àquelas que começam a ter o contato com os eletrônicos muito cedo. A Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que até os dois anos de idade deve ser evitada, desencorajada e até proibida a exposição passiva em frente às telas digitais. A recomendação se dá pelo fato de
muitos casos de desenvolvimento tardio já terem sido registrados. Antônio (nome fictício), hoje com 1 ano e 5 meses, é um desses casos. Juliana dos Santos Gomes, gerente comercial e mãe de Antônio*, conta que o filho começou a ter contato com a internet com pouco mais de 3 meses. “Quando eu estava sozinha com ele e precisava muito fazer algo, eu colocava para ele ficar vendo, para deixá-lo entretido, vendo vídeos”, conta Juliana. Quando Antônio* completou um ano, algumas mudanças no comportamento dele foram notadas pelos pais. “Nós notamos que ele estava ficando muito atônito aos vídeos e ao mesmo tempo não percebia as pessoas à sua volta. Nós o chamávamos e ele não atendia”, afirma a gerente comercial. Essa situação não é tão rara quanto se pode achar. A psicóloga Camila Martins, pós-graduanda em neuropsicologia, afirma que casos como esse são comuns e prejudiciais em vários setores do desenvolvimento. “A criança que começa
o uso de eletrônicos muito nova tem seu vínculo social prejudicado. O uso precoce prejudica também na questão de empatia e desenvolve dificuldade de habilidades sociais”, afirma a psicóloga. Para sanar ou ao menos amenizar os malefícios advindos do uso de eletrônicos, a profissional recomenda que os pais tenham supervisão total sobre os filhos: “A criança não pode achar que ela tem poder. Então, a família sempre tem que estar junto, dar suporte, supervisionar”, reforça Camila Martins. O objetivo da supervisão é realmente ter controle e observar mudanças no comportamento das crianças, como aconteceu com Juliana Gomes, que após notar que o filho não havia desenvolvido ações básicas para a sua idade, começou a tirar, pouco a pouco, os vídeos animados do dia a dia de Antônio*.
Perda de audição
Segundo um comunicado emitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), metade da população jovem do mundo escuta música em volumes prejudiciais aos tímpanos. O CD, por exemplo, que foi uma inovação gigante no mundo da música, já é quase que totalmente deixado de lado. O seu computador, por exemplo, provavelmente não possui mais entrada para ele. Recursos como o Spotify e Apple Music acabaram por fazer desnecessário o uso dos CDs. Segundo relatório divulgado pelo IFPI (Internacional Federation of the Phonographic Industry), o total de receitas digitais chegou a mais de 11 bilhões de dólares em 2018 – 58% do total de receitas do mercado mundial. Apesar de muito prático, o fone de ouvido carrega consigo uma carga de aspectos negativos para a audição. Segundo Eduardo Botelho,
A Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que até os dois anos de idade deve ser evitada, desencorajada e até proibida a exposição passiva em frente às telas digitais otorrinolaringologista, o uso dos fones de ouvido não é prejudicial em si, mas a forma como é utilizado sim. “As altas intensidades de som provocam danos imediatos e irreversíveis às células da audição, sendo uma causa comum de perda auditiva entre adultos e jovens”, afirma Eduardo. A exposição à música alta por um grande período faz com que algumas células auditivas morram. Essas células são responsáveis por disseminar sinais sonoros para o cérebro e, quando perdem a funcionabilidade, fazem com que um problema de audição apareça. Um sinal de que a saúde auditiva não anda bem é
o zumbido (barulho no ouvido), especialmente após a utilização dos fones. Visando solucionar e reduzir o índice de pessoas com problemas de audição, a Organização Mundial da Saúde (OMS) juntamente com a União Internacional de Telecomunicações (UIT) colocaram em prática um projeto que solicita aos fabricantes de smartphones e demais aparelhos de áudio que insiram um software capaz de controlar o volume do som, além de alertar e reduzir o nível quando o limite for ultrapassado. O otorrinolaringologista Eduardo Botelho também aponta quatro dicas para que a utilização dos fones de ouvido seja
MINDINHO DE SMARTPHONE Mindinho de smartphone é o termo utilizado para nomear uma pequena deformação que afeta quem exagera no uso do celular ou tablet. O uso exacerbado do eletrônico faz com que o dedo mindinho - usado como apoio inferior para o aparelho - acabe entortando. Para evitar ou até mesmo amenizar os efeitos causados pelo celular, é ideal que se tente utilizar os eletrônicos pelo menor período possível, além de segurar o aparelho de diferentes maneiras ao longo do dia. Já quem o utiliza para assistir vídeos, filmes e/ou séries, os apoios de celulares, muitas vezes já instalados nas capinhas, são uma boa solução.
Pequena deformação causada pelo uso excessivo de eletrônicos, chamada de “Mindinho de smartphone” RE D E M O IN H O | 5 5
O hábito de digitar intensamente é uma das causas mais comuns da Lesão por Esforço Repetitivo
“As dores na coluna são queixas comuns nos consultórios de ortopedia, porque hoje em dia, com o aumento da tecnologia, as pessoas têm usado muito mais os eletrônicos – e na maioria das vezes de forma inadequada” Rafael Gonçalves, ortopedista e traumatologista
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benéfica: “É recomendado que se prefira fones supra auricular (headphone), pois eles diminuem a intensidade dos sons externos, fazendo com que o volume do fone não precise ficar tão alto. Além disso, o volume deve estar em intensidade moderada, aproximadamente 50% do volume do dispositivo. Fazer pausas de descanso dos ouvidos a cada 1-2 horas também é recomendado para manter uma boa saúde auditiva. Por fim, evitar usar os fones em um só ouvido e em locais barulhentos, pois a tendência, nestas duas condições, será aumentar o volume”.
Complicações físicas
Segundo dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), mais de 22 mil trabalhadores foram afastados das atividades profissionais por mais de 15 dias por conta de doenças relacionadas à Lesão do Esforço Repetitivo (LER) em 2017. Esse número representa mais de 11% de todos os trabalhadores beneficiados pelo INSS nesse ano. O hábito de digitar intensamente é uma das causas mais comuns da LER, é o que afirma a fisioterapeuta Betânia Campos Coelho: “Eu tenho recebido muitos pacientes com queixa de tendinites
na mão e no cotovelo por conta do uso excessivo de celulares e computadores.” Desconforto, dor nos membros superiores e dedos, formigamento e fadiga muscular são os sintomas mais comuns dessa lesão. Além das lesões por esforço repetitivo, o uso excessivo e inadequado das novas tecnologias pode resultar também em dores na coluna vertebral, que também é uma queixa recorrente dos pacientes, conforme afirma Rafael Gonçalves, ortopedista e traumatologista: “É uma queixa muito comum nos consultórios de ortopedia, porque hoje em dia, com o aumento da tecnologia, as pessoas têm usado muito mais os eletrônicos – e na maioria das vezes de forma inadequada”. Rosileia Alves Mesquita, de 30 anos, era auxiliar administrativa e adquiriu a LER no serviço, onde trabalhava na área de digitação. Os sintomas começaram a aparecer depois de 5 anos de serviço, e Rosileia conta que não teve nenhum apoio da empresa. “A empresa me afastou pelo INSS como se fosse doença fora do trabalho, não pela lesão adquirida lá dentro”, afirma. Para o ortopedista Rafael Gonçalves, o principal perigo dos eletroeletrônicos é o fato das pessoas fazerem
o uso indiscriminado deles e não terem consciência disso. Visando evitar que complicações como essa se originem, a fisioterapeuta recomenda a prática de exercícios laborais, que trabalham contrariamente ao movimento repetitivo executado. “Se você fica muito tempo no computador, olhando para baixo e digitando, de hora em hora você precisa fazer tudo ao contrário - estender o pescoço e alongar ao contrário os dedos”, afirma Betânia. Os exercícios laborais possuem extrema importância porque tiram a memória muscular da atividade repetitiva, visto que o que causa realmente a inflamação/lesão é a repetição e a não compensação do movimento.
DOENÇAS DA VIDA MODERNA - Metade da população jovem do mundo escuta música em volumes prejudiciais aos tímpanos. - O uso excessivo de eletrônicos sobrepõe o número de casos de miopia, se comparado com a própria genética. De dez casos diagnosticados de miopia, nove são resultado dos hábitos do dia-a-dia. - Até 2050 metade da população de todo o mundo vai sofrer de miopia, causada pelo uso excessivo de aparelhos eletrônicos. - Mais de 22 mil trabalhadores foram afastados das atividades profissionais por mais de 15 dias por conta de doenças relacionadas à Lesão do Esforço Repetitivo (LER) em 2017. Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS), Sociedade Brasileira de Oftalmologia e Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Além disso, para evitar as dores musculares na região da coluna vertebral, a observação se faz ponto primordial. “Observar a postura sempre que estiver fazendo manuseio dos eletrônicos e reduzir ou restringir o uso são formas de evitar as lesões na coluna”, afirma Rafael Gonçalves.
