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AGRICOLA
Janeiro 2022
Pesquisa desenvolve mudas de cana treinadas para enfrentar a seca A ideia é que essas plantas sejam, inclusive, capazes de repassar a “memória” da seca para as novas gerações Estudo realizado pela Universida− de Estadual de Campinas (Unicamp), com financiamento do Programa de Pesquisa em Bioenergia da FAPESP (BIOEN) e apoio do Instituto Max Planck (Alemanha), pretende avaliar a capacidade de plantas, a exemplo da cana−de−açúcar, se adaptarem a perío− dos mais longos de secas. A iniciativa se desenvolve no cenário climático atual, de estiagens mais frequentes e intensas. Coordenado pelo agrônomo espe− cialista em fisiologia vegetal e professor do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, Rafael Vasconcelos Ri− beiro, o estudo Bases moleculares da
memória à seca, desenvolve uma me− todologia para tornar as mudas pré− brotadas mais tolerantes à escassez hí− drica. “Realizamos duas rodadas de testes em laboratório, com diversas varieda− des de canas desenvolvidas pelo Insti− tuto Agronômico (IAC), em Campinas, e os resultados são muito animadores”, garante Ribeiro. Segundo o professor, tanto a cana pré−brotada submetida a um processo controlado de estresse hí− drico, quanto as mudas originadas de plantas estressadas, apresentaram boas respostas de tolerância à estiagem.Ve− rificou−se uma rápida recuperação da fotossíntese logo depois de encerrado o período de insuficiência de água, além de maior crescimento da planta. Submeter a cana pré−brotada ao estresse hídrico como forma de prepa− rá−la para futuros períodos de estiagem no campo vai na contramão das boas práticas no campo. “Isso é meio con− tra−intuitivo, não parece lógico”, ad− mite o pesquisador. “Mas testes em la− boratório têm indicado justamente o
oposto: temos de fazê−las experimen− tar o estresse hídrico ainda no viveiro”, explica o especialista em fisiologia e bioquímica vegetal. As plantas foram submetidas a dois períodos de estresse hídrico consecu− tivos, intercalados por um período de recuperação da hidratação. “Ao passar por dois ciclos de desidratação e rei− dratação, a cana pré−brotada desenvol− ve várias estratégicas e reações fisioló− gicas para manter o seu metabolismo sob restrição hídrica. Ela preserva a água, mas consegue manter um bom nível de fotossíntese que garante o seu crescimento”, explica Ribeiro. No caso das plantas submetidas ao estresse e que geraram mudas, o estudo sugere que a capacidade de acessar uma “memória” de seca demonstra que a alteração fisiológica e metabólica é mantida. “As raízes dessas mudas são maiores e mais profundas, indicando maior capacidade de extrair água e nu− trientes do solo. No caso da cana, po− deríamos dizer que mães estressadas geram filhas tolerantes”, brinca.
“Memória”
Segundo o agrônomo, a caracterís− tica de gerar mudas mais tolerantes à seca cria a possibilidade de se utilizar variedades de canas que já enfrentam estresse hídrico em regiões do país que são mais secas e destiná−las à produção de mudas para uso na região Centro− Sul do país. Ribeiro aponta que há uma certa dificuldade por parte da comunidade científica em aceitar que uma planta possa ter ‘memória’, já que não possui cérebro. “Chamamos de ‘memória’ a capacidade da planta em passar por um evento estressante, ser sensibilizada, ar− mazenar informações e acessar essas informações quando o evento se repe− te”, explica. O desafio agora é encontrar um marcador químico ou metabólico des− sa ‘memória’, além de compreender o que ocorre em termos de expressão gênica. “Se localizarmos esse marcador, ele poderia ser utilizado também em outras culturas com características si− milares”, complementa.