Transtornos psicológicos
Em conjunto com todos esses malefícios, os transtornos psicológicos também podem se manifestar. Insônia, ansiedade, compulsão e dependência são alguns dos mais comuns. Pedro Henrique Pereira dos Santos, estudante de Direito de 22 anos, teve sua vida virtual iniciada por volta dos 7 anos de idade. O que na época era diversão regulada, hoje se tornou um pesadelo. “Eu sempre joguei, mas era algo controlado. Nessa transição, eu comecei a jogar demais. Foi quando eu comecei a passar as noites em claro e os dias dormindo, quando começaram a surgir os problemas de saúde, de insônia e de ansiedade”, afirma o estudante. Segundo uma pesquisa publicada pela Harvard Medical School em agosto de 2018, a luz da tela de celulares afeta o sono porque corta a secreção de melatonina, hormônio ligado ao ciclo biológico do corpo. A psicóloga Camila Martins afirma que os transtornos psicológicos também são comuns entre os jovens da sociedade atual. “Hoje, no CID-11, que é a classificação internacional das doenças, o uso abusivo de jogos eletrônicos é considerado doença. Ele entra nos transtornos de vício”, afirma. A profissional também aponta a falta de limites – ainda na infância – como a grande causadora dos malefícios: “A criança não pode achar que ela dá conta de tudo porque para você
Segundo dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), mais de 22 mil trabalhadores foram afastados das atividades profissionais por mais de 15 dias por conta de doenças relacionadas à Lesão do Esforço Repetitivo (LER) em 2017 entrar com limite é muito complicado”, alerta a psicóloga. Pedro Henrique, que hoje luta para se desvencilhar do vício por jogos eletrônicos, conta que se assusta quando olha para trás e vê quanto tempo de sua vida perdeu para a internet: “O que mais me deixa assustado é que o jogo que eu mais joguei, eu tenho mais de 1 ano inteiro de horas jogadas.” E afirma que para tentar diminuir o dano causado, tenta focar em outras coisas. “Cuidar da minha saúde, me alimentar direito, pensar que eu posso e vou ter uma vida normal são coisas que me fazem não perder o foco”, conta o estudante de Direito. Os pesquisadores da Harvard Medical School recomendam que o uso dos eletrônicos seja encerrado entre duas e três horas antes do horário de dormir para que não haja efeitos negativos que atrapalhem e/ou modifiquem o ciclo preparatório do próprio corpo. RE D E M O IN H O | 5 7
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C OMPORTAMENTO
Sem crianças Cada vez mais mulheres desistem de ser mães por conta da profissão ou de realizações pessoais; para muitas delas a maternidade já não tem sido obrigação social ou imposição biológica
por: Giovana Ribeiro
Há um número crescente de brasileiras dizendo não à maternidade. De acordo com a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizada em 2014, essas mulheres correspondem a 14% da população brasileira; em 2010, na pesquisa anterior, a porcentagem era de 10%. Além disso, o estudo mostra que as mulheres com mais instrução (mais de 7 anos de estudo) estão sendo mães mais tarde, depois dos 30 anos, e a média de filhos por mulher diminuiu drasticamente – de 6,1 para 1,9 nos últimos 50 anos. Atualmente, ganharam voz as mulheres que não eram representadas, aquelas que decidiram não ter filhos, e que ainda são julgadas pela sociedade como egoístas e sujeitas a um possível arrependimento. É o caso da servidora pública Jacira Alves, 25 anos, que não pretende ter filhos e destaca que essa categoria de mulheres sofre preconceito por conta dessa decisão: “Acham que a gente é anormal, que não
gostamos de crianças. Nos julgam falando que nós não conheceremos o verdadeiro amor e que não vai ter ninguém para cuidar de nós na velhice. Só sei que se fosse para ter alguém para cuidar de mim na velhice eu contrataria uma cuidadora. Filhos não são garantia de nada”, diz. O que pode ser egoísmo para alguns, para Jacira é opção de vida. Solteira, ela acredita que a maternidade atrapalharia a sua vida atual, pois a autonomia de poder viajar e ter seu estilo de vida seriam interrompidos. Afirma ainda que há outros motivos para não querer ser mãe como a superpopulação, a degradação do meio ambiente e os gastos excessivos: “Acredito que não é ético ter filhos biológicos. Se um dia eu me arrepender poderei adotar. As pessoas só pensam em adoção quando a mulher possui problemas de fertilidade, mas deveríamos pensar primeiramente em adoção, sempre”, comenta. Segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), o número de laqueaduras RE D E M O IN H O | 5 9
realizadas em 2018 no Brasil totalizou 67.056. Jacira ainda busca sua laqueadura mesmo após negativas de médicos que argumentam sobre um possível arrependimento. É o mesmo argumento dado a outras brasileiras que estão à procura da cirurgia que liga as tubas uterinas, impedindo a gravidez.
cônjuge, que pode ser suprido judicialmente em alguns casos. É um direito previsto em lei, mas na prática há empecilhos para ser assegurado, mesmo quando cumpridas as exigências. Em alguns casos, as mulheres não conseguem a autorização e são desencorajadas. O presidente do Sindmédico-DF, Gutemberg Jacira Alves, servidora pública Fialho, médico ginecologista e Direito, na teoria obstetra explica: “Quando a O advogado Alan da Silva diz que segundo a Lei 9.263 de 1996, paciente é jovem, a conduta tem sido oferecer outros métodos Lei do Planejamento Familiar, podem ser submetidos à esterili- contraceptivos, outros métodos que evitam a gravidez, mas que zação voluntária homens e mulheres com capacidade civil plena não são definitivos, como anticoncepcional e uso de preservativo. e maiores de 25 anos ou com pelo menos dois filhos vivos, desde Isso acontece por conta do número de arrependimentos por diversas causas, após a cirurgia, dentre elas a realização de um novo matrimônio”, conta. No aspecto jurídico, Alan Silva conta que em tese o médico não pode se negar a realizar o procedimento mesmo a paciente atendendo aos critérios da lei. Caberia ao médico recomendar ao paciente o que deve ou não ser feito: “Por dever legal, o médico deve submeter o paciente ao procedimento excetuando-se situações que ele entenda não ser feito por causar risco à saúde do paciente”, afirma o advogado.
“Acham que a gente é anormal, que não gostamos de crianças. Nos julgam falando que nós não conheceremos o verdadeiro amor e que não vai ter ninguém para cuidar de nós na velhice”
Problema social
Jacira Alves, solteira, acredita que a maternidade atrapalharia a sua vida atual
que observado o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação de vontade e a efetiva submissão ao procedimento, período em que a interessada será instruída e acompanhada por equipe multidisciplinar. Se for casada é necessário o consentimento do 60 | REDEMOI NHO
Luiza Rodrigues, autodeclarada ativista pela laqueadura, casada e com filhos, não defende só a cirurgia, mas sim a liberdade para qualquer pessoa que tenha filhos ou não decidir pela esterilização voluntária: “Sou liberal do ponto de vista ideológico, ou seja, defendo uma maior liberdade de escolha pelo indivíduo. Quanto mais importante a escolha, maior o prejuízo se essa escolha for cerceada pelo Estado. Ora, ter filhos ou não é uma decisão que muda radicalmente a vida de qualquer pessoa. Nada mais natural que essa escolha seja livre”, reclama a ativista. Ela defende que o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem condições de fazer a cesárea ou o parto normal e, depois de 60 dias (prazo para a manifestação de vontade e a efetiva submissão ao procedimento cirúrgico), receber a mulher para a laqueadura: “O custo passa a ser menor para o serviço de saúde, por aproveitar a equipe médica no momento do parto cesárea, a internação e a ocupação de um leito aproveitando aquele momento de internação”, argumenta Luiza.
Luiza Rodrigues, autodeclarada ativista pela laqueadura, defende que essa escolha seja livre, sem que haja tanta burocracia do estado
O médico ginecologista Gutemberg Fialho já mostra outro viés, para ele o mais importante: “O termo de consentimento formado em relação à laqueadura, para quando a paciente está grávida, tem que ser feito no mínimo com 60 dias de antecedência porque o momento psicológico da mulher é outro. A mulher terminou de estar grávida e deseja laquear por uma série de razões. A capacidade cognitiva, a lucidez está comprometida por essas questões”, conta o doutor. Ele afirma que neste período a mulher terá de participar de curso multidisciplinar para que a vontade de laquear seja pensada com
“Ter filhos ou não é uma decisão que muda radicalmente a vida de qualquer pessoa. Nada mais natural que essa escolha seja livre” Luiza Rodrigues, autodeclarada ativista pela laqueadura
mais lucidez para evitar lá na frente um possível arrependimento, por se tratar de um procedimento irreversível. Além da dificuldade no cumprimento, há uma pressão social para que as mulheres tenham filhos, afirma a ativista Luiza Rodrigues: “Essa pressão existe, mas varia muito dependendo da sociedade, da religião e até da classe social da mulher. A causa parece ser a cultura de que a felicidade e a realização estão ligadas a ter filhos. Existe também a visão de que é necessário ter filhos para ter alguém para te apoiar na velhice”, conta.
Posição da Igreja
Em algumas religiões, as convicções religiosas para mulheres ou casais que não desejam ter filhos manifestam um fechamento de si mesmo e da graça da criação de Deus, é o que explica o Frei Mayko Ataliba Cruz de Andrade, da Casa de Formação São Francisco (Seminário da Teologia): “Hoje, a Igreja entende que a unidade matrimonial consiste em duas finalidades: procriação e o bem do casal, entendido como santificação e alegria evangélica dos mesmos. Agora, quando o casal percebe que após uma quantidade boa de filhos não tem mais condições de possibilitar a educação cristã, além dos subsídios básicos da vida, a Igreja aceita tal situação de regular a fecundidade dos esposos, seguindo os métodos naturais de controle de natalidade indicada por ela”, diz. A Igreja Católica defende como método a Ovulação Billings, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com a eficácia acima de 98% de controle natal. Além disso, para a Igreja, é indevido o uso de medicamentos anticoncepcionais e preservativos: “O problema dos
anticoncepcionais vai muito além do não engravidar. O primeiro aspecto, além do bíblico de ‘Crescei-vos e multiplicai-vos’, é que os anticoncepcionais, exceto os preservativos, são abortivos, violando o princípio da vida. Sabemos que o fundamento do matrimônio, segundo o Evangelho de Mateus, é a unidade e indissolubilidade. E o preservativo fere naturalmente a unidade do casal, haja vista que há um material que impossibilita o contato total do casal. Isso afeta também psicologicamente os dois, pois estão juntos e ao mesmo tempo separados. Esse é o principal motivo também de não utilizar o preservativo”, conta o Frei Mayko Andrade.
Ginecologista e presidente do Sindmédico-DF, Gutemberg Fialho explica que quando a paciente é jovem, a conduta tem sido oferecer outros métodos contraceptivos que evitam a gravidez
Garben Silva, 51 anos, assistente intermediária de saúde com uma união estável há 23 anos, utiliza o método tabelinha por ser espírita kardecista. Conta que sua religião, de forma direta, diz que os casais têm que ter filhos os quais são espíritos que têm débito e que vêm ao mundo exatamente para pagar essa dívida. Mas mesmo diante desse fato, ela não deseja RE D E M O IN H O | 6 1
Garben Silva acredita que cumpre a maternidade de outra forma, com o seu envolvimento em projetos sociais
filhos: “A minha religião também prega já ouviu frases desagradáveis: “Uma vez, de exclusão e anormalidades: “As mulheres isso, só que eu não levo isso em considera- uma colega disse que eu estava equivo- se sentem estigmatizadas porque a gente ção. Eu acho que há outras formas de você cada, que a mulher só se realizava através ainda tem uma construção do dispositivo cumprir a maternidade, por isso também da maternidade. Eu falei que eu não sou materno, uma construção que solidifica o meu envolvimento em vários projetos só útero, eu não tenho que ser mãe para muito o mito da maternidade. É estrutusociais. Porque o lema do kardecismo é garantir a minha feminilidade. Minhas ral para a identidade feminina ser mãe. ‘fora da caridade não há salvação’”, Aquela mulher que não quer ser “Minhas realizações estão em declara Garben. é quase um monstro social e ela Marta Antunes, vice-preuma possibilidade de outras esferas, como profissionais, denuncia sidente da Federação Espírita mudança que vai afetar as relações Brasileira explica o lema do kardeviagens, esportes, além de uma de poder. Logo, ela é ameaçadora”. cismo: “Após um período variável, A psicóloga ressalta que as série de coisas” define-se um planejamento reenmulheres que decidem não ter carnatório para o Espírito retornar Garben Silva, assistente intermediária de saúde filhos vivem se explicando para à reencarnação, que tem duplo a sociedade: “A gente ainda tem objetivo: reparar possíveis equívocos realizações estão em outras esferas, como como norma a maternidade e as próprias cometidos em existências anteriores e profissionais, viagens, esportes, além de mulheres começam a se perceber como tornar-se pessoa melhor, evoluindo-se uma série de coisas. Eu não tenho obri- exceção. À medida que elas se justificam, intelectual e moralmente. O renascimento gação de ser mãe, as pessoas não têm esse elas estão querendo convencer a elas de Espíritos deve ser submetido a um direito de ficar me cobrando uma coisa. mesmas da própria decisão. Todo mundo planejamento familiar”, explica. Se é bom para ela ótimo, mas não é bom paga o preço por quebrar o padrão social, a norma social, a mudar o mundo. O preço para mim”, afirma. Preconceito As mulheres sem filhos ou as que de ser exceção”, aponta a psicóloga. Para Garben Silva, a maternidade atrapa- admitem não querer tê-los são frequenteDe acordo com o antropólogo, Claulharia a sua vida atual e diz que há outras mente estigmatizadas. A psicóloga Miriam dio Ferreira, a ideia do feminino ligada maneiras de exercê-la. Apesar de receber Pondaag explica o porquê dos preconcei- à maternidade foi construída durante a o respeito da família e o apoio do marido, tos geralmente provocarem sentimentos Idade Média, com a mãe enquanto a figura 62 | REDEMOI NHO
da própria imagem de virgem tinha o objetivo, quando criança, “As mulheres se sentem Maria, com o comprometimento de ter de 3 a 4 filhos. Com o passar estigmatizadas porque a gente do tempo e as responsabilidades com seus rebentos, com seus filhos, dentro de uma dada tradiadquiridas aos 18 anos, após ainda tem uma construção ção. “A mulher teve que sempre ter saído de casa para estudar, o aceitar de forma passiva, não desejo de ser mãe foi abolido. Pelo do dispositivo materno, uma emocional, a relação da materempoderamento feminino, descoconstrução que solidifica muito o briu que não precisa ser mãe para nidade”, diz. O antropólogo explica seu ser mulher. mito da maternidade” ponto de vista nos dias atuais: “A A* Pinheiro já parou para transformação cultural do papel Miriam Pondaag, psicóloga pensar se mudaria de opinião. “Às do que é ser mulher está trazendo vezes me pego pensando se me uma forma diferente das pessoas de lidar as mulheres já não têm tanto receio de arrependeria em ter uma velhice mais solicom a sua realidade tangível, com o seu demonstrar que não nasceram para tária. Mas aí penso que filhos não são para a gente, são para o mundo”. Além disso, mundo e estar permitindo para algumas desempenhar o papel da maternidade. mulheres poderem manifestar essa insatisVanessa Xavier, 34 anos, servidora pensa nas sobrinhas: “Se nasce mulher, fação. Talvez, as mulheres sempre sentiram pública, apesar de receber a cobrança da todo assédio que passaria em sua vida. Eu isso só que elas não tinham como verba- família, principalmente por ser a filha mais sofri abuso infantil na casa de uma amiguilizar. Se hoje verbalizar culturalmente é velha, e o julgamento da sociedade por não nha quando tinha uns quatro anos”, relata. condenável imagina isso há cem anos? seguir o padrão esperado, não teme por se Seria uma coisa muito difícil”, afirma. arrepender e se isso acontecer buscaria a possibilidade de adoção. Liberdade Mas enquanto isso, a vida corrida Apesar da tendência de mulheres optarem de Vanessa por conta das viagens a trabaFEMINISTA DO SÉCULO 20 por não serem mães ser crescente e delas lho entre outras razões justificam a não enfrentarem o estereótipo de egoístas, pensar em filhos: “São vários os motivos Simone de Beauvoir foi uma importante que justificam eu não ter filhos, como, feminista da metade do século 20. Em 1949, por exemplo, o esgotamento dos recurSimone de Beauvoir, escritora e filósofa sos naturais no planeta, perda/inversão de francesa, revolucionou com o seu livro “O valores da sociedade ocidental atual, entre segundo sexo”, em que originou o feminismo outros”, afirma a servidora. contemporâneo. Com isso, as mulheres A psicóloga Miriam Pondaag aponta se percebem desafiadas a contestar o que há outros caminhos de realização das determinismo biológico que reservava a elas mulheres, e se ela vai para o lado de não a função materna. ter filhos é legítimo da mesma forma que alguma mulher que queira: “Nessa discusA obra retrata a condição da mulher nos são ela não está questionando o valor da planos social, político, psicológico e sexual, maternidade ou contra a gravidez. Não é lutando não mais apenas para combater as isso. É que se a mulher vai para esse camidesigualdades sociais, mas as raízes culturais nho, ela vai porque é uma escolha dela, é dessa desigualdade. Beauvoir não teve filhos o direito da liberdade e a autonomia das e nunca se casou com o seu companheiro, mulheres”. Sartre. Ela acreditava que para estabelecer A psicóloga Miriam Pondaag aponta que há A* Pinheiro (que preferiu não se uma relação de amor não era necessário o outros caminhos de realização das mulheres, além da maternidade identificar), 34 anos, servidora pública, casamento. RE D E M O IN H O | 6 3
C OMPORTAMENTO
A arte como refúgio Como a expressão artística transformou a forma como o homem lida com as marcas da vida
por: Ketlyn Victoria
Gabriel dança, fotografa e atua. Alana também se encontrou nos palcos do teatro. Já Brenner e Fugazzy acharam nas rimas da poesia e do rap uma forma de se expressar. Todos artistas, cada um de sua maneira. Mas o ponto que os une é um só: a arte como refúgio. Isso quer dizer que, em algum momento de suas histórias, eles encontraram na expressão artística uma forma de escapar de seus traumas e problemas. De acordo com estudo realizado pela Universidade de Drexel (USA), a arte pode reduzir significativamente os hormônios relacionados ao estresse no corpo humano. Já a pesquisa da University College London aponta que ver uma obra de arte desencadeia um aumento súbito de dopamina, substância química do bem estar, no córtex orbitofrontal do cérebro. Essa região do cérebro humano envolve os desejos e afetos que na presença de dopamina evocam sentimentos agradáveis. Devido aos seus inúmeros benefícios, a arte não é mais apenas um produto de contemplação, mas também objeto
utilizado em tratamentos psicológicos, como na arteterapia. Nessa modalidade, o profissional especializado utiliza recursos artísticos e visuais como elemento terapêutico. Regiane Rocha é formada em Artes Plásticas pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e cursou Psicoterapia Corporal no Core East Institute, de Nova Iorque. A fim de unir os potenciais da arte e da cura, resolveu apostar em uma especialização em arteterapia após enxergar que a demanda de seus alunos no ateliê ia além de desenvolver técnicas artísticas, mas que precisavam lidar com questões emocionais e existenciais. “Não somos regidos apenas por aquilo de que temos consciência. Para lidar com a mudança de padrões negativos que se repetem em nossa vida é necessária alguma forma de acesso ao inconsciente. Como o inconsciente se expressa através de símbolos e imagens, da mesma forma que nos sonhos, a arte se torna uma das formas mais eficazes de lidar com esses conteúdos. Cabe ao terapeuta ajudar o cliente a decodificar RE D E M O IN H O | 6 5
essas mensagens, através de perguntas, sabendo que há conteúdos universais (arquetípicos) e conteúdos que são bem particulares de cada indivíduo”, afirma a psicoterapeuta. Regiane conta ainda que a arte foi um refúgio não só na vida dos clientes, mas também em sua própria história. Para ela, a dança é uma ótima forma de aliviar tensões e, a pintura, uma maneira de trazer à tona os sonhos ou expressar o que sente. A arteterapeuta ainda revela que possui cadernos de escrita intuitiva, e que há coisas que só consegue expressar por meio da poesia. “Gosto muito da poetisa Viviane Mosé, quando diz: ‘a maioria das doenças que as pessoas têm são poemas presos’. Então eu me refugio na arte, para libertar meus poemas e aquilo que considero verdadeiro em mim”, finaliza.
Após uma depressão, o fotógrafo Gabriel de Souza encontrou na dança um refúgio para seus problemas 66 | REDEMOI NHO
Depressão e ansiedade são consideradas o mal do século. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas sofrem com depressão em todo o mundo, o equivalente a cerca de 4,4% da população. Quando se trata de ansiedade, o Brasil encontra-se em primeiro lugar mundial, com 9,3% da sociedade sofrendo com esse distúrbio. Nos consultórios tradicionais de psicologia, esses A fotografia é, ainda hoje, a profissão de Gabriel de são assuntos recorrentes. E é lá também Souza e uma forma de contar sua história que a arte é utilizada como recurso de tratamento psicoterapêutico, por possuir no momento do incidente, era o responum papel único na expressão emocional sável por ele. A educadora chamou os pais do paciente. do aluno e tentou, ao máximo, culpá-lo “Quando o paciente está num nível por algo que não havia feito. O motivo? de sofrimento muito grande, como em A cor da pele. uma depressão mais forte, um transSão muitos os “Gabrieis” do Brasil. torno de pânico, etc, há dificuldades De acordo com pesquisa realizada pelo de colocar em palavras o que está Datafolha em 2018, 55% dos partisentindo. A arte é um meio de expres- cipantes negros entrevistados para o são”, afirma a psicóloga estudo afirmaram já ter Adriana Marques Lôbo. “‘A maioria das sofrido preconceito por Em seus anos de trabalho, doenças que cor ou raça. Além disso, a Adriana conta que a arte pesquisa aponta que 30% tem se mostrado como as pessoas têm dos brasileiros já foram um meio muito eficaz no vítimas de discriminação são poemas tratamento de pacientes por causa da classe social. das mais diversas faixas “Sempre vivi à presos’. etárias. margem de todos os Então eu me preconceitos. PrincipalDo preconceito à arte refugio na arte, mente o social, porque Mais um dia normal na minha família não tinha para libertar escola. A aula já havia condição de me proporcionar muita coisa. Então, começado, mas Gabriel meus poemas além de negro, eu sempre ainda não estava por lá. Porém, ao pisar em sala, fui o pobrinho, o feio da e aquilo que descobriu que um relógio turma, o estranho. O alvo considero havia sido roubado. Com de todas as piadas era eu”, a chegada da professora verdadeiro em afirma o atual fotógrafo no local, alguns alunos Gabriel de Souza. mim” Devido a paixão disseram que Gabriel, que nem estava presente Regiane Rocha, arteterapeuta do pai pela arte circense,
Brenner Saboia, além de coordenar as competições na Batalha do Relógio, é responsável por divulgar o evento nas mídias digitais
Gabriel teve, aos 12 anos, o seu primeiro contato com a arte em uma companhia de teatro voltada para o circo. Porém, mesmo praticando as aulas e sendo elogiado pelo professor, não conseguia acreditar que era engraçado e apto para a carreira. O segundo contato com o meio artístico ocorreu após alguns anos, quando o pai, que trabalhava como arte finalista, ganhou uma câmera fotográfica em um sorteio, que acabou se tornando um novo hobby para o filho que adorava tecnologia. “Eu tinha uma dificuldade muito grande de olhar e enxergar coisas belas porque eu cresci sabendo que tudo era feio ao meu redor, já que as pessoas me viam assim”. Gabriel encontrou nos palcos um escape para se libertar de todo o preconceito que sofreu durante a vida. Em seu terceiro contato com a arte, a dança o retirou de uma depressão durante a qual emagreceu 27kg e o levou a se envolver com drogas. “Eu tive que romper barreiras para me impor, mostrar o que eu queria mostrar, pra mostrar minha arte. A arte me tirou de fato do obscuro, do buraco em que eu vivia. A arte me trouxe de volta”, finaliza o fotógrafo.
O coordenador da Batalha, Brenner Saboia, conta que conhece semanalmente histórias inspiradoras de pessoas que tiveram sua vida transformada pela arte criada ali no local. A sua trajetória na Batalha do Relógio começou pela curiosidade que tinha sobre o repente do Nordeste e, chegando lá, se surpreendeu com uma cultura muito mais abrangente. Após dois anos como espectador, passou por um problema que mudaria sua vida para sempre: a morte de sua mãe. Sem encontrar nenhum apoio familiar, Brenner foi acolhido pelos amigos da batalha e se tornou coordenador de um dos maiores movimentos culturais de rua do Brasil. “A cultura da Batalha do Relógio me ensinou a ser um homem de verdade. Antes eu era um menino mimado, racista, homofóbico, que achava que as minhas opiniões eram certas e a dos outros não”, recorda. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2016 o tráfico de drogas era o crime mais frequente entre os jovens. Em 2017, a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentou estudo que estima que o consumo de drogas é responsável por cerca de meio milhão de mortes a cada ano. Fugazzy (nome artístico) poderia hoje ser estatística. Mas, o seu contato com a arte abriu as portas para que ela pudesse sair do crime.
Na periferia Quinta-feira, 19 horas. Um encontro marcado toda semana em frente ao grande relógio da praça de Taguatinga. Por lá se reúnem cerca de 400 pessoas para competir na Batalha do Relógio. De acordo com levantamento feito pela consultoria JLeiva Cultura e Esporte, em parceria com o Datafolha, quase um terço da população brasileira depende do acesso gratuito para ir a eventos culturais. É ali, no movimento de periferia, que essas pessoas que não possuem voz conseguem gritar por uma vida melhor.
“Eu tava fazendo arte e minha mãe não ia chorar porque eu tava sendo presa”, conta Fugazzi sobre a entrada no rap
A rapper brasiliense conta de sorriso no rosto que chegou à Batalha do Relógio em 2016, quando ainda não tinha a proporção que tem hoje. Foi amor à primeira vista. Porém, antes de conhecer esse movimento que mudaria sua história, Fugazzy era traficante de drogas com apenas 16 anos. “Se eu RE D E M O IN H O | 6 7
“Se eu não estivesse no rap já estaria morta” Fugazzy, rapper
A artista, que trabalha atualmente em assistência social, ainda não tem a arte como profissão. “Você nunca vai se sentir vazio por sair da sua casa pra fazer arte. As pessoas têm que entender que a música veio pra sarar a dor, e nenhum poeta existe sem a dor. A dor é essencial pra gente escrever, pra gente sobreviver, pra gente aprender, pra gente percorrer, pra gente ser feliz. Agradeça à dor”, finaliza.
O projeto nasceu de um dos pilares de desenvolvimento do trabalho da Estupenda Trupe: a democratização do acesso à cultura proporcionando experiências artísticas para os mais diversos públicos. “Acreditamos no Teatro do Oprimido e na sua força para transformar a realidade do indivíduo, e acreditamos que a arte é fundamental para ser agente de revolução pessoal na vida dos adolescentes que se encontram nessa situação”, afirma Alana Ferrigno, integrante do grupo e parceira no projeto. As aulas ocorrem simultaneamente na Unidade de Internação de São Sebastião (UISS) e na comunidade no IFB em São Sebastião. Os professores abordam temas como preconceito, exclusão, injustiças e outros como amor, diálogo, família. Por se tratar de um público muito sensível, Alana aponta como maior dificuldade do projeto a distância de realidade entre os professores e os alunos. É aí que entra o Teatro do Oprimido para quebrar essa barreira. “Mais do que o relato [dos alunos] é bacana ver a evolução nas ações de cada participante. Por exemplo, um adolescente participante que com sua habilidade no grafite entendeu que ele pode se tornar um desenhista”, relata. Desde os oito anos de idade Alana Ferrigno traça sua relação com o mundo artístico. Ela, que começou praticando balé e outras modalidades de dança, encontrou no teatro sua vocação e também um refúgio. “Depois que minha mãe morreu, me vi despedaçada e fui convidada a fazer uma peça com os contos de Tenesse Williams, [dramaturgo estadunidense]. Eu me aprofundei em uma das personagens que tinha um humor ácido e surreal. Através dela expurguei as sombras daquele momento difícil e me diverti muito”, relembra a atriz. Crédito: Tiago Nery
não estivesse no rap já estaria morta. Entrei para esse movimento cultural quando estava saindo de depressão. Eu não estudei durante 2 anos da minha vida porque ficava trancada dentro do quarto escrevendo poesia. O meu tipo de poesia era aquele que incentivava alguém a tirar sua vida, e eu não quis mais isso para mim. Então eu mudei. Quando conheci a batalha, eu não pensava mais em ir pra boca traficar. Eu tava fazendo arte e minha mãe não ia chorar porque eu tava sendo presa”, relata. Além do rap, Fugazzy conta que já grafitou, fez dj e aulas de dança. Mas foi a escrita que ganhou o seu coração e transformou quem era. Foi com o rap, também, que pode ajudar a cuidar do irmão. “Teve uma vez que o aluguel da minha casa tava atrasado, meu irmão não tinha fralda, leite, nada. Eu tinha R$1,50 no bolso e fui convidada pra uma batalha valendo mil reais. Fui pra essa batalha na Via Estádio e ganhei. Foi uma reviravolta. Não tinha nada dentro de casa e voltei com mil reais. Isso pra mim foi uma conquista”, ela conta com orgulho.
Uma troca
São inúmeras as maneiras de inserir a arte no nosso dia a dia. Mas, infelizmente, nem todos podem escolher entre essas opções no Brasil. Segundo relatório “Panorama Setorial da Cultura Brasileira”, realizado pelo Ibope em 2014, 42% dos brasileiros não praticam atividades culturais com frequência. Mas, graças à algumas iniciativas, esse quadro vem se transformando. Como o projeto Troca de Experiências Artísticas e Reinserção (Tear), realizado pelo grupo de teatro Estupenda Trupe. Nessa iniciativa, atores e professores de teatro doam seu talento e experiência em aulas de teatro para adolescentes em conflito com a lei. Projeto Tear leva arte para jovens em conflito com a lei 68 | REDEMOI NHO
A HISTÓRIA CONTA As primeiras expressões artísticas se mostravam, muitas vezes, como tentativa de cópia do que era enxergado, como no naturalismo pré-histórico e grego. Porém, ao longo da história essa característica vai sendo transformada e dá ao homem o poder de se expressar por meio da arte. “A arte é o que nos transforma em seres humanos criadores. Apesar das primeiras manifestações serem mimetizadas, ela tenta dar para o homem o sentido de elaborar uma construção de uma realidade que não necessariamente seja a da natureza”, afirma o antropólogo Cláudio Ferreira. A valorização do indivíduo como ser singular se iniciou na Grécia Antiga, com artistas com Apeles, Zêuxis e Parrásio. No Renascimento, historiadores passam a estudar mais sobre a biografia dos criadores de arte para entender as suas obras, visto que na época surgiam personalidades complexas como Donatello, Michelangelo e Pontormo. “Ainda que as singularidades pudessem influenciar suas obras, estas refletiam, em sua maior parte, o sistema de valores iconográficos de suas épocas”, afirma o historiador Guilherme Gonzaga. A obra como produto direto de uma experiência particular só surgiu, de fato, no final do século XIX com o Romantismo. Nesse momento, os artistas passam a trabalhar uma questão de imaginário altamente pessoal. “Vejo o pintor alemão Caspar David Friedrich como exemplo do artista romântico modelo, que externou abertamente sua profunda visão religiosa, melancólica e elegíaca como resposta às vicissitudes do mundo moderno”, relata Guilherme. Após esse período, outros artistas marcaram a história com obras extremamente pessoais, que serviram, muitas vezes, como um canal para extravasar suas dores e angústias.
A obra A Cama Voadora retrata Frida Kahlo após o acidente que custou seus movimentos Auto-Retrato, 1889
FRIDA KAHLO VAN GOGH Símbolo de resistência, a artista mexicana Frida Kahlo é considerada um dos maiores ícones da pintura mundial com obras que expressam fielmente a sua vida pessoal. Foi na arte que ela encontrou refúgio para os seus traumas, como a poliomielite que teve aos seis anos de idade e o acidente que sofreu aos 18 anos que causou diversas sequelas em seu corpo e levou Frida a 35 cirurgias.
Embora tenha ganhado reconhecimento apenas depois de sua morte, em 1890, o holandês Vincent Van Gogh marcou a história da arte com suas técnicas únicas e, claro, com sua biografia. O artista, que foi diagnosticado com depressão e internado em um hospital após cortar parte de sua própria orelha, trouxe para seus quadros o retrato de sua realidade dentro do manicômio.
ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO
EMILY DICKINSON
O brasileiro Arthur Bispo do Rosário foi taxado como louco após anunciar que era um enviado de Deus. Bispo foi internado em um manicômio e produziu diversas obras durante seu período de internação, que durou 50 anos com tratamento bastante violento. O artista criou obras que dialogavam com diversos movimentos como o dadaísmo, a arte conceitual, a arte pop e as assemblagens.
A arte se expressou por meio de palavras no caso de Emily Dickinson. A artista de Massachusetts (EUA) só teve suas obras reconhecidas após a morte. Muito solitária e reclusa devido, principalmente, à sua educação rígida, Emily traduziu em poesias seus sentimentos, utilizando-as como refúgio.
Obra de Arthur Bispo do Rosário
Retrato de Emily Dickinson RE D E M O IN H O | 6 9
E DUCAÇÃO
Ilustração: Lele Reis.
Excelência em solidariedade
Quem sabe mais ajuda quem sabe menos. A partir de uma matemática simples, programa proporciona trocas de experiências que vão além do conteúdo na sala de aula, resgatando valores humanitários na construção de um Brasil com mais qualidade na educação por: Luciane Improta 70 | REDEMOI NHO
Eda Coutinho, reitora do IESB
a criação de um novo programa de desconto na mensalidade, o Bolsa Excelência. “É uma matemática simples: quem tem mais talento precisa distribuir mais. O Bolsa Excelência surge justamente para proteger o universitário que teve menos oportunidade em sua vida escolar”, enfatiza Eda Coutinho.
Muito além do mérito
O objetivo da Bolsa Excelência é incentivar aqueles estudantes que demonstram
excelente desempenho acadêmico e escolar a compartilhar seus conhecimentos com os demais colegas. “Se o estudante achar que a bolsa é para ele, está equivocado. Estamos falando de uma bolsa excelência em solidariedade, e não exclusivamente de mérito. Ou seja, o Bolsa Excelência não é um compromisso com o bolsista e, sim, com o aluno que precisa de ajuda nos estudos”, alerta o vice-reitor acadêmico do IESB, Luiz Cláudio Costa. Idealizador do projeto, o professor defende que, se não houver solidariedade, a bolsa falhou. “Apenas a nota boa não basta. Você não pode falar em mérito se os estudantes não tiveram as mesmas oportunidades”, argumenta. Além de oferecer benefícios financeiros para os alunos, o IESB entende que o programa é uma forma de aprimorar a formação acadêmica como um todo, em sintonia com os princípios morais e pedagógicos da instituição. Na opinião da pró-reitora do centro acadêmico, Regina Tambini, o Bolsa Excelência é uma contribuição humanitária, resultado da integração
Crédito: Emil Oliveira.
“O Bolsa Excelência é para desenvolver o espírito de solidariedade e de amor ao próximo. Parece clichê, mas não é”
Crédito: Divulgação IESB.
Crédito: Divulgação IESB.
Um país com oportunidade para todos, pautado no respeito às diferenças e que promova o desenvolvimento com responsabilidade socioambiental. Quem ousaria duvidar que a construção desse futuro passe por uma revolução na educação? Para alguns, além de acreditar, é preciso investir nesta causa. Mas apostar no conhecimento não é tarefa fácil. Muito mais do que a coragem para empreender, é preciso avaliar os caminhos, ciente das desigualdades sociais e das fragilidades do processo educacional brasileiro. Quando Eda Coutinho, reitora do Centro Universitário IESB, cursava mestrado em Educação, na Pennsylvania State University (Estados Unidos), um fato chamou sua atenção. “Logo no início, algumas disciplinas relacionadas à estatística eram bastante complicadas. Se as minhas amigas não tivessem me ajudado, não teria conseguido. Eu perderia a minha bolsa”, conta, destacando o apoio das colegas norte-americanas, com as quais possui vínculo até hoje. Valores como solidariedade e amor ao próximo motivaram, então,
A reitora Eda Coutinho defende valores como
O vice-reitor acadêmico Luiz Cláudio
Para a pró-reitora Regina Tambini, o
cidadania, honestidade e respeito na construção de um
Costa explica que não se pode falar em mérito se os
programa supera a capacidade cognitiva de ensinar,
país com mais qualidade na educação
estudantes não tiveram as mesmas oportunidades
focando no resgate do aluno e de sua autoestima
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entre as pessoas. “Isso é o que gera a verdadeira aprendizagem”, resume. A iniciativa surgiu em 2017 e foi inspirada em projetos anteriores, mas sem nenhuma contrapartida para a instituição. Hoje, o programa possui 51 estudantes bolsistas. Há alunos de destaque nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Ciência da Computação, Design Gráfico, Jogos Digitais, Psicologia e Publicidade e Propaganda.
Em geral, os bolsistas auxiliam seus colegas em atividades práticas de ensino-aprendizagem, sob orientação do professor responsável pela disciplina ou área de conhecimento. Os cursos que apresentam maior necessidade de apoio são contemplados com o Bolsa Excelência. A bolsa pode durar o curso inteiro, mas é validada a cada semestre. O compromisso do aluno é fundamental. O vice-reitor Luiz Cláudio Costa destaca que apenas 4% dos estudantes brasileiros possuem uma nota superior a 701 pontos no Enem. “Com uma bolsa de 100%, ele vai querer vir para o IESB”, defende o docente, que aposta na qualidade e reputação da instituição de ensino.
Novas habilidades
Com facilidade e conhecimento na língua portuguesa, Andréa Braga divertiu-se durante as monitorias e construiu novas amizades
Como funciona o Bolsa Excelência
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tornou-se a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil. A nota no exame, portanto, é o critério de escolha para os candidatos ao programa. O desconto pode ser de 50% ou 100% na mensalidade. Em contrapartida, os estudantes precisam auxiliar os colegas nos estudos. Mais detalhadamente, funciona assim: quem tirou entre 650 e 700 pontos no Enem pode conquistar uma bolsa de 50%. Já os estudantes que tiveram rendimento superior a 701 pontos têm direito a bolsa integral. A contrapartida é a parte mais interessante do projeto: para garantir a bolsa, o aluno que tem 50% desconto deve cumprir três horas semanais, atuando em atividades de ensino e extensão para os demais estudantes do IESB. E, para quem conquistou o desconto de 100%, a carga horária dobra: são seis horas semanais. 72 | REDEMOI NHO
“O Bolsa Excelência é um programa que vai além do que se propõe. É um grande desafio solidário, para o aluno que ensina e para o aluno que aprende”, acredita a pró-reitora Regina Tambini. Segundo a professora, a iniciativa supera a capacidade cognitiva de ensinar. “Ele foca no resgate do aluno e da autoestima. Ensina habilidades que talvez as próprias pessoas não conheçam”, destaca. Para Regina, o atendimento individual enfatiza não só o conteúdo, mas a troca de experiências. “Quem ensina também aprende. O bolsista busca recursos, ultrapassa seus próprios limites. A monitoria passa a ser um prazer”, conta. Indiretamente, o programa também reduz a evasão, melhora a qualidade do profissional que irá para o mercado e contribui para a formação de um cidadão mais preparado. Uma nota alta no Enem costuma significar bom desempenho nas matérias mais temidas pelos estudantes: português e matemática. As monitorias, então, começam por aí: reforço nas disciplinas básicas. Com o passar do
“Fez toda a diferença na minha graduação. Não tinha condições de arcar com a mensalidade e ainda tive a chance de ajudar outras pessoas” Andréa Braga, bolsista do curso de Design Gráfico
Gabriel Maia possui desconto de 100% no Bolsa Excelência e acredita que as aulas podem complementar o trabalho dos professores, além de manter os demais alunos engajados nos estudos
tempo, os bolsistas começam a ajudar, também, em disciplinas especificas dos cursos. “A grande maioria é de alunos que vieram de escolas particulares, mas também temos bolsistas de escolas públicas. Muitos faziam cursos na UnB e preferiram vir para o IESB, por conta da melhor estrutura oferecida”, destaca Wendel de Jesus, analista acadêmico da instituição e secretário da Comissão Acadêmica do Programa Bolsa Excelência IESB.
Monitorias que resultaram em amizades
Andréa Braga, 29 anos, havia começado o curso de Letras na Universidade de Brasília (UnB), mas percebeu que não era bem isso o que queria. Decidiu pesquisar sobre outros cursos na internet e interessou-se por Design Gráfico, no IESB. Foi por meio do site que ela soube do Bolsa Excelência. Como tirou 715 no Enem, Andréa conseguiu a bolsa de 100%.
Ela lembra que o plano inicial era prestar monitoria em Design Gráfico, mas como ainda não tinha bagagem e o curso era muito prático, propôs um grupo de estudos, pois sentia falta da teoria. A proposta foi discutida e aprovada junto à coordenação. Como já havia estudado língua portuguesa, teve facilidade em conduzir as atividades. A estudante explica que existe uma relação prejudicada entre o profissional de Design Gráfico e o português. “Um aluno chegou para mim e disse: eu falo melhor inglês do que português. Respondi: vamos ter que resolver isso”, brinca. Segundo Andréa, interpretação de texto é um problema recorrente e isso influencia na capacidade de abstração para fazer os trabalhos práticos. “Em outra aula, fiz um ditado. Cada aluno escreveu a mesma palavra de um jeito diferente. Nenhuma das formas estava correta”, lembra, aos risos. “Como havia uma relação de amizade, fiquei confortável para
corrigir e explicar a forma correta aos colegas”, lembra. Andréa conta que os estudantes passaram a comparecer às monitorias porque tinham dúvidas, mas permaneceram em função da afinidade. “Nessa época, fiz muitas amizades”, confidencia. Uma experiência inesperada marcou sua trajetória enquanto bolsista. “Por meio do Bolsa Excelência, tive a oportunidade de trabalhar com um aluno com Síndrome de Asperger. Foi um verdadeiro desafio, pois nem ao menos conhecia a síndrome. O apoio da família do aluno e do corpo docente do IESB foram muito importantes para que eu fizesse um trabalho satisfatório, que foi muito bem aceito e reconhecido pela coordenação do curso”, conta. “Saber que eu podia ajudar de alguma forma era muito gratificante”. Em junho de 2019, Andréa termina o curso de Design Gráfico. “O Bolsa Excelência fez toda a diferença na minha graduação. Valeu muito a pena. Não tinha condições de arcar com a mensalidade e ainda tive a chance de ajudar outras pessoas”, comemora.
Cenário ganha-ganha
“Se você puder escolher entre uma bolsa na universidade pública ou em uma faculdade particular, por favor, escolha a particular”, avalia Gabriel Maia, 22 anos, destacando a qualidade da infraestrutura do IESB. O estudante chegou a cursar um ano de Administração na UnB e hoje está no 5º semestre de Jogos Digitais. A conclusão do curso está prevista para o 1º semestre de 2019. Gabriel também possui desconto de 100% no Bolsa Excelência e, atualmente, presta monitoria em programação para cerca de 10 alunos. RE D E M O IN H O | 7 3
WhatsApp e aulão no sábado de Carnaval
Gabriel Maia é estudante de Jogos Digitais e acredita que a oportunidade de ser monitor é participar de um cenário “ganha-ganha”
“Cada bolsista, em sua monitoria, oferece suporte referente a uma matéria que domina, podendo, assim, complementar o trabalho dos professores e manter os demais alunos engajados nos estudos”, argumenta. Para Gabriel, o ponto mais positivo do projeto é que a oportunidade de ser monitor representa um cenário “ganha-ganha”. Ele acredita que o aluno bolsista, além de ter grande parte da mensalidade descontada, é incentivado a aprofundar seus estudos na área de interesse e criar boas conexões com seus professores. “Por meio da monitoria, os alunos que realmente procuram aprimorar seu conhecimento na matéria têm acesso a alguém com mais disponibilidade para auxiliá-los nas suas dúvidas, podendo ser crítico no desempenho acadêmico”, destaca. Há três semestres, Henrique Grecov, 20 anos, começou a frequentar as aulas de Gabriel. “Entrei durante o meu 1º semestre e fez toda a diferença. No começo, eu nem me interessava 74 | REDEMOI NHO
muito por programação e só me matriculei na monitoria porque imaginei que precisaria de bastante reforço. Mas, ao longo das aulas, passei a me interessar pela matéria e percebi que toda a turma avançou”, conta. Segundo Henrique, enquanto monitor, Gabriel ensina muito mais do que o previsto. “No final do primeiro semestre, eu senti que tinha aprendido bem mais do que a maioria dos meus colegas, que não participavam da monitoria. E as aulas acabaram sendo mais animadas”, relata o estudante.
Não perca as datas Se você ainda não fez o Enem e já está de olho no Bolsa Excelência, anote aí: em 2019, as provas acontecem nos dias 3 e 10 novembro. Serão dois domingos seguidos. Mais informações em www.enem.inep.gov.br
A noite de um sábado de Carnaval costuma ser sinônimo de descanso ou lazer para a maioria dos universitários. Mas, para os alunos do 1º e 2º semestres de Ciência da Computação, significou vídeo aula no Blackboard - plataforma digital, utilizada por todos os alunos e professores do IESB. “É prova o nome disso”, entrega o bolsista Pedro Haluch, 27 anos, responsável por uma das monitorias do curso. O encontro foi combinado por meio de um grupo no aplicativo de conversa WhatsApp. Pedro conta que os alunos não iam para as aulas e a justificativa estava na dificuldade de locomoção. “Isso o monitor não consegue resolver. Então, pensei: a monitoria vai até o aluno”, justifica, explicando como surgiu a ideia de criar um grupo no WhatsApp. “Hoje a gente aprende de uma forma diferente. A unidade de informação é muito menor. Se fica extensa demais, o aluno perde a atenção”, acrescenta. Quando Pedro apresentou a sugestão para a coordenadora do curso, Patrícia Moscariello, encontrou total apoio. “Temos muitos alunos que trabalham o dia todo e precisam cuidar da família, mas isso não quer dizer que eles não se dediquem. É justamente nos feriados e fins de semana que eles conseguem estudar e, portanto, quando surgem as dúvidas. O WhatsApp foi uma solução maravilhosa”, relata Patrícia, que garante não interagir nos bate-papos, mas fica de olho em tudo. A coordenadora explica que o índice de evasão dos alunos dos cursos de exatas no 1º semestre era muito grande. “Com o Bolsa Excelência, o
“O Bolsa Excelência é tudo o que um professor deseja: que o aluno bom resgate o aluno com mais dificuldade” Patrícia Moscariello, coordenadora do curso de Ciência da Computação
cenário mudou. Existe uma integração muito maior entre os alunos, eles conversam mais. Muitas vezes, quando um estudante pergunta, é outro aluno que responde. Assim, todo mundo estuda”, comemora. Patrícia conta que uma aluna havia reprovado no semestre anterior e decidiu repetir a disciplina. Em função da dificuldade, ela recomendou que a estudante passasse a frequentar as aulas da monitoria. “Com exceção dos monitores da turma, sua nota foi a mais alta. Este é um exemplo claro de sucesso do projeto”, enfatiza a coordenadora. “O Bolsa Excelência é tudo o que um professor deseja: que o aluno bom resgate o aluno com mais dificuldade”. Pedro está no 2° semestre de Ciência da Computação e possui bolsa de 100%. O estudante começou a dar aula particular ainda no ensino médio e confessa que sempre gostou da sala de aula. Antes de estudar no IESB, chegou a cursar quase quatro anos de Física, na UnB, onde também foi monitor. Ficou na Holanda por um ano, estudando e trabalhando, e conta que nunca ouviu falar de uma proposta parecida com o Bolsa Excelência. “Boa parte das dúvidas são de matérias básicas. Já tive que ensinar colegas a fazer uma conta de multiplicação com dois
O aluno Pedro Haluch e a professora Patrícia Moscariello inovaram com a monitoria via WhatsApp para os alunos de Ciência da Computação
algarismos. O monitor é uma solução muito bem pensada para todas as matérias”, acredita. Na opinião da reitora Eda Coutinho, se os alunos entenderem que valores como cidadania, verdade, honestidade e respeito precisam ser repaginados, para o bem das gerações
futuras, todos ganharão. “Não estamos pensando em um reconhecimento do Ministério da Educação ou no estatus que o programa pode trazer. O Bolsa Excelência é para desenvolver o espírito de solidariedade e de amor ao próximo. Parece clichê, mas não é”, finaliza a reitora.
FIQUE POR DENTRO DO BOLSA EXCELÊNCIA A cada semestre, é divulgado um edital, com a informação dos cursos e o número de bolsas que estarão disponíveis. Para quem tirou entre 650 e 700 no Enem, a bolsa será de 50% de desconto na mensalidade, com uma contrapartida de três horas de monitoria por semana. Já os alunos que conseguirem uma pontuação acima de 701 pontos no exame têm direito à bolsa integral (100% de desconto), comprometendo-se a prestar seis horas de monitoria a cada semana. A bolsa é válida para o período de integralização do curso, ou seja, para a quantidade
de semestres cursados. Caso o aluno não consiga concluir no tempo previsto, terá de arcar com os pagamentos restantes, para manter a bolsa durante os semestres seguintes. O Bolsa Excelência contempla cursos presenciais e a distância. Para manter o benefício, o aluno não pode reprovar em disciplinas, trancar ou cancelar o curso. Ele também precisa manter 70% de notas entre SS e/ou MS a cada semestre. O Bolsa Excelência é válido somente para os ingressantes na faculdade. RE D E M O IN H O | 7 5
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E SPORTE
Anos de frustração O futebol de Brasília passa por um momento de ressurgimento depois de alguns anos de decadência em nível nacional
por: Felipe Medeiros
O Brasil é, se não a maior, uma das maiores referências mundiais em relação a esse esporte, sendo o maior campeão em copas do mundo: 1958 na Suécia, 1962 no Chile, 1970 no México, 1994 nos Estados Unidos e 2002 no Japão e Coréia do Sul. É berço de jogadores de extrema qualidade e destaque, como Pelé, Ronaldo Fenô¬meno e Ronaldinho Gaúcho. Um cartão de apresentação de respeito se conside¬rado o fato de que 77% da população nacional colocam o futebol como maior paixão dos brasileiros, tanto entre homens (82%) quanto mulheres (72%) - dados levantados por uma pesquisa realizada pelo Ibope em 2012. Apesar disso, o futebol na capital federal não tem mais tanta representatividade se comparado há alguns anos. Até 2010, ano em que o futebol candango disputou a série B do Campeonato Brasileiro pela última vez, alguns times tiveram destaque nacional-mente, como o Gama
(campeão da série B em 1998) e o Brasiliense que com apenas 2 anos de existência foi finalista da Copa do Brasil e perdeu a final para a equipe do Corinthians de forma muito contro¬versa, segundo a imprensa da época. Desde então, passando por inúmeros rebaixamentos das divisões do campe¬onato nacional, falta de organização das diretorias dos clubes e cada vez menos apoio da mídia, o esporte foi perdendo visibilidade. Um dos principais fatores que indica a força de um clube é sua torcida e um dos principais pontos de defasagem dos clubes locais também é a torcida. Uma pesquisa realizada em 2013 pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) em seis cidades indicou que de 840.930 pessoas entrevistadas, apenas 76.866 torcem para algum time de Brasília. Os clubes locais têm o apoio de apenas 9,1% dos torcedores, os outros 90,9% torcem para clubes de fora do DF. RE D E M O IN H O | 7 7
O ex-jogador Mazinho Brasília uma paixão. A partir do momento que Segundo pesquisa da a cidade vai ficando mais experiente e explica o porquê dessa falta de apoio: tenha mais idade isso vai diminuindo aos “Somos uma mistura na formação de Codeplan de 2013, nosso DF. A identificação com o clube é poucos”. bem menor em relação ao Nordeste, Sul e O editor chefe da Band News FM e de 840.930 pessoas Sudeste. Quando se consegue montar um comentarista de futebol, Adriano Oliveira, entrevistadas, apenas aposta em empresários que pensem além time forte e se destaca, logo, logo perdem os atletas para fora. O torcedor não cria das quatro linhas e justifica a queda de 76.866 torcem para vínculo. Há uma variação e não se firmam qualidade do futebol local: “Acho que no algum time de Brasília como segundo time. A maioria torce pelo campeonato desse ano boas ideias surgiseu primeiro time que é de outro estado”. ram e eu cito duas equipes em destaque: O fato de Brasília ser uma das capitais mais novas do Brasil o Real e o Capital. São empresários investindo e pensando além é outro ponto que justifica a pequena concentração de torcedores das quatro linhas, levando opções para fazer com que o jogo dos times locais. Os clubes não têm tanta tradição por serem de futebol seja mais um atrativo e não o principal atrativo. Eu muito novos e tradição é algo que cria um vínculo entre time e acho que esse é um caminho para você conseguir criar novos torcedor. Para o jornalista e apresentador do programa Donos torcedores e agregar novos seguidores”. da Bola, exibido pela TV Band, Danny Pança, os torcedores se Fábio Guimarães, de 41 anos, é assessor de comunicação identificam com os clubes de fora por seguirem as paixões de da torcida Ira Jovem do Gama. Para ele o vínculo que se tem seus pais que já vieram à capital torcendo para algum time de com um clube de futebol é algo muito pessoal. Ele afirmou que outro estado. Isso explica a falta de identidade do torcedor com quando pequeno acreditava ser torcedor do Vasco, por influência da família, mas quando começou a acompanhar o Campeonato os clubes locais. Segundo o apresentador: “Isso está enraizado desde o Candango descobriu que torcia para a equipe do Gama. início, porque as pessoas que criaram a cidade já vieram para cá Fábio diz que para que ocorra um crescimento no número torcendo para outro clube. Todos têm um pai e geralmente em de torcedores dos clubes locais é necessária uma exposição maior. 90% dos casos o filho acaba torcendo para o time do pai, criando “Na minha visão teria primeiro que consolidar o futebol daqui. A maioria das pessoas teria que torcer para os times daqui e isso é algo mais difícil de acontecer pois os demais times ao redor do Brasil já estão consolidados”. O fato de Brasília ser uma cidade jovem, e consequentemente os clubes também, implica em uma restrição de torcedores. É difícil fazer com que torcedores de outros estados simpatizem com as equipes locais assim como acontece com os times do eixo Rio-São Paulo. Nisso a imprensa tem uma grande importância.
Abandono da mídia
O futebol local não atrai mais a grande mídia. Faltam atrativos, jogadores de destaque, rivalidade entre os clubes, competitividade. No campo da publicidade não se pode oferecer um produto a alguém caso não exista a certeza de que aquele produto será de qualidade. Adriano Oliveira cita que isso se deve à falta de comprometimento das equipes. “No futebol do DF você tinha a falta de respeito com horário de jogos, ou seja, não começava no horário, os clubes atrasavam, mudavam de dia. Essa relação de falta de 78 | REDEMOI NHO
Danny Pança é um dos apresentadores do programa “Donos da Bola”
compromisso com os veículos de comunicação, principalmente aqueles que acabam tendo uma grande abrangência, acaba sendo prejudicial”. Quando a Copa Verde ainda era realizada (competição disputada por equipes do Centro-Oeste, Norte e estado do Espírito Santo), as equipes locais tinham algum destaque nacional, pois o torneio era transmitido em um canal da TV fechada. Porém 2018 marcou o fim das transmissões da competição. A equipe do Brasília foi a primeira campeã, em 2014, e única do DF que conseguiu o feito, porém, após o título, o time não se manteve e segue apagado na segunda divisão do campeonato local. Mazinho utiliza o exemplo do time para justificar a queda de rendimento dos clubes locais: “O Brasília é um exemplo recente. Formou um bom time, venceu a Copa Verde, em 2014. Foi vice candango e não suporta a manutenção da equipe e a carga a seguir. O time acaba, cai e nem se ouve falar mais”. Daniel Vasconcelos é o atual presidente da Federação de Futebol do Distrito Federal. Já está há mais de um ano à frente da federação e diz que o principal objetivo é resgatar a credibilidade do futebol local, muito manchada pela falta de organização que estragou a experiência do público
competições. Em ordem, o Ceilândia é a equipe local mais bem colocada, ocupando a 83ª posição, seguida de Luziânia (112º), Brasiliense (117º), Gama (133º) e, por fim, o Brasília (189º). O ranking da CBF é o critério utilizado para a distribuição de vagas por estado dos campeonatos locais. Atualmente, o campeão e vice-campeão do Candangão têm direito a uma vaga direta na série D do ano seguinte. Jairo de Araújo tem 44 anos e é o atual técnico da equipe do Ceilândia. Ele cita que o fato de o futebol de Brasília não ter clubes disputando as séries mais importantes do campeonato nacional prejudica o desenvolvimento do futebol na capital. O calendário de competições também não favorece já que o Campeonato Candango começa em janeiro e termina em abril. Nos meses restantes do ano não sobram competições para disputar, com isso os jogadores acabam por buscar outros clubes onde tenham oportunidade de dar continuidade ao trabalho. O treinador destaca: “O calendário do nosso campeonato está complicado em função de não termos equipes nas principais divisões do campeonato nacional. Poderiam mudar nosso calendário colocando o início para maio e, assim, teríamos mais atletas de qualidade à disposição, diminuiriam a folha de pagamento porque teriam grande quantidade de atletas desempregados por conta de as divisões do Campeonato Brasileiro não terem demanda para essa quantidade de atletas”. O presidente da Federação espera que com o trabalho que vem sendo feito junto à diretoria dos clubes os resultados comecem a aparecer o mais rápido possível.
Futebol de baixo nível
Atualmente, cinco equipes do Distrito Federal estão no ranking de clubes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) que contabiliza um total de 218 times. A pontuação do ranking considera a participação dos clubes nos últimos cinco anos de
Adriano Oliveira é torcedor do Grêmio; em Brasília, torce para o Gama RE D E M O IN H O | 7 9
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E S P O R T E
Jogue como uma garota Brasília Pilots quebra barreira na capital não só por ser um time feminino de futebol americano, mas pela determinação e força de vontade das atletas
por: Matheus Ferraz
O futebol americano é um esporte tradicional e popular dos Estados Unidos. Engana-se quem acha que ele é praticado apenas por lá. No Brasil, apesar de ser uma prática com menos de 20 anos, a modalidade conta com 83 equipes masculinas em 22 estados cadastrados no Brasil Futebol Americano (BFA), associação que organiza as competições nacionais. Por muitos é tido como um esporte violento e só para homens. Mas equipes femininas estão ganhando visibilidade e mudando essa realidade aos poucos. Times de futebol americano formado por mulheres ainda são raros e acompanham as dificuldades de o esporte ser novo no país. Ao contrário das equipes masculinas, existem poucas equipes femininas espalhadas pelo Brasil, apenas
14 vão participar do campeonato este ano organizado pelo Brasil Futebol Americano (BFA). Falta de patrocínio, atletas e poucos times nas competições são os principais fatores que fazem as equipes desistirem. Em Brasília, quem visita a Esplanada dos Ministérios nos fins de semana provavelmente já se deparou com uma cena incomum. Nas manhãs dos sábados as garotas do Brasilia Pilots fazem parte da paisagem da cidade, treinando no gramado em frente ao Congresso Nacional. As atletas chamam a atenção por seus capacetes, uniformes e a famosa bola oval, equipamentos do futebol americano. O time Brasilia Pilots teve seu início em meados de 2016. Algumas das jogadoras já praticavam futebol americano, mas RE D E M O IN H O | 8 1
em uma modalidade que requer menos contato entre os atletas, chamada full flag. No flag, o tackle, ato de parar o adversário fisicamente ou lutar com ele no chão, é substituído pela retirada de fitas presas no cinto dos jogadores. A equipe nasceu da necessidade das jogadoras em praticar o esporte da forma tradicional com contato, o full pad. A desenvolvedora de software Raquel de Souza, 33 anos, está desde o início no projeto. Atualmente quarterback (posição que dá início as jogadas) do time, participa de uma equipe de flag em Brasília há oito anos. “A gente jogava flag, que é um esporte usado como base para futebol americano. Lá nos Estados Unidos eles
Quarterback do Pilots, Raquel Souza, está desde o início do time
“As mulheres acham que o esporte é violento e agressivo, mas na verdade o futebol americano tem muito mais a ver com xadrez do que com boxe...” Raquel de Souza, jogadora 82 | REDEMOI NHO
utilizam muito para as crianças pegarem a base do esporte”. Na visão da atleta do time, as equipes femininas ainda são poucas no Brasil porque as pessoas taxam o esporte como violento. “As mulheres acham que o esporte é violento e agressivo, mas na verdade o futebol americano tem muito mais a ver com xadrez do que com um jogo de box, é muito mais lógica, raciocínio e inteligência de jogar do que o contato e a força bruta em si”, completa Raquel. Bióloga e coach do Brasília Pilots, Vera Maria Araújo, 40 anos, tenta conversar e consegue mudar a opinião de algumas pessoas que acreditam que o futebol americano seja violento: “Quem não conhece o esporte pensa que é bem agressivo, não que ele não seja, mas ele é um jogo extremamente tático principalmente no ataque que a gente tem as jogadas”. A conquista de território é o principal objetivo do esporte. Estratégia é essencial para os melhores resultados. O time que chegar mais vezes na endzone (fim do campo) do adversário conseguirá o maior número de pontos. Existe outras formas de pontuar, mas a principal é chegar na linha final do campo (endzone) e fazer o famoso touch down, pontuação que se dá ao atravessar a linha do gol e vale 6 pontos. Numa comparação com o nosso futebol, é como se fosse o gol. Para participar dos campeonatos organizados pela BFA são necessários 25 atletas do feminino e no masculino 30. Com 22 jogadores dentro de campo ao mesmo tempo, 11 por equipe, as substituições são ilimitadas. No futebol dos Estados Unidos cada time pode contar com até 53 jogadores durante temporada regular, mas a liga organizadora molda o esporte de acordo com a realidade do país.
Paula Chiarotti, defense end do Brasília Pilots
“...no primeiro quarto eu tomei uma pancada e rompi meu LCA. Eu ainda fiquei jogando um pouco só que aí o fisioterapeuta falou que eu não ia voltar mais” Paula Chiarotti, jogadora
Esporte de contato
Como todo esporte a prática do futebol americano pode ocasionar algumas lesões. As equipes treinam e se aperfeiçoam para diminuir os impactos dos takles. Os treinos são cercados de táticas para diminuir o impacto de um ataque ou defesa que possa machucar o atleta, mas nem sempre dá certo. Apesar de possíveis lesões as jogadoras mostram que não estão de brincadeira e se esforçam ao máximo para continuar nas partidas, mesmo machucadas. A defense end (linha defensiva) do Pilots e publicitária de 29 anos, Paula
Equipamentos de futebol americano com Congresso Nacional no fundo
Lingerie Football League
Os treinos acontecem às quintas-feiras e aos sábados
Chiarotti, conta que rompeu o Ligamento Cruzado Anterior (LCA) durante jogo da primeira temporada do time. “O primeiro jogo oficial com Pilos FullPad, em Curitiba 2017, no primeiro quarto eu tomei uma pancada e rompi meu LCA. Eu ainda fiquei jogando um pouco só que aí o fisioterapeuta falou que eu não ia voltar mais e pegou meu capacete. Ele virou e falou para os coachs que eu não voltaria mais naquele jogo”. Outra jogadora que sofreu lesão durante jogo foi Lara Rodrigues, 25 anos, assessora de investimentos. Wide Receiver (receptora dos passes do quaterback),
machucou uma costela no fim do ano passado em um jogo contra o Vasco (América Big Hidders). “Eu machuquei uma costela, joguei até o final mesmo lesionada e sai de ambulância. Mas deu pra ir até o final e isso que importa.” Torcedora do Brasília Pilots, Marcela Araújo, 22 anos, afirma que o diferencial das atletas é a superação e o empenho em representar Brasília. “Quando vi o primeiro jogo delas, e vi o que elas conseguiam fazer me senti feliz em ver mulheres executando tão bem um esporte aparentemente masculino”, completa Marcela confirmando ser fã de carteirinha do time.
“Algumas pessoas perguntavam se eu jogava de lingerie”, comenta Raquel de Souza, quarterback. Esse tipo de comentário é uma realidade para algumas mulheres que praticam o esporte nos Estados Unidos. A Lingerie Football League (LFL) é uma liga de futebol americano criada em 2009. O que a faz ser diferente das atletas do Brasilia Pilots e de qualquer outro time de futebol americano tradicional é que as mulheres que fazem parte dessas equipes utilizam calcinhas e sutiãs para jogarem as partidas. As regras não são as mesmas do futebol tradicional e os uniformes também não, eles consistem além de sutiãs e calcinhas, cotoveleiras, joelheiras e ligas. O que mais remete a prática do esporte são os capacetes e as ombreiras. Vale ressaltar que as mulheres não utilizam roupa por cima das peças intimas, camisetas, shorts ou calças, deixando seus corpos expostos. Ainda, não há qualquer mulher acima do peso ou fora do padrão tipo modelo nesse tipo de campeonato. “Eu falo para todo mundo porque é ridículo, aquilo ali é um esporte para homens ficar assistindo. Aquele sonho bizarro de homens verem duas mulheres RE D E M O IN H O | 8 3
Fim do treino do Brasília Pilots: suor e dedicação pelo futebol americano em Brasília
“Eu machuquei uma costela, joguei até o final mesmo lesionada e saí de ambulância. Mas deu pra ir até o final e é isso que importa” Lara Rodrigues, jogadora As atletas Thamera Soares e Catarina Corassa prontas para uma partida, com o uniforme completo do time
brigando, é isso”, ressalta a wide e retornadora do time Lara Rodrigues sobre a LFL. A quarterback Raquel de Souza comenta que existe a liga de futebol americano feminino nos Estados Unidos, mas elas não têm muita visibilidade lá. Ficando difícil a prática do esporte da maneira tradicional. “Eu nem culpo as 84 | REDEMOI NHO
mulheres, porque foi a única forma que elas viram de conseguir jogar e atrair público. Elas fizeram isso, porque era o jeito mais fácil de viver do esporte”. Mas afirma sobre essa prática colocar mais preconceito e tabu nas jogadoras: “Eu não estou disposta a fazer isso então a gente está tentando quebrar esse estereótipo”.
Problemas com campo
Uma das principais dificuldades das atletas do Brasilia Pilots é conseguir campo para treinar durante a semana. Por não ser o único trabalho das integrantes do time, os horários são fora do comercial. O gramado em frente ao Congresso Nacional é uma boa alternativa nas manhãs de
“Quando vi o primeiro jogo delas, e vi o que elas conseguiam fazer me senti feliz em ver mulheres executando tão bem um esporte aparentemente masculino” Marcela Araujo, torcedora
sábado, acontece que nas noites disponíveis da semana a Esplanada não tem iluminação suficiente para garantir um bom treino. Para suprir essa demanda o espaço em frente à Funarte é a única saída. “A gente treina na Esplanada aos sábados e em dia de semana na Funarte, porque não tem campo. Mas na Funarte tem buraco, às vezes e cacos de vidros por contas das festas que acontecem lá, então é complicado”, ressalta Lara Rodrigues. Existe um preconceito com relação ao esporte e donos de quadras de futebol tradicional dificultam não só a atividade do Brasília Pilots, mas dos outros times do esporte em Brasília. Por acharem que a prática do futebol americano pode prejudicar o gramado, proprietários desses gramados não permitem muitos jogos nesses espaços. “Eles insistem em dizer que gastamos de forma diferente”, completa Raquel de Souza. “Já teve problemas com o pessoal da equipe masculina no estádio Bezerrão, eu era da equipe dirigente. Cancelaram um jogo dois dias antes, porque a Federação de Futebol bate de
frente com nossos times e deram um jeito de cancelar”.
Desafios
O Aracaju Alfa, único time de futebol americano feminino do estado de Sergipe, escolheu não participar do campeonato nacional esse ano. De acordo com a head coach da equipe e assessora parlamentar, Ivana Santos, 29 anos, “são vários os fatores a serem avaliados para a participação como: quantidade de atletas, moldes do campeonato, e os custos também entram nessa conta”. A arrecadação do dinheiro para bancar as despesas é feita pelas atletas com rifas e eventos e pela diretoria com incentivos pontuais de empresas parceiras. O Brasília Pilots recebe alguns patrocínios como descontos em suplementos, academia e crossfit, mas a dificuldade maior são as viagens. Uma alternativa às passagens é com o financiamento do Distrito Federal a partir do Programa Compete, que tem como objetivo incentivar a participação de atletas e paratletas de alto rendimento concedendo transporte
aéreo e terrestre pelo governo do DF. No entanto, no ano passado, por problemas de liberação de licitação, o Pilots não conseguiu viajar pelo programa. “A gente conseguiu para uma ou duas viagens e na última não tivemos a chance por conta da licitação. Tivemos que bancar essa última em cima de hora e era uma viagem muito longa. Veio o estresse de um dia inteiro de viagem com a gente estar bancando tudo e acaba saindo muito caro. A parte das viagens e equipamento”, afirma Lara Rodrigues. As equipes femininas de todo o país ainda têm muitos obstáculos pela frente, mas a persistência, determinação e o amor pelo esporte são maiores do que qualquer barreira. O que elas podem ter como certo é que as atletas do Brasília Pilots querem chegar à final do campeonato e levar o título este ano. “Ano passado a gente quase foi para os playoffs e esse ano a gente está treinando para chegar na final”, afirma a quarterback do time, Raquel de Souza, que se diz motivada nas conquistas do time.
